Concepção de Aprendizagem

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CONCEPÇÃO DE APRENDIZAGEM

Concepção de Aprendizagem

No presente artigo, a autora discute as concepções de aprendizagem que comumente subsidiam as


práticas pedagógicas, remetendo-se às contradições que marcam a produção do conhecimento psi-
cológico. Considerando que tais contradições são desveladas através da explicitação dos pressupos-
tos epistemológicos das correntes no interior das quais as concepções referidas são elaboradas, pro-
cede a uma análise desses pressupostos. A metodologia de abordagem da questão tem a intenção
de suscitar a reflexão sobre as consequências da adoção das diferentes linhas analisadas, bem como
sobre a impropriedade das formas de ecletismo tão amplamente exercidas no campo pedagógico.

Julgamos que o tratamento do tema proposto deva começar pondo em destaque um fato: o conheci-
mento psicológico não constitui um todo harmonioso, assim como não são harmoniosas as socieda-
des no interior das quais ele vem sendo produzido.

Se admitimos que as contradições existentes no mundo da produção material têm os seus reflexos no
mundo das ideias, porque se trata, na verdade, de um único e mesmo mundo, teremos que admitir,
igualmente, que a Psicologia não se configura como um bloco monolítico. Como seria de se esperar,
proliferam as teorias que concebem o indivíduo como um ente desvinculado da História, e essas são,
por razões políticas, as teorias tornadas oficiais.

Elas não definem, porém, o campo total da produção do conhecimento psicológico, e muito menos o
esgotam. Trata-se de teorias idealistas, porque não estão fundadas na realidade da vida dos homens
e a elas se contrapõem aquelas que ou vêem o indivíduo situado historicamente, ou, pelo menos,
comportam a definição do individuo como conjunto das relações sociais, como síntese de múltiplas
determinações. Tal síntese, sendo subjetiva, porque constitutiva do próprio EU, é compartilhada por
muitos indivíduos, por força das condições históricas objetivas que os unem.

Esse conceito de indivíduo desfaz o preconceito de identificar a Psicologia como "a ciência do indiví-
duo", no sentido de uma subjetividade pura, e permite defini-la como a ciência da conduta, englo-
bando tanto os comportamentos observáveis, como os processos conscientes e inconscientes, que
lhes são efetividade e que apresentam uma dimensão humano-genérica, uma dimensão diferenciada
a partir da condição dos sujeitos como pertencentes a uma classe social, a um grupo, a uma comuni-
dade, etc., e, por fim, uma dimensão individual, no sentido já expresso anteriormente. Aqui já não há
mais lugar para a oposição individualidade X coletividade. Em virtude disso, é possível falar-se com
mais propriedade sobre o coletivo, atribuindo-lhe um significado mais verdadeiro: o que não suprime
o individual. Como bem afirma Lefebvre, "[...] nada se ganha transformando num "sujeito" coletivo o
sujeito individual". (LEFEBVRE, 1975, p. 75).

Ultrapassando-se as análises apoiadas nas dicotomias sujeito X objeto, indivíduo X sociedade e con-
gêneres, ganham relevância, portanto, as mútuas interrelações que tem lugar no seio da totalidade
representada pela relação indivíduo/sociedade.

Vale ainda lembrar que as transformações sociais são resultantes, evidentemente, de ações coleti-
vas. Entretanto, é importante que os processos para tais transformações se façam com vistas a con-
tar efetivamente com o indivíduo, conforme definido por Agnes Heller, quando diz:

[...] o homem torna-se indivíduo na medida em que produz uma síntese em seu EU, em que trans-
forma conscientemente os objetivos e as aspirações sociais em objetivos e aspirações particulares de
si mesmo e em que, desse modo, socializa "sua particularidade". (HELLER, 1982, p. 80).

Em conformidade com tal postura, tentaremos tratar o tema em questão, buscando discutir as con-
cepções de aprendizagem que subsidiam as práticas pedagógicas e as consequências daí advindas.

Evitaremos, na exposição do tema, o ranço positivista de apresentar as teses prontas e a produção


do conceito de aprendizagem como linear e cumulativo. O tema vai ser analisado, portanto, de forma
a deixar claros o movimento e as contradições que permearam e permeiam seu estudo.

Não temos a pretensão de ser exaustivos, uma vez que a função do presente artigo é proceder a uma
leitura crítica acerca do conceito de aprendizagem, na tentativa de que possamos chegar tanto à con-
vicção do que não nos serve, quanto às pistas importantes rumo à materialização da proposta que
desejamos colocar em prática. Falamos de pistas e não de teorias, porque não são as teorias prontas
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que resolverão nossos problemas. Serão seguramente a prática que atestará se as pistas são ou não
necessárias. E, a partir daí, poderemos chegar a uma verdadeira teoria: a teoria de uma prática.

Concepções De Aprendizagem

O conceito de aprendizagem emergiu das investigações empiristas em Psicologia, ou seja, de investi-


gações levadas a termo com base no pressuposto de que todo conhecimento provém da experiência.
Isso significa afirmar o primado absoluto do objeto e considerar o sujeito como uma tabula rasa, uma
cera mole, cujas impressões do mundo, fornecidas pelos órgãos dos sentidos, são associadas umas
às outras, dando lugar ao conhecimento. O conhecimento é, portanto, uma cadeia de idéias atomisti-
camente formada a partir do registro dos fatos e se reduz a uma simples cópia do real.

Em virtude de sua epistemológica, tais investigações formam o corpo do que se chama associacio-
nismo, cuja expressão mais imponente é o behaviorismo, tanto em sua versão mais clássica, quanto
em sua versão contemporânea.

A meta do behaviorismo sempre foi a construção de uma psicologia "científica", livre da introspecção
e fundada numa metodologia "materialista" que lhe garantisse a objetividade das ciências da natu-
reza.

A objetividade perseguida pelo behaviorismo é a mesma do positivismo em geral e, por isso, termos
como consciência, inconsciente e similares banidos da linguagem psicológica. A Psicologia vem defi-
nida como a "ciência do comportamento" (observável) e o comportamento é entendido como produto
das pressões do ambiente, significando o conjunto de reações a estímulos, reações essas que po-
dem ser medidas, previstas e controladas.

Nessa via de interpretação, ganha sentido a definição de aprendizagem como "mudança de compor-
tamento resultante do treino ou da experiência". Aqui, tem-se uma definição em que a dissolução do
sujeito do conhecimento é evidente. Ele é realmente aquela cera mole de que se falou anteriormente
e, por isso, a aprendizagem é identificada com o condicionamento.

Entende-se, assim, porque o behaviorismo, corrente cujas primeiras sistematizações foram realizadas
por Watson, nasce apoiado nos trabalhos de Pavlov acerca do condicionamento respondente.

O condicionamento de tipo pavloviano, também conhecido como condicionamento clássico ou res-


pondente, consistindo no esquema ER, foi, em seus primórdios, considerado como o elemento básico
de aprendizagem, ponto de partida para a formação de todos os hábitos. Era tempo de euforia geral
entre os positivistas, pois as pesquisas de Pavlov ofereciam a possibilidade de se atribuir, às ativida-
des complexas, o sentido de uma composição de simples elos soldados. O condicionamento clássico
diz respeito à relação entre um estímulo antecedente e uma resposta que lhe é, naturalmente, conse-
quente.

Inicia-se com a observação de respostas incondicionadas a estímulos incondicionados, mas o inte-


resse central se firma na obtenção de uma determinada resposta, provocada por um estímulo previa-
mente neutro, quando este é associado a um estimulo incondicionado. Com o passar do tempo, o
condicionamento respondente revelou-se insuficiente para a explicação de aprendizagem complexas,
e sua validação restringiu-se à explicação dos comportamentos involuntários e das reações emocio-
nais. Foi, então, superado pelo condicionamento operante (skinneriano), o qual desloca a ênfase do
estímulo antecedente para o estímulo consequente (reforço), como recurso para garantir a manuten-
ção ou extinção de certo(s) comportamento(s).

O condicionamento operante ocupa-se, pois, das relações entre o comportamento a ser aprendido e
as suas consequências. Os adeptos da teoria do reforço consideraram-no capaz de explicar a aquisi-
ção dos comportamentos voluntários de todos os tipos. O esquema continua muito simples: o orga-
nismo emite uma resposta a um estímulo cujo conhecimento não é necessário, e essa resposta, de-
pendendo das consequências geradas por ela, será ou não mantida. Logo, são os estímulos que se
seguem à resposta (reforços) que representam o núcleo da teoria, e não os que a antecedem.

As pesquisas sobre condicionamento iniciaram-se sempre com experimentos com animais e se apli-
caram posteriormente, a sujeitos humanos. Dado o seu grande poder de controle do comportamento,
essas pesquisas foram se sofisticando cada vez mais. Têm sido incessantes os esforços para provar
que o comportamento é modelado, razão porque devem as investigações fornecer o maior número
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possível de dados sobre estímulos reforçadores, estímulos aversivos, tipos de reforços, esquemas de
reforço, contra-condicionamento, etc. Acredita-se que o aprofundamento dessa linha de análise fin-
dará por oferecer um modelo de aprendizagem que resolverá todos os problemas.

É notório o fato de que, embora com recursos mais aprimorados e com a possibilidade de lidar com
certas aquisições complexas, o condicionamento instrumental não implíca nenhuma mudança de
pressuposto epistemológico com referência ao condicionamento respondente.

O conceito positivista de aprendizagem que acabamos de expor é inteiramente refutado pela gestalt,
uma corrente psicológica que nasce na Alemanha, no princípio do século (com Wertheier, Kohler e
Koffka) e que encontra terreno fértil nos Estados Unidos, onde passaram a trabalhar três dos seus
maiores expoentes: Koffka, Kohler e Lewin.

A gestalt opõe-se ao behaviorismo por ter um fundamento epistemológico de tipo racionalista, ou,
mais precisamente, por pressupor que todo conhecimento é anterior à experiência, sendo fruto do
exercício de estruturas racionais, pré-formadas no sujeito.

Se a unilateralidade do positivismo consiste em desprezar a ação o sujeito sobre o objeto, a do racio-


nalismo consiste em desprezar a ação do objeto sobre o sujeito. Ambas as posições, portanto, cin-
dem os dois pólos do conhecimento de modo irremediável.

Qualificar a gestalt como uma teoria racionalista não significa, entretanto, afirmar que ela negue a ob-
jetividade do mundo. Significa, isto sim, que ela não postula essa objetividade no sentido de uma in-
terferência na construção das estruturas mentais através das quais o sujeito apreende o real. Admite-
se que experiência passada possa influir na percepção e no comportamento, mas não a afirma como
uma condição necessária para tal. E, por isso, é às variáveis biológicas e à situação imediata que se
deve recorrer para explicar a conduta. As variáveis históricas, por não serem determinantes, apresen-
tam pouco interesse para os gestaltistas.

Note-se que não falamos em aprendizagem e, sim em percepção. Na verdade, contrariando o pressu-
posto epistemológico do behaviorismo, a gestalt rejeita a tese de que o conhecimento seja fruto da
aprendizagem. De acordo com seus adeptos, os sujeitos reagem não a estímulos específicos, mas a
configurações perceptuais. As gestaltens (configurações) são as legítimas unidades mentais, e é para
elas que a Psicologia deve voltar-se.

Vê-se, pois, que a gestalt lida com o conceito de estruturas mentais, enquanto totalidades, numa ex-
trema oposição ao atomismo behaviorista. É conveniente esclarecer que tais totalidades são organi-
zadas em função de princípios de organização inerentes à razão humana. Logo a estrutura da gestalt
é uma estrutura sem gênese, não comportando, pois, uma formação.

Vale ainda a pena dizer que o conceito de totalidade com o qual a Gestalt trabalha é irredutível à
soma ou ao produto das partes. Por isso, o todo é apreendido de forma súbida, imediata, por reestru-
turação do campo perceptual (insight).

Se a aprendizagem não contribui para a estruturação do conhecimento, justifica-se o pouco interesse


que os gestaltistas apresentam pela questão. Aliás, nos estudos de aprendizagem realizados pela
gestalt, a aprendizagem se confunde com solução se problema, que, por sinal, não decorre de apren-
dizagem, e, sim, de insight. Diante disso, torna-se fundamental conhecer os princípios que o regem:
relação figura-fundo, fechamento (lei de pregnância), similaridade, proximidade, direção, etc., que
são, em síntese, os princípios universais da boa forma.

A leitura, mesmo rápida, do que foi exposto, associada ao conhecimento que nós, professores, temos
das praticas pedagógicas dominantes, permite-nos ver que, em geral, as referidas práticas se deba-
tem entre as duas concepções de aprendizagem apresentadas, sendo, muitas vezes, difícil identificar
se o ensino está fundado numa teoria ou noutra. A ração dissonos parece óbvia: ambas as aborda-
gens conduzem ao mesmo resultado e as práticas pedagógicas equivalentes. Vejamos por quê.

O tratamento dado à aprendizagem pelas duas correntes em foco é, antes de tudo, reducionista. O
behaviorismo, como toda teoria positivista, reduz o sujeito ao objeto. A gestalt, como uma teoria racio-
nalista, faz o contrario.
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O behaviorismo, por ter condenado a introspecção e se voltado para o observável, o materializado,


gerou a crença de que se tratava de uma teoria materialista, que superava a metafísica da psicologia
precedente. Na Rússia, após a Revolução de 1917, tal perspectiva foi abraçada com entusiasmo. En-
tretanto, não tardou que se descobrisse o seu caráter idealista. Dicotomizando o homem no que é e
no que não é observável, e escolhendo ocupar-se do que é observável, o behaviorismo expõe-se à
constatação de sua fragilidade, pelo menos por três razões:

• Por separar o que é inseparável, fragmentando a unidade indissolúvel do sujeito e do objeto;

• Porque, procedendo a tal cisão e ocupando-se apenas da ação do objeto, deixa o sujeito à mercê
das especulações metafísicas; e

• Porque seu materialismo é uma forma de mecanismo, um falso materialismo, uma vez que ignora
as condições históricas dos sujeitos psicológicos, tendo descartado a consciência, a subjetividade, ao
invés de provar seu caráter de síntese das relações sociais.

Não é necessário dizer mais nada para concluirmos que o behaviorismo acentua o primado do objeto,
mas ignora a objetividade, destruindo-se, portanto, pela sua própria prática.

Essas considerações esclarecem, consequentemente, o fracasso das ações pedagógicas assentadas


na concepção positivista de aprendizagem, as quais silenciam os alunos, isolam-nos e os submetem
à autoridade do saber dos professores, dos conferencistas, dos textos, dos livros, das instruções pro-
gramadas, das normas ditatoriais da instituição, e tudo isso para chegar a um único resultado: ao
falso conhecimento e à subordinação.

Dissemos que a gestalt não levaria a práticas e efeitos diversos. É possível que duas teorias com ba-
ses epistemológicas antagônicas possam ser equivalentes? As evidências falam por nós.

A gestalt, ao preconizar as estruturas mentais como totalidades organizadas segundo princípios ine-
rentes à razão humana, toma partido pela "pré-formação". Se as estruturas são, de fato, pré-formadas
e não fruto da ação do sujeito sobre o mundo objetivo e do mundo objetivo sobre o sujeito, não há por
que apelar para a atividade desse sujeito. Fica patente que, assim como o behaviorismo é um objeti-
vismo sem objetividade, a gestalt é um subjetivismo sem subjetividade, o que dá no mesmo.

Em virtude dessa auto-negação, as práticas pedagógicas que apostam numa "intuição racional" de
tipo gestaltista apóiam-se, também, em técnicas que não apelam para a atividade do sujeito, e, por-
tanto, para a sua vida concreta.

O saber acumulado é tranquilamente transmitido, respeitando os princípios da boa forma, e os alunos


podem incorporá-los, pois a experiência apresentada sob boas formas é isomorfa às estruturas men-
tais, ou seja: as estruturas mentais têm sempre, na experiência, o seu equivalente. Apesar disso, es-
truturas mentais e experiências persistem como dois pólos distintos.

É claro que essa cisão entre subjetividade e objetividade nada mais é que o reflexo da divisão social
do trabalho, da separação entre o fazer e o pensar, da prática e da teoria. E, nesses casos, assiste-
se a uma supervalorização da teoria, porque, sendo aquela que sabe, tem o direito de comandar a
prática. A esta, como ignorante, nada mais resta do que obedecer à teoria.

E dada a falsidade da relação de dominação entre teoria X prática, não poderíamos esperar que a es-
cola, instituição legitimadora e produtora desse tipo de dominação, pudesse ter encarado a transmis-
são do conhecimento de uma forma diversa daquelas que impedem a autonomia intelectual e a pro-
dução de um conhecimento verdadeiro e, por isso, libertador.

Após termos apresentado as concepções de aprendizagem de teor mecanicista e idealista, cumpre-


nos averiguar se se encontram, na Psicologia, formulações que as superem. Nesse sentido, acredita-
mos que o grupo de pesquisas que compõe aquilo a que chamamos psicologia genética tenha muito
a contribuir. Desse grupo, salientamos as que mais se voltaram para o problema da aprendizagem
segundo uma perspectiva que nos parece extremamente promissora: as inauguradas por Piaget,
Vygotsky e Wallon.

Aqui nos deteremos mais na posição de Piaget, por ser, entre nós, a mais divulgada (embora não
bem conhecida) e, em razão dessa mesma divulgação, a que mais dominamos.
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Começamos por afirmar que a posição de Piaget com relação à aprendizagem não pode ser enten-
dida senão no contexto de sua produção teórica mais geral. Fazem-se necessárias, então, algumas
considerações sobre essa produção.

Na qualidade de epistemólogo, Piaget dedicou toda a sua vida à investigação de um problema cen-
tral: a formação e o desenvolvimento do conhecimento. Afirmar isso, entretanto, é muito pouco. É pre-
ciso explicitar melhor a significação dessa sua preocupação.

Inicialmente, merece realce o fato de que, ao pesquisar a formação e o desenvolvimento do conheci-


mento, Piaget inaugura a Epistemologia Genética, definindo-a como

[...] pesquisa essencialmente interdisciplinar que se propõe estudar a significação dos conhecimen-
tos, das estruturas operatórias ou de noções, recorrendo, de uma parte, a sua historia e ao seu funci-
onamento atual em uma ciência determinada (sendo os dados fornecidos por especialistas dessa ci-
ência e sua epistemologia) e, de outra, ao seu aspecto lógico (recorrendo aos lógicos) e enfim à sua
forma psico-genética ou às suas relações com as estruturas mentais (esse aspecto dando lugar às
pesquisas de psicólogos de profissão, interessados também na Epistemologia). (PIAGET, 1977, p.
77).

Por essa definição, vê-se que a perspectiva epistemológica de Piaget é extremamente complexa e
original. Ao contrário dos epistemólogos de Piaget é extremamente complexa e original. Ao contrário
dos epistemólogos neopositivistas, os mais fiéis ao sentido literal do termo epistemologia (teoria da
ciência), Piaget não se interessa apenas pelo conhecimento científico.

A razão disso situa-se no fato de que a explicação das formas de conhecimento típicas da ciência só
é possível, para Piaget, recorrendo-se à gênese dessas formas e ao estudo dos caminhos percorri-
dos. Isso significa, pois, tratar, também, das formas de conhecimento que são hoje consideradas
como características do conhecimento pré-científico, mas que, do ponto de vista cognitivo, não se po-
dem negligenciar, porque foram precursoras dos progressos posteriores.

A tese exposta conduz Piaget à pesquisa sobre a psicologia gênese do conhecimento, não só porque
a psicogênese completa a sociogênese (o ponto de partida de qualquer ciência foi fruto de um pensa-
mento já formado), como também porque ela pode constituir um mecanismo experimental capaz de
caracterizar a Epistemologia Genética como uma disciplina científica.

Os trabalhos iniciados por Piaget e os que incorporam as contribuições dos especialistas do Centro
de Epistemologia Genética forneceram os elementos necessários à sustentação do que ele qualifica
como idéia central de sua teoria: a de que "[...] o conhecimento não procede nem da experiência
única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções suces-
sivas com elaborações constantes de estruturas novas". (PIAGET, 1976, prefácio).

Essa afirmação não deixa dúvidas quanto à recusa de Piaget em relação ao behaviorismo e à gestalt,
mas não esclarece, de uma vez por todas, como essas construções sucessivas têm lugar e quais os
elementos nelas envolvidos.

Para Piaget, elas são resultantes da relação sujeito X objeto, relação essa em que os dois termos não
se opõem, mas se solidarizam, formando um todo único. As ações do sujeito sobre o objeto e deste
sobre aquele são recíprocas. O ponto de partida não é o sujeito, nem o objeto, e, sim, a periferia de
ambos; assim, o desenvolvimento da inteligência vai-se operando da periferia para o centro, na dire-
ção dos mecanismos centrais da ação do sujeito (dando lugar ao conhecimento lógico-matemático) e
das propriedades intrínsecas do objeto (dando lugar ao conhecimento do mundo). Essa direção no
sentido do sujeito e do objeto não deve ser entendida como uma polarização: o conhecimento lógico-
matemático e o conhecimento do mundo objetivo se relacionam mutualmente.

É fácil verificar, pois, que, para Piaget, o sujeito constitui como o meio uma totalidade, sendo, por-
tanto, passível de desequilíbrio, em função das perturbações desse meio. Isso o obriga a um esforço
de adaptação, de readaptação, a fim de que o equilíbrio seja restabelecido.

A adaptação, ou o restabelecimento do equilíbrio, comporta dois processos distintos, porém indissoci-


áveis, que são a assimilação e a acomodação.
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A assimilação cognitiva consiste na incorporação, pelo sujeito, de um elemento do mundo exterior às


suas estruturas de conhecimento, aos seus esquemas sensório-motores ou conceituais. Na assimila-
ção, portanto, o sujeito age sobre os objetos que o rodeiam, aplicando esquemas já constituídos ou já
solicitados anteriormente. A acomodação, termo complementar da relação sujeito/objeto, representa
o momento da ação do objeto sobre o sujeito. A solicitação do meio não é atendida pelos esquemas
de assimilação, para que a adaptação possa efetivar-se, impondo-lhe a modificação de seu ciclo assi-
milador, para que a adaptação posso efetivar-se.

Chamamos a atenção para o fato de que a assimilação/acomodação, desde os seus primórdios,


apresenta-se como um ponto de partida relativo, como suporte para uma equilibração majorante, isso
é, para o restabelecimento do equilíbrio não apenas como uma volta ao equilíbrio anterior, mas como
formação de um novo equilíbrio, ou, mais precisamente, de um melhor equilíbrio. Esse equilíbrio de
nível superior funciona, então, como um novo ponto de partida, e assim sucessivamente. A Figura 1
que se segue ilustra o processo:

Para que essa equilibração majorante tenha lugar, Piaget acentua uma função paralela à adaptação:
a função da organização. A adaptação não pode ser dissociada da função de organização, pois, à
medida que o indivíduo assimila/acomoda, a organização se faz presente, para integrar uma nova es-
trutura a uma outra estrutura pré-existente, que, mesmo total, passa a funcionar como subestrutura.
Constata-se então, que a função de organização garante a totalidade, através da solidariedade dos
mecanismos de diferenciação e de integração, preservando a continuidade e a transformação.

As considerações feitas tornam patente o relativismo dialético no qual se assenta a Epistemologia


Genética. Lefebvre esclarece o sentido do relativismo dialético, quando diz: "O relativismo dialético
admite a relatividade de nossos conhecimentos, não no sentido de uma negação da verdade objetiva,
mas no sentido de uma perpétua superação dos limites de nosso conhecimento." (LEVEBVRE, 1979,
p. 98).

É esse o significado do relativismo dialético que permeia as elaborações de Piaget, tanto no que se
refere à sociogênese, quanto no que diz respeito à psicogênese. Apesar disso, entre o desenvolvi-
mento psicogenético e o sociogenético existe uma diferença fundamental: aquele é limitado, en-
quanto este aparece como uma possibilidade real de superação dos limites individuais. Vale mais
uma vez invocar Lefebvre, por expressar essa diferença de maneira lapidar, ao afirmar:

O pensamento humano pretende, legitimamente, deter a possibilidade, o poder de atingir a verdade


absoluta. O pensamento humano pretende possuir a soberania sobre o mundo e o direito absoluto
sobre a verdade 'infinita'. O pensamento dos indivíduos não pode ter tais pretensões; é sempre finito,
limitado, relativo. Mas essa contradição é resolvida pela sucessão das gerações humanas e pela coo-
peração dos indivíduos nessa obra coletiva que é a ciência. (LEVEBVRE, 1979, p. 100).
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Essa citação expressa exatamente a tese de Piaget acerca da sociogênese e da psicogênese.

No que se refere à psicogênese, Piaget a considera um processo dialético, colocando a atividade


como ponto de partida da vida psíquica, e concebendo o desenvolvimento cognitivo como resultante
de estruturações e reestruturação progressivas da ação. Localizando, portanto, a gênese das opera-
ções do pensamento na inteligência sensório-motora, Piaget pesquisa o curso do desenvolvimento
psicoge-genético, passando pelas atividades que preparam e organizam a inteligência operatória con-
creta e, por fim, a inteligência operatória formal, que marca os limites do desenvolvimento individual.

Piaget faz questão de afirmar que tais limites constituem uma realidade do presente e não um fecha-
mento definitivo e que mesmo esses limites atuais só o são do ponto de vista psicogenético, pois a
perspectiva sociogenética abre possibilidades de geração para geração.

A essa altura, vale lembrar que a teoria de Piaget tem tido as mais diversas interpretações: a de uma
forma de empirismo, de kantismo evolutivo, de hegelianismo, havendo, até, quem afirme sua tendên-
cia marxista.

Somos de opinião que a Epistemologia Genética, como uma produção coletiva e vastíssima, é, parci-
almente, tudo isso. Mas lembramos, com Agnes Heller, que "[...] não há nada mais belo e sábio do
que poder escolher, numa teoria, o que é mais necessário". (HELLER, 1982, p. 22).

É na perspectiva de escolher o que é necessário na a teoria de Piaget que nos colocamos, sem impe-
dimentos radicais, já que suas elaborações muito contribuem para resgatar a condição libertadora do
conhecimento.

Tememos, por outro lado, que, na falta de teorias mais completas, seja colocada na teoria de Piaget
uma expectativa que ela não estará à altura de concretizar. Por isso, achamos que é o momento de
explicitar alguns pontos mais problemáticos.

Apesar de a referida teoria acentuar a unidade do sujeito com o mundo, ela não se preocupou em
qualificar esse mundo como o meio social concreto, sendo seus resultados isentos do compromisso
com a luta de classes. Piaget esteve mesmo interessado em fornecer um quadro de referência para a
compreensão do sujeito epistêmico, entendido como possibilidade humana de conhecer, uma possibi-
lidade que é, assim, humano-genérica. Por outro lado, essa perspectiva não anula a outra, mas, ao
contrário, dela necessita, mesmo para fins de enriquecimento dessa compreensão.

Em função desse seu interesse, Piaget se preocupa com a formação dos instrumentos do pensa-
mento que propiciam o conhecimento, e acaba por afluir na Lógica Formal, negligenciando a Lógica
Dialética.

No que tange a uma concepção de aprendizagem, é claro que Piaget discorda das concepções ante-
riormente discutidas, tendo sido essas discordâncias exaustivamente expressas em toda sua obra.
Ele nega que sua teoria seja uma teoria de aprendizagem, classificando-a como uma teoria do desen-
volvimento. Admite, porém, que ela possa ser vista também como uma teoria da aprendizagem,
desde que tenha o seu conceito ampliado, de maneira a incorporar os processos de equilibração, que
não internos, mas não hereditários.

Quanto às aprendizagens conceituais tipicamente escolares, Piaget as subordina às estruturas já for-


madas, sugerindo que aquelas devam apoiar-se nestas, porque só assim podem contribuir para sua
consolidação e ampliação.

Por força de tais limitações, e principalmente pelo fato de Piaget não ter tido uma preocupação inci-
siva com a totalidade psicológica (já que sua meta era a compreensão do sujeito epistêmico), julga-
mos necessário que se compete a sua abordagem com outras que lhe sejam compatíveis. É aí que
apontamos para as linhas de investigação iniciadas por Wallon e Vygotsky.

Os estudos de Wallon, apesar de pouco divulgados nos últimos tempos, conduzem ao reconheci-
mento de uma enorme contribuição à Psicologia. Voltados para a evolução psicológica da criança, o
seu legado ultrapassou os limites desse momento da vida, ao fornecer elementos para a compreen-
são da dinâmica do processo de conhecimento. Wallon vai à gênese desse processo, teorizando so-
bre a passagem do orgânico ao psíquico e apontando caminhos para a análise dialética de teorias
reducionistas que privilegiam ora o orgânico, ora o social, no curso do desenvolvimento humano.
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A passagem do orgânico ao psíquico, que equivale à síntese entre o individual e o social, é, para o
Wallon, um dos problemas cruciais da Psicologia. Ela tenta explicá-la por meio de quatro elementos
estreitamente interligados: a emoção, a motricidade, a imitação e o socius.

A emoção permite à criança nascer para a vida psíquica, por ter como função inicial a comunhão
como outro, a união entre os indivíduos, em virtude das suas reações orgânicas, da sua fragilidade.
No principio, ela é indistinta, mas engendrará as oposições e os desdobramentos que gradualmente
vão dando origem às estruturas da consciência.

A primeira expressão da emoção é o movimento, que é, ao mesmo tempo, o seu substrato. A motrici-
dade é, então, para Wallon, o tecido comum e original de onde procedem as realizações da vida psí-
quica.

Essa primeira fase das trocas do indivíduo com os outros, e com o mundo em geral, corresponde a
um tipo de inteligência discursiva, cuja manifestação inicial é a representação. A imitação é o ele-
mento responsável pela superação d um tipo de inteligência pelo outro.

Ao tratar das origens do pensamento, entendido como inteligência discursiva, Wallon se volta para
uma descrição psicológia de crianças de 5 a 7 anos, pois todas as etapas anteriores tinham sido já
estudadas exaustivamente, nas obras precedentes. E ele privilegia, nessa descrição, os obstáculos
com os quais as crianças deparam para explicitar seu pensamento, e as contradições entre o institu-
ído e suas experiências, entre o formalismo da linguagem e a fluidez dos dados empíricos, em si
mesmos contraditórios, em última análise, entre o real e a sua representação.

Em toda a extensão da obra de Wallon, encontra-se a preocupação de concentrar suas análises em


processos, por considerar que é o confronto do indivíduo com a sociedade que à construção da inteli-
gência. A afirmação a seguir é basilar para confirmar isso:

Jamais pude dissociar o biológico do social, não porque os creia redutíveis um ao outro, mas porque
me parecem, no homem, tão estreitamente complementares desde o nascimento que é impossível
encarar a vida psíquica de outro modo que não seja sob a forma de suas relações recíprocas. (WAL-
LON, 1951 apud ZAZZO, 1978, p. 51).

Apenas essa afirmação nos basta para constatarmos que, apesar de sua teoria se centrar no desen-
volvimento, não exclui a aprendizagem, cujo sentido positivista é superado pela indissociação do bio-
lógico e do social.

Com respeito a Vygotsky (1984), merece realce, inicialmente, o fato de ele ter uma posição que re-
presentou um avanço para a psicologia soviética. Sabe-se que, após a Revolução de 1917, as formu-
lações de Pavlov imperaram na Rússia, por sua característica antiidealista. Em contrapartida, aban-
dona-se o estudo da consciência, implicando isto, segundo Vygotsky, uma limitação da Psicologia a
problemas poucos complexos, além de fazer perdurar o caráter dualista e espiritualista do subjeti-
vismo anterior.

Visando, então, a uma coerente psicologia materialista, Vygotsky e seus colaboradores se empe-
nham em recuperar o estudo da consciência, inserindo as contribuições de Pavlov numa perspectiva
mais ampla de investigação. Instauram-se, a partir daí, a reação ao comportamentismo vulgar e a luta
pela instituição de um método que tratasse a consciência de maneira objetiva e concreta. A hipótese
que norteia suas sucessivas pesquisas é expressa nos seguintes termos:

Os processos psíquicos mudam no homem do mesmo modo como mudam os processos de sua ativi-
dade prática. Vale dizer que também aqueles são mediatizados. É exatamente pelo uso dos meios, é
pela relação mediata com as condições de existência que a atividade psíquica do homem se distin-
gue radicalmente da atividade psíquica animal. (LEONTIJEV; LURIA, 1973)

Utilizando-se do método histórico-crítico, Vygotsky empreende um estudo original e profundo do de-


senvolvimento intelectual da criança, cujos resultados demonstraram ser o desenvolvimento das fun-
ções psicointelectuais superiores um processo absolutamente único. A esse respeito, conclui
Vygotsky:
CONCEPÇÃO DE APRENDIZAGEM

Todas as funções psicointelectuais superiores se apóiam de dois modos no curso do desenvolvi-


mento da criança: por um lado, nas atividades coletivas, como atividades sociais, isto é, como fun-
ções interpsíquicas; por outro lado, nas atividades individuais, como propriedades do pensamento da
criança, isto é, como funções intrapsíquicas. (VYGOTSKY, 1973, p. 160).

Do ponto de vista do conceito de aprendizagem, a importância dos estudos de Vygotsky é inquestio-


nável, destacando-se o seu trabalho sobre "[...] o problema da aprendizagem do desenvolvimento in-
telectual na idade escolar". Aqui, Vigotsky critica as teorias que separam a aprendizagem do desen-
volvimento, e conclui, afirmando:

[...] Não há necessidade de sublinhar que a característica essencial da aprendizagem é que dá lugar
à área do desenvolvimento potencial, isto é, faz nascer, estimula e ativa, na criança, processos inter-
nos de desenvolvimento no quadro das interrelações com outros que, em seguida, são absorvidas, no
curso do desenvolvimento interno, tornando-se aquisições próprias da criança... A Aprendizagem, por
isso, é um momento necessário e universal para o desenvolvimento, na criança, daquelas caracterís-
ticas humanas não naturais, mas formadas historicamente. (VYGOTSKY, 1973, p. 161)

• A concepção de aprendizagem que resulta do confronto e da colaboração entre essas três últimas
abordagens, e das correções a que se pode submetê-las conduz, inevitavelmente, à superação da
dicotomia transmissão X produção do saber, porque essa concepção permite resgatar:

• A unidade do conhecimento, através de uma visão da relação sujeito/objeto, em que se afirma, ao


mesmo tempo, a objetividade do mundo e a subjetividade, (SCHAFF, 1975) considerada como um
momento individual de internalização da objetividade; A realidade concreta da vida dos indivíduos,
como fundamento para toda e qualquer investigação. Nesses termos, chega-se à conclusão de que
as práticas pedagógicas que respeitem a concepção de aprendizagem em foco devem apoiar-se em
duas verdades fundamentais:
-A de que todo conhecimento provém da prática social e a ela retorna;
-A de que o conhecimento é um empreendimento coletivo, nenhum conhecimento é produzido na soli-
dão do sujeito, mesmo porque essa solidão é impossível.

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