257-Texto Do Artigo-1203-1-10-20200111
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1 Prelúdio à uma discussão
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langue e parole e a seleção do objeto langue para compor a nova ciência com todo
rigor teórico – a Linguística –, colocava à margem as instabilidades do sentido, o
sujeito e a história1.
Dessa maneira, já em fins dos anos 60, a Linguística foi marcada por uma
intensa crise epistemológica em um contexto sócio-histórico também intenso. Com a
delimitação do objeto e, principalmente, pelas leituras que foram feitas de Saussure,
impediu qualquer possibilidade de se trabalhar a língua para além do nível da frase,
do enunciado, das estruturas linguísticas. As problemáticas históricas que eram
colocadas continuamente às ciências incitavam-nas a se movimentar para uma
crítica à sociedade. Tornou-se necessária a revisitação do corte feito e os
consequentes elementos deixados em suspenso naquele momento: a História, o
Sujeito e o Discurso.
Com o intuito de se distanciar das evidências empíricas, presas na
interioridade textual, o teórico-militante Michel Pêcheux elenca como elemento de
suas preocupações o discurso, sempre construído a partir de hipóteses histórico-
sociais, determinado e apreendido nas relações entre os sujeitos com a história. Tal
é o princípio de construção do corpus discursivo: a condição de produção (histórica,
social, econômica etc.) do discurso. Nesse sentido, segundo Maldidier (2011, p. 21):
“[...] um tal objeto discurso representava, no campo da linguística, um verdadeiro
deslocamento”. Com isso, inaugura-se um novo campo do saber em que é proposto
como objeto o próprio discurso, “cuja espessura opera a articulação entre o
linguístico e o histórico” (GREGOLIN, 2003b), tonando como base do edifício teórico
e metodológico da Análise do Discurso. Assim:
1 Nota-se que há uma diferenciação entre a suposta e sacralizada ideia de exclusão saussuriana e
suspensão. Acredita-se que Saussure não exilou efetivamente o sujeito e a história da Linguística,
porque há uma certa noção de “indivíduo”, social, ou coletivo, e história, ou tempo. O que o genebrino
operou foi uma escolha metodológica para a realização do trabalho de fundar uma ciência, uma
estratégia metodológica.
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b) Linguística, como uma teoria necessária à compreensão dos mecanismos
sintáticos e semânticos dos processos de enunciação dos sujeitos e observação de
como a materialidade linguística, atrelada ao materialismo histórico, podem produzir
determinados efeitos de sentidos apreendidos socialmente;
c) Teoria do discurso, como uma teoria das determinações históricas que
fornecem ao sujeito condições para produção de enunciações possíveis e efeitos de
sentidos atualizados à sua prática e recuperáveis na história. Esta oferece um
suporte para a descrição e interpretação desses efeitos de sentido. Esses três campos
(materialismo histórico, linguística e discurso) ainda seriam atravessados por uma
teoria sobre o sujeito;
d) Teoria do sujeito, baseada nas releituras feitas por Jacques Lacan da
psicanálise desenvolvida a partir das teses de Sigmund Freud. Assim, a Análise do
Discurso dos anos 1960, centrada principalmente nas figuras de Saussure, Marx e
Freud, evidencia a íntima relação entre o linguístico e o histórico.
Em época de revisitações, revisões e reformulações teóricas, Pêcheux centrou
seus estudos em quatro autores fundamentais que serviriam posteriormente para a
consolidação do alicerce transdisciplinar da Análise do Discurso: Louis Althusser,
com suas leituras das teses marxistas; Mikhail Bakhtin, com sua teoria sobre o
caráter dialógico da linguagem e da heterogeneidade do discurso; Jacques Lacan,
com suas leituras das teses freudianas em torno do inconsciente, em que explicita
que este possui como base a linguagem; e, por fim, Michel Foucault, com suas
reflexões sobre o funcionamento do discurso e do sujeito como produções históricas,
sociais, políticas. Em suma:
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mais sistemático, aplicáveis a muitas áreas do saber (como na Linguística, Biologia,
Antropologia, Etnologia, Literatura etc.), um olhar com todo seu rigor científico para
as ciências humanas. Tal fato tornaria cabível pensar em uma sociedade de maneira
estrutural, cujos elementos constituintes podem ser aplicados e generalizados.
Instala-se uma economia científica, que ultrapassa o indivíduo, “[...] o estruturalismo
não leva em conta a liberdade ou iniciativa individual [...]” (FOUCAULT, 2000, p. 285)
e abrange o máximo de objetos possíveis. Entretanto, entre a maioria de seus
adversários, em comum acordo, reconheciam que “[...] o estruturalismo tinha
desconhecido a própria dimensão da história e ele seria de fato anti-histórico”
(FOUCAULT, 2000, p. 284). Isto marcou o declínio do império estruturalista em uma
época que se precisava sair das estruturas – afinal, “as estruturas não saem às
ruas”3.
A declividade estrutural causada pelas determinações históricas e políticas
permitiram novas configurações do olhar para este objeto um tanto complexo – muito
mais do que se pensava até então. Tornar viva a totalidade do passado, visto como
episódios sequenciais e consequenciais das sucessividades teleológicas coerentes
foram deixadas de lado. Nesse sentido, “[...] uma análise é estrutural quando ela
estuda um sistema transformável e as condições nas quais suas transformações se
realizam” (FOUCAULT, 2000, p. 290). Assim, não mais cabia pensá-la como um
sistema fechado das estabilidades. A história não mais é vista sob a égide do tempo
e do passado, mas da mudança e do acontecimento. Uma história serial.
Em uma pesquisa histórica que se propõe serial, os acontecimentos e os
conjuntos de acontecimentos históricos constituem o tema e o objeto central de
análise. Dessa maneira, o delineamento do corpus não seria uma categoria prévia ao
trabalho do analista histórico, marcada por divisões em períodos, épocas, formas de
cultura etc., mas teria como pressuposto teórico a noção de que a história é
construída de ditos, não- ditos e meio-ditos (ou parcialidades, em um jogo de
aparências e invisibilidades), pelas opacidades documentais, por acontecimentos e
dispersões destes acontecimentos naquilo que se pode chamar história.
O trabalho deste analista do discurso que possui como ponto de encontro o
discurso e história, é encontrar um certo número de relações desta concepção de
nova história. Por esse ângulo:
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Dessa maneira, os estudos de Courtine caminham na direção em que se dedica
à análise das materialidades discursivas que estão para além daquelas que se
baseiam estritamente nas materialidades linguísticas escritas, como encarado por
Pêcheux. Ele se ocupará, sobretudo, das línguas de vento pelos suportes midiáticos,
pelos discursos ordinários, prosaicos, cotidianos. Com transformações tecnológicas
e sociais que se fez presente principalmente a partir dos anos 80, notadamente as
mudanças nas técnicas audiovisuais de comunicação, as línguas de madeira
(herméticas e duras) do direito e da política foram associadas às línguas de vento
(flexíveis e fluidas) das mídias. Tal associação metamorfoseia a fala pública e,
consequentemente, o homos politicus.
Inserido a partir de agora na fluidez da modernidade e do descentramento da
pós-modernidade, sua fala, seu corpo, seus gestos tornam-se um recurso para
produção e veiculação de efeitos de sentido. A fala não é mais aquilo que é produzido
pelo aparelho fonador, mas seu corpo, seus gestos, suas roupas e todos os elementos
semiológicos. Assim, a Análise do discurso precisa se reorientar e incorporar:
a) Uma pragmática do discurso: que possibilite analisar a recepção e a
circulação;
b) Uma semiologia histórica: análise de materialidades sincréticas em sua
espessura histórica.
Pensar em uma Semiologia Histórica em diálogo com o campo que compreende
a Análise do Discurso de linha francesa, mais especificamente a que se elabora a
partir das reflexões de Michel Foucault, é o mesmo que se inserir em um domínio
teórico conflituoso e profícuo. Levar em consideração as problemáticas que os objetos
contemporâneos impõem a AD hoje é, também, repensar no problema da análise da
linguagem, que se estende a outros domínios que não são contidos pelo fechamento
sistemático, pela elaboração de um instrumento de exame do presente, este
analisado por meio de suas materialidades concretas. O ponto de partida é as
problematizações que se referem às positividades imagéticas capturadas a partir das
lentes dos estudos da linguagem. Pela consideração de que as imagens possuem uma
natureza antropológica e histórica, elas estabelecem relações dentro de uma trama
de associações, que atualizam redes de memórias construídas socialmente e
historicamente. Neste sentido, Gregolin (2008, p. 21) sintetiza:
A semiologia histórica proposta por Courtine nos mostra que, por movimentos
de intericonicidade, as imagens travam um embate com a memória, fazem
deslizar a tradição e instalam outros sentidos: nessa tensão dialética entre o
dado e o novo as significações fulguram como um lampejo que só pode ser
apanhado na transitória aparição do acontecimento discursivo.
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4 À guisa de uma conclusão
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Referências
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Carlos: EdUFSCar, 2009.
COURTINE, J-J. Decifrar o corpo. Pensar com Foucault. Petrópolis/RJ: Vozes, 2013.
FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª edição. Rio de janeiro:
Forense Universitária, 2008b.
FOUCAULT, M. Linguística e ciências sociais. In: ________. (org.) Arqueologia das ciências e
história dos sistemas de pensamento: Ditos e Escritos II. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2000a.
GREGOLIN, M.R. J-J Courtine e as metamorfoses da análise do discurso: novos objetos, novos
olhares. In: SARGENTINI, V. et ali. Discurso, Semiologia, História. São Carlos: Claraluz, 2011.
GREGOLIN, M.R. Bakhtin, Pêcheux, Foucault. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: outros conceitos-
chave. São Paulo: Contexto, 2006, p. 33-52
GREGOLIN, M. R. (org.). Discurso e mídia: a cultura do espetáculo. São Carlos: Claraluz, 2003a.
GREGOLIN, M.R. Análise do discurso: lugar de enfrentamentos teóricos. In: FERNANDES, C.;
SANTOS,J.B. (org.). Teorias linguísticas: problemáticas contemporâneas. Uberlândia: UFU,
2003b.
PÊCHEUX, Michel (1969). Análise Automática do Discurso (AAD-69). In: GADET & HAK (org). Por
uma análise automática do discurso. Campinas: Ed. Unicamp, 1990, p.61- 162.
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Discourse Analysis with Michel
Foucault: reflect the Historical
Semiology inside of discursive studies
Received in: 11/09 Keywords: French Discourse Analysis; Historical Semiology, Michel Foucault,
Michel Pêcheux, Jean Jacques Courtine.
Approved in: 13/10
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