Causas - Legais - Supralegais - Sousa 6

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 14

Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa

Causas legais e supralegais de exclusão


da culpabilidade
uma azafamada, mas não de atropelo,
Sumário
passagem pela teoria do delito a fim
Introdução; 2. Conceito de
de uma melhor percepção do que seja
Crime; 3. Conceito material de
a culpabilidade. Segundo preleciona
culpabilidade; 4. Potencial consciência
Zaffaroni, duas teorias se têm erigido
da ilicitude; 5. Exigibilidade de conduta
para
diversa 5.1. Causas de exclusão; 5.1.1.
Coação moral irresistível; 5.1.2.
Obediência hierárquica; 5.1.3. Estado
de necessidade exculpante; 5.1.4. * Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cr
(UESC) e membro do grupo de estudo NACC (Núcleo Acadêmico
Excesso exculpante na legítima defesa;
Ciências Criminais). Estagiário da Justiça Federal, Seção Judiciária
6. Inexigibilitade de conduta diversa Bahia/Subseção Judiciária de Ilhéus.
como causa supralegal de exclusão da Diego Carmo de Sousa*
culpabilidade; Conclusão; Referências

bibliográficas Introdução a conceituação do crime: a teoria


unitária e a teoria estratificada.1
O presente artigo visa mostrar a
complexa problemática em torno da Para os asseclas daquela teoria,
culpabilidade e suas causas de o crime será sempre uma conduta
exclusão. Ab initio, esclarece que a humana infratora da lei. Não descendo
doutrina não é unânime em aceitá-la à caracterização do delito, são as
como parte da estrutura do crime, mas teorias mais aceitas pelos jusfilósofos –
carecedora de fundamentação como os kelsenianos – que pelos
plausível. Enumeram-se os elementos penalistas.2 Para os que se filiam à
da culpabilidade sob a ótica finalista e teoria estratificada, o crime deve
suas principais causas de exclusão para possuir algumas características que o
finalmente adentrar na controvertida diferenciem de outras condutas
exigência de outra conduta como um humanas. Para o estudo ora
de seus elementos, passando por um apresentado filiemo-nos a esta última
resumo histórico das decisões alemãs teoria.
que embasaram sua concepção e Não se poderá conceituar o que
como os principais órgãos judiciários seja um delito sem antes atentar-se ao
do Brasil analisam essa questão no que dita a norma penal, esta como
Tribunal do Júri. Tentou-se fazer um fonte do Direito Penal deve ser
paralelo das principais doutrinas consultada antes da conceituação do
brasileira e estrangeira sobre o tema e delito. Desse modo, tem-se uma
colação de julgados dos principais primeira conceituação do crime: deve
tribunais nacionais. O presente artigo este ser típico.
filia-se à teoria normativa pura para Nas palavras de Maurach
explicar os elementos constitutivos da tipo é a terminante
culpabilidade. descrição de uma determinada
conduta humana antijurídica. O

2. Conceito de crime 1 ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José


Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro.
Antes de adentrar a matéria 7ª ed. São Paulo: RT, v. 1, 2008, p. 335.
propriamente dita, necessário se faz
2 Ibidem, p. 335.

39
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
tipo é, por tanto, em primeiro do delito tendo-o como fato típico e
lugar, ação tipificada pela lei em antijurídico, renegando a culpabilidade
uma figura legal.3
a um estranho pressuposto da pena.6
Entretanto, não basta que a ação Mas grande parte da doutrina curva-se
humana seja prevista na lei penal, a aceitar o conceito tripartido do
necessário é que a norma penal não delito, inserindo a culpabilidade em
excetue alguma conduta reportando-a sua análise estratificada.78
como permitida. São as chamadas
causas de justificação.
O Estado, por vezes, não pode 3. Conceito material
proteger o cidadão todo o tempo, de culpabilidade
permitindo-lhe agir em determinados
Como suso mencionado, vicejou
casos de maneira contrária a lei, mas
por longo tempo no seio da doutrina
conforme o Direito. Necessário é que
indígena discussão sobre onde se
se faça um juízo de valoração. Quando
insere a culpabilidade, se como um
se constata que A matou B e que,
dos estratos do conceito do delito ou
portanto, tipificada está a conduta
como simples pressuposto da pena.
como incursa no art. 121 do CP,
Insta salientar que não se discutirá
quando reza matar alguém, o que se
nesse artigo sobre esse tema, a fim de
está a fazer é apenas um silogismo,
se ater ao assunto proposto no introito
uma comparação. Pois nem todo
deste.
matar se configura em crime. Destarte,
necessário que se observe se a Três teorias surgiram para
conduta em tela apenas infringiu um explicar a culpabilidade: a teoria
tipo isoladamente ou o direito como psicológica, a psicológicanormativa e a
um conjunto harmônico e sistêmico. normativa pura. Naquela, a
Quando a ação típica não se configura culpabilidade consiste em uma relação
justificada, diz-se que é antijurídica ou subjetiva entre o autor e o fato, sendo
injusta. Têm-se, portanto, duas o dolo e a culpa suas únicas espécies e
características do delito: uma ação a imputabilidade apenas um seu
típica e uma antijurídica.4 pressuposto. Já para os normativistas,
o dolo e a culpa transmutam-se em
Entretanto, não basta que se elementos da culpabilidade e a
observem só esses elementos imputabilidade acaba por se configurar
objetivos do crime, mas há que se ater como também um elemento da
ao seu elemento subjetivo, qual seja, a culpabilidade e não apenas seu
culpabilidade. Para que seja pressuposto, além da inclusão da
efetivamente considerado um delito, a
vontade do agente tem que ser 5 NORONHA, Magalhães Edgar. Direito Penal.
voltada para a realização do tipo penal V.1, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 99.

ou da sua não devida cautela. 6 JESUS, Damásio E. Direito Penal. Parte Geral.
São Paulo: Saraiva, 29ª ed., 2008, p. 454;
Portanto, nas palavras de Noronha “há
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.
de ser-lhe atribuído a título de culpa, Manual de Direito Penal. V. 1. São Paulo: Atlas.
em sentido amplo, isto é, dolo ou 24ª ed., 2008, pp. 83 e 84; COELHO, Walter.
Teoria geral do crime. Porto Alegre: Sérgio
culpa.5” Alguns doutrinadores, poucos,
Antônio Fabris, 2ª ed., 1998, p. 37.
diga-se, filiam-se ao conceito bipartido
7 BITTENCOURT, Cezar R. Teoria Geral do Delito.
Coimbra: Almedina, 2007, p. 62; PRADO, Régis.
3 MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho Curso de Direito Penal Brasileiro, São Paulo: RT,
Penal. Barcelona: Riel, v. 1, 1962, p. 267. 8ª ed, 2008, p. 232; GRECO, Rogério. Niterói:
4 SOLER, Sebástian. Derecho Penal Argentino. V. Impetus, 10ª ed.,
1, Buenos Aires: Tea, 1992, pp. 391 e 392. 8 , p. 143

40
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
exigibilidade de conduta diversa em suas palavras, “chegar a tal empirismo
seu bojo.9 Quanto à normativa pura, para solucionar a contento os casos
de maneira contrária à psicológico- concretos que se lhe apresentam.11”
normativa, acaba por deslocar o dolo e Para Conde, tal conceito material de
a culpa da culpabilidade para o tipo, e, culpabilidade deve ser abandonado,
em seu lugar, encaixando-se a pois se apresenta impregnado da
chamada exigibilidade de conduta ideologia individualista que marcava o
conforme o Direito. Essas teorias, no cenário político da época de sua
entanto, mais se completam que se elaboração12, argumentando de
repelem, pois não há que se falar em maneira similar a Roxin, já refutado
culpabilidade sem dolo ou culpa, bem por Prado. A teoria normativa pura é a
assim como a teoria normativa nos mais aceita e utilizada no País, e será a
aclara que a ação com a qual o agente usada como paradigma no presente
obrou é contrária a que a norma artigo.
exigia, devendo este ter agido de
maneira diversa.
Segundo Welzel, o maior 4. Potencial
precursor das ideias do finalismo, a consciência da
culpabilidade “em seu mais próprio
sentido, é somente a censurabilidade Ilicitude
como valoração da vontade de ação”.10 O adágio latino de teor garantista
Em outras palavras, a culpabilidade nulla poena sine culpa é um
consiste na capacidade de o agente externação deste elemento da
agir conforme Direito, agir de outra culpabilidade. O art. 34, I, do Código
forma da que obrou. Para os Penal argentino exige como uma
funcionalistas como Roxin a caracterização do crime o agente
culpabilidade carece de compreender a criminalidade do ato. A
fundamentação, haja vista não ser consciência da ilicitude do fato é uma
constatada cientificamente. Para o presunção da lei de que o agente deve
autor alemão, não se pode auferir saber que age fora do Direito. No
empiricamente se um dado entanto, em seu art. 21, o Código
delinquente que age desconforme o Penal brasileiro estatui que o
Direito podia naquelas condições agir desconhecimento da lei é inescusável,
de outra maneira111213, devendo a ou seja, haveria uma presunção de que
culpabilidade ser vista como um limite todos possuem a consciência da
da medida da pena. ilicitude do ato.
Ao criticar tal ponto de vista, Certas regras jurídicas se
questiona-se Prado se a ciência penal impregnam de um mínimo ético, como
deve descer a tais filigranas, ou em por exemplo, a penalização do
9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., pp.
homicídio, do roubo etc. Nesses tipos
299/308. penais a alegação de inconsciência do
10 WELZEL, Hans. Direito Penal. São Paulo: caráter ilícito da ação é inadmissível,
Romana, 2004, p. 216. exceto em casos de impropridade do
11 ROXIN, Claus. Culpabilidad y Prevención en
objeto que caracaterizaria o fato como
Derecho Penal, 1981, p. 41. crime impossível, e. g., roubar um bem
12 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal. São móvel pertencente ao próprio agente,
Paulo: RT, v.1, 2008, 374. ou então quando agir em defesa do
13 CONDE, Muñoz Francisco. Teoría General del bem da vida. Mas fatos há que pela
Delito. Valência: Tirant Lo Blanch, 1991, p. sua peculiaridade, ou sanha legiferante
121.

41
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
do legislador, não se pode exigir de jurídico. O direito não exige do homem
todos o seu conhecimento, como condutas heroicas ou sacrifícios
vender bebida alcoólica para quem já sobrehumanos, permitindo-lhe agir
se encontra bêbado (art. 63, II, da Lei em determinados casos de maneira
de Contravenções Penais), brigar em contrária à lei. Mas, frise-se, a
público permição para trilhar caminhos
(art. 21 da LCP) etc. díspares ao ordenamento deve ser
Desse modo, necessário é que limitada a determinadas situações
haja essa consciência para que se excepcionais, sob pena de lançar ao
forme o juízo de reprovabilidade. Não atascadeiro e à zombaria todo o
age culpavelmente quem pratica um sistema jurídico.
fato pensando estar em conformidade A possibilidade de agir
com o Direito. A consciência do ilícito diversamente é um elemento da
não precisa ser no momento atual do reprovabilidade, onde se podia exigir
cometimento do fato, mas basta que do agente que se atesse ao Direito, no
seja potencial para configurar o delito. entanto, o agente mesmo sendo
Ensina-nos Bacigalupo que “o imputável e conhecedor do ilícito não
conhecimento da desaprovação podia agarrar-se ao Direito. A
jurídico-penal não deve ser atual, ou culpabilidade, assim, é um juízo de
seja, dar-se realmente no momento da valoração.
ação; é suficiente com que seja Cita Soler que
potencial, isto é, atualizável.” 14 a reprovabilidade estará
Assim sendo é imprescindível apoiada em situações e fatos do
sujeito (....), mas está
que se verifique se o agente agiu
determinada por uma exigência,
conhecendo da ilicitude de seu ato ou cujos variáveis alcances são
tenha pelo menos podido conhecer. fixados em concreto pelo juiz15.
Pois, na esteira do que prescreve
Maurach, no primeiro caso age em Wezel separa o que ele chama de
afronta ao direito e no segundo, com censurabilidade da ação censurável,
reprovável indiferença.15 sendo aquela a valoração da vontade
de ação, ou seja, a incidência de um
A doutrina erige basicamente juízo de reprovabilidade na ação
três causas de exclusão da consciência valorada, e esta é a vontade de ação
do ilícito: o erro de tipo, o erro de incidida por esse juízo.16
proibição e as descriminantes
putativas.
5.1 Causas de exclusão
5. Exigibilidade de
5.1.1. Coação moral irresistível
conduta diversa A coação como exclusão da
Fatos há que exigem do agente culpabilidade está inserta no art. 22 do
uma ação in continenti, uma inopina CP que estatui que “se o fato é
reação à quadra a qual se encontra, cometido sob coação irresistível (....),
onde por vezes, deverá atuar fora dos só é punível o autor da coação (....)”.
arquétipos fixados pelo ordenamento Há dois tipos de coação: a coação
14 BACIGALUPO, Enrique. Lineamientos de la física, ou vis absoluta e a coação
Teoría del Delito. Hammurabi: Buenos Aires. moral, ou vis compulsiva. Nesta há a
3ª ed.1994. p.139.
vontade manifesta do agente de
15 MAURACH Apud FRAGOSO, Heleno. Lições de infringir a norma, i.e, o agente atua
Direito Penal. Nova Parte Geral. Forense: Rio
de Janeiro. 1985, p. 211. com dolo. Naquela, no entanto, não há

42
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
ação, pois não há vontade. O agente 5.1.2. Obediência hierárquica
quando realiza um fato típico sob Dispõe o art. 22 do Código Penal
coação moral irresistível não atua em que “se o fato é cometido (....) em
sua vontade livre e espontânea, mas estrita obediência a ordem, não
influenciado por um terror psicológico, manifestamente ilegal, de superior
fruto de ameaças ou intimidação. hierárquico, só é punível o autor (....)
da ordem.”
15 SOLER, Sebástian. Derecho Penal Argentino. V.
2, Buenos Aires: Tea, 1992, p. 27.
Trata-se de autoria mediata,
onde só responde pelo fato punível o
16 WELZEL, Hans. Op. cit., pp. 215/216.
autor da ordem e não quem a executa.
Assim, não se podendo exigir do Para a caracterização da excludente
agente conduta diversa da que tomou, em espécie é necessário que haja: a)
será isentado de quaisquer sanções. uma relação de subordinação
Sendo a vis compulsiva resistível, será hierárquica17. Veja-se:
causa de atenuante da pena,
Penal. Processual Penal.
consoante a intelecção do art.
Diligências requeridas pela
65, III, c. defesa. Esgotamento da
Para Welzel, como o coagido instância administrativa. Crime
contra a ordem tributária. Art.
atua sem vontade livre, o coator será
1º, I, da Lei 8.137/1990. Autoria
considerado autor mediato, pois a e materialidade comprovadas.
ação praticada sob coação é Obediência hierárquica. Não
antijurídica, mas o autor coagido está caracterização. Dolo. Pena
Pecuniária. (....) V. A excludente
justificado pela exclusão da
de culpabilidade prevista no art.
culpabilidade.16 Nesse sentido, leia-se 22 do Código Penal não pode ser
o seguinte julgado: invocada no âmbito do direito
privado, uma vez que a
Processual Penal. Habeas
configuração da obediência
corpus. Tribunal do Júri.
hierárquica pressupõe relação de
Absolvição. Anulação.
subordinação entre o mandante
Julgamento. Apelação. Erro.
e o executor do ato, com
Formulação. Quesito. Coação
previsão, para este último, de
moral irresistível. Falta de
consequências graves no caso de
correspondência. Conceito
descumprimento da ordem,
jurídico. Nulidade configurada. I
possível, apenas, no direito
– Na coação moral, o coator
público. (Brasil – TRF3 –
exige que o coato pratique um
Apelação Criminal – 17475: ACR
fato ilícito com a ameaça de
7188 SP 2001.61.20.007188-3 –
impor-lhe, ou a alguém que lhe
rel. Juiz André Nekatschalow,
seja próximo, uma espécie de
julgamento: 27/06/2005 –
gravame caso não seja praticada
Publicação: DJU
a ação pretendida. Se, para
Data:16/01/2007, p. 378.)
suportar a ameaça perpetrada,
for necessário o desprendimento No entanto, julgando um caso
de força extraordinária (Brasil –
entre a Grande Oriente do Brasil e uma
STJ – Habeas Corpus: HC 27619
GO 2003/0045246-6, rel. Min. Loja Maçônica a ela subordinada, o STF
Felix Fischer, julgamento: em voto da lavra do Min. Victor Nunes
04/02/2004, Órgão julgador: T5 – Leal, considerou que ali se configuraria
Quinta Turma, publicação: DJU
também uma espécie de obediência
08/03/2004, p. 298).
hierárquica, assim afirmando:

17 Aqui a doutrina assenta que a subordinação


deve ser de direito público sendo estranhas
às relações de direito privado. Cf. FRAGOSO.
16 Ibidem, p. 261. op. cit., p. 221.

43
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
as lojas maçônicas são c) e o ato executório deve
hierarquicamente subordinadas limitar-se ao estrito cumprimento da
ao Grande Oriente do Brasil e
são reguladas por um Estatuto
ordem. O subordinado a quem a
denominado Constituição ordem ilegal é dirigida deve ater-se ao
Maçônica, a cujos mandamentos que demandado, onde agindo assim
devem obediência, pelo que lhes não será apenado, mas excedendo na
compete acatar o
pronunciamento dos órgãos
execução responderá por esse
superiores. (Brasil – STF – RE excesso, já que o dolo subsiste. No
37661/PE – rel. Min. Victor entanto se for afastado o dolo, não
Nunes, julgamento: 22/04/1966, responderá por culpa, conforme já
órgão julgador: Primeira
decidiu o STF:
Turma.)18
Atos não criminosos em si
b) a ordem não deve ser mesmos, praticados em
cumprimento de ordem de
manifestamente ilegal. É o
superior hierárquico, não
pressuposto extrínseco da ordem, manifestamente ilegal (tendo
devendo se observar a competência sido afastada a hipótese de dolo
daquele de quem se emana a ordem, pela própria decisão
se esta não se enquadra nas funções condenatória), não podem
configurar crime culposo.
do subordinado, quando, enfim, não é Habeas corpus concedido.
patentemente criminosa. Assim se (Brasil, STF, HC 38728/DF Habeas
manifestou o STJ sobre este ponto: corpus. Rel. Min. Victor Nunes,
julgamento: 29/11/1961, órgão
Processual Penal. Habeas julgador: Tribunal Pleno)19. Penal
corpus. Tortura. Modalidade e Processual Penal (art. 312,
omissiva. Trancamento da ação caput, do CP). Peculato Desvio.
penal. Falta de justa causa. Obediência Hierárquica. Art. 22,
Obediência hierárquica. 2ª Parte, do CP. Aplicabilidade.
Circunstância não demonstrada. Recurso provido. II. Estão
Legalidade da ordem não presentes todos os requisitos
evidenciada. Estreita via do writ. básicos que pressupõem a
Ausência de dolo. obediência hierárquica, quais
Impossibilidade de agir. Questões sejam: “ que haja relação de
que demandam o profundo direito público entre superior e
exame de provas. Existência de subordinado; “ que a ordem não
justa causa para a persecução seja manifestamente ilegal; “ que
penal do paciente em juízo. a ordem preencha os requisitos
Precedentes. Ordem denegada. formais; “ que a ordem seja dada
Inviável o reconhecimento da dentro da competência funcional
excludente da culpabilidade de do superior e; “ que o fato seja
obediência hierárquica para o cumprido dentro da estrita
delito de tortura, em sua obediência à ordem superior.
modalidade omissiva, na estreita (Brasil – TRF1 – Apelação
via do habeas corpus, desprovida Criminal: ACR 4872 PA
de dilação probatória, quando 2001.39.00.004872-4 – Rel. Des.
não evidenciada a legalidade da Federal Hilton Querioz –
ordem (....) (Brasil – STJ. Habeas Julgamento: 05/11/2007 – Órgão
corpus: HC 93533 GO julgador: Quarta Turma –
2007/0255315-1 rel. Min. Jane Publicação: 28/11/2007 DJ p.
Silva (Des. convocada TJ/MG), 46.)
julgamento: 24/02/2008, órgão
julgador: T6 – Sexta Turma,
publicação: DJ 10/03/2008, p. 1).

18 Disponível em: 19 Disponível em:


<http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador. <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.
jsp?docTP=AC&docID=137844>. Acesso: 28 jsp?docTP=AC&docID=56286>. Acesso: 28
maio 2010. maio 2010.

44
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
5.1.3. Estado de necessidade se outra conduta, faltando-lhe a
exculpante reprovabilidade. Exemplifica Welzel
com um caso de um empregado de
Não é remansosa na doutrina a
ferrovia que solta a agulha de um
inclusão do estado de necessidade
vagão de carga com iminência de
como exclusão da ilicitude. Autores
chocar-se em um trem repleto de
clássicos, como Carrara, preferem
passageiros. Nesse caso, afirma o
inseri-la na exclusão da
autor, agiu o ferroviário sem
imputabilidade, pois se age sob medo
alternativa e eticamente
ou coação de um perigo/dano
irrepreensível. 22 Exemplos são os
iminente, minando assim a vontade
julgados abaixo colacionados:
livre a qual embasa a imputabilidade.20
Distinguem-se assim dois tipos de Revisão criminal. Tráfico
estado de necessidade: o exculpante e de drogas. Alegação de estado
de necessidade exculpante. Tal
o justificante. Neste, o bem sacrificado
instituição não poderá ser
é de menor valor que o protegido, reconhecida, pois, na forma
onde o fato restaria justificado e culposa, impõe-se a
considerado uma exclusão da inexigibilidade de outra conduta
antijuridicidade. Já na exculpante há do réu, o que não ficou
caracterizada. Ação julgada
intensa discussão. improcedente. Maioria. (Brasil.
Surgiram na Alemanha duas TJDF. Revisão criminal: RVCR
teorias para tentar contornar a 20030020094602 DF Rel.: Des.
João Timóteo, julgamento:
querela: a teoria diferenciadora e a
06/04/2005, órgão julgador:
unitária. Para esta todo estado de Câmara Criminal, publicação:
necessidade exclui o injusto, não DJU 16/08/2005, p. 1.398)
havendo imperativo do sopesamento Penal. Processo Penal.
dos bens em conflito. Para aquela, Estado de necessidade.
Inocorrência. Multa e custas.
havia uma diferença na consequência
Isenção. Impossibilidade. I.
jurídica do fato quando o bem Inexistência de causa justificante
defendido for mais ou menos do estado de necessidade, nem
importante que o bem agredido. tão pouco de exculpante da
inexigibilidade de conduta
Com efeito, os doutrinadores diversa. Aliás, só sustentadas em
alemães diferenciavam ambas as apelação, forte na total ausência
teorias prevalecendo-se a teoria de provas a respaldar as
diferenciadora no âmbito do Direito alegações (Brasil. TRF5. Apelação
Criminal: ACR 3426 PE
Civil – pois a defesa de um bem maior 2003.05.00.025737-3, rel. Des.
é aprovada pelo Direito e exclui o Federal Paulo Roberto de
ilícito – e a unitária no âmbito do Oliveira Lima, julgamento:
Direito Penal – porque um 05/04/2004, órgão julgador:
Segunda Turma, Publicação:
comportamento que excede o
Fonte: DJ – Data: 07/05/2004, p.
tolerável é antijurídico, mas pode 1.131).
isentar de culpabilidade.21
Uma corrente há ainda que
transporta a problemática da 5.1.4. Excesso exculpante na
antijuridicidade para a culpabilidade, legítima defesa
pois atuaria o agente sem dele exigir- O instituto da legítima defesa
está previsto nos arts. 23, II, e 25 do
20 CARRARA, Francesco. Programa de Direito
Código Penal. Todos os ordenamentos
Criminal. Saraiva: São Paulo, v. 1. 1956. § 285 e
ss.
21 BRUNO, op. cit., p. 391 22 WELZEL, op. cit., p. 262/263

45
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
jurídicos pátrios previram tal instituto, busca incessante da verdade real
afasta o exercício intelectual da
dada a sua relevância no âmbito social
presunção; cabe indagar se o réu
e penal: o Código de 1830 o prescrevia excedera dolosamente os limites
em seu art. 14 e o de 1890 nos arts. da legítima defesa. O excesso
32, § 2º e 34. Tem como escabelo dois exculpante não se confunde com
fundamentos: a proteção dos bens o excesso doloso ou culposo, por
ter como causas a alteração no
jurídicos salvaguardados pelo ânimo, o medo, a surpresa.
ordenamento e o próprio resguardo do Ocorre quando é oposta à
ordenamento. Nas lições da professora agressão injusta, atual ou
Maron iminente, reação intensiva, que
ultrapassa os limites adequados
de um lado, a necessidade a fazer cessar a agressão.
de defender bens jurídicos Habeas corpus deferido para
perante uma agressão e, de anular o julgamento e
outro lado, a defesa do próprio determinar que outro seja
ordenamento jurídico que se vê realizado, formulando-se os
diante de uma agressão quesitos com atenção às
legítima.23 circunstâncias em que o crime
ocorreu. (Brasil – STF – HC
Um dos requisitos para a 72341/RS – Órgão julgador:
configuração da legítima defesa é o Segunda Turma – rel. Min.
Maurício Corrêa – Publicação: DJ
uso moderado dos meios necessários
data: 20/03/1998; p. 5; Ement
ao afastamento ou cessação da injusta v.1903-02; pp-202; julgamento:
agressão. Quando o agente fixa-se 13/06/1995.)
nessa exigência e dela não extrapola, Apelação crime. Júri.
não haverá cometido crime. Todos os Legítima defesa. Prosseguimento
atos impetrados pelo agredido que da quesitação após a negativa
do sexto quesito relativo ao uso
excedam esses meios necessários fará dos meios necessários.
com que de vítima transmute-se em Obrigatoriedade. Excesso
agressor, respondendo este pelo acidental não caracterizado.
excesso na defesa. Se doloso o Decisão contrária à prova dos
autos. Julgamento anulado. (....)
excesso, o resultado da agressão será
II. Não ocorre excesso acidental
punido como crime doloso. Se culposo, ou exculpante, que equivale ao
o agressor responderá pelo crime caso fortuito, quando o agente
culposo, se previsto em lei. pratica o ato deliberadamente,
mormente quando a vítima j.
Casos há, no entanto, que obra o estava baleada e, portanto,
agente sem dolo nem culpa, sendo rendida. III. Recurso provido.
consequência de um fortuito, onde (Brasil – TJRR – Apelacao
Criminal: ACR 10040026121 RR
não responderá pelo excesso. Veja-se:
0010.04.002612-1 –
Júri. Quesitos. Legítima Relator(a): Des. Tânia Vasconcelos (Juíza
defesa. Excessos culposo e convocada)
doloso. A simples resposta – Julgamento: 10/04/2000.
negativa ao quesito referente ao Publicação: DPJ 3.011 de
excesso culposo não torna 23/11/2004, p. 2)
dispensável o alusivo ao doloso.
A ordem jurídica em vigor Por fim, pode-se dar a
contempla, de forma implícita, o extrapolação dos meios necessários
excesso escusável (Assis Toledo, por erro inescusável ou escusável.
Damásio e Alberto Silva Franco).
No campo de processo-crime, a
Quando inescusável, o resultado será
considerado como culposo e assim
23 MARON, Sônia Carvalho de Almeida. A
será incriminado o agente, se a lei
legítima defesa no Tribunal do Júri. Rio de previr o fato como culposo. Sendo
Janeiro: GZ Editora, 2009, p. 34.

46
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
escusável, estar-se-á diante de uma ser deduzidos das circunstâncias
do fato. (....) Recurso desprovido.
excludente de culpabilidade, onde não
Maioria. (Brasil – TJRJ – Apelação
se responderá pelo excesso. Criminal 2006.050.01663. Rel.
Para Von Liszt, quando se Des. Antônio Carlos Nascimento
Amado. j. 10/10/2006. Órgão
encontrar o autor do fato antijurídico
julgador: Primeira Câmara
acometido por perturbação, medo ou Criminal – DJE: 02/03/2007, p.
terror e exceder os limites da legítima 30)
defesa

dá-se, na verdade, uma


6. Inexigibilidade de
ação em si punível, mas dá-se conduta diversa como
também ao mesmo tempo uma
causa ou circunstância pessoal causa supralegal de
de exclusão de pena.24 exclusão da
Na legítima defesa putativa o culpabilidade
raciocínio dar-se-á de igual forma, se o A inexigibilidade de conduta
autor agiu convicto de que se diversa foi um elemento da exclusão
encontrava em um estado de legítima da culpabilidade desenvolvida pela
defesa real, onde se exclue o dolo, ou jurisprudência tedesca do início do
nas admoestações de Hungria: “O que século passado. O doutrinador alemão
exclue o dolo é tão somente a certeza Frank já havia introduzido esse
subjetiva de que não se age contra elemento na culpabilidade, fundando
jus.25” assim a teoria psicológico-normativa
onde a culpabilidade também se
Nesse sentido é o aresto abaixo
consistiria na imputabilidade e na
colacionado do Tribunal de Justiça do
culpa lato sensu. Dois episódios
Rio de Janeiro:
julgados pelo então Tribunal do Reich
Ementa. Apelação (Reichgericht) serviram de paradigma à
criminal. Recurso do Ministério elaboração da fundamentação da não
Público visando a anulação do
exigibilidade de outra conduta: o caso
júri sob o fundamento de
contradição nas respostas aos Leinenfänger e o Klapperstorch.26
quesitos. Decisão absolutória O primeiro caso, chamado
contrária à prova dos autos.
também de Caso do Cavalo Indócil, foi
Quesitação sob o enfoque do
dolo e da culpa. Se não houve o primeiro julgado em tribunais no
excesso culposo ou doloso, mundo a aceitar esse elemento como
significa que houve falta de causa de excludente do crime. O
moderação ou desnecessidade
proprietário de um cavalo indomável e
dos meios, porém, causados por
caso fortuito, medo, erro ou recalcitrante exigiu, sob pena de
perturbação do agente! Assim demissão, a um de seus empregados
rejeita-se a preliminar de para que passeasse com esse cavalo
nulidade de julgamento por
pelas ruas da cidade, onde acabou por
contradição nas respostas dos
quesitos. (....) Evidentemente, o atropelar um pedestre. Ao julgar esse
elemento subjetivo ou a reação peculiar caso, decidiram os
por medo de que a vítima magistrados em negar a culpabilidade
consumasse as ameaças podem ao empregado, sob o argumento de
24 VON LISZT, Franz. Tratado de Direito Penal que dele não se poderia exigir outra
Allemão. V. 1. Trad. José Hygino Duarte conduta, i.e., não se poderia exigir que
Pereira. 1ª ed., Rio de Janeiro: F. Briguiet &
Cia, 1899, p. 232 perdesse seu emprego.

25 HUNGRIA, Nelson. A legítima defesa putativa. 26 NORONHA, Magalhães. Do Crime Culposo.


Rio de Janeiro: Jacintho Editora, 1936, p. 114. São Paulo: Saraiva. 2ª ed., 1966, pp. 112/113.

47
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
Essa tese também foi utilizada na É certo que a exigibilidade de
fundamentação do caso dos mineiros, poder-agir de modo diverso está
ou Caso Klapperstorch, primeiro jungida à ideia de reprovabilidade ou
emprego dessa tese em casos dolosos. censurabilidade. Mas se ressalte que
Um grupo de mineiros havia também dependerá do que a
combinado que ao nascer o filho de sociedade da época do cometimento
um deles, este não iria trabalhar, mas do fato aceita como conduta
colheria o salário do dia. Desse modo, irreprochável.
impuseram à obstetra da região, sob Rossi já no início do século XIX
pena de não requisitarem seus argumentava que seria justificável uma
serviços, para que se alguma criança ação, na aparência criminosa, mas de
nascesse em dia de domingo, esta uma moralidade intrínseca.
deveria declarar ter nascido em dia Exemplificava o renomado autor com o
útil, o que a obrigou a declarar vários de um marido que mata a mulher em
registros falsos. Também os flagrante adultério, onde se excluiria
magistrados negaram a culpabilidade à toda a imputabilidade penal, sendo
obstetra com a fundamentação de que escusável a conduta.29
dela não se poderia impor outra
Conde cita dois tipos de
conduta, pois perderia seu único meio
exigibilidade: uma objetiva e outra
de sustento.
subjetiva. A primeira se refere às
Há outro caso relatado por condutas que a lei exige a todos de
Freudenthal, citado por Bruno, de uma forma igual e genérica, onde para o
jovem siciliana obrigada a vir morar autor, é o limite do que a lei possa
em Nova York pelo tio, de quem se impor para o cumprimento de seus
tornou amante com a ciência da tia, mandados. Assim, prossegue o autor,
após ser abandonada pelo marido ao existe em parelha a essa exigibilidade,
saber do relacionamento ilícito, outra subjetiva ou individual, o qual se
acabou por matar o tio e a tia. O refere às situações extremas onde
tribunal opinou pela mesma tese e
Freudenthal justifica que em virtude não se pode exigir ao autor concreto de um
fato típico e antijurídico que se
das ideias dominates no meio em que
abstenha de cometêlo, porque
fora educada a jovem, não se poderia isso comportaria um excessivo
exigir outra conduta.27 Certo que se sacrifício para ele.30
possa utilizar-se desse elemento para
Esta última seria a inexigibilidade
excluir a culpabilidade em casos
supralegal de exclusão da
dolosos, mas há que se ter cautela ao
culpabilidade, pois não está
lançarse mão dessa fundamentação.
explicitamente prevista em lei.
Pois no dolo há uma ação voltada para
a infração da lei, deliberada, onde se De modo diametralmente oposto
poderia exigir outra conduta. se posiciona Jescheck para quem a
Diferentemente da culpa, onde apenas inexigibilidade como causa supralegal
o resultado é provável, o que faz com deve ser alijada do pensamento
que não se exija outra conduta.28 jurídicopenal, pois
ainda nas situações
27 BRUNO, op. cit., p. 105 difíceis da vida, a comunidade
deve poder reclamar a
28 Nas palavras de Noronha na culpa tem-se um
resultado reprovável, porém, possível apenas, 29 ROSSI, Pellegrino. Traité de Droit Penal. t. II,
ao passo que no dolo o evento é certo, o que Paris: Librairie de Guillaumin et Cie, 1.872. p.
faz, portanto, que mais facilmente lá não se 7.
exija outra conduta. In: Do Crime Culposo. São
Paulo: Saraiva, 1966, p. 113 30 CONDE, op. cit. p. 149.

48
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
obediência ao Direito ainda que os exemplos acima expendidos. Veja-
isso possa exigir do afetado um se:
importante sacrifício.31
Apelação criminal.
Roxin não aceita a ideia de poder Cárcere privado. Manutenção de
agir diversamente ou do pressuposto paciente em nosocômio como
garantia de quitação dos débitos
do livre-arbítrio como fundamentos
hospitalares. Obediência
empíricos da culpabilidade, pois serem hierárquica. Ordem que para o
de difíceis constatações. Para ele, a réu não se apresentava
base da culpabilidade consiste em o manifestamente ilegal.
Inexigibilidade de conduta
autor ter “idoneidade para ser
diversa do executor do ato.
destinatário de normas”, ou seja, a Princípio geral do Direito Penal.
possibilidade de ser destinário de Causa de exclusão da
alguma mensagem, no caso, a própria culpabilidade. Recurso
lei. Rechaça, assim, o conceito de desprovido. (....) IV. É certo
também que um dos elementos
exigibilidade de outra conduta e da da obediência hierárquica é uma
vontade livre, onde para ele são relação de subordinação entre o
cientificamente inverificáveis, mandante e o executor, em
substituindo-os por essa idoneidade a direito público, circunstância que
não ficou sobejamente
que ele crer ser de mais fácil
demonstrada nos autos.
constatação.32 Contudo, mesmo que se admita
Creio estar com a razão o que a relação existente entre o
réu e o seu superior seja apenas
supracitado autor, posto que a noção a empregatícia regulada pelo
de previsibilidade de um resultado, direito privado, diante da ordem
bem como o agir conforme ao Direito, recebida, não se poderia exigir
deve ser analisado em relação a cada outra conduta do acusado,
situação que também é causa de
agente individualmente, não
exclusão da culpabilidade
merecendo prosperar a ideia do homo quando se aceita a
medius, ou homem ideal, observando- inexigibilidade de conduta
se cada indivíduo como microcosmo diversa como princípio geral do
Direito Penal e independente das
que é.
excludentes da coação moral
Assim, a inexigibilidade está irresistível e da obediência
jungida à ideia de reprovabilidade. O hierárquica, a fim de evitar a
punição dezarrazoada e
estado de necessidade exculpante é
injustificada do executor da
um exemplo previsto por lei. Quando ordem. V. No caso em análise,
se está diante de um caso onde não se além da ordem não ter sido
enquadre em nenhuma das causas de manifestamente ilegal, não se
pode negar que o réu atuou em
excludente jurídica erigida pelo
situação de inexigibilidade de
ordenamento pátrio, mas ao se conduta diversa, diante do temor
realizar um juízo de reprovação não se de perder o emprego, no caso de
poder exigir do agente fixar-se aos não cumprir com a ordem
termos da lei, se estará diante da recebida. (Brasil – TJPR –
Apelação Crime – ACR 5818591
inexigibilidade supralegal, figurandose PR 0581859-1 – rel. Des. Macedo
Pacheco Julgamento: 1º/10/2009
Órgão Julgador: 1ª Câmara
31 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Criminal Publicação: DJ: 249,
Penal. Parte General., 4ª ed., Granada:
16/10/2009.)
Editorial Comares, 1993, p. 457

32 ROXIN, Claus. A Culpabilidade e sua Exclusão A jurisprudência começava a


no Direito Penal In: Estudos de Direito Penal. aceitar a inexigibilidade de conduta
Trad. Luís Greco. 2ª ed., São Paulo: Renovar,
2008, pp. 144/149. diversa quando supralegal na

49
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
formulação de quesito no júri. Havia versões da defesa, manifestada
em plenário, que tem respaldo
certa resistência em se valer dessa
em fatos e circunstâncias
tese com o fundamento de que o descritos. Consoante respeitáveis
antigo art. 484, III, do Código de doutrina e jurisprudência,
Processo Penal permitia tão só a admite-se a inexigibilidade de
formulação de quesitos se o réu conduta diversa como causa
supralegal de exclusão da
apresentasse no júri um fato ou culpabilidade, não se limitando
circunstância prevista por lei como sua aplicação às hipóteses legais.
excludente do crime. Exemplo é o Assim, é possível sua quesitação,
seguinte voto: desde que desmembrada em
fatos e circunstâncias. (Brasil –
Júri – Quesitos – Vício do TJMG: 100240262019540011
questionário – Ocorrência – MG 1.0024.02.6201954/001(1),
Inexigibilidade de conduta rel. Des. Armando Freire,
diversa – Quesito não autorizado julgamento: 11/04/2006,
por lei – Inexigibilidade que só publicação: 28/04/2006.)33
exclui a culpabilidade quando se
Penal e Processual Penal.
identifica com a coação
Homicídio duplamente
irresistível ou com a obediência
qualificado por motivo torpe e
hierárquica, sendo que essas
mediante recurso que
dirimentes é que devem ser
impossibilitou a defesa da vítima.
questionadas – Nulidade
Júri popular. Absolvição. Recurso
absoluta – Recurso provido
apelatório. Art. 593, inciso III,
(Brasil – TJSP, AC 76.681-3, rel.
alíneas a e d do Código de
Des. Dante Busana – j.
Processo Penal. Preliminar de
06/08/1990 – RJTJSP 129/494).
não conhecimento do recurso
suscitada pelo apelado. Rejeição.
No entanto, pelo princípio da
Apresentação intempestiva das
ampla defesa constituída como razões recursais. Mera
garantia fundamental a todos os irregularidade. Aventada
cidadãos, a jurisprudência se inclinou a nulidade posterior à pronúncia.
Quesitação com fulcro em tese
aceitar essa causa de exclusão do
sem previsão legal.
crime no Tribunal do Júri. Vejase: Inexigibilidade de conduta
diversa. Excludente supralegal de
Apelação criminal.
culpabilidade acolhida pela
Homicídio. Tribunal do Júri.
jurisprudência. Imperiosa
Alegação de decisão
apreciação da tese pelos jurados.
manifestamente contrária à
Observância ao art. 484, inciso III
prova dos autos. Inocorrência.
do Código de Processo Penal.
Inexigibilidade de conduta
Precedentes. Decisão contrária à
diversa. Causa supralegal de
prova dos autos. Procedência.
exculpação. Admissão frente às
Versão que diverge do contexto
provas. Soberania da decisão
probatório. Recurso conhecido e
popular.
provido. (Brasil – TJRN –
Em atenção à soberania Apelação Criminal: APR 10593 RN
dos veredictos, prevista 2009.010593-6, parte: Apelante:
constitucionalmente, atento à Ministério Público, parte:
orientação da Súmula 28, Apelado: Francisco Alex Bandeira
aprovada pelo Grupo de Câmaras Alves, rel. Des. Caio Alencar,
Criminais do TJMG, a julgamento: 18/12/2009, órgão
determinação de novo júri julgador: Câmara Criminal)34
somente é cabível se restar
demonstrado que a decisão do
Conselho de Sentença é
manifestamente dissociada do 33 Disponível em:
contexto probatório, o que não <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/
ocorre quando os jurados optam, 588 4955/100240262019540011-mg-
em sua maioria, por uma das 1002402620195-4-001-1-tjmg>. Acesso: 28
maio 2010.

50
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
Em 2008, a Lei 11.689, que Ao passar-se ao potencial
modificou o processo do júri, revogou conhecimento do ilícito, perpassou-se
o retro mencionado artigo, incluindose pela teoria do erro.
em seu art. 483, III, uma redação mais Finalmente chegou-se à
ampla a qual incluiria toda forma de exigibilidade de conduta
excludente de crime ao incluir como diversa e adentrou-se na controvérsia
quesito para indagação aos jurados se
do excesso exculpante na legítima
o acusado deve ser absolvido. Como a
defesa, do estado de necessidade
inexigibilidade de outra conduta é
exculpante e na inexigibilidade
forma de exclusão de culpabilidade,
supralegal. Nesta, apesar da
primeiro o jurado tem que constatar a
jurisprudência ter resistido a aceitá-la
materialidade do fato e se o acusado é
autor deste. Onde respondendo por causa de uma interpretação
afirmativamente, mas convicto de que restritiva do antigo art. 484, III, do
não se podia exigir outra conduta do Código de Processo Penal, viu-se que
agente, responderá o jurado ex vi do urgia abarcar esse elemento no júri
art. 483, § 2º, se o absolve. Desse por previsão constitucional e assim a
modo, a reforma do procedimento do jurisprudência paulatinamente aceitou
júri trouxe essa tese para dentro do essa tese e mais tarde o retro
ordenamento jurídico-penal, máxime menciado artigo foi modificado
no Tribunal do Júri. permitindo-se a adoação desse
elemento como quesito no Tribunal do

Conclusão Júri. Referências


De tudo quanto se depreende da
bibliográficas
fundamentação exposta acima, infere-
se a imensa discussão travada no seio BACIGALUPO, Enrique. Lineamientos
doutrinário quanto à culpabilidade. de la Teoría del Delito. 3ª ed. Buenos
Muitos doutrinadores veem-na como Aires: Hammurabi,1994.
um elemento da estrutura do crime, BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria
há outros que creem ser tão só um seu Geral do Delito. Coimbra: Almedina.
pressuposto e ainda há aqueles que, 2007.
atestando sua carência de
fundamentação, alegam sê-la um _____________. Manual de Direito
limite da pena. Penal – Parte Geral. 5ª ed., São Paulo:
Adotando-se a teoria normativa RT, 2000.
pura, constatase que a culpabilidade
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Parte
assenta-se em um tripé, quais sejam a
Geral. Tomos I e II. Rio de Janeiro:
imputabilidade, a possibilidade de
Forense, 1967.
conhecimento do ilícito e a
exigibilidade de conduta diversa. CARRARA, Francesco. Programa de
Viu-se que a imputabilidade tem Direito Criminal. São Paulo: Saraiva, v.
como causas de exclusão a doença 1, 1956.
mental, o desenvolvimento mental
COELHO, Walter. Teoria Geral do
incompleto e retardado e a
Crime. 2ª ed., Porto Alegre: Sérgio
embriaguez fortuita.
Antônio Fabris, 1998.
34 Disponível em: CONDE, Muñoz Francisco. Teoría
<http://www2.tjrn.jus.br/cposg/index. jsp?
tpClasse=J>. Acesso: 4 jun 2010. General del Delito.

51
Artigos Doutrinários – Diego Carmo de Sousa
Valência: Tirant Lo Blanch, 1991. ___________. Estudos de Direito
FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal. Trad. Luís Greco, 2ª ed., São
Penal. Nova Parte Geral. Rio de Paulo: Renovar, 2008.
Janeiro: Forense, 1985.
SOLER, Sebástian. Derecho Penal
GRECO, Rogério. Curso de Direito Argentino. Buenos Aires: Tea, vv. 1 e 2,
Penal. Parte Geral. 10ª ed., Niterói: 1992.
Impetus, p. 421, 2008.
VON LISZT, Franz. Tratado de Direito
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Penal Allemão. Trad. José Hygino
Código Penal. t.2, Rio de Janeiro: Duarte Pereira. 1ª ed., Rio de Janeiro:
Forense, v. 1, 1958. F. Briguiet & Cia, v. 1, 1899.

_______________. A legítima defesa WELZEL, Hans. Direito Penal. Tradução


putativa. Rio de Janeiro: Jacintho de Afonso Celso Rezende. São Paulo:
Editora, 1936. Romana, 2004.

JESUS, Damásio E. Direito Penal – ZAFFARONI, Eugênio Raul.;


Parte Geral. 29ª ed., São Paulo: PIERANGELI, José Henrique. Manual
Saraiva, 2008. de Direito Penal Brasileiro. 7ª ed., São
Paulo: RT, v. 1, 2008.
JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de
Derecho Penal. Parte General. 4ª ed.,
Granada: Editorial Comares, 1993.

MARON, Sônia Carvalho de Almeida. A


legítima defesa no Tribunal do Júri. Rio
de Janeiro: GZ Editora, 2009.

MAURACH, Reinhart. Tratado de


Derecho Penal.
Barcelona: Riel, v. 1, 1962.

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI,


Renato N. Manual de Direito Penal.
24ª ed., São Paulo: Atlas, v. 1, 2008.

NORONHA, Magalhães Edgar. Direito


Penal. São Paulo:
Saraiva, v. 1, 1995.
___________. Do crime culposo. 2ª
ed., São Paulo: Saraiva, 1966.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito


Penal. São Paulo: RT, v. 1, 2008.

ROSSI, Pellegrino. Traité de Droit


Penal. Tomo II, Paris: Librairie de
Guillaumin et Cie, 1872.

ROXIN, Claus. Culpabilidad y


Prevención en Derecho Penal. Trad.
Muñoz Conde, Madri: Reos, S.A., 1981.

52

Você também pode gostar