Rial - Futebol e Midia
Rial - Futebol e Midia
Rial - Futebol e Midia
ISSN 1414-7378
Antropolítica Niterói n. 14 p. 1-157 1. sem. 2003
© 2003 Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política da UFF
Direitos desta edição reservados à EdUFF - Editora da Universidade Federal Fluminense -
Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja - Icaraí - CEP 24220-000 - Niterói, RJ - Brasil -
Tel.: (21) 2629-5287 - Telefax: (21) 22629-5288 - http://www.uff.br/eduff -E-mail: [email protected]
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.
Normalização: Ana Gawryszewski
Edição de texto: Rosely Campello Barrôco
Projeto gráfico, Diagramação e capa: José Luiz Stalleiken Martins
Editoração Eletrônica: Vivian Macedo de Souza
Revisão: Sônia Peçanha
Supervisão Gráfica: Káthia M. P. Macedo
Coordenação editorial: Ricardo B. Borges
Sumário em inglês: Ana Amélia Cañez Xavier
Tiragem: 500 exemplares
Catalogação-na-fonte (CIP)
A636 Antropolítica : Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência
Política. — n. 1 (2. sem. 95). — Niterói : EdUFF, 1995.
v. : il. ; 23 cm.
Semestral.
Publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política da
Universidade Federal Fluminense.
ISSN 1414-7378
1. Antropologia Social. 2. Ciência Política. I. Universidade Federal Fluminense.
Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política.
CDD 300
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Reitor Secretária: Marco Antônio da S. Mello (PPGACP/UFF)
Cícero Mauro Fialho Rodrigues Solange Pinheiro Lisboa Maria Antonieta P. Leopoldi (PPGACP/UFF)
Vice-Reitor Maria Celina S. d’Araújo
Antônio José dos Santos Peçanha Conselho editorial da Antropolítica (PPGACP/UFF-CPDOC)
Alberto Carlos de Almeida (PPGACP / UFF) Marisa Peirano (UnB)
Pró-Reitor/PROPP Otávio Velho (PPGAS / UFRJ)
Sidney Luiz de Matos Mello Argelina Figueiredo (Unicamp / Cebrap)
Ari de Abreu Silva (PPGACP / UFF) Raymundo Heraldo Maués (UFPA)
Diretora da EdUFF Ary Minella (UFSC) Renato Boschi (UFMG)
Laura Garziela Gomes Charles Pessanha (IFCS / UFRJ) Renato Lessa (PPGACP / UFF - IUPERJ)
Cláudia Fonseca (UFRGS) Renée Armand Dreifus (PPGACP/UFF)
Comissão Editorial
Delma Pessanha Neves (PPGACP / UFF) Roberto Da Matta (PPGACP/UFF-
Célia Frazão Linhares
Eduardo Diatahy B. de Meneses (UFCE) University of Notre Dame)
Hildete Pereira de Melo Hermes de Araújo
Eduardo R. Gomes (PPGACP / UFF) Roberto Kant de Lima (PPGACP / UFF)
Ivan Ramalho de Almeida
Eduardo Viola (UnB) Roberto Mota (UFPE)
Luiz Antonio Botelho Andrade
Eliane Cantarino O’Dwyer (PPGACP / UFF) Simoni Lahud Guedes (PPGACP / UFF)
Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento
Gisálio Cerqueira Filho (PPGACP / UFF) Tânia Stolze Lima (PPGACP / UFF)
Marco Antonio Teixeira Porto
Gláucia Oliveira da Silva (PPGACP / UFF) Zairo Cheibub (PPGACP / UFF)
Marlene Gomes Mendes
Regina Helena Ferreira de Souza Isabel Assis Ribeiro de Oliveira (IFCS / UFRJ)
Rogério Haesbaert da Costa José Augusto Drummond (PPGACP / UFF)
Sueli Druck José Carlos Rodrigues (PPGACP / UFF)
Vera Regina Salles Sobral Josefa Salete Barbosa Cavalcanti (UFPE)
Virgínia Maria Gomes de Mattos Fontes Laura Graziela F. F. Gomes (PPGACP / UFF)
Lívia Barbosa (PPGACP / UFF)
Comitê editorial da Antropolítica
Lourdes Sola (USP)
Delma Pessanha Neves (PPGACP / UFF) Lúcia Lippi de Oliveira (CPDOC)
Eduardo R. Gomes (PPGACP / UFF) Luiz Castro Faria (PPGACP / UFF)
Simoni Lahud Guedes (PPGACP / UFF) Luis Manuel Fernandes (PPGACP/UFF)
Gisálio Cerqueira Filho (PPGACP / UFF) Marcos André Melo (UFPE)
SUMÁRIO
NOTA DOS EDITORES, 7
DOSSIÊ: ESPORTE E MODERNIDADE
APRESENTAÇÃO: SIMONI LAHUD GUEDES, 11
EM TORNO DA DIALÉTICA ENTRE IGUALDADE E HIERARQUIA:
NOTAS SOBRE AS IMAGENS E REPRESENTAÇÕES DOS
JOGOS OLÍMPICOS E DO FUTEBOL NO BRASIL, 17
ROBERTO DAMATTA
TRANSFORMING ARGENTINA: SPORT, MODERNITY AND
NATIONAL BUILDING IN THE PERIPHERY, 41
EDUARDO P. ARCHETTI
FUTEBOL E MÍDIA: A RETÓRICA TELEVISIVA E SUAS
IMPLICAÇÕES NA IDENTIDADE NACIONAL, DE GÊNERO E RELIGIOSA, 61
CARMEM SÍLVIA MORAES RIAL
ARTIGOS
AS CONCERTAÇÕES SOCIAIS NA EUROPA DOS ANOS 90:
POSSIBILIDADES E LIMITES, 83
JORGE RUBEN BITON TAPIA
A (RE)CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES E TRADIÇÕES:
O RURAL COMO TEMA E CENÁRIO, 117
JOSÉ MARCOS FROEHLICH
A PÍLULA AZUL: UMA ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES
SOBRE MASCULINIDADE EM FACE DO VIAGRA, 133
ROGÉRIO LOPES AZIZE E EMANUELLE SILVA ARAÚJO
HOMENAGEM
RENÉ ARMAND DREIFUSS, 155
POR EURICO DE LIMA FIGUEIREDO
N OTÍCIAS DO PPGACP
CONVÊNIO CAPES/COFECUB – JANEIRO DE 1998 A FEVEREIRO DE 2002, 161
POR ROBERTO KANT DE LIMA
DISSERTAÇÕES, 173
ARTIGOS PUBLICADOS E SÉRIES INICIADAS, 197
NORMAS DE APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS, 207
SUMMARY
EDITOR’S NOTE, 7
DOSSIER: SPORT AND MODERNITY
APRESENTATION: SIMONI LAHUD GUEDES, 11
ON THE DIALECTS BETWEEN EQUALITY AND HIERARCHY:
NOTES ON THE IMAGES AND REPRESENTATIONS ABOUT THE
OLYMPIC GAMES AND WORLD CUP IN BRAZIL, 17
ROBERTO DAMATTA
TRANSFORMING ARGENTINA: SPORT, MODERNITY AND
NATIONAL BUILDING IN THE PERIPHERY, 41
EDUARDO P. ARCHETTI
SOCCER AND MASS MEDIA: THE TELEVISION RHETORIC AND ITS IMPLICATIONS ON
NATIONAL GENRE AND RELIGIOUS IDENTITY, 61
CARMEM SILVIA MORAES RIAL
ARTICLES
THE EUROPEAN SOCIAL CONCERTATIONS IN THE NINETIES:
POSSIBILITIES AND LIMITS, 83
JORGE RUBEN BITON TAPIA
THE (RE)CONSTRUCTION OF IDENTITIES AND TRADITIONS:
THE RURAL AS THEME AND SCENERY, 117
JOSÉ MARCOS FROEHLICH
THE BLUE PILL: AN ANALYSIS ON REPRESENTATIONS
OF MASCULINITY IN FACE OF VIAGRA, 133
EMANUELLE SILVA ARAÚJO EROGÉRIO AZIZE
TRIBUTE
RENÉ ARMAND DREIFUSS, 155
BY EURICO DE LIMA FIGUEIREDO
PPGACP NEWS
CAPES/COFECUB AGREEMENT – JANUARY 1998 TO FEBRUARY 2002, 161
POR ROBERTO KANT DE LIMA
THESIS, 173
EDITED BOOKS AND INITIAL SERIES, 197
RULES ON PAPER PUBLICATION, 207
NOTA DOS EDITORES
Com este número de Antropolítica, iniciamos uma segunda fase de nos-
sa revista, com uma nova apresentação gráfica e uma organização dis-
tinta. Ao completar sete anos de atividades ininterruptas, reafirma-
mos nossa proposta de publicar textos que possam contribuir de modo
significativo para as ciências sociais e, em particular, para as linhas de
pesquisa desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Antropo-
logia e Ciência Política, da Universidade Federal Fluminense. É nesta
direção que projetamos as novas seções de Antropolítica. Destacare-
mos, de agora em diante, em cada número a ser publicado, uma
temática relacionada a estas linhas de pesquisa, compondo um dossiê,
organizado por um pesquisador do Colegiado do PPGACP e expondo
a perspectiva de especialistas – brasileiros ou estrangeiros – na temática.
Além disso, criamos uma nova seção, denominada Notícias do PPGACP,
na qual, além de relacionar as dissertações e, em breve, as teses defen-
didas no programa, apresentaremos, em cada número, as principais
propostas e atividades dos grupos e núcleos de pesquisa.
A Comissão Editorial
DOSSIÊ:
Esporte e modernidade
62
F UTEBOL : UM DOCUMENTÁRIO
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
63
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
64
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
65
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
66
F UTEBOL E PERFORMANCE
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
67
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
68
trando que trabalha e que também está jogando através de suas instru-
ções (o que é desmentido em depoimentos de ex-jogadores que indi-
cam que raramente se escutam os gritos do treinador). Até o seu modo
de vestir torna-se alvo de controvérsias públicas – deve ser um terno
social ou um abrigo esportivo? – devido à ascensão à nova condição de
ícone. Além da reação do treinador e do responsável direto pelo gol, a
narrativa pode apresentar também pequenas variações, como a reação
mais expansiva de um dos goleiros ou a tomada de um torcedor no
estádio. Gol, goleador, torcida, goleador sendo abraçado, técnico vi-
brando, repetição do gol – e podemos retornar à partida. As seqüências
dos planos na edição são previsíveis.
Outra novidade das narrativas televisuais das últimas décadas é a reprise
dos gols durante o desenrolar da partida. Há prazer na repetição, como
a psicanálise (FREUD, 1987) e a filosofia já apontaram, e a repetição
tem-se tornado um dos momentos-chave nas transmissões de futebol.
Através dela, a raridade do gol, o momento catártico do futebol, foi
superada – durante o transcorrer mesmo da partida, seus momentos
“mortos”, como o do atendimento a um jogador ou a pausa mais longa
para formação de barreira, são cobertos pela retransmissão dos gols.
A repetição revive o que já passou; esse retorno no tempo ocorre den-
tro de certas condições. Revivem-se os momentos mais densos de emo-
ção nos tempos mortos; esta repetição não é tida como uma reprodu-
ção desprovida de aura (BENJAMIN, 1975). A novidade aqui está no
fato de que, nas transmissões esportivas em geral, só é considerado
pelos espectadores como reprodução aquilo que está afastado tempo-
ralmente, não espacialmente. O jogo reproduzido na tevê, mas “ao vivo”
mantém seu interesse. A reprodução diferida no tempo, chamada anti-
gamente de vídeo-tape porque se supunha tenha sido gravada em uma
fita, é o contrário do “ao vivo” e não interessa ao espectador de espor-
te. A tevê mantém o hic e nunc do espetáculo, desde que o transmita
simultaneamente. Muitos torcedores acreditam de fato que interferem
no desenrolar de uma partida torcendo diante do televisor.
De fato, a mídia televisiva e o esporte se enlaçaram de modo tão intrín-
seco, que ela está induzindo a substituição do corpo presente, nos está-
dios – e os estádios encolhem, especialmente os de futebol que vêem
suas capacidades diminuírem ao mesmo tempo em que as suas audiên-
cias multiplicam-se graças à televisão. O esporte, assim, prescinde do
espaço – mas não do tempo. Vence-se o espaço, aceitando-se o afasta-
mento do acontecimento ele-mesmo e aceitando vê-lo através da media-
ção televisiva. Desde que em tempo real. O espectador de esportes exige
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
69
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
70
ti, foi ignorada durante três dias e considerada um grave erro de arbi-
tragem – os ângulos captados pelas câmeras da televisão escondiam o
fato e só quando apareceram as imagens feitas por um único cineasta é
que se acreditou no juiz que estava a poucos passos do acontecido. Por
outro lado, a câmera estabelece verdades acima do campo, parecendo
confirmar a predição de hiper-realidade formulada por Baudrillard
(1986). A farsa oportuna de Rivaldo condenou o juiz de Brasil e Tur-
quia para sempre – e condenou depois o próprio Rivaldo, que foi mul-
tado e advertido por um tribunal com base não na decisão do árbitro,
expressa na canônica súmula do jogo, mas nas imagens posteriormente
analisadas por um tribunal.
Talvez por isso, a precaução ainda vigente (até quando?) de que os
telões nos estádios (sim, nem mesmo os estádios hoje prescindem de
imagens!) evitem imperativamente reprises de lances polêmicos que
tenham sido mal-arbitrados. Até algum tempo atrás, uma censura se-
melhante vigorava em Roland Garros: eram proibidas tomadas de ima-
gem de detalhe das linhas que, em câmera lenta, podiam designar com
segurança se a bola tinha sido dentro ou fora. Por uma questão ética, os
franceses evitavam as câmeras lentas do US Open, onde a bola se esma-
ga contra a linha tão devagar, que podemos saber não apenas se o árbi-
tro estava certo ou errado na sua marcação, mas também perceber qual
a proporção da bola que esteve dentro e fora e medir espacialmente o
grau de erro do juiz. Não é justo, pensavam os franceses, que a técnica
decida no lugar do homem – mesmo raciocínio que os faz manter o
simples dedo do juiz pousado sobre a rede para a decisão de se a bola
raspou ou não a rede no momento do saque, enquanto os outros gran-
des torneios já adotaram um sinalizador eletrônico sofisticado que anun-
cia com um apito o roçar da bola.
das pelo país todo e aliviou a tensão daquele momento decisivo do jogo
semifinal. Poucos viram, porém, que na área, em posição de fazer o
gol, ficava livre um jogador brasileiro, esperando atônito o passe que
não ocorreu. A cena do comediante Denilson entrou para a história, à
força de suas repetições, compensando largamente o erro (não ter rea-
lizado o passe) do desportista.
Um bom ator, nem sempre é um jogador eficaz: aquele que carrega a
bola por 20 metros dando tempo suficiente para o editor de imagem
lhe garantir diferentes planos, mostrar o rosto, talvez seja menos efici-
ente, do ponto de vista futebolístico, do que o jogador solidário, que
passa a bola rapidamente e entre o drible ou o passe prefere a eficiên-
cia do último, ainda que lhe garanta menos tempo na televisão e na
nossa memória.
Alguns sabem como manipular a mídia, aprendem quando estão e quan-
do não estão sendo filmados, reagindo para a câmera, dialogando com
ela – e através dela com os milhares, milhões, bilhões de espectadores.
Pelé era um mestre nisso, se sabe, embora tenha vivido apenas o início
da inserção da mídia televisiva no futebol: poderia ofender até a tercei-
ra geração de ascendentes de um árbitro mantendo, no entanto, as
mãos para trás e a cabeça baixa de modo que o estádio (e os
telespectadores) vissem o contrário do que estava se passando.12
A comemoração dos gols é, assim, o momento por excelência da cons-
trução da auto-imagem. O soco de Pelé no ar,13 de tão indissociavelmente
ligado ao jogador, tornou-se uma das suas assinaturas – como também
os braços abertos de Romário. Assim, inventam-se variações de come-
moração do gol, momento em que se espera que a câmera vá seguir o
goleador na sua emoção. Alguns gestos tornaram-se símbolos mundi-
almente conhecidos, passando a serem repetidos por outros jogadores,
como se tivessem a capacidade de enviar uma mensagem – Bebeto que
celebra o filho recém-nascido, balançando os braços como se o emba-
lasse na Copa de 94; Rivaldo, que beija a aliança homenageando a es-
posa. A comemoração tem-se tornado, assim, um momento de busca
de individualização. Se antes era comum os jogadores comemorarem
os gols abraçados com os companheiros de equipe, hoje, eles buscam
alguns preciosos segundos isolados, para só depois aceitarem a presen-
ça dos outros jogadores. Essa busca de individualização é bem expres-
sa no gesto, criado nas últimas décadas, de tirar a camiseta do unifor-
me e deixar uma mensagem aparecer impressa em outra camisa, que
vestem coladas ao corpo. Ao despirem as camisetas oficiais, os jogado-
res afirmam fidelidades outras que ao clube e às empresas que os pa-
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
72
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
73
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
74
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
75
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
76
C ONCLUSÃO
As mudanças na retórica cinematográfica das transmissões televisivas
tiveram como implicações internas ao jogo a supremacia da individua-
lidade (jogador, técnico) em detrimento do conjunto (tática); a supre-
macia dos gestos individuais (drible, as comemorações de gol)
invisibilizando gestos importantes para o coletivo (deslocamentos sem
bola) e assim contribuindo para consolidar como ícones globais os bons
jogadores que souberam associar também qualidades de bons atores.
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
77
ABSTRACT
Through television, the World Cup is the most widely viewed event on the
planet. We reflect here on the way that soccer is constructed as a social
discourse by the television media and the consequences of the rhetorical
choices (image – framing, camera distance and position, etc; text – voice
tone and speed, and vocabulary) on the structuring of social imaginaries
and personal identities. Evoking the recent World Cup, we seek to identify
the values associated to the new sports icons, recognizing that the construction
(and reading) of the images is the result of cultural processes. We conclude
that through television mediation, soccer is being transformed from an
agonistic game to one where representation (mimicry) is increasingly
important.
Keywords: soccer ; television ; national identity ; gender.
R EFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. Rhétorique de l’image. Communications, n. 4, Paris,
p. 40-51, 1964.
BAUDRILLARD, J. Amérique. Paris: Grasset, 1986.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de repro-
dução. In: ______. et al. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
(Os Pensadores, XLVIII).
BOURDIEU, Pierre. Sur la télévision. Paris: Liber, 1996.
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
78
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
79
N OTA S
1
Documentário aparece pela primeira vez em um texto de publicidade de um filme etnográfico do fotógrafo
norte-americano Edward Curtis, The Head-Hunters. Porém, foi através dos escritos do cineasta inglês Grierson
que ele se tornou célebre para representar um gênero de cinema pedagógico, que deveria ser passado em
escolas, sindicatos e associações, com conteúdos de cunho social e político-educacionais. Apesar das críticas a
esta noção estreita de documentário, a categoria tem-se mantido com significados redefinidos, mas geral-
mente em oposição ao filme de ficção.
2
Narrador, termo êmico, é usado como sinônimo de locutor.
3
Inicialmente, uma precisão de termos. Mídia, que até bem pouco não constava dos dicionários de português,
tem sido comumente usada para designar os meios de comunicação de massa. Mídia substitui meios de comu-
nicação de massa e, como em toda a opção conceitual, com conseqüências epistemológicas. O uso de meios de
comunicação de massa, termo consagrado pelos trabalhos dos pensadores alemães da escola de Frankfurt,
implicava necessariamente uma tomada de posição sobre a relação meios de comunicação com o público
receptor; este era qualificado como “massa” – portanto, homogêneo, uniforme e, em última análise, ignoran-
te, alienado, manipulável. Mídia refere-se aos meios de comunicação capazes de atingir um grande número
de agentes sociais (rádio, cinema, televisão, internet etc.), mas em que os seus receptores são vistos como
capazes de operar escolhas e até interagir com os meios. As mensagens divulgadas pela mídia constituem um
aspecto, sob todos os pontos de vista, central nas sociedades complexas contemporâneas, mas que não tem
atraído a atenção dos antropólogos com a mesma intensidade de sua presença social. O livro de Pierre
Bourdieu (1996), com todos os seus limites já apontados (RIAL, 1997), faz figura de exceção.
4
Estamos entendendo plano em duas de suas acepções: “Plano corresponde a cada tomada de cena, ou seja, à
extensão do filme compreendida entre dois cortes” e plano é “a posição particular da câmera (distância e
ângulo) em relação ao objeto”. Os planos (segunda acepção) podem se classificar em: plano geral – a câmera
mostra todo o espaço da ação; plano médio ou de conjunto – mais próxima dos objetos filmados, a câmera
mostra um conjunto de pessoas ou do local filmado envolvidos na ação; plano americano mostra as figuras
humanas até um pouco abaixo da cintura; primeiro plano – a câmera apresenta um detalhe do corpo ou de um
objeto; primeiríssimo plano – uma variante do primeiro plano, com maior detalhamento ainda do objeto
filmado. Plano seqüência corresponde a vários planos filmados em uma única tomada – diz-se tomada do
momento em que a câmera é acionada até o momento em que é desligada (XAVIER, 1984).
5
Dois são os deslocamentos mais recorrentes: o travelling (câmera sobre um carrinho que se movimenta) e a
panorâmica (câmera fixa que, deslocando-se sobre seu eixo, descreve um movimento ascendente ou descen-
dente – panorâmica vertical – ou circular – panorâmica horizontal).
6
Os enquadramentos podem ser classificados em: normal – a câmera mantém-se na altura dos olhos de um
observador de estatura média; câmera alta ou plongé – a câmera está acima do objeto filmado; câmera baixa ou
contra-plongé – a câmera está abaixo do objeto filmado (XAVIER, 1984).
7
Importante canal francês a cabo, especializado em filmes e futebol.
8
Não nas Copas do Mundo, onde o acesso ao campo só é permitido a fotógrafos e cinegrafistas.
9
Para esta idéia de hipertextualidade, de diálogo entre textos, ver ECO, 1989.
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003
80
10
Les yeux dans les bleus, o documentário de Stéphane Meunier que acompanhou a equipe da França na sua
trajetória até o título na Copa do Mundo de 1998, é um exemplo de visibilização de etapas do ritual antes
proibidas à imagem, como a preleção final do técnico aos jogadores e os comentários destes durante o inter-
valo.
11
Como mostra Barthes (1964), a imagem ao mesmo tempo que denota (assemelha-se) a um objeto produzindo
uma impressão de realidade também conota, ou seja, remete a significados culturais desse objeto, a associa-
ções culturalmente determinadas do objeto a outros objetos; nos remete a outros objetos, reais ou imaginári-
os, compreendidos e construídos na relação do enunciador e o receptor. O discurso televisual constrói ima-
gens iconográficas (de objetos) e, através dela, novos ícones que passam a integrar imaginários sociais – não é
diferente em uma partida de futebol.
12
Por outro lado, há não-imagens que se tornaram célebres: a cotovelada de Pelé num jogador uruguaio, que
inusitadamente resultou em falta para o Brasil, só foi mostrada na tevê anos depois, graças à câmera de um
cinegrafista já que, na época, a televisão não dispunha das recorrentes câmeras nos carrinhos para os travellings
nas laterais do campo – aqui mais uma prova do domínio de Pelé sobre a mídia e a arbitragem, pois dificil-
mente ele teria cometido a infração se soubesse que estava sendo filmado.
13
Que surgiu por acaso, num jogo em que, por estar com um dos braços machucados, comemorou o gol
erguendo apenas o outro.
14
Entre outros acontecimentos, um jogador fingiu ter sido espetado pelo presidente no momento em que este
lhe fixava a medalha na camiseta (não um jogador qualquer, mas o fenômeno Ronaldo, cuja trajetória recen-
te ultrapassa qualquer cenarista hollywoodiano e seria recusada como inverossímel), outros cutucavam o
presidente Cardoso por trás e, quando este virava-se, fingiam nada ter feito, e outro desceu a rampa do
Palácio presidencial dando cambalhotas, como se estivesse comemorando um gol no gramado.
15
Para se ter uma idéia de predominância masculina, na Copa de 1998 havia apenas uma mulher trabalhando
como cameraperson no gramado, a francesa Christine Fayot, que filmou para um canal japonês. No Brasil,
como na maioria dos países, elas são minoria numa mídia formada por jornalistas homens, mas não deixa de
ser auspicioso o fato de a rede Globo ter enviado à Copa como repórter Fátima Bernardes, apresentadora do
Jornal Nacional; de o Sport TV ter enviado Laís e de a ESPN/Brasil ter passado à Soninha o comando de
muitos dos seus programas de esportes.
16
Não era assim nos primórdios do futebol como esporte. No século XIX até meados do século XX, era signi-
ficativa a presença das mulheres nos estádios – ver, por exemplo, as imagens da torcida no Maracanã na final
da Copa de 1950.
17
Seis milhões para Ronaldo, que está longe de ser o maior salário de jogador no mundo, sem falar nos ganhos
com publicidade.
18
Luiz Eduardo Soares (1979) já aproximava o futebol do teatro.
ANTROPOLÍTICA
ANTROPOLÍTICA Niterói, n. 14, p. 61–80, 1. sem. 2003