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MÚSICA E DESENVOLVIMENTO INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO

DO PROFESSOR

Cleudet de Assis Scherer - FECILCAM


Analéia Domingues – FECILCAM

Resumo:
Neste texto objetivamos discutir a contribuição da música na organização da memória, da percepção e do
pensamento em crianças pequenas na Educação Infantil. Estudos nesta área têm evidenciado que o período pré-
escolar corresponde aos anos nos quais ocorrem mudanças muito importantes nas funções psicológicas
superiores da criança; nesta reflexão, pautamo-nos na possibilidade de que a educação musical poderia contribuir
para promover esse desenvolvimento por meio do planejamento e organização do ensino e na apropriação de
conceitos musicais. Buscamos, para tanto, respaldo teórico na perspectiva Histórico-Cultural e nos seus
principais autores, dentre eles Vigotski, Leontiev e Luria, que preconizam serem as interelações entre os sujeitos
imprescindíveis para a formação integral das crianças. Sob esta perspectiva, ao observarmos o desenvolvimento
das crianças da Educação Infantil, e seu interesse nas atividades desenvolvidas, ocorreram os seguintes
questionamentos: Por que ensinar música? Como a linguagem musical como elemento cultural, pode contribuir
para o desenvolvimento da memória, da percepção e do pensamento dessas crianças? Qual o professor habilitado
para trabalhar essa disciplina na escola pública? Segundo pesquisas organizadas pelas autoras, é na escola
particular que pode ser encontrado com maior frequencia o especialista em educação musical. Sabemos da
carência de professores para atuar na escola pública, uma vez que a maior parte dos alunos formados em música
não leciona nesse tipo de instituição. A evasão se justifica por uma série de problemas. Entre eles, salários
desestimulantes, dificuldades impostas pela prática diária e falta de estrutura física adequada para as aulas de
música. Portanto, a obrigatoriedade do ensino musical nas escolas públicas implementada pela Lei 11.769/08, é
um tema que merece ser discutido, em especial, pela pós-graduação por meio de pesquisas e formação de
professores, uma vez que a mesma não estabelece quem deve ser o profissional qualificado para trabalhar nessa
área, e desse modo precisa ser adequada localmente nos Conselhos Estaduais e Municipais. Para que o ensino
musical se torne efetivo, temos que ocupar os espaços escolares com práticas musicais significativas que
priorizem o desenvolvimento integral das crianças por ele afetadas.

Palavras-chave: Educação Infantil. Educação musical. Formação de professores. Pós-graduação.

Introdução

A importância da linguagem musical e da arte na sociedade contemporânea é


justificada pelo fato de promover o desenvolvimento do ser humano, conforme estudos já
realizados por diferentes autores (LOUREIRO, 2003; BRITO, 2003; SCHROEDER, 2007)
não por meio de treinamento e da alienação, mas sim, por meio do esclarecimento, da
interdependência entre o corpo e a mente, entre a razão e a sensibilidade, entre a ciência e a
estética, para promover a liberdade na criação e realização de sua própria ação. Portanto,
educar por meio das linguagens artísticas, Teatro, Dança, Artes Plásticas e entre elas a
Música, é assim, não só um desafio confinado as especificidades de um campo, mas a
aspiração de conscientização política e social. Ou seja, um interelacionar de nossas práticas
sociais com aquelas que consideramos do “outro”.
A educação musical esteve ausente por cerca de trinta anos dos currículos escolares, o
que contribuiu para a não formação de professores nessa área. A Lei de Diretrizes e Bases da
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Educação Nacional – LDBEN n.9.394/96, que atualmente normatiza o sistema


educacional brasileiro, apontou para uma nova maneira de encarar o ensino de artes e
incrementou o seu valor pedagógico, representando um importante passo no resgate de seu
papel no desenvolvimento dos alunos. Com os documentos orientadores pós LDBEN
(BRASIL, 1996), como o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,
1998) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999), a educação musical recebeu
enfoques específicos. É clara a intenção desses documentos em fornecer informação e
orientação aos professores, no entanto, em contrapartida, enfatiza-se a necessidade de cada
escola, cada equipe, elaborar o seu próprio plano de atuação a partir da situação real
enfrentada cotidianamente. Observamos aqui, como em outros momentos da educação
brasileira, ações governamentais que deixam para a escola e para o professor a
responsabilidade de formação e capacitação docente para desenvolver a sua prática
pedagógica.
A Lei n.11.769 (BRASIL, 2008), sancionada em 18 de agosto de 2008, altera a
LDBEN n.9.394/96, ao dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação
básica a ser implantada até 2012. O maior desafio, contudo, está na formação de futuros
profissionais e programas adequados para não fragilizar o papel essencial e humanizador que
a música propicia, em meio a “nomes, números e datas”, favorecendo o conhecimento, a
criatividade e a expressão musical (KATER, 2008, p.2).
Nesse sentido, um dos aspectos fundamentais no aprendizado da música é entender
que ela é uma forma de representação das visões de mundo, das maneiras de interpretar a
realidade por meio de sons e silêncios.
Segundo Vigotski e seus colaboradores, o desenvolvimento de funções psíquicas
acionadas pela educação musical, está em estreita relação com as condições histórico-
culturais nas quais o sujeito está inserido. Pretendemos, portanto, com essa reflexão
estabelecer relações entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento tal como definem
esses autores, a linguagem musical como uma prática pedagógica capaz de contribuir para o
desenvolvimento de funções psíquicas superiores em crianças de zero a cinco anos e sua
máxima apropriação das qualidades humanas historicamente produzidas e por fim, qual o
educador indicado para esse desafio.
Percebemos, nessa perspectiva, que várias são as dificuldades para efetivar o ensino
da música nas escolas públicas infantis, entre elas a falta de docentes para trabalhar na área.
Como também o tipo de formação necessária, seja ela do professor especialista ou do
professor unidocente formado em Pedagogia indicado para trabalhar nesse nível de ensino,
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que segundo o seu posicionamento afirma ver nos especialistas, um profissional que “não tem
domínio” sobre a disciplina dos alunos atrapalhando o andamento de suas aulas. São essas as
questões que de forma breve discutiremos nesse ensaio.

Da concepção de formação humana

A concepção que norteará a discussão é a de que essas complexas funções


superiores, conforme explica Vigotski (1991) são assim denominadas, porque se referem a
mecanismos intencionais, ações conscientemente controladas, processos voluntários que nos
dão à possibilidade de independência em relação a circunstâncias do momento e espaço
presente; têm sua origem nas relações sociais que o indivíduo estabelece com o mundo.
O processo de humanização está assentado nas relações de trabalho e no próprio
trabalho (ação com instrumentos para modificar a natureza). As ações de transformação da
natureza, e consequentemente do próprio homem, promoveram a constituição de novas
funções psíquicas. Assim, por meio do trabalho, as funções psicológicas humanas, de
elementares transformaram-se em funções capazes de diferenciar o homem dos outros
animais. Como explica Leontiev (1978) “o trabalho é, portanto, desde a origem, um processo
mediatizado simultaneamente pelo instrumento (em sentido pleno) e pela sociedade”
(LEONTIEV, 1978, p.74). Dessa forma, não há apenas uma relação do homem com a
natureza, mas também, para a efetivação desse trabalho, uma interação com outros homens.
Em outras palavras, é pelo processo de desenvolvimento profundamente enraizado
nas relações entre a história socio-cultural e a história individual que ocorre a formação
humana. Portanto, a memória, a percepção e o pensamento infantil, dentre outras funções
compõem o psiquismo humano, e diferenciam o homem dos demais animais, pela
intencionalidade de suas ações. Essa perspectiva teórica leva em consideração que essas
capacidades mentais, tipicamente humanas, são constituídas no decorrer de interações
mediadas por signos (no nosso caso a linguagem musical), e instrumentos físicos entre o
indivíduo e o meio social. Nesse sentido, Vigotski (1991) explica que, o desenvolvimento
psíquico é promovido, organizado por meio de mediações e interações estabelecidas entre os
homens ao longo de sua história. Nesse percurso, a mediação social é fator primordial para
que os processos interpsíquicos, isto é, os partilhados entre pessoas, sejam internalizados
transformando-se em processos intrapsíquicos. Assim, desde que nasce o ser humano
encontra-se em uma ambiência que pode favorecer ou não, seu desenvolvimento.
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O cérebro humano possui uma grande plasticidade demonstrada pela capacidade de


modificar-se e adaptar-se, sob uma base fisiológica e neuronal (MIRANDA – NETO, 2002).
Além disso, o bebê humano ao nascer dispõe de todas as células nervosas que poderá ter, mas
necessita de sinapses, isto é de conexões entre os neurônios para que ocorra o seu
desenvolvimento psíquico, físico e vital. Para que isto ocorra, o seu cérebro precisa de um
ambiente estimulante, uma vez que ao inserir-se num mundo de linguagem e cultura, a criança
necessita da presença do adulto para sua sobrevivência, aprendizagem e desenvolvimento.
Podemos perceber que segundo esses autores, a criança não nasce com seu
desenvolvimento predeterminado, ao contrário, a exposição à cultura e à língua específica
determina a sua forma de perceber o mundo e a si mesmo. Nesse contexto teórico, como a
música parte da cultura sócio histórica do homem, pode contribuir para o desenvolvimento da
criança?
A música se faz presente em todas as manifestações sociais e pessoais do ser
humano, desde os tempos mais remotos. Schaeffner (1958) explica que, mesmo antes da
descoberta do fogo, o homem primitivo se comunicava por meio de gestos e sons rítmicos,
sendo, portanto, o desenvolvimento da música resultado de longas e incontáveis vivências
individuais e sociais.
Da mesma maneira, ao nascer, a criança entra em contato com o universo sonoro que
a cerca: sons produzidos pelos seres vivos e pelos objetos. Essa sua relação com a música
pode ocorrer, por exemplo, por intermédio do acalanto da mãe ou aparelhos sonoros, sons da
natureza e outros sons produzidos em seu cotidiano. Assim, a música dialoga com a
constituição interna do ser humano. A criança estabelece suas primeiras relações com o
mundo sociocultural por meio dos sentidos e dos laços afetivos.
A educadora brasileira Ilari (2003) vai mais além, ao afirmar que o primeiro contato
do ser humano com a música acontece mesmo antes do nascimento em sua vida intrauterina.
Ao ouvir o batimento cardíaco da mãe, mais compassado e mais lento que o seu, ainda como
feto, o ser humano toma contato com um dos elementos fundamentais da música – o ritmo.
Desse modo, iniciamos nosso contato musical desde quando nos encontramos no útero
materno e o estendemos por toda a vida, na medida em que nos apropriamos de práticas
sociais e tradições culturais musicais historicamente produzidas pela humanidade.
Nesse contexto, justificamos a linguagem musical como um recurso para o
desenvolvimento psíquico de crianças da Educação Infantil, visto que a mesma garante que
desenvolvam determinadas funções psíquicas ao se apropriarem do conhecimento veiculado
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em produções culturais da humanidade, em um processo educativo do qual participam de


forma integral.
O presente estudo tem por objetivo tecer algumas reflexões sobre a prática
pedagógica do ensino da música e seus envolvidos, professores e alunos, uma vez que estudos
realizados por diversos autores entre eles Scherer (2010) nos trazem indicativos de que a
linguagem musical se constitui em um efetivo meio de desenvolvimento de crianças
dependendo da metodologia e das mediações estabelecidas, que podem ser ricas ou
empobrecidas.

Da música como uma linguagem

A musicalização favorece sobremodo a oralidade, uma vez que música é


primordialmente, oralidade. Na vivência com as crianças percebemos que no início das
atividades elas só observam as canções e aos poucos acompanham o ritmo e cantam os finais
das frases. Fazem registros musicais na sua memória, a princípio apenas vocaliza, e, aos
poucos, vão aumentando seu repertório de palavras, desenvolvendo sua capacidade de
expressão, ao imitar gestos e ações. A linguagem faz com que pensamentos e emoções de uma
pessoa possam habitar a outra.
Para Luria (1985) a aquisição de um sistema linguístico supõe a reorganização de
todos os processos mentais da criança. A palavra passa a ser assumida como um fator
excepcional que dá forma à atividade mental aperfeiçoa o reflexo da realidade e cria novas
formas de memória, de imaginação, de pensamento e de ação. Desse modo, o ser humano
constitui-se como um ser único, tornando-se não só um produto do seu meio, mas agente ativo
nesse ambiente.
Assim, o desenvolvimento da linguagem é fator essencial para seu desenvolvimento
psicointelectual. Segundo Kostiuk (2005),

Os processos verbais adquiridos e dominados primeiro pela criança como


atos sociais imediatamente tendentes à satisfação de determinada
necessidade se convertem, com a continuação, na sua forma interior e
exterior, em fatores importantes do desenvolvimento da percepção e
imaginação, em instrumentos do pensamento e de toda a organização e
regulação do seu comportamento (KOSTIUK, 2005, p.21).
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Nesse sentido, podemos pensar que a música, como elemento mediador, contribui
para o desenvolvimento da comunicação verbal ao permitir a auto-expressão da criança, de
forma espontânea e natural, constituindo-se em uma forma de linguagem.
Luria (1991) afirma que, a formação da atividade consciente, esse sistema de códigos
e significados, a linguagem, “[...] é o veículo mais importante do pensamento, que assegura a
transição do sensorial ao racional na representação do mundo” (LURIA, 1991, p.81).
A linguagem guarda em si, e, portanto, permite comunicar aos outros, o
conhecimento, os valores, os sentimentos e o modo de pensar dos homens de diferentes
culturas e épocas distintas. Por essa razão, ela faz a mediação entre o individual e o social, em
um processo em que ambos se modificam.
Com base nos estudos da perspectiva Histórico-Cultural entendemos a música como
uma forma de linguagem, produto da cultura, que se constitui nas interações sociais e não
como um dado a priori, mas sim, por meio das apropriações de elementos musicais
produzidos por gerações antecedentes. Portanto, deve ser usada na escola da infância como
forma de desenvolvimento da linguagem verbal, e não como algo ornamental, a ser utilizado
em eventos, datas comemorativas, ou ainda como complemento no ensino de outras
disciplinas.
Ao mesmo tempo esse instrumento psicológico, a linguagem musical, também
permite o desenvolvimento de outras funções primordiais para o ensino como memória, a
percepção e o pensamento.
Sokolov (1969) explica que sem a fixação dos fatos por meio da memória, o ser
humano não poderia acumular experiências, para utilizá-las em outras atividades, não
reconheceria os objetos em sua volta, nem poderia representá-los, nem pensar sobre eles
quando não estão presentes, portanto, não poderia orientar-se no meio que o rodeia. Sem fixá-
los na memória não seria possível nenhum ensino, nenhum desenvolvimento intelectual e nem
prático. Em outras palavras, o homem é homem por forjar-se em um ambiente social, cultural,
fundamentalmente histórico.
Foi possível observar em nossa pesquisa que a música ajuda a desenvolver a
capacidade de concentração imediata, de persistência e de dar resposta à constante variedade
de estímulos; e assim, facilita a aprendizagem ao manter em atividade os neurônios cerebrais.
A criança memoriza um repertório de canções e conta consequentemente com um
“arquivo”, informações referentes a desenhos melódicos e rítmicos que utiliza com frequência
nas canções que canta e inventa, já que desde antes do seu nascimento tem contato com o
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mundo sonoro e musical, e mesmo antes de falar podemos ver o bebê cantar, gorjear e
experimentar sons vocais diversificados.
A linguagem musical estimula também a memória verbal e escrita, visto que uma
canção pode ser o relatório de uma leitura, e as notas ensejam o mesmo significado das
palavras. Amplia seu repertório de palavras e a sua visão de mundo, não com repetições
monótonas, mas com conhecimentos que fazem parte de sua vida e por meio da apropriação
de bens culturais produzidos socialmente. Sokolov (1969) deixa claro que memorizamos
melhor o que tem significado importante para a nossa vida, e também aquilo que está
associado aos nossos interesses e necessidades.
Esse mesmo autor sugere que a atenção e a percepção são funções fundamentais, que
se encontram na base do desenvolvimento das demais capacidades de modo que o raciocínio,
a memória e a imaginação, não se estabelecem e não operam sem essa participação efetiva. A
percepção é uma capacidade intelectiva extremamente importante à educação, uma vez que,
em menor e maior grau, está imbricada em todas as atividades escolares. Essa função está
presente em quase todos os animais, assim como nos bebês e é de natureza reflexológica, ou
seja, movida por necessidades instintivas. Enquanto que nos animais se mantêm inalterada, no
homem, sofre modificações substantivas. Como afirma Vigotski (1996) é por meio da
aprendizagem do conhecimento contido em instrumentos físicos e simbólicos que as formas
cognoscitivas e de sentimento se estabelecem. Pela mediação, pela via da linguagem, o caráter
instintivo da percepção vai sendo substituído pelo caráter social, e ganha uma nova identidade
e uma nova dimensão humana. Dessa forma, a aquisição da linguagem humaniza a percepção
como explica Sokolov (1969),

A percepção se forma desde a infância sob a influência da linguagem, na


qual se tem fixado a experiência social das gerações passadas. As indicações
verbais dos adultos ajudam a criança a destacar uma ou outra parte dos
objetos, a perceber o que é parecido ou sua diferença. Por meio da palavra, a
criança adquire novos conhecimentos sobre os objetos e isto, influi
essencialmente sobre a percepção (SOKOLOV, 1969, p.148, tradução
nossa).

De posse dessas informações, nos indagamos sobre as condições necessárias para o


desenvolvimento dessa função por meio das atividades musicais. A escuta tem grande
importância na Educação Infantil, escutar é perceber e entender os sons por meio do sentido
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da audição, ou seja, detalhar e tomar consciência do fato sonoro. Como por exemplo, quando
trabalhamos nas aulas de musicalização com os diversos tipos de sons - sons do entorno, sons
da natureza, sons dos animais, sons do corpo, sons dos instrumentos musicais e da produção
musical da cultura humana - estamos propiciando as crianças à oportunidade de ouvir, não
apenas como um processo fisiológico, mas sim como um processo contínuo de interpretação
de dados com vistas à integração entre a ação e a recepção sonora (BRITO, 2003). Graças a
essas atividades a criança estabelece a comunicação, que transcende o simples contato
sensorial com o mundo circundante: a percepção lhe permite a compreensão.
Enfim, como percebemos nesse estudo, a criança ao se apropriar da linguagem, fica
apta a organizar sua percepção e memória, e é capaz de tirar conclusões a partir das suas
próprias observações e fazer deduções e assim conquistar todas as potencialidades do
pensamento. Ao nomear algo, ela estará analisando e passando a usar palavras para designar e
resolver problemas relacionados ao seu mundo, por intermédio de experiências de todo o
gênero humano, e não só por sua experiência pessoal.
Com base na concepção de que o desenvolvimento da linguagem oral e escrita bem
como da musical é resultado do processo de educação, e, por acreditarmos que a música é um
dos meios mais adequados para essa mediação é que propomos esse ensino. O estudo foi
realizado em uma escola municipal de Educação Infantil no centro-oeste do Paraná, em
turmas de musicalização dos níveis I, II e III. Investigamos em especial, o desenvolvimento
de funções psíquicas em crianças de zero a cinco anos submetidas as ensino da musicalização
em duas aulas semanais de cinquenta minutos.
O trabalho relatado nesse artigo resulta de observações, registros, vídeos e análise
das reações às atividades musicais dos alunos, nos primeiros meses do ano de 2009.
Os procedimentos utilizados durante as aulas foram planejados e organizados com
vistas a propiciar aprendizagem e desenvolvimento, já que esse nível de educação não deve
ser entendido como uma pré-educação, mas como uma educação em si, com seus objetivos,
conteúdos e métodos próprios, de forma que as crianças possam se apropriar da herança
cultural deixada pela humanidade, desenvolvendo suas funções psíquicas. É também nesse
período, segundo Ilari (2003), que novos aprendizados vão reorganizar e reforçar as conexões
entre as células do cérebro humano. Novas conexões e sinapses são formadas à medida que
novos conhecimentos são adquiridos.
Com o intuito de analisar os efeitos da musicalização no desenvolvimento das
crianças, foram estabelecidos objetivos para cada procedimento visando à aquisição dos
conceitos musicais de intensidade: sons fortes ou fracos; de duração: sons longos e curtos; e
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de andamento: sons rápidos e lentos. Para a consecução dos objetivos propostos, planejamos
aulas com estratégias bastante diversificadas: utilização de instrumentos de percussão, jogos
musicais de imitação e criação, histórias sonorizadas, canções folclóricas, entre outras.
Procuramos também, com base na perspectiva Histórico-Cultural (VIGOTSKI, 1986;
LEONTIEV,1988) direcionar o tipo de atividade a ser proposto em cada idade, bem como as
ênfases musicais a serem trabalhadas, com a finalidade de atingir os resultados propostos.
Os dados obtidos são indicativos de que a linguagem musical é um instrumento
psicológico excelente para o desenvolvimento de funções psíquicas de crianças nesse nível de
ensino. Podemos perceber que além da aprendizagem de conceitos musicais houve a
ampliação do vocabulário das crianças, maior participação nas aulas trazendo as suas próprias
experiências sonoras como contribuição e também a alegria com a participação em jogos e
brincadeiras infantis do nosso folclore esquecidos por seus educadores.

Da formação do professor de ensino musical


Questões relacionadas á importância do ensino musical nas escolas de Educação
Básica, entre elas as de Educação Infantil, os desafios, os conteúdos e metodologias, que
devem conduzir o educador musical têm sido discutidos por diferentes autores (QUEIROZ,
MARINHO, 2009; JARDIM, 2009; SOBREIRA, 2008), antes e pós a Lei 11.769, que tornou
a Música “conteúdo obrigatório, mas não exclusivo”, do ensino de Arte ( Art.26, parágrafo
6º), buscando respostas para a sua real implementação. Uma vez que, o parágrafo único do
Art.62, dizia que “o ensino da música, será ministrado por professores de formação específica
na área”, foi vetado. A LDBEN 9394/96, em vigor, recomenda que os anos iniciais do Ensino
Fundamental e a Educação Infantil estejam a cargo de unidocentes formados em Pedagogia,
que com raras exceções estão habilitados para trabalhar com o ensino musical, visto que, não
tiveram contato com essa disciplina como área de conhecimento.
Nesse contexto, caberá aos Conselhos Estaduais e Municipais regulamentar a forma
de implementar os conteúdos, carga horária e qualificação profissional. As perspectivas se
diversificam, segundo Bellochio (2009); Pena (2007); um dos caminhos é a de aproximação e
trabalho colaborativo com escolas formadoras e professores atuantes no ensino público, ao
propor que os professores especialistas em música têm muito a aprender com “[...] professores
não especialistas em música, mas especialistas no ensino de crianças” (WERLE,
BELLOCHIO, 2009, p.30). Já, outros autores propõe uma adequação dos Cursos de
Pedagogia para a formação pedagógica-musical do professor unidocente. Existe um percurso
a seguir, no entanto, devemos ter claro que o ensino musical deve ser pensado como uma das
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formas de conhecimento que integra a formação da personalidade humana, e, portanto, deve


ser valorizado como uma disciplina que têm conteúdos próprios e necessita de professores que
dominam conteúdos específicos e saibam sistematizá-los conceitualmente. Nesse sentido, a
interface entre a pós-graduação, mas precisamente as pesquisas por ela realizadas na área de
educação musical, têm muito a contribuir para pensar como deve ser o ensino e qual o
programa de formação docente é necessário para esse momento histórico da volta da música
na escola.
Segundo pesquisas de Pena (2007, p.50), “[...] a licenciatura em música é a formação
por excelência para o educador musical.” No entanto, segundo a autora os currículos dos
cursos de música são técnicos, muitas vezes faltando à formação pedagógica e a experiência
para trabalhar com crianças da Educação Infantil, uma vez que não basta mandar para lá quem
somente toca um instrumento.
Outro fator importante ressaltado por Pena (2007, p.5) é de que é “[...] na educação
básica [...] que o ensino da música pode ter maior alcance social, atuando efetivamente para a
democratização no acesso à arte e à música”. Nesse contexto, a formação do educador
musical não se esgota só no domínio da linguagem musical, mas sim em conhecimentos
pedagógicos e musicólogos, igualmente importantes sem priorizar um em detrimento ao
outro, como também envolve a concepção de música e de educação desse profissional.
Nesse sentido, concordamos com alguns pesquisadores, por sermos professoras desse
nível de ensino, que dizem ser possível nos cursos de Pedagogia um trabalho colaborativo
com o curso de Música para uma formação musical do pedagogo, que na ausência do
especialista, possa trabalhar com essa disciplina não em caráter informal como geralmente
ocorre, mas sim com conhecimentos musicais que contribuirão para o desenvolvimento
cognitivo e motor dos seus alunos. Portanto, é necessário para um ensino musical de
qualidade estreitar os laços entre as instituições formadoras graduação e pós-graduação, com
as escolas públicas para viabilizar a efetiva presença da música na escola infantil.

Considerações finais

A análise dessa experiência nos permite afirmar que a linguagem musical é um


importante elemento mediador para o desenvolvimento e interação social de crianças da
Educação Infantil. Foi possível observar durante as atividades realizadas, comportamentos
infantis que atestam a compreensão e atribuição de significados a determinados termos e
conceitos musicais.
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As brincadeiras de roda, canções, jogos musicais, percussão corporal e/ou percussão


instrumental, construção de instrumentos de percussão, entre outras atividades musicais
propostas nas aulas, permitiram a criança transformar-se em um instrumento vivo, com a sua
voz e seu corpo, propiciando a oportunidade de integrar-se ao grupo e desenvolver diferentes
funções psicológicas. Isto também foi percebido por uma das professoras da Pré - Escola, ao
dizer que “notou uma mudança na parte afetiva e cognitiva, e que as crianças tornaram-se
mais participativas e atentas nas explicações dos conteúdos que são trabalhados em sala de
aula”.
Nessa ótica, a música como linguagem tem muito a contribuir com a sua
expressividade por meio das manifestações/produções sonoras, movimentos corporais e
ritmos que utilizam os sentidos humanos, fazendo com que a criança adquira a leitura do ser
individual e social, e assim transformar suas relações interpessoais.
Enfim, a música no contexto da Educação Infantil, se for trabalhada de forma lúdica
e dinâmica, com professores comprometidos, traz experiências gratificantes para as crianças e
constitui um elemento inestimável para a sua formação e desenvolvimento, permitindo-lhes a
sua apropriação sem reservas, porque a música não deve ser um privilégio de alguns, mas de
todo ser humano. Nessa perspectiva, a formação de professores em educação musical, bem
como as pesquisas na pós-graduação sobre essa área tem muito a contribuir para a adequada
presença da música na escola básica, uma vez que não basta a lei é preciso ações coletivas sua
real efetivação.

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