Texto 7 Obrigatorio BRADING
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O ESTADO B O U R B O N
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Apud D. A. Brading, Miners anã Merchants in Bourbon Mexico, 1763-1810, Cambridge, - Mark S. Burkholder e D. S. Chandler, From Impotence to Authority: The Spanish Crown and
1971, p. 39. the American Audiências, 1687-1808, Columbia, Miss., 1977, pp. 104-108, 157, 170, 196.
experiência oficial no império americano. Aqui, então, observamos a forma- índios retornariam a uma economia de subsistência ou simplesmente deixa-
ção de uma verdadeira burocracia judicial, que baseava a sua autonomia da riam de cumprir todos os compromissos de crédito. De qualquer forma, as
sociedade colonial no recrutamento de membros na Espanha. províncias ultramarinas do império estavam atrasadas demais para justificar
A peça central da revolução no governo foi a introdução dos intendentes, a intervenção dos intendentes, que se revelariam caros e ineficazes. Apesar da
funcionários que incorporavam todas as ambições administrativas e interven- introdução de u m intendente em Cuba, em 1763, somente quando Gálvez
cionistas do Estado Bourbon. Para avaliar a importância dessa medida, deve- assumiu a secretaria das índias é que se conseguiu um progresso adicional. A
se lembrar que na esfera do governo local a prática dos primeiros Bourbons onda de reformas chegou na década de 1780, iniciando-se, em 1782, com a
determinou muito mais uma deterioração que uma melhora em relação ao nomeação de oito intendentes no vice-reino de La Plata, seguida dois anos
passado. Desde 1678, as magistraturas regionais — alcaides mayores e corregi- mais tarde por outros oito no Peru e coroada pelo estabelecimento, em 1786,
dores — haviam sido postas à venda em Madri. Esses funcionários continua- de doze intendências na Nova Espanha. Para a América Central foram desig-
vam responsáveis pelo recolhimento dos tributos dos índios, mas tiveram nados cinco desses funcionários, para Cuba três, para o Chile dois e para
reduzidos seus salários pela nova dinastia, ou, no caso da Nova Espanha, dei- Caracas um; Nova Granada e Quito não receberam nenhum.
xaram de receber pagamentos adicionais. Em conseqüência disso, sendo os Recrutados dentre um conjunto de militares e funcionários fiscais, em sua
rendimentos da justiça e outros benefícios insuficientes para garantir-lhes a esmagadora maioria espanhóis da Península, os intendentes conseguiram um
subsistência, muitos magistrados se envolveram no comércio, distribuindo sucesso apenas limitado e de forma alguma satisfizeram as expectativas dos
mercadorias e gado a crédito e emprestando dinheiro adiantado contra a pro- reformadores. Pois a nomeação de uma série de governadores de províncias
dução de cochonilha, anil e algodão. A princípio ilegais, esses repartimientos não corrigiu as deficiências do governo local. Em nível regional, os alcaides
de comercio foram finalmente reconhecidos em 1751 pela coroa desde que as mayores e os corregidores foram substituídos por subdelegados, cujo meio de
autoridades vice-reais compilassem uma tabela de preços e valores de merca- subsistência era cinco por cento dos tributos e das rendas da justiça. Em con-
dorias para distribuição. Em atividade principalmente em zonas de povoa- seqüência, esses funcionários eram escolhidos entre a elite local ou então
mento indígena, onde os magistrados muitas vezes desfrutavam de u m virtual eram obrigados a envolver-se no comércio, ainda que não recebessem supor-
monopólio do comércio, os repartimientos provocaram muitas vezes grande te financeiro das grandes casas de importação. Foi nas capitais das províncias
agitação popular. Pois a maioria dos corregidores tinha cinco anos apenas para que a reforma causou maior impacto. Pois aí os intendentes estavam em sua
recuperar o custo de seu cargo e reembolsar as grandes casas de importação atividade máxima, pavimentando ruas, construindo pontes e prisões e repri-
de Lima e do México que lhes haviam fornecido dinheiro e mercadorias. mindo desordens populares. Auxiliados por um conselheiro legal e por fun-
Assim, de fato a autoridade judicial da coroa era comprada e empregada para cionários do tesouro, o intendente era a prova viva do novo vigor executivo
a salvaguarda e a promoção do lucro no comércio. da monarquia. Libertada de sua antiga dependência do crédito mercantil, a
Mais uma vez, foi José de Gálvez o responsável pela melhora radical desse administração colonial foi fortalecida enormemente pela nomeação de buro-
malconcebido sistema de governo. Em 1768, com a colaboração do vice-rei cratas de carreira, que, em razão de sua origem peninsular, preservavam sua
Croix da Nova Espanha, Gálvez apresentou propostas para a total abolição independência da sociedade que governavam.
dos alcaides mayores e dos repartimientos e sua substituição por intendentes. Nas capitais de Lima, Buenos Aires e Cidade de México, Gálvez instalou
Afirmava ele que os magistrados regionais oprimiam os índios e defrauda- superintendentes subdelegados de real hacienda, funcionários que liberavam
vam a coroa da renda dos tributos. A premissa que se escondia atrás de seu os vice-reis de toda responsabilidade em questões do tesouro. Além disso,
relatório, elaborado no debate que se seguiu, era que, se os índios fossem foi criada u m a comissão central de finanças, com a tarefa de supervisionar
liberados do monopólio coercitivo dos alcaides mayores e dos corregidores, as atividades dos intendentes e inspecionar todas as questões ligadas à
entrariam livremente n o mercado como p r o d u t o r e s e trabalhadores. N o cobrança da renda. Cabe salientar que a nomeação de superintendentes
entanto, seus opositores alegavam que sem os repartimientos de comercio os tinha o propósito de reduzir os poderes dos vice-reis, que na opinião de
Gálvez eram demasiado amplos. Sua idéia era estabelecer u m a sistema trí- milhões de pesos. Além disso, se em outras províncias do império as recei-
plice onde os regentes chefiavam o judiciário, os superintendentes dirigiam tas n u n c a atingiram tais níveis — n o Peru o m o n o p ó l i o vendia apenas
o tesouro e os intendentes, e aos vice-reis cabiam a administração civil e as f u m o — elas sem dúvida constituíram u m a fonte importante de renda adi-
forças militares. No caso, uma série de disputas em torno de questões de cional. Foi apenas, portanto, na inspeção mais rigorosa e n o recolhimento
receita levaram à abolição do cargo de superintendente em 1787, após a dos tributos indígenas, o n d e o a u m e n t o nas rendas facilmente excedeu
morte de Gálvez. O prestígio dos vice-reis era grande demais para que fosse qualquer expansão populacional, que os intendentes e seus subdelegados
tão facilmente diminuído. Além disso, a extraordinária expansão de todos desempenharam u m papel perceptível.
os ramos do governo, q u a n d o aliada à nova dependência em relação ao De fato, a n o m e a ç ã o de u m a burocraci a assalariada, apoiada n u m a
exército, servia para aumentar a autoridade efetiva do alter ego do rei. O ampla legião de guardas, p e r m i t i u à m o n a r q u i a espanhola extrair u m a
fato de a maioria dos vice-reis, após a ascensão de Fernando VI ao trono, ser extraordinária colheita fiscal da expansão da atividade econômica resultante
constituída de oficiais de carreira das forças armadas ilustra ainda mais a de suas reformas no comércio e do incentivo dado às exportações coloniais.
natureza do novo Estado colonial. Mais uma vez, foi Nova Espanha a precursora, com receitas do tesouro que
subiram no curso do século de três para vinte milhões de pesos, concentran-
Os intendentes foram menos eficientes do que se previra, em parte pelo do-se esse crescimento em grande parte nos anos de 1765-1782, quando o
fato de ter sido o sistema de receita amplamente reformado antes de sua orçamento bruto pulou de seis para 19,5 milhões de pesos. É significativo
chegada. As principais inovações foram a nomeação de u m a burocracia fis- que os tributos indígenas t e n h a m c o n t r i b u í d o apenas com cerca de u m
cal assalariada e o estabelecimento de novos m o n o p ó l i o s da coroa. Até milhão de pesos para esse total global, em comparação com os 4,5 milhões
então, o recolhimento do imposto de c o n s u m o , as alcabalas, havia sido fornecidos pelo tributo da prata, pelas taxas de cunhagem de moeda e pelo
arrendado (em troca de u m a soma anual determinada por contrato) aos monopólio de mercúrio, e com os quatro milhões de lucro obtidos com o
consulados, as associações de comerciantes e seus representantes nas pro- monopólio do fumo. No total, após a dedução das taxas fixas e dos custos
víncias. Os tesouros, situados em p o r t o s ou em c a m p o s de mineração, do monopólio, restavam cerca de 14 milhões de pesos, quatro milhões dos
administravam apenas as taxas alfandegárias e o tributo cobrado sobre a quais eram retidos para manutenção do governo e para as despesas militares
produção da prata. No entanto, em 1754 as alcabalas de Cidade do México na fronteira setentrional. Os dez milhões de pesos restantes eram enviados
foram outorgadas a funcionários assalariados e em 1776 o mesmo sistema para o exterior, ou para financiar as fortalezas e guarnições do mar dos
de administração direta foi aplicado em toda a colônia. Daí por diante, Caraíbas, das Filipinas e da América do Norte, ou diretamente para Madri.
todas as principais cidades foram aquinhoadas com u m diretor e contador Nenhuma outra colônia deu tantos lucros a sua metrópole quanto a Nova
local, encarregado do imposto de consumo, auxiliado por u m grupo de Espanha. Em 1789, a receita b r u t a n o Peru totalizava n ã o mais de 4,5
guardas. O m e s m o sistema foi i n t r o d u z i d o n o Peru d u r a n t e a visita de milhões de pesos, sendo 1,2 milhões de pesos fornecidos pela indústria de
Areche e subseqüentemente estendido a outras partes do império. A outra mineração de prata, quase equivalente aos 920 mil pesos de tributos índios.
grande inovação ocorreu em 1768 com a criação do monopólio do f u m o na Em compensação, na Nova Granada as taxas alfandegárias de 1,3 milhões
Nova Espanha. A área de plantio foi severamente restringida e todos os eram o maior item de um orçamento total de 4,7 milhões, sendo o monopó-
plantadores foram obrigados a vender sua produção ao monopólio , que lio do f u m o responsável por 953 mil pesos e os tributos indígenas, por irri-
fabricava os charutos em suas fábricas e os distribuía nas principais cidades sórios 166 mil pesos. De m o d o análogo, apesar da ainda numerosa popu-
através de u m a rede de vendedores e seus assistentes. Em seu apogeu, o lação indígena do Alto Peru, o grosso da receita fiscal no vice-reino de La
monopólio do f u m o na Nova Espanha apresentou u m movimento comer- Plata — um total de 3,5 milhões — derivava da indústria de mineração e das
cial da ordem de quase oito milhões de pesos, empregou uma força de tra- taxas de alfândega. Manifestamente, na maioria das regiões do império, era a
balho de mais de 17 mil homens e produziu lucros líquidos de quase quatro economia de exportação que produzia u m volume de rendas para a coroa.
Nessas estimativas de receita deve-se buscar o verdadeiro significado das obra Nuevo Sistema de Gobierno Económico para la America (1743), da auto-
mudanças do governo colonial. De fato, a revolução administrativa criou ria de Campillo. O p o n t o de partida de sua análise foi u m a comparação
u m novo Estado absolutista, baseado, como na Europa, n u m exército per- direta dos altos lucros obtidos pela Grã-Bretanha e pela França de suas ilhas
manente e n u m a burocracia profissional. Esse Estado estava voltado, assim produtoras de açúcar nas Antilhas com os retornos irrisórios do vasto impé-
como seus congêneres no Velho Mundo, para o princípio do aumento terri- rio continental da Espanha. Para remediar esse lamentável estado dos negó-
torial, embora principalmente às custas dos portugueses na América do Sul e cios, ele defendia a introdução do gobierno económico, termo pelo qual se
das tribos indígenas nômades da América do Norte. Mas diferia de seus referia claramente às doutrinas e medidas associadas ao mercantilismo de
modelos europeus, no sentido de que não conseguiu formar qualquer alian- Colbert. Em particular, advogou o fim do monopólio comercial de Cádiz e
ça verdadeira, fundada em interesses comuns, com os setores mais impor- do sistema de frotas periódicas. Na América, a terra deveria ser distribuída
tantes da sociedade colonial. A influência da Igreja, até então o principal aos índios e estimuladas a agricultura e a mineração da prata. Acima de
baluarte da coroa, foi combatida. O poder econômico das grandes casas de tudo, Campillo via nas colônias u m grande mercado inexplorado para a
importação foi solapado. Mas, se os exércitos permanentes ofereciam san- indústria espanhola: sua população, especialmente os índios, era o tesouro
ções armadas contra agitações populares, os títulos e privilégios oferecidos da monarquia. No entanto, para aumentar a demanda de manufaturas espa-
pelas milícias eram u m substituto muito pobre para qualquer real participa- nholas na colônia, era preciso incorporar os índios à sociedade através da
ção nos lucros ou no poder. Em suma, o preço da reforma foi a alienação da remoção dos perniciosos m o n o p ó l i o s e r e f o r m a r o sistema corrente de
elite crioula. No entanto, do p o n t o de vista de Madri, suas retribuições governo. Era necessário t a m b é m destruir a indústria colonial. No texto
foram consideráveis. Se, como veremos, a revitalização econômica da Penín- inteiro, Campillo empenhava-s e em a f i r m a r a supremacia do interesse
sula de forma alguma se equiparou às oportunidades oferecidas pelo cresci- público sobre o lucro privado, uma distinção personificada no contraste que
mento do comércio colonial, a revolução administrativa permitiu à coroa ele traçou entre comércio "político" e comércio "mercantil".
colher um considerável lucro fiscal. Mais uma vez, é a Nova Espanha que
Se a r e f o r m a o c o r r e u com m u i t a l e n t i d ã o, foi p o r q u e a G u e r r a de
melhor permite ver a dimensão da mudança. Enquanto, nos anos de 1766-
Sucessão e a subseqüente Paz de Utrecht abriram o império à navegação e ao
1778, somente 3,94 milhões de pesos de u m total de 11,93 milhões exporta-
contrabando estrangeiros. Com efeito, durante toda a primeira metade do
dos legalmente da Nova Espanha foram destinados ao rei, no período de
século XVIII, a Espanha envolveu-se n u m a batalha desesperada para retomar
1779-1791 não menos de 8,3 milhões de pesos de u m total de 17,2 milhões
o controle sobre o comércio colonial. O contrabando generalizara-se. Ainda
consistiam de rendas enviadas para as colônias das Antilhas ou para Madri.
assim, as grandes casas de importação do México e de Lima procuravam res-
A essa altura, até 15 por cento do orçamento real provinham das colônias,
tringir o fluxo de mercadorias provenientes da Península a fim de salvaguar-
deixando de lado o dinheiro proveniente das taxas alfandegárias em Cádiz. É
dar seus ganhos com o monopólio. Se a Espanha quisesse obter lucro de suas
nesses valores, mais do que nas afirmações duvidosas da indústria e das
possessões americanas, precisava primeiramente desalojar as manufaturas
exportações peninsulares, que encontramos a verdadeira base da revitaliza-
estrangeiras e o c o n t r a b a n d o do lugar p r e d o m i n a n t e que ocupavam no
ção da monarquia. Em última análise, o lucro fiscal do império e o m o n o p ó -
comércio atlântico e depois afastar a confederação mercantil de sua posição
lio comercial f o r a m mais importantes para o Estado espanhol do que os
de comando dentro das colônias.
retornos comerciais para a economia espanhola.
No começo, o desempenho comercial da Espanha foi lamentável. Em
1689, estimou-se que, das 27 mil toneladas de mercadorias enviadas legal-
A EXPANSÃ O D O COMÉRCIO COLONIAL mente para a América espanhola, somente 1,5 mil toneladas originavam-se
da Península. O grosso das exportações de Cádiz consistia de p r o d u t o s
A revitalização da economia colonial, tanto quanto a da Península, nas- manufaturados enviados da França, da Inglaterra e da Holanda. Mesmo a
ceu da aplicação de políticas mercantilistas. O texto competente aqui foi a receita fiscal proveniente das taxas alfandegárias era solapada pela alta inci-
dência do comércio de c o n t r a b a n d o n o m a r dos Caraíbas e a partir de suas caras mercadorias. Foi exatamente esse desastre comercial que condu-
Sacramento. Na verdade, com a Guerra de Sucessão desmoronou a última ziu à supressão da frota de Tierra Firme. Além disso, o volume das mercado-
barreira contra os entrelopos, pois em 1704 o embaixador Amelot obteve a rias vendidas em Jalapa em 1736 ficou inegavelmente abaixo dos níveis ante-
permissão para que navios mercantes franceses penetrassem no Pacífico e riores 7 . Não foi por acaso, portanto, que as tentativas espanholas de impedir
comerciassem livremente com o Peru e o Chile. No período de 1701-1724, o contrabando inglês deram origem a hostilidades.
153 navios comerciais franceses pelo menos visitaram essas costas, e somen- A Guerra da Orelha de Jenkins (1739-1748) marcou uma linha divisória
te em 1716 cerca de dezesseis navios trouxeram mercadorias européias em n o desenvolvimento do comércio colonial. Isso p o r q u e a destruição de
tal abundância que os mercados permaneceram saturados por vários anos. Portobelo por Vernon pôs um fim a quaisquer esperanças futuras de restau-
Diante desse desafio aberto ao monopólio comercial espanhol, as autori- rar a frota de Tierra Firme. Doravante, todo comércio ilegal com as ilhas do
dades de Madri tentaram desesperadamente restaurar o antigo sistema de mar dos Caraíbas e com a América do Sul era realizado por registros, navios
frotas periódicas a partir de Cádiz, no qual as feiras comerciais de Portobelo e individuais que navegavam sob licença de Cádiz. Igualmente importante, foi
Veracruz seriam os únicos pontos legais de entrada de mercadorias importa- aberta a rota do cabo Horn e mais navios foram autorizados a desembarcar
das. Para a América do Sul essa decisão significou o fechamento permanente em Buenos Aires. Com a acentuada queda nos preços, o comércio de todo o
da rota via cabo Horn e uma severa restrição aos desembarques em Buenos vice-reino do Peru com a Europa aumentou, pondo o Chile e a zona do rio
Aires. Para a Nova Espanha o velho sistema nunca chegou a desaparecer da Prata em relações comerciais diretas com a Espanha. Na verdade, como a
totalmente, visto que nos anos cruciais de 1699-1733 cinco comboios pelo frota inglesa não conseguiu total sucesso em seu bloqueio, os próprios anos
menos chegaram a Veracruz. Além disso, a transferência da feira para Jalapa, de guerra foram testemunha de u m a certa expansão. O outro grande benefí-
em 1720, significou que as transações podiam agora ser realizadas n u m a cio que a guerra trouxe foi o fim dos entrelopos autorizados. No tratado de
agradável cidade sobre colinas pouco acima do porto. Em compensação, uma paz de 1750, a Companhia dos Mares do Sul, em troca de um pagamento de
única frota levantou âncoras para Tierra Firme e, devido à entrada de merca- 100 mil libras esterlinas, renunciou ao asiento e ao direito de enviar um navio
dorias francesas baratas, a subseqüente feira de Portobelo revelou-se total- comercial por ano. Finalmente, após quatro décadas, a Espanha recuperara o
mente desastrosa para os comerciantes de Lima que adquiriram mercadorias. exercício irrestrito de seu monopólio comercial no império americano.
A pressão diplomática acabou por obter a exclusão dos navios franceses U m elemento importante na revitalização do comércio espanhol durante
dos portos coloniais, mas não houve como escapar dos comerciantes ingle- as décadas intermediárias do século foi fornecido pela Companhia Real de
ses. Isso porque a Companhia dos Mares do Sul gozava de direitos legais, Guipúzcoa, de Caracas, que Patino havia f u n d a d o em 1728 com direitos
concedidos pelo Tratado de Utrecht, de enviar anualmente u m navio mer- exclusivos de comércio entre San Sebastian e Venezuela. Autorizada a manter
cante à América espanhola (cf. pp. 385-386). Posto que as mercadorias que barcos costeiros para combater o contrabando, em 1729, após a irrupção das
ele transportava evitavam tanto as taxas alfandegárias de Cádiz quanto os hostilidades com a Grã-Bretanha, a companhia equipou não menos que oito
custos de retenção no porto resultantes do atraso das partidas dos comboios navios de guerra e levantou um pequeno exército. Depois disso, a curva das
oficiais, a Companhia podia facilmente baixar os preços para concorrer com exportações elevou-se acentuadamente, com as remessas de cacau aumentan-
os monopolistas espanhóis. Conseqüentemente, os navios ingleses de fato do mais de três vezes nos anos de 1711-1720 e na década de 1760. Além disso,
assaltavam de surpresa as feiras comerciais de Portobelo em 1722 e 1731 e enquanto no primeiro período a maior parte do cacau seguia para a Nova
em Jalapa em 1723 e 1732. Com efeito, na última feira de Portobelo cerca de Espanha, na última década a Península recebeu 68 por cento de todos os
metade dos nove milhões de pesos enviados de Lima f o r a m diretamente embarques. O monopólio exercido pela companhia tornou-se cada vez mais
para os cofres da Companhia dos Mares do Sul. Os expedidores de Cádiz entediante para a população venezuelana, mas somente em 1780 é que a
que haviam acompanhado a frota ou se viram arruinados ou foram obriga-
dos a permanecer nas colônias durante anos, esperando compradores para 7
- Geoffrey J. Walker, Spanish Politics and Imperial Trade 1707-1789, London, 1979, passim.
coroa abriu pela primeira vez a colônia a outros comerciantes, e então cinco mesmo tempo, a prática absurda de cobrar as taxas alfandegárias por volu-
anos depois dissolveu a companhia. O sucesso dessa aventura basca levou os me cúbico de mercadoria, chamada palmeo, foi substituída por u m imposto
ministros a patrocinar uma série de outras companhias, das quais as mais ad valorem de seis por cento sobre todas as mercadorias expedidas. O êxito
importantes foram a Companhia Habana (1740), criada para dirigir a expor- dessas medidas tornou possível a promulgação, em 1778, do famoso decreto
tação de f u m o de Cuba, e a Companhia Barcelona (1755), para comerciar de comercio libre, que finalmente aboliu o centro de comércio de Cádiz e o
com as demais ilhas do mar dos Caraíbas. Mas a n e n h u m a dessas compa- sistema de frotas. Daí por diante, o comércio entre os principais portos do
nhias foi concedido u m monopólio de comércio, e assim logo soçobraram. império e a península foi feito por navios mercantes individuais. As novas
Se na América do Sul e nas Antilhas a década de 1740 anunciou u m a restrições aplicadas na Nova Espanha foram eliminadas em 1789 e o m o n o -
nova era, em contrapartida, na Nova Espanha os direitos adquiridos dos pólio da companhia de Caracas foi abolido em 1780. Ao mesmo tempo, as
consulados, as associações de comerciantes de Cádiz e do México, persuadi- taxas alfandegárias em Cádiz foram reduzidas e as manufaturas espanholas
ram a coroa a restabelecer o sistema de frotas. Em conseqüência, seis gran- passaram a gozar de prioridade.
des comboios seguiram para Veracruz nos anos de 1757-1776. Todavia, O período entre a declaração de comercio libre e o rompimento do blo-
embora o sistema revitalizado tenha dado segurança aos comerciantes da queio naval inglês em 1796 revelou-se u m a breve idade de ouro do comércio
Península, a parte do leão nos lucros, assim declaravam os críticos, foi para colonial. No período de uma década as exportações registradas triplicaram.
os almaceneros, os g r a n d e s c o m e r c i a n t e s de i m p o r t a ç ã o de C i d a d e d o Com o término da Guerra de Independência Americana (1779-1783), quan-
México. Na feira de Jalapa foram esses homens, muitas vezes com mais de tidades jamais imaginadas de mercadorias européias inundaram os portos.
cem mil pesos para gastar, que dominaram as transações, porque os expedi- Somente em 1786, entraram em Callao nada menos que dezesseis navios,
dores de Cádiz, assustados com as despesas de armazenagem e proibidos de trazendo mercadorias no valor de 22 milhões de pesos, n u m a época em que
entrar mais colônia adentro, estavam em clara desvantagem, c o m mais o total anual de compras peruanas era de pouco mais de cinco mil pesos. O
motivos para vender do que os almaceneros tinham para comprar. Qualquer resultado a curto prazo desse afluxo foi naturalmente uma crise comercial.
que tenha sido o balanço dos lucros, o sistema funcionou obviamente em Por todo o império os preços caíram e os lucros diminuíram, à medida que
detrimento dos produtores espanhóis e dos consumidores mexicanos, pois o os mercados foram saturados de produtos importados. Muitos dos comer-
volume de mercadorias era limitado em conseqüência dos altos preços. Essa ciantes f o r a m à falência e o u t r o s diluíram suas perdas r e t i r a n d o - se d o
retomada do sistema de frotas para a Nova Espanha — de longe a mais prós- comércio transatlântico, preferindo investir seu capital na agricultura e na
pera das colônias — demonstra a natureza e o poder dos direitos adquiridos mineração. Os metais preciosos desapareceram da circulação local à medida
contra os quais a elite administrativa tinha de lutar. Os entrelopos estrangei- que grandes somas eram remetidas para o exterior, para financiar a maré
ros afinal tinham sido expulsos dos portos coloniais, e a expansão ulterior montante de importações da Europa. Não é de admirar que os consulados do
do comércio espanhol dependia agora de uma luta direta contra as grandes Chile ao México tenham clamado à coroa que limitasse o afluxo de merca-
casas de comércio do México e contra os expedidores de Cádiz. dorias mediante u m retorno ao velho sistema de entrada restrita. Sobre seus
membros pesava a ameaça de ruína. Mas os vice-reis que investigaram o
O catalisador da m u d a n ç a , mais u m a vez, foi a guerra c o m a Grã- problema, particularmente Teodore de Croix no Peru e o conde de Revilla-
Bretanha, q u a n d o a entrada tardia da Espanha na Guerra dos Sete Anos gigedo na Nova Espanha, rejeitaram esse a r g u m e n t o fora de propósito.
resultou na tomada de Manila e Havana. Igualmente importante, a ocupa- Fazendo eco a Campillo, sustentaram que não se devia confundir o interesse
ção britânica de Havana promoveu um notável crescimento das exportações público com os lucros privados de u m punhado de comerciantes. A expan-
cubanas. A necessidade de reformas administrativas e comerciais era mais são do comércio, diziam eles, trouxera grandes benefícios para o consumi-
do que evidente. Em conseqüência, em 1765 as ilhas do mar dos Caraíbas dor colonial e para os industriais espanhóis. Além disso, no caso do México,
foram abertas ao comércio com os nove principais portos da Península. Ao se os antigos almaceneros tinham agora investido seu capital na mineração e
na compra de propriedades, tanto melhor, especialmente porque o papel grande parte de casas e propriedades na cidade de Cádiz, pode-se encontrar
que haviam desempenhad o no comércio passara para u m a nova raça de outra confirmação do âmbito restrito de suas operações financeiras.
comerciantes, h o m e n s satisfeitos com u m lucro relativamente p e q u e n o
sobre u m a movimentação mais rápida das mercadorias. Em termos mais Se os monopolistas de Cádiz acabam sendo meros intermediários que
gerais, elaboraram-se estatísticas para demonstrar que o aumento na conta t r a b a l h a m em troca de u m a comissão, não deveria s u r p r e e n d e r que n o
de importação era mais do que compensado pela curva ascendente da pro- mesmo período a contribuição da indústria espanhola às exportações para as
dução de prata. Quase não há dúvida de que esses anos testemunharam de colônias fosse irrisória. Na verdade, medida em volume, a p r o d u ç ã o da
fato u m extraordinário florescimento das exportações para as colônias. O Península representava 45 por cento das cargas destinadas à América, mas
rápido desenvolvimento de Buenos Aires é uma confirmação da eficácia da consistia de vinho, conhaque, azeite e outros produtos agrícolas. Em termos
nova política. de valor, a parte da metrópole cai vertiginosamente. No cálculo mais gene-
Poucas coisas impressionam as futuras gerações mais do que a convicção roso, as mercadorias espanholas embarcadas na frota de 1757 para a Nova
de sucesso, e os servidores de Carlos III não tardaram em jactar-se de suas Espanha representavam dezesseis por cento do valor total da carga. Em
realizações. N u m memorando padronizado sobre a exportação de farinha de suma, no comércio colonial, a Espanha aparecia como um produtor de bens
trigo do México para Cuba, o fiscal do tesouro, Ramón de Posada, após refe- primários com pouca representação em termos de produtos elaborados para
rir-se ao antigo esplendor da Espanha e a sua subseqüente decadência, excla- exportação 8 . Em outros locais, sabemos que nos anos de 1749-1751 as fábri-
mou: "Foi dado à superior sabedoria e à augusta proteção de Carlos III ini- cas reais de Guadalajara e San Fernando, que produziam tecidos de lã de boa
ciar o esplêndido e m p r e e n d i m e n t o de recuperar essa antiga felicidade". qualidade, exportaram não mais do que doze toneladas de uma produção
Contudo, se a infeliz experiência do m u n d o hispânico no início do século estimada em mais de 10 mil.
XIX levou os historiadores da época a aceitar essas afirmações pelo seu valor Mas o que dizer dos anos depois de 1778? Decerto, foram publicadas
n o m i n a l , pesquisa recente alterou i m e n s a m e n t e a imagem tradicional. estatísticas que mostravam que cerca de 45 por cento das exportações para
Sobretudo, o papel da Península dentro do sistema comercial é que foi ques- as c o l ô n i a s p r o v i n h a m d a P e n í n s u l a . A n a s c e n t e i n d ú s t r i a t ê x t i l da
tionado. Em seu notável levantamento do comércio registrado entre Cádiz e Catalunha, com sua maquinaria adquirida na Inglaterra, competia com efi-
a América nos anos de 1717-1778, Antonio García-Barquero González des- ciência nos mercados americanos. Na verdade, tratava-se no caso de uma
cobriu que, enquanto a marinha real era construída nos arsenais espanhóis, indústria cujo crescimento derivava em grande parte do comércio colonial.
em compensação, a frota comercial que partia de Cádiz era formada por Os projetos de Ustariz e Campillo p r o d u z i r a m n o caso bons resultados.
embarcações compradas no exterior. Embora pertencessem a proprietários Deve-se enfatizar, no entanto, que ainda em 1788 Cádiz era responsável por
locais, apenas 22 por cento dos navios foram construídos na Espanha, e 72 p o r cento de t o d o s os e m b a r q u e s p a r a o i m p é r i o a m e r i c a n o , e, se
outros 4,2 por cento vinham de estaleiros coloniais. Igualmente importante, Barcelona havia elevado o valor de suas exportações de meros 430 mil pesos
parece que a maioria dos comerciantes de Cádiz eram pouco mais que agen- antes do comercio libre para 2,79 milhões em 1792, não obstante isso repre-
tes comissionados de negociantes estrangeiros residentes na cidade. O censo sentava apenas dezesseis por cento de toda a exportação para as colônias.
de 1751, realizado por ordem do marquês de la Ensenada, relacionou 162 Não que se deva minimizar a importância dos mercados americanos, visto
comerciantes do exterior contra 218 espanhóis. Não obstante, os espanhóis que em Barcelona, como em toda a Espanha, o comércio com a Europa esta-
eram responsáveis por dezoito por cento da renda declarada da comunidade va baseado no vinho e em outros produtos agrícolas. O problema é que, se
comercial, estando os franceses claramente à frente com 42 por cento do os produtos de algodão da Catalunha eram enviados diretamente de Barce-
total. Além disso, enquanto mais de u m quinto dos comerciantes tinham
rendimentos que variavam de 7 mil a 42 mil pesos por ano, somente dois
Antonio García-Baquero González, Cádiz y ei Atlântico 1717-1778, Sevilla, 1976, 2 vols.;
espanhóis figuravam nessa lista. Em seus investimentos, que consistiam em
ver vol I, pp. 235-237, 309, 319, 329-330, 489-495.
Tabela 1. O balanço do comércio espanhol em 1792 indústrias de mineração situadas ao longo das cordilheiras da Sierra Madre e
(milhões de pesos) dos Andes experimentaram uma dramática revivescência de sua prosperida-
de. A base tradicional da expansão do comércio transatlântico precisa ser res-
(i) A Península saltada. Nos anos de 1717-1778 os metais preciosos ainda eram responsáveis
Exportações 19,84 Importações 35,74 Déficit 15,9
p o r 77,6 por cento do valor t r i b u t a d o de todos os embarques do Novo
Mundo registrados em Cádiz, consistindo as cargas restantes de fumo, cacau,
(ii) Comércio com as colônias açúcar, anil e cochonilha. Com a promulgação do comercio libre, o ritmo das
Exportações Importações Déficit
atividades econômicas acelerou, e as costas e ilhas do mar dos Caraíbas pro-
duziram uma safra maior do que nunca de produtos tropicais. Mesmo assim,
Produtos nacionais 11,15 Metais preciosos 21,01 na década de 1790, as remessas de metal precioso ainda representava mais de
Produtos estrangeiros 10,32 Manufaturas 15,91 sessenta por cento do valor das exportações das colônias para a Península,
um cálculo que não inclui as somas de dinheiro enviadas em nome do rei.
Total 21,47 Total 36,92 15,45
Nesse período a principal província no império americano era a Nova
Espanha, que registrava exportações de mais de onze milhões de pesos em
Fonte: Jose Canga Argüeües, Dicaonaríü de llaaenda, Madrid, 1833,2vols., vol. I, pp. 639-645.
média nos anos de 1796-1820. A prata era responsável por 75,4 por cento do
valor e a cochonilha por 12,4 por cento, e o açúcar contribuía com o restan-
te. A região andina caracterizou-se por uma igual dependência do metal pre-
cioso para financiar seu comércio ultramarino, com uma produção total de
lona para as colônias, como era possível que Cádiz registrasse cerca de 45 mais de nove milhões de pesos que fluíam diretamente dos portos de Lima e
por cento de suas exportações, em termos de valor, como produção espa- Buenos Aires. Pois, se o último porto, elevado à condição de capital do vice-
nhola? De fato, há indícios de um contrabando generalizado e de uma sim- reino, podia vangloriar-se de exportações no valor de cinco milhões de pesos
ples mudança de etiqueta 9 . Visto que o grosso das exportações registradas, em 1796, apenas um quinto provinha das estancias dos pampas na forma de
medidas em valor, consistia de produtos têxteis, segue-se do que sabemos da couros, carne seca e chifres; o restante consistia de moedas enviadas da fun-
indústria espanhola que u m a proporçã o esmagadora dessas mercadorias dição de Potosí. No Chile, a história era muito parecida: de u m valor total
vinha do exterior. Na verdade, mesmo o algodão da Catalunha e as sedas de de um milhão de pesos em exportações, o ouro e a prata eram responsáveis
Valência não estavam isentos da acusação de serem mercadorias francesas por 856 mil, contra 120 mil pesos representados pelo cobre. Mais ao norte,
com etiquetas espanholas. na Colômbia, o ouro compreendia noventa por cento das exportações, n u m
Do outro lado do Atlântico, a ênfase no crescimento baseado na exporta- valor de dois milhões. Na América Central, no entanto, as remessas de anil
ção precisa menos de revisão. Aqui as provas são sem dúvida parciais e con- da Guatemala contribuíam com 1,2 milhões de pesos, uma soma próxima
centram-se nos últimos anos do século; não obstante, pouca dúvida existe de dos 1,4 milhões de pesos conseguido com a cochonilha mexicana e que exce-
que o século XVIII testemunhou uma notável expansão do comércio transo- dia em muito os 250 mil pesos da produção anual estimada das minas de
ceânico com a Europa. Algumas províncias, como o Chile e a Venezuela, até prata de Honduras. Deixando de lado os corantes, foi o crescimento na pro-
então isoladas e esquecidas, eram agora colocadas em contato direto com a dução de açúcar, cacau e f u m o que desafiou o predomínio dos metais no
Espanha através da abertura de novas rotas comerciais. Ao mesmo tempo, as comércio atlântico da Espanha. Na década de 1790, o valor das exportações
da Venezuela havia-se elevado a mais de três milhões de pesos, distribuídos
9
- Barbara H. Stein e Stanley J. Stein, "Concepts and Realities of Spanish Eeconomic Growth entre cacau, anil e café. Mas a grande história de sucesso desses últimos anos
1759-1789", em Historia Ibérica, 1973, pp. 103-120. do século foi a de Cuba, onde, junto com o tradicional cultivo do fumo, a
AS E C O N O M I A S DE EXPORTAÇÃO
produção de açúcar se expandiu enormemente após a revolução em Saint-
Domingue (1789-1792). Se no início da década de 1790 as exportações eram
estimadas em mais de três milhões de pesos, nos anos de 1815-1819 atingi- Enquanto a Península obtinha um lucro apenas modesto da revitalização
ram u m a média de cerca de onze milhões, um total que se equiparava ao das do comércio atlântico, muitas colônias americanas nasciam de novo. Para
exportações de prata da Nova Espanha. aguçar nossas perspectivas sobre as realizações dos Bourbons, precisamos
Faz-se necessário u m último comentário. Nos meados do século XVIII, voltar ao passado. Para propósito de comparação, a monarquia Habsburgo
Campillo havia apontado que as ilhas do mar dos Caraíbas produtoras de no Novo Mundo pode ser considerada u m Estado sucessor erigido sobre ali-
açúcar eram o padrão pelo qual se podia medir o desempenho comercial do cerces construídos pela confederação asteca e pelo império inca. É inques-
império espanhol. Falta-nos até agora u m levantamento geral do comércio tionável que foram o trabalho livre e o tributo dos índios que deram aos
colonial, uma tarefa dificultada muito mais pelos freqüentes bloqueios em encomenderos e missionários as condições para criar um equivalente ultra-
períodos de guerra, que interrompiam o fluxo regular das mercadorias. Ã marino da sociedade espanhola no período de pouco mais de uma geração.
guisa de comparação internacional, talvez seja útil lembrar que nos anos de O que se deve enfatizar é o fato de que a experiência política pré-hispânica
1783-1787 a Grã-Bretanha importou das ilhas das índias Ocidentais produ- continuou a determinar a organização da sociedade colonial até uma época
tos no valor de 3 471,673 libras esterlinas por ano, uma soma equivalente a bem avançada do século XVII. A ênfase que os incas colocaram no trabalho
17,3 milhões de pesos. De modo análogo, em 1789 as exportações de açúcar, forçado, em comparação com a preferência dos astecas pela cobrança de tri-
algodão e café de Saint-Domingue eram estimadas em 27 milhões de pesos e butos, influenciou de m o d o decisivo a política do vice-reino. Se Potosí pôde
uma outra fonte avaliava o valor total de produtos enviados das ilhas das funcionar como ponto de atração de toda a economia imperial, isso se deveu
índias Ocidentais francesas em 30,5 milhões de pesos. Esses números dão em grande parte ao fato de o vice-rei Toledo ter forçado uma vasta migração
uma idéia das realizações dos Bourbons. Pois, se reunirmos todas as estatís- anual de mais de 13 mil índios para trabalhar nas suas minas. O fracasso da
ticas das províncias do império espanhol no Novo Mundo, a soma total das indústria de mineração mexicana em imitar o rival andino demonstra que
exportações no início da década de 1790 não excede 34 milhões de pesos. foi irrelevante a importância da tecnologia espanhola: o agente decisivo da
Podemos encontrar u m a corroboração desses n ú m e r o s n u m balanço do rápida expansão da produção foi a entrada maciça de força de trabalho for-
comércio da época, do ano de 1792, descrito como o ano mais bem conheci- necida pela mita. Em suma, o precedente inca autorizou Toledo a mobilizar
do do comércio espanhol (Tabela 1). a população rural para servir a economia de exportação. Em contrapartida,
Generalizar a partir do comércio de u m ano n u m a época de violenta flu- na Nova Espanha os contingentes de mão-de-obra eram recrutados nas ime-
tuação poderia facilmente gerar uma confusão. Além disso, a tabela não elu- diações de cada mina, resultando que grande parte da indústria passou a
cida a relação entre a Península e o comércio colonial, embora se deva pre- depender dos trabalhadores livres e dos escravos africanos. A mola principal
sumir que a maior parte das importações espanholas foram reenviadas para do sistema de comércio dos Habsburgos foi a revivescência de uma econo-
as colônias e que o déficit da Península na conta do comércio externo era mia dirigida pela coroa nas montanhas andinas.
saldado pela remessa de metais americanos. No entanto, não está m u i t o
clara a extensão com que o comércio colonial realmente subsidiou a balança Entretanto no século XVIII o equilíbrio regional da atividade comercial
comercial de pagamentos da Espanha. Ao mesmo tempo, a tabela omite havia-se deslocado dos centros de cultura andina e mesoamericana para as
todos os registros dos embarques de metais preciosos que chegam do Novo zonas de fronteira habitadas outrora por tribos nômades ou para as costas
M u n d o em nome do rei, o que significa que não leva em consideração os tropicais e ilhas do mar dos Caraíbas e do Pacífico. Os pampas do rio da
lucros fiscais do império. Avaliada pelo desempenho passado, a revivescên- Prata, as terras cultivadas do Chile central, os vales próximos a Caracas, as
cia Bourbon foi sem dúvida notável, mas, se for julgada numa escala inter- grandes plantações de Cuba, as minas e haciendas do México ao norte do rio
nacional, a expansão comercial parece muito menos impressionante. Lerma — eram essas as regiões de rápido desenvolvimento tanto em popula-
ção quanto em produção. A força de trabalho era constituída ou por traba- cia à hegemonia da aristocracia territorial. Em contrapartida , n o Novo
lhadores assalariados livres recrutados na casta (semicasta) ou na comunida- M u n d o os comerciantes f i n a n c i a r am ativamente o desenvolviment o de
de crioula, ou, alternativamente, por escravos importados da África. Em minas e de grandes plantações e às vezes investiram seu capital na produção
oposição ao período dos Habsburgos, quando a coroa garantia a oferta de para exportação.
mão-de-obra, eram agora os comerciantes e empresários que adiantavam o
dinheiro necessário para a compra de escravos ou para o pagamento de salá- A grande realização da era Bourbon foi sem dúvida a indústria mexicana
rios. A antiga economia de domínio baseada na ordem real somente sobrevi- de mineração da prata 10 . Já na década de 1690 a depressão de meados do sécu-
veu na mi ta em Potosí e nos mal-afamados repartimientos de comercio, onde lo XVII foi superada, quando a cunhagem de moeda atingiu seu pico anterior
se usava da autoridade real para forçar a população índia ou ao consumo ou de mais de cinco milhões de pesos. Daí por diante, a produção aumentaria
à produção de produtos de comércio. Mesmo aqui, pode-se afirmar que o progressivamente até alcançar 24 milhões de pesos em 1789, registrando a
elemento essencial foi o a d i a n t a m e n t o de dinheir o pelos financiadores década de 1770 o crescimento mais rápido devido a novas descobertas e a
comerciais dos magistrados. incentivos fiscais. Com essa quadruplicação da produção no curso de u m
Enfatizar a mudança da localização regional da produção para exporta- século, a indústria mexicana chegou a responder por 67 por cento de toda a
ção poderia sugerir que a remoção de todas as barreiras legais ao comércio produção americana de prata, e a produção de Guanajuato, o centro princi-
entre os principais portos da Península e o império americano desempe- pal, equiparou-se à de todo o vice-reino ou do Peru ou de La Plata.
n h o u papel decisivo na abertura de novas linhas de comércio. Mas seria A coroa espanhola desempenhou u m papel central no f o m e n t o desse
errôneo supor que a simples chegada de mercadorias da Europa pudesse dramático ressurgimento. O fato de as usinas mexicanas de refinamento
estimular a agricultura ou a mineração locais. Como demonstrou claramen- dependerem da mina real de Almadén para a obtenção do mercúrio necessá-
te a experiência inglesa depois da independência americana, a maior dispo- rio para purificar a sua prata significou que, sem u m a completa renovação
nibilidade de produtos manufaturados nos portos americanos não provocou dessa velha mina (onde na verdade a produção se elevou de meras 100 tone-
por si só u m a oferta equivalente de mercadorias para exportação. Embora os ladas para mais de 900), a indústria teria permanecido manietada. Igual-
governantes Bourbons se tenham apressado a louvar a expansão do comér- mente significativo, o visitante-geral José de Gálvez diminuiu pela metade o
cio atlântico após o comercio libre como u m resultado da política da coroa, a preço desse ingrediente indispensável e aumentou o fornecimento de pólvo-
burocracia nesse caso, como costuma acontecer, simplesmente recebeu o ra, outro monopólio real, reduzindo seu preço de u m quarto. Ao mesmo
crédito da labuta e da engenhosidade de outros homens. O agente decisivo tempo, iniciou uma política de concessão de isenções e reduções de taxas
que esteve por trás do crescimento econômico no período Bourbon foi uma nas renovações das licenças ou para novos empreendimentos de alto risco,
elite empresarial composta de comerciantes, grandes agricultores e explora- que exigiam grande investiment o de capital. D u r a n t e sua gestão c o m o
dores de minas. Era u m grupo relativamente pequeno de homens de negócio ministro das índias, Gálvez criou u m tribunal de minas, tendo à frente uma
das colônias, em parte imigrantes da Península, em parte crioulos, que apro- associação, que tinha jurisdição sobre todos os litígios dentro da indústria.
veitaram as oportunidades que a abertura de novas rotas de comércio e os Foi introduzido u m novo código de minas e o tribunal tornou-se responsá-
incentivos fiscais concedidos pela coroa ofereciam. Esses homens pronta- vel por um banco central de financiamento destinado a afiançar os investi-
mente adotaram novas tecnologias onde quer que fossem viáveis e não hesi- mentos e as renovações. Esse conjunto de reformas institucionais foi con-
taram em investir grandes somas de capital em empreendimentos aventu- cluído em 1792 com a fundação de u m colégio de minas, em cujo corpo
rosos que em alguns casos levariam anos para dar lucro. O surgimento dessa docente contavam-se mineralogistas trazidos da Europa. O imponente palá-
elite revela-se ainda mais extraordinário se pararmos para pensar que na
Península a comunidade de comerciantes estava no geral satisfeita em agir Para uma discussão complementar da mineração na América espanhola no século XVIII,
como intermediários de comerciantes estrangeiros e oferecia pouca resistên- ver Bakewell, História da América Latina, vol. II, cap. 3.
cio neoclássico que abrigou o tribunal e seu colégio externou a importância investimento, pouquíssimas empresas na Europa podiam igualar-se à mina
central da mineração de prata do México dentro do império Bourbon. de Valenciana.
Entretanto, de m o d o algum as medidas do governo oferecem uma expli-
cação suficiente da prosperidade da prata na Nova Espanha durante o século Que os incentivos do Governo não foram suficientes para fazer reviver
XVIII. Nessa época, a população da colônia estava em crescimento, de modo uma indústria em declínio foi demonstrado pelo exemplo do Peru. Pois nas
que o recrutamento de uma força de trabalho mediante a oferta de salários m o n t a n h a s andinas o reflorescimento da mineração foi lento e limitado.
oferecia poucas dificuldades. Na verdade, os trabalhadores mineiros do Somente na década de 1730 é que a indústria começou a recuperar-se da
México, em sua maioria mestiços, mulatos, crioulos pobres e índios migran- depressão do século anterior. Mas, partindo de um nível baixo em torno de
tes, constituíram u m a aristocracia do trabalho, livre, bem paga, altamente três milhões de pesos, a produção somente avançou para pouco mais de dez
móvel, freqüentemente hereditária, que na maioria dos campos mineiros milhões de pesos na década de 1790, um patamar mantido por pouquíssimo
recebia, além do pagamento diário, u m a parte do minério que extraíam. tempo e que compreende os dois vice-reinos do Peru e de La Plata. A base
Mas o elemento decisivo na expansão deve ser encontrado na atividade e desse reflorescimento foi o surgimento de novos campos, como Cerro de
colaboração dos mineiros e dos investidores-comerciantes, que demons- Pasço que trabalhava com mão-de-obra assalariada, e a sobrevivência de
travam tanto habilidade quanto tenacidade em empreendimentos aventuro- Potosí, através do trabalho subsidiado da mita. A coroa aplicou quase que as
sos que às vezes requeriam anos de investimento antes de deram lucro. A mesmas medidas que adotara no México: a redução do preço do mercúrio, o
indústria era sustentada por u m a elaborada cadeia de crédito que ia dos envio de uma missão técnica e a criação de uma associação e um tribunal de
bancos de prata e comerciantes-financistas de Cidade do México aos comer- minas. Todavia, certos elementos essenciais não se concretizaram. A incapaci-
ciantes e refinadores locais nos principais campos que, por sua vez, garan- dade da administração de Huancavelica de expandir a produção — na verda-
tiam os próprios mineiros. A tendência no curso do século foi as minas indi- de ela declinou após 1780 — impôs severos limites à quantidade de mercúrio
viduais se tornarem maiores e, nos campos menores, u m veio inteiro ser disponível para a indústria andina, uma vez que a Nova Espanha sempre des-
dominado por uma grande empresa. f r u t o u de direitos de preferência sobre todas as importações da Europa.
A dimensão das operações e o tempo gasto eram muitas vezes extraor- I g u a l m e n t e i m p o r t a n t e , a maioria das minas p e r m a n e c e r a m p e q u e n a s,
dinários. Mais de vinte anos se passaram antes que o famoso conde de empregando apenas u m punhado de trabalhadores. A indústria andina atra-
Regia obtivesse lucro de seus investimentos na Veta Vizcaína em Real dei sou-se muito, em relação a seus rivais do norte, na aplicação da tecnologia
Monte, devido à necessidade de perfurar u m a galeria de drenagem sob o disponível. Por trás dessa resposta limitada às novas oportunidades de lucro
veio com mais de 2 600 metros de extensão. Com os lucros enormes que criadas por iniciativa do Governo estava uma escassez de capital para investi-
resultaram Regia adquiriu u m a cadeia de haciendas e, ao custo de quase mentos. Os grandes comerciantes de Lima haviam perdido sua posição de
meio milhão de pesos, construiu a grande usina de refinamento que ainda domínio no comércio da América do Sul e não tinham recursos para imitar
hoje existe como u m m o n u m e n t o em sua honra. O maior empreendimento seus congêneres do México. Seus rivais em Buenos Aires não fizeram nenhu-
de todos, n o entanto, foi a mina de Valenciana em Guanajuato , que na ma tentativa de investir na indústria andina. Assim, conquanto no final do
década de 1790 empregava mais de três mil trabalhadores. Com quatro século XVIII as minas do Alto e do Baixo Peru tenham produzido tanta prata
poços e u m a grande quantidade de túneis de trabalho que se disseminavam quanto no reinado de Filipe II, a recuperação proveio não de alguma nova
através do veio, a Valenciana parecia uma cidade subterrânea. O poço cen- concentração de capital ou de mão-de-obra, e sim de novas descobertas e da
tral octogonal, com quase 30 metros de circunferência e u m a profundidade mera sobrevivência de esforços anteriores. Ao mesmo tempo, os metais pre-
de mais de 550 metros, era u m a construção revestida de pedra, servida por ciosos continuava m sendo os únicos p r o d u t o s de exportação de alguma
oito cabrestantes puxados por mulas, cujos entalhamento e faceamento importância e o poder de compra gerado pela indústria ainda mantinha uma
custaram mais de u m milhão de pesos. Em termos de força de trabalho e de ampla escala de comércio inter-regional.
Tirantes as grandes plantações tropicais tocadas com trabalho escravo, os A força de trabalho em todas essas regiões era assegurada principalmente pela
demais comércios de exportação baseavam-se no capital dos comerciantes importação de escravos da África. Na Colômbia, os trabalhos de lavagem do
que financiaram uma série de produtores, desde os índios das aldeias e os ouro em Popayán e Antioquia eram executados por mineradores que empre-
pequenos proprietários mestiços aos mineiros chilenos e aos estancieros dos gavam grupos relativamente pequenos de escravos e tinham seus negócios
pampas argentinos. A produção de cochonilha no sul do México foi desen- aventurosos financiados por comerciantes locais. A cunhagem em Bogotá
volvida por repartimientos de comercio, o que nesse caso significava simples- subiu de 302 mil pesos em 1701 para mais de u m milhão de pesos no início
mente que o magistrado regional desembolsava dinheiro meio ano antes da da década de 1790, complementados por u m a u m e n t o da cunhagem em
colheita. Se a grande casa de importação de Cidade do México afastou-se Popayán de 432 mil pesos em média nos anos anteriores a 1770 para quase
dessas operações depois que os repartimientos foram proibidos pelo Código u m milhão de pesos em 1800. Apesar do fracasso da coroa na introdução das
de Intendência de 1786, os comerciantes locais de Oaxaca e Veracruz conti- intendências em Nova Granada, seu comércio ultramarino equiparou-se em
n u a r a m a aplicar seu dinheiro nesse negócio. A mesma d o m i n a ç ã o dos valor à produção para exportação do cone sul 11 . Mais bem-sucedido ainda foi
comerciantes se pode observar n o comércio do anil na América Central, seu vizinho, a Venezuela, onde a produção de cacau elevou-se continuamente
onde os comerciantes de Cidade da Guatemala concediam crédito aos peque- durante o século, quando as exportações anuais subiram de menos de quinze
nos lavradores e aos grandes proprietários rurais, resultando que, mediante mil fanegas (± 100 quilos) nos anos de 1711-1720 para mais de oitenta mil na
a execução das hipotecas, os comerciantes acabassem por envolver-se direta- década de 1790. As plantações de cacau eram de propriedade das grandes
mente na produção para exportação. Na América Central, portanto, os dois famílias de Caracas que formaram uma aristocracia de plantadores. A força
corantes e r a m a d q u i r i d o s p r i n c i p a l m e n t e m e d i a n t e a colaboração dos de trabalho era constituída por escravos africanos que, na virada do século,
pequenos lavradores e do capital dos comerciantes, com ou sem a interven- atingiram u m valor estimado de quinze por cento do total da população. Os
ção da coroa. longos anos de a b a n d o n o antes do e s t a b e l e c i m e n to da C o m p a n h i a de
Caracas permitiram o desenvolvimento de u m a grande população nativa,
No cone sul, no Chile e ao longo do rio da Prata, os comerciantes de
mulatos, mestiços e islenos das Canárias. Além dos vales das montanhas cos-
Buenos Aires e Santiago financiaram os estancieros dos Pampas e os mineiros
teiras ficam as grandes planícies do interior de onde vieram a carne seca e as
do norte do Chile. Tanto os gaúchos como os trabalhadores das minas rece-
trinta mil mulas enviadas por mar às ilhas do mar dos Caraíbas.
biam u m salário, embora a maior parte de suas vestimentas e bebidas geral-
mente proviessem de lojas controladas por seus empregadores. É difícil atri-
buir o crescimento das exportações nessas regiões a qualquer outra causa A fénix do período final dos Bourbons foi Cuba. Isso porque, embora a
decisiva que não a simples abertura das rotas de comércio via o rio da Prata e ilha viesse produzindo açúcar e f u m o desde o século XVI, somente depois da
o cabo Horn, aliada a um aumento populacional suficiente para garantir uma ocupação de Havana pelos ingleses em 1762 é que ela tentou seriamente imi-
força de trabalho. Uma expansão como a que ocorreu foi importante para a tar o padrão de produção encontrado nas possessões francesas e inglesas. A
economia local, embora até então sem muito peso no mercado internacional. coroa agiu decisivamente no sentido de estimular a indústria açucareira
A exportação de couros de Buenos Aires elevou-se rapidamente de cerca de mediante u m aumento na importação de escravos, generosas concessões de
150 mil na metade do século para quase um milhão no final, quando os pre- terras aos plantadores e permissão de importar dos Estados Unidos farinha
ços subiram de seis para vinte reales por quintal (58,758 kg). A indústria de trigo a preços baixos. Entre 1759 e 1789 o número de engenhos de açúcar
mineira no Chile foi em grande medida uma criação do século XVIII, quando subiu de 89 para 277 e no mesmo período a produção triplicou. Mas então,
o valor global de seu ouro, prata e cobre subiu de 425 mil pesos em média na
década de 1770 para quase um milhão de pesos nos anos 1790. li. Sobre esses números, cf. A. J. Macfarlane, "Economic and Political Change in the Vice-
Outras linhas importantes do comércio de exportação na América espa- royalty of New Granada with Special Reference to Overseas Trade 1739-1810", Ph. D.
nhola eram os produtos tropicais da região caribenha e o ouro da Colômbia. Dissertation, London University, 1977.
do antigo c o n j u n t o de pequenos engenhos. Do m e s m o m o d o , na Nova
com a revolução de Saint-Domingue e a subseqüente destruição de suas
Espanha, uma grande usina de refino apenas agregava sob o mesmo teto u m
plantações, a indústria cubana ingressou n u m período de rápida expansão e
número maior de engenhos de trituramento (arrastres). Em ambos os casos, o
mudanças técnicas, à medida que aumentavam os preços e os lucros. A aris-
aumento na escala das operações trouxe pouca mudança, se é que trouxe
tocracia agrícola e os comerciantes de Havana eram mais empreendedores
alguma. Se a organização da produção se tornou mais eficiente é uma outra
que seus congêneres do México: atentos a inovações técnicas, adotaram a
questão. Um estudo das plantações de cana-de-açúcar de Morelos verificou
energia a vapor em seus engenhos e variedades taitianas de cana-de-açúcar
que do século XVI ao final do século XVIII ocorreu uma quadruplicação da
em suas plantações. No entanto, em última análise, o crescimento resultou
produtividade, calculada pela relação entre produção e número de trabalha-
da maciça aquisição de escravos africanos, cujos efetivos subiram de quase
dores e animais de tiro empregados. Praticamente o mesmo crescimento
86 mil em 1792 para cerca de 286 mil em 1827, registrando-se entradas
anuais, a partir de 1800, de até 6670 cativos. Se Cuba não participou da
ocorreu nos embarques no Atlântico norte durante esse período. Sem qual-
Insurreição após 1810, foi em boa parte por que o elemento servil com- quer mudança significativa na tecnologia de navegação, uma melhora contí-
preendia na época quase u m terço da população. N o espaço de u m a geração, nua na organização permitiu que tripulações menores lidassem com cargas
Cuba havia criado u m sistema econômico e uma sociedade que mais lem- maiores e gastassem muito menos tempo no porto 1 2 . U m processo análogo
bravam o Brasil que o restante da América espanhola. Os pequenos agricul- ocorreu sem dúvida na mineração de prata no México, onde a unificação de
tores ainda dominavam o cultivo do f u m o , mas estavam cada vez mais à veios inteiros sob uma única direção tornou a drenagem menos dependente
mercê dos grandes plantadores que gozavam do apoio da administração de contingências. Os aperfeiçoamentos no refino se disseminavam de u m
colonial. Os lucros n o caso eram extremamente altos. Se as exportações campo para o outro. No entanto, em última análise, tanto a plantação de
foram estimadas em cerca de cinco milhões de pesos na década de 1790, cana-de-açúcar quanto a mineração de prata estavam subordinadas a uma
n u m espaço de mais uma década, atingiram onze milhões e daí por diante se aparentemente interminável reprodução das unidades de produção, sem
equipararam ao comércio ultramarino registrado da Nova Espanha. A essa qualquer redução significativa dos custos proveniente quer de inovações téc-
altura, Havana, com mais de setenta mil habitantes, havia-se t o r n a d o a nicas quer de aumento na escala de operação.
segunda cidade da América espanhola. U m último comentário parece apropriado. Em 1789, o valor dos produ-
tos expedidos da colônia francesa de Saint-Domingue quase chegou a igua-
Por mais dramática ou rápida que tenha sido a transformação econômica lar-se ao das exportações de todo o império espanhol no Novo Mundo. Esse
operada na América espanhola pela importação de escravos ou pelo investi- feito notável originou-se do aumento de uma população escrava de mais de
mento na mineração de poços profundos, a base tecnológica desse desenvol- 450 mil, que em sua maior parte consistia de jovens do sexo masculino
vimento permaneceu absolutamente tradicional. A aquisição de algumas importados diretamente da África. Toda a colônia estava evidentemente pre-
máquinas a vapor não provocou uma revolução industrial. Aqui pode ser ins- parada para produzir para a Europa. É claro que, se os lucros da exportação
trutiva a comparação entre as duas grandes indústrias coloniais. Pois, apesar dos 14,5 milhões de habitantes da América Espanha mal excedeu o valor da
do surgimento de grandes empresas capitalistas, tanto a mineração da prata produção de uma única ilha do mar dos Caraíbas, isso se deveu ao fato de
quanto o plantio da cana-de-açúcar continuaram presos a um estágio de pro- que a grande massa de sua população encontrou trabalho e sustento na eco-
dução em que a força humana era a principal fonte de energia para a extração nomia doméstica.
do minério e para o cultivo da cana-de-açúcar. Além disso, apesar do que
eram às vezes notáveis concentrações de energia humana, todas as empresas Manuel Moreno Fraginals, The Sugar Mill: The Socio-economic Complex of Sugar in Cuba
— minas e engenhos — eram comandadas praticamente pelo mesmo conjun- 1760-1860, New York, 1976, p. 40; Ward Barrett, The Sugar Hacienda of the Marqueses del
to de custos. Como argumentou o professor Moreno Fraginals, as grandes Valle, Minneapolis, 1970, pp. 66-70, 99-101; Douglass C. North, "Sources of Productivity
usinas açucareiras de Cuba, os ingenios, eram apenas ampliações quantitativas Change in Ocean Shipping 1660-1850", Journal of Political Economy, 76:953-967, 1968.
A ECONOMIA DOMÉSTICA maioria das comunidades indígenas produziam a maior parte de seus pró-
prios alimento e roupas. A troca de mercadorias que realizavam raramente
O peso estratégico e o alto lucro do comércio atlântico atraíram a aten- ia além da localidade onde habitavam e a produção para o mercado era limi-
ção tanto dos políticos da época quanto dos historiadores dos anos posterio- tada, embora a tendência das aldeias indígenas de manter-se entrincheiradas
res. Em contrapartida, as transações triviais do mercado doméstico america- dentro de sua economia rural local tivesse sido contestada e rompida em
no praticamente não foram notadas, resultando que ciclos inteiros de ativi- parte diante das exigências que a coroa faria de tributo e trabalho servil, da
dade econômica, industriais e agrícolas, caíram no esquecimento. No entan- invasão das terras da comunidade pelas grandes propriedades e dos mal-afa-
to, todas as provas de que dispomos atestam a existência de um círculo ativo mados repartimientos de comercio.
de troca, que no nível mais baixo consistia de operações de escambo nas As grandes propriedades, ao contrário, estavam ajustadas, desde o início,
aldeias ou entre elas, em suas esferas intermediárias se concentrava na à economia de mercado e, particularmente, à produção para as cidades. É
demanda urbana de gêneros alimentícios, e em suas linhas mais lucrativas verdade que a maioria das grandes plantações supriam as demandas euro-
envolvia o comércio a longa distância e inter-regional de produtos manufa- péias, embora no Peru, como na Nova Espanha, a indústria do açúcar tam-
turados, gado e safras tropicais para o mercado. Muito antes do apogeu dos bém abastecesse os mercados domésticos. No entanto, as estancias de criação
Bourbons, várias províncias de fronteira eram incentivadas à produção pela de gado trabalhavam especialmente para os mercados domésticos; somente
demanda de mercado das capitais vice-reais dentro do Novo M u n d o. Em os couros da Argentina eram remetidos em grande quantidade para a metró-
particular, o surgimento de uma indústria têxtil colonial atestava a força do pole. Entretanto, com exceção da criação extensiva de carneiro da puna
reflorescimento econômico interno que antecedeu a época do crescimento andina, a maioria delas estavam localizadas em zonas fronteiriças a várias
liderado pela exportação. No entanto, o que recente pesquisa demonstrou centenas de quilômetros longe de seus mercados. Assim, a cada ano mais de
sem qualquer sombra de dúvida é que a mola do crescimento e da prosperi- quarenta mil mulas eram tiradas de seus locais de criação nos pampas argen-
dade econômicos foi o aumento populacional. O século XVIII foi testemu- tinos para serem enviadas à feira de negócios em Salta e de lá distribuídas
nha de uma recuperação significativa, embora limitada e desigual, da popu - para as montanhas andinas. Analogamente, os grandes rebanhos de carneiro
lação indígena na Mesoamérica e, em menor extensão, nas montanhas andi- de Coahuila e Nuevo León abasteciam a Cidade de México de carne (mais de
nas, junto com u m crescimento explosivo da população hispano-americana 278 mil carneiros por ano na década de 1790) e de lã para as fiações em
(crioula) e de casta (semicasta) por todo o hemisfério, mas especialmente Querétaro. O Chile enviava gordura e chifres para Lima e a Venezuela des-
nas áreas outrora periféricas como a Venezuela, a Nova Granada, o Chile, a pachava trinta mil mulas através do mar dos Caraíbas. Nessas regiões de
Argentina e o México ao norte do rio Lerma. Foi estimado que, em 1800, o fronteira, a força de trabalho, chamada de guachos, llaneros ou vaqueros,
império americano possuía uma população de 14,5 milhões, em comparação eram trabalhadores livres, atraídos por salários pagos em dinheiro ou em
com uma população da Espanha de 10,5 milhões 13 . espécie, e, ao contrário dos escravos africanos nas plantações de cana, eles
A grande massa dessa população colonial encontrava emprego e sustento próprios constituíam u m mercado significativo para a produção da indús-
na agricultura. No século XVIII, muitas aldeias indígenas, possivelmente a tria colonial. As haciendas que produziam cereais e outros alimentos básicos
maioria, ainda possuíam terra suficiente para dar sustento a seus habitantes. para a rede de capitais das províncias, campos de mineração e portos nego-
Era esse certamente o caso de Oaxaca, de Yucatán, da serra Michoacán, das ciavam com mercadorias volumosas de baixo preço que não encontravam
vastas regiões de Puebla, Huancavelica, Jauja e em torno do lago Titicaca, facilmente mercado devido ao custo do transporte. Na medida em que a
para mencionar apenas as províncias sobre as quais dispomos de dados. A expansão da economia de exportação ocasionou u m aumento na população
urbana, provocou também u m aumento no cultivo de alimentos básicos. Ao
Para uma discussão detalhada da população da América espanhola no final do período mesmo tempo, o setor doméstico manteve seu próprio ritmo de produção, e
colonial, ver Sánchez Albornoz, História da América Latina, vol. II, cap. 1. os preços flutuaram de acordo com as variações anuais e sazonais da oferta,
o que, pelo m e n o s a c u r t o p r a z o , t i n h a p o u c a relação c o m q u a i s q u e r Faziam também sua própria cerâmica. Reconhecidamente, na outra extre-
mudanças na economia internacional. m i d a d e da escala social, a elite hispânica ostentava vestuários vistosos
A tendência nas haciendas era apoiar-se n u m pequeno núcleo de peões importados do outro lado do Atlântico, bebia vinhos e conhaque espanhóis
residentes no local e contratar mão-de-obra sazonal nas aldeias vizinhas ou e utilizava porcelanas produzidas na China e na Europa. Mas também uma
entre os próprios rendeiros da propriedade. Já se sabe que, no México, mui- ampla classe de famílias que residiam nas principais cidades, nos campos de
tos proprietários de terras cediam uma parte considerável de suas terras a mineração e nas regiões de fronteira, dependiam da indústria colonial para o
rendeiros em troca de rendas pagas em dinheiro, em espécie, ou em troca de fornecimento de suas roupas e outros artigos de uso doméstico. Já no século
trabalho. Diferentemente, no Chile, os antigos rendeiros foram transforma- XVI grandes oficinas chamadas obrajes haviam sido instaladas na América
dos em inquilinos, um arrendamento de serviço com a obrigação de fornecer para atender à crescente demanda de roupas baratas, u m mercado domésti-
trabalho ao proprietário da terra. Do mesmo modo, no Peru os yanaconas, co que floresceu em virtude pura e simplesmente do custo do transporte
ou peões residentes, eram pagos sobretudo pela cessão de terra para a cultu- marítimo. No entanto, além dessas empresas, apareceram também grande
ra de subsistência. Somente na Nova Espanha foi mantido u m equilíbrio n ú m e r o de produtos rurais, principalmente roupas de algodão, que aten-
entre peões, às vezes presos à propriedade por dívidas, e os rendeiros e meei- diam também ao mercado urbano.
ros que pagavam renda e forneciam mão-de-obra sazonal. Até o momento são insuficientes as provas de u m levantamento completo
O desenvolvimento da grande propriedade foi, assim, acompanhado pelo da estrutura e dos ciclos da indústria e do comércio coloniais durante o sécu-
surgimento de uma nova classe camponesa, composta de mestiços, mulatos, lo XVIII. A questão é sem dúvida complexa, porque teria de avaliar o forte
espanhóis pobres e índios aculturados. O grau de subordinação ao proprietá- impacto do comércio atlântico e registrar as mudanças decisivas no balanço
rio da terra variava de província para província. É verdade que, em muitas do comércio regional no interior do império americano. O ponto de partida
regiões do México, ao longo da costa do Peru e na fronteira do Chile, os pri- para qualquer análise situa-se nas décadas medianas do século XVII, época
meiros colonizadores que ocuparam pequenas fazendas tiveram de vender em que a crise na produção de prata e o fracasso do sistema de frota de
suas propriedades e viram-se reduzidos à condição de rendeiros e meeiros. No Sevilha promoveram a expansão de uma economia doméstica que abastecia a
entanto, mesmo nessas regiões, sobreviveram importantes núcleos de peque- crescente população hispânica e de casta. Sob todos os aspectos o século XVII
nos proprietários, de modo que tanto o vale de Putaendo no Chile quanto o foi a idade de ouro das obrajes de Puebla e Quito, a época em que seus finos
Bajío n o México abrigaram uma grande quantidade de minifúndios. Em tecidos de lã ditaram uma ampla distribuição por todo o império. No entan-
outros locais, como em Antioquia e Santander na Nova Granada, a maior to, mesmo nesse estágio, existiam diferenças notáveis entre as duas indús-
parte da região rural era ocupada por pequenos fazendeiros proprietários. trias, porque, enquanto em Puebla as obrajes estavam situadas nas cidades e
Praticamente o mesmo era verdade em Arequipa no Peru ou em Costa Rica na operavam com uma força de trabalho variada, constituída de escravos africa-
América Central, ou nas zonas de plantio de fumo em Cuba. Essa nova classe nos, criminosos sentenciados e aprendizes que não passavam de peões retidos
camponesa ora competia com a grande propriedade, ora era forçada a depen- por dívidas, em Quito as obrajes eram todas localizadas na região rural, insta-
der de suas operações. Mas em todo o império o mesmo grupo social é que era ladas nas grandes fazendas de criação de carneiros ou em aldeias indígenas,
largamente responsável pelo crescimento demográfico das regiões de fronteira empregando uma força de trabalho recrutada entre os peões da propriedade
que desempenharam u m papel tão importante no reflorescimento Bourbon. ou operada por uma mita da aldeia para atender às obrigações tributárias.
Ao lado desse padrão diversificado de produção na zona rural havia uma A vitalidade dessa economia americana é d e m o n s t r a d a t a m b é m pelo
gama considerável de atividade industrial, rural e urbana. Para começar, a crescimento das exportações do Chile e da Venezuela. A partir da década de
maioria das aldeias indígenas estavam acostumadas a fiar e tecer a própria 1680 os hacenderos do Chile central começaram a embarcar grandes quanti-
roupa, sejam as lãs nas montanhas andinas ou o algodão na Mesoamérica. dades de trigo para Lima, com o volume registrado subindo de 11556 fane-
gas em 1693 para 87 702 em 1734, valor que corresponde a 72 por cento do 327 oficinas (trapiches) que teciam principalmente roupas de algodão rústi-
total de exportações. De m o d o análogo, as remessas de cacau da Venezuela co. O surgimento desses novos centros levaram Quito e Puebla a buscar mer-
tiveram início na década de 1660, quando as cargas anuais aumentaram de cados alternativos ou iniciar novas linhas de produção. Na década de 1780,
6758 fanegas para 14848 na década de 1711-1720; a Nova Espanha absorvia Quito havia deixado de produzir tecidos de boa qualidade para Lima, pas-
noventa por cento dessas exportações. Em resumo, a decadência da Espa- sando a trabalhar com tecidos rústicos de lã para o mercado de Nova Grana-
nha, aliada ao contínuo crescimento da população colonial, permitiu o sur- da. Por outro lado, Puebla conseguiu recuperar uma certa prosperidade ao se
gimento de uma economia especificamente americana baseada no comércio especializar nos finos rebozos, ou xales, tecidos de algodão com u m atraente
de longa distância e inter-regional de alimentos, metais preciosos e produtos brilho acetinado 14 . A essa altura, a indústria era dominada por um pequeno
manufaturados, onde Cidade do México e Lima funcionavam como centros grupo de comerciantes que compravam o algodão de Veracruz, distribuíam-
dominantes no interior dessa rede comercial. Foi nesse período que se esta- n o a u m a classe n u m e r o s a de tecelões i n d e p e n d e n t es para fabricação e
beleceu o padrão para o século XVIII. Na América do Sul, os tecidos que depois despachavam o tecido p r ô n t o para venda em Cidade do México.
vinham de Quito, o conhaque e o açúcar dos vales litorâneos do Peru cen- Calcula-se que nos anos de 1790-1805 Puebla tenha fornecido anualmente
tral, o trigo e a gordura do Chile, a coca e o açúcar dos vales semitropicais para a capital mais de u m milhão de arráteis (500 toneladas) de tecido.
próximos a Cuzco, as mulas dos pampas argentinos, o mercúrio de Huanca- As mudanças no comércio regional de produtos agrícolas foram menos
velica e os metais preciosos de Potosí forneciam a espinha dorsal desse vasto drásticas ou acentuadas que nos têxteis. Novamente Puebla sofreu, com suas
m e r c a d o i n t e r n o . U m i n t e r c â m b i o s e m e l h a n t e p r e d o m i n a v a na Nova produções de farinha severamente reduzidas em virtude da concorrência do
Espanha, onde tierra adentro, a região interior ao norte, fornecia metais pre- Bajío nos mercados de Cidade do México e dos Estados Unidos em Cuba.
ciosos, carne, couros e lã em troca de tecidos e produtos tropicais. Quase na mesma época, o cacau da Venezuela deixou de ser enviado para a
No entanto, deve-se enfatizar que o fluxo do comércio interno modifi- Nova Espanha; na década de 1790, as exportações anuais, bastante aumenta-
cou-se drasticamente durante o período Bourbon. Na primeira metade do das, de mais de oitenta mil fanegas foram remetidas quase que totalmente
século XVIII, o renascimento da concorrência por parte da Europa e de para a Península. Mas essa mudança no fluxo do comércio ofereceu u m a
outros centros coloniais solapou a prosperidade da indústria têxtil de Puebla oportunidade para a província costeira de Guayaquil, que agora detinha o
e Quito a ponto de suas obrajes cessarem de operar. Na América do Sul, a mercado mexicano, com uma produção total que subiu de 34 mil fanegas em
abertura de novas rotas marítimas via cabo Horn reduziu drasticamente os 1765 para mais de 150 mil em 1809. De modo semelhante, a concentração da
preços dos tecidos importados. Ao mesmo tempo, novas obrajes foram aber- cultura do fumo em Veracruz deu a Cuba as condições de atender às deman-
tas na região rural de Cajamarca e Cuzco, sendo a força de trabalho recruta- das do mercado mexicano. No cone sul, o comércio atlântico foi imposto
da ou por proprietários de terras ou por corregidores em pagamento de tribu- sobre o padrão interno de comércio sem muitas distorções perceptíveis, por-
to. O sucesso desses estabelecimentos em detrimento de Quito derivou pro- que, embora os metais preciosos chilenos logo se tenham tornado o produto
vavelmente de sua maior proximidade dos mercados. Substituições análogas de exportação mais valioso, as remessas de trigo e de gordura para Lima conti-
ocorreram na Nova Espanha, onde a indústria de Puebla foi destruída pela nuaram ainda a aumentar em volume, apesar de uma queda na curva de pre-
concorrência de Querétaro, que, em virtude de sua localização na orla do ços. Na região do rio da Prata o notável aumento nas exportações de couros
Bajío, estava melhor situada para adquirir sua lã das grandes estancias de de forma alguma prejudicou a criação de mulas para as montanhas andinas.
Coahuila e Nuevo León e para abastecer seu mercado nas cidades mineiras
do norte. Em 1790, Querétaro, com uma população de mais de trinta mil u
- G. P. C. Thomson, "Economy and Society in Puebla de los Angeles 1800-1850", D. Phil.
habitantes, havia-se tornado u m importante centro manufatureiro, pois a Dissertation, Oxford University, 1978; Robson B. Tyrer, "The Demographic and Econo-
indústria têxtil empregava pelo menos 3 300 trabalhadores distribuídos entre mic History of the Audiência of Quito: Indian Population and the Textile Industry 1600-
dezoito obrajes, que produziam tecidos finos de lã, ponchos e cobertores, e 1800", Ph. D. Dissertation, University of Califórnia, Berkeley, 1976.
u m esvaziamento parcial dos centros urbano s em favor da agricultura. É
Tabela 2. Valor da produção anual da Nova Espanha, c. 1810
(milhões de pesos)
questionável se a mudança para têxteis de qualidade, em conseqüência de
algum declínio na troca transatlântica da prata por tecidos europeus, pode-
Agricultura 106 285 (56%) ria ter compensado a perda de u m amplo mercado nas linhas de têxteis mais
Manufaturados 55 386 (29%) baratos e em alimentos. É evidente que o setor de exportações gerava altos
Mineração 28 451 (15%) lucros e tornava possível u m acúmulo de capital n u m a escala inimaginável
na economia doméstica. No entanto, grande parte desse capital era investido
Total 190 122 (100%) em seguida na compra e no desenvolvimento de propriedades rurais que
sobreviveriam mediante a produção para o mercado doméstico.
Embora alguns historiadores t e n h am acolhido o lamento da época de
que a onda de importações após o comercio libre drenou a moeda circulante
É tarefa arriscada determinar o equilíbrio entre o setor americano e o do continente, deve-se enfatizar que sem um certo aumento nas remessas de
ultramarino da economia colonial. O secretário do consulado de Veracruz metal precioso para a Europa a produção mineira teria decaído inevitavel-
forneceu estimativas, recentemente revisadas, para o valor global da produ- mente em conseqüência da inflação ocasionada por u m a superabundância
ção mexicana, subdividida por setores 15 . de prata. Dessa forma, a era Bourbon constituiu u m período relativamente
Esses números devem ser usados com precaução, uma vez que são sim- curto de equilíbrio entre o setor externo e o interno da economia, no qual,
ples extrapolações de u m consumo mínimo hipotético da população e de se a curva ascendente da produção de prata sem dúvida ajudou a financiar a
forma alguma exprimem o valor das mercadorias que ingressaram realmente revivescência do poder militar da coroa e deu às colônias condições de
no mercado. Pode-se adiantar aqui u m aspecto geral. Enquanto as planta- importar da Europa grandes quantidades de tecido fino, também gerou uma
ções tropicais com sua força de trabalho servil geravam uma demanda relati- extensão considerável de empregos que por sua vez criaram u m mercado
vamente pequena para a produção local, o setor mineiro, em contrapartida, ativo para a indústria e a agricultura domésticas. Na verdade, foi a existência
fornecia um amplo mercado à indústria agrícola e à doméstica. Para tomar dessa complexa e variada economia interna que possibilitou o surgimento
como exemplo u m caso bastante conhecido: em Guanajuato, com cerca de de uma sociedade colonial igualmente complexa e única.
55 mil habitantes na década de 1790, a metade mais ou menos da população
trabalhadora estava empregada nas minas e nos engenhos de refino de açú-
car. A outra metade era constituída por artesãos e empregados domésticos. OS ÚLTIMOS A N O S D O IMPÉRIO