2020 Leite, Fonseca e Magalães

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Volume 24, n.

3 (2020)

Ve re d a s
Revista de Estudos Linguísticos
https://periodicos.ufjf.br/index.php/veredas/index

APRESENTAÇÃO
______________________________________________________

Fonologia e Ensino: da teoria à prática

Camila Tavares Leite1, Aline Alves Fonseca2, José S. Magalhães3


1,3
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil; 2Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

1. Introdução

O profissional formado nos cursos de licenciatura em letras, em geral, tem como objetivo, o
ensino de língua, seja ela materna ou não. O foco do ensino de uma língua materna está,
principalmente, na escrita e na leitura, uma vez que a produção oral já se encontra adquirida pelo
usuário. Como bem disse Cagliari (1989 [2009], p.24),
o objetivo mais geral do ensino de língua portuguesa para todos os anos da escola
é mostrar como funciona a linguagem humana (...). Em outras palavras, o
professor de língua portuguesa deve ensinar aos alunos o que é uma língua, quais
as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o comportamento da
sociedade e dos indivíduos com relação aos usos linguísticos, nas mais variadas
situações de sua vida.

O curso de letras possui em sua grade disciplinas que consideram os diferentes níveis
gramaticais das línguas: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica. O tema norteador deste volume
é Fonologia e Ensino. Por esse motivo, trazemos para este primeiro artigo e apresentação do
volume três pontos que direcionaram nossas discussões. O primeiro ponto a ser apresentado é o
conceito de Fonética e de Fonologia.

1
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4269-8430
2
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7874-2878
3
E-mail: [email protected] | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0268-1826
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Silva (2009, p.23) afirma que “fonética é a ciência que apresenta os métodos para a
descrição, classificação e transcrição dos sons da fala, principalmente aqueles sons utilizados na
linguagem humana”. Para Cagliari (2002, p.18), “a Fonologia, por sua vez, faz uma interpretação
dos resultados apresentados pela Fonética, em função dos sistemas de sons das línguas e dos
modelos teóricos que existem para descrevê-los”.
A relevância dos conceitos acima apresentados está no fato de que tal discussão faz parte,
obrigatoriamente, do currículo do curso de graduação em Letras, nas universidades brasileiras.
Entretanto, os graduados em Letras, que vão para a sala de aula, atendem a alunos do 6º ano do
ensino fundamental II a alunos do 3º ano do ensino médio, e o processo de alfabetização se dá
entre os anos 1 e 5 do ensino fundamental I, momento em que o profissional graduado no curso
de Pedagogia assume a função.
Chegamos, portanto, ao nosso segundo ponto. A preocupação com a parte linguística do
profissional pedagogo e do professor de língua é válida uma vez que são esses profissionais os
responsáveis pela aquisição da escrita por parte das crianças, durante o processo de alfabetização
e pela reflexão sobre a relação entre a oralidade e a escrita nas etapas subsequentes.
Ter conhecimentos sobre a fonética e a fonologia da língua que se está ensinando permite
ao docente refletir sobre a escrita do seu aluno e sobre o que é categorizado ou não como “erro”.
Como pode ser possível a um profissional explicar de forma adequada processos de escrita se este
profissional não possuir instrumental para fazer isso? (Cagliari, 1989 [2009]). Ao identificar essa
dificuldade, podemos olhar para o Programa de Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras) como
um programa de formação docente que possibilita, dentre outros pontos, a capacitação do
docente que já está em sala de aula. Uma capacitação que vai dar suporte teórico e prático a
reflexões, dentre outras, a respeito da relação entre oralidade e escrita, do ponto de vista
fonológico.
Atingimos o terceiro ponto: a relevância dos conhecimentos de fonologia para o ensino de
língua.
“A aquisição da escrita e da leitura necessita do conhecimento linguístico, de uma
consciência fonológica, dos sons, e símbolos que compõem a língua materna do
aluno, das possibilidades de construção silábica, da prosódia, da ortografia, do
funcionamento do aparelho fonador e da produção dos sons da fala” (Silva, 2014,
p.1171)
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Os artigos deste volume demonstram a interação entre os três pontos apresentados: a


formação do estudante de letras, a formação continuada do docente e a possibilidade de diálogo
entre teoria fonológica e prática em sala de aula.

2. Um breve percurso teórico da Fonologia

No decorrer do último século, a partir de 1916, até os dias atuais, é possível verificar a
evolução das discussões teóricas envolvendo a Fonologia como disciplina. Torna-se, portanto,
relevante trazer à tona alguns pontos desse trajeto para que possamos, então, observar o lugar do
ensino dentro dessas discussões4.
Os modelos estruturalistas afirmam que cabe à linguística analisar e formalizar o supra
sistema, denominado, por Saussure, “língua”, sendo esta um elemento imutável ao qual o autor
associava a Fonologia, enquanto a Fonética identificava-se com as mudanças, ou seja, “Fonética é
uma ciência histórica; analisa acontecimentos, transformações e se move no tempo. A Fonologia
se coloca fora do tempo, já que o mecanismo da articulação permanece sempre igual a si mesmo”
(Saussure, 2012, p. 43)
O estruturalismo avança e, com Nicolay Trubetzkoy e Roman Jakobson, a Fonologia
incorpora teor contrastivo, com insights semelhantes à oposição do signo linguístico saussureano.
O fonema torna-se a unidade mínima de análise e, para identificá-lo, propõe-se um mecanismo
simples de comutação que gere pares mínimos para identificar o sistema de oposição.
Diferentemente do que propusera Saussure, à Fonologia atribuiu-se o estudo da realidade
psicológica dos sons, e à Fonética o estudo de sua natureza física.
A proposta estruturalista prevê a dependência entre uma análise fonológica e a observação
fonética, isso porque, para se fazer uma transcrição fonêmica, por exemplo, é necessário contato
com a produção. Ou seja, a abstração da fonêmica depende da concretude da fonética, numa
relação fortemente dicotômica. No entanto, saindo do tratamento teórico do tema, não
encontramos na prática do ensino de língua materna um diálogo entre a produção oral e os
problemas de escrita que, em geral, são frutos dessas variações de produção. O sistema de escrita,
apesar de ser uma abstração da produção oral, não é totalmente independente da oralidade.

4
Para um leitor que queira iniciar seus conhecimentos sobre as diferentes teorias fonológicas, sugerimos o livro
“Fonologia, fonologias: uma introdução”, organizado por Dermeval da Hora e Carmen Lúcia Matzenauer.
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A Fonologia Gerativa Clássica, iniciada com Chomsky e Halle (1968), passa a interpretar os
fonemas como segmentos dotados de propriedades mínimas de caráter acústico e articulatório,
nomeadas traços distintivos, dispostos linearmente em matrizes. O traço torna-se a unidade
mínima com realidade psicológica e valor operacional. As representações fonológicas geram
formas fonéticas por meio da aplicação de regras de três tipos: a) as que modificam os traços dos
segmentos; b) as que inserem segmentos e c) as que apagam segmentos. A Fonologia Gerativa
Clássica não trata diretamente da sílaba, papel que os modelos Autossegmentais assumem.
A Fonologia Autossegmental, além de operar com segmentos e com matrizes inteiras de
traços, também opera com autossegmento, isto é, permite a segmentação independente de partes
dos sons das línguas. A representação agora é não linear, isto é, dispõe-se em níveis organizados
hierarquicamente. Nesta organização hierárquica dos autossegmentos, a sílaba é constituída, de
acordo com Selkirk (1982), por onset (O), opcional, e rima (R), obrigatória. A rima domina o núcleo
(N) que pode ou não ser seguido de coda (C). No Português Brasileiro, o núcleo é sempre ocupado
por uma vogal. Já onset e coda, quando preenchidos, o são por uma ou duas consoantes.
Incorporar a análise da sílaba é importante porque ela possui um caráter concreto para o falante
da língua.
A Fonologia Prosódica utiliza-se tanto de elementos segmentais (fonêmicos), como de
supra-segmentais (prosódicos). Uma das propostas mais adotadas foi feita por Nespor e Vogel
(1986) e estabelece diferentes “níveis” dentro do sistema fonológico, chamados constituintes
prosódicos. A teoria dos constituintes prosódicos prevê que a fala é organizada hierarquicamente
em até sete constituintes prosódicos: a sílaba, o pé, a palavra fonológica, o grupo clítico, o
sintagma fonológico, o sintagma entoacional e o enunciado. Tomando tal proposta como base,
muitas pesquisas têm considerado o estudo da leitura, por exemplo, uma vez que já sabemos que
as línguas possuem aspectos prosódicos específicos que as caracterizam fonologicamente.
Essas teorias têm um impacto não só na formação do professor e no seu conhecimento
sobre a estrutura da língua, mas podem impactar também no ensino quando utilizadas como parte
de metodologias didáticas de análise e reflexão da língua.

2.1 As contribuições da fonologia para o ensino da língua materna e de segunda língua

Por um longo período de tempo, a disciplina de “Fonética e Fonologia”, que comumente


figura nos curricula dos cursos superiores de Letras do país, foi tomada como uma disciplina
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teórica e totalmente desvinculada do ensino. Quando não era assim tratada, seu conteúdo era
ligado exclusivamente aos processos de alfabetização e, como em um passe de mágica, terminada
essa primeira etapa, as preocupações com o componente sonoro da língua desapareciam da
agenda do ensino de língua materna nas escolas.
Também no ensino de segunda língua, seja o Português para falantes estrangeiros, sejam
línguas estrangeiras para falantes nativos de Português, o sistema fonológico parece nunca ter sido
visto como parte importante da educação formal e explícita neste processo. Métodos de ensino de
segunda língua como o Communicative Language Teaching (Richards e Rodgers, 2001) dão
enfoque para os processos de conversação e aprendizagem de vocabulário e deixam o
aperfeiçoamento fonético do aprendiz a cargo quase exclusivamente da experiência por meio da
exposição oral da língua aprendida.
Felizmente, essa realidade vem, aos poucos, se transformando. Esforços para se aplicar a
Fonologia como parte das metodologias pedagógicas de ensino do Português na educação básica
vêm de longa data como os trabalhos seminais de Cagliari (1989) com “Alfabetização e Linguística”
e Faraco (1992) com “Escrita e Alfabetização: dificuldades ortográficas, o domínio da linguagem
escrita, variedades dialetais e alfabetização” entre outros. As sementes plantadas por estes
professores e pesquisadores da área estão frutificando e educadores de todo o país têm olhado
com mais atenção para o papel da Fonologia na sala de aula. É possível constatar essa evolução
não só nos trabalhos vinculados ao mestrado profissional em Letras (ProfLetras), mas também em
trabalhos acadêmicos como os de Tenani e colegas (Tenani e Soncin, 2015; e Tenani e Fiel, 2016)
que tratam sobre questões da escrita como os casos de segmentação não-convencional de
palavras e questões ligadas ao emprego de sinais gráficos de pontuação com um olhar voltado
para os processos fonológicos envolvidos nos aspectos suprassegmentais da língua, entre outros.
No ensino de segunda língua, o movimento para a inclusão da Fonologia como metodologia
de ensino também é crescente. Os trabalhos de Alves e colegas (Alves, 2012; Gauer e Alves, 2020)
tratam da instrução explícita e do estímulo à consciência fonológica em L2 como métodos de
ensino de Português como L2 e de outras línguas estrangeiras como o Espanhol e o Inglês para
falantes nativos de Português.
Além dos trabalhos citados anteriormente, os 19 artigos que compõem este volume
temático evidenciam os esforços e as experiências bem sucedidas da aplicação da teoria fonológica
na análise de dados e na didática de ensino de segunda língua e de língua materna na educação
básica. A exposição explícita de questões fonológicas para além do período de alfabetização, como
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a composição das sílabas, a relação entre os sons e as letras, a relação entre a tonicidade e
questões ortográficas da língua, entre outras, têm alcançado resultados positivos nas salas de aula.
Na próxima seção, apresentaremos brevemente estes trabalhos que são fruto desses esforços e
que têm potencial para inspirar novas ações para aprimorar as práticas educacionais tão
necessárias para o nosso país.

3. Os trabalhos deste volume

Os 19 artigos do volume temático “Fonologia e Ensino” da revista Veredas de 2020 estão


concentrados em quatro áreas de interface, a saber: (i) questões de escrita e ortografia; (ii)
questões relacionadas à tonicidade e constituição silábica; (iii) questões relacionadas à pontuação;
e (iv) questões relacionadas ao ensino de L2.
Dos artigos que discutem as questões de escrita e ortografia, iniciaremos com o de Gredson
dos Santos. O autor discute as repercussões da variação fonológica na escrita de estudantes das
séries finais do ensino fundamental. Propõe que o professor desenvolva um trabalho que foque na
observação dos desvios ortográficos dos alunos a fim de compreender o papel da variação
fonológica na escrita. Samuel de Oliveira, Athany Gutierres, Elisa Battisti e Reiner Perozzo
investigam a motivação para inadequações ortográficas no registro escrito de dados de fala no
contexto universitário. O trabalho desses autores aponta para o fato de que tais inadequações
ocorrem devido à interação de processos fonológicos com o mapeamento de sequências sonoras a
itens lexicais de conhecimento do falante-ouvinte, associados à memória gráfica do item em
questão. O trabalho de Magna Moura e Leônidas Silva Jr avalia processos fonológicos da
monotongação e da ditongação a partir da influência da oralidade sobre a escrita de alunos do
ensino fundamental II, à luz da proposta Laboviana e da Teoria de Exemplares. Márcia do Carmo,
Tayná Bugai e Jheniffer Dias analisam o fenômeno do rotacismo em produções textuais de alunos
do sexto ano do ensino fundamental. As autoras observaram em seus dados características que
apontam para um escrevente que circula entre o oral/falado o letrado/escrito. Ana Lívia Agostinho
e Maiara Mendes discutem a distinção fonológica dos róticos no Português do Príncipe, no
Português Brasileiro e no Português Europeu. As autoras chamam a atenção para a prática
pedagógica, apontando a necessidade de o professor refletir e reconhecer quais as variações
fonético-fonológicas se relacionam aos desvios ortográficos de seus alunos. Ana Luiza Couto e
Daniela Guimarães observam textos de alunos do ensino fundamental II com dois objetivos: 1)
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compreender o uso do acento e suas dificuldades e, 2) a partir desse mapeamento, refletir sobre
práticas pedagógicas possíveis que levem o aluno à compreensão e ao uso reflexivo do acento.
Renata Gonçalves descreve em seu artigo quatro fenômenos fonético-fonológicos do Português
Brasileiro: a) monotongação, b) ditongação, c) apagamento da consoante e d) alçamento de vogais
átonas. Segundo a autora, é com base na compreensão do funcionamento da língua portuguesa e
de seus fenômenos fonético-fonológicos que o professor se torna capaz de pensar práticas
pedagógicas que conduzam o aluno à superação das dificuldades quanto à escrita ortográfica.
Ronaldo Lima Jr e Márcia Carvalho apresentam, em seu artigo, uma proposta de sequência didática
voltada para as terminações <am> e <u> de verbos no pretérito do indicativo. Os autores, além de
apresentarem a sequência, avaliaram o efeito dessa atividade para as substituições de <am> por
<ão> e de <u> por <l> no pretérito do indicativo com alunos de 6º ano do ensino fundamental II.
Como resultado, perceberam como a atividade reflexiva sobre as normas ortográficas possibilitam
uma aprendizagem significativa. Já o trabalho de Graziela Bohn e Júlio Silva analisa a escrita inicial
de crianças dos três primeiros anos do ensino fundamental I. Os autores verificam a manifestação
da harmonia vocálica e do sândi externo na escrita desses alunos. O resultado encontrado aponta
para maior instabilidade da harmonia vocálica e maior estabilidade do sândi externo, o que
poderia indicar que esses processos possam ter propriedades distintas na língua adulta.
Finalizando a sequência de artigos sobre escrita e ortografia, temos o artigo de Thais Cristófaro
Silva, Leonardo de Almeida e Amarildo Marra. Os autores, com base nos dados do projeto e-
Labore, discutem a relação entre fonética, fonologia e acentuação gráfica no Português Brasileiro.
A sugestão para os professores é que os diacríticos do acento agudo, do circunflexo e do til sejam
apresentados ao aprendiz desde seu primeiro acesso ao sistema ortográfico do Português.
No que concerne às questões de tonicidade e constituição silábica, Silvana Nascimento e
Juliana Gayer apresentam um trabalho de intervenção didática para corrigir problemas de
ortografia em palavras com sílabas complexas na escrita de alunos do 6º ano de uma escola da
rede municipal de Lauro de Freitas – BA. O trabalho procura alinhar práticas de análise fonético-
fonológica e consciência fonológica com a leitura e produção textual dos alunos. Os autores André
da Silva e Luis Souza analisam a monotongação na escrita de alunos do 4º e 5º ano do ensino
fundamental em duas escolas da rede municipal de Surubim – PE. Os autores levam em
consideração aspectos sociolinguísticos como o contexto social rural e urbano e a escolaridade, e
aspectos linguísticos da escrita, como a produção de palavras isoladas e a produção textual.
Segundo os autores, o processo de monotongação na escrita tem influência direta da oralidade e
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precisa ser trabalhado como um fenômeno de variação nas práticas escolares. O artigo das autoras
Marian Oliveira, Adriana Silva e Vera Pacheco relata a experiência do emprego de oficinas de
acentuação gráfica para alunos do 9º ano do ensino fundamental de uma escola pública do interior
da Bahia. Constatadas as dificuldades do alunado na escrita correta de palavras acentuadas
graficamente em produções textuais, as autoras propuseram uma série de oficinas cujas temáticas
abordavam aspectos da teoria fonológica como ritmo, peso silábico e a relação entre tonicidade e
acentuação gráfica. Os resultados encontrados evidenciam uma melhora significativa da produção
ortográfica dos alunos participantes das oficinas. O último artigo que traz a temática da tonicidade
e constituição silábica é o trabalho de Ana Ruth Miranda e Lissa Pachalski. O artigo traz a análise da
produção oral e escrita de crianças nos anos iniciais de escolarização em relação ao contraste de
altura de vogais pretônicas do Português. Os resultados encontrados apontam para uma não
especificação inicial de traços de altura não contrastivos (fruto de variação e neutralização
fonológica) nas vogais pretônicas. No entanto, com o avanço dos anos escolares, os casos de
alçamento motivados e não-motivados vão diminuindo e a aquisição da escrita alfabética gera uma
estabilização do sistema com a aproximação para o sistema alvo dos adultos.
Com relação às questões de pontuação associadas à teoria prosódica, temos o trabalho de
Luciani Tenani e Nayra Paiva que analisa a produção escrita de alunos do 9º ano do ensino
fundamental II com relação à presença-ausência de vírgulas em esquemas de duplo argumento,
como estruturas encaixadas ou deslocadas. Os resultados encontrados revelam que a escrita dos
alunos está diretamente relacionada com as práticas orais e, por vezes, se distancia das regras
gramaticais normativas que regulamentam as estruturas sintáticas e o uso da pontuação.
Por fim, temos 4 artigos que tratam da temática da Fonologia no âmbito do ensino e
aprendizagem de L2. O trabalho de Ubiratã Alves, Carla de Aquino, Ana Carolina Buske e Israel da
Silva apresenta os resultados de testes de identificação por falantes nativos de Português Brasileiro
(PB) de pares mínimos vocálicos de /e/ e /ɛ/, produzidos por um falante nativo de Espanhol, de
nacionalidade argentina, após receber uma série de aulas de instruções explícitas sobre o sistema
fonético-fonológico do Português com vistas à inteligibilidade da língua aprendida. Os resultados
encontrados sugerem que o falante argentino conseguiu alterar os valores de F1 da vogal /ɛ/, o
que gerou um maior índice de identificação correta por parte dos ouvintes brasileiros. O artigo de
Carolina Rocha, Aline Fonseca e Denise Weiss apresenta os resultados de testes de produção e
percepção para pares mínimos consonantais e vocálicos do PB por 13 falantes estrangeiros de
Português como L2 que passaram por um curso de aperfeiçoamento oral com atividades de
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instrução explícita com vistas à consciência fonológica na L2. Os resultados apontam para uma
melhora significativa tanto na acuidade da percepção dos sons contrastivos, como na produção
oral de tais sons. Já o artigo de José Rodrigues Neto analisou as atividades de pronúncia e
ortografia do livro didático “Nuevo Español en Marcha”. O autor avalia que embora haja um
esforço para se agregarem os aspectos fônicos nas atividades do material didático, a maioria dos
exercícios é de cunho mecanicista, demonstrando uma visível desconexão dos propósitos dessas
atividades com os métodos de ensino que visam à função comunicativa da linguagem. O trabalho
de Lusine Yeghiazaryan e Paulo de Souza elenca as dificuldades fonético-fonológicas que
estudantes brasileiros encontram na aprendizagem do Armênio Oriental por meio de um processo
de comparação do sistema fonético das duas línguas. Além disso, os autores propõem estratégias
de ensino voltadas para a consciência fonológica em L2 como metodologia para melhorar o
desempenho de professores e alunos no alcance dos alvos fonéticos do Armênio Oriental.

4. Considerações finais

Os artigos introduzidos por esta apresentação evidenciam o percurso trilhado por


professores e pesquisadores da área, seja dos programas de Mestrado Profissional em Letras, seja
dos programas de Pós-graduação de caráter acadêmico, na intenção de levar para os ambientes
educacionais a teoria fonológica de forma prática e aplicável aos processos de ensino e
aprendizagem. Os resultados encontrados nestes trabalhos demonstram que os esforços e
percalços desse caminho não foram em vão. Foi possível constatar empiricamente que práticas de
ensino bem estruturadas e fundamentadas teoricamente e análises de dados de aprendizagem
calcadas no diálogo entre as variações da oralidade e da escrita são ferramentas de grande
potencial para um ganho significativo nos processos de letramento de estudantes de Português
como língua materna ou na aquisição de uma língua estrangeira.
Acreditamos que as contribuições dos artigos deste volume temático de "Fonologia e
Ensino" são inovadoras para o cenário atual da educação e inspiradoras para práticas futuras. Boa
Leitura!

REFERÊNCIAS

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