1-15-A Forma Jornalismo
1-15-A Forma Jornalismo
1-15-A Forma Jornalismo
INTRODUÇÃO
A produção da dissertação de mestrado “Deslocamentos e(m) discurso: uma
análise material do político e do jornalístico em Ribeirão Preto” revelou uma
impossibilidade teórica de se apontar um "discurso jornalístico" dentro do campo teórico
da Análise de Discurso (AD) de matriz francesa. Entendemos o jornalismo como um
lugar por onde passam discursos e dizeres. Ao invés de caracterizarmos o discurso
jornalístico como uma unidade cristalizada, iremos analisa-lo como prática discursiva.
São práticas, modos de se fazer, ritos e modos de se comunicar. A junção dessas práticas
cria uma forma-jornalismo.
formaram e a quais interesses eles servem. Esse percurso cria uma base sólida para
debatermos, adiante, o deslocamento dos sentidos.
uma construção da linguagem e da ideologia. “Fatos existem, mas só podemos nos referir
a eles como construções da linguagem. Descrever um fato é, ao mesmo tempo, interpretá-
lo” (ARBEX, 2001, p.107). Ou, como acrescenta Bucci, “a verdade dos fatos é sempre
uma versão dos fatos. O relato de qualquer que seja ele, é um discurso e, como tal,
inevitavelmente ideológico” (BUCCI, 2000, p.51). Portanto, não há riscos em afirmar
que: não existe um observador neutro. “Testemunhar um evento é também construí-lo
segundo o ‘aparelho psíquico’ e a formação social e cultura da testemunha” (ARBEX,
2001, p.35)
E sobre o lead:
Supõe-se que, usando essas duas técnicas, o jornalista terá um texto objetivo e
que consegue relatar o fato em sua totalidade. Não é exagero conjeturar, com base nessas
afirmações, que, sendo um jornalista capaz de capturar e transcrever a “realidade”, esse
relato também deveria romper as barreiras do tempo e da história. Deveria fazer sentido
e dar conta de reproduzir aquele dado acontecimento além de qualquer anacronismo. Se
lido daqui uma década ou um século, ele ainda deveria ser capaz de informar. Porém,
sabemos que essa premissa não se sustenta. Isso porque, “o discurso jornalístico é
construção parcial do social, do cultural, do histórico, do imaginário e como tal deve ser
entendido” (MARIANI, 1998, p.27). Dessa forma, não tratamos o “discurso jornalístico”
como um relato documental indiscutível, mas como monumento, isto é:
[...] algo que representa e também constitui o período. [...] Isto implica na
passagem de uma observação estática e apriorística (análise de conteúdo) para
a compreensão do modo de funcionamento dos jornais nas condições de
produção específicas [...]. Ao invés de caracterizarmos o cotidiano do
discurso jornalístico como unidades cristalizadas, partimos para analisa-
lo como prática discursiva. (MARIANI, 1998, p.34, grifo nosso)
Com base no que apresentamos até aqui, fica evidente que a verdade no
jornalismo diz respeito a uma modalidade discursiva específica. Trata-se de uma verdade
“possível de ser construída segundo o ferramental metodológico-prático do jornalismo”
(BUCCI, 2009, p. 81). Portanto, ao menos em teoria, seria uma verdade possível de ser
“aferida”. O que queremos expor aqui é que, certamente, a FD própria do jornalismo seja
uma FD que cumpre com eficácia ainda maior a sua função primeira de apagar os
próprios rastros, de dissimular sua própria existência (PÊCHEUX, 2014b). Esse “pacto”
entre os jornalistas e os leitores que aceitam essa “verdade provisória”, surge nesse
contexto como uma névoa que tenta esconder as condições materiais de produção das
práticas jornalísticas.
Todavia, essa verdade não é aceita em sua totalidade. Nenhum discurso é aceito
em sua totalidade. Pêcheux destaca que todo discurso “é o índice potencial de uma
agitação nas filiações sócio-históricas de identificação” (PÊCHEUX, 2015, p.56). Ainda
de acordo com Pêcheux, o discurso não surge de maneira “miraculosa”, desgarrado de
quaisquer redes de memórias e dos trajetos sociais, “todo discurso marca a possibilidade
de uma desestruturação-reestruturação dessas redes. [...] não há identificação plenamente
bem-sucedida” (PÊCHEUX, 2015, p.56). Dito de outra forma, a verdade vendida pelos
jornais não é prontamente aceita pela sociedade sem antes passar pelo filtro da memória
e do percurso que aquela sociedade percorreu até aquela notícia. Apesar de oscilar
conforme a época, a credibilidade da mídia sempre foi e continuará sendo questionada.
Atualmente, há um ataque sistemático que mina ainda mais essa noção de verdade.
Apesar disso, o jornalismo segue sendo, um dos raros campos das Ciências Humanas,
que se agarra à noção de Verdade. Seja para legitimar determinada prática, tentando
passar ao público que aquele texto foi apurado e revisado antes de ser público; ou,
simplesmente, para vender mais.
Sem dúvida, o lugar de onde se fala constitui o dizer, mas esse lugar
(institucional ou não), deve ser compreendido como posição enunciativa
vinculada ao complexo de formações discursivas em relação, e constitutivas
do momento histórico. (MARIANI, 1998, p.49)
sentido (MARIANI, 1998). Temos, portanto, uma figura aparentemente monolítica, mas
que não está livre de deslocamentos. Portanto,
Portanto, o jornalismo, não como prática fechada em si, mas como instituição,
como discurso, respeita a uma cadeia de formações discursivas, que formam a
“instituição jornalismo”. Como defendido por Bucci, e lembrando o que foi trazido por
Pêcheux anteriormente no exemplo do soldado francês: “o verdadeiro jornalista é um
democrata” ou então, “o verdadeiro jornalista sempre diz a verdade”. Com base nisso,
adicionaremos mais algumas camadas à noção de “verdade jornalística/provisória”. Há
outro problema evidente em se alcançar qualquer tipo de “verdade”, “discurso
próprio/único” ou “imparcial”, tendo em vista a heterogeneidade constitutiva do sujeito
e de seu discurso (AUTHIER-REVUZ, 1990). Ainda mais se tratando da prática
jornalística que é constituída, em sua essência, pelo discurso sobre/relatado (AUTHIER-
REVUZ, 2008; MARIANI, 2006;).
O primeiro ponto dessa complexa relação entre “o que se fala” e “o que se fala
sobre quem fala”, são os discursos que atravessam o sujeito-jornalista. É comum
encontrar uma defesa da transparência na linguagem empregada pelo jornalista, em sua
“objetividade e clareza”, seja porque o jornalista possuí o domínio da norma culta da
língua, cumpre os pré-requisitos para uma apuração de dados e fontes, segue a cartilha
ensinada na faculdade ou, simplesmente, não é filiado a nenhum partido político ou causa
além do seu ofício como jornalista. Cabe nessa reflexão a colocação feita por Pêcheux
sobre a dificuldade de se encontrar um “discurso da ciência”, puro, sem atravessamentos.
maneira como um jornalista é formado. “As notícias têm uma estrutura de valores que
são compartilhados pelos jornalistas entre si, embora carreguem ecos de interação com a
sociedade” (PENA, 2020, p.141).
Assumimos, com base no exposto até este ponto, que há uma heterogeneidade
no sujeito, nos discursos e nas Formações Discursivas. Isso porque, reconhecemos nas
FDs a imbricação de dois reais: “o da língua, em sua autonomia relativa, e o da história,
apreendido a partir da contradição das forças materiais que nele se afrontam”
(COURTINE, 2009, p.235). Portanto, uma FD não é um espaço estrutural fechado. Ela é
a todo momento invadida “(isto é, de outras FD) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas
evidencias discursivas fundamentais (por exemplo, sob a forma de “pré-construídos” e de
“discursos transversos)” (PÊCHEUX, 2014a, p.310). Mariani (1998) irá descrever a
prática jornalística como sendo um "discurso sobre", como dissemos anteriormente, é um
espaço por onde passam dizeres, por onde se fala de outros discursos. Esse recurso
forneceria ao jornalista um efeito/ilusão de distanciamento, a jornalista projeta a imagem
de um observador imparcial – e marca uma diferença com relação ao que é falado,
podendo, desta forma, formular juízos de valor” (MARIANI, 1998, p.60). Ao agrupar
esses diferentes discursos em um único texto, o jornalista insere mais uma camada de
heterogeneidade, ao mesmo tempo que insere mais uma máscara sobre essas camadas.
Essa polifonia e heterogeneidade de discursos ao mesmo tempo em que representa um
risco ao jornalista, paradoxalmente, lhe fornece a ilusão da imparcialidade.
produção das notícias fornece um dos alicerces necessários para manter a significação
do conceito de “verdade” no jornalismo. “Memória que atua como um ‘filtro’ na
significação das notícias e, consequentemente, no modo como o mundo é significado”
(MARIANI, 1998, p.67). Portanto, fica evidente que o lugar de onde se enuncia constitui
o dizer. Para observar com ainda mais profundidade como cada veículo sustenta a sua
“verdade”, Mariani assegura ser imprescindível percorrer a historicidade constitutiva da
formação de uma instituição para compreender sua produção discursiva.
Porém, façamos uma ressalva: não existe memória infalível, nem FD sem furos,
não há dominação sem resistência (PÊCHEUX, 2014b). As noções de “verdade” e
confiabilidade do jornalismo, que sozinha já não se sustentavam, têm sido atacadas
reiteradamente nos últimos anos. O enunciado de que o jornalismo e verdade andam de
mãos dadas se tornou hegemônico e, por isso, sofreu invasões em suas fronteiras. E,
mesmo se não fosse o discurso hegemônico por boa parte do século XX, como Pêcheux
mesmo adverte, todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-
reestruturação.
publicidade em torno das ações que afetam a vida pública. (SILVA, 2006,
p.50).
CONSIDERAÇÕES
O que pudemos mostrar de forma breve neste texto, é que o acumulo e sedimentação de
práticas discursivas por sujeitos que atuam com o jornalismo, deu forma a um modo de
se fazer e de se dizer. A forma-jornalismo não caracteriza um discurso por si só – apesar
de estar sob o domínio de uma Formação Ideológica dominante –, mas é um local
historicamente determinado por onde passam e são reproduzidos discursos Esses
discursos que passam pela forma-jornalismo ganham mais ou menos repercussão, sofrem
deslizamentos ou silenciamentos, o que corresponde ao que popularmente podemos
chamar de “viés da mídia”. Entendemos que delimitar esse modo de produção do
jornalismo é de grande valia para a AD, uma vez que ataca essa noção ambígua de que
há um “discurso jornalístico”.
REFERÊNCIAS
ARBEX, J. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001.
BUCCI, E. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (org.). Por uma
análise automática do discurso. Campinas: Editora da UNICAMP, 2014a.
SILVA, L. Jornalismo e interesse público. In: SEABRA, R.; SOUSA, V. (org.). Jornalismo
Político. Rio de Janeiro: Record, 2006. p. 45-84.