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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

RODRIGO SAAD CORRÊA

CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA: ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PENAL E


DE SUA APLICAÇÃO PRÁTICA

NITERÓI
2013
RODRIGO SAAD CORRÊA

CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA: ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PENAL E


DE SUA APLICAÇÃO PRÁTICA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação


em Direito da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. RODRIGO DE SOUZA COSTA

NITERÓI
2013
RODRIGO SAAD CORRÊA

CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E ATIVA: ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO PENAL E


DE SUA APLICAÇÃO PRÁTICA

Monografia apresentada ao Curso de Graduação


em Direito da Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Aprovada em março de 2013.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. RODRIGO DE SOUZA COSTA – Orientador


UFF

Prof.
UFF

Prof.
UFF

NITERÓI
2013
AGRADECIMENTOS

À Dayane, meu amor, por ter confiado em mim,


por ter me ensinado a confiar em mim mesmo e
me mostrado o caminho a seguir,

À minha família pelo apoio incondicional,

Ao prof. Rodrigo, meu orientador, pela atenção e


paciência no curso deste trabalho.
RESUMO

A corrupção pública apresenta-se como uma das mais graves ameaças ao


estado democrático de direito. Se corrompidas, as decisões tomadas pelos
administradores carecem de legitimidade, pois deixam de objetivar o interesse
público. O combate a tais práticas deve necessariamente envolver a educação e
conscientização social, tendo o presente trabalho o objetivo de analisar os crimes de
corrupção passiva e ativa com o fito de ajudar a melhor compreender o fenômeno
como um todo. Partindo do entendimento que a corrupção pública engloba os delitos
funcionais, faz-se uma breve análise destes, para na sequência adentrar no estudo dos
crimes de corrupção passiva e corrupção ativa em espécie. Conquanto estes delitos
não sejam as únicas formas possíveis de corrupção, a análise de suas peculiaridades
revela importantes dados que podem auxiliar em seu controle. Para tanto, além do
estudo dos tipos penais dos artigos 317 e 333 do Código Penal, ocasião em que se
buscará entender a mens legis quando da sua confecção e serão apresentadas decisões
judiciais que expõem o posicionamento dos tribunais pátrios em relação ao tema.

Palavras-chave: Corrupção. Corrupção Ativa. Corrupção Passiva. Delitos Funcionais.


Concussão. Jurisprudência.
ABSTRACT

The public corruption poses as one of the most serious threats to the
democratic law-based-state. If corrupted, the decisions made by the public
administrators will lack legitimacy, for they won’t objectify the public interest. To
combat such practices, the efforts should necessarily be targeted at education and
public awareness. Thus, the objective of the present paper is to analyze the crimes of
bribery, from both the receiving and the offering ends, so that the corruption
phenomenon as a whole can be better understood. Beginning by a brief analysis of
the official misconduct crimes, which are a part of the public corruption, the study is
then directed specifically to the bribery crimes. Despite those not being the only
possible forms of corruption, their analysis will reveal a great deal of information
about that, which can be helpful in its control. As such, besides studying the articles
317 and 333 of the Brazilian criminal law, it shall be exposed both the will of the law
makers and the judicial precedents about the theme.

Keywords: Corruption. Bribery offenses. Malfeasance in office. Judicial precedents.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................... 8

1 ACERCA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO...................................... 10


1.1 Histórico da Corrupção no Brasil.............................................................. 13
1.2 Da Corrupção e dos Crimes Funcionais.................................................... 17
1.3 Da Corrupção Passiva e da Corrupção Ativa............................................ 21

2 CORRUPÇÃO PASSIVA....................................................................... 28
2.1 Conceito e objetividade jurídica............................................................... 29
2.1.1 Elementos do tipo...................................................................................... 29
2.1.1. Elementos subjetivos do tipo.................................................................... 29
1
2.1.1. Elementos objetivos do tipo...................................................................... 30
2
2.1.2 Distinção entre Corrupção passiva na modalidade “solicitar” e
Concussão.................................................................................................. 33
2.2 Bem juridicamente protegido.................................................................... 34
2.3 Sujeito Ativo............................................................................................. 34
2.3.1 Corrupção de Juízes.................................................................................. 37
2.4 Sujeito Passivo.......................................................................................... 38
2.5 Consumação e Tentativa........................................................................... 39
2.6 Causas de aumento de pena....................................................................... 40
2.7 Modalidade Privilegiada........................................................................... 42
2.8 Penas e Ação Penal................................................................................... 43

3 CORRUPÇÃO ATIVA........................................................................... 45
3.1 Conceito e objetividade jurídica................................................................ 46
3.1.1 Elementos do tipo...................................................................................... 46
3.1.1. Elementos subjetivos do tipo..................................................................... 46
1 Elementos objetivos do tipo...................................................................... 47
3.1.1.
2
3.1.2 Da atipicidade da entrega de vantagem indevida solicitada pelo
funcionário.................................................................................................. 50
3.2 Bem juridicamente protegido.................................................................... 52
3.3 Sujeito Ativo.............................................................................................. 52
3.5 Sujeito Passivo.......................................................................................... 53
3.5 Consumação e Tentativa........................................................................... 53
3.6 Causa de aumento de pena......................................................................... 54
3.7 Penas e Ação Penal..................................................................................... 55

4 CONCLUSÃO......................................................................................... 56

5 BIBLIOGRAFIA..................................................................................... 58
8

INTRODUÇÃO:

Dos crimes previstos no ordenamento jurídico pátrio, pode-se afirmar, sem exagero,
que aqueles de corrupção são alguns dos mais famosos. Não obstante outros crimes que
afetam bens jurídicos diversos, como a vida ou o patrimônio, possam causar maior repúdio,
constata-se com facilidade que na sociedade brasileira, através de um lento processo de
desgaste político, criou-se uma espécie de conceito popular, o qual associa a ideia de “crime”
quase que instantaneamente com a de “corrupção”.
Tal ligação é justificada por décadas de má gestão da coisa pública por maus
representantes do povo, aliada, dentre outros fatores, à liberdade de imprensa a qual por
diversas vezes traz à luz intricados esquemas de corrupção, revelando escândalos
governamentais, os quais se observaram com maior frequência na última década. Assim
sendo, é certo afirmar que qualquer cidadão médio, ainda que desconheça os tipos penais em
si, é capaz de conhecer a existência de crimes de “corrupção”, mesmo que não compreenda
plenamente as práticas que caracterizam tais crimes.
O fato é que, em uma sociedade historicamente marcada pelo descaso de seus
governantes para com o interesse público, a corrupção merece ser discutida e melhor
compreendida, até para evitar uma completa alienação política do povo, desgostoso com as
práticas de seus mandatários. E deve ser demonstrado que se trata de um mal entranhado nas
diversas camadas do poder, não apenas nas funções hierarquicamente superiores, com maiores
poderes de decisão, como também em diversos outras funções públicas, nos mais diversos
níveis e graus de hierarquia, através de pessoas que deixam de atender os interesses coletivos
e difusos para obterem vantagens pessoais indevidas.
Ainda neste sentido, há também de se demonstrar que na maioria dos casos o agente
público não age por si só. No mais das vezes, não se deve falar apenas do corrompido, como
também do corruptor. Possivelmente, o mesmo particular que facilmente se indigna com os
casos de corrupção exibidos nos noticiários pode praticar a corrupção ativa buscando obter
9

uma vantagem pessoal que o diferencie dos demais administrados, acabando por favorecer um
ciclo vicioso de imoralidade na Administração Pública.
Com base nisto, o presente projeto acadêmico visa estudar as relações de
favorecimento através da influência ilegal e criminosa de terceiros, particulares, nas decisões
e no exercício das funções dos funcionários públicos, bem como as condutas criminosas
destes últimos em receber, solicitar ou aceitar promessa de vantagens indevidas, atitudes que
consubstanciam os conhecidos crimes de corrupção passiva e ativa, previstos nos artigos 317
e 333 do Código Penal. A exposição se dará tanto de uma análise da conduta do particular,
cometendo a corrupção ativa, quanto do funcionário público, praticante da corrupção passiva.
10

1. ACERCA DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO:

Preliminarmente, essencial explicar a predileção do presente projeto acadêmico em


focar suas atenções nos crimes de Corrupção Ativa e Corrupção Passiva. É necessário expor o
porquê disto, pois, a despeito de possuírem tal nomenclatura, certamente não se tratam das
únicas formas de corrupção possíveis nas relações sociais, tampouco são as únicas tipificadas
como crimes em nosso ordenamento jurídico.
Apesar de trazerem em seu nome o verbete “corrupção”, este é empregado em um
sentido restrito, em referência à corrupção de funcionários públicos. Todavia, o conceito de
“corrupção” em si é amplíssimo e não se refere apenas às práticas ímprobas envolvendo a
Administração Pública. O dicionário Michaelis traz a seguinte definição para a palavra:

corrupção
cor.rup.ção
sf (lat corruptione) 1 Ação ou efeito de corromper; decomposição,
putrefação. 2 Depravação, desmoralização, devassidão. 3 Sedução. 4
Suborno. Var: corrução.

Doravante, extrai-se que a corrupção, em sentido lato, traz uma ideia de


apodrecimento, degradação, a qual pode incidir sobre qualquer bem da vida. Em tal acepção,
a corrupção pode se manifestar tanto como um mal natural e inevitável quanto como uma
situação causada pelo homem. Para Carlos Eduardo Adriano Japiassú (2007, p. 36):

A palavra corrupção deriva do latim corruptus que, numa primeira acepção,


tem como significado "quebrado em peças", mas pode também significar
apodrecido ou pútrido.
Pode-se dizer, pois, que se trata de expressão polissêmica, já que engloba
significados diversos, tanto de natureza pública como privada. Junto a
comportamentos de cunho sexual se somam outros, de caráter ético,
comercial ou funcional. Assim, corrupção não é um conceito jurídico em si,
mas um objeto que varia de acordo com o enfoque que lhe é dado pelo
observador que sobre ela se detém.
11

Ante o exposto, afere-se a amplitude de sentidos que a corrupção pode assumir,


tratando-se da degradação de conceitos e bens diversos, como a sexualidade, a moralidade
pública, bens de consumo ou relações comerciais, por exemplo.
A norma penal inclusive utiliza o vocábulo para tipificar algumas destas variadas
formas de corrupção, como na corrupção de menores, crime sexual contra vulnerável, previsto
no art. 218 do Código Penal, ou na Corrupção ou poluição de água potável; ou Falsificação,
corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios; e ainda
Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais, crimes contra a saúde pública, previstos respectivamente nos arts. 271, 272 e 273
do mesmo diploma legal. Na legislação penal extravagante o termo também está previsto, no
caso da corrupção de menores para o cometimento de crimes, no art. 244-B, da Lei nº
8.069/1990.

Todavia, a despeito do uso do termo para agrupar de forma generosa um conjunto de


práticas heterogêneas e com alcances diversos, a noção diretriz de corrupção no presente
trabalho diz respeito, fundamentalmente, aos crimes contra a Administração Pública,
centrados nos crimes que envolvem funcionários públicos.

Neste sentido, em uma situação um pouco mais próxima, apesar de ainda assim
distinta dos delitos que pretendemos estudar, temos a Corrupção ativa em transação comercial
internacional, crime praticado por particular contra a Administração Pública estrangeira,
previsto no art. 337-B, do Código Penal, inovação da Lei nº 10.467/02, a qual introduziu o
capítulo II-A no Título XI do Código, acrescentando novas modalidades de Crimes contra a
Administração Pública. O delito em questão conta com a seguinte redação:

Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem


indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à
transação comercial internacional: [...]

Consoante se verá, tal crime possui diversas semelhanças com o de corrupção


ativa, previsto no art. 333 do mesmo diploma legal, pois pode envolver o ato de
prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a funcionário público. No entanto,
também possui diferenças substanciais, devendo ser aplicado em situação distinta,
quiçá excepcional, pois pode envolver o suborno tanto de funcionário público
12

estrangeiro quanto de uma terceira pessoa que não esteja investida na função pública,
além de atingir objeto jurídico diverso, qual seja, a lisura e a transparência das
relações comerciais internacionais. Ademais, atinge sujeito passivo diverso, qual seja,
a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, nacional ou estrangeira,
envolvida na transação comercial internacional e que resta prejudicada, bem como a
administração pública estrangeira, de forma indireta.

Assim, conforme já exposto, o termo “corrupção” em um sentido um pouco mais


restrito deve ser entendido como corrupção pública, em que há uma estrutura caracterizada
como uma relação bilateral entre os sujeitos – um “acordo ilícito”, que demonstra uma
corrupção de cunho moral. Seria uma das faces do ato de improbidade, sendo este um gênero
do qual aquela seria espécie. A despeito da “corrupção” sempre trazer em si a ideia de
degradação de algum bem, que pode ser aparente, como no caso da violação de água potável
ou de gêneros alimentícios, no caso da corrupção pública há uma deterioração invisível do
caráter humano e da moralidade da Administração Pública. Neste diapasão, conforme expõe
Beatriz Corrêa Camargo (2011, p. 96):

[...] a especificidade da corrupção nesses casos é que ela não encerra apenas
a dimensão de uma deterioração externa, como ocorre na lesão de um valor
(por exemplo, a saúde que a água contaminada não pode mais proporcionar).
Antes disso, essa dimensão externa da corrupção depende justamente de uma
dimensão interna sua, qual seja, a “deterioração” do próprio indivíduo
implicado.[...]

Portanto, face ao apresentado, cabe esclarecer que, apesar dos diversos significados
que o vocábulo “corrupção” possui, será empregado neste trabalho acadêmico referindo-se à
corrupção pública, ou seja, a corrupção estatal, a qual, segundo Emerson Garcia (2004, p.
441), “indica o uso ou a omissão, pelo agente público, do poder que a lei lhe outorgou em
busca da obtenção de uma vantagem indevida para si ou para terceiros, relegando a plano
secundário os legítimos fins contemplados na norma”. Adicionalmente, também se empregará
o termo, para designar o comportamento do corruptor, aquele que oferece ou promete a
vantagem ilícita.
Em um contexto contemporâneo, a corrupção pública é, sobretudo, a influência nos
processos de tomada de decisão, em que nível for, seja no início de tais processos decisórios
ou posteriormente, através da atuação de grupos de pressão, como no caso de Lobbystas,
13

quando da execução de políticas de estado, em que tais grupos exigem uma mitigação da
aplicação das normas.
Em um segundo momento, após uma exposição preliminar acerca da corrupção
pública e sua correlação com os crimes funcionais, irá se adentrar no estudo dos crimes de
corrupção passiva e ativa. Daquele em momento em diante, o uso do termo “corrupção”
servirá para se referir a cada tipo penal em estudo.

1.1. HISTÓRICO DA CORRUPÇÃO NO BRASIL

É importante esclarecer que o entendimento daquilo que é ou não corrupção varia


conforme o observador, a localidade e o período histórico. A existência da corrupção é um
fenômeno que se repete em todas as sociedades e em todas as épocas, sendo debatida até
mesmo por Aristóteles, em suas reflexões acerca da ética e da deturpação das formas de
governo. Portanto, em todas as épocas e em todas as sociedades, sempre se conviveu com a
ideia de corrupção. Contudo, na formação do Estado brasileiro, parece ter se implementado
em demasia esse estado de coisas.
A corrupção chega a ser endêmica no país, percebida até como uma questão cultural,
entendida por muitos como um resquício de velhas políticas, nas quais a corrupção agrupava
uma série de práticas, “situadas de forma privilegiada no âmbito político e administrativo,
que, se não eram consideradas como valores positivos, eram vistas como toleráveis ou como
inevitáveis, próprias da única forma possível de governar ou de administrar”, conforme ensina
Flávia Schilling (2001, p. 401). Por este ponto de vista, a corrupção era vista como um
conjunto de ilegalidades toleradas, ou seja, práticas necessárias à governança, em as quais
seria impossível o exercício da administração pública.
No entanto, os movimentos democráticos iniciados no final da década de 1970, que
adentraram as décadas de 1980 e 1990 e refletem nas primeiras décadas do século XXI
trouxeram uma revolução dos valores, conscientizando a população da existência de uma
corrupção difundida em diversos níveis governamentais. A democracia é o reflexo de uma
lenta evolução cultural, exigindo uma contínua maturação da consciência popular, que no
Brasil ainda encontra como obstáculo a herança cultural e histórica da nossa colonização, a
qual foi marcada desde sempre pela improbidade e pelo desvio do poder em benefício próprio
ou de terceiro. Conforme ilustra Renato de Mello Jorge Silveira (2011, p. 408):
14

É interessante a visão da corrupção na evolução do Estado brasileiro. A


origem de como a colônia foi deixada de lado, explorada e proibida de
conviver com o exterior, talvez muito explique o que ocorre hoje no país.
Apenas a título de recordação, consta que, ainda no achamento do Brasil,
Pêro Vaz de Caminha, dando ciência a El-Rei D. Manuel, findava por
solicitar favores a seu genro. Dali em diante se confundem história e
corrupção.

A existência histórica da corrupção se constata facilmente na história nacional pelo


simples exame de sua legislação penal. A título de exemplo, se verifica o tipo penal “peita”,
equivalente à atual corrupção passiva, nas Ordenações Afonsinas (título 31 do livro V),
Manoelinas (título 56 do livro V) e Filipinas (titulo 71 do livro V), incidindo sobre os
funcionários que proferiam julgamentos, sujeitando-os inclusive à morte. Já o Código Penal
do Império (1830), distinguiu a peita do suborno, servindo a primeira para designar a
corrupção mediante dinheiro ou equivalente (art. 130), enquanto o segundo traduzia a
corrupção por influência (art. 133).
O estatuto penal de 1890, em seus artigos 214 e 217 e a Consolidação das Leis Penais
de 1932, conhecida como Consolidação Piragibe, também previa os crimes de peita e de
suborno, o que demonstra de forma cristalina a historicidade da corrupção e da necessidade de
combatê-la, mesmo em períodos nos quais que os governos se caracterizavam por
liberalidades e arbitrariedades, no caso, a República Velha e o início da Era Vargas,
respectivamente.
Posteriormente o Código Penal de 1940, adotou as terminologias “corrupção passiva”
e “corrupção ativa” para distinguir a conduta do funcionário público corrompido e do
particular corruptor. Na mesma esteira seguiu o mal sucedido Código Penal de 1969, ao
prever o primeiro delito em seu art. 357 e o segundo em seu art. 374.
Em 1996, foi promulgada a Convenção Interamericana contra a Corrupção, tanto
doméstica quanto internacional, assinada pelo Brasil em 29/03/1996 e que passou a vigorar no
país somente seis anos após a sua assinatura, a partir do Decreto nº 4.410, de 07/10/2002.
Esse foi o primeiro instrumento internacional assinado pelo Brasil em que as partes se
comprometem a adotar medidas para proibir e punir atos de corrupção envolvendo
funcionários públicos estrangeiros, cometidos por pessoas físicas e por empresas brasileiras
ou domiciliadas no Brasil. Para tanto, já acatando certa flexibilidade no conceito tradicional
de corrupção, adotou, em seu art. 6.º, a definição do que poderiam ser vistos como atos de
corrupção:
15

[...] a. a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um


funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer
objeto de valor pecuniário ou outro benefício como dádivas, favores,
promessas ou vantagens, para si ou mesmo para outra pessoa ou entidade em
troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções
públicas;
b. a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário público ou
pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário
ou de outros benefícios, como dádivas, favores, promessas ou vantagens a
esse funcionário público ou outra pessoa ou entidade em troca da realização
ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;
c. a realização, por parte de um funcionário público ou pessoa que exerça
funções públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de suas funções, a
fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para um terceiro;
d. o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes de qualquer
dos atos a que se refere este artigo; e. a participação, como autor, coautor,
instigador, cúmplice, acobertado, ou mediante qualquer outro modo na
perpetração, na tentativa de perpetração ou na associação ou confabulação
para perpetrar qualquer dos atos a que se refere este artigo.

Na década passada, em 12/11/2003, foi promulgada a Lei nº 10.763, a qual alterou as


penas dos artigos 317 e 333, do Código Penal, aumentando-as, bem como inseriu o § 4º no
art. 33 do mesmo diploma, o qual trouxe uma restrição para a progressão de regime do
condenado por crime contra a administração pública, in verbis:

§ 4º - O condenado por crime contra a administração pública terá a


progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do
dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os
acréscimos legais.

Contudo, a despeito da existência das leis e dos tipos penais aludidos, a corrupção
pública, que também acompanhou a evolução do país, é muito mais ampla, englobando muito
mais práticas. Mesmo existindo desde os tempos remotos da colonização, os sucessivos casos
de corrupção, que vem sido observados com maior intensidade nas últimas décadas, vêm
provocando uma grave crise de legitimidade na governança brasileira. Em tal sentido, Beatriz
Corrêa Camargo (2011, p. 96) preleciona:

“[...] tem recebido bastante ênfase a noção de que o Estado corrupto perderia
sua legitimidade dentro da sociedade ao deixar de ser social e decidir
democraticamente, desrespeitando com isso seu próprio ordenamento
jurídico”.
16

Para entender a aludida crise de legitimidade, deve se enxergar a corrupção


pública como a “influência nos processos de tomada de decisão” dos administradores,
devendo se entender também que há uma íntima relação entre o combate à corrupção e
a justeza dos procedimentos de tomada de decisão. Os processos de tomada de decisão
são formados de procedimentos, que, se respeitados, geram a justiça procedimental.
Com o respeito à justiça procedimental, garante-se um mínimo de legitimidade ao
processo (informação verbal).1 No entanto, ocorrendo a corrupção, haverá uma mácula
que nega a justeza dos procedimentos (deixa-se de seguir o procedimento correto), de
forma que, consequentemente, estará contaminado todo o processo de tomada de
decisão, o qual carecerá de legitimidade.

Assim sendo, a corrupção deve ser entendida como instrumento


antidemocrático por excelência, pois ao serem corrompidos os procedimentos de
tomada de decisão dos administradores, inexiste justiça procedimental, de forma que
as decisões tomadas carecerão de legitimidade, gerando uma grave crise de
representatividade que compromete todo o sistema do Estado Democrático de Direito,
na medida em que nega ao povo, titular único do poder, o exercício deste.

O que se verifica é que uma mudança no tratamento destinado à corrupção é urgente,


sendo necessário punir com maior rigor tais práticas. É preciso uma mudança de mentalidade
direcionada ao combate à corrupção que, a despeito de gradual, deve ser tal que atinja todos
os setores da sociedade lesada, conscientizando-a da existência de tais mazelas e da
necessidade de mudança, pois conforme aponta Sousa Santos (1996, p. 50-51, apud
SCHILLING, 1998, p. 206), "é necessário que o lesado ache que o dano é de algum modo
remediável, reclame contra a pessoa ou entidade responsável pelo dano de que é vítima e
saiba fazê-lo de modo inteligível e credível".
Tal se explica na medida em que o combate à corrupção não decorre da mera produção
normativa, mas, sim, do resultado da participação popular e da aquisição de uma consciência
democrática, o que levará a uma permanente fiscalização do manejo da res pública, reduzindo
a conivência e, pouco a pouco, integrará também a ideologia daqueles que ascendem ao poder
e daqueles que o pretendem fazer, fazendo com que a corrupção possa ser atenuada, pois é
impossível eliminá-la.

1
Comunicação feita pelo Prof. Marco Antônio Ferreira Macedo em 6-12-2012 em seminário sobre controle
social e combate à corrupção na Faculdade de Direito da UFF, Niterói, RJ.
17

Exemplos recentes de mobilização popular são a Lei nº 9.840, a qual transformou a


compra de votos em crime, bem como a Lei Complementar nº 135/2010, a Lei da Ficha
Limpa, a qual torna inelegível por oito anos o candidato que tiver o mandato cassado,
renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que
ainda exista a possibilidade de recursos, sendo tais leis originadas por projetos de lei de
iniciativa popular.
O combate à corrupção passa necessariamente pela iniciativa popular, a qual se
manifesta de várias formas no seio da sociedade, conforme expõe Ada Pellegrini Grinover
(1993, p. 212):

Novos grupos, novas categorias, novas classes de indivíduos, conscientes de


sua comunhão de interesses, de suas necessidades e de sua fraqueza
individual, unem-se contra as tiranias da nossa época, que não é mais
exclusivamente a tirania dos governantes: a opressão das maiorias, os
interesses dos grandes grupos econômicos, a indiferença dos poluidores, a
inércia, a incompetência ou a corrupção dos burocratas. E multiplicam-se as
associações para a defesa dos direitos civis, as associações de consumidores,
de defesa da ecologia, de amigos de bairros, de pequenos investidores.

Sem este passo necessário, a perspectiva do porvir não se mostra particularmente


animadora. A corrupção pública, na realidade, funda suas raízes na própria sociedade, de tal
maneira que uma sociedade corrupta corresponde a uma Administração Pública corrupta e um
tecido empresarial corrupto. Em consequência, enquanto a sociedade seguir sendo corrupta,
serão inevitáveis as práticas de corrupção, por mais que estas sejam atacadas pelo poder
público. Portanto, enquanto não houver uma conscientização ampla sobre a necessidade de
proteção do bem comum, a corrupção continuará sendo rotineira.

1.2. DA CORRUPÇÃO E DOS CRIMES FUNCIONAIS

Conforme já exposto, a corrupção pública envolve a degradação da moralidade e da


legitimidade da Administração Pública, através de práticas ímprobas que a afetem, direta ou
reflexamente. Desta forma, pode-se afirmar categoricamente que sempre que se falar em um
crime que envolva a corrupção pública, haverá sempre o envolvimento de um funcionário
público.
Explica-se tal regra por meio de uma análise objetiva da Teoria do Órgão, base do
direito administrativo. Segundo tal teoria, a Administração Pública é uma entidade criada a
18

partir de uma ficção jurídica em que se estabeleceu um centro de competências e poderes para
administrar o “contrato social”, ou seja, uma entidade capaz de regular a vida dos cidadãos de
uma sociedade, sendo que ela compõe-se de órgãos, os quais por sua vez compõem-se de
agentes, que a representam e exteriorizam a sua vontade. Deve se atentar que a expressão
“Administração Pública” abrange não só o Poder Executivo como também a complexa
máquina estatal, o aparelho através do qual o Estado pode realizar seus fins, através de atos
executórios concretos, para a consecução direta, ininterrupta e imediata dos interesses
públicos, fazendo-o através de seus agentes.
Portanto, inexiste forma de manifestação da Administração Pública que não se
exteriorize a partir do ato de um de seus agentes, os funcionários públicos, cuja definição é
trazida no texto do Código Penal em seu art. 327, o qual dispõe ser funcionário público, para
os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego
ou função pública, inclusive em entidade paraestatal, bem como quem trabalha para empresa
prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da
Administração Pública. Observe-se também que a pena é aumentada da terça parte, se os
autores dos crimes previstos no capítulo I, “Dos Crimes Praticados por Funcionário Público
Contra a Administração em Geral” do Título XI, “Dos Crimes Contra a Administração
Pública” do Código Penal forem detentores de cargo em comissão ou de função de direção ou
assessoramento de órgãos da administração direta, em sociedade de economia mista, empresa
pública ou fundação instituída pelo Poder Público. Tal conceituação legal, para fins penais, é
muito mais ampla do que a utilizada na esfera do Direito Administrativo.
Assim sendo, ao vislumbrar-se uma hipótese de crime que denote corrupção pública,
ou seja, violação à moralidade e aos deveres de probidade inerentes à atividade
administrativa, é certo que haverá o envolvimento de um funcionário público, não
necessariamente cometendo crime algum, como se verá mais adiante no caso do funcionário
que não aceita a vantagem indevida no crime de corrupção ativa, porém deve haver um
funcionário no caso para que se possa arguir algum dano à Administração Pública.
Conforme já foi dito, não há qualquer necessidade do agente público figurar como
autor em um crime de corrupção pública, sobretudo pela existência de crimes praticados por
particulares contra a administração em geral, previstos no Capítulo II do Título XI da lei penal
maior.
Ademais, em havendo uma conduta reprovável por parte do funcionário público, não é
necessário em absoluto que haja a prática de um crime para se falar em corrupção pública,
pois há outras ações que denotam uma corrupção de cunho moral do administrador, como no
19

caso da prática dos atos de improbidade administrativa, regulados pela Lei nº 8.429/92.
Cumpre apontar que a improbidade administrativa, a despeito de não ser o foco do presente
trabalho de conclusão de curso, pois reflete uma responsabilidade a se apurar na esfera
administrativa, em muito se identifica com ele nesta etapa inicial, dado traduzir a má
qualidade de uma administração, pela prática de atos que implicam em enriquecimento ilícito
do agente ou em prejuízo ao erário ou, ainda, em violação aos princípios que orientam a
Administração Pública.

A corrupção pública pode se manifestar por meios diversos, como no abuso de


poder econômico, na obtenção de vantagem ilícita, no locupletamento com bens
públicos, no tráfico de influência, no lobbysmo, ou no enriquecimento ilícito, por
exemplo. Contudo, adotando uma visão mais estreita e concreta com os objetivos do
presente trabalho, é de se afirmar que a corrupção pública melhor se traduz a partir dos
crimes funcionais. Neste sentido, ensina Patrícia Carraro Rossetto (2009, p. 917):

[...] Sob o aspecto exclusivamente jurídico-penal, a corrupção pública pode


ser analisada sob os ângulos restritivo e ampliativo, segundo se tome como
objeto de estudo o agente público individualmente considerado ou
contextualizado em uma rede de corrupção. Em sentido restrito, a essência
da corrupção pública (corruptios, bribery, Bestechung, coecho, corruzione) é
a venalidade em torno da função pública, a cupidez do ganho, a venalidade,
que é incriminada e punida independentemente da justiça ou injustiça do
próprio ato. Em que pese a dificuldade na limitação de seus contornos
conceituais, é possível concebê-la como a exigência, aceitação, oferta ou
prestação, direta ou indireta, ao agente público, de vantagens indevidas,
pecuniárias ou de outro gênero, com a finalidade de induzi-lo a praticar atos
contrários aos deveres de seu cargo, ou para executar ou omitir ato devido,
gerando, assim, a alteração ou desnaturação da função pública pelo desprezo
ao interesse público.

Os delitos funcionais em espécie seriam aqueles praticados por funcionário público


contra a Administração Pública em geral, previstos no capítulo I do Título XI do diploma
repressivo, sendo tais crimes denominados crimes próprios, pois só podem ser cometidos por
uma determinada categoria de pessoas, qual seja, os agentes com uma particular condição ou
qualidade pessoal, a de funcionários públicos. Explica Damásio Evangelista de Jesus (1991,
apud FELICIANO, 2000, p.58): “Crimes funcionais são os que só podem ser praticados por
pessoas que exercem funções públicas. São também denominados delicta in officio, isto é,
delicta propria dos que participam da atividade estatal.”.
20

A afirmação de que os crimes funcionais são os que melhor refletem a corrupção


pública merece um raciocínio mais elaborado. Cumpre esclarecer que o funcionário público
carrega consigo, em razão da função desempenhada, poderes que exprimem a autoridade da
Administração Pública, os quais o colocam em uma posição de superioridade em relação ao
particular ao exercer a função administrativa. Por meio de tais poderes, dentro do âmbito de
sua competência, o servidor pode expedir ordens legais determinando que o particular dê,
faça, ou se abstenha de fazer. Entretanto, caso aquele que exerce múnus público, detentor de
prerrogativas públicas, deixe de buscar o bem comum e de atender a finalidade de sua
atuação, voltando-a para a satisfação de interesses particulares, há que se admitir uma maior
lesividade neste modo de agir.

Esta maior lesividade à moralidade da Administração Pública decorre em especial da


maior reprovabilidade da conduta do agente público corrupto. Ao praticar um crime
funcional, aquele que se colocava na posição de representante da vontade pública, viola não
só o bem jurídico tutelado, como também o seu dever funcional de protegê-lo.

O dano provocado pelo crime contra a Administração Pública praticada por


funcionário público nem sempre é fácil de aferir, pois em muitos casos seus efeitos só se
constatam a longo prazo. Consoante brilhantemente expõe Rogério Greco (2012, p. 369):

Na maioria das vezes, a sociedade não tem ideia dos estragos causados
quando um funcionário corrupto lesa o erário. Imagine-se, tão somente para
efeitos de raciocínio, os danos causados por um superfaturamento de uma
obra pública. O dinheiro gasto desnecessariamente na obra impede que
outros recursos sejam empregados em setores vitais da sociedade, como
ocorre com a saúde, fazendo com que pessoas morram na fila de hospitais
por falta de atendimento, haja vista que o Estado não tem recursos
suficientes para a contratação de um número adequado de profissionais, ou
mesmo que, uma vez atendidas, essas pessoas não possam ser tratadas, já
que faltam os necessários medicamentos nas suas prateleiras. Sem querer ir
muito longe, perdemos a conta de quantas vezes já ouvimos, pela imprensa,
que a merenda escolar não estava sendo oferecida na rede pública de ensino
por falta de verbas.
Assim, só por amostragem, percebe-se que muitas infrações praticadas
contra a Administração Pública são infinitamente mais graves do que até
mesmo aquelas elencadas no Título I do Código Penal, que trata dos crimes
contra a pessoa. Sem querer exagerar, mas fazendo uma radiografia dos
efeitos gerados por determinados crimes praticados contra a Administração
Pública, podemos afirmar que o homicida pode causar a morte de uma ou
mesmo de algumas pessoas, enquanto o autor de determinados crimes contra
a Administração Pública, a exemplo do que ocorre com o crime de
corrupção, é um verdadeiro “exterminador”, uma vez que, com seu
21

comportamento, pode produzir a morte de centenas de pessoas, pois não


permite ao Estado cumprir com as funções sociais que lhe são
constitucionalmente atribuídas.

Os crimes funcionais previstos no diploma repressivo, em espécie, são: Peculato, art.


312, caput e § 1º; Peculato Culposo, nos §§ 2º e 3º do mesmo artigo; Peculato mediante erro
de outrem, art. 313; Inserção de dados falsos em sistema de informações, art. 313-A;
Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações, art. 313-B; Extravio,
sonegação ou inutilização de livro ou documento, art. 314; Emprego irregular de verbas
públicas, art. 315; Concussão, art. 316, caput; Excesso de exação, nos §§ 1º e 2º do mesmo
artigo; Corrupção Passiva, art. 317; Facilitação de contrabando e descaminho, art. 318;
Prevaricação, art. 319 e art. 319–A; Condescendência criminosa, art. 320; Advocacia
administrativa, art. 321; Violência arbitrária, art. 322; Abandono de função, art. 323;
Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado, art. 324; Violação de sigilo
funcional, art. 325; e Violação do sigilo de proposta de concorrência, no art. 326.

A corrupção pública, ao concretizar-se como crime funcional, caracteriza grave


violação ao estado democrático de direito. Com efeito, conquanto se possa identificar em toda
infração penal, um prejuízo para o Estado, pois, em certa medida, a ordem interna terá sofrido
uma perturbação, tais figuras lesionam, de modo particular, os princípios que servem de
garantia à Administração Pública e não só a ela, mas a todos os cidadãos, a exemplo, dentre
outros, daqueles presentes no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do
Brasil, como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A Corrupção Ativa, insculpida no art. 333 da lei penal maior, constitui forma de
corrupção pública, porém se localiza fora do rol dos crimes funcionais, por se tratar de crime
praticado por particular. Todavia, não por isso é menos lesiva ao mesmo bem jurídico afetado
por aqueles.
Fez-se necessário esta exposição preliminar com o fito de esclarecer que, a despeito do
objeto do presente trabalho de conclusão de curso ser em específico os delitos de corrupção
passiva e ativa, estes não esgotam por si só o tema da corrupção, por serem apenas espécies
do gênero corrupção pública, sendo esta última muito mais ampla, envolvendo diversas outras
práticas.
22

1.3. DA CORRUPÇÃO PASSIVA E DA CORRUPÇÃO ATIVA

Adentrando no cerne do presente trabalho, qual seja, o estudo dos delitos de corrupção
passiva e corrupção ativa, previstos nos arts. 317 e 333 do Código Penal, insta traçar algumas
considerações prévias ao estudo individual de cada tipo penal, apresentando paralelos para
depois apontarem-se divergências.

De início, é de se expor desde logo que, no que tange a tais crimes de


corrupção, configuram uma exceção à teoria monista do concurso de pessoas. Tal
teoria, que predomina em nosso ordenamento jurídico, respalda-se na regra
consagrada em nosso Código Penal em seu art. 29, caput, o qual institui que, quem, de
qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida
de sua culpabilidade.

Conforme a teoria monista, o crime é de todos e de cada um dos que nele


tomaram parte, porque é o resultado da cooperação comum, moral e material e, assim
sendo, é considerado uma unidade indivisível e inseparável, cabendo apenas ao Juiz,
pelo critério da individualização da pena, aplicá-la a cada um dos coautores. Como é a
teoria dominante em nosso Direito Positivo, na grande maioria dos casos o crime
realizado com a participação de vários agentes é atribuído, em sua totalidade, a cada
um deles, qualquer que seja a sua qualificação jurídica, exceto no caso de
circunstâncias pessoais incomunicáveis, ou elementares ao tipo penal e que não eram
conhecidas pelos demais coautores.

Uma alegoria para exemplificar a aplicação da teoria monista é o crime de


peculato, previsto no art. 312 do Código Penal. A despeito de se tratar de crime
próprio de funcionário público, é possível que haja coautores que não sejam
funcionários. No caso de particulares, se atuarem em conjunto com funcionários
públicos, e conhecendo esta qualidade, praticarem uma das condutas tipificadas
naquele tipo penal, tanto os funcionários como os não funcionários serão denunciados
em coautoria por peculato. Haverá comunicação entre todos os participantes, porque
se trata de fator "elementar ao crime", constitutivo do tipo.

Por outro lado, ainda na teoria monista, o art. 30 dispõe que não haverá
comunicação entre circunstâncias de caráter pessoal que não sejam elementares ao
23

crime. Assim, novamente a título de exemplo, no furto doméstico, a isenção de pena


do art. 181 só alcança o parente da vítima, enquanto os demais coautores são
responsabilizados normalmente.

No entanto, no caso dos crimes de corrupção passiva e ativa, não é essa a teoria
que se aplica. Não se pode falar em coautoria entre corrupto e corruptor, uma vez que
cada um deles deve responder por crime específico.

Para parte da doutrina, é caso de aplicação da teoria dualista do concurso de


pessoas, conhecida como teoria dualística para alguns doutrinadores. Segundo essa
teoria, a despeito de uma única atividade criminosa, esta se desdobra em dois planos
distintos e, ao invés de um só crime, imputa-se aos participantes principais um tipo
penal e aos participantes secundários outro. Destarte, um indivíduo figuraria como
autor do crime principal e os outros teriam apenas conduta acessória, a qual
configuraria crime diverso.

A respeito do tema, preconiza Cezar Roberto Bittencourt (2008, p. 416):

Para esta teoria há dois crimes: um para os autores, aqueles que realizam a
atividade principal, a conduta típica emoldurada no ordenamento positivo, e
outro para os partícipes, aqueles que desenvolvem uma atividade secundária,
que não realizam a conduta nuclear descrita no tipo penal. Assim, os
partícipes se integram ao plano criminoso, porém não desenvolvem um
comportamento central, executivamente típico. Contudo, apesar dessa
concepção dupla, o crime continua sendo um só, e, muitas vezes, a ação
daquele que realiza a atividade típica (o executor) é menos importante que a
do partícipe. Mas, enfim, a teoria consagra dois planos de condutas, um
principal, a dos autores ou co-autores, e um secundário, a dos partícipes.
Mas, enfim, a teoria consagra dois planos de condutas, um principal, a dos
autores ou co-autores, e um secundário, a dos partícipes.

No entanto, a aplicação da teoria dualista não é unânime na doutrina, pois, para


Damásio Evangelista de Jesus (2003, p. 165) os crimes dos arts. 317 e 333 “são uma
exceção pluralística do princípio unitário do concurso de agentes”. Segundo a teoria
pluralística, para cada participante corresponde uma conduta própria, um elemento
psicológico próprio e um resultado igualmente particular. Logo, para cada agente
corresponderia um crime distinto, existindo tantos crimes quanto participantes no fato
delituoso. Um exemplo prático da aplicação desta teoria ocorre na Lei nº 11.343/06,
24

que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, que no Capítulo II
de seu Título IV prevê tipos penais diversos para cada ação praticada.

Em sentido diverso, Cezar Roberto Bittencourt (2007, p. 84-90) não adota


nenhuma das teorias apresentadas. Explica que anteriormente ao Código Penal, para
que pudessem ser consumadas a corrupção passiva e ativa era indispensável a
correspondência entre elas, havendo um autêntico concurso necessário, pois se uma
das duas não ocorresse a outra somente poderia ser admitida em sua forma tentada. No
entanto, o diploma repressivo de 1940 passou a considerá-las, em regra, como crimes
formais, de forma que tanto para a corrupção passiva quanto para a corrupção ativa se
consumar, bastaria ao intraneus “solicitar” ou ao extraneus “oferecer” a vantagem
indevida, ainda eu a solicitação ou a oferta seja recusada pela outra parte. Assim
sendo, um crime de corrupção não é pressuposto do outro, podendo se consumar de
forma independente, não se fazendo mister o concurso ou o acordo de vontades.

Porém, o doutrinador em seguida faz uma ressalva, afirmando que há


modalidades de corrupção em que necessariamente há uma bilateralidade. Afirma que
o pactum sceleris ou bilateralidade se apresenta na corrupção passiva nas modalidades
de recebimento da vantagem indevida ou da aceitação de promessa da vantagem por
parte do funcionário, em que, necessariamente, deve ter ocorrido a corrupção ativa nas
modalidades oferecer ou prometer vantagem indevida. De igual forma, há,
obrigatoriamente, a bilateralidade nas formas qualificadas previstas no § 1º e parágrafo
único, respectivamente, dos arts. 317 e 333. Nestas hipóteses, esclarece que se está
diante de crime bilateral, sendo impossível a ocorrência de um crime sem o outro,
afirmando também que são casos em que não há de se falar em tentativa, porque ou o
delito se consuma com o recebimento ou com a aceitação da vantagem indevida, ou o
funcionário a repele, caracterizando-se apenas delito de corrupção ativa.

Na sequência, o doutrinador se aprofunda no tema (ibidem, p. 88):

É fácil concluir, portanto, que o tratamento dado à corrupção, ativa e


passiva, como crimes autônomos, não tem seu fundamento nas denominadas
teorias dualística ou pluralística, pois, basicamente, lhe é irrelevante o
vínculo subjetivo entre corruptor e corrompido. Aliás, pelo contrário,
distingue modalidades de corrupção quando praticadas com ou sem adesão
de vontades entre corrompido e corruptor: a) “sem adesão de vontades” entre
ambos, o infrator responde, individualmente, pelo crime que cometer
25

(solicitar ou oferecer), como um autêntico crime unissubjetivo, corretamente,


diga-se de passagem, pois constituiria responsabilidade objetiva criminalizar
a quem não quis concorrer para o crime; b) com “adesão de vontades”
(receber ou aceitar), ao contrário, configura crime de concurso necessário,
mas cada um responde pela violação que praticou, surgindo aqui, nessa
modalidade, uma espécie de exceção à teoria monística, mas de uma forma
sui generis, ou seja, a responsabilidade individual de corrompido e corruptor
não se fundamenta na distinção do bem jurídico lesado ou mesmo da
conduta praticada por um e outro, mas exclusivamente na distinção dos
seguintes aspectos: a) de objetivos – um quer dar e outro receber; b) na
natureza da infração praticada: crime próprio do corrompido (funcionário
público, contra a administração em geral), e crime comum do corruptor
(particular, contra a administração em geral); c) nas espécies de crimes:
formal (crimes de mera atividade, nas modalidades de “solicitar” e
“oferecer” (crimes unissubjetivos); material, nas modalidades de “receber” e
“aceitar: implicam a convergência de vontades entre corrupto e corruptor,
consumando-se somente com a intervenção de ambos (crimes bilaterais).
[grifos do autor]

Independentemente da teoria adotada, é certo que, para a maioria da doutrina,


não há que se falar, em “concurso de pessoas” entre corrupto e corruptor, pois a
prática de tipos penais diversos é incompatível com isto. Como são crimes autônomos,
não irão se aplicar as regras dos artigos 29, 30 e 31 do Código Penal.

A posição divergente fica por conta de Damásio Evangelista de Jesus (2003, p.


233), o qual afirma que há sim concurso de agentes entre corrupto e corruptor, porém
que o legislador resolveu aplicar o princípio pluralista ao invés do unitário, imputando
um delito diverso para cada autor.

A ocorrência de crimes distintos é mais fácil de compreender através de uma


análise de direito comparado, pois em nosso ordenamento jurídico, ao contrário do que
ocorre em outras legislações, a corrupção passiva e ativa são consideradas figuras
distintas e independentes. Outros códigos, ao contrário, acolheram um sistema que as
considera como crime bilateral, de forma que se torna imprescindível a convergência
de vontades do intraneus (funcionário público) e do extraneus (corruptor) para que se
possa concretizar a consumação delitiva. De se ressaltar também que, a despeito de
aplicarmos o termo “corrupção” tanto para a conduta do particular quanto do
funcionário, há uma clara e óbvia distinção entre elas, revelada pelo uso dos
indicativos “passiva” e “ativa”, mesmo não sendo adotada a nomenclatura de alguns
países, em que o fato cometido pelo servidor público é denominado “corrupção” (a
26

nossa corrupção passiva), enquanto o praticado pelo particular (a nossa corrupção


ativa), “suborno”.

Nesta esteira, Luiz Régis Prado (2002, p. 441) observa:

[...] Corrupção e suborno não se confundem, embora sejam termos


estreitamente ligados. "Subornar" (do latim subornare) significa induzir a
mau procedimento, aliciar com processos venais para a prática de ação
contrária ao direito ou ao dever; peitar, seduzir ou enganar empregando
meios contrários à legalidade. Assim, o suborno (ato ou efeito de subornar)
indica a corrupção de pessoa, por meios ilícitos, para praticar determinado
ato.
No âmbito da Administração Pública, corrupção é o fenômeno pelo qual um
funcionário é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do
sistema, favorecendo interesses particulares em troca de benefício ou
recompensa. Corrupto é, assim, o comportamento ilegal daquele que
desempenha uma função na estrutura do Estado, fazendo uso de sua função
para atender finalidade diversa da que lhe é própria (interesse público).
Nessa linha, é força destacar que a corrupção não é considerada em termos
de simples moralidade ou imoralidade, mas sobretudo de legalidade ou
ilegalidade. Significa, portanto, o intercâmbio entre quem corrompe e quem
se deixa corromper.

Interessante notar que nosso ordenamento jurídico já adotou os termos “peita”


e “suborno” para designar respectivamente a corrupção passiva e ativa, encontrando-se
previstas no Título V do Código do Império, nos artigos 130 e 133, respectivamente.
Ainda, com relação a peita, o art. 131 daquele diploma previa em específico a peita
dos magistrados, a qual se denominava baractaria na Idade Média, assim chamada
para demonstrar “o barato que se faz do dinheiro com a justiça”, segundo Heleno
Cláudio Fragoso (1998, p. 909, apud PRADO, 2002, p.394).

O legislador de 1940, atento à autonomia dos delitos, optou inclusive por


disciplinar em capítulos distintos estes dois crimes de corrupção de forma a deixar
claro que uma infração não fica na dependência da outra, podendo se punir
separadamente os dois sujeitos, ou um só. Portanto, os crimes de corrupção ativa e
corrupção passiva (arts. 317 e 333), ainda que não deixem de corporificar uma mesma
conduta, constituem crimes autônomos. O Código não entende esses dois
comportamentos correlatos como participação.

Portanto, no estudo de um caso específico, deve se analisar a atividade


criminosa praticada, pois, em caso de bilateralidade, pode se vislumbrar a ocorrência
27

simultânea dos delitos do art. 317 e 333 do Código Penal, todavia caso esta não ocorra
pode se visualizar a existência de apenas uma delas no caso concreto.

Conforme aponta Rogério Greco (2012, p. 425):

Há um ditado popular que diz que “onde há um corrupto, é porque há


também um corruptor”. No entanto, como veremos quando da análise do art.
333 do Código Penal, nem sempre quando houver corrupção passiva haverá,
consequentemente, a corrupção ativa.

Exemplificando: Se o particular oferece uma vantagem indevida ao funcionário


público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício e este a aceita,
estarão sendo praticados ambos os crimes. Porém, se o funcionário público recusa a
vantagem indevida, só se estará diante da corrupção ativa. Em uma situação diversa,
caso o servidor solicite, em razão da função, vantagem indevida, se estará
exclusivamente diante do crime de corrupção passiva, pois a conduta do particular,
ainda que dê essa vantagem, será atípica, inexistindo previsão legal que a criminalize,
por motivos que serão explicados mais adiante.

Assim, após a apresentação dos mais relevantes pontos em comum acerca dos
crimes objeto deste estudo, conclui-se esta exposição preliminar do presente trabalho,
de forma que irá se passar à análise de cada um em espécie, com as posições da
doutrina e jurisprudência em relação a cada.
28

2. CORRUPÇÃO PASSIVA:

Trata-se de crime previsto no art. 317 e §§ do Código Penal, inserido no Título XI, que
conta com a seguinte redação:

Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou


indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou


promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício
ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com


infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

A redação original do artigo foi alterada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003, a qual
aumentou a pena mínima e máxima do delito. A antiga pena do caput, que previa “reclusão,
de um a oito anos, e multa” foi alterada para “reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”,
a qual se mostra muito mais gravosa, sobretudo pela imposição de óbices ao oferecimento da
suspensão condicional do processo em alguns casos, conforme será visto mais adiante.
Porém, por força da garantia da irretroatividade da lei penal maléfica, prevista no art. 5º, XL,
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a nova pena, por ser mais grave,
será aplicada apenas aos fatos praticados após a sua vigência, a qual se deu em 13.11.2003.
29

2.1 CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA

A corrupção passiva pode ser definida, no seu tipo central, como o recebimento,
solicitação ou aceitação de promessa de vantagem indevida por parte de funcionário público,
diretamente ou por interposta pessoa, para si ou para outrem, em razão de sua função, que
exerça ou que irá exercer, ainda que fora dela.

2.1.1 Elementos do tipo

Trata-se de tipo penal misto alternativo, pois a prática de mais de uma conduta deverá
importar em infração penal única. Assim sendo, se o funcionário público solicita e, com isso,
recebe a vantagem indevida, deve ser responsabilizado por um único crime de corrupção
passiva.

2.1.1.1 Elementos subjetivos do tipo

Em relação aos elementos subjetivos do tipo, o primeiro é o dolo, consubstanciado na


consciência e vontade de solicitar, receber ou aceitar a promessa de vantagem indevida, em
razão da função pública, ciente da sua ilicitude. É necessário que o agente saiba que se trata
de vantagem indevida e que o faz em razão da função que exerce ou exercerá. O dolo deve
atingir todos os elementos constitutivos do tipo penal, caso contrário se estará diante de erro
de tipo, que, por ausência de dolo, afasta a tipicidade, salvo se houver simulacro de erro.

O segundo é o elemento subjetivo especial do tipo, consistente no especial fim de agir,


que se encontra na expressão “para si ou para outrem”. De se ressaltar que não se exige que o
sujeito ativo tenha a intenção de realizar ou deixar de realizar o ato de ofício objeto da
corrupção, ou mesmo que o pratique, pois, como se trata de delito formal, consuma-se com a
mera solicitação ou o recebimento da vantagem indevida, bem como com a simples aceitação
da promessa da aludida vantagem. Ainda, tratando-se de elemento subjetivo especial, é
necessário o animus do agente de obter a vantagem indevida para si ou para outrem, de forma
que, se ausente, desnatura o crime de corrupção passiva, conforme se denota da ementa
30

abaixo colacionada, em que se entendeu não caracterizara o crime quando a vantagem


indevida reverte em proveito da administração:

CORRUPÇÃO PASSIVA. INOCORRÊNCIA. DELEGADODE POLÍCIA


QUE ACEITA A OFERTA DE DINHEIRO, APLICANDO-O NA
AQUISIÇÃO DE GASOLINA PARA A VIATURA, A FIM DE
INTENSIFICAR O POLICIAMENTO NA CIDADE – VANTAGEM
RECEBIDA, POIS, EM PROVEITO DO PRÓPRIO SERVIÇO PÚBLICO –
ABSOLVIÇÃO DECRETADA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 317 DO
CP.
Importância recebida não em proveito de pessoa física ou de direito privado,
mas para ser aplicada no próprio serviço público, não configura o delito de
corrupção passiva.

(TJSC – AC – Rel. Des. Marcílio Medeiros – RT 527/406 apud


DELMANTO, 2007, p. 795)

2.1.1.2 Elementos objetivos do tipo

Quanto aos elementos objetivos do tipo, a primeira conduta, de “solicitar”, significa


pedir, postular, demandar, direta ou indiretamente, para si ou para outrem. Nesta modalidade,
é desnecessário que o extraneus pratique qualquer ato, ou mesmo que concorde com a
solicitação do funcionário para que o crime se configure, pois se trata de crime formal, de
simples atividade, que se consuma com a mera solicitação. A solicitação não necessita ser
direta, podendo ser sutil, ou seja, “pode ser solicitação expressa, clara, indubitável, como
velada, insinuada”, no entendimento de Mirabete e Fabbrini (2007, p. 2407). Aqui não há
bilateralidade necessária, pois pode ocorrer a corrupção passiva sem que se verifique a
corrupção ativa. Longe disso, se o funcionário solicita a vantagem e o particular a dá, a
conduta do extraneus será atípica. De se notar também que, a despeito de denominar-se
“corrupção passiva”, a conduta de “solicitar” implica em uma atividade, um agir, o que
demonstra que é o funcionário que atenta diretamente contra a Administração. Neste sentido,
aprofunda Giuseppe Maggiore (1955, v. III, p. 191, apud PRADO, 2002, p. 400):

Muitas vezes o funcionário público, ao solicitar a vantagem, corrompe não


só o cargo que ocupa, mas também o particular a quem oferece seus
préstimos para a satisfação dos desejos, sejam justos ou não, mediante a
concreção da vantagem almejada.
31

O outro núcleo, “receber” denota a ideia de obter, direta ou indiretamente, para si ou


para outrem, a vantagem oferecida, havendo aqui uma conduta passiva do funcionário, em
contrapartida à ação de oferecer praticada pelo corruptor (art. 333). A iniciativa parte do
particular, o extraneus, sendo que o funcionário público adere a esta, de forma que não apenas
aceita, mas também recebe a oferta daquele. Logo, à ação de receber corresponde o
oferecimento da vantagem indevida, caracterizadora da corrupção ativa, de forma que há aqui
uma bilateralidade obrigatória.

Já a modalidade de “aceitar” importa a anuência do funcionário público à promessa


indevida de vantagem futura ofertada pelo extraneus. Nessa modalidade, ao contrário da
anterior, não ocorre o recebimento imediato da vantagem indevida, sendo suficiente que o
funcionário aceite receber a oferta, ou seja, desde que concorde com o recebimento futuro da
promessa feita pelo extraneus. A existência da promessa de vantagem indevida formulada
pelo agente corruptor é pressuposto para a ocorrência dessa modalidade, sendo crime de
concurso necessário, havendo também uma bilateralidade necessária.

Em relação à “vantagem indevida”, esta se traduz como todo benefício ou proveito


ilícito e indevido, de cunho patrimonial ou não, solicitado, recebido ou aceito em razão da
função pública do agente. Como dito, não necessariamente a vantagem deve ser de natureza
patrimonial, devendo ser entendida em sentido amplo, já que o “o agente pode agir por
amizade, para obter os favores sexuais de uma mulher, para alcançar um posto funcional de
destaque ou mesmo para satisfazer um desejo de vingança”, consoante aduz Luiz Regis Prado
(2002, p. 401). O que a maioria da doutrina entende é que é necessário demonstrar que a
vantagem indevida traduza “comércio” da função, isto é, deve existir mercancia da função
pública.

Em sentido contrário à corrente majoritária, Nélson Hungria afirma que a vantagem


necessariamente deve ter natureza econômico-patrimonial (1942, p. 370, apud
BITTENCOURT, 2007, p. 83):

[...] a indébita vantagem solicitada, recebida ou prometida há de ter caráter


patrimonial (há de representar um pretium no mercado ou compra e venda
do ato funcional): dinheiro ou qualquer utilidade material (utila reperibantur
ea quibuscunquesciret aliquis uto)[...] [grifos do autor]
32

De qualquer forma, o certo é que a vantagem deve ser indevida, ou seja, ilícita, ilegal,
injusta ou contra legem, não amparada pelo ordenamento jurídico, podendo ser também
presente ou futura. Se a vantagem for devida, o fato não será típico em termos de corrupção
passiva, podendo surgir outro delito, como por exemplo, a prevaricação.

Como a vantagem indevida pode ser futura ou presente, surge a distinção entre
“corrupção antecedente” e “corrupção subsequente”. Ela é antecedente quando a vantagem é
entregue ao funcionário antes de sua ação ou omissão funcional, ou seja, a recompensa lhe é
entregue em face de uma conduta funcional futura. Será subsequente quando a vantagem lhe
for entregue depois da conduta funcional. Logo, se o sujeito solicita dinheiro para realizar um
ato de ofício, trata-se de corrupção antecedente; se, no entanto, após a realização do ato faz a
solicitação, trata-se de corrupção subsequente. Tal distinção, no entanto, não é relevante para
a configuração delitiva, já que, em ambos os casos, o agente lesa a Administração, lhe ferindo
o prestígio com seu tráfico de função. A distinção será importante apenas na tipificação da
corrupção ativa, conforme se verá mais adiante.

Pertinente à vantagem indevida, há um entendimento na doutrina acerca da aplicação


do princípio da insignificância em caso do recebimento de dádivas de pequeno valor, como
ocorre com frequência quando os funcionários são presenteados com bombons, doces, canetas
e outras pequenas lembranças, principalmente em datas comemorativas, a exemplo do que
ocorre no Natal e Ano Novo. Assim entende Damásio Evangelista de Jesus (1994, p. 815):

Nem todas as coisas podem ser consideradas objeto material de corrupção.


Assim, as gratificações comuns, de pequena importância econômica, em
forma de gratidão em face da correção de atitude de um funcionário, não
integram o delito. Por exemplo: as “boas-festas” de Natal ou Ano Novo.
Nesses casos, de ver-se que não há da parte do funcionário a consciência de
estar aceitando uma retribuição pela prática de um ato de ofício, que é
essencial ao dolo de corrupção. Mas se trata de questão de fato, a ser apurada
caso por caso.

Por fim, saliente-se que é irrelevante que o ato funcional a ser praticado mediante o
suborno seja ilícito ou lícito, ou seja, contrário ou não aos deveres do cargo ou da função.
Sendo ilícito, fala-se em “corrupção própria”, não sendo, “corrupção imprópria”. Trata-se de
outra distinção que se mostra irrelevante para configurar o delito, já que, em ambas as
hipóteses, fere-se a moralidade da Administração através do tráfico de função.
33

2.1.2 Distinção entre Corrupção passiva na modalidade “solicitar” e Concussão

Uma nota importante, relacionada à modalidade “solicitar” da corrupção passiva, é


que o pedido feito pelo funcionário público deve ser em forma de solicitação, não devendo ser
uma “exigência”, pois, neste caso estar-se-ia diante do crime de concussão, previsto no art.
316 do Código Penal. O crime de concussão apresenta diversas similaridades com o de
corrupção passiva, no entanto foi disciplinado como crime autônomo, por vontade do
legislador, possivelmente ante a maior gravidade e lesividade que possui. A respeito do tema,
expõe Rogério Greco (2012, p. 425):

[...] O delito de corrupção passiva é muito parecido com o crime de


concussão. Na verdade, a diferença fundamental reside nos núcleos
constantes das duas figuras típicas. Na concussão, há uma exigência, uma
determinação, uma imposição do funcionário para obtenção da vantagem
indevida; na corrupção passiva, ao contrário, existe uma solicitação, um
pedido (na primeira hipóteses). Em termos de gravidade, considerando que
aquela a quem é feita a exigência ou a solicitação, podemos concluir que
exigir [grifo do autor], psicologicamente, é mais grave do que solicitar [grifo
do autor], daí o raciocínio segundo o qual a concussão seria entendida com a
“extorsão” praticada pelo funcionário público. [...]
[...] Interessante notar que, embora tenha havido elevação das penas
cominadas no delito de corrupção passiva [grifo do autor], foram mantidas
as penas previstas para a modalidade de concussão, constante do caput do
art. 316, em flagrante ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois, como
vimos, a concussão, comparativamente ao delito de corrupção passiva, deve
ser considerada mais grave, uma vez que o núcleo exigir dá a ideia de uma
conduta onde o funcionário obriga, determina, mediante algum tipo de
coação (expressa ou implícita), a entrega da vantagem.

Conquanto o delito de concussão não seja o objeto do presente trabalho, cumpre


distingui-lo da corrupção passiva. De se apontar que, a despeito de aparentemente mais grave
que esta, o aumento de pena nos crimes de corrupção ativa e passiva, promovido pela Lei nº
10.763/03, não modificou a pena base da concussão, de sorte que esta, em sua forma simples,
conta com pena de reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, o que é uma clara afronta à
razoabilidade e proporcionalidade, pois “exigir” é tão ou mais grave do que “solicitar” a
vantagem indevida, demonstrando um claro desconhecimento da lei por parte do legislador.
34

De se destacar também que o Projeto de Lei nº 236/12, em trâmite no Senado Federal,


o qual traz o anteprojeto do Novo Código Penal, traz a proposta de unificar a concussão e a
corrupção passiva em um único tipo penal, corrigindo a distorção apontada no parágrafo
acima.

2.2 BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO

O bem jurídico protegido é a Administração Pública, mais precisamente a sua


moralidade, respeitabilidade e probidade. Também se protege a integridade de seus
funcionários, constituindo a corrupção passiva a venalidade de atos de ofício, num verdadeiro
tráfico de função pública.

Também afeta a impessoalidade da Administração, pois, ao deixar-se corromper, o


funcionário atenta contra o desempenho impessoal da atividade pública. Ao executar o ato
próprio de seu cargo em troca de retribuição, ele adota uma parcialidade em relação ao
particular que lhe deu ou prometeu a vantagem, de forma que a corrupção gera um
subjetivismo do funcionário, o que leva à perda da objetividade na tomada das decisões
administrativas, favorecendo a obtenção de vantagens pessoais em detrimento de interesse
geral. Como já foi dito, a corrupção revela-se como mecanismo antidemocrático e
incompatível com a justiça procedimental, dada a sua interferência nos procedimentos de
tomada de decisões, as quais deixam de atender aos interesses gerais.

No combate à corrupção, busca-se o normal funcionamento e prestígio da


Administração Pública, objetivando resguardar a obediência ao dever de probidade e evitar a
interferência de interesses privados de natureza econômica sobre o interesse público.

2.3 SUJEITO ATIVO

Sujeito ativo é o funcionário público, ou seja, o detentor de função pública, assim


definido pelo art. 327 do Código Penal, o qual traz um conceito mais amplo que a de mero
ocupante de cargo público. Não é necessário que sujeito seja titular de cargo público, basta
que exerça, ainda que incidentemente, uma função pública. É crime próprio, diferentemente
35

da corrupção ativa, que pode ser praticada por qualquer pessoa, independentemente de
condição ou qualidade especial.

“Há ainda a exigência, como pressuposto deste delito, que o ato em torno do qual é
praticada a conduta incriminada seja de competência ou atribuição inerente à função exercida
pelo funcionário público, já que a tipicidade cinge-se justamente ao tráfico da função”,
importante informação sobre o assunto, trazida por Luiz Regis Prado (2002, p. 402-403).
Também aduz que se o agente não for competente para a prática do ato, sua conduta poderá se
amoldar ao disposto no art. 332, tráfico de influência, ou mesmo figurar como coautor no art.
333, corrupção passiva, dependendo das elementares presentes. Não existindo função ou não
havendo relação de causalidade entre ela e o fato imputado, não se pode falar em corrupção
passiva, podendo existir, de forma residual, algum outro crime.

A norma penal incriminadora abrange também aquele que, embora ainda não esteja
exercendo a função pública, utiliza-se dela para a prática delitiva, ou ainda, que a utilize para
o crime mesmo estando dela afastado temporariamente, como no caso de licença ou de férias.
Este é o entendimento dos nossos tribunais, consoante a ementa abaixo colacionada:

CORRUPÇÃO PASSIVA - INEXIGIBILIDADE QUE O AGENTE


ESTEJA NO EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO - SUFICIÊNCIA PARA
CARACTERIZAÇÃO DO DELITO QUE EXERÇA FUNÇÃO PÚBLICA,
CONCEITO MAIS AMPLO.
A corrupção passiva não está ligada exclusivamente aos poderes
relacionados com o cargo ocupado pelo funcionário público. Não se exige
que o agente esteja no exercício do cargo público, pois o delito existirá se a
vantagem for solicitada ou recebida no exercício da função pública, conceito
mais amplo que cargo público.

(Ap 95.04.50621-6, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, TRF4 –


Segunda Turma, Julgado em: 06/11/2000; Publicado em: 24/01/2001, DJU)

No entanto, admite-se a participação ou coautoria do particular, mediante


induzimento, instigação ou auxílio secundário. O particular, ou outro funcionário público,
podem ser coautores ou partícipes, desde que tenham conhecimento da condição de
funcionário público do autor, na forma dos artigos 29 e 30 do Código Penal. Consoante se
depreende das ementas abaixo colacionadas:
36

RECURSO ORDINÁRIO DE "HABEAS CORPUS". TRANCAMENTO


DE AÇÃO PENAL. PARTICIPAÇÃO DE PARTICULAR EM
CORRUPÇÃO PASSIVA. COMUNICABILIDADE DA
CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR DO TIPO. LEI 9.099/95.
CONSIDERAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO PARA A AVALIAÇÃO
DO REQUISITO OBJETIVO. RECURSO IMPROVIDO.
I. É possível a participação de particular no delito de corrupção passiva,
face a comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do
crime.
II. Computa-se a causa especial de aumento de pena na avaliação do
requisito objetivo de "pena mínima cominada igual ou inferior a um ano",
exigido para a suspensão do processo prevista pela Lei9.099/95.
III. Recurso ao qual se nega provimento.

(RHC 7717/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, STJ - Quinta Turma, Julgado em:
17/09/1998, Publicado em: 19/10/1998)

CORRUPÇÃO PASSIVA - CARACTERIZAÇÃO - MAGISTRADO QUE,


EM CONLUIO COM ADVOGADO, MANIPULA DISTRIBUIÇÃO DE
RECURSOS PROCESSUAIS, COLIMANDO OBJETIVAR
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO DE GRUPO BANCÁRIO,
RECEBENDO, EM TROCA, VANTAGEM FINANCEIRA - INDÍCIOS
VEEMENTES, EXSURGIDOS DO CONTEXTO PROBATÓRIO, QUE
DEMONSTRAM CABALMENTE A CONCORRÊNCIA EFETIVA
ENTRE OS CO-PARTÍCIPES PARA A REALIZAÇÃO DE ATO ILÍCITO.
1. O crime de corrupção passiva, consoante antiga, mas ainda atual
jurisprudência, "somente se perfaz, quando fica demonstrado, mesmo através
de indícios, que o funcionário procurou alienar ato de ofício". 2. O exame
dos indícios resultantes do contexto probatório levam à conclusão de que
houve entre os co-partícipes (magistrado e advogado) uma concorrência
efetiva para a prática do delito de corrupção passiva. 3. Denúncia
procedente, com imposição das penalidades previstas lei.

(APn 224, Rel. Min. Fernando Gonçalves, STJ – Sexta Turma, Julgado em:
01/10/2008; Publicado em: 23/10/2008)

A possibilidade da participação ou coautoria do particular se esclarece na medida em


que a solicitação, recebimento ou aceitação da vantagem indevida pode ser direta ou indireta.
Será sempre direta quando o sujeito ativo, funcionário público, solicitar a vantagem
diretamente ao extraenus, ou de forma explícita deixar clara a sua pretensão de aceitá-la ou
recebê-la. Todavia, será indireta quando valer-se de interposta pessoa (particular ou outro
funcionário) ou quando formular sua pretensão tacitamente. De qualquer forma, não se
desnatura a corrupção, ainda que a solicitação, recebimento ou aceitação seja feita por
interposta pessoa.

Oportuno destacar que quanto àquele que oferece ou promete a vantagem indevida não
há que se falar em concurso de pessoas, pois se trata de exceção à teoria monística sobre
37

concurso de pessoas, sendo esse indivíduo autor do crime de corrupção ativa, definido no art.
333 do Código Penal.

2.3.1. Corrupção de Juízes

A despeito de não existir atualmente distinção na lei penal entre a corrupção praticada
por juízes e a praticada por qualquer funcionário público, há de se atentar que aquela é uma
das mais graves formas de corrupção passiva que se pode conceber. A respeito do tema, Cezar
Roberto Bittencourt (2007, p. 77) aduz:

O Código Penal brasileiro não distingue a corrupção praticada por juízes,


que historicamente sempre foi punida com maior gravidade. Heleno Fragoso
recorda que, segundo Noialle, “a corrupção dos juízes é o mais vil e perigoso
dos crimes, pois é possível nos defendermos de assassinos e ladrões, mas
não dos juízes corrompidos que nos ferem com a espada da lei e nos
degolam em seus gabinetes, tornando-se cúmplices infames da justiça que
lhes cumpre proscrever”.

Não obstante nosso ordenamento jurídico não mais conter um tipo penal específico
para a corrupção dos juízes, isso já ocorreu em tempo pretérito. O Código Criminal do
Império previa a peita em seu art. 130, impondo aos agentes públicos pena de no máximo
nove meses de prisão. Porém, trazia em seu art. 131 disposições especiais para os juízes,
cominando ao magistrado penas mais graves do que a dos demais funcionários caso a
sentença fosse injusta, bem como a nulidade desta.

Art. 131. Nas mesmas penas incorrerá o Juiz de Direito, de Facto, ou


Arbitro, que por peita der sentença, posto que justa seja.
Se a sentença fôr injusta, a prisão será de seis mezes a dous annos; e se fôr
criminal condemnatoria, soffrerá o peitado a mesma pena, que tiver imposto,
ao que condemnára, menos a de morte, quando o condemnado a não tiver
soffrido; caso, em que se imporá ao réo a de prisão perpetua.
Em todos estes casos a sentença, dada por peita, será nulla.

De igual forma, o Código Penal de 1890 também trazia dispositivo específico para
condenar a peita do juiz, o art. 216, impondo-lhe as mesmas penas da peita dos demais
funcionários, prisão, de seis meses a um ano, podendo ainda sofrer um acréscimo caso tivesse
38

proferido uma sentença condenatória injusta, hipótese em que a pena da peita seria acrescida
da pena que cominasse injustamente ao réu. Já no art. 218 dispunha sobre a nulidade dos atos
praticados sob peita, de forma que a sentença proferida seria nula.

Art. 216. Nas mesmas penas incorrerá o juiz de direito, de facto, ou arbitro
que, por peita ou suborno, der sentença, ainda que justa.
§ 1º Si a sentença for criminal condemnatoria, mais injusta, soffrerá o
peitado ousubordinado a mesma pena que tiver imposto ao que condemnara,
além da perda do emprego e multa.
[...]
Art. 218. São nullos os actos em que intervier peita ou suborno.

Atualmente, uma das mais clamorosas injustiças é o fato de não ser considerada nula a
sentença proferida por corrupção do juiz, pois, transcorrido o biênio em que ainda é possível o
ajuizamento da ação rescisória, o ato decisório viciado jamais poderá ser suprimido do
cenário jurídico. Mesmo constatada a corrupção passiva do juiz, esta não acarreta
automaticamente a inexistência jurídica da sentença, mas apenas a sua rescindibilidade, o que
demonstra o enorme potencial lesivo da corrupção deste funcionário público em particular.

Caso constatado no juízo criminal que a sentença transitada em julgado foi dada por
prevaricação, concussão ou corrupção passiva do juiz, é cabível a ação rescisória, na forma do
art. 485, I, do Código de Processo Civil. Também será possível ao lesado mover uma ação
reparatória por perdas e danos contra o juiz, na forma do art. 133, I, do mesmo diploma legal.
Contudo, tais instrumentos devem ser manejados pelos interessados dentro do prazo legal,
pois não decorrem automaticamente da condenação transitada em julgado na esfera criminal.

2.4 SUJEITO PASSIVO

É o Estado-Administração, representado pela União, Estado-membro, Distrito Federal


e Município, além da entidade de direito público ou das pessoas mencionadas no art. 327, §
1º, do Código Penal, quando afetadas, bem como a pessoa física ou jurídica que
eventualmente possa ter sido lesada com a conduta praticada pelo sujeito ativo, como, por
exemplo, o particular que recebe uma solicitação de um funcionário público para que lhe dê
uma vantagem indevida, não ofertada nem prometida por aquele, a que não configura
corrupção ativa.
39

2.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Trata-se de crime formal, o qual não exige resultado naturalístico para sua
consumação, da sorte que a corrupção passiva consuma-se instantaneamente, isto é, com a
simples solicitação da vantagem indevida, recebimento desta ou com a aceitação de mera
promessa daquela. Portanto, para a tipificação penal, é irrelevante que o ato funcional venha
ou não a ser praticado em decorrência da propina.
De se ressaltar que, importando em três modalidades diferentes, o crime pode se
consumar em três momentos diferentes, a depender do modo como é praticado. Ou seja, se
ocorre a solicitação da vantagem indevida, para si ou para outrem, o crime já se consuma
neste momento, de forma que a vantagem vier a ser entregue ao agente, deverá ser
considerado mero exaurimento do crime. Também não há necessidade do recebimento efetivo
da vantagem, pois não é necessária a adesão do extraneus à vontade do agente para se
consumar o delito. No entanto, nessa modalidade, é essencial que a solicitação seja anterior ao
recebimento da vantagem ilícita, do contrário estar-se-á diante de outra forma de corrupção
passiva.
Na segunda modalidade, a consumação ocorre quando o agente, sem que tenha feito
qualquer solicitação, recebe a vantagem indevida.
Já na terceira hipótese, o crime estará consumado apenas se o agente aceitar promessa
de vantagem indevida, de forma que o efetivo recebimento desta novamente importa em mero
exaurimento.
Quanto à possibilidade ou não do crime ser praticado na sua forma tentada, o
entendimento predominante na doutrina é que este é possível apenas quando o crime é
praticado na forma comissiva, ou seja, na solicitação de vantagem indevida, e desde que seja
possível fracionar o iter criminis, como no caso da solicitação por meio escrito, por exemplo.
Em tal sentido, escreve Damásio de Jesus (2003, p. 168):

Quanto à tentativa, é necessário considerar:


1º) No tocante à solicitação: tratando-se de forma verbal, não é admissível.
Ou o funcionário solicita ou não solicita. Cuidando-se, entretanto, de meio
escrito, é possível a tentativa. Ex.: carta contendo a solicitação que,
extraviada, não chegou ao destinatário, sendo levada à autoridade policial. O
funcionário tentou solicitar.
2º) Em relação ao recebimento da vantagem: não é possível a figura tentada.
Ou o sujeito a recebe ou não a recebe.
40

3º) Quanto ao verbo aceitar promessa de vantagem: não é também


admissível a tentativa, seja o meio verbal ou por escrito. Ou ele aceita ou não
aceita. Se remete ao corruptor uma carta contendo a aceitação, ainda que não
chegue ao seu conhecimento, o delito está consumado (consumou-se no
momento em que, na carta, fixou a aceitação).

Tal posicionamento também é adotado por Luiz Regis Prado (2002, p. 403-404),
entendendo que nas modalidades de recebimento e aceitação de vantagem indevida não há
que se falar em tentativa, pois ou o funcionário as pratica ou as repele, hipótese em que terá
sido praticada apenas a corrupção ativa pelo particular.
Em sentido contrário, Cezar Roberto Bittencourt (2007, p. 91) entende que, em
qualquer das modalidades, embora seja de difícil visualização, a figura tentada será admitida
sempre que for possível, in concreto, interromper o iter criminis.

2.6 CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

Duas causas de aumento de pena diferentes podem incidir sobre o funcionário público
que pratica o delito previsto no art. 317 do Código Penal, previstas em dispositivos distintos.
Primeiramente, há uma causa de aumento geral, aplicável a todos os crimes do Capítulo I do
Título XI do diploma, os “CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL”, prevista no § 2º do art. 327:

Art. 327
[...]
§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes
previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de
função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta,
sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo
poder público.

Tal dispositivo traz uma majorante genérica, aplicável a todos os delitos funcionais do
capítulo I do Título XI, que se estendem do art. 312 ao 326, sempre que forem praticados por
agente detentor de cargo em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da
Administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída
pelo poder público. “Cargos em comissão” são aqueles destinados às funções de confiança
providas sem necessidade de concurso público, geralmente destinadas a superiores
41

hierárquicos. A “função de direção” é atinente à diretoria da empresa pública, ou do órgão


executivo da sociedade de economia mista e dos encarregados da implementação das
deliberações do conselho de administração. “Função de assessoramento” é aquela
desempenhada por técnicos contratados para auxiliar a diretoria das empresas nominadas,
tratando-se, normalmente, de função de confiança.
De se notar que a intenção do legislador foi de atribuir penas mais graves àqueles que
possuem maior capacidade decisória e maiores responsabilidades, de forma que suas decisões,
se corrompidas, podem afetar mais significativamente o bem jurídico tutelado, qual seja, a
moralidade da Administração Pública. No entanto, de se notar que, intencionalmente ou não,
o legislador deixou de incluir no dispositivo transcrito a causa de aumento para aqueles que
exerçam cargos em comissão, direção ou assessoramento em autarquias. Assim, sendo vedada
a analogia in malam partem, é impossível ao intérprete dar à lei uma extensão maior que
aquela que o legislador concebeu, de forma que ao funcionário que exercer tais funções em
autarquia não será aplicada tal majorante caso pratique corrupção passiva.
Quanto à outra causa de aumento de pena possível, esta se encontra no § 1º do próprio
artigo 317, denominada “corrupção própria exaurida”, nos dizeres de Celso Delmanto et al
(2007, p.795). Aplica-se quando o funcionário, em decorrência da vantagem ou promessa,
efetivamente retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício, ou o pratica infringindo dever
funcional. Trata-se de punição pelo exaurimento da conduta delitiva, a qual apenas se
consuma com o efetivo retardamento ou omissão do ato ou com a sua prática com a violação
do dever funcional, após o agente ter solicitado, recebido ou aceito a promessa de vantagem
indevida, de forma que sua tentativa é inadmissível.
Caso o funcionário corrompido pratique ato de ofício de natureza legal sem violar o
deve funcional, não incidirá sobre ele tal causa de aumento, estando sua conduta tipificada no
caput do art. 317. O acréscimo de um terço na pena é uma majorante aplicada na medida da
culpabilidade, denotando maior reprovabilidade da conduta típica e ilícita quando ocorre o seu
exaurimento.
De se notar que Rogério Greco (2012, p. 429) discorda do emprego do termo
“corrupção exaurida” para descrever a majorante do § 1º do art. 317. Em sua opinião, afirma
que o exaurimento relativo ao crime de corrupção não ocorre quando o funcionário faz ou
deixa de fazer alguma coisa a que estava legalmente obrigado, mas sim, quando recebe a
vantagem indevida.
42

2.7 MODALIDADE PRIVILEGIADA

Dispõe o § 2º do art. 317:

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com


infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Esta figura privilegiada da corrupção passiva se contrapõe à do caput do art. 317, pois
o agente não visa, para si ou para outrem, a obtenção de vantagem indevida. Busca apenas
atender a um pedido de alguém, ou cede em virtude da influência exercida por aquele que faz
a solicitação.
O Código Criminal de 1830, do período imperial no Brasil, tratava da matéria em seu
art. 133 como uma das modalidades de suborno. Já o Código de 1890 previa tal conduta em
seu art. 215.
Há uma menor reprovabilidade, um menor desvalor na motivação da conduta, pois o
agente transige em seu dever não por visar a uma vantagem direta, mas em razão de pedido ou
influência de terceira pessoa, a quem lhe interessa agradar ou adular.
Esclarece Heleno Claudio Fragoso (1989, p. 422-423, apud GRECO, R., 2012, p. 428-
429):

[...] é certamente forma menos grave do crime: o funcionário neste caso não
se vende. Transige, porém, com o seu dever funcional para atender a pedido
de amigos ou pessoas influentes (o que entre nós é verdadeira praga). Esta
forma do crime aproxima-se da prevaricação. Na primeira hipótese, há um
peditório: um pedido é formulado ao agente. Na segunda, o funcionário
pratica a ação sob a influência de alguém, como no exemplo de Viveiros de
Castro: ‘o funcionário público sabe que seu superior é amigo da parte,
interessa-se por ela, e não hesita em deferir a pretensão injusta’.
A eventual vantagem recebida pelo autor do pedido ou por quem exerce a
influência não altera a situação do agente.

Importante notar que há uma linha tênue que separa esta modalidade de corrupção do
crime de prevaricação. A diferença desta forma privilegiada para aquele delito, previsto no
art. 319 do diploma repressivo se revela na medida em que este ocorre para satisfazer
interesse ou sentimento pessoal, enquanto aquela ocorre quando o agente cede a pedido ou
influência de outrem. Portanto, na corrupção passiva privilegiada há uma conduta ativa do
43

extraenus, à qual o agente adere, ao passo que na prevaricação o retardo ou omissão do ato de
ofício decorre do próprio animus do funcionário, inexistindo uma influência externa.

2.8 PENAS E AÇÃO PENAL

As penas cominadas no caput do art. 317 são, cumulativamente, de reclusão, de dois a


doze anos, e multa. Tal pena é decorrência da alteração promovida pela Lei nº 10.763/03, a
qual a aumentou, de forma que, por ser mais gravosa, para os fatos praticados antes de 13 de
novembro de 2003, data de vigência da norma, a pena será a da redação anterior, de um a oito
anos, e multa.
Na figura majorada, do § 1º do artigo, há a majoração de um terço da sanção. Também
irá se aplicar o aumento de um terço caso o agente se enquadre nas hipóteses do § 2º do art.
327, observada a regra do art. 68 do código.
Já na figura privilegiada, do § 2º do art. 317, as penas são alternativas: de três meses a
um ano de detenção, ou multa.
Em todas as hipóteses, a ação penal sempre será pública incondicionada.
No caso da modalidade privilegiada, compete ao Juizado Especial Criminal processar
e julgar o feito, tendo em vista que a pena máxima cominada em abstrato não ultrapassa o
limite de dois anos, na forma do art. 61 da Lei nº 9.099/95.
Assim, caberá transação penal quando se estiver diante do § 2º do art. 317, ainda que
combinado com a majorante do § 2º do art. 327.
Quanto à possibilidade de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da
Lei nº 9.099/95, também será possível quando se estiver diante da figura privilegiada do § 2º
do art. 317, mesmo que incidam os aumentos do § 1º do mesmo artigo ou do § 2º do art. 327.
Igualmente, será possível propor a suspensão condicional do processo para os fatos
cometidos antes da vigência da Lei nº 10.763/03, contanto que o crime seja praticado na
forma do caput do 317, na sua forma simples, não incidindo nenhuma causa de aumento.
Por fim, é importante ressaltar que, em havendo a condenação por corrupção passiva
transitada em julgado, poderá ocorrer a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo nas
hipóteses previstas no art. 92, I, ‘a’, do Código Penal, ou seja, quando aplicada pena privativa
de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, desde que a perda seja motivadamente
declarada na sentença condenatória. Também poderá tal punição ser cumulada com a
44

inabilitação para o exercício de cargo público, prevista no art. 47, II, c/c o art. 56 do mesmo
diploma legal. A possibilidade é aceita em nossos tribunais, consoante a seguinte ementa:

CORRUPÇÃO PASSIVA - PENA - BIS IN IDEM - INOCORRÊNCIA -


INABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO
CUMULADA COM PERDA DE CARGO PÚBLICO -
ADMISSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 47, II, C/C O ART. 56
DO CP.
Valendo-se o agente de cargo público para solicitar da vítima quantia em
dinheiro, a condenação à inabilitação para o exercício de cargo público não
se mostra incompatível com a decretação da perda de cargo público ou
tampouco configura bis in idem (art. 47, II, c/c o art. 56, ambos do CP).

(EI 1999.71.09.001327-0, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, TRF 4
– 4ª Seção, Julgado em: 20/04/2006, Publicado em: 10/05/2006, DJU)
45

3. CORRUPÇÃO ATIVA:

Trata-se de crime previsto no art. 333 e §§ do Código Penal, no Capítulo II de seu


Título XI, in verbis:

Corrupção ativa

Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público,


para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da


vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o
pratica infringindo dever funcional.

Assim como ocorreu com a corrupção passiva, a Lei nº 10.763, de 12/11/2003 alterou
a redação original do artigo, aumentando a pena mínima e máxima do caput do artigo. A
antiga pena do caput, que previa “reclusão, de um a oito anos, e multa” foi alterada para
“reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”. No entanto, devido à garantia da
irretroatividade da lei penal maléfica, prevista no art. 5º, XL, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, a nova pena não será aplicada para fatos cometidos antes da
vigência da referida lei, sobretudo pelo fato de ser muito mais grave, impedindo o
oferecimento da suspensão condicional do processo em alguns casos, conforme será visto
mais adiante.
46

3.1 CONCEITO E OBJETIVIDADE JURÍDICA

A corrupção ativa se caracteriza pelo agente oferecer ou prometer vantagem indevida a


funcionário público, diretamente ou por interposta pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir
ou retardar ato de ofício.

3.1.1 Elementos do tipo

Trata-se de crime comum no que diz respeito ao sujeito ativo e próprio quanto ao
sujeito passivo. É doloso, de forma livre e comissivo, no entanto pode ser praticado pela via
de omissão imprópria, na forma do art. 13, §2º do Código Penal.

É um tipo penal misto alternativo, pois a prática de mais de uma conduta deverá
importar em infração penal única. Assim sendo, se o agente promete e oferece a vantagem
indevida a funcionário, deve ser responsabilizado por um único crime de corrupção ativa.

3.1.1.1 Elementos subjetivos do tipo

O primeiro elemento subjetivo do tipo é o dolo, a vontade livre e consciente de


oferecer ou prometer a vantagem, com conhecimento de que é indevida e se endereça a
funcionário público. Não há previsão, portanto, de modalidade de natureza culposa, sendo
esta atípica.

Já o segundo é o elemento subjetivo especial do tipo, consistente em um especial fim


de agir, que é a vontade de determinar o funcionário público a praticar, omitir ou retardar o
ato de ofício. De se ressaltar que este fim especial de agir deve existir antes de o ato de ofício
ter sido praticado, caso contrário não há como o particular exigir a prática de um ato que já foi
realizado.

Se o agente desconhece algum dos elementos que integram a figura típica, poderá ser
arguido o erro de tipo, a exemplo da pessoa que oferece vantagem indevida a alguém
desconhecendo a sua qualidade de funcionário público.
47

3.1.1.2 Elementos objetivos do tipo

Os elementos objetivos do tipo serão individualizados, para melhor estudo. A conduta


típica alternativamente prevê que se ofereça ou que se prometa vantagem indevida a
funcionário público, para determina-lo a praticar, imitir ou retardar ato de ofício.

“Oferecer” denota a ideia da ação de apresentar, de colocar à disposição, exibir. Traz


consigo a imagem de uma proposta para entrega imediata. Já “prometer” expressa o ato de
obrigar-se, comprometer-se, garantir a entrega da vantagem indevida no futuro.

O agente pode se utilizar de todos os meios para corromper o funcionário público,


como palavras, atos, gestos insinuantes, escritos, etc. A execução pode ser praticada por
diversos meios e por diversas formas, porém, precisa ser inequívoca, demonstrando o
propósito de agente. Tal inequivocidade deve estar presente no caso concreto, pois a ação do
sujeito ativo deve necessariamente buscar a “compra” do ato de ofício. Mesmo que o ato de
ofício “comprado” seja lícito, estará configurada a corrupção ativa, conforme se observa pela
ementa abaixo colacionada:

CORRUPÇÃO ATIVA - DELITO EM TESE CONFIGURADO - JUSTA


CAUSA PARA O INQUÉRITO POLICIAL INSTAURADO PARA SUA
APURAÇÃO - PACIENTE QUE TERIA OFERECIDO RECOMPENSA A
POLICIAIS PARA ENCONTRAREM SEU VEÍCULO QUE FORA
FURTADO - RECURSO DE "HABEAS CORPUS" IMPROVIDO -
DECLARAÇÃO DE VOTO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 333 DO CP
DE 1940 E 648, I, DO CPP.
A promessa de recompensa feita urbi et orbi. não dirigida especificamente a
determinado agente da Administração Pública, efetivamente não configura,
sequer em lese, o delito de corrupção ativa. Não, porém, a promessa feita
pessoalmente pelo paciente a policiais, incentivando-os, de forma
inequívoca, a se dedicarem na investigação do furto de que foi vitima e na
recuperação de seu veículo.

(RHC 633919, Rel. Min. Francisco Rezek, STF 2ª Turma, Julgado em:
22/10/1985; Publicado em: 13/12/1985)

O objeto material da ação criminosa é a “vantagem indevida”, ou seja, o conteúdo da


oferta ou promessa. Como já explicado no capítulo da corrupção passiva, o legislador não a
definiu como vantagem patrimonial, portanto, pode ser entendida como todo benefício ou
proveito contrário ao Direito, estando sujeito a juízo de valoração por parte do intérprete da
48

norma. Na ausência de oferta ou promessa de vantagem, não há delito. Logo, se o agente, sem
oferecer ou prometer qualquer utilidade ao funcionário, pede-lhe um favor, com violação de
dever funcional, não comete crime algum. Ademais, se a vantagem oferecida ou prometida é
devida ao funcionário, a conduta será atípica.

Também, como já exposto ao se tratar da corrupção passiva, inexiste crime no


oferecimento de pequenos agrados por particulares, com a finalidade de conquistar a simpatia
dos funcionários públicos. Esses pequenos mimos oferecidos ao funcionário não possuem o
ânimo de corrompê-lo, não se amoldando no tipo penal em análise. Exemplos destes pequenos
presentes são aqueles dados em festividades natalinas ou de Ano Novo, como no caso de
comestíveis, bombons, canetas, garrafas de vinhos e afins. Damásio Evangelista de Jesus
(2003, p. 235), a despeito de se referir ao agradecimento por um ato já praticado, escreve
sobre o assunto:

Não há crime na hipótese do sujeito da ao funcionário pequenas gratificações


ou doações em agradecimento a comportamento funcional seu. Nesse caso, o
servidor público não está sendo corrompido, mas objeto de uma gratidão do
contribuinte, satisfeito com sua atuação funcional. Não existe oferta ou
promessa de vantagem, mas conduta de agradecimento posterior ao ato de
ofício, o que descaracteriza o delito.

Também neste sentido, a seguinte ementa:

CORRUPÇÃO ATIVA - DESCARACTERIZAÇÃO - PRESIDIÁRIO QUE


OFERECE PAR DE TÊNIS A POLICIAL COMO GRATIDÃO AO BOM
TRATAMENTO REITERADO PELA PERMANÊNCIA DE SER
"LEGAL" COM O PRESO - EXPRESSÃO "LEGAL" QUE PERMITE
VÁRIAS INTERPRETAÇÕES - AUSÊNCIA DO DOLO VISANDO
EFETIVAMENTE À PRÁTICA, À OMISSÃO OU AO
RETARDAMENTO DE ATO DE OFÍCIO DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO
- ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - INTELIGÊNCIA DO ART. 333 DO
CP.
I. Para a caracterização da corrupção ativa (art. 333 do CP), faz-se necessária
a presença do dolo, exigindo-se ainda o elemento subjetivo específico, qual
seja, a vontade de fazer o funcionário praticar, omitir ou retardar ato de
ofício, o qual tem de ser inerente às atividades daquele a quem é oferecida
ou proposta a vantagem. II. Se não há elementos nos autos que permitam
aferir, ao certo, a real intenção do agente no momento em que ofereceu ou
propôs a vantagem ao funcionário público, a absolvição é medida que se
impõe. III. Apelação a que se nega provimento.

(Ap. Crim. 2006.41.00.001309-7, Rel. Des. Federal César Jatahy Fonseca,


TRF1 – 3ª Turma, Julgado em: 07/12/2009; Publicado em: 07/12/2009, DJF)
49

Não há que se falar em corrupção ativa se o agente oferece ou promete a vantagem


indevida ao funcionário público após a prática de sua conduta funcional, seja ativa ou
omissiva. O comportamento visado pelo agente deve ser realizado no futuro, portanto, caso já
tenha sido realizado, não há crime, pois a vantagem indevida deve ser dada para que se faça, e
não porque se fez alguma coisa. Em tal sentido, a seguinte ementa:

CORRUPÇÃO ATIVA - DESCARACTERIZAÇÃO - OFERECIMENTO


DE VANTAGEM INDEVIDA A FUNCIONÁRIO PÚBLICO APÓS O
CUMPRIMENTO DE ATO DE SEU OFÍCIO - INEXISTÊNCIA DE
PROMESSA ANTERIOR - VOTO VENCIDO.
O oferecimento de vantagem indevida a oficial de justiça após o
cumprimento de diligência, apenas como gratificação, não configura o
crime de corrupção ativa, que pressupõe a existência de promessa anterior
de recompensa. [sem grifos no original] Ementa do voto vencido, pela
Redação: Não configura o crime de corrupção passiva o recebimento de
vantagem pecuniária por oficial de justiça, após já ter sido realizada a
diligência de forma regular, por se tratar de gratificação pela dificuldade em
realizar o ato.

(HC 343.061-3/0, Rel. Des. Antonio Gomes de Amorim, TJSP – 5ª Câmara,


Julgado em: 19/04/2001; Publicado em: 30/04/2001)

Igualmente, será atípica a conduta do particular que oferece vantagem indevida para
que o funcionário deixe de praticar ato ilegal que o prejudica ou que não é da sua
competência. O ato que se pretende comprar deve ser ato de ofício, da competência do
funcionário. Se o particular age desta maneira para evitar um dano injusto, assim procede em
defesa própria. A respeito do tema, versa Cezar Roberto Bittencourt (2007, p. 208):

O crime de corrupção ativa somente se aperfeiçoa quando a promessa ou


oferta de vantagem indevida tem por objetivo que funcionário público, no
exercício de sua função, pratique, omita ou retarde ato de ofício. E não é,
pode-se afirmar, ato de ofício o praticado contra as normas vigentes ou a
sistemática habitual. Quando determinado ato pode ser realizado “por
qualquer do povo”, à evidência, não se trata de “ato de ofício”. Com efeito,
para a configuração do crime de corrupção ativa exige-se que o ato cuja ação
ou omissão é pretendida esteja compreendido nas específicas atribuições
funcionais do servidor público visado. Se o ato não é da competência do
funcionário, poder-se-á identificar qualquer outro crime, mas, com certeza,
não o de corrupção ativa. [grifos no original]
50

No entanto, se o particular oferece ou promete a vantagem indevida não por medo da


prática de um ato injusto, mas sim de que o funcionário público pratique um ato de ofício seu,
que poderia lhe prejudicar, restará configurada a corrupção ativa. A jurisprudência de nossos
tribunais assim se posiciona, conforme a ementa colacionada:

CORRUPÇÃO ATIVA - PARTICULAR IMPULSIONADO A


RETRIBUIR AO FUNCIONÁRIO PÚBLICO, NÃO PELO MEDO DE
EVITAR UM DANO INJUSTO, MAS PELO TEMOR DE QUE AQUELE
EXERCITE EM SEU PREJUÍZO ATOS DE OFÍCIO LEGÍTIMOS -
AGENTE QUE, LONGE DE SER VÍTIMA, TORNA-SE SUJEITO ATIVO
E AGE EM DANO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, PARA
CONSEGUIR VANTAGEM INDEVIDA - INTELIGÊNCIA DO ART. 333
DO CP.
Quando o particular é impulsionado a retribuir ao funcionário público, não
pelo medo de evitar um dano injusto, mas pelo temor de que aquele exercite
em seu prejuízo atos de ofício legítimos, necessariamente se concretiza o
delito de corrupção ativa, previsto no art. 333 do CP, porque o particular,
longe de ser vítima dominada pelo metus publicae potestatis, torna-se sujeito
ativo e age em dano da administração pública, para conseguir vantagem
indevida.

(AP 341.761, Rel. Des. Dante Busana, TJSP - 3ª Câmara Criminal, Julgado
em: 08/03/2001; Publicado em: 24/03/2001)

A definição do “funcionário público” a que se refere o caput é aquela do art. 327 e de


seu § 1º, a qual é uma noção extensiva, compreendendo até mesmo quem exerce atividade em
empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica
da Administração Pública.

3.1.2 Da atipicidade da entrega de vantagem indevida solicitada pelo funcionário

Uma importante observação é que, enquanto a corrupção passiva possui três


modalidades, quais sejam, “solicitar”, “receber” ou “aceitar” a vantagem indevida, a
corrupção ativa possui apenas duas, quais sejam, “oferecer” e “prometer”. De se notar que há
uma correspondência de tais crimes entre as condutas de oferecer e receber, assim como entre
prometer e aceitar. Ocorrendo algum desses pares de condutas, necessariamente se concretiza
uma convergência de vontades, consumando-se tanto o crime do art. 317 quanto do art. 333
do Código Penal. Nestes casos, há um pactum sceleris, um ajuste de vontades entre corrupto e
corruptor.
51

Sob outra ótica, é de se afirmar que sempre que houver um comportamento comissivo
por parte do particular que caracterize a corrupção ativa, como quando oferece ou promete
uma vantagem indevida, caso o funcionário público adira à sua vontade, aceitando ou
recebendo a vantagem, estará caracterizada a corrupção passiva.
No entanto, o contrário não se vislumbra. Caso seja o funcionário público quem tenha
um comportamento comissivo, solicitando uma vantagem indevida, mesmo se o particular dê
tal vantagem, apenas a corrupção passiva estará caracterizada. Isto porque a conduta do
particular será atípica, não existindo previsão legal que incrimine tal ação, de forma que, à
conduta de “solicitar”, prevista no art. 317 do Código Penal, não há correspondente no artigo
333.
Nesse ponto, leciona Rogério Greco (2012, p.527):

Imagine-se a hipótese em que determinado fiscal solicite de um comerciante


o pagamento de uma vantagem indevida. Mesmo não tendo nada a temer,
pois sua contabilidade encontra-se perfeita, o comerciante, preocupado com
a possibilidade de sofrer alguma retaliação por parte do fiscal corrupto,
concorda em fazer o pagamento da importância que lhe havia sido solicitada.
Nesse caso, poderia o comerciante ser responsabilizado pelo delito de
corrupção ativa? Entendemos que não, pois no tipo penal do art. 333 não se
encontra a previsão do núcleo dar, ao contrário do que ocorre com os delitos
mencionados nos arts. 309 do Código Penal Militar e 337-B do Código
Penal.
Assim, por não ser possível o recurso à analogia in malam partem, deverá
ser considerado atípico o comportamento do extraneus que, cedendo às
solicitações do funcionário corrupto, lhe dá a vantagem indevida. [grifos no
original]

De se supor que a vontade do legislador ao não incluir o referido núcleo “dar” no tipo
penal foi de proteger o particular, que se encontra em uma posição de hipossuficiência em
relação ao funcionário público, podendo sentir-se coagido a entregar a vantagem indevida
solicitada, pois, do contrário, correria o risco de sofrer alguma arbitrariedade da parte do
funcionário.
No entanto, aqui também se vislumbra uma desproporcionalidade. Apesar do
legislador não criminalizar a conduta do particular que dá a vantagem indevida no crime de
corrupção ativa, entendeu de forma diversa ao tipificá-la no art. 309, § 1º, do Código Penal
Militar, bem como no art. 337-B do Código Penal, os quais trazem, respectivamente, os
crimes de corrupção ativa de militar e corrupção ativa em transação comercial internacional.
Nestes dois delitos, considera-se crime a conduta do particular que dá a vantagem indevida
52

solicitada pelo funcionário público, o que se mostra razoável, na medida em que protege de
forma efetiva o bem jurídico tutelado.

3.2 BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO

Assim como na corrupção passiva, o bem jurídico protegido aqui é a Administração


Pública, em específico a sua moralidade. Também se protege sua probidade e integridade,
bem como a de seus funcionários.

A repressão dos corruptores revela-se necessária para evitar que agentes públicos de
frágil formação moral sejam estimulados a atentar contra o princípio da probidade
administrativa.

3.3 SUJEITO ATIVO

Contrapondo-se à corrupção passiva, que é crime próprio de funcionário público, a


corrupção ativa é crime comum, de forma que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa,
independentemente de condição ou qualidade pessoa.
O sujeito ativo pode ser um particular sem qualquer vínculo com a Administração
Pública, porém, pode ser também um funcionário público, contanto que não aja como tal, ou
seja, no exercício das suas funções ou em razão delas. Neste caso, o funcionário público que
for autor do delito de corrupção ativa estará agindo equiparado a um particular, inexistindo
qualquer óbice para que prometa ou ofereça vantagem indevida a outro agente público.
Como a corrupção ativa pode ser praticada diretamente ou mediante interposta pessoa,
é possível que ocorra coautoria ou participação de outro particular ou funcionário público, na
forma do art. 29 do Código Penal. Neste sentido, a seguinte ementa traz:

HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA.


TRANCAMENTO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA. COAÇÃO
ILEGAL NÃO EVIDENCIADA. 1. O trancamento da ação penal por meio
de habeas corpus é medida de índole excepcional, restrita às hipóteses em
que evidenciada, de plano, a atipicidade da conduta, a inexistência de
qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria ou materialidade do
delito ou, ainda, alguma causa excludente de punibilidade. Precedentes. 2.
No caso, a paciente foi presa em flagrante delito ao entregar a quantia de R$
20.000,00 (vinte mil reais) a policiais, com vistas a dar causa à liberação de
53

presos em operação policial.3. Embora a oferta da quantia não tenha


partido da paciente, mas de um corréu, não é o caso de se cogitar como
atípica a sua conduta, pois, nos termos do art. 29 do Código Penal, comete
o crime não só aquele que pratica o delito, mas todos os que concorrem
para ele, na medida de sua culpabilidade. Prematuro tentar estabelecer, em
sede de cognição sumária, se a ação perpetrada pela paciente foi de boa-fé.
[sem grifos no original] 4. Ordem denegada.

(HC 147054, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, STJ Sexta Turma, Julgado
em: 07/02/2012; Publicado em: 09/02/2012)

Conforme já exposto, para a maioria da doutrina não há concurso eventual de pessoas


entre corruptor e corrompido, configurando exceção à teoria monista, devendo cada um dos
envolvidos responder por um tipo penal autônomo. Também é de se notar que não há
concurso necessário de crimes, podendo se verificar, no caso concreto, a ocorrência de ambas
as infrações, como também pode existir apenas a corrupção ativa ou somente a passiva.

3.4 SUJEITO PASSIVO

Da mesma forma que na corrupção passiva, o sujeito passivo é o Estado-


Administração, representado pela União, Estado-membro, Distrito Federal e Município, além
da entidade de direito público ou das pessoas mencionadas no art. 327, § 1º, do Código Penal
afetadas.
Secundariamente, também pode ser sujeito passivo o funcionário público, desde que
não aceite a vantagem indevida, pois, do contrário será considerado autor do crime de
corrupção passiva.

3.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Trata-se de crime formal, o qual se consuma com o efetivo conhecimento, pelo


funcionário, do oferecimento ou da promessa da vantagem indevida, ainda que venha a
recusar a proposta delituosa. Basta a mera possibilidade de dano, sendo a entrega da vantagem
prometida ou ofertada mero exaurimento do crime, um post factum impunível.

Damásio Evangelista de Jesus (2003, p. 236) expõe os motivos pelos quais a


corrupção ativa se configura como crime formal e não de mera conduta. Explica que no
presente delito o legislador expressa o resultado requerido pelo sujeito, que é a realização,
54

omissão ou retardamento de ato de ofício, enquanto que nos crimes de mera conduta “o tipo
só menciona o comportamento do agente, sem fazer menção ao resultado visado”.

A tentativa é admissível, contanto que seja possível fracionar o iter crminis. O


entendimento predominante na doutrina é que é admissível somente na hipótese da conduta
ter sido praticada por escrito e interceptada antes de chegar ao conhecimento do funcionário
público, ou que o seu conteúdo não tenha chegado ao funcionário antes que praticasse,
omitisse ou retardasse um ato de ofício, consoante se depreende da ementa abaixo
colacionada:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO ATIVA. CRIME


IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. TENTATIVA. ELEMENTARES NÃO
DESCRITAS NA DENÚNCIA. MUTATIO LIBELLI.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 453/STF. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.
MANUTENÇÃO.
1. No delito de corrupção ativa, oferecida por escrito a vantagem indevida
ao funcionário público, a circunstancial conduta do servidor deixar de lado
o bilhete para lê-lo somente após concluído o ato oficial que se buscava
evitar caracteriza o crime na sua forma tentada, pois esgotados os atos
executórios do agente, cuja consumação não se verificou por circunstâncias
alheias a sua vontade.
2. Não há crime impossível na conduta descrita, pois bastaria ter o servidor
lido o bilhete quando de sua entrega para que consumado fosse o crime.
Impossível seria a oferta de vantagem para não realizar ato já consumado,
não a leitura posterior da tempestiva oferta .[sem grifos no original]
3. Postulada a condenação pelo delito previsto no art. 333 do Código Penal
na forma consumada e não estando descritas na denúncia, nem mesmo
implicitamente, as elementares do crime tentado, deveria ter sido aplicada a
providência prevista no artigo 384, CPP - mutatio libelli -, que não é
admitida em grau recursal - Súmula 453/STF.
4. Impõe-se a manutenção do decreto absolutório, porém por fundamentos
diversos daqueles utilizados na sentença recorrida.

(ACR 812, Rel. Juiz Federal Néfi Cordeiro, TRF4 - Sétima Turma, Julgado
em: 04/07/2006, Publicado em: 19/07/2006, página 1211)

3.6 CAUSA DE AUMENTO DE PENA

O parágrafo único do art. 333 dispõe que a pena se aumenta de um terço se o


funcionário corrompido, em razão da oferta ou da promessa, retarda ou omite ato de ofício, ou
pratica ato com infração a dever funcional. Logo, de se notar que, se o funcionário público,
em decorrência da ação do corruptor, pratica ato de ofício, a pena será a do caput. Todavia, se
55

o ato é devido, mas tarda ou não é praticado, ou se o ato praticado é indevido, incide a
majorante de um terço.
Resulta tal causa de aumento do maior prejuízo causado à Administração Pública,
além da maior culpabilidade do agente, já que, ao atingir o resultado que desejara,
desprestigia mais o poder público perante os administrados.
De se ressaltar que há uma bilateralidade necessária para a aplicação desta majorante.
Em sendo aplicado ao particular corruptor o aumento de pena de um terço previsto no
parágrafo único do art. 333, necessariamente será aplicado ao funcionário público corrompido
o aumento de pena previsto no § 1º do art. 317, pois estará sendo reconhecida a existência do
mesmo fato.

3.7 PENAS E AÇÃO PENAL

A pena da corrupção ativa é a idêntica à da corrupção passiva. No caput do art. 333, as


penas são, cumulativamente, de reclusão, de dois a doze anos, e multa. Também tais penas
foram alteradas Lei nº 10.763/03, a qual as aumentou, de forma que por se vedar a
retroatividade in pejus, somente se aplica aos fatos praticados após 13 de novembro de 2003,
data de vigência da norma, aplicando-se a pena da redação anterior aos crimes praticados
antes da data, qual seja, reclusão, de um a oito anos, e multa.

Incidindo a causa de aumento do parágrafo único artigo, há a majoração de um terço


da pena.

Em ambos os casos, a ação penal sempre será pública incondicionada.

Para os fatos cometidos antes da vigência da Lei nº 10.763/03, a suspensão


condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, será cabível nas penas do
caput. Após 13 de novembro de 2003, não é mais cabível, porque aí a pena mínima já é
superior a um ano.
CONCLUSÃO:

Ao final da presente exposição, o que se conclui é que a corrupção não é um mal


recente, constituindo um conjunto de práticas que se reproduziram em várias civilizações ao
longo da história. No entanto, a despeito de sua historicidade, merece ser combatida com
afinco, de forma a sempre se evitar a sua disseminação.
O que se pôde notar, através de uma análise das legislações penais anteriores, é que
todos os diplomas legais da história do Brasil criminalizaram a corrupção, no entanto, isso
não significa que houve políticas públicas adequadas para combatê-la. Definir uma conduta
como crime não irá evitá-la sem que haja um forte movimento de repreensão à sua prática.
Neste ponto, se por um lado pode se notar certo aumento nos casos de corrupção
noticiados na mídia na última década, por outro lado é sinal de que começa a despontar uma
conscientização do fenômeno na sociedade, provocando movimentos tendentes à mudança.
Assim, em contraponto à corrupção, que é um fator de deslegitimação do poder,
despontam manifestações legítimas da vontade do povo, como a Lei nº 10.763/03, a qual
aumentou as penas dos crimes de corrupção ativa e passiva, assim como a Lei nº 9.840/97 e a
Lei Complementar nº 135/2010. A legislação existente, se corretamente aplicada, poderia
minimizar os efeitos da corrupção.
Em tal sentido, os crimes de corrupção ativa e passiva se mostram como importantes
indicadores para compreensão do fenômeno da corrupção pública. O que se observou neste
trabalho é que existe uma legislação que, apesar de possuir certas falhas, permite o seu
combate, havendo também uma jurisprudência consolidada no sentido de evitar tais crimes.
No entanto, no mais das vezes, a prática de tais crimes nunca chega ao conhecimento dos
tribunais, permanecendo obscura devido à falta de controle dos atos funcionais.
A melhor de forma de se combater a corrupção, incluindo aí os crimes de corrupção
passiva e ativa, é através da transparência e da participação popular. Nas palavras de Carlos
Pinto Coelho Motta, "a lei não pode evitar a corrupção, mas a sociedade, esta sim, pode
eliminá-la através da participação e da vigilância" (2001, p. 536, apud BORGES, 2007, p.
219).
Conquanto a corrupção não possa ser de todo eliminada, pode sim ser reduzida a
níveis ínfimos, através da transparência do poder, aliada à conscientização social e à correta
aplicação da lei.
BIBLIOGRAFIA:

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 13 ed. São Paulo:
Saraiva, 2008. 416 p.

___________. Tratado de direito penal: parte especial 5. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 83-
91; 208 p. 5 v.

BORGES, Maria Cecília Mendes. Licitação e Rigor Formal: A questão das comissões de
licitação e o reflexo nas finanças públicas. Separata de: Revista Tributária e de Finanças
Públicas, São Paulo, v. 72, p. 219, jan. 2007.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal de 1940.


Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, RJ. Disponível em:
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___________. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Institui o Código Penal de 1890.


Diário Oficial dos Estados Unidos do Brazil, Rio de Janeiro, RJ. Disponível em:
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___________. Decreto-lei nº 1.004, de 21 de outubro de 1969. Institui o Código Penal de


1969. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del1004.htm>. Acesso em: 26 fev.
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___________. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal do


Império do Brazil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LIM/LIM-16-
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