Tipos de Coesão Textual

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LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS

Prof. Rafael Cavalcanti do Carmo

Licenciatura em Química
2024/1
Turma: 1º período

A coesão textual como fator de textualidade e os tipos de coesão

Olá, caros estudantes. Espero que estejam bem!

Nas primeiras aulas do semestre, começamos a estudar algumas noções básicas de textualidade,
assunto que nos levou a mencionar e analisar brevemente o funcionamento da coesão dentro de um
texto, bem como a relação que esse fenômeno tem com a coerência. Recapitulando um pouco do que
ficou dito sobre isso, vimos que a coesão se relaciona com o aspecto estrutural do texto, ao passo que
a coerência diz respeito a seu aspecto intelectivo (ou seja, ao âmbito da compreensão do(s) sentido(s)
do texto).

A coerência, portanto, sendo a propriedade do texto de garantir um acesso claro e contínuo aos seus
sentidos possíveis, é estruturalmente auxiliada pela coesão, uma vez que, por meio dos diferentes
recursos coesivos disponíveis na língua, é possível explicitar relações de sentido entre diferentes
partes de um texto, de modo a guiar, por assim dizer, o leitor na compreensão textual.

Para prosseguir nossos estudos sobre a coesão textual, vamos conhecer diferentes categorias de
recursos coesivos, a partir da distinção principal entre a coesão referencial e a coesão sequencial.

Coesão referencial

Coesão referencial é um processo em que determinados elementos linguísticos presentes na estrutura


textual travam uma relação de significado semelhante a um processo de substituição. A partir dos
mecanismos de coesão referencial, palavras, expressões, fragmentos de oração e ideias como um
todo podem ser antecipadas ou retomadas ao longo de um texto. A coesão referencial, portanto, nos
auxilia na reiteração de palavras ou ideias importantes para o universo temático de um determinado
texto. Isso porque a composição de um texto sobre determinado assunto necessariamente vai
requerer de nós a mobilização frequente de um certo conjunto de palavras e conceitos que, se forem
simplesmente repetidos sem qualquer variação todas as vezes que se fizerem necessários para a
progressão temática, tendem a diminuir a fluência e a legibilidade do texto. Vejam este exemplo:

A história da química é vasta e fascinante, remontando a milhares de anos atrás. A química, como
disciplina formal, começou a estruturar-se durante o período da Alquimia, em que os alquimistas
buscavam entender e manipular os elementos para transformar metais comuns em ouro e encontrar o
elixir da vida. A palavra "química" deriva do árabe "al-kīmiyā", que, por sua vez, tem origens no termo
grego "khēmeía", significando "mistura" ou "fundir". Durante a Idade Média, a química estava
frequentemente envolvida em práticas místicas e pseudocientíficas, mas, com o surgimento da ciência
moderna, a química começou a se desenvolver como uma disciplina verdadeiramente científica. Com
o passar dos séculos, a química evoluiu significativamente, abrangendo diversas áreas de estudo,
como a química orgânica, a química inorgânica, físico-química e a química analítica. A história da
química é marcada por descobertas revolucionárias e avanços que moldaram o mundo moderno,
tornando a química uma das disciplinas fundamentais para a compreensão e o progresso da ciência e
da tecnologia contemporâneas.

(Texto gerado pela inteligência artificial “ChatGPT”, ligeiramente adaptado)

No ligeiramente exagerado exemplo acima, fica claro que o termo “química” constitui-se como o
elemento principal do assunto sobre o qual os três parágrafos pretendem informar. Por essa razão,
esse termo precisa ser frequentemente reiterado (ou seja, empregado novamente) ao longo da
estrutura textual. É, no entanto, facilmente perceptível que a simples repetição desse termo, tal e qual
é empregado em sua primeira ocorrência, ao longo de todo o texto, prejudica sua progressão,
tornando a leitura mais cansativa e menos fluida, além de empobrecer o texto.

Isso não significa dizer que repetir integralmente um termo anterior é um mecanismo de coesão
absolutamente proibido, que deva ser evitado a qualquer custo; trata-se, na verdade, de procurar um
adequado equilíbrio entre a repetição do termo e os demais mecanismos coesivos capazes de
referir-se à palavra desejada sem a necessidade de repeti-la, sobretudo quando a repetição for
simples de evitar.

Designar esses elementos cuja reiteração é necessária, sem a necessidade de repeti-los


integralmente é a tarefa dos mecanismos de coesão referencial. Esses elementos linguísticos, como
o nome já diz, estão sempre em uma relação de referência com outro termo localizável na estrutura
textual, ao qual chamamos referente.

A coesão referencial pode ocorrer por meio de dois grupos distintos de elementos coesivos: os
gramaticais e os lexicais. Os elementos coesivos gramaticais são aqueles que não possuem sentido
autônomo fora da relação remissiva (ou seja, de referência) que estabelecem com seus referentes. Já
os elementos coesivos gramaticais são os que, para além de referir-se a outro elemento da cadeia
textual, possuem sentido em si mesmos, quando considerados fora dessa relação remissiva. Vejamos
um exemplo, empregando elementos coesivos de cada um dos tipos ao pequeno texto que vimos há
pouco:

a. Durante a Idade Média, a química estava frequentemente envolvida em práticas místicas e


pseudocientíficas, mas, com o surgimento da ciência moderna, ela começou a se desenvolver
como uma disciplina verdadeiramente científica.

b. Durante a Idade Média, a química estava frequentemente envolvida em práticas místicas e


pseudocientíficas, mas, com o surgimento da ciência moderna, o campo começou a se
desenvolver como uma disciplina verdadeiramente científica.

Em ambos os exemplos acima, encontramos, na segunda frase, um mecanismo de coesão referencial


sendo empregado, uma vez que tanto o pronome ela quanto a construção o campo (artigo +
substantivo) estabelecem uma relação remissiva com o referente a química. Entretanto, a natureza
semântica desses dois elementos coesivos é o que os distingue, uma vez que, enquanto a palavra ele
é dependente do referente (a química) para que possa transmitir algum sentido, o substantivo campo
tem sentido em si mesmo, ou seja, mesmo fora da relação referencial com química1.

Por essa razão, dizemos que, no exemplo a, temos o emprego de um elemento coesivo gramatical,
enquanto em b emprega-se um elemento coesivo lexical. A palavra “lexical” vem de “léxico”, nome
que designa o conjunto das palavras existentes em determinada língua. Saber disso pode dar-nos um
auxílio a mais para compreender a distinção entre as duas formas de coesão referencial: na lexical,
designamos o referente por outra (ou outras) palavra da língua, dotada de sentido completo; na
gramatical, designamos o referente por um elemento gramatical desprovido de sentido em si mesmo.

Uma última forma de coesão referencial é a que se estabelece por elipse. A elipse é o procedimento
de supressão de uma palavra que, por ter sido anteriormente mencionada, pode ser subentendida,
pelo contexto, em determinada construção textual. Considerando o pequeno texto com que temos
trabalhado, seria o caso, por exemplo, do termo “a química”, em uma construção como a seguinte:

● Durante a Idade Média, a química estava frequentemente envolvida em práticas místicas e


pseudocientíficas, mas, com o surgimento da ciência moderna, [ * ] começou a se desenvolver
como uma disciplina verdadeiramente científica. – No espaço marcado entre colchetes,
simplesmente se retirou a palavra “química” do texto, ou qualquer outra que pudesse substituí-la,
porque o contexto é suficiente para entendermos que esta palavra, embora não explícita na frase,
está subentendida nela.

Estas são formas básicas para o estabelecimento da coesão referencial, que é, no fim das contas,
um importante critério de textualidade, sobretudo em redações avaliativas para Enem, vestibulares e
concursos públicos, mas também, obviamente, para a avaliação de trabalhos acadêmicos. Logo, vale
a pena, desde já, que vocês procurem escrever buscando empregar conscientemente diferentes
mecanismos de coesão referencial, por meio de elementos gramaticais e lexicais, bem como fazendo
uso da elipse.

Coesão sequencial

Como o nome nos antecipa, os mecanismos de coesão denominados sequenciais são aqueles
empregados para explicitar a ordenação, a hierarquização e as diferentes formas de interação entre as
ideias de um texto (ou seja, para estabelecer o sequenciamento das ideias do texto). São, portanto,
mecanismos fundamentais para o estabelecimento de uma adequada progressão textual.

Entre os principais mecanismos de coesão sequencial estão os conectivos, conjunções ou locuções


conjuntivas que servem para estabelecer relações de sentido entre diferentes ideias de um texto e são
peças fundamentais para o desenvolvimento da escrita. Como os mecanismos de coesão sequencial
são amplos e relacionam-se a outros conteúdos que ainda veremos, voltaremos a eles em aulas
futuras. Por ora, no entanto, destacarei os elementos coesivos que unem orações e períodos por meio
dos valores semânticos de causa / explicação (porque, pois, já que, visto que etc.), oposição (mas,

1
Essas nuances semânticas podem parecer um pouco abstratas demais quando não estamos
habituados a termos dessa natureza. No entanto, o que precisa ficar claro aqui é o fato de que
algumas classes gramaticais (como é o caso dos pronomes) são compostas por palavras que, fora
de uma determinada situação comunicativa, nada significam (tais como ele, seu, cujo, essa, aquilo
etc.).
porém, entretanto, contudo, no entanto, etc.) adição (e, assim como, bem como, além de, não só x,
mas também y, tanto x quanto y etc.) e conclusão (logo, portanto, por isso, assim, dessa forma etc.).

Vejam as afirmações abaixo listadas, cada uma delas dotada de um sentido completo:

● A atual Constituição Federal diz que o Brasil é um país de Estado laico;


● A sociedade possui o direito de exercer qualquer religião, crença ou culto;
● A liberdade religiosa encontra-se afetada;
● É notório o crescimento da taxa de violência com relação à falta de tolerância às diferentes
crenças;
● Diversas medidas precisam ser tomadas para tentar combater esse problema;
● É preciso uma maior atenção do Poder Público;
● É preciso uma maior atenção dos setores socialmente engajados;
● É preciso uma maior atenção das instituições formadoras de opinião.

Ao lermos essa sequência de frases, é possível perceber que elas não contam com nenhuma
articulação estruturalmente explícita, certo? No entanto, nota-se que entre elas há certa proximidade
temática, como se fossem frases possíveis de integrar um mesmo texto, não é verdade? Esse
conjunto de frases, de fato, integra o parágrafo de introdução de um texto dissertativo-argumentativo
da edição 2016 do Enem. O que fiz aqui foi justamente remover todos os elementos sequenciais de
coesão (assim como alguns referenciais) para que, restituindo-os em seguida, possamos melhor
enxergar a diferença que seu emprego traz para a adequada articulação de um parágrafo (e de um
texto como um todo), bem como para sua progressão temática. Vejamos o parágrafo original:

“Segundo a atual Constituição Federal, o Brasil é um país de Estado laico, ou seja, a sociedade
possui o direito de exercer qualquer religião, crença ou culto. Entretanto, essa liberdade religiosa
encontra-se afetada, uma vez que é notório o crescimento da taxa de violência com relação à falta de
tolerância às diferentes crenças. Assim, diversas medidas precisam ser tomadas para tentar combater
esse problema, incitando uma maior atenção do Poder Público, juntamente com os setores
socialmente engajados, e das instituições formadoras de opinião.”

No parágrafo original, deve-se notar, primeiramente, o impacto que as expressões destacadas em


negrito exercem na maneira de sequenciar o texto. Graças a elas, somos levados a entender, de
maneira explícita, certas relações entre o conjunto de afirmações feitas pelo texto, as quais, pela
leitura isolada da frase, poderíamos apenas deduzir. Na ordem de ocorrência dos elementos de
coesão sequencial destacados, vemos que:

● a expressão ou seja cria um nexo de explicação entre a afirmação “o Brasil é um país de


Estado laico” e “a sociedade possui o direito etc.”, afirmação que pormenoriza a anterior, fornecendo
uma informação adicional para a melhor compreensão do que viria a ser um Estado laico;

● o conectivo entretanto introduz uma ideia que leva o texto em sentido contrário ao das
afirmações feitas anteriormente, dando início ao caráter argumentativo do texto pela problematização
de um pressuposto apresentado nas frases iniciais (o de que, no Brasil, tem-se a liberdade de exercer
qualquer crença religiosa);
● a locução uma vez que cria uma ligação de causa e efeito entre a afirmação de que a
liberdade religiosa encontra-se afetada no país (efeito) e sua causa, a constatação do aumento da
violência relacionada à intolerância religiosa;

● a palavra assim introduz uma conclusão lógica a que se pode chegar a partir da interação
entre todas as ideias anteriormente expressas (percebam como é, de fato, lógica a interação entre as
premissas: “se é verdade que o Brasil tem um estado laico, que dá liberdade de crença às pessoas, e
que, apesar disso, têm havido episódios de violência relacionados à intolerância religiosa, logo é
preciso tomar medidas para combater esse problema” [poderíamos ainda acrescentar: sob o risco de o
Estado omitir-se ante uma infração às disposições constitucionais]);

● por fim, a conjunção e faz o acréscimo de um elemento à ideia anteriormente expressa,


mostrando outras instâncias, além da governamental, que devem ser incitadas à ação diante do
problema apresentado.

Para além desses elementos, vale notar a presença de mecanismos de coesão referencial, nos
trechos sublinhados, bem como o uso de outros sequenciadores como o “Segundo”, que abre o texto
reportando-se à autoridade a partir da qual se afirma a laicidade do Estado brasileiro, o verbo no
gerúndio “incitando”, importante mecanismo para a progressão textual, bem como a expressão
“juntamente com”, de caráter bem próximo ao do elemento aditivo e.

A partir desses mecanismos de conjunção sequencial, o texto resulta em uma estrutura bem
amarrada, que guia o leitor com segurança pelas relações de sentido travadas entre as diferentes
partes do parágrafo, auxiliando-o a acessar, sem maiores problemas, o sentido pretendido pela autora.
Em outras palavras, a construção de uma sequência textual coesa auxilia na garantia da coerência.

Por essa razão, é fundamental que vocês estejam atentos à necessidade de mobilizar adequadamente
esses vários mecanismos coesivos vistos até aqui, de modo a internalizá-los em sua escrita, já que a
escrita de textos no universo acadêmico, por requerer, frequentemente, a produção de sequências
expositivas e argumentativas (nas quais é fundamental uma ordenação lógica das ideias) exige
bastante o domínio adequado desses recursos. Por ora é isso. Voltaremos em breve a abordar esses
assuntos, de maneira mais detalhada.

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