Construindo o Relevo Terrestre Os Primordios Da Ge
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William Z Bertolini
Universidade Federal da Fronteira Sul
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Resumo: O estudo das formas da superfície terrestre possui raízes nas cosmosgrafias dos
séculos XVII e XVIII e passa gradativamente a um estágio mais científico com os trabalhos
desenvolvidos no contexto da história natural dos séculos XVIII e XIX. Esta é a ideia que se
defende e que se tenta demonstrar neste trabalho a partir das concepções sobre a origem e
estruturação da superfície da Terra de Thomas Burnet (1635 - 1690), Buffon (1707 - 1788) e
James Hutton (1726 - 1797).
Building earth’s relief: the rise of geomorphology in the works of Burnet, Buffon and
Hutton
Abstract: The study of landforms has roots in the cosmographies of the seventeenth and
eighteenth centuries, and gradually goes to a stage more scientific with the works
undertaken in the context of the natural history of the eighteenth and nineteenth centuries.
This is the idea that defends and tries to show that this work, from the conceptions about the
origin and structure of the surface of the Earth by Thomas Burnet (1635 - 1690), Buffon (1707
- 1788) and James Hutton (1726 - 1797).
INTRODUÇÃO
1
Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestrado em Geografia e Análise Ambiental pelo Instituto de
Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, Doutorando em Geografia Física pela Universidade de São Paulo. Email:
[email protected]
DOI: 10.7154/RDG.2012.0024.0005
Hutton em suas teorias da Terra, num contexto em que história natural, cosmografias e
preceitos religiosos se misturavam.
O período entre os séculos XVII e XIX foi fértil em termos de ideias que explicaram o
desenvolvimento da crosta terrestre e das formas do seu relevo. Tais ideias foram
fundamentais ao progresso das Ciências da Terra, especialmente da moderna Geologia e
Geomorfologia. Situadas em um contexto no qual o raciocínio científico se mesclava com o
arraigamento da doutrina mosaica preconizada pela Bíblia, essas ideias se ligavam muito
mais à construção do que se poderia chamar de cosmogonias (ou cosmologias) do que
propriamente a um edifício científico formal das Ciências da Terra baseado no empírico e no
observável. Contudo, tais ideias constituem a raiz da moderna geomorfologia.
Do ponto de vista científico, geomorfologia e história natural se confundem em suas raízes.
Desse ponto de vista, pode-se pensar que a geomorfologia se individualiza disciplinarmente
como uma das Ciências da Terra. No entanto, encarado como um aspecto importante na
organização do espaço, o relevo desempenha função importante nas relações entre
sociedade e natureza, o que o aproxima de uma abordagem mais próxima das ciências
humanas ou daquelas que se encontram no limiar entre as humanidades e a Natureza como
a geografia. Abreu (1985) sintetiza de forma sensata esta questão da delimitação da
geomorfologia enquanto ciência.
Se por um lado é inegável que a geomorfologia constitui-se realmente em
uma geociência, paralela a tantas outras, como a estratigrafia e a
sedimentologia, por exemplo, é inegável, igualmente, que ela nada mais é
do que uma das faces assumidas pela Ciência, possuindo limites que
transgridem o campo de outras disciplinas em função da perspectiva e do
objetivo com que se considera o relevo. Encarada desta forma a
geomorfologia poderá ser vista tanto como um ramo da geografia física
como da geologia, bem como uma disciplina em si mesma. Tudo dependerá
da perspectiva em que se coloca o estudo do relevo e não da realidade
filtrada por uma estrutura acadêmica e curricular do conhecimento (ABREU,
1985, p.154).
Thomas Burnet foi um bispo anglicano, autor da Sagrada Teoria da Terra (Sacred Theory of
the Earth – 1684). Numa época em que ciência e religião não eram de todo separadas,
Burnet buscou uma física das causas naturais que concordasse com o único documento que
se julgava infalivelmente verdadeiro – a Bíblia (GOULD, 1991).
Dentro dos limites dessa concordância, Burnet empreendeu uma estratégia que o
incluiu entre os racionalistas (os ‘mocinhos’ no futuro desenvolvimento da
ciência...). Como peça central da sua lógica, Burnet insiste repetidamente que a
história da Terra, conforme especificada nas Escrituras, só será adequadamente
entendida quando identificarmos as causas naturais de toda a panóplia dos
acontecimentos bíblicos (GOULD, 1991, p. 37).
O dilúvio tem papel fundamental em sua Teoria da Terra. Para Burnet, é por meio do colapso
da crosta provocado pelo dilúvio que teve origem a atual superfície da Terra (Figura 1).
Antes das águas diluviais cobrirem a superfície, a face da Terra era lisa, regular e uniforme,
sem montanhas e sem o mar (BURNET, 1816, p.61-62). Emergindo do caos, a matéria fluida
foi se precipitando, segundo as leis naturais, em diferentes camadas concêntricas
componentes da Terra. As massas d’água se precipitaram em uma camada exterior, abaixo
da crosta sólida e lisa, sem, contudo, possuírem a forma e a profundidade dos oceanos como
as conhecemos (BURNET, 1816).
Burnet tentou calcular a quantidade de água dos oceanos, embora tenha subestimado tanto
em extensão quanto em profundidade as medidas médias dos oceanos.
Ao concluir que os mares não conseguiriam cobrir os continentes, ao
calcular que quarenta dias e noites de chuva acrescentariam pouco e ao
rejeitar a criação divina de novas águas como algo metodologicamente
destrutivo a seu programa racional [Deus criou o mundo perfeito; de modo
que não precisaria intervir continuamente para mantê-lo assim], Burnet
teve de buscar essas águas em outra fonte. E fixou-se numa camada
mundial de água, subjacente e concêntrica à crosta original da superfície da
Terra. O dilúvio, declarou, ocorreu quando essa crosta original rachou,
permitindo que a grossa camada de água subterrânea subisse do abismo
(GOULD, 1991, p. 39-40).
Figura 1 – Esquema explicativo do Dilúvio e da formação das montanhas e demais formas da superfície da
Terra. Da esquerda para direita, a primeira figura representa a camada exterior do planeta que, ao se rachar,
permite que as águas abissais saiam do seu confinamento e inundem toda a Terra, mostrada na segunda figura.
Ao recuarem, as águas deixam para trás uma crosta repleta de escombros relacionados ao atual relevo e os
oceanos como os conhecemos atualmente.
A interpretação do dilúvio proposta por Burnet explica a atual superfície da Terra, sem,
contudo, se remeter aos processos que fazem com que as paisagens mudem
constantemente. Sua teoria da Terra não considera a atuação constante dos processos
Na 4ª época têm papel importante os vulcões. Eles são responsáveis pelo fissuramento da
crosta e por fazer com que, ao reorganizar as águas da superfície em novos mares e
oceanos, fosse possível o desenvolvimento dos grandes animais nas terras emersas por esse
meio. Em suas ideias do fissuramento da crosta e da sua movimentação, responsável pela
separação dos continentes, estão os primórdios da concepção da deriva continental.
Na teoria da Terra de Buffon, a natureza opera sob dois mecanismos principais: a dissolução
pelas águas e a liquefação pelo fogo (BUFFON, 1778). Seu modelo de evolução do planeta e
da sua crosta é baseado nesses dois mecanismos. As paisagens primitivas foram forjadas
pela incandescência primitiva da matéria, através de suas leis físicas. Quando a superfície foi
se resfriando o papel da água líquida pôde se fazer presente mantendo-se, entretanto, o
fogo interior do planeta vivo e bem mais ativo que o calor proveniente do Sol. Esse calor
interior foi o responsável, por meio da atuação dos vulcões, pelo remanejamento de terras e
águas na superfície do planeta.
A água também tem um papel importante na concepção da sua “máquina terrestre”. Não no
sentido do dilúvio, mas sim pelo lento e contínuo movimento das águas correntes que
desnudam as terras emersas em direção aos oceanos. Todas as terras emersas foram
originadas no fundo dos mares segundo sua concepção.
O ciclo repetitivo responsável pelo modelamento da superfície é composto por erosão –
deposição – consolidação – soerguimento. Primeiro o solo é desgastado pela erosão. Em
seguida, o material erodido é depositado nas profundezas dos oceanos onde, num terceiro
estágio, as camadas de sedimentos são compactadas e consolidadas por pressão e pelo calor
interno da Terra. Em um quarto estágio, a crosta é fraturada e soerguida pelas forças
telúricas para formar novos continentes, expostos outra vez aos processos erosivos.
Figura 2 – Inconformidade próxima a Jedburgh. (From Hutton, Theory of the Earth, vol. 1, Edinburgh, 1795,
plate 3.) Fonte: www.openlearn.open.ac.uk. Acesso em 25 de novembro de 2011.
Embora Hutton tenha tratado o papel das águas em sua teoria de maneira muito
semelhante à que hoje lhe atribui como importante agente morfogenético, ele também
considerou que a maior parte da superfície sólida da Terra teria sido formada no fundo dos
mares (HUTTON, 1788, p. 223). Seu questionamento a partir disso foi o de saber quais forças
foram responsáveis por erguer os continentes acima do nível do mar. Ao analisar a
disposição das camadas rochosas no litoral da Inglaterra voltou sua atenção para o fato de
que a não horizontalidade daquelas camadas só poderia ter se dado mediante a atuação de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
AGRADECIMENTO
O autor agradece a leitura crítica realizada pelo professor Adilson Avansi de Abreu.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Adilson A. de. A Teoria Geomorfológica e sua Edificação: Análise Crítica. Revista
Brasileira de Geomorfologia, ano 4, n.2. p.51-67. 2003.
BUFFON, Georges Louis Leclerc, Comte de. Histoire naturelle, générale et particulière –
supplément: tome neuvième. Imprimerie Royale. Paris. 1778.
BURNET, Thomas. The Sacred Theory of the Earth. Published by T. Kinnersley, Acton Place,
Kingsland Road. London. 1816.
BROC, Numa. Les débuts de la géomorphologie en France: le tournant des années 1890.
Revue d’histoire des sciences. Tome 28, nº 1, p.31-60. 1975.
GOULD, Stephen J. A galinha e seus dentes e outras reflexões sobre história natural. Paz e
Terra. Rio de Janeiro. 1992.
HUTTON, James. Theory of the Earth; or an investigation of the laws observable in the
Composition, Dissolution, and Restoration of Land upon the Globe. Transactions of the Royal
Society of Edinburgh, vol. I, Part II, pp.209-304, plates I and II. 1788.
MAGNANI, Esteban.; MOLEDO, Leonardo. Dez teorias que comoveram o mundo. 1ª ed.
Editora Unicamp. 2009.