O Beijo Que Mudou Tudo
O Beijo Que Mudou Tudo
O Beijo Que Mudou Tudo
Isto era o que estava escrito no verso do convite que recebi há duas
semanas atrás. Achei deveras interessante e fiquei ainda mais satisfeita
quando no canhoto avisava que poderia levar um acompanhante. Encarei a
escrita engarrafada mais uma vez enquanto esperava Vivian estacionar o
carro atrás do edifício de dez andares no centro. Minha amiga não escondeu
a felicidade ao ser chamada, assim era um motivo a mais para usar uma de
suas roupas de grife que ela ganhara da ex-namorada. Vivian sempre
reclamava que nunca podia estar elegante, já que suas roupas despojadas
não combinavam com tal ocasião.
—Eu devia ter me arrumado mais. — anunciou Vivi atrás de mim,
arrumando o tecido da saia sereia que lhe dava uma silhueta esguia e fina. O
corpete justo apresentava um decote em V profundo. Tudo em tons marrom
brilhante e preto. Divina.
—Jura? Pra mim, você será mais cobiçada que os vestidos. — sorri
brincalhona, mas havia verdade em minha voz. Nunca vi Vivian tão bonita
quanto hoje; a maquiagem nude realçava o rosto quadrado perfeitamente
simétrico. — Para de besteira, tá ótima. Queria um lugar pra usar essa
roupa? Conseguiu, agora aproveita.
—É, eu sei que eu queria, Dakota, não precisa jogar na minha cara.
Mas sei lá, não é bem o que eu imaginava. Me deixa desconfortável.
Dei risada assistindo a se manter de pé no salto agulha.
—Imagina as mulheres de outras épocas com espartilhos, ou saiotes
cheios pra caramba. Devia ser ainda pior. Você está no paraíso comparada a
elas.
Vivian deu de ombros, segurando em meu ombro e arrumando a tira
do salto, já que a ponta da fivela machucava sua pele. Assim que terminou,
ela me fitou de cima a baixo com um ar de admiração.
—Se acha que eu estou bonita, é porque não se viu no espelho,
cretina.
Meu vestido vermelho abraçava minhas curvas de maneira sutil. O
decote sem alça realçava meus ombros delicadamente, enquanto a saia caía
longa e reta até o chão, criando uma estética minimalista e moderna.
—Como se eu não tivesse olhado.
Rimos em uníssono enquanto ela me deu um soco de brincadeira no
ombro. Um casal passou rente a nós, encarando-nos com espanto e desgosto
por nossa atitude infantil. Ignoramos os olhares de desprezo e seguimos
porta adentro do evento assim que um segurança nos saudou com um
manejar de cabeça.
Aquele evento seria bom para me manter distraída dos pensamentos
incertos que se perpetuavam dentro de mim, todos envolvendo Nicole. O
que, aliás, Vivian me proibiu de tocar no nome por tempo indeterminado.
Ao entrarmos no Hotel Belle, escolhido para o evento, fiquei
boquiaberta por seu estilo, assim como Vivian. O espaço era encantador, um
salão de espelhos históricos refletindo a luz de lustres delicados de vidro, o
chão com piso de mármore polido revelava o reflexo de tais lustres. Mesas
redondas cobertas por toalhas de renda branca estavam estrategicamente
dispostas pelo salão, cada uma adornada com arranjos de flores vintage em
vasos de cristal. Cadeiras douradas e estofadas forneciam assentos
confortáveis, enquanto outros arranjos discretos de luzes destacavam as
mesas de exibição.
Mais à frente, uma passarela elegante forrada com pétalas de rosa e
uma sutil iluminação ambiental atravessava o salão, proporcionando um
cenário perfeito para um desfile de moda intimista.
Certamente, era um hotel belíssimo e fácil de se sentir deslocado.
Encarei minha convidada, assistindo seu sorriso de ansiedade, e me aliviei
por saber que ela não seria uma dessas pessoas.
Alguns estilistas que eu conhecia vinham ao nosso encontro para
conversas aleatórias das quais eu pouco tinha interesse, algumas cantadas
ruins de riquinhos metidos para cima de minha amiga, enquanto a mim,
olhares distantes de uma mulher ou outra cuja eu tinha informação de suas
sexualidades. Uma ou outra já havia existido química física entre nós.
Porém, nesse evento, apenas queria saber de me distanciar dos pensamentos
irritantes da semana passada.
Alcancei da bandeja de um garçom que passava uma taça de
champanhe branco. Beberiquei seu interior com avidez; o peito doía de
memórias insistentes, e temia que fosse estragar o lápis contornando os
olhos por causa de lágrimas idiotas. De repente, senti as mãos de Vivian
segurarem meu braço com força, quase causando um acidente com a bebida
no chão.