A Mulher de Betânia (MC 14,3-9) Fabrizio Zandonadi Catenassi
A Mulher de Betânia (MC 14,3-9) Fabrizio Zandonadi Catenassi
A Mulher de Betânia (MC 14,3-9) Fabrizio Zandonadi Catenassi
Resumo
Palavras-chave:
Abstract
Keywords:
* Grupo de Pesquisa Bíblica e Pastoral. Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Campus Londrina. Bolsista
121
Introdução
-
1
. De fato, parece que uma das suas mais fun-
parâmetros para aqueles que desejavam seguir Jesus, ou ainda apresentar de maneira
mais clara a mensagem do Senhor para aqueles que tiveram contato com sua pro-
posta, mas ainda não haviam entendido bem o compromisso e a responsabilidade
2
.
O início de seu escrito dá esta tonalidade. Os demônios são os primeiros a
apontar Jesus pelo que Ele realmente é: o enviado de Deus. Eles o dizem, aos gritos:
14,3-9). Este relato foi contado desde cedo na comunidade, não havendo dúvidas so-
bre sua autenticidade3. É apresentado de maneira curiosa, sendo rico em detalhes em
alguns momentos (o tipo e o valor exato do perfume, o nome do proprietário da casa
onde Jesus estava) e intencionalmente omitindo outros aspectos (como a identida-
de da mulher em questão). Parece que estas características foram intencionalmente
que o gesto dessa mulher deve ser lembrado em todas as partes onde o evangelho for
proclamado (v. 9).
1. MAZZAROLO, I. estar ou não com Jesus. 2. ed. Rio de Janeiro: Mazzarolo editor, 2012;
São Paulo: Paulinas, 1992.
2. MAZZAROLO, p. 14.
Petrópolis: Vozes, 1974, p. 231.
122
1. O início da Paixão: Jesus em Betânia
-
. 4
no contexto do desfecho da prática, vida e pessoa de Jesus, preparado tanto por Jesus
5
. Exatamente neste contex-
o messianismo de Jesus se torna cada vez mais claro. Aí também se vai compreendendo o
processo do discipulado como uma prática de encontro constante com o Cristo, portanto,
-
6
.
culmina com o acordo feito com Judas, este relato é inserido em um tom de ruptura,
-
7
, que vislumbra Jesus prevendo sua morte e interpretan-
evangelho de Marcos. Entretanto, a partir do 11,1 inicia-se o relato da paixão em Jerusalém, que é transcorrida até
o último capítulo de Marcos.
quem é Jesus? São Paulo: Paulinas, 1991, p. 160.
6. BARBAGLIO, G. et al. (I). São Paulo: Loyola, 1990, p. 585.
p. 227.
123
-
. Ainda assim,
8
que a visita a Betânia se realizou seis dias antes da festa da Páscoa (Jo 12,1). Marcos
para que pudesse ser abatido, levado para casa e então preparado segundo as prescri-
para casa, a família preparava as ervas amargas, o cordeiro e os pães ázimos para a
para a massa levedar, o uso do pão fermentado era expressamente proibido durante
sete dias (Ex 12,15-20).
milhares de peregrinos em Jerusalém, o que favorecia os planos dos chefes dos sa-
cerdotes de matá-lo, uma vez que estavam enciumados (Mt 27,18) por seu prestígio
124
10
.
-
perfume extremamente caro, o nardo. Após quebrar o frasco, derrama todo o con-
convidado, levantando a questão dos pobres e da forma com que um bem tão valio-
so poderia ser usado para amparar os mais necessitados, se vendido. A estrutura é
para a sepultura” (v. 8). Jesus em sua paixão é apresentado por Marcos em um tom
-
mina, assim como já havia demonstrado por ocasião da sua entrada em Jerusalém
(11,1-6) e ao predizer sua morte (14,18-21)11.
2. Análise do texto
p. 426.
p. 227.
125
O texto é apresentado pelos quatro evangelistas. Está presente nos sinóticos
(Mc 14,3-9; Mt 26,6-13; Lc 7,36-50) e também em João (12,1-11). Em uma análise
a mulher no contexto da Páscoa e sim antes de sua partida para Jerusalém, na casa
lágrimas, porque era pecadora conhecida na cidade, e depois os unge com perfume.
O centro da crítica em Lucas, feita pelo fariseu, está em acolher uma pecadora sem
censurá-la e a resposta de Jesus segue o mesmo caminho, de um perdão cheio de
misericórdia. João apresenta nuances também distintas: Jesus está na casa de Lázaro,
e Orígens), ora como duas mulheres, uma pecadora e a outra, Maria (Agostinho)12.
texto de Mateus é mais breve e com menos detalhes, apresentando algumas varia-
com vários elementos literários distintos dos outros evangelistas, que empresta a
estrutura da perícope, mas traz um material de origem variada, como a questão do
perdão dos pecados13.
-
cano é sem dúvida o mais original e antigo” , o que parece ser consenso entre os
14
estudiosos.
evangélica.
, p. 102.
p. 232.
, p. 105.
126
d) Lucas apresenta um material próprio combinado com elementos toma-
O autor conclui:
das Oliveiras17. É aldeia onde viviam Marta, Maria e Lázaro, amigos de Jesus (Jo
18
. A etimologia do nome é a
bet (casa) e ani -
zido como “casa do pobre”.
A mulher sem nome: o relato de Marcos apresenta o nome de Simão, o Lepro-
realidade excludente: a lepra está condenada pela Lei de Moisés (Lv 13); o farisaís-
víboras” (Mt 3,7; 12,34; 23,33). João também apresenta o nome do contestador do
derramamento do perfume; em sua narrativa, é Judas, que o faz porque “era ladrão e,
tendo a bolsa comum, roubava o que aí era posto” (Jo 12,7).
, p. 106.
p. 231.
18. MAZZAROLO, p. 280.
uma confusão com o episódio contado em Lc 7,36-38, onde uma pecadora anônima unge os pés de Jesus na casa
João, onde a mulher unge com perfume os pés de Jesus e os enxuga com o seu cabelo (Jo 12,3). (BARBAGLIO et
al., 1990, p. 586).
127
Mas -
sentado pelos sinóticos parece interessante. A dona do frasco de perfume tão precio-
deverá ser lembrada pelo que fez (v. 9), pois é nisto que se distingue dos outros
caro (poluteles, ver 1Tm 2,9), elaborado a partir do genuíno nardo que, segundo
Barbaglio e outros:
[...] é óleo aromatizado com extratos de raízes e folhas de uma planta da fa-
mília do Valeriano e que cresce na Índia. Marcos indica que se trata de um
perfume pistikos
também um tipo de perfume indiano comumente chamado de “costum”, ara-
maico
daí pode ter sido traduzido, na fonte grega, subjacente ao texto de Mc, por
pistikos
128
escravo. O traidor, perdido no caminho do discipulado, não consegue reconhecer as
pelo Pai.
era um costume antigo lacrar os vasos que continham impor-
3. Um verdadeiro discípulo
-
fundas
reconhecendo-o como Messias. Assim acontece com a entrada messiânica em Jeru-
adversários (11,27-33), que não eram somente combatidos em ordem prática, mas
Linden defende que “tipicamente, os que estão com Jesus não compreendem
-
23
129
-
ta do exílio, quando uma onda violenta de nacionalismo foi um importante mecanis-
nas diferentes ordens sociais nas quais o povo estava estruturado: uns esperavam
um messias revestido de santidade; outros, um militar característico, que com poder
Jesus as dúvidas sobre seu messianismo, que seria comprovado a partir do que faria
-
vida, para proclamá-lo Messias, seria preciso antes ver suas atitudes em Jerusalém.
Marcos faz questão de ressaltar a incapacidade também dos discípulos de re-
em sua morte. Assim, Judas não está mais do lado do Mestre e o vende aos chefes
dos sacerdotes (14,10), provavelmente expressando a visão generalizada do messia-
nismo como restringido ao militarismo24
eu?” (14,19); Pedro exprime seu amor dizendo que seguiria Jesus incondicionalmente
enquanto Jesus agoniza (14,32-42); quando Jesus é preso, um jovem que o seguia
foge do interrogatório dos guardas, abandonando-o nas mãos dos algozes (14,51-52).
Assim, quando a mulher unge Jesus em Betânia, é natural o espanto dos convi-
vas e a crítica que vem dos observadores (como narram Marcos e Lucas) ou mesmo
dos próprios discípulos (Mateus e João). Esta se estabelece especialmente sobre o
130
valor do perfume, não em si, mas sim aplicado ao gesto de ungir Jesus. Será que Ele
não merecia tamanho reconhecimento?
a seu culto cerca de 1.000 aC como prática comum ao rei, como parte do ritual de
de Davi, que reinaria para sempre, a partir do tronco decepado de seu pai, Jessé
(1Sm 16). Ele seria cheio do Espírito de Deus (Is 11,1-3), de Belém (Mq 5,1-5),
-
trando no lugar que era destinado somente aos convivas e entrega seu melhor perfu-
me para aquele que ela cria ser o enviado de Deus.
A resposta dos que aí estavam é uma prova evidente de sua falta de fé: querem
aplicar o dinheiro do perfume em obras externas, sem perceber o grande caráter de
esperavam o que Jesus iria fazer para aceitá-lo como Messias, essa mulher anônima
26
. E assim, o
25. BAUER, J.B. Messias/Messianismo. In: ______. . São Paulo: Loyola, 2000, p. 257.
quem é Jesus? São Paulo: Paulinas, 1991, p. 160.
131
27
Pedro (8,29.31)29 -
também pode ser lida como um elucidativo do processo de discipulado. A crítica dos
presentes sobre o desperdício do perfume (v. 4), além de denotar a falta de compre-
ensão sobre o messianismo, também evoca uma das práticas mais tradicionais do
judaísmo: a esmola, entretanto, também em caráter incompleto e pouco pleno. Ao
ajuda aos pobres ganha sentido quando Ele está no centro. Assim, não despreza a
p. 426.
p. 59.
30. MAZZAROLO, p. 284.
p. 426.
p. 232-233.
132
da viúva ao tesouro do Templo (12,42), no qual também há uma censura da atitude
exclusivamente externa, que carecia de sentido.
-
33
Assim, ela é a discípula que realiza o ato que as mulheres no sepulcro não conse-
guiriam (Mc 16,1), prestando uma homenagem a Jesus que os cristãos aspiravam
depois da Páscoa35.
o autor da perícope deixa claro que os menores também podem seguir a Jesus, tendo
todas as partes onde o evangelho for proclamado. Sua atitude é assumida como
p. 427.
133
exemplar. Assim, a perícope de Mc 14,3-9 ilumina o caminho do discipulado cris-
está pronta para oferecer o que tem de melhor ao Mestre, em uma atitude de profun-
mais pobres, mas não por uma prática assistencialista, senão por uma profunda ne-
cessidade de discipulado. Ao reconhecer em Cristo o Messias, também se reconhece
mesmo. Torna-se evidente o convite para ser como o Mestre, que entrega sua vida
por amor.
106, 1998.
134
MAZZAROLO, I. estar ou não com Jesus. 2. ed. Rio de Janeiro:
Mazzarolo editor, 2012.
para cristãos e cristãs do
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