Poemas Herbert

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - UnB

DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS E TRADUÇÃO - LET

CURSO DE LETRAS - TRADUÇÃO INGLÊS

Débora Lausani G. Santos

Traduzir George Herbert

Brasília-DF

2021
Débora Lausani G. Santos

Traduzir George Herbert

Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado


Letras Tradução Inglês - Universidade de Brasília
Orientação: Prof. Dr. Eclair Antônio Almeida Filho.

Brasília-DF

2021
Resumo

O tema deste trabalho foi a tradução de poesia transcendente do início do


século XVII, com foco na obra do inglês George Herbert, autor de grande influência
na literatura em língua inglesa, porém, pouco conhecido no Brasil. Com o objetivo de
apresentar um recorte de sua obra e explicitar o próprio ato tradutório, decidiu-se
pela abordagem dos teóricos desta área, tradução dos poemas selecionados e
discussão das escolhas realizadas. Este processo resultou na produção dos poemas
em língua portuguesa e na reflexão teórica tão necessária a esse campo de estudos,
sobre esta “ponte” que as demais áreas do conhecimento humano frequentemente
precisam atravessar.

Palavras-chave: Tradução poética. Poesia religiosa. Século XVII


Abstract

Translating Herbert’s Poetry

This work is about translating the transcendental poetry of the early 17th
Century, focusing in the work of George Herbert. He was an author of great influence
on English Literature, although, he is little-known in Brazil. Aiming in presenting an
excerpt of his work and manifest the translation act, an approach was made to the
scholars of this field; a set of selected poems were translated; and the translation
process and choices were analyzed; The result of this exercise were the production
of the poems in Portuguese and the theoretical thought essential in this field, on this
“bridge” that the other areas of knowledge frequently need to cross.

Key words: Translation. Religious poetry. 17th Century


Sumário

Sumário ....................................................................................................................... 5
1 - Introdução .............................................................................................................. 6
1.1 Tema .................................................................................................................. 6
1.2 Obra ................................................................................................................... 6
1.3 O Autor ............................................................................................................... 8
2 - Referencial teórico ............................................................................................... 12
2.1 Paulo Henriques Britto ..................................................................................... 12
2.2 Álvaro Faleiros ................................................................................................. 17
3 - Relatório de tradução ........................................................................................... 19
3.1 - Poemas .......................................................................................................... 21
3.1.1 - O Altar ......................................................................................................... 21
3.1.2 - A Agonia ..................................................................................................... 22
3.1.3 - Natureza ..................................................................................................... 24
3.1.4 - Amor III ....................................................................................................... 25
3.1.5 - A Morte ....................................................................................................... 26
3.1.6 - Aflição II ...................................................................................................... 27
3.1.7 - O Elixir ........................................................................................................ 28
3.1.8 - A Flor .......................................................................................................... 29
3.1.9 - Negação...................................................................................................... 31
4 - Considerações Finais ........................................................................................... 33
A escolha pela tradução literária ............................................................................ 33
5 - Referências Bibliográficas .................................................................................... 36
1 - Introdução

1.1 Tema

Para este trabalho, o tema escolhido foi a tradução de poesia. A produção


poética, além de outras manifestações como as artes plásticas e o canto, são alguns
interesses desta estudante desde a infância e adolescência. Entretanto, sem
conseguir conectar a poesia à música nem perceber outras formas de inserção
profissional por meio destas artes, foi escolhido outro rumo, a arquitetura, que a
afastou de sua vocação. Afortunadamente, foi possível voltar às letras e, quem sabe,
um dia também às artes plásticas, cuja inspiração a arquitetura quase dizimou.

Por meio da tradução literária, o contato eventual com a poesia despertou


novamente esse antigo interesse. Os poemas, com sua característica compacta,
podem carregar uma imensidão de sentidos e emoções. A profundidade dos
sentimentos encontrados em uma das poesias de Herbert, “Love III”, levou à decisão
de explorar um pouco mais sua obra, aproveitando a presente oportunidade. A partir
desta escolha, o objetivo deste trabalho foi analisar brevemente o ato tradutório
diante da poesia de Herbert.

1.2 Obra

Para este trabalho, foi selecionado um recorte da obra poética do inglês


George Herbert. Os poemas escolhidos fazem parte da coleção The Temple, escrita
no século XVII, sendo este poeta de um período próximo ao de Shakespeare, John
Donne, Francis Bacon, entre outros escritores ingleses de destaque. A linguagem
deste período muitas vezes revela traços do significado de expressões correntes no
inglês que já não são visíveis na língua atual, o que por si só já desperta a
curiosidade daqueles que se interessam por esta cultura e sua língua.

Ao buscar informações em português sobre o autor e a obra, pouco material


foi encontrado, a maioria traduções livres publicadas em blogs ou páginas pessoais.
Em um grande marketplace com foco principal em livros, a única obra com título em
português parecia tratar-se da tradução apenas do nome do produto a venda, não
de um livro em português(1). Assim, alguns trechos de informações em inglês estão
alinhados às respectivas traduções desta estudante constituindo parte do recorte
tradutório escolhido.

De fato, sua obra parece pouco conhecida atualmente:

The date 1633 is a significant one 1633 é uma data muito importante
in the history of English poetry. In na história da poesia inglesa.
that year, two remarkable Naquele ano foram publicadas
collections of verse were duas memoráveis coletâneas
published posthumously: the póstumas: os poemas de John
poems of John Donne, and The Donne e The Temple, de George
Temple by George Herbert. Donne Herbert. Donne já era conhecido
was well known in his lifetime as a como um renomado pregador e
distinguished preacher and Dean reitor da Catedral St. Paul;
of St Paul’s Cathedral; He is now Atualmente ele é amplamente
widely admired for his witty love- admirado por suas sátiras
poetry, dynamic satires, and dinâmicas, espirituosas e poéticas
religious verse and prose. e pela prosa e verso religioso.
Herbert, by contrast, ended his life Herbert, por outro lado, partiu em
in relative obscurity as the rector relativa obscuridade, como
of a rural parish near Salisbury, sacerdote de uma paróquia rural
and some modern readers may próxima de Sallisbury, e alguns
have assigned him an equivalent leitores modernos lhe designariam
place in the landscape of English papel semelhante no cenário da
poetic achievement. Since his poesia inglesa. Considerando que
verse output consisted of just one sua produção poética consiste em
modest book containing nothing apenas um modesto volume
but devotional poetry, does contendo nada mais que poesia
Herbert’s work really deserve to devocional, será que a obra de
be placed alongside that of the Herbert merece ser colocada lado
other major names celebrated in a lado com os grandes nomes
this volume? celebrados neste volume?

(WILCOX, 2011, published online) (WILCOX, 2011, publicado online)

1 - George Herbert, reitor de Bemerton: Poemas de “O templo” Capa comum -


Importado, 1 janeiro 1976 https://www.amazon.com.br/George-Herbert-reitor-
Bemerton-Poemas/dp/B0000E81ZF Acesso: 01/11/ 2021
1.3 O Autor

George Herbert foi um escritor, clérigo e orador da Universidade de Cambridge no


século XVII, tendo escrito mais de 150 poemas, que compõe a coleção The Temple,
além de se dedicar a prosa e à música. Suas principais obras foram Memoriae
matris sacrum (1627) A Priest to the Temple; (1632) e The Temple (1633). De
acordo com Wordsworth (p. 177-247, traduzido e adaptado) em Complete Works of
George Herbert:

George Herbert nasceu em abril de 1593, em Montgomery Castle, Shropshire,


sendo o quinto filho de Richard Herbert e Magdalen Newport, homenageada
por [John] Donne no poema Autumnal Beauty. Nas palavras de Izaak Walton,
Herbert “teve uma infância feliz, sob os olhos e cuidados da mãe e a tutoria
de um capelão”. Estudou os clássicos, grego [e latim] com grande
aproveitamento na Westminster School e deu prosseguimento aos estudos no
Trinity College, Cambridge, onde se tornou orador da universidade, uma
posição de grande prestígio, poucos anos após concluir sua formação em
Master of Arts.

De acordo com Walton, “à medida que ele amadurecia, também crescia em


conhecimento e mais e mais no favor de Deus e dos homens, sendo
perceptível desde a manhã de sua vida que fora marcado para a virtude (...)
pois Deus mantinha sua alma em tal disposição de integridade que ele fosse
um exemplo à posteridade e especialmente a seus pares do clero.”

Sobre ele se dizia, ao longo de todo o tempo que esteve no college, que
“toda, ou sua principal distração dos estudos, era a prática da música, na qual
se tornou um grande mestre (...) e a qual reanimava seu espírito, recompunha
seus distraídos pensamentos e elevava sua alma cansada muito acima da
terra, fazendo-o desejar as alegrias do céu”.

Além do reconhecimento na universidade, Herbert conquistou a estima do rei


James I. Após a morte do monarca, se retirou de Londres para a cidade de
Kent onde vivia de modo discreto, sendo um “amante da solidão” a ponto
deste comportamento ser considerado um agravante na precarização de sua
saúde, além do excesso de estudo.

(...) Na dúvida entre retornar aos prazeres ilusórios da vida na corte, estudar a
divindade ou tomar parte em uma ordem religiosa, como sua querida mãe
frequentemente o persuadia (...) mas, por fim, Deus o inclinou a resolução de
servir em seu altar (...).
Herbert também fez parte da renovação poética inglesa do século XVII, pertencendo
ao grupo dos poetas metafísicos, mas seguindo um caminho próprio:

Herbert belonged to the group of Herbert pertencia ao grupo de


seventeenth-century writers known escritores do século XVII conhecidos
as the metaphysical poets. In como poetas metafísicos. Em
deliberate contrast to the English contraste deliberado com a tradição
poetic tradition of using common poética inglesa de uso de metáforas
metaphors, the work of comuns, a obra destes poetas é
the metaphysical poets is caracterizada pelo uso de metáforas
characterized either by new and novas ou inusitadas, ou metáforas
unusual metaphors or by tradicionais utilizadas de novas
traditional metaphors used in new maneiras. Herbert fez sua
ways. Herbert made the form his apropriação da forma pela
own with a simplicity of diction and simplicidade da dicção e da
metaphor. Presenting ideas with metáfora, apresentando suas ideias
logical persuasion, Herbert finds por meio da persuasão lógica. Ele as
metaphors in everyday experience encontra nas experiências cotidianas
(…) as opposed to the (...) ao contrário da linguagem
sophisticated language of other sofisticada dos demais escritores
metaphysical writers. metafísicos.

(…) (...)

Legacy: Although Herbert was a Legado: Embora Herbert fosse um


writer of humility and integrity—not escritor de humildade e integridade –
one in search of celebrity—he has não buscando sua própria fama – ele
nonetheless been a popular, ainda assim foi popular e influente ao
influential writer through the years. longo do tempo. Muitos escritores do
Many seventeenth-century poets— século dezessete – poetas
metaphysical poets Richard metafísicos como Richard Crawshaw
Crawshaw and Henry Vaughan, e Henry Vaughan, por exemplo –
for example—openly reconhecem abertamente sua dívida
acknowledged their debt to aos temas e técnicas de Herbert. O
Herbert's techniques and subjects. impressionante alcance de sua
The impressive reach of Herbert's influência inclui escritores que vieram
influence includes such later muito depois, como Samuel Taylor
writers as Samuel Taylor Coleridge, Ralph Waldo
Coleridge, Ralph Waldo Emerson, Emily Dickinson, Gerard
Emerson, Emily Dickinson, Gerard Manley Hopkins, T. S. Eliot, W. H.
Manley Hopkins, T. S. Eliot, W. H. Auden, e Elizabeth Bishop.
Auden, and Elizabeth Bishop.

Works In Critical Context: Contexto Crítico da Obra: Durante


Herbert was a well-respected sua vida, Herbert foi uma figura
figure in his lifetime, praised by respeitada, elogiado por Francis
Francis Bacon and John Donne, Bacon e John Donne, por exemplo.
for example. During the 1600s, Ao longo do século XVII, [a obra]
The Temple was valued for the The Temple foi valorizada pela
simple piety of its religious piedade despretensiosa de seus
sentiments, and many of its sentimentos religiosos e muitos
poems were adapted as hymns. destes poemas foram adaptados
Between 1633 and 1679, thirteen como hinos. Entre 1633 e 1679,
editions of the collection were foram publicadas treze edições
published. Although Methodist desta coletânea. Apesar de o líder
leader John Wesley did adapt metodista John Wesley ter chegado
some of Herbert's poems for his a adaptar alguns dos poemas para
church, interest in the works of a sua igreja, o interesse nos
Herbert and other metaphysical escritos de Herbert e outros
poets declined during the metafísicos decaiu ao longo do
eighteenth century, and no new século XVIII, e não foram lançadas
editions of The Temple were novas edições de The Temple de
issued from 1709 to 1799. The 1709 até 1799. Com a ascensão do
Romantic age, however, saw a Romantismo, entretanto, viu se
revival of appreciation for uma renovação do interesse pelos
Herbert's poetic skills and moral valores morais e pela habilidade
values. His reputation was poética de Herbert. Seu
enhanced by such writers of the reconhecimento foi aprimorado por
eighteenth century as Samuel escritores do século XVIII como
Taylor Coleridge and Ralph Samuel Taylor Coleridge, e Ralph
Waldo Emerson. Waldo Emerson.

While scholars at the beginning Enquanto os acadêmicos do


of the twentieth century começo do século XX viam Herbert
considered Herbert a relatively como um escritor de versos
minor writer of popular didactic didáticos populares, um volume
verse, an increasing number of crescente de pesquisas abordava
studies have approached his sua poesia a partir de diversas
poetry from various perspectives: perspectivas: biográfica, retórica,
biographical, rhetorical, liturgical, litúrgica e literária. Já os críticos
and literary. Contemporary critics contemporâneos de modo geral
generally praise Herbert's work elogiam o trabalho de Herbert como
as a noble attempt to express the uma nobre tentativa de expressar a
indescribable complexities of indescritível complexidade da vida
spiritual life. What was regarded espiritual. O que era visto como
as simple in the past has been simplista no passado foi reavaliado
reevaluated as subtle. Because como sutil; Devido a sua escrita
his writing demonstrates demonstrar flexibilidade técnica,
technical flexibility, analytical inteligência analítica, um talento
intelligence, an exceptional talent excepcional para capturar em verso
for capturing spiritual crises in as crises espirituais, estilo próprio e
verse, a distinctive style, and a uma voz cuidadosa das tradições e
voice mindful of literary traditions convenções literárias, muitos
and conventions, many scholars estudiosos consideram Herbert um
consider Herbert to be one of the dos mais importantes
most important literary figures in representantes da literatura em
the English language. língua inglesa.
(Gale Contextual Encyclopedia of
World Literature, 2018)
Mesmo no século XX sua influência reverbera em grandes nomes da literatura
inglesa, como C.S. Lewis:

At first glance it is surprising that À primeira vista, é surpreendente


C. S. Lewis lists among the ten C.S. Lewis listar entre os dez livros
most important books to shape his mais importantes que moldaram sua
“vocational attitude” and “atitude vocacional” e sua “filosofia
“philosophy of life” George de vida” a obra de George Herbert
Herbert’s The Temple (…). “The Temple” (...).
Lewis’s references to Herbert in As referências a ele em seus
his published writings are trabalhos publicados são raras e
infrequent and widely scattered; muito espalhadas; já ao
while he devotes an entire essay contemporâneo de Herbert, John
to Herbert’s contemporary, John Donne, ele dedicou um artigo
Donne (…). completo (...).
Yet a closer view reveals that Entretanto, um olhar atento revela
Herbert influences Lewis in at que Herbert influenciou Lewis
least three profound ways. The profundamente em pelo menos três
first is the “poetic” voice that gives aspectos: Primeiramente, a “voz
expression to Lewis’s spiritual life poética” que expressava a vida
as revealed in his religious poetry. espiritual de Lewis. Revelada em
The second is the “pastoral” voice sua poesia religiosa. A segunda, a
Lewis develops as a “voz pastoral” que Lewis
correspondent to the many who desenvolveu para responder a
write him letters concerning their tantos que lhe escreviam cartas a
spiritual difficulties (….) respeito das próprias dificuldades
espirituais (...).

(WERTHER e WERTHER, 2015)


2 - Referencial teórico

Para as traduções contidas neste trabalho final, bem como no dia a dia desta
tradutora, todo um arcabouço teórico inconsciente permanece em atividade. Muitas
escolhas que agora parecem naturais se desenvolveram através dos anos de
reflexão proporcionados pelo curso. Entretanto, para fins de fundamentação deste
trabalho, serão expostos alguns dos nomes e teorias que influenciaram a construção
deste saber.

2.1 Paulo Henriques Britto

Em seu livro A tradução literária (2012), no primeiro capítulo, "Algumas


considerações teóricas", Britto inicia refletindo sobre a presença da tradução em
todas as culturas que não sejam completamente isoladas; sobre sua necessidade de
modo direto para tantas atividades, além de todas as pessoas que a utilizam mesmo
sem perceber, ou de forma indireta, quando recorrem aos produtos e serviços de
profissionais que demandam os textos traduzidos para sua formação e exercício
profissional.

Em seguida, Britto (2012, p. 11) delimita o objeto de estudo deste livro, no caso, "a
atividades de recriar obras literárias em outros idiomas (...) – em que consiste o
trabalho do tradutor literário, que espécie de problemas enfrenta e que espécie de
soluções pode encontrar".

O autor então tece um plano de fundo para sua abordagem. Explicita o quanto a
tradução é uma atividade antiga, a princípio realizada por interpretes para possibilitar
a comunicação entre povos que falavam línguas distintas, entretanto, a reflexão
teórica a respeito "parece ter-se iniciado apenas no período romano" (p.12), quando
estes "muito se empenhavam em traduzir textos do grego para o latim"; e se
estabelecido como uma área autônoma do conhecimento apenas a partir dos anos
70.

Em seguida, é levantada a questão da invisibilidade do tradutor e da tradução e o


modo de ver do leigo, com crenças (equivocadas) tais como a atividade se resumir
ao uso de dicionários bilíngues, ou quanto ao fim desta profissão, destinada a se
tornar, dentro de pouco tempo “inteiramente automatizada, feita sem intervenção
humana”.
Britto (2012, p.14) observa que:

"a delimitação entre conceitos próximos, dentro de um mesmo campo


semântico, se faz de modo diferente em línguas diferentes. (...) Às vezes uma
palavra que existe num idioma simplesmente não encontra correspondência
em outro, muito embora a realidade a que ambos se referem seja a mesma.
Um exemplo é a palavra inglesa gossamer. O termo designa aqueles
fragmentos quase invisíveis de teia de aranha – fios soltos levados pelo vento
– que percebemos por vezes quando caminhamos num bosque ou parque,
quando a luz do sol se reflete num deles. Não temos em português nenhuma
palavra para se referir a isso, embora as aranhas daqui produzam tais fios
tanto quanto as que vivem nos países de língua inglesa. Em inglês o termo é
usado em sentido tanto literal quanto metafórico, para indicar algo tão
delicado e frágil – fala se assim no gossamer das ilusões juvenis. Uma
expressão como essa não pode ser traduzida senão com muita liberdade”.

O autor cita outro exemplo (p.15-16), a falta de correspondência entre as


designações para “cidade” entre o inglês e o português:

Português Inglês Observação do


autor

Hamlet: uma povoação


muito pequena

Vila/vilarejo/aldeia Village
e assemelhados

Cidade: Qualquer Town: Cidade não “Não existe na


aglomeração muito grande em meio língua inglesa
humana (...) rural uma palavra que
maior do que uma tenha o sentido
vila/vilarejo/aldeia “Small city” de cidade (...) um
e assemelhados [encontrada por Britto termo genérico
em um romance]: que possa ser
cidade de certo porte, usado para se
em meio referir tanto a
especificamente Arraial do Cabo
urbano, mas de (26mil) quanto a
proporções acanhadas São Paulo
(11milhões de
City: cidade de certo
habitantes)”
porte, em meio
especificamente
urbano
Entretanto, os chamados “casos de intraduzibilidade não se dão apenas quando
falta na cultura um determinado objeto material (...); o problema é ainda mais
complexo quando ‘a coisa’ que a palavra designa não é algo concreto” (p.17). Esta é
uma reflexão muito oportuna para começarmos a pensar a tradução literária e
poética, onde a presença de elementos metafóricos e abstratos, somada à
compacidade característica do texto, aprofunda o desafio tradutório. É importante ter
em mente que “Traduzir – principalmente traduzir um texto de valor literário – nada
tem de mecânico: é um trabalho criativo. O tradutor não é necessariamente um
traidor; e não é verdade que as traduções ou bem são belas ou bem são fiéis;
beleza e fidelidade são perfeitamente compatíveis” (p.18-19).

Voltando à teoria da tradução, Britto (p. 19) observa que “nas últimas décadas os
estudos de tradução se firmaram como área de prestígio no mundo das
humanidades.” No entanto “a defesa zelosa do tradutor levou alguns teóricos a
adotar certas posições extremas (...) [que] paradoxalmente, traem alguns dos
mesmos preconceitos e mal-entendidos que apontamos antes”. Foi o estudioso
norte-americano James Holmes apud Britto (2012, p.19) quem propôs que se
abandonasse o conceito de “equivalência entre original e tradução e em vez disso se
utilizasse correspondência, um termo bem mais modesto e realista;” Holmes também
“chamou a atenção para o fato de que traduzir não é uma operação realizada sobre
sentenças, estruturas linguísticas, mas sobre o texto, que envolvem muito mais do
que simples aspectos gramaticais”.

Continuando, o autor descreve como, a partir do avanço dos estudos da tradução,


passaram a ser considerados aspectos como (p. 20) “a importância do contexto
histórico e social e os dados biográficos do autor” e questionados “alguns dos
pressupostos básicos seguidos até então – em particular, a ideia de que o texto
literário tem um sentido estável e único que pode ser determinado em caráter
definitivo por meio de uma leitura cuidadosa”. Com o desenvolvimento dos estudos e
discussões a respeito, “No novo clima intelectual dos anos 1980, ocorreu um
questionamento de antigos pressupostos e preconceitos sobre tradução (...) passou-
se a enfatizar a importância do texto traduzido como obra literária com valor próprio”
(p; 21), o que não seria um exagero se considerarmos que “todo autor se insere na
tradição literária e constrói sua obra a partir de obras anteriores. Quase todas as
obras de Shakespeare são adaptações teatrais de obras já existentes; Dante não
poderia ter escrito a sua Comédia sem o exemplo da Eneida, que por sua vez deve
muito à Ilíada; (...) e assim por diante” (p. 21-2).

A partir destas considerações, passamos às observações de Britto sobre a tradução


de poesia, no terceiro capítulo do mesmo livro.

Britto inicia sua reflexão a respeito da tradução de poesia comentando sobre a


relevância que este tema alcançou nos estudos da tradução, tornando-se um dos
mais discutidos da atualidade. Curiosamente "o interesse teórico por esse ramo da
atividade tradutória parece ser inversamente proporcional ao volume de traduções
de poesia efetivamente publicadas" (p. 119). As posições dos teóricos a respeito vão
desde a crença na "absoluta impossibilidade de se traduzir poesia" até aqueles que
defendem que "se pode traduzir poesia tal como qualquer tipo de texto". Entre os
dois extremos há quem defenda que "na prática todas as traduções poéticas são
falhas; a poesia não pode (ou não deve) ser propriamente traduzida, mas sim
recriada, ou imitada, ou parafraseada, ou transpoetizada (...) [sendo] impossível
julgar a qualidade da tradução: tudo que se pode dizer (...) é 'eu gosto' ou 'eu não
gosto'" (p. 119).

Antes de iniciar a apreciação de algumas destas posições, Britto esclarece a sua


própria:

"Um poema é um texto literário que pode ser traduzido como qualquer outro
texto literário. A diferença é que (...) em princípio, toda e qualquer
característica do texto – o significado das palavras, a divisão em versos, o
agrupamento de versos em estrofes, o número de sílabas a distribuição de
acentos em cada verso, as vogais, as consoantes, as rimas, as aliterações, a
aparência visual das palavras no papel etc. – pode ser de importância crucial.
Ou seja: no poema, tudo, em princípio, pode ser significativo; cabe ao tradutor
determinar, para cada poema, quais são os elementos mais relevantes, que,
portanto devem necessariamente ser recriados na tradução, e quais são
menos importantes e podem ser sacrificados (...). Todo ato de tradução
implica perdas." (p. 119-20).

Brito observa que a diferença entre a poesia e a prosa, entretanto, é apenas em


grau, e analisa o caso da tradução de um romance de Henry James, no qual as
características citadas referentes aos poemas também são características peculiares
à obra: “(...) não posso pressupor que o enredo seja mais importante que as opções
sintáticas do autor. Uma boa tradução de uma narrativa ficcional de James tem não
apenas de contar a mesma história que o original (...) como também reproduzir em
português a mesma sintaxe complexa, com períodos longos, tortuosos, cheios de
estruturas subordinadas” (p. 120). Desta forma, ainda que a poesia e a prosa se
tangenciem, “há uma diferença crucial entre a tradução de prosa literária e a poesia:
Uma tradução de um romance de James que não leve em conta seus elementos
formais, porém respeite o enredo, será uma má tradução de um romance, mas será
um romance de qualquer forma; mas uma tradução de um poema que não leve em
conta as opções de forma tomadas pelo poeta pode nem sequer ser um poema" (p.
120).

O autor então defende que é possível fazer uma comparação entre as traduções de
uma determinada poesia, julgando “(...) os aspectos positivos e negativos de cada
uma delas (...) utilizando argumentos racionais e relativamente objetivos. Podemos
defender a superioridade de uma tradução poética em relação à outra, ou apontar
defeitos e qualidades de uma tradução, identificando características do original e das
traduções e julgando o grau de correspondência que há entre elas” (p.120-1).
Prosseguindo, Britto (p. 121-2) reafirma sua crença de que não existe uma “essência
poética” que poderia tornar a poesia intraduzível; que o poeta não é um ser humano
diferente dos demais, “necessariamente mais sensível, mais elevado ou mais
espiritualizado; (...) não creio que o poeta tenha que ser (...) mais sofrido, mais infeliz
ou mais passional do que a maioria (...) o poeta é apenas um artista que trabalha a
palavra, assim como o músico trabalha com os sons musicais e artista plástico
trabalha com elementos visuais”.
2.2 Álvaro Faleiros

Faleiros (2015) inicia sua reflexão contando como a tradução de poesia, para
muitos, é considerada uma impossibilidade: segundo a citação de Haroldo de
Campos (2010, p. 31-2) a Albertch Fabri “o que conta na obra literária é sua
estrutura, ou seja, o que faz dela um objeto estético cuja ‘sentença é absoluta’,
motivo pelo qual traduzi-la seria impossível”. Dessa forma, ele propõe (p. 290-1) que
"uma saída para o impasse é a reescrita criativa do texto ou o que Haroldo de
Campos chamou de transcriação". Também cita Roman Jacobson (1973a, p.72),
para quem "a poesia, por definição, é intraduzível. Só é possível a transposição
criativa: transposição intralingual – de uma poética a outra".

O autor então passa à busca do que se trataria a função poética, e utiliza a definição
de Jacobson (1973b, p. 127-8): esta tem como característica “o enfoque da
mensagem nela própria”. Segundo Jacobson (1973b, p. 153), essa função é
dominante nas artes verbais, sobretudo na poesia, que seria “uma província em que
o nexo interno entre som e significado se converte de latente em patente e se
manifesta da forma mais palpável e intensa”.

Para Jacobson (1973b, p. 144) apud Faleiros,

“Sem dúvida alguma, o verso é fundamentalmente uma “figura de som"


recorrente. Fundamentalmente, sempre, mas não unicamente. Todas as
tentativas de confinar convenções poéticas como metro, aliteração ou rima ao
plano sonoro são meros raciocínios especulativos, sem nenhuma justificação
empírica. A projeção do princípio de equivalência na sequência tem
significação muito mais vasta e profunda. A concepção que Valéry tinha da
poesia como ‘hesitação entre som e sentido’ é muito mais realista e científica
do que todas as tendências do isolacionismo fonético”.

Prosseguindo nesta linha de raciocínio, Faleiros compara a poesia a uma equação


composta de sons e sentidos e expõe seu questionamento (p. 292): "Estamos, pois,
diante de um impasse: como traduzir uma relação entre som e sentido em que as
sequências fonológicas e aquelas formadas por unidades semânticas venham a
constituir uma equação de igual maneira? A saída (...) passa, necessariamente, por
uma escolha ou, se quisermos, uma hierarquização de que aspectos fonológicos
e/ou semânticos são considerados mais relevantes".
Segundo Faleiros (p.292), Haroldo de Campos, em seus primeiros escritos sobre
tradução poética já defendia “um projeto de reescrita textual baseada na isomorfia
(semelhança da forma), sendo este, ao que tudo indica, o critério mais relevante
para ele na tradução de um poema”. Tamanha era a influência de Jacobson sobre
Campos que ele defendia (2013, p.125): “Entendo por transcriação a operação que
traduz, no poema de chegada, a coreografia da ‘função poética’ jakobsoniana
surpreendida e desocultada no poema de partida”.

Compreendida esta defesa da hierarquia da forma sobre o significado defendida por


Faleiros e pelos nomes por ele citados, os argumentos de Britto (2012) e a reflexão
a respeito do próprio ato poético-tradutório, consideramos um equilíbrio entre as
duas visões como um caminho intermediário mais adequado à proposta deste
trabalho.
3 - Relatório de tradução

Retomando algumas características poéticas mencionadas por Britto (2012, p.119-


120), analisaremos esses aspectos ao longo de alguns dos poemas traduzidos.

"Um poema é um texto literário que pode ser traduzido como qualquer outro
texto literário. A diferença é que (...) em princípio, toda e qualquer
característica do texto – o significado das palavras, a divisão em versos, o
agrupamento de versos em estrofes, o número de sílabas a distribuição de
acentos em cada verso, as vogais, as consoantes, as rimas, as aliterações, a
aparência visual das palavras no papel etc. – pode ser de importância crucial.
Ou seja: no poema, tudo, em princípio, pode ser significativo; cabe ao tradutor
determinar, para cada poema, quais são os elementos mais relevantes, que
portanto devem necessariamente ser recriados na tradução, e quais são
menos importantes e podem ser sacrificados (...) Todo ato de tradução
implica perdas."

A tradução poética suscita ainda mais a antiga e basilar especulação: o que o autor
queria dizer com certos termos ou expressões? A distância temporal também muda
o significado de muitas palavras e expressões, que frequentemente não estão na
língua materna ao tradutor, permitindo uma vastidão de sentidos na qual este
precisa se encontrar em um texto extremamente compacto e carregado de sentidos,
como se verifica na poesia.

Considerando as peculiaridades da escrita poética, especialmente no caso de um


texto antigo, na tradução deste recorte foram encontrados desafios tais como:
termos em desuso ou com novos significados; palavras em inglês com origens
etimológicas muito afastadas do português e, por isso, com um campo semântico
bastante distinto; inversões sintáticas; desconstrução e reconstrução da fraseologia;
expressões adverbiais; entre outros.

Retomando Faleiros (2015, p.292), “Estamos, pois, diante de um impasse: como


traduzir uma relação entre som e sentido em que as sequências fonológicas e
aquelas formadas por unidades semânticas venham a constituir uma equação de
igual maneira? A saída para o impasse passa, necessariamente, por uma escolha
ou, se quisermos, uma hierarquização de que aspectos fonológicos e/ou semânticos
são considerados mais relevantes”.
Desta forma, diversas estratégias precisaram ser empregadas no processo de
tradução. Primeiramente, a maioria dos textos foi inserida no ambiente de tradução
online Smartcat, no qual passou pela tradução automática, com o propósito ter uma
base para a escrita dos poemas com o mesmo formato; após uma breve pós-edição
e download, seguiu-se uma análise e construção detalhada das traduções,
recorrendo frequentemente aos dicionários e tesauros online em inglês, como
Cambridge, Oxford, Collings, Longman, Thesaurus, além de pesquisas de texto e
imagem para extrair o significado de termos desconhecidos, fora de uso ou que
adquiriram novos usos com o tempo. Toda essa pesquisa levava ao conhecimento
dos significados, sendo em muitos casos compilados em estado “bruto” para
reflexão e análise posterior.

Para a reconstrução da poesia, estes significados precisaram ser testados e muitos


termos trocados por outros próximos – ou nem tanto – sendo para isso muito útil o
Dicionário de sinônimos, o Dicionário de antônimos, a leitura em voz alta na língua
fonte, a leitura na língua alvo comparando as diferentes opções, e ao mesmo tempo
avaliando se os significados dos novos sons se ajustavam a toda a construção de
sonoridade, ritmo e sentido desejados.

Na tradução dos poemas, optou-se por não manter palavras na língua fonte. Já na
tradução dos textos a respeito do autor e da obra, por exemplo, optou-se por manter
certos termos na língua fonte, por exemplo: Autumnal Beauty (poema de John
Donne), pois não foi encontrada uma tradução do poema para a língua portuguesa;
Nos casos de Master of Arts e college, devido às diferenças de entre os sistemas
educacionais brasileiro e inglês, optou-se por manter o termo em inglês,
considerando o enfoque do trabalho e seu público alvo especializado.
3.1 - Poemas

Além dos trechos de tradução ou tradução e adaptação (neste caso, por meio do resumo) incluídos na primeira parte deste
trabalho, foram escolhidos para este recorte nove poemas da obra The Temple, alinhados a seguir. Ao longo deste trecho, alguns
termos foram destacados para análise das estratégias e desafios da tradução.

3.1.1 - O Altar

Neste poema, algumas rimas e


A broken ALTAR, Lord, thy servant rears, Um ALTAR partido, Senhor, teu servo construiu, parte da contagem de sílabas
Made of a heart and cemented with tears: Feito de um coração, e com lágrimas o firmou:
foram sacrificadas, ainda que
Whose parts are as thy hand did frame; Cada parte moldada por tua mão;
No workman's tool hath touch'd the same. Nenhuma ferramenta humana o tocou. resguardadas ao máximo para
A HEART alone Um simples CORAÇÃO manter o ritmo próximo, apesar
Is such a stone, É esta rocha,
do som das vogais ter sido
As nothing but Que nada além
Thy pow'r doth cut. De Teu poder pode cortar. bastante substituído. Não foi
Wherefore each part Assim cada porção necessária nenhuma alteração
Of my hard heart De meu duro coração
de significado para manter o
Meets in this frame, Se encontra em seu lugar,
To praise thy name: Pra o teu nome exaltar: efeito percebido no texto fonte.
That if I chance to hold my peace, E se eu puder manter a minha paz, Em sua última estrofe, um certo
These stones to praise thee may not cease. Estas pedras, sem parar, vão te louvar. sentimento de aceleração na
Oh, let thy blessed SACRIFICE be mine, Que teu abençoado SACRIFÍCIO seja (m)eu,
And sanctify this ALTAR to be thine. Santifica este ALTAR para ser teu. leitura foi mantido, e à aliteração
da letra “t” foi acrescentado a da
letra “s”.
3.1.2 - A Agonia

O formato (no caso, a


This is a poem for reflection at Passiontide, Este é um poema para reflexão durante a quaresma, largura) deste poema foi
particularly Maundy Thursday and Good Friday. particularmente na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira um dos motivos da
Surely there cannot be many more powerful poems da Paixão. Dificilmente se encontrem poemas mais escolha pela alteração da
to capture the final hours of Jesus’ life than this poderosos para capturar as últimas horas da vida de
página do modo “retrato”
one, or to contrast more evocatively the concepts of Jesus do que este, ou para contrastar mais vivamente
para “paisagem”. Na
sin and love in the Christian understanding of os conceitos de pecado e amor na compreensão cristã
sacrifice and redemption (2016). do sacrifício e da redenção (2016).
poesia, a questão visual
não parece tão óbvia,
Philosophers have measur’d mountains, Os filósofos mediram os montes, mas quando se observa
Fathom'd the depths of seas, of states, and kings, Investigaram o interior dos mares, nações e reis, que a versificação pode
Walk’d with a staffe to heav’n, and traced fountains: Com um bastão escalaram ao céu, e’encontraram fontes: ser responsável até na
But there are two vast, spacious things, Mas há duas coisas espaçosas e vastas alteração do tamanho do
The which to measure it doth more behove: Que convêm medir: papel, o que pode
Yet few there are that sound them; Sinne and Love. No entanto, poucos vêm a perceber: o Pecado e o Amor. influenciar inclusive a
impressão do livro,
Who would know Sinne, let him repair Aquele que conhece o Pecado, estenda o olhar
levando a formatos
Unto Mount Olivet; there shall he see Ao Monte das Oliveiras; e ali verá
menos tradicionais pela
A man so wrung with pains, that all his hair, Um homem tão encurvado de dores, toda sua pele,
His skinne, his garments bloudie be. Seu cabelo, suas roupas de sangue cobertas. adaptação a seu
Sinne is that presse and vice, which forceth pain O Pecado é aquele vício e urgência, forçando a dor conteúdo.
To hunt his cruell food through ev’ry vein. A caçar em cada veia, seu alimento cruel, torturador.
No entanto, a largura
deste poema não parece
Who knows not Love, let him assay Quem não conhece o Amor, deixa-o experimentar
And taste that juice, which on the crosse a pike E provar esse sumo, que na cruz uma lança uma casualidade, mas
Did set again abroach; then let him say fez rebrotar; e que este conte: intencional ao refletir seu
If ever he did taste the like. Se alguma vez provou sabor assim. conteúdo repleto de
Love is that liquour sweet and most divine, O amor é este licor doce e divino, elementos imensuráveis.
Which my God feels as bloud; but I, as wine. Ao meu Deus, sabor sangrento; a mim, o mais doce vinho
Alguns desafios na tradução deste poema foram, além da
largura visual, encontrar o significado efetivo de frases que se
tornaram longas, aparentemente por uma intenção (visual) do
autor, em uma linguagem antiga e com fraseologia incomum,
como neste conjunto de versos da primeira estrofe:

But there are two vast, spacious things,


The which to measure it doth more behove

Em uma tradução palavra por palavra, teríamos algo como:

As quais medir isso realmente muito convém

Apesar de diversas tentativas, não foi encontrada uma


construção frasal tão longa que se adequasse à sensação
poética desejada. Muitas rimas também foram sacrificadas no
processo de tradução, mas as assonâncias e aliterações
conseguiram ser mantidas em boa quantidade, embora por
vezes deslocadas de seus pontos originais e trocadas de som,
por exemplo, nos dois últimos versos, os sons de “l”,”w”,”u”
(love, liquour, sweet, which,feel, bloud, wine), por “s”,“ô”, “ôr”, ê
(O, amor, este, licor, doce, meu, Deus, sabor sangrento).
3.1.3 - Natureza

A metáfora é uma característica


Full of rebellion, I would die, Cheio de rebelião, eu morreria,
que chama atenção nesse
Or fight, or travell, or denie Ou lutaria, fugiria, ou negaria
That thou hast ought to do with me. Que tenhas algo a fazer por mim. poema. Num primeiro momento, o
O tame my heart; Oh, doma meu coração; autor pede que seu coração,
It is thy highest art É tua esta mais elevada arte como um animal selvagem, seja
To captivate strong holds to thee. Cativar os fortes pertence a ti.
domado; Em seguida se refere a
If thou shalt let this venome lurk, Se deixares que esta peçonha espreite, seus impulsos rebeldes como
And in suggestions fume and work, E em insinuações fervilhe e remoa, algo venenoso (venom)
My soul will turn to bubbles straight, A minha alma logo se tornará em bolhas,
And thence by kinde E então, incendiada, maquinando escondido, e que,
Vanish into a winde, Desaparecerá no vento, sem a intervenção divina terá
Making thy workmanship deceit. Fazendo decepcionante o trabalho de tuas mãos. êxito em destruir de dentro para

O smooth my rugged heart, and there Oh, suaviza meu coração áspero, e ali fora “o trabalho das mãos” de
Engrave thy rev’rend law and fear; Grava tua lei e teu temor; Deus. O termo “workmanship”
Or make a new one, since the old Ou faça um novo, pois o envelhecido produziu essa ambiguidade,
Is saplesse grown, já não tem seiva,
And a much fitter stone É uma pedra perfeita podendo se referir tanto à
To hide my dust, then thee to hold. A esconder minha poeira, e não se apegar a ti. “elevada arte” mencionada na
primeira estrofe quanto ao próprio
ser humano.
3.1.4 - Amor III

Love bade me welcome. Yet my soul drew back O Amor deu-me boas-vindas, mas minha alma retrocedeu, Na tradução do
Guilty of dust and sin. De sujeira e pecado culpada.
inglês para o
But quick-eyed Love, observing me grow slack Mas o Amor, em uma piscada, observando-me fraquejar
From my first entrance in, Desde que à entrada cheguei, português, é
Drew nearer to me, sweetly questioning, De mim se aproximou, questionou delicadamente comum as frases
If I lacked any thing. Se de algo eu tinha falta.
se tornarem mais
A guest, I answered, worthy to be here: Um convidado, eu respondi, digno de aqui estar: longas, um
Love said, You shall be he. Disse o Amor, Tu serás ele. desafio extra nos
I the unkind, ungrateful? Ah my dear, Eu, o ingrato e mau? Ah, meu amado,
I cannot look on thee. Não posso olhar para ti. textos de forma
Love took my hand, and smiling did reply, O Amor tomou minha mão, e sorrindo respondeu: compacta como
Who made the eyes but I? Quem fez os olhos, senão eu?
poesia, legenda,

Truth Lord, but I have marred them: let my shame Verdade, Senhor, mas os contaminei: deixa minha vergonha entre outros.
Go where it doth deserve. Ir aonde merece. Entretanto, em
And know you not, says Love, who bore the blame? E não sabes tu, disse o Amor, quem carregou a culpa?
diversos trechos
My dear, then I will serve. Meu amado, te servirei.
You must sit down, says Love, and taste my meat: Tens de sentar-te, disse o Amor, e provar a minha carne: desta seleção
So I did sit and eat. Então, me assentei e provei. ocorreram tanto
o alongamento
quanto o encurtamento das frases. Neste poema, o conteúdo se mostrava tão preponderante que, além do desafio de encontrar
rimas, aliterações, assonâncias, manter o controle da largura das frases, foi necessária atenção redobrada para não deixar que as
características poéticas distraíssem, mas sim revelassem ao leitor todo a emoção ali contida.
3.1.5 - A Morte

Death, thou wast once an uncouth hideous thing, Morte, uma vez foste de uma rudeza hedionda,
Nothing but bones, Nada além de ossos e pesar,
The sad effect of sadder groans: O triste efeito do mais triste pranto:
Thy mouth was open, but thou couldst not sing. Tua boca se abria, mas não podias cantar.

For we considered thee as at some six Pois te imaginávamos uns seis


Or ten years hence, Ou dez anos à frente,
After the loss of life and sense, Depois da perda da vida e da mente,
Flesh being turned to dust, and bones to sticks. A carne tornada em pó, os ossos em ramos secos.

We looked on this side of thee, shooting short; Olhamos para este lado teu, com nossa curta visão;
Where we did find Onde encontramos
The shells of fledge souls left behind, A concha deixada para trás pela alma fugaz,
Dry dust, which sheds no tears, but may extort. Pó seco, não derrama lágrimas, mas pode extorquir.

But since our Savior’s death did put some blood Desde que a morte de nosso Salvador trouxe algum sangue
Into thy face, A tua face,
Thou art grown fair and full of grace, Tu cresceste em beleza e graça,
Much in request, much sought for as a good. Muito em demanda, buscada como um bem.

For we do now behold thee gay and glad, Pois agora te consideramos venturosa e feliz,
As at Doomsday; Como no dia Final;
When souls shall wear their new array, Serão as almas revestidas de sua nova matriz,
And all thy bones with beauty shall be clad. E teus ossos, de beleza real.

Therefore we can go die as sleep, and trust Assim, podemos morrer como a dormir, e confiar
Half that we have A metade do que temos,
Unto an honest faithful grave; A uma sepultura fiel e honesta;
Making our pillows either down, or dust. Dormindo em nosso leito de tecido ou terra.
3.1.6 - Aflição II

KIll me not ev’ry day, Não me mate a cada dia,


Thou Lord of life; since thy one death for me Tu, Senhor da vida; Pois tua morte por mim
Is more then all my deaths can be, É maior que toda’ minha poderia, e além
Though I in broken pay Ainda que eu ferido pagasse
Die over each hour of Methusalem’s stay. Morrendo cada hora da estadia de Matusalém.

If all mens tears were let Se todas lágrimas dos homens


Into one common sewer, sea, and brine; Em um só canal, oceano, ou conserva;
What were they all, compar’d to thine? Comparadas às tuas, que seriam todas elas?
Wherein if they were set, E ainda que ficassem todas juntas,
They would discolour thy most bloudy sweat. Frente a Teu suor sangrento, tão discretas.

Thou art my grief alone, Por Ti somente, toda a minha dor


Thou Lord conceal it not: and as thou art Tu Senhor, isto não esconde: assim também és
All my delight, so all my smart; Todo o meu prazer, todo o meu saber;
Thy cross took up in one, Tua cruz tomou de uma vez,
By way of imprest, all my future mone. Antecipado, todo meu futuro sofrer.
3.1.7 - O Elixir

Teach me, my God and King, Ensina-me, meu Deus e meu Rei,
In all things Thee to see, A em todas as coisas ver-te,
And what I do in anything E em tudo que faço
To do it as for Thee. Fazê-lo para ti.

Not rudely, as a beast, Não rudemente, como uma besta,


To run into an action; Correndo ao redor;
But still to make Thee prepossest, Mas fazê-lo agradável a Ti,
And give it his perfection. E pela perfeição, dar o melhor.

A man that looks on glass, Um homem, de frente ao vidro,


On it may stay his eye; Ali seus olhos podem fitar;
Or if he pleaseth, through it pass, Ou se seu coração deseja, estender a vista,
And then the heav'n espy. E o céu espiar.

All may of Thee partake: Todos podem participar de Ti:


Nothing can be so mean, Nada é tão desimportante
Which with his tincture – “for Thy sake”– Que com esta tintura – “para Tua alegria”–
Will not grow bright and clean. Não cresça limpo e brilhante.

A servant with this clause Um servo com esta pauta


Makes drudgery divine: Torna divino seu trabalho árduo:
Who sweeps a room as for Thy laws, Quem varre uma sala pelas Tuas leis,
Makes that and th' action fine. Faz o bem da ação e do resultado.

This is the famous stone Esta é a famosa pedra.


That turneth all to gold; Que tudo em ouro transforma;
For that which God doth touch and own Pois de tudo que Deus recebe e toca
Cannot for less be told. Nada a menos dizer-se pode.
3.1.8 - A Flor

How fresh, oh Lord, how sweet and clean Que refrigério, oh Senhor, que doces e cristalinos
Are thy returns! even as the flowers in spring; São teus retornos! como a flor na primavera;
To which, besides their own demean, Para ela, apesar de seu desgosto,
The late-past frosts tributes of pleasure bring. As ultimas geadas tributos de prazeres trazem.
Grief melts away A dor desaparece
Like snow in May, Como em maio a neve,
As if there were no such cold thing. Como se não houvesse tal coisa fria.

Who would have thought my shriveled heart Quem diria: que o meu coração murcho
Could have recovered greenness? It was gone Poderia recuperar o vigor? Que evaporou
Quite underground; as flowers depart Inteiramente, subterrâneo; como as flores partem
To see their mother-root, when they have blown, Para ver sua raiz-mãe, depois de desabrocharem,
Where they together Onde juntas
All the hard weather, Toda a estação dura,
Dead to the world, keep house unknown. Mortas para o mundo, mantem anônimo abrigo.

These are thy wonders, Lord of power, Estas são tuas maravilhas, Senhor poderoso,
Killing and quickening, bringing down to hell Matar e vivificar, descer ao inferno
And up to heaven in an hour; E subir ao céu em um instante;
Making a chiming of a passing-bell. Fazer uma toada fúnebre soar.
We say amiss Dizemos mal
This or that is: É isto ou aquilo:
Thy word is all, if we could spell. A tua palavra é tudo, se a pudermos invocar.

Oh that I once past changing were, Ah, que eu já tivesse ultrapassado as mudanças,
Fast in thy Paradise, where no flower can wither! Já agora em teu Paraíso, onde nenhuma flor murcha!
Many a spring I shoot up fair, Muitas primaveras recusaria,
Offering at heaven, growing and groaning thither; Descendo do céu e avançando em seu objetivo;
Nor doth my flower Nem minha floração desejaria
Want a spring shower, Uma chuva de primavera,
My sins and I joining together. Vendo eu e meus pecados reunidos.

But while I grow in a straight line, Mas enquanto cresço em linha reta,
Still upwards bent, as if heaven were mine own, Como se o céu fosse meu, acima ainda a olhar,
Thy anger comes, and I decline: A tua ira vem, e me afasto, alerta:
What frost to that? what pole is not the zone Que gelo é esse? Não é este o polo onde
Where all things burn, Todas as coisas ardem,
When thou dost turn, Quando tornas,
And the least frown of thine is shown? E tua menor reprovação se mostra?

And now in age I bud again, E agora em muita idade floresço novamente,
After so many deaths I live and write; Depois de tantas mortes eu vivo e escrevo;
I once more smell the dew and rain, Mais uma vez sinto o cheiro do orvalho e da chuva,
And relish versing. Oh, my only light, E saboreio o verso. Oh, minha única luz,
It cannot be Não pode ser
That I am he Que eu seja aquele
On whom thy tempests fell all night. Sobre quem, toda a noite, caíam tuas tempestades.

These are thy wonders, Lord of love, Estas maravilhas são tuas, Deus de amor,
To make us see we are but flowers that glide; Nos fazes ver que somos apenas flores que deslizam;
Which when we once can find and prove, Quando chegar o momento, vamos encontrar e provar,
Thou hast a garden for us where to bide; Tens um jardim para nos guardar;
Who would be more, Quem seria tão empedernido,
Swelling through store, Ao se abraçar ao próprio orgulho,
Forfeit their Paradise by their pride. Renunciar ao paraíso.
3.1.9 - Negação

When my devotions could not pierce Quando minha devoção não pode mais
Thy silent ears, Tocar teu silencioso ouvido,
Then was my heart broken, as was my verse; Assim como meu verso, meu coração foi partido,
My breast was full of fears Meu peito se encheu de medos
And disorder. E desordem.

My bent thoughts, like a brittle bow, Meus pensamentos, em um arco retesado,


Did fly asunder: Fugiram, num voo desabalado:
Each took his way; some would to pleasures go, Cada um seguiu seu rumo; alguns aos prazeres,
Some to the wars and thunder Outros às guerras e brados
Of alarms. alarmados.

“As good go anywhere,” they say, “Melhor seguir a qualquer canto”, diriam,
“As to benumb “Que tornar dormente a ambos,
Both knees and heart, in crying night and day, Joelhos e coração, dia e noite a chorar,
Come, come, my God, O come! Vem, Vem, Meu Deus, Oh vem!
But no hearing.” E nada, nada escutar.”

O that thou shouldst give dust a tongue Ah, porque darias ao pó uma voz
To cry to thee, Para a ti clamar,
And then not hear it crying! All day long E depois não a ouviria chorar! Por todo o dia,
My heart was in my knee, Meu coração de joelhos,
But no hearing. Mas nada, nada se ouvia.

Therefore my soul lay out of sight, Assim minha alma se esconde,


Untuned, unstrung: Esquecida, dissonante:
My feeble spirit, unable to look right, Assim meu fraco espírito, incapaz de olhar adiante,
Like a nipped blossom, hung Como um pequeno botão, pendente,
Discontented. Descontente.

O cheer and tune my heartless breast, Ó anima e afina meu vazio coração,
Defer no time; Não tardes mais;
That so thy favors granting my request, Que teus favores concedam meu pedido,
They and my mind may chime, E com eles minha mente possa soar,
And mend my rhyme. E com eles minha rima concordar.
4 - Considerações Finais

Nas palavras de Graciliano Ramos (1948), em entrevista a Joel Silveira:

“Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas


fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa
suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente,
voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois
enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem
o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra,
torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo
isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar.
Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa; a palavra não foi
feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.”

Como conciliar a tradução de poesia a uma visão tão afiada a respeito da escrita?
Assim como para as lavadeiras, muitas etapas se apresentaram para construir um
texto apropriado. Desde o conhecimento aprofundado da língua fonte, o uso
consciente da “máquina de lavar” tradutória, ou seja, os ambientes e ferramentas de
auxílio à tradução, o “instinto”, na verdade um fundamento construído por um longo
contato e estudo das línguas de trabalho e da reflexão desenvolvida por nossos
antecessores. Entretanto, discordando em apenas um detalhe da observação de
Graciliano (1948, entrevista), ao declarar que “a palavra não foi feita para brilhar
como ouro falso (...) mas para dizer”, não seria o auge desse “dizer” o seu
verdadeiro brilho?

Por outro lado, Mônica Magnani Monte (1996, p.230) defende que “Na tradução de
poesia, a palavra escolhida é a que rima, é a que dá conta de assonâncias e
aliterações, é a palavra precisa, segundo nossa leitura do poema e, muitas vezes, é
a palavra precisamente ambígua, escolhida a dedo.” Não que o pensamento de
Monte se contraponha ao de Graciliano, mas o equilíbrio entre os dois se mostrou o
melhor caminho ao trabalhar esse gênero literário tão específico.

A escolha pela tradução literária

A poesia, afastada do formato de música, parece uma arte relegada ao passado, ao


tempo (possivelmente, um cenário apenas ficcional, para a maioria de nós) em que
as pessoas se reuniam na sala para ouvir os convidados ou alguém da família tocar
piano, cantar, declamar. Mas a poesia, a metáfora, o literário não podem ser
encontrados em outros meios? Monte (1996, p. 230) relata: “Do ponto de vista
puramente mercadológico, esse sucesso [da tradução literária] não faria sentido,
embora, a meu ver, privilegiar a tradução dita técnica em detrimento da literária seja
um equívoco, pois os textos técnicos, de um modo geral estão sempre recorrendo à
linguagem metafórica (nesse aspecto os textos de economia e os relativos à
psicanálise escritos por Freud são exemplares) e nada impede que até mesmo um
livro de informática, marketing ou medicina, por exemplo, apresente citações
espirituosas ou mesmo poéticas no seu texto.” Percebemos que a presença do
caráter literário de um texto vai muito além do contexto literário, reflexivo e de
entretenimento, perpassando até os campos da escrita vistos como mais técnicos.

Ao mesmo tempo, a tradução poética – somada a reflexão teórica que a


acompanhou – demonstra uma de suas características didáticas, ao libertar o
tradutor de uma escrita demasiadamente ao pé da letra. De acordo com Monte
(1996, p.231) “Ao ler um poema, exercitamos ao máximo nossa condição de
construtor de sentidos, de significados. Ao traduzir um poema, a liberdade
exercitada é similar ao próprio pulsar do verso; arriscaria, inclusive, a dizer que a
tradução de poesia é o espaço onde o tradutor exerce o grau máximo de liberdade
no diálogo travado com o texto de partida.” Desse modo, traduzir poesia se mostrou
um exercício acadêmico e intelectual alinhado às habilidades desejadas em um
tradutor profissional.

A linguagem e o pensamento metafórico também se estendem à linguagem natural


cotidiana, como explicitado por Maria Isabel A. Nardi. A partir da compreensão e
resenha do trabalho de Gibbs, um cientista cognitivo, Nardi (1997, p.341) destaca
que “o pensar metafórico não é privilégio de pessoas especiais, mas é frequente na
linguagem cotidiana e na conceituação de diferentes áreas, de certos fenômenos
descritos por teorias científicas, e até do raciocínio legal (...). nós normalmente não
pensamos literalmente, mas figuradamente, via metáfora, metonímia, ironia e outros
tropos”.

Outra percepção ao estudar teoria para este trabalho foi o quanto a linguagem dos
estudiosos e teóricos pode ser hermética, levando a dificuldades de compreensão,
mesmo em língua materna, por vezes dificuldades muito maiores do que de textos
escritos em segunda língua – por exemplo, em inglês por um falante de outro
idioma, sobre temas técnicos fora da área de domínio do tradutor. O que motiva uma
linguagem incompreensível, demasiadamente erudita ou empolada, permanece sem
resposta.

O quanto um trabalho individual pode contribuir na história da teoria da tradução?


Aparentemente pouco, se considerarmos somente o conteúdo do texto produzido
por um estudante cujo foco e paixão não estão voltados a este tema específico na
época de sua escrita. Entretanto, a reflexão teórica pode encontrar neste momento a
sua base, seu primeiro passo, a partir do qual poderá se desenvolver ao longo da
caminhada tradutória desta pessoa, já iniciada à reflexão teórica, mesmo que ainda
imatura para a produção de conteúdo relevante para o desenvolvimento dessa área
do conhecimento.
5 - Referências Bibliográficas

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