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Fundação do conservadorismo moderno

Ideologias Políticas e Seus Reflexos no Estado

Conservadorismo moderno
O sociólogo alemão Karl Mannheim (1893–1947) é
autor de importante estudo sobre aquilo que
denomina “estilo de pensamento conservador”.
Mannheim é um dos principais representantes da área
de estudos que costumamos chamar de Sociologia do
Conhecimento, que tem como premissa elementar a
ideia de que o conhecimento não se produz no vazio
social, acima da realidade social. Em outras palavras:
todo conhecimento, todo pensamento, é resultado de A abertura dos Estados Gerais, em 5 de maio de
condições sociais concretas, pois os pensadores não 1789, na Salle des Menus Plaisirs, em Versalhes.
vivem acima da sociedade, fora da realidade. Muito
pelo contrário, já que estão sempre respondendo aos Os eventos fundadores do conservadorismo moderno,
desafios do seu tempo. então, foram a Revolução Francesa (1784–1804) e
a concepção progressista de tempo que lhe
caracteriza. Segundo os estudos do historiador
alemão Reinhart Koselleck (1923–2006), a
Revolução Francesa foi o desfecho de uma nova
concepção de tempo que vinha se desenvolvendo
desde o fim do século XVII e que se tornaria a
principal condição estrutural da Modernidade. Essa
concepção de tempo é marcada pelo ideal do
progresso e pela crença de que a história é potência
em movimento e que as coisas mudam sempre para a
melhor.

Karl Mannheim. Essa nova forma de relação com o tempo mudou a


posição que o passado ocupava nas culturas europeias
É a partir dessa premissa que nos debruçamos sobre o ocidentais. Até então, as experiências pretéritas eram
pensamento político conservador, que foi uma vistas como fonte de ensinamento à qual os
resposta a uma série de desafios colocados pela contemporâneos recorriam com o objetivo de evitar
Modernidade ocidental entre os séculos XVIII e XIX. cometer os mesmos erros de antes. Com a
O próprio Karl Mannheim nos ajuda a entender quais Modernidade, o passado se tornou o símbolo do
foram as condições sociais concretas de nascimento obsoleto, do atraso, daquilo que deveria ser superado
do conservadorismo. pela marcha inexorável da história.

Sob a pressão ideológica da Revolução Francesa se


O conservadorismo moderno surge como uma
desenvolveu na Alemanha um contra-movimento
ideologia de oposição a esses valores progressistas,
intelectual que reteve seu caráter puramente
como um tipo de “contrarrevolução ideológica”,
intelectual por um longo período e assim foi capaz de para utilizar as palavras de Karl Mannheim.
desenvolver suas premissas lógicas de forma a mais
extensa possível. Ele foi pensado até “as suas últimas
Em outras palavras, essa diferença pode ser expressa
consequências”. A contra-revolução não se originou
da seguinte forma: o progressista considera o presente
na Alemanha, mas foi na Alemanha que seus lemas
como o começo do futuro, enquanto o conservador o
foram pensados de forma mais completa e levados às
vê simplesmente como o último ponto apontado pelo
suas conclusões lógicas. [...] A Alemanha contribuiu
passado. A diferença é tanto mais fundamental e
para esse processo de “pensar até as últimas
radical na medida em que o conceito linear de história
consequências — um aprofundamento filosófico e
— que está implícito aqui — é algo secundário para
uma intensificação de tendências que se originaram
os conservadores. Primeiramente, os conservadores
com Burke e depois foram combinados com
conhecem o passado como sendo algo que existe com
elementos genuinamente alemães. [ortografia
o presente; consequentemente, a sua concepção de
original]
história tende a ser algo mais espacial do que
(MANNHEIM, 1987, p. 87) temporal; ela enfatiza mais a coexistência do que a
sucessão.
(MANNHEIM, 1987, p. 123)

É importante deixar claro, ainda de acordo com Karl


Mannheim, que a ideologia conservadora não pode
ser resumida ao que o autor chama de
“conservadorismo ontológico”, que seria o incômodo promessas de perfectibilidade, partindo do princípio
que todos nós sentimos diante de uma mudança, de de que o ser humano é ontologicamente imperfeito,
algo que desestabiliza a situação de vida com a qual falho e, por isso, as tradições são importantes.
já estamos habituados. O conservadorismo ontológico
de que fala Mannheim é a sensação de desorientação Porém, não nos enganemos em achar que o
que sentimos quando trocamos de emprego ou de conservadorismo é, necessariamente, avesso à
vizinhança e que, muitas vezes, é angustiante, mudança. O conservador entende a importância da
fazendo com que algumas pessoas sejam resistentes mudança, desde que aconteça à luz do repertório
às mudanças. disponível, com inspiração nas experiências
acumuladas. A mudança é prudente, sem a ruptura
O conservadorismo moderno é bastante diferente revolucionária. Segundo Karl Mannheim:
disso, consistindo em um complexo sistema de
pensamento que buscou reagir aos desafios postos Uma das características mais essenciais desse modo
pela modernidade progressista, sendo ele mesmo uma de vida e desse pensamento conservador parece ser a
interpretação dessa modernidade. Também é forma como ele se apega ao imediato, o real, o
importante diferenciar o conservadorismo do concreto. O resultado é uma percepção nova e
reacionarismo, e aqui quem nos ajuda é o cientista extremamente definida do termo “concreto” com
político português João Pereira Coutinho.
implicações anti-revolucionárias. Conhecer e pensar
concretamente agora passa a significar o desejo de
O conservadorismo político recusa os apelos do restringir o alcance da própria atividade às
pensamento utópico, venham eles de revolucionários redondezas imediatas onde se está localizado e de
ou reacionários. Mas o conservadorismo não se limita abjurar rigidamente tudo aquilo que possa cheirar à
apenas a recusar esses apelos utópicos, que fazem da especulação ou hipótese. [...] O conservadorismo
fuga para o futuro (ou para o passado) um programa sempre começa com o caso particular que está na
de ação no momento presente. O conservadorismo, mão e nunca estende seus horizontes além de seus
por entender o potencial de violência e reagir próprios arredores particulares. Ele está preocupado
defensivamente a tais apelos — e “reagir” é a palavra com a ação imediata, com detalhes concretos em
crucial para entender o conservadorismo como mudanças e, portanto, não se preocupa realmente com
ideologia. a estrutura do mundo em que vive. [ortografia
(COUTINHO, 2014, p. 27) original]
(MANNHEIM, 1987, p. 111)
Conservador X Reacionário
Pensamento conservador

Andarilho acima do mar de nevoeiro,


por Caspar David Friedrich (1817).

O que distinguiria o conservador do reacionário,


segundo o autor, seria a relação com o tempo. O
reacionário idealiza o tempo, tal como o
revolucionário. A lógica seria a mesma, com a
diferença de que o reacionário idealizaria o passado,
considerado como o momento da plena realização da Pintura da execução de Maria Antonieta em 1793, do
felicidade humana, enquanto o revolucionário acervo do Museu da Revolução Francesa, em Vizille,
idealizaria o futuro, defendendo a aceleração da na França.
marcha da história rumo à utopia progressista.
Para compreender melhor os princípios políticos
Diferente é o conservador, cético tanto com a conservadores, é importante estudar com cuidado os
promessa reacionária como com a promessa escritos dos autores mais representativos dessa
revolucionária. Para o conservador, o presente é a corrente de pensamento. Destacamos aqui quatro
melhor experiência possível, pois sintetiza as nomes: Jüstus Möser (1720–1794), Edmund Burke
experiências acumuladas ao longo do tempo, os (1729–1797), Alexis de Tocqueville (1805–1859) e
repertórios que foram testados, que sobreviveram. François-René de Chateaubriand (1768–1848).

Não há, na sensibilidade conservadora, Todos esses autores viveram sob os impactos da
diferentemente do que acontece nas sensibilidades Revolução Francesa, e cada um, a seu modo, criticou
reacionária e revolucionária, a ideia de perfeição. O o tipo de ideologia política que o evento propunha,
conservador é cético, desconfia das utopias e das principalmente na “fase do terror”, entre 1793–1794,
quando o processo revolucionário foi conduzido Assim, contrastando com a lógica iluminista, Möser
pelos jacobinos. afirma que a capacidade cognitiva humana é sempre
lacunar e frágil, sendo o conhecimento prático,
O jurista alemão Jüstus Möser foi um dos primeiros cotidiano e tradicional o mais genuinamente
autores a se debruçar com perspectiva crítica sobre os verdadeiro, justamente por ser um dos
eventos da Revolução Francesa, desenvolvendo, desdobramentos da tradição. No vocabulário de
assim, o repertório de ideias que se tornaria Möser, “tradição” não significa o passado estático,
representativo de um tipo de pensamento político que mas o amplo conjunto das experiências humanas
passou a ser conhecido como “conservador”. acumuladas, e testadas, ao longo do tempo. Para
Moser, os costumes e hábitos existentes são o
resultado de uma maturação de longo prazo.
Na verdade, as “ideias conservadoras” de Möser já
vinham sendo desenvolvidas antes mesmo do início O tempo, então, mostra que o presente é resultado
da Revolução Francesa. No livro História de daquilo que deu certo, mesmo sem ser exatamente
Osnabruque, publicado pela primeira vez em 1768, perfeito. A rejeição à utopia iluminista e o elogio às
Möser defendeu a tese, que se tornaria típica do pulsões cognitivas pré-racionais foram afirmadas
pensamento conservador, de que as instituições também por outros autores conservadores que
jurídicas do Estado deveriam nascer de “modo beberam na fonte de Jüstus Möser.
orgânico”, a partir dos costumes do seu povo, e não
de “artificial”, imposta pelo legislador “convencido
de que detém o monopólio das luzes da razão”.

Retrato de Edmund Burke.

Tal como Möser, o político e jurista irlandês Edmund


Burke também foi contemporâneo da Revolução
Retrato de Justus Möser, por Francesa. Em 1791, no calor dos acontecimentos,
Ernst Gottlob (1777). Burke publicou suas Considerações sobre a
Revolução Francesa, livro que se tornaria um dos
A boa lei não é aquela que é inventada pelo legislador principais tratados da Filosofia Política do fim do
convencido de que detém o monopólio das luzes da século XVIII e importante documento de fundação do
razão, mas sim aquela que surge espontaneamente pensamento conservador.
dos costumes mais genuínos do povo, dos hábitos e
valores que sobreviveram ao tempo. A principal crítica de Burke aos revolucionários
franceses referia-se ao que o autor julgava ser uma
(MÖSER, 1992, p. 34)
atitude “prepotente diante da história”. Nas palavras
do próprio Burke, em discurso no parlamento
Temos aqui um argumento que se tornaria britânico, posteriormente publicado em
estruturante do pensamento conservador ao longo do suas Considerações:
século XIX. Trata-se da crítica à pretensão de
perfectibilidade característica do iluminismo, que foi
Hoje, a França está entregue ao mais letal estado de
o repertório filosófico que inspirou a Revolução
barbárie porque a sociedade francesa alimentou as
Francesa. O iluminismo está fundado na crença de
que a razão é o atributo humano mais virtuoso, sendo vulgatas cantadas pelo aventureiro Voltaire, que
a partir dela possível conhecer perfeitamente a jamais fez jus ao título de filósofo, que se achou
realidade e acelerar a marcha do progresso humano. capaz de jogar no lixo séculos e séculos de
O responsável por esse “conhecimento perfeito”, na conhecimento acumulado, maturado e consolidado da
lógica iluminista, seria o filósofo, entendido como o melhor forma possível neste nosso século. Para
homem letrado. Voltaire, tudo estava errado, tudo deveria ser jogado
fora em função de um conhecimento completamente
novo, formado num ponto zero da história e que
É exatamente essa crença no poder do letramento e
do conhecimento racional que está na alça de mira do prometia o futuro perfeito. As elites cultas francesas
organicismo jurídico que Jüstus Möser elabora nas ouviram Voltaire, sem imaginar que pouco tempo
páginas da sua História de Osnabruque. Möser depois já não mais teriam os ouvidos sobre seus
afirma que o conhecimento humano mais genuíno pescoços.
não é necessariamente aquele encontrado nos livros,
(BURKE, 2014, p. 72)
ou desenvolvido com os instrumentos da razão, mas
aquele que é o resultado dos “instintos cotidianos”, da
“intuição manifestada dos costumes e nos hábitos do Na citação fica muito claro o argumento, já visto
povo”. anteriormente, desenvolvido por João Pereira: o
conservador não é igual ao reacionário, que fetichiza
o passado como o momento ideal, perfeito,
defendendo o resgate daquilo que já passou. O [Os jacobinos] tinham uma predilecção pelas amplas
fundamental para o conservador é a noção de que o generalizações, pelos sistemas legislativos feitos à
tempo é o juiz da história, a quem cabe submeter as pressa e uma harmonia pretensiosa; o mesmo
experiências humanas ao teste da sobrevivência. desprezo pelas coisas difíceis; o mesmo gosto por
reformar as instituições em moldes novos,
O erro de Voltaire, nesse sentido, teria sido o de engenhosos e originais; o mesmo desejo de remodelar
ignorar deliberadamente o repertório acumulado, e toda a constituição segundo as regras da lógica e de
testado, ao longo do tempo, idealizando um um sistema preconcebido em vez de tentar melhorar
conhecimento meramente especulativo, sem as suas passagens defeituosas. O resultado foi quase
fundamentos concretos e ingênuo, na medida em que, um desastre; pois que o que constitui mérito no
pela lógica inversa à do reacionário, idealizaria o escritor pode bem ser um vício no estadista, ·e
futuro, visto como o desfecho do processo histórico,
aquelas mesmas qualidades que fazem a grande
como o ponto ideal da trajetória humana.
literatura podem conduzir a revoluções catastróficas.
[...] Até a linguagem dos Jacobinos era em grande
A Revolução Francesa, que, na avaliação de Burke, parte tirada dos livros que liam; estava cheia de
tem Voltaire como seu pai espiritual, estaria levando
palavras abstractas, discursos floreados, sonoras
a França à barbárie exatamente porque se achou
frases feitas e jogos de frases literários. [ortografia
capaz de refundar a história a partir de um ponto zero,
desprezando a memória das experiências acumuladas original]
ao longo do tempo. “Conservar”, para Burke, não (TOCQUEVILLE, 1997, p. 68)
significa evitar as mudanças, tampouco ressuscitar o
passado, mas, sim, caminhar à luz dos conhecimentos
acumulados, manter vivo o potencial pedagógico da A leitura cuidadosa das duas citações nos permite
tradição. perceber como Tocqueville relaciona o desprezo
revolucionário pela tradição com a formulação de
ideias equivocadas, puramente abstratas e sem
Foi exatamente esse o ponto retomado por Alexis de amparo na realidade. Teria sido esse o grande crime
Tocqueville alguns anos depois. Diferentemente de cometido pelos jacobinos: crentes de que tinham
Burke, Tocqueville escreveu sobre a Revolução imaginado a ideologia perfeita, dedicaram-se à
Francesa com algum distanciamento histórico. Em implantação de suas ideias na realidade, a qualquer
1856, publicou o livro O Antigo Regime e a custo.
Revolução, no qual podemos encontrar reflexões
muito semelhantes àquelas que foram desenvolvidas
por Edmund Burke, o que nos permite situar os dois
autores como representantes de uma mesma linhagem
do pensamento político moderno: o conservadorismo.

Tal como Burke, Tocqueville sai em defesa da


tradição, que teria sido violada pelo “ímpeto
patológico de renovação” dos revolucionários
franceses. Diz Tocqueville:

Retrato de Alexis de Tocqueville,


por Théodore Chassériau (1850). Henri de
La Rochejacquelein na brutal batalha de Cholet em
Embora a revolução que se opera no estado social, 1793, por Paul-Émile Boutigny.
nas leis, nas ideias, nos sentimentos dos homens
esteja bem longe de terminar, já não se poderia A certeza de que se tratava de um ideal superior fez
comparar suas obras com nada do que foi visto com o que os revolucionários relativizassem qualquer
anteriormente no mundo. Remonto de século em regulação ética em função da realização de seu
projeto. O resultado, nas palavras de Tocqueville, foi
século até a Antiguidade mais remota: não percebo
o “crime” e a “infâmia”, provocados pela utopia
nada que se pareça com o que está diante dos meus futurista revolucionária, que levou os jacobinos a se
olhos. Como o passado não ilumina mais o futuro, o acharem prontos o suficiente para apagar a história,
espírito caminha em meio às trevas. destruindo todo o legado acumulado, tratado como
(TOCQUEVILLE, 1997, p. 32) manifestação do atraso a ser superado pela ação
revolucionária.
O núcleo duro dessa reflexão também pode ser modernidade alternativa, conservadora, reformista,
encontrado nos escritos de François-René de crítica à abstração revolucionária e defensora do
Chateaubriand, que se dedicou a comparar a ideia de potencial pedagógico das experiências acumuladas no
“liberdade” defendida pelos líderes da “Revolução tempo, da tradição.
Americana” (a independência dos EUA, em 1776)
com o conceito de “liberdade” que inspirava os Na próxima seção, estudamos o liberalismo, outra
jacobinos durante a Revolução Francesa. ideologia política moderna, rival da conservadora, e
um dos desdobramentos do imaginário revolucionário
Escrevendo na década de 1830, Chateaubriand que se consolida na Europa ocidental na segunda
destacou as diferenças entre as duas experiências metade do século XVIII.
revolucionárias que até então pautavam o imaginário
político ocidental. Para o autor, as lideranças
coloniais da América Britânica estavam movidas por Verificando o aprendizado
um ideal superior de liberdade, desenvolvido à luz da
tradição, de um ideal de justiça desenvolvido com o
tempo e que, desde meados do século XVIII, havia
sido violentado pelo parlamento britânica e sua “nova
política colonial”. Diferente era o caso dos
revolucionários franceses, que desenvolveram sua
utopia libertária no plano abstrato, sem nenhum
respaldo na tradição. 1. Karl Mannheim estudou o “estilo conservador”
na perspectiva teórica da Sociologia do
Há duas espécies de liberdades praticáveis: uma Conhecimento. Assinale, entre as alternativas
pertence à infância dos povos; é filha dos costumes abaixo, aquela que melhor define essa perspectiva.
da virtude; a outra nasce da velhice dos povos; é filha
das luzes e da razão; é essa liberdade dos Estados
Unidos. Terra feliz que, em menos de três séculos,
passou de uma liberdade à outra quase sem esforço,
com uma luta que durou apenas oito anos. Hoje, o
povo americano é o mais livre entre os povos
A Sociologia do Conhecimento parte da premissa de
civilizados. [...] Já a liberdade jacobina é filha da que o pensamento é sempre resultado da elaboração
imaginação e da prepotência daqueles que, julgando individual dos intelectuais, sem relações com a
ocupar o topo da evolução histórica, se acharam no realidade que os cerca.
direito de lançar ao fogo tudo o que foi ensinado
pelas gerações anteriores.
(CHATEAUBRIAND, 1861, p. 23)
A Sociologia do Conhecimento parte da premissa de
Novamente, encontramos a concepção de tempo que o pensamento é sempre resultado da hegemonia
típica da imaginação conservadora. O passado não é da classe burguesa, o que a torna um desdobramento
visto como a instância imutável, mas sim como a luz da teoria marxista.
que conduz, que inspira as mudanças necessárias, e
responsáveis, entendendo-se por “mudanças
responsáveis” as transformações que se processem no
sentido de atualizar as tradições, jamais de romper
com elas. A Sociologia do Conhecimento parte da premissa de
que o pensamento é sempre resultado da hegemonia
da Igreja Católica, o que a torna um desdobramento
A negação da ruptura é o elemento definidor da
da Teologia.
imaginação política conservadora. O conservador é
reformista, reconhece que é necessário adaptar o que
já existe às novas circunstâncias, melhorar aquilo que
está disponível, entender que algo deve ser
preservado, conservado, para que seja possível existir A Sociologia do Conhecimento parte da premissa de
algum vínculo de solidariedade entre as gerações. que o pensamento é sempre resultado de condições
sociais concretas, pois os pensadores estão a todo
Resumindo momento respondendo aos desafios de seu próprio
Jüstus Möser, Edmund Burke, Alexis de Tocqueville tempo.
e François-René de Chateaubriand reagiram à
modernidade que marcou o mundo em que viveram,
atravessado pela ideia de revolução, pela crença de
que a história é um processo em marcha evolutiva
orientada para o futuro e que o passado é o atraso que A Sociologia do Conhecimento parte da premissa de
precisa ser superado. Ao criticar essas ideias que o pensamento é sempre resultado da manipulação
dominantes, os autores acabaram propondo uma feita pelos meios de comunicação de massa, o que a
torna um desdobramento da crítica à indústria O conservadorismo moderno nasceu na conjuntura da
cultural. Revolução Francesa porque foi nesse momento que
se fortaleceu o positivismo, o que foi fundamental no
Comentário desenvolvimento do conservadorismo científico.

Parabéns! A alternativa "D" está correta. Comentário

Parabéns! A alternativa "C" está correta.

O objetivo da Sociologia do Conhecimento é mostrar


que o pensador não vive acima da realidade, mas que
é afetado por ela, que responde a ela. Logo, todo O conservadorismo moderno foi a resposta ao
conhecimento é resultado de condições sociais fortalecimento do pensamento progressista, que se
concretas. tornou hegemônico na mentalidade ocidental na
conjuntura da Revolução Francesa.

Liberalismos modernos
2. Segundo Karl Mannheim, o evento fundador do
conservadorismo moderno foi a Revolução
Francesa (1789-1799). Assinale, entre as
alternativas, aquela que complementa de maneira
mais adequada essa afirmação.

Topo da representação da Declaração dos Direitos


do Homem e do Cidadão em 1789, pintura de Jean-
Jacques-François Le Barbier.
O conservadorismo moderno nasceu na conjuntura da
Revolução Francesa porque foi nesse momento que a Tal como acontece com o termo “conservador”, a
Igreja Católica se fortaleceu, o que colaborou para o palavra “liberal” também é bastante utilizada no
desenvolvimento da teologia conservadora. debate político, sendo bastante polissêmica. O que
significa ser “liberal” no Brasil é algo bastante
diferente do que significa ser liberal nos Estados
Unidos. É exatamente por conta dessa polissemia que
o correto é falar em “liberalismos”, no plural. Porém,
O conservadorismo moderno nasceu na conjuntura da
é importante saber que, antes dessa pluralidade toda,
Revolução Francesa porque foi nesse momento que o
formou-se, na especificidade da conjuntura europeia,
comunismo se fortaleceu, o que colaborou para o
um repertório de ideias baseado em certa noção de
desenvolvimento do socialismo conservador.
“liberdade”. Na definição proposta pelo cientista
político Nicola Tranfaglia:

É nestes debates políticos que começam a se definir,


O conservadorismo moderno nasceu na conjuntura de nuclearmente, os princípios do liberalismo. Porém, a
Revolução Francesa como o principal repertório verdadeira e autônoma face do liberalismo, se
crítico ao pensamento progressista, que vinha se manifesta somente na resposta, por ele dada, ao
desenvolvendo desde o início do século XVIII. problema da ruptura da unidade religiosa, resposta
que, num primeiro momento, se chama tolerância e,
num segundo momento, liberalidade religiosa: a
liberdade religiosa é o berço da liberdade moderna.
O conservadorismo moderno nasceu na conjuntura da (TRANFAGLIA, 2000, p. 687)
Revolução Francesa porque foi nesse momento que
se fortaleceu o liberalismo, o que foi fundamental
para o desenvolvimento do conservadorismo liberal. Aquilo que hoje chamamos de liberalismo, portanto,
antes de ser uma corrente do pensamento político
ocidental moderno, é um conjunto de princípios que
nasceram na realidade concreta da história europeia,
começando pelo século XVI, na conjuntura das
guerras civis religiosas.
Depois de décadas de conflitos motivados por pactuar princípios que tornassem possível a vida
divergências religiosas, as sociedades europeias coletiva com mínima insegurança e com estabilidade
pactuaram o princípio da liberdade do culto privado. e previsibilidade. Os princípios pactuados naquele
Tratou-se de uma resolução de ordem pragmática, momento e que até hoje são inegociáveis para nós são
desenvolvida em primeiro momento pelas pessoas os seguintes:
comuns, em suas vivências práticas. Se as guerras
civis religiosas estavam ceifando vidas, paralisando a
 A divisão do mundo em duas esferas: a
atividade econômica, por que não pactuar um acordo
pública e a privada. A esfera pública é o
segundo o qual cada um, nos limites de sua casa,
espaço da regulação, da autoridade dos
pudesse seguir a religião que bem entendesse?
poderes legitimados socialmente. A esfera
privada é o espaço das liberdades
Em um segundo momento, essa resolução pragmática domésticas, da autoridade da casa, em que
foi teorizada pelos pensadores da época, com os governantes não podem interferir.
destaque para John Locke (1632–1704), como  Entre essas liberdades domésticas, está o
veremos a seguir. Os grandes pensadores não criam a livre direito ao culto privado. Assim, cada
realidade, pois esta não é criada a partir de uma um, nos limites de sua casa, exerceria a
formulação filosófica. O que os grandes pensadores religião que melhor fosse ao encontro de
fazem é teorizar com excelência, é verbalizar com suas convicções pessoais. Nessa lógica, não
argumentos lógicos e coerentes aquilo que está há sentido nas guerras civis religiosas.
acontecendo em suas sociedades, legando para a  A propriedade privada é um bem tão
posteridade valiosos testemunhos sobre suas sagrado como a vida.
atmosferas de época.
O primeiro autor a organizar esses valores em um
sistema de pensamento lógico e dotado de coerência
interna foi o filósofo inglês John Locke, que figura
nos manuais de história da Filosofia como o pai do
liberalismo. Em 1689, Locke publicou Dois tratados
sobre o governo, que seria considerado o texto de
fundação do liberalismo político.

Podemos encontrar sistematizados valores que hoje


estruturam as nossas sensibilidades políticas. A ideia
de que as “paredes da casa” são a “fortaleza da
liberdade individual” é sagrada para qualquer um de
Retrato de John nós, que tem sua vida privada protegida por volumosa
Locke, por Godfrey Kneller (1697). legislação, pelo menos nos países sob inspiração da
cultura jurídica ocidental.
Origem
Na segunda citação, Locke positiva o valor do
trabalho, entendido como comportamento ativo de
apropriação daquilo que está naturalmente dado pela
natureza, mas cujo consumo só é possível mediante
ação deliberada e organizada racionalmente, ou seja,
trabalho. É importante perceber que o pensamento de
Locke não está associado ao regime produtivo
capitalista, que somente se constituiria como
realidade histórica consolidada no século XIX, após a
Revolução Industrial.

A preocupação política/filosófica de Locke


é estabelecer limites para o poder do Estado,
salvaguardando a liberdade individual, entendida
pelo autor como o direito de livre movimentação do
corpo, sem constrangimentos externos ao próprio
corpo. Com isso, podemos concluir que o encontro
Fuzilamento dos Torrijos e seus companheiros nas entre o liberalismo e o capitalismo aconteceu
praias de Málaga, por Antonio Gisbert (1888), tardiamente, pois o liberalismo tem trajetória
representa as medidas repressivas tomadas pelo rei histórica independente do capitalismo. Em Dois
espanhol Fernando VII contra as forças liberais em tratados sobre o governo, Locke formulou os valores
seu país. fundamentais do Estado liberal. Esse aspecto do
liberalismo lockeano foi analisado por Nicola
O liberalismo, então, começa em uma situação de Tranfaglia.
urgência histórica, na qual sociedades estruturalmente
colapsadas entenderam que era necessário fazer algo,
Locke, indo mais adiante, reivindica, no campo A partir dos estudos do já citado historiador alemão
político, a autonomia da lei moral ou “filosófica”, em Reinhart Koselleck, a Modernidade foi fundada no
relação à lei civil, ou seja, do poder espiritual do juízo século XVIII por uma nova forma de perceber o
moral que é atribuição da opinião pública. Somente tempo, em que a história é lida como potência em
na construção teórica do utilitarismo inglês, criticado eterno movimento, impulsionada por forças motoras e
justamente por John Stuart Mill, não encontramos orientada para o futuro, entendido como progresso.
este elemento ético. Esta defesa da autonomia moral
do indivíduo provoca uma concepção de relativismo, É como se a convicção da época fosse a de que o
que aceita o pluralismo dos valores como algo tempo traz melhoras na vida e o futuro será sempre
positivo para toda a sociedade, a importância da evolução em relação ao presente, assim como o
dissenção, do debate e da crítica e não recua diante do presente será evolução em relação ao passado.
conflito e da competição. A única limitação, para o
conflito e a competição, é a necessidade de sua Com essa convicção, desenvolveram-se diversas
institucionalização nos costumes mediante a filosofias da história, cada qual tendo sua própria
tolerância, na política mediante instituições leitura do processo histórico, tendo seu projeto
utópico, sua concepção de futuro. O liberalismo é
significativas, que garantam o debate, e mediante
uma dessas filosofias da história, baseado nos
normas jurídicas gerais, uma vez que somente no
seguintes princípios:
direito é possível encontrar um critério de
coexistência entre as liberdades e/ou as
arbitrariedades dos indivíduos. Um tal relativismo  A busca pela liberdade (entendida como a
não é expressão de ceticismo, e sim de liberdade individual, do corpo físico) é a
antidogmatismo, visto pressupor uma total confiança potência que move a história humana.
na capacidade crítica do pensamento, presente na  O movimento histórico caminha sempre da
cultura iluminista, bem como na cultura historicista, situação de menos liberdade, e de mais
desembocadas ambas — a partir de aspectos diversos tirania, para a situação de mais liberdade, e
de menos tirania.
e de diferentes contextos — no liberalismo que nos é
contemporâneo.  A utopia liberal idealiza uma situação de
plenas liberdades individuais, em que o
(TRAFAGLIA, 1995, p. 701) Estado teria suas competências tão
reduzidas a ponto de possibilitar às pessoas
Uma das principais colaborações de Locke ao um tipo de vida similar ao das liberdades
liberalismo foi a ideia de “lei moral ou filosófica”, naturais, pré-sociais.
que nada mais é do que aquilo que hoje nós podemos
chamar de opinião pública. A lei moral seria, para
Locke, a média dos valores compartilhados pela
sociedade, e deveria servir como principal modelo
para o poder político, responsável por elaborar a “lei
civil”, a legislação oficial do Estado cujo objetivo é
regular a vida em comunidade. A lei civil, portanto,
na lógica lockeana, não deve ser formalizada a partir
dos interesses dos governantes, mas a partir dos
valores e desejos da sociedade civil, consolidados nos
costumes.

Temos aqui o deslocamento da soberania do Estado Retrato de John Stuart


para a sociedade civil, o que é fundamental para o Mill em 1870.
liberalismo. O Estado deixa de ser a manifestação do
poder de Deus e passa a existir em função da
sociedade, tutelado por ela, e a sociedade é formada Esses princípios foram explorados por diversos
por indivíduos livres. Em Locke, podemos encontrar pensadores liberais ao longo dos séculos XIX e XX, o
os fundamentos conceituais daquilo que que nos mostra uma tradição de pensamento plural e
posteriormente seria conhecido como “Estado diversificada. Concentraremos nossos esforços no
Liberal”. filósofo britânico John Stuart Mill (1806–1873), que
trouxe a liberdade para o primeiro plano de suas
reflexões, tendo contribuído para o desenvolvimento
Cultura do liberalismo político da cultura jurídica que deu origem ao Estado de
direito.
Após o século XVIII, o liberalismo deixou de ser
apenas um repertório de ideias e valores cujo objetivo O texto mais importante de Stuart Mill foi o
era proteger as liberdades individuais dos assédios do ensaio Sobre a liberdade, publicado pela primeira vez
Estado, passando a fazer parte da cultura histórica em 1859. No texto, Mill critica a doutrina dos direitos
moderna. naturais, que havia animado os revolucionários tanto
em França como nos EUA, e que afirmava a
existência de direitos atribuídos diretamente por
Deus aos homens e que não poderiam ser alienados do século XIX, nas modernas sociedades de massa
pelo poder civil. industrializadas. Os três autores, cada um a seu modo,
debruçaram-se sobre os temas da distribuição da
riqueza social e da pobreza material. Entender melhor
Como Mill fazia parte da corrente utilitarista do os argumentos deles nos ajuda a compreender a
pensamento liberal, materialista e ateia, a existência dinâmica dos conflitos sociais e políticos que
de Deus era negada, o que reforçava ainda mais a atravessaram o século XX e chegaram até nós.
importância da lei civil, pactuada pela sociedade.
Caberia, então, à lei dos homens garantir a “boa
vida”, que, no utilitarismo de Mill, significa a maior Verificando o aprendizado
situação de liberdade possível. “Liberdade”, na
concepção de Mill, significa viver em um Estado de
direito. Nas palavras do próprio autor:

É para cada um o direito de não se submeter senão às


leis, de não podar ser preso, nem detido, nem
condenado, nem maltratado de nenhuma maneira,
pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários 1. Segundo o cientista político italiano Nicola
1indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua Matteucci, o liberalismo nasceu em uma
opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de conjuntura específica da história europeia.
dispor de sua propriedade, até de abusar dela; de ir e Assinale, entre as alternativas abaixo, aquela que
vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar define de maneira mais adequada essa conjuntura.
conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada
um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja
para discutir sobre seus interesses, seja para professar
o culto que ele e seus associados preferirem, seja
simplesmente para preencher seus dias e suas horas
de maneira mais condizente com suas inclinações,
com suas fantasias. Enfim, o direito, para cada um, de A conjuntura histórica concreta que serviu como
berço do liberalismo foi a formação das monarquias
influir sobre a administração do governo, seja pela
absolutistas no fim do século XIV, quando se formou
nomeação de todos ou de certos funcionários, seja por
o princípio da soberania nacional, que se tornaria o
representações, petições, reivindicações, às quais a valor fundamental do repertório liberal.
autoridade é mais ou menos obrigada a levar em
consideração. Comparai agora a esta a liberdade dos
antigos.
(MILL, 1990, p. 3) A conjuntura histórica concreta que serviu como
berço do liberalismo foi a revolução industrial no
Como podemos perceber, a utopia idealizada por Mill século XVIII, quando se formou o princípio da mais-
não pode ser definida, simplesmente, como o mundo valia, que se tornaria o valor fundamental do
das liberdades totais. Não se trata, de forma alguma, repertório liberal.
do mundo das liberdades irrefreadas. Há a
possiblidade do poder e da dominação no pensamento
político de Mill, desde que venha da lei, entendida
aqui como contrato coletivamente construído. O
Estado de liberdade de que fala Stuart Mill é o Estado A conjuntura histórica concreta que serviu como
de direito, o que torna o autor herdeiro de Locke e berço do liberalismo foram as guerras civis religiosas
nome incontornável na tradição político-jurídica que, do século XVI, quando se formou o princípio da
no século XIX, seria a responsável pela invenção do liberdade privada de culto, que se tornaria o valor
Estado liberal, e que contaria ainda com outros fundamental do repertório liberal.
nomes, como Montesquieu (1689–1755).

A conjuntura histórica concreta que serviu como


berço do liberalismo foi o renascimento artístico e
cultural do século XVI, quando se formou o princípio
do antropocentrismo, que se tornaria o valor
fundamental do repertório liberal.

Retrato de Montesquieu.
A conjuntura histórica concreta que serviu como
Já Spencer, Keynes e Mises estavam preocupados berço do liberalismo foi a Revolução Inglesa, no
com as questões econômicas que vieram à luz a partir século XVII, quando se formou o princípio da
monarquia constitucional, que se tornaria o valor O utilitarismo consiste na ideia de que a lei civil deve
fundamental do repertório liberal. ser formulada pelas aristocracias nacionais, o que fez
de utilitaristas como Mill defensores das sociedades
Comentário de antigo regime.

Parabéns! A alternativa "C" está correta. Comentário

Parabéns! A alternativa "A" está correta.

O estudante deve saber que foram as guerras civis


religiosas europeias do século XVI que serviram
como berço para o liberalismo, na medida em que O estudante deve saber que o utilitarismo é
serviram como gatilho para a formação do princípio materialista e ateu, tendo negado o princípio dos
da liberdade privada de culto, que se tornaria um dos direitos naturais, na medida em que negou a própria
valores basilares para o ideário liberal. existência de Deus.

Nacionalismo

2. O filósofo britânico John Stuart Mill é


representante da corrente utilitarista do
pensamento liberal. Marque, entre as alternativas
abaixo, aquela que define da maneira correta o
utilitarismo.

O sonho
O utilitarismo consiste na negação do princípio dos das repúblicas democráticas e sociais mundiais,
direitos naturais e na afirmação de que toda liberdade gravura de Frédéric Sorrieu (1848).
deve ser garantida pela lei civil, construída
coletivamente em sociedade. No fim do século XVIII, começou a nascer na Europa
o nacionalismo, que se espalharia pelo mundo nos
séculos XIX e XX, transformando-se na principal
ideologia moderna. Não seria exagerado dizer que
toda a história humana, do século XVIII ao século
O utilitarismo consiste na afirmação do princípio dos XXI, foi, em alguma medida, pautada pelo
direitos naturais, o que condiciona a lei civil aos nacionalismo. Mas o que seria, exatamente, o
direitos fundamentais que Deus teria delegado aos nacionalismo?
seres humanos.
É impossível definir o nacionalismo sem dedicar
alguma atenção ao seu conceito-base: nação. O
historiador britânico Eric Hobsbawm nos apresenta
definições das ideias de nação e nacionalismo que são
O utilitarismo consiste na afirmação do materialismo
importantes para este estudo.
histórico, o que consiste na ideia de que as sociedades
humanas estão fundadas na exploração material.
Resumindo
A nação, portanto, não é um dado elementar da
realidade, organização natural das coletividades
humanas. A nação, entes de tudo, é uma elaboração
O utilitarismo consiste na afirmação da teoria da conceitual resultando do sistema de pensamento
origem divina do poder do Estado, o que fez dos nacionalista, que está fundamentado na tese de que a
utilitaristas como Mill herdeiros da escolástica vida social humana somente é possível em
medieval. comunidade nacional, na qual cidadãos que
compartilham valores culturais, religiosos e
linguísticos estão irmanados por vínculos identitários
e de solidariedade, submetidos às mesmas estruturas
de poder.
Em seu primeiro momento, então, o nacionalismo
esteve associado à noção de soberania popular, tal
como havia sido formulada por Jean Jacques
Rousseau (1712–1778), um dos “pais espirituais” da
Revolução Francesa. No tratado Contrato Social,
publicado pela primeira vez em 1762, Rousseau
desenvolveu conceitualmente o deslocamento da
soberania que se tornaria elementar para a
democracia moderna e para o novo conceito de
“povo” que se afirmaria na Revolução Francesa. Nas
palavras do filósofo:
Retrato de Maximilien
de Robespierre.

O processo de afirmação e consolidação histórica


dessas categorias foi complexo e contraditório, sendo
diretamente marcado pelos principais eventos da
história mundial nos últimos trezentos anos. O berço
do nacionalismo foi a França revolucionária, como
testemunha Maximilien de Robespierre (1758–
1794), líder jacobino e um dos protagonistas da
Revolução Francesa:
Retrato de Jean-Jacques
Nos Estados aristocráticos a palavra “pátria” tem Rousseau, por Maurice Quentin de La Tour.
sentido unicamente para as famílias aristocráticas,
isto é, para os que se apoderaram da soberania. O Estado não é domínio pessoal do príncipe, mas
Somente na democracia o Estado é realmente a pátria pertence ao povo, constituído pelo conjunto de
de todos os indivíduos que o compõem e pode contar cidadãos e não de súditos. O Estado deve encarnar os
com um número de defensores, preocupados pela sua interesses do povo e não os interesses do príncipe e
causa, tão grande quanto o número de seus cidadãos. da nobreza. O Estado soberano é aquele que existe
em função do seu povo, que não poupa esforços para
(ROBESPIERRE apud LEVI, 2000, p. 800) levar felicidade para o seu povo. Se o Estado não
cumpre esse papel, é direito do povo mudar a
As palavras do líder revolucionário francês apontam organização do Estado.
para a relação entre nação, nacionalismo e
democracia, entendida aqui como situação política (ROUSSEAU, 2011, p. 33)
vocacionada para a ampliação de direitos. O que os
revolucionários estavam propondo, especialmente Haveria, para Rousseau, uma relação contratual entre
durante o “terror jacobino”, momento mais radical da o Estado, estrutura de poder controlada pelos
Revolução Francesa (1792–1794), era a inclusão do governantes, e o povo, a totalidade das pessoas que
“povo” no território imaginado da “pátria”, que, no habita determinado território cercado por fronteiras.
vocabulário político da revolução, significava o Esse contrato, ao contrário do que afirmavam as
acesso às liberdades fundamentais, aos direitos teologias políticas do Antigo Regime, não era
políticas e ao conforto material. legitimado por Deus, mas sim por uma troca de
interesses entre racionalidades distintas. De um lado,
a racionalidade do Estado, com o objetivo de
A ruptura com o Estado aristocrático, que somente
governar; do outro, a racionalidade do povo,
poderia ser feita por meio da guerra revolucionária,
interessado na “felicidade e no bem-viver”, para falar
significava expandir o alcance da pátria. Agora, o
como o próprio Rousseau.
ingresso na “pátria” passaria a se dar não com base no
princípio da distinção natural, característica das
sociedades aristocráticas, mas sim a partir da noção Se o Estado não cumpre sua parte no contrato, nada
de igualdade natural entre todos aqueles que mais obriga o povo a cumprir a sua, ou seja, a
pudessem ser definidos como “franceses”, incluindo permitir que aquele tipo de Estado continue existindo,
as pessoas escravizadas nos territórios coloniais. Nas que aquelas pessoas continuem governando. Nesse
palavras do cientista político italiano Lucio Levi: momento, a guerra revolucionária é legítima, para
que o Estado volte a, de fato, atender aos interesses
Foi assim que a nação foi se tornando a fórmula do povo. Em Rousseau, o Estado não é soberano
política em que a burguesia, num primeiro momento, em si. Sua soberania foi delegada pelo povo, pois
as classes médias, a seguir, e o povo todo, mais tarde, pertence a ele.
identificaram a afirmação de seus direitos e o
progresso das condições materiais contra os
privilégios e a dominação arbitrária dos monarcas, da
aristocracia e do clero.
(LEVI, 2000, p. 800)
Nacionalismo e Revolução Industrial

O príncipe Frederico
Carlos da Prússia dá ordem de ataque às suas tropas
eufóricas, na Batalha de Königgrätz.

Em 1871, após uma série de conflitos, com destaque


para a Guerra Franco-Prussiana, nasceu o Estado-
nacional alemão. Inspirada em ideias nacionalistas, a
Outro momento decisivo para o nacionalismo foi a unificação alemã trouxe a expansão imperialista e o
Revolução Industrial, que aconteceu entre o fim do belicismo para o repertório nacionalista, escanteando
século XVIII e meados do século XIX. Em síntese, o ideário de cooperação transnacional e de
podemos definir a Revolução Industrial como as fraternidade universal que pautou a ideologia nos
mudanças estruturais ocorridas no processo de anos da Revolução Francesa. O Estado-nacional
transformação de matéria-prima em produto acabado. alemão nasceu impulsionado pela doutrina da
O processo produtivo foi mecanizado, racionalizado, expansão do espaço vital, questionando as pretensões
em um crescimento de eficiência inédito na história territoriais da Inglaterra, a principal potência da
humana. época.

O resultado disso foi percebido em todas as esferas da O surgimento da Alemanha foi o marco inaugural de
vida, com destaque para o deslocamento de grande constante movimentação militar na Europa que se
quantidade de pessoas para as cidades, estendendo as estenderia até metade do século XX, envolvendo,
relações de troca e de trabalho para espaços mais inclusive, duas guerras mundiais. O ideólogo
ampliados do que as comunidades tradicionais, onde nacionalista italiano Giuseppe Mazzini (1805–1872)
a vida produtiva se dava por meio do artesanato e de viu com preocupação o nacionalismo belicista
outras formas de trabalho manual. Novamente, é o alemão.
cientista político Lucio Levi quem nos ajuda na
compreensão.
Em nada o nacionalismo da jovem nação alemã
lembra o nacionalismo dos anos da revolução, onde a
A Revolução Industrial quebra as pequenas unidades fraternidade universal e a paz mundial apontavam
produtivas agrícola-artesanais e as limitadas para um mundo formado por nações capazes de
comunidades quase naturais e tradicionais, que respeitar a auto-determinação umas das outras. O que
representavam os horizontes de vida da grandíssima vemos hoje é a associação do nacionalismo com a
maioria da população, e amplia enormemente o guerra, com as rivalidades e com discórdia entre os
contexto econômico-social a que o indivíduo homens. [ortografia original]
pertence. Consequentemente, ligou-se ao Estado um
número crescente de comportamentos, uma vez que (MAZINNI apud LEVI, 2011, p. 802)
os indivíduos passaram a exigir a intervenção deste a
fim de garantir a evolução ordenada das relações
Um barril de pólvora prestes a explodir
sociais no âmbito nacional.
(LEVI, 2010, p. 802)

Se a Revolução Francesa fez do nacionalismo um


discurso de ampliação de direitos considerados
fundamentais, a Revolução Industrial condicionou o
nacionalismo a um planejamento racionalizado e
centralizado da atividade social e econômica. Agora, Grandes
além de cidadão, o indivíduo passa a ser tratado como canhões fabricados pela Bethlehem Steel Company
unidade produtiva, como alguém que teria, entre suas
(empresa siderúrgica dos Estados Unidos) em 1918.
atribuições cívicas, a colaboração para o crescimento
da riqueza nacional. Outra mudança importante no O desenlace dos acontecimentos mostrou que a
ideário nacionalista viria na década de 1870, com a intuição de Mazinni estava correta. Cada vez mais, o
unificação da Alemanha. sistema internacional europeu se tornava um barril de
pólvora, atravessado por tensões e rivalidades que
envolviam as grandes potências da época, como
França, Inglaterra e Alemanha.

Veio à luz, nesse momento, outra tradição do


pensamento político nacionalista, bem diferente
daquela de Rousseau, Robespierre e do próprio
Mazinni. Na França, o nacionalismo xenófobo e de Mais que o conservadorismo, o liberalismo, o
extrema-direita teve no poeta e político Charles comunismo e o fascismo, o nacionalismo mostrou
Maurras (1868–1952) o seu principal representante. grande capacidade de sobrevivência no tempo,
Maurras foi diretor do jornal Action Française, no estruturando, até hoje, a vida coletiva em,
qual difundiu aquilo que ele mesmo chamava de absolutamente, todos os lugares do mundo. Segundo
“nacionalismo integral”, que pregava o ódio aos o cientista político inglês Benedict Anderson, o
ingleses, alemães, judeus e a tudo aquilo que pudesse nacionalismo é o principal sistema de crença já
comprometer o que ele entendia como a “genuína inventado pela humanidade.
nacionalidade francesa”.
Essa crença é muito forte e foi difundida pelo mundo
Na Alemanha, tem destaque a figura de Alfred nas experiências de emancipação nacional que
Hugenberg (1865–1951), empresário e político aconteceram na América, na África e na Ásia entre os
bastante influente durante os anos da República de séculos XIX e XX, fundada naquilo que Anderson
Weimar (1918–1925), quando a Alemanha foi chama de “comunidade imaginada”: uma abstração,
governada por uma constituição liberal-democrática. artificial, inventada, que, ao longo da modernidade,
Hugenberg foi um dos grandes opositores do regime inspirou identidade, arte e cultura, mas também
de Weimar, liderando um movimento nacionalista violência e morte. A seguir, estudaremos o
radical que por anos colaborou com o Partido desdobramento mais perverso do nacionalismo,
Nacional-Socialista, liderado por Adolf corrente ideológica que transformou a política na
Hitler (1889–1945). indústria da morte.

Verificando o aprendizado

Hitler com 1. A Revolução Industrial (entre o fim do século


membros do Partido Nazista em 1930. XVIII e meados do século XIX) foi um momento
decisivo na história do nacionalismo. Assinale,
Na Itália, o romancista Enrico Corradini (1865–1931) entre as alternativas abaixo, aquela que explica de
produziu muitos textos propagandeado o radicalismo maneira mais adequada essa afirmação.
nacionalista, tendo sido um dos inspiradores do
fascismo liderado por Benito Mussolini (1883–1945).

O que podemos perceber é que, no fim do século


XIX, a ideologia nacionalista abandonou os ideais
democráticos de soberania popular e até mesmo a
pretensão do planejamento econômico para sucumbir A Revolução Industrial endossou os princípios da
à xenofobia e à ambição de expansão militar, teologia política, reforçando a ideia de que nação
tornando-se, assim, prelúdio do nazifascismo que, consistiria em uma comunidade universal tutelada
como veremos na próxima seção, desestabilizou o diretamente por Deus.
sistema internacional na primeira metade do século
XX.

Existe uma relação muito estreita entre o programa A Revolução Industrial marcou o início da revolução
político do movimento nacionalista e o do fascismo e mundial do proletariado, reforçando a ideia de que a
do nazismo. O nacionalismo é um componente nação consistiria em uma comunidade de
essencial das ideologias fascista e nazista. Porém, o trabalhadores.
movimento nacionalista nunca chegou a ser,
diferentemente do fascista e do nazista, um
movimento de massa. O nazi-fascismo, como
manifestação da fase máxima de degenerescência do
Estado Nacional, foi uma tentativa para ir contra a A Revolução Industrial deslocou massas
linha evolutiva da história, foi a expressão da vontade populacionais para espaços geograficamente
concentrados, o que acabou associando a nação ao
de sobrevivência do Estado nacional numa conjuntura
planejamento racional da atividade econômica.
histórico-social nova. [ortografia original]
(LEVI, 2011, p. 805)

Não seria exagerado dizer que o nacionalismo foi a


mais vitoriosa entre todas as ideologias modernas.
A Revolução Industrial fragmentou a população em
unidades produtivas autocentradas, o que acabou
aproximando o nacionalismo dos sentimentos
As afirmativas I, II e III.
comunitários que existiam na Europa antes do início
da Modernidade.

Apenas a afirmativa I.
A Revolução Industrial reforçou a ideia de que a
Europa deveria seguir sua vocação agrícola e rural, o Comentário
que fez do nacionalismo um desdobramento das
ideias identitárias do colonato feudal. Parabéns! A alternativa "E" está correta.

Comentário

Parabéns! A alternativa "C" está correta.


Os três eventos estão vinculados às transformações
que dão sentido à emergência do nacionalismo, no
entanto, a ideia de uma revolução marginal — ainda
que importante — como a Americana é base do ideal
nacionalista é um equívoco.
O estudante precisa saber que a Revolução Industrial
concentrou grandes contingentes populacionais nas
cidades, o que fez do nacionalismo um tipo de Nazifascismo
planejamento racional da atividade econômica.

2. O surgimento do nacionalismo como ideal Adolf Hitler faz um


político pode ser vinculado aos processos abaixo discurso na Kroll Opera House aos homens do
identificados: Reichstag sobre o assunto Roosevelt e a guerra no
Pacífico, declarando guerra aos Estados Unidos.
I. Revolução Industrial, em que o capital burguês A história da primeira metade do século XX foi
se vale dos valores coletivos para afirmar sua marcada pelo fortalecimento de ideologias políticas
própria força. autoritárias e violentas, que transformaram o
II. Revolução americana, marco de um novo ideal Estado em máquina de extermínio e perseguição.
político, expresso por Tocqueville, valorizado Trabalharemos, aqui, com as duas manifestações
como berço do verdadeiro nacionalismo. clássicas dessas ideologias: o nazismo alemão e o
III. Revolução Francesa, em que os ideais do fascismo italiano, que desestabilizaram o sistema
Antigo Regime são substituídos por valores internacional nas décadas de 1930 e 1940.
nacionalistas, guardadas a necessárias proporções.

Estão corretas as afirmativas:

Apenas I e II. Benito Mussolini e Adolf Hitler


durante a visita de Mussolini a Munique, em 19 de
junho de 1940.

Esses regimes deixaram a semente do autoritarismo e


Apenas I e III. do terrorismo de Estado plantados na cultura política
ocidental. Até hoje, no século XXI, podemos
observar, nos EUA, na América do Sul e em diversas
outras partes do mundo, lideranças políticas e
governos que se inspiram nos valores nazifascistas.
Apenas II e III.
No caso alemão, segundo os estudos do cientista Karl Em termos de psicologia social, ele [Hitler]
Dietrich Bracher, a ascensão do nazismo deve ser representa o homem comum, em posição de
explicada a partir de duas matrizes distintas. A subordinação, ansioso para compensar seus
primeira se refere, como já vimos na seção anterior, sentimentos de inferioridade através da militância e
ao nacionalismo agressivo e do radicalismo político. Seu nascimento na Áustria,
militarizado protagonizado no século XIX pela seu fracasso na escola e na profissão e a experiência
Prússia, Estado que liderou o processo de unificação
libertadora da camaradagem masculina durante a
da Alemanha. A segunda está na derrota alemã na
guerra, forjaram, ao mesmo tempo, sua vida e a
Primeira Guerra Mundial (1914–1918) e nas sanções
que a comunidade internacional impôs ao país. ideologia do nacional-socialismo.
(BRACHER, 2000, p. 810)
Como fenômeno histórico, o nacional-socialismo tem
que ser definido focalizando dois níveis principais: Militar de baixa patente sem grandes feitos militares,
como reação direta à Primeira Guerra Mundial e a artista frustrado pelo não reconhecimento do mercado
suas consequências, porém, também, como resultado cultural, é como se Hitler representasse a própria
de tendências e ideias bem mais antigas, relacionadas Alemanha naquela conjuntura: apequenado,
com a problemática da unificação política e da menosprezado e com ódio, muito ódio. Foi nas
modernização social — problemática que domina o franjas desse ressentimento coletivo que o Partido
desenvolvimento alemão desde o começo do século Nacional-Socialista (“socialista”, aqui, não tem
XIX. nenhuma relação com o socialismo, sistema social e
político idealizado por Karl Marx), foi ganhando
(BRACHER, 2000, p. 807) força e se tornando popular.

Segundo o autor, o fundamental para a compreensão O nazismo foi se construindo na prática política sem
da ascensão do nazismo ao controle do Estado alemão se inspirar em grandes tratados de delimitação
foi a combinação de uma retórica nacionalista conceitual. Porém, se quisermos encontrar um
fundada no princípio da expansão vital, que inspirou “teórico do nazismo”, podemos destacar o
a unificação alemã em meados do século XIX, e o escritor Alfred Rosenberg (1893–1946), autor do
trauma da derrota da Primeira Guerra Mundial. No livro O mito do século XX, publicado pela primeira
momento em que a Alemanha se tornou pária no vez em 1930. Rosenberg chegou a ser ministro de
sistema internacional europeu após o fim do conflito, Hitler, participando ativamente da deportação e do
a ideologia nacionalista, em toda sua agressividade, extermínio de milhares de pessoas.
foi acionada pelas lideranças nazistas para insuflar a
sociedade civil alemã em um desejo coletivo de
revanche. O grande argumento de Rosenberg apontava para a
incapacidade da República de Weimar — regime
político liberal-democrático que governou a
Contexto Alemanha entre 1918 e 1933 — de promover a
“restauração da grandeza alemã”. Toda a propaganda
política nazista, dirigida pessoalmente por Joseph
Goebbels (1897–1945), o “marqueteiro de Hitler”,
investiu na acusação de fraqueza para deslegitimar o
regime de Weimar.

Tropas
alemãs entram em Saaz (cidade na atual República
Tcheca) em 1938.

Sem dúvida alguma, a Alemanha foi a grande Alfred Rosenberg.


derrotada na Primeira Guerra Mundial, sendo o
Tratado de Versalhes, armistício assinado em 1918, o Outro fator explorado pela propaganda foi o medo
grande símbolo da nova ordem que se estabeleceu das elites perante o fortalecimento do socialismo após
após o conflito. O Tratado de Versalhes impôs 1918, com a Revolução Russa. Até então, muitos
diversas sanções à Alemanha, indo desde analistas, incluindo o próprio Karl Marx, acreditavam
indenizações que deveriam ser pagas aos países que a Alemanha seria o palco da primeira grande
vencedores (Inglaterra e França, por exemplo), revolução socialista, por já contar com uma
passando por concessões territoriais (como a Alsácia organização industrial sólida e uma numerosa classe
e Lorena, na fronteira com a França) e chegando até a operária.
proibições no que se refere à organização das forças
armadas. Foi um golpe duro na autoestima do povo
alemão, algo que foi potencializado pelo ex-militar Outro ponto importante para a propaganda nazista foi
austríaco Adolf Hitler, que rapidamente se tornou o estímulo ao antissemitismo, que já era presente no
uma das principais lideranças do partido nazista. imaginário europeu desde a Antiguidade. Como a
identidade judaica é antes religiosa que política, os dos estudos desenvolvidos pelo cientista político
judeus se consideram mais pertencentes a uma italiano Edda Saccomani:
comunidade irmanada pela fé do que as comunidades
nacionais unificadas pela identidade nacionalista. Clique nas setas para ver o conteúdo.
Nesse sentido, o judeu inglês, francês ou alemão
tende a se considerar mais judeu do que inglês,
francês ou alemão. Esse cosmopolitismo religioso
judaico foi visto como uma ameaça à integração e à
pureza da “nação alemã”.

Bases do pensamento
Assim, podemos dizer que, em termos doutrinários, o
nazismo apresenta as seguintes características:

 Discurso ultranacionalista que definiu a


nacionalidade alemã como representante de Nacionalismo agressivo: tal como aconteceu na
uma raça evolutivamente superior e, por Alemanha, a Itália também se construiu como nação
isso, vocacionada à expansão. unificada no século XIX, em um processo político
marcado por intensa agitação militar.
 Negação do regime democrático-liberal,
acusado de ser fraco e incapaz de resgatar a
“grandeza alemã”, que estava sendo Reunião do partido nazista em Nurembergue em
comprometida pelas imposições do Tratado 1936.
de Versalhes.
 Anticomunismo, o que fez com que as
elites alemãs, assustadas com o espectro da
Revolução Russa, não pensassem duas
vezes antes de apoiar o partido nazista.
 Antissemitismo, por considerar o
cosmopolitismo religioso judeu uma
ameaça à “pureza” da nacionalidade alemã.
 Uma eficiente máquina de propaganda em
massa, baseada na narrativa de que a
história alemã era a história do conflito com
os “outros”, e que o que estava em jogo
nesse conflito era a sobrevivência e a Tal como Hitler, Benito Mussolini também se
pureza da pátria. fortaleceu liderando um sentimento crítico ao
liberalismo político, acusado de ser fraco e
potencialmente corrupto. O fascismo italiano, assim
Combinando todos esses fatores, somados à
como o nazismo alemão, defendia que a
percepção da sociedade alemã de que o governo
representação política deveria acontecer fora dos
democrático não seria capaz de superar os efeitos da
canais legislativos estabelecidos pelo liberalismo
derrota na Primeira Guerra Mundial, a década de
político. O chefe seria o único capaz de representar o
1920 foi marcada pela ascensão política meteórica do
povo, por meio de uma relação direta e não mediada.
Partido Nazista. Em pouco tempo, Hitler deixou de
ser uma figura caricata, alvo de piadas em jornais e
folhetins, e se tornou a principal liderança política do Benito Mussolini durante a marcha sobre Roma em
país. 28 de outubro de 1922.

Após a tentativa de golpe frustrada em 1923, que


levou Hitler à prisão por um ano, o Partido Nazista
foi se acomodando às regras do jogo eleitoral, e assim
foi corroendo a democracia por dentro. Em 1930,
Hitler assumiu o cargo de chanceler, uma espécie de
primeiro-ministro. Em 1933, após a morte do
presidente Paul von Hindenburg (1847-1933), Hitler
se tornou o ditador supremo da Alemanha, o Führer.
O resultado para a Alemanha e para o mundo já é
bastante conhecido.
As semelhanças entre Hitler e Mussolini não param
A trajetória histórica do fascismo na Itália guarda por aí. Ambos foram militares, lutaram na Primeira
algumas semelhanças com o caso do nazismo Guerra Mundial e construíram suas trajetórias por
europeu, mas existem também diferenças que dentro da democracia liberal, concorrendo a eleições
precisam ser destacadas. No que se refere às e ocupando cadeiras no legislativo.
semelhanças, podemos destacar, a partir da leitura
Adolf Hitler e Benito Mussolini em Munique, na O principal adversário ideológico do fascismo é o
Alemanha. liberalismo individualista. A célula social básica para
o fascismo é a coletividade social, representada, em
espírito, pelo líder carismático. Na moralidade
União e disseminação de um modelo fascista, o individualismo é sinônimo de egoísmo e
tem como resultado a desagregação da sociedade. O
ideal, então, seria a coesão social, a partir de critérios
definidos pelo próprio Estado, de cima para baixo,
pautada em valores gerais como religião, ordem e
família. Assim, o Estado teria autoridade para
perseguir liberdades individuais, matar e torturar,
sempre em nome da “razão coletiva”.

Verificando o aprendizado
A
assinatura do Pacto de Aço em 22 de maio de 1939
em Berlim.

Essas semelhanças levaram a uma aliança entre


Alemanha e Itália, firmada em maio de 1939, no
acordo que ficou conhecido como “Pacto de Aço”.
Por outro lado, a questão racial, especialmente o 1. Assinale, entre as alternativas abaixo, aquela
antissemitismo, não foi central para o fascismo que apresenta da maneira correta as origens
italiano, intensificando-se mais depois da históricas do nazismo alemão.
consolidação da aliança com a Alemanha. Outra
diferença importante se refere ao peso da Primeira
Guerra Mundial, que não foi tão grande para a
ascensão de Mussolini como havia sido para Hitler.

Já as relações com o comunismo foram ainda mais


tensas na Itália fascista do que foram na Alemanha Podemos falar em duas origens históricas: na Idade
nazista, e isso se explica pelo fato de que o próprio Média, por conta do fortalecimento da cultura
Mussolini começou sua trajetória política no partido germânica, e no século XIX, em virtude do
socialista. O partido fascista disputou as mesmas nacionalismo agressivo protagonizado pela Prússia na
bases sociais com o partido socialista: os ocasião da unificação do Estado alemão.
trabalhadores urbanos organizados em sindicatos, que
foram cooptados pela estrutura burocrática do Estado
fascista.

Podemos falar em duas origens históricas: na Idade


Se, na Alemanha nazista, a perseguição nazista aos
Média, por conta do fortalecimento da cultura
comunistas se deu pelo temor de que pudesse
germânica, e no século XX, por conta dos
acontecer uma revolução socialista no país, na Itália,
desdobramentos da derrota na Primeira Guerra
isso aconteceu, também, devido à disputa política
Mundial.
direta entre fascistas e comunistas pela mesma base
social.

Outra diferença importante se dá no plano da


sistematização doutrinária. Enquanto o nazismo não Podemos falar em duas origens históricas: no século
chegou a produzir um tratado de definição teórica, o XIX, em virtude do nacionalismo agressivo
fascismo foi mais cuidadoso nesse sentido. O livro A protagonizado pela Prússia na ocasião da unificação
doutrina do fascismo, escrito por Mussolini e pelo do Estado alemão, e no século XX, por conta dos
filósofo Giovanni Gentile (1875–1944), foi publicado desdobramentos da derrota na Primeira Guerra
em 1932. A doutrina fascista nega o individualismo, Mundial.
que é uma das principais invenções conceituais da
Modernidade, como vimos na primeira parte de nosso
estudo.

Podemos pensar que este é o século da autoridade, Podemos falar em duas origens históricas: a
Antiguidade, em virtude da ocasião das invasões
um século de direita, um século fascista; se o século
germânicas no Império Romano, e no século XX, por
XIX foi o século do individualismo (liberalismo
conta dos desdobramentos da derrota na Primeira
sempre significa individualismo), podemos pensar Guerra Mundial.
que este é o século do coletivismo e, portanto, o
século do Estado.
(GENTILE; MUSSOLINI, 2019, p. 23)
Podemos falar em duas origens históricas: a Os judeus foram as grandes vítimas do nazismo
Antiguidade, em virtude da ocasião das invasões porque seu nacionalismo violento se tornou uma
germânicas no Império Romano, e no século XIX, em ameaça para o cosmopolitismo alemão.
virtude do nacionalismo agressivo protagonizado pela
Prússia na ocasião da unificação do Estado alemão. Comentário

Comentário Parabéns! A alternativa "C" está correta.

Parabéns! A alternativa "C" está correta.

O estudante precisa saber que a identidade judaica é


antes religiosa que nacionalista, o que se tornou uma
O estudante deve saber que, segundo os estudos do ameaça para o nacionalismo agressivo alemão.
cientista político alemão Karl Dietrich Bracher, o
nazismo tem duas origens: o nacionalismo agressivo
que resultou na unificação da Alemanha ainda no Considerações finais
século XIX e o trauma da derrota na Primeira Guerra
Mundial, já na década de 1920.
Estudamos quatro sistemas de pensamento político
que, desde o século XIX, inspiram comportamentos
políticos de indivíduos e grupos e a própria
organização do Estado. Conservadores, liberais,
nacionalistas e fascistas deixaram heranças que até
hoje se fazem presentes no debate político, ainda que,
muitas vezes, não tenhamos consciência disso.
Fundamental para nós é estudar esses repertórios e
2. Os judeus foram as grandes vítimas da máquina entender que a política é capaz de nos emancipar, de
de destruição nazista que funcionou ao longo dos garantir direitos que não deveriam ser negados a
anos 1930. Assinale, entre as opções abaixo, aquela nenhum ser humano. Porém, é capaz, também, de
que explica por que os judeus estiveram entre os promover a barbárie, o extermínio, o preconceito e a
principais alvos do nazismo. violência. Cabe, então, a cada um de nós escolher. A
escolha é sempre um ato político.

Os judeus foram as grandes vítimas do nazismo


porque eram, em grande parte, operários vinculados
ao partido comunista.

Os judeus foram as grandes vítimas do nazismo


porque eram, em grande medida, defensores do
liberalismo democrático.

Os judeus foram as grandes vítimas do nazismo em


virtude de seu cosmopolitismo religioso, que
ameaçava o nacionalismo agressivo alemão.

Os judeus foram as grandes vítimas do nazismo


porque, em grande parte, eram empresários ricos, e o
governo nazista era comunista.

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