Lima Vaz
Lima Vaz
Lima Vaz
São Paulo:
Loyola, 1994
Capítulo III
[...] a concepção moderna do homem,[...] emerge com seus traços quase completos no
século XV e verá esses traços completados e integrados até o século XVIII, quando o
chamado homem moderno já ocupa o centro da cena da história e passa a ser a matriz
das concepções contemporâneas do homem que se for mularão nos séculos XIX e XX.
(p.79)
“A época que ficou conhecida na historiografia moderna com o nome de Renascença estende-
se do século XIV ao século XVI, quando atinge seu climax e declina para dar lugar à idade
barroca. Ela foi assinalada por transformações de toda ordem na Europa ocidental, dando
origem a uma civilização brilhante, com traços que definem nitidamente a sua originalidade
com relação à civilização medieval que a precedeu. [...] A civilização da Renascença foi a
primeira civilização do livro impresso, e essa caracteristica influiu decisivamente na difusão do
ideal humanista. Ela viu o nascimento da filologia clássica, que irá tornar possivel uma nova
forma de apropriação da herança literária da Antiguidade”. (p.80).
“[...] Segundo o parecer de Agnes Heller, é na se dão as condições para que surja uma
Antropologia filosófica sentido moderno do termo. E então que aparece, com efeito, uma
Consciência da humanidade ou das caracteristicas essenciais do homem (hemo kumanus) em
sua universalidade abstrata e não mais limitado pelas particularidades segundo as quais o
homem antigo ou medieval se considerava (civis, servus, christianus, paganus etc.)”. (p.84)
“É permitido pensar, por outro lado, que essa consciência da humanidade do homem está na
origem da enorme curiosidade que o animal humano provoca (nascimento da anatomia com
Vésale e da fisiologia com Harvey, já no século XVII).” (p.85)
“ [...] No quadro desse otimismo, o homem de Pascal encontra-se numa situação que alguns
intérpretes caracterizaram à luz da categoria do trágico": ele não está mais abrigado sob a
ordem cósmico teológica da visão cristão-medieval do mundo nem voltado, como o homem
‘cartesiano, para o senhorio e posse da natureza". (p.92)
revolução científica do século XVII, que encontrou no modelo mecanicista seu paradigma
epistemológico fundamental", atingiu todos os campos do saber e da cultura em geral. As
concepções filosóficas sobre o homem obedeceram em larga medida à sua influência, como
acab’amos de ver. (p. 96)
“[...] história e a classificação dos seres vivos ou a sistemática botânica e zoológica, que quase
nenhum progresso fizera depois de Aristóteles. começa a sofrer uma reformulação que
conduzirá ao advento da sistemática moderna com Lineu e Buffon no século XVIII. A
antropologia empírica retoma igualmente no século XVII os primeiros ensaios tentados na
Antiguidade por Aristóteles nos tratados conhecidos como Parva Naturalia e pelos Estoicos em
sua psicologia das paixões.” (p. 97)
“[...] filologia clássica vem juntar-se, no século XVII a filologia bíblica, tendo como seu grande
representante Richard Simon (1638-1712).” (p.98)
“[...] na visão da Ilustração, o progresso implica uma mudança operada pelo homem, segundo
fins racionais e medida pelo critério do melhor. Desse modo próprio conceito de Ilustração,
expresso por uma metáfora luminosa (Lumières, Enlightment, Aufklärung), encontra na ideia
de progresso assim definida o espaço de sua irradiação.” ( p. 102-103)
“Humanidade, Civilização, Tolerância, Revolução, entre outras são essas as ideias diretrizes
que, elaboradas segundo os critérios fundamentais das luzes e do progresso, estruturam o
espaço mental da Ilustração. Nesse espaço, o homem passa a ocupar o centro do qual irradiam
as linhas de inteligibilidade.” (p. 105)
“Considerada do ponto de vista da evolução das ideias no século XVIII. a obra de Kant aparece
como um estuário das grandes correntes da Ilustração; mas, considerada do ponto de vista da
evolução posterior da cultura ocidental, nela já se descobrem os prenúncios de uma nova
época que será dominada pelo Romantismo, do qual o Idealismo alemão será a vertente
filosófica.” (p.106)
“[...] na sequência dessa antropologia metafísica que deveria situar-se uma Antropologia
empírica, correspondente à Física empírica.” (p.109)
Capítulo IV
“[...] visão romântica do homem irá igualmente agir no sentido da passagem de uma filosofia
racionalista da História. [...] traços fundamentais da antropologia romântica são antecipa dos
por dois pensadores da época da Ilustração que, em sua crítica às teses fundamentais do
racionalismo "ilustrado", anunciaram já no seu tempo uma nova idade da cultura. São eles
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Johann Gottfried von Herder (1744-1803).” (p.116)
“[...] Porém, se por um lado Rousseau coloca o sentimento, cuja sede é o coração ou a
consciência moral, no centro de sua visão do homem, por outro, como genuíno herdeiro da
tradição racionalista, dá a seu pensamento uma rigorosa estrutura racional e, ao mesmo
tempo, axiomático-dedutiva.” (p.117)
“A significação geral da ideia hegeliana do homem" pode ser ex pressa inicialmente por sua
relação com os diversos níveis da realidade.” (p.122)
“[...] - a relação do homem com a história pode ser considerada um desdobramento de sua
relação com a cultura. Na verdade, a filosofia hegeliana tem aqui um de seus pontos nodais,
pois nela se reconhece geralmente a efetivação mais consequente da chamada "inflexão
historiocêntrica" que mudou a direção do curso do pensamento filosófico nos indícios do
século XIX.” (p.123)
“[...] - a relação com o Absoluto é, no entanto, a que abre a dimensão mais profunda da
concepção hegeliana do homem. Com efeito, a Filosofia do Espirito da Enciclopédia é coroada
com uma seção sobre o Espirito Absoluto, assinalando a necessidade de se ultrapassar
dialeticamente o plano da História universal, que é o momento mais alto atingido pela
dialética do Espirito Objetivo. (p.124)
“A evolução do pensamento de Hegel costuma ser dividida em três grandes fases, e essas
assinalam igualmente o desenvolvimento de sua concepção do homem. [...] primeira fase
pode ser designada como pré-sistemática e vai de 1788 a 1800. Os primeiros trabalhos
escolares de Hegel mostram um vivo interesse pelos problemas do homem, mas ele se traduz
sobretudo em considerações de ordem psicológica. (p.125)
“ [...] o pensamento de Hegel apresenta uma grande riqueza e uma grande complexidade".
Duas linhas orientam seu desenvolvimento; a linha crítica e a linha sistemática. E justamente
seguindo a linha sistemática que a concepção do homem começa a adquirir aqueles que serão
seus traços definitivos.” (p.126)
“É na Enciclopedia das Ciencias Filosoficas (1817, 1827, 1830) que Hegel expõe seu Sistema
definitivo Ela foi precedida pelos programas e resumos de aulas que ele ministrou no Ginásio
de Nürnberg de 1810 a 1816 e que mais tarde foram editados sob o título de Propedêutica
Filosófica.” (p.128)
“O Espírito se define como a Ideia que alcançou seu ser para si e que tem como pressuposto a
Natureza. No primeiro momento de seu desenvolvimento dialético, o Espirito existe na forma
da relação consigo mesmo: é, então, Espirito subjetivo. O que ele é segundo o seu conceito
deve tornar-se para si mesmo. Pois seu ser verdadeiro é estar junto de si (bei sich) ou ser
livre.” (p.129)
“[...] a Filosofia do Espírito subjetivo pode ser vista como o processo do "torna-te aquilo que
és", que retoma uma das intuições fundamentais da antropologia grega clássica.” (p.131)
Após a morte de Hegel (1831), seus discípulos dividiram-se em duas correntes que ficaram
conhecidas como "direita hegeliana" e "esquerda hegeliana". (p.132)
“Karl Marx foi, antes de tudo, um teórico da ação revolucionária e política e um teórico da
análise econômica. Suas concepções filosóficas procedem de fontes diversas e, provavelmente,
não logrou ele unificá-las num todo doutrinal coerente.” (p.135)
“Para Marx a especificidade do homem se destaca sobre o fundo das caracteristicas que ele
tem em comum com os animais. Seja o homem, seja o animal se definem pelo tipo de relação
que os une à natureza, isto é, pela forma como vivem sua vida. Ora, enquanto o animal é sua
própria vida, ao homem cabe produzir a sua”. (p.136)
“O século XIX assistiu ao rápido desenvolvimento das ciências do homem num arco muito
vasto que vai das ciências da vida às ciências da cultura, passando pela geografia humana,
pelas ciências econômicas e sociais e pelas ciências do psiquismo.” (p.140)
“A escola dos ideólogos se distingue pela primazia conferida ao problema da origem das ideias
e pelo método rigorosamente analítica com que é tratado e segundo o qual as ideias se
reduzem a elementos simples na sensação. [...] Auguste Comte é considerado o fundador da
Sociologia, tendo-a considerado o único saber positivo sobre o homem. Ao conferir à
sociedade primazia sobre o indivíduo, ele desenvolve, em sua enciclopédia do saber, uma física
social em que a sociedade é analisada, tanto do ponto de vista estático como do ponto de vista
dinâmico, segundo as conceitos e leis do mundo físico.” (p.141)
“A denominação "Antropologia filosófica" difundiu-se na nomenclatura filosófica
contemporânea a partir da primeira metade do século XX, sobretudo nos círculos ligados à
influència de Max Scheler. [...]Kierkegaard não foi propriamente um filósofo, e sim um
pensador solitário. teólogo de profissão, mas em ruptura com a Igreja oficial luterana de seu
país, a Dinamarca. Sua influência fora das fronteiras pátrias começou a ser sentida no século
XX, primeiramente na Alemanha e, a partir do fim da segunda guerra mundial, em outros
países da Europa, {...} (p.142)
“Max Scheler desenvolveu numa linha original o método fenomenológico de E. Husserl, dando
ênfase à dimensão afetiva e pré-conceptual do conhecimento. No centro da visão scheleriana
do homem está o conceito de pessoa, sendo o pensamento de Scheler considerado uma das
fontes principais do personalismo contemporâneo, tanto no campo da antropologia
propriamente dita como no campo da moral.” (p.146)
“[...] Analítica existencial heideggeriana exerceu, assim, uma influência decisiva nas tentativas
de constituição de uma antropologia existencial. Una obra importante nesse campo foi a do
psiquiatra suiço Ludwig Binswanger (1881-1966), primeiro discipulo de Freud e posteriormente
criador de uma antropologia fenomenológica inspirada em Heidegger.” (p.148-149)