Revista Antropolitica 22

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Antropoltica

No 22 1o - semestre 2007

ISSN 1414-7378
Antropoltica Niteri n. 22 p. 1-280 1. sem. 2007
2008 Programa de Ps-Graduao em Antropologia UFF
Direitos desta edio reservados EdUFF - Editora da Universidade Federal Fluminense -
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Normalizao: Caroline Brito de Oliveira
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Editorao eletrnica: Margret Gouveia Engel
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Catalogao-na-Fonte (CIP)

A636 Antropoltica: Revista Contempornea de Antropologia n. 1 (2. sem. 95).


Niteri: EdUFF, 1995.
v. : il. ; 23 cm.
Semestral.
Publicao do Programa de Ps-Graduao em Antropologia da Universidade Federal
Fluminense.
ISSN 1414-7378
1. Antropologia Social. I. Universidade Federal Fluminense.
Programa de Ps-Graduao em Antropologia.
CDD 300

UNIVERSIDADE
FEDERAL FLUMINENSE
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/ UFF) Licia do Prado Valladares (IUPERJ)
Simoni Lahud Guedes (PPGA / UFF) Lus Roberto Cardoso de Oliveira (UNB)
Marc Breviglieri (EHESS)
Editora filiada
Sumrio
Nota dos editores, 7
Dossi: Democracia, espao pblico, estado
e sociedade em uma perspectiva comparada, 11
Apresentao: Roberto Kant de Lima e Fbio Reis Mota
Organisationetpouvoir:pluralitcritiquedesrgimesdengagement,21
Laurent Thvenot
Ocaleidoscpioidentitriodosprofessoresdoliceudoensinooficialnos
anos 1960: julgamentos crticos e disposies prtica, 43
Jos Manuel Resende
Violenciainstitucionalysensibilidadesjudiciales.Ellargocaminodelos
hechos a los casos, 75
Maria Josefina Martnez
A formao do Estado em Angola na poca da globalizao, 95
Daniel dos Santos
Artigos

Introduo a O que um animal?, 129


Tim Ingold
Um mundo sem antropologia, 151
Clara Mafra
Discutindoclassificaesraciais,tnicaseoracismonofutebolbrasileiro
a partir de um olhar desconstrutivista, 169
Marcel Freitas
Defendendoprivilgio:oslimitesdaparticipaopopularemSalvador,
Bahia, 199
Bernd Reiter
Resenhas
Livro:Larelationmdecins-malades:informationetmensongedaautoria
de Sylvie Fainzang, 221
Autora da resenha: Jaqueline Ferreira

Notcias do PPGA
Relao de dissertaes defendidas no PPGA, 237
Relao de teses defendidas no PPGA, 263
Revista antropoltica: nmeros e artigos publicados, 269
Coleo antropologia e cincia poltica (livros publicados), 285

Normas de apresentao de trabalhos, 289


Contents
Editors note, 7

Dossier:Introduction:democracy,publicspace,stateandsocietyin
comparative perspective, 11
Foreword: Roberto Kant de Lima e Fbio Reis Mota
Organizationandpower:criticalpluralityoftheregimesofengagements,21
Laurent Thvenot
Teachers in official schools in the sixties: identities in a kaleidoscope
critical foundations and practical arrangements, 43
Jos Manuel Resende
Institutionalviolenceandlegalsensibilities:Thelongwayformfactsto
cases, 75
Maria Josefina Martnez
Angolas state building on globalization time
Daniel dos Santos
Articles
Introduction to What is an animal?, 129
Tim Ingold
A World Without Anthropology, 151
Clara Mafra
Arguingaboutrace,etnicclassificationsandracisminthebraziliansoccer
from desconstrutive point of view, 169
Marcel Freitas
DefendingPrivilege:TheLimitstoPopularParticipationinSalvador,Bahia,199
Bernd Reiter
Reviews

Book:Larelationmdecins-malades:informationetmensongedaautoria
de Sylvie Fainzang. 221
Revieweb by: Jaqueline Ferreira

PPGA News

Thesis defended at PPGA, 237


PhD Thesis defended at PPGA, 263
Revista Antropoltica: numbers and published articles, 269
Published Books Coleo Antropologia e Cincia Poltica, 285

Norms for Article Submission, 289


NOTA DOS EDITORES

Com o nmero 22 da Revista Antropoltica, apresentamos, tal como vi-


mos estruturando a revista, um dossi temtico e um conjunto de artigos
de grande expressividade pelas questes refletidas e pela amplitude de
afiliaes acadmicas.
Pelo dossi Democracia, espao pblico, Estado e Sociedade em uma
perspectiva comparada, Roberto Kant de Lima e Fabio Reis Mota, apre-
sentando uma das linhas de pesquisa do PPGA, agregaram pesquisado-
res de alto reconhecimento na reflexo da temtica, com os quais vm
institucionalizando diversos intercmbios, razo pela qual a perspectiva
adotada pelos autores contempla a comparao de modelos de organi-
zao social e abarca situaes de pesquisa em pases da Europa, Am-
rica do Sul e frica.

Reafirmando o investimento interinstitucional do corpo de professo-


res do Programa de Ps-graduao em Antropologia, neste nmero 22
tambm contamos com a distintiva participao de Tim Ingold e com o
dilogo com ele estabelecido por Clara Mafra, focalizando questes de
grande pertinncia para pensar emergentes reflexes que diversificam
a prtica e o campo de conhecimentos disciplinarmente acumulados
pelos antroplogos.

Dois outros artigos focalizam tanto situaes de pesquisa que se reme-


tem a temas candentes nas formas de organizao coletiva, como tam-
bm sistemas de representao e produo de categorias classificat-
rias, cujas significaes exaltam alteridades expressas em etnias que se
intercruzam no mbito da sociabilidade instituda em torno do futebol.
Informamos que, a partir do nmero 21, Antropoltica circula em ver-
so digital. Os textos podem ser acessados por meio da pgina do PPGA
(www.ufff.br/ppga). Os demais nmeros da revista sero incorporados
paulatinamente, em ordem decrescente.

N
Dossi:
Democracia, espao
pblico, Estado
e sociedade
em uma perspectiva
comparada
Roberto Kant de Lima* e Fabio Reis Mota**

Apresentao
Democracia, espao pblico, Estado
e sociedade em uma perspectiva comparada

Continuo achando que devemos nos esforar por encontrar caminhos


prprios de reflexo, fugindo sanha modernizadora dos que nos
querem impor, como se fossem universais, modelos particulares, que
so, no mximo, mais ou menos majoritrios em outras culturas
(KANT DE LIMA, 1997, p. 12).

Nos ltimos anos, a Antropologia tem desempenhado
um papel importante no cenrio acadmico por sua
capacidade analtica (e epistemolgica) de compreender
os processos sociais. O lugar ocupado pela Antropologia
no campo cientfico deve-se, em grande medida, sua
aptido para estudar as sociedades classificadas como
modernas ou tradicionais, sob o ponto de vista dos
prprios atores, e, como props Clifford Geertz, sob o
ponto de vista dos nativos (GEERTZ, 2006).
Adquirindo a familiaridade com outra cultura ou sis-
tema de valores, o antroplogo desempenha o papel
de traduzi-los, tornando-os inteligveis para o prprio
sistema de significados ao qual ele est inscrito. Cumpre
salientar que esta traduo realiza-se numa interao
entre observado e observador, na medida em que este
parte obrigatria do campo de observao, e o quadro
que fornece sobre o outro algo visto e interpretado por
algum, num momento particular e em circunstncias
*
Professor Titular de An especficas (DUMONT, 2000). Nessa perspectiva, cabe ao
tropologia da UFF. Coor-
denador do NUFEP. Pes- antroplogo, para que possa compreender outro sistema,
quisador 1 A do CNPq construir dados que sejam comparveis aqui e l,
e Cientista do Nosso
Estado/FAPERJ. permitindo que a explicitao das categorias estranhas
**
Doutorando PPGA/UFF. a ele possibilite a compreenso de sua prpria cultura
Pesquisador do NU-
FEP. Bolsista do CNPq. (KANT DE LIMA, 1997), estabelecendo as similitudes e
diferenas entre dois ou mais sistemas de valores.
12

O mtodo comparativo, assim como proposto contemporaneamente


pela disciplina antropolgica, remete-nos ao problema de relao e
interlocuo com o outro, pois a partir do deslocamento em direo a
outra sociedade, do contato com outros sistemas de valores estranhos ao
do antroplogo, que se pode realizar o exerccio de transformao do
extico no familiar traduzindo e explicitando as categorias locais, assim
como, inversamente, transformar o familiar em extico, na medida em
que o convvio com outra cultura permite a dolorosa desnaturalizao
e o difcil estranhamento dos prprios cdigos e valores do observador
(DAMATTA, 1997). As vicissitudes e os avanos do mtodo comparativo
acabaram por permitir que a Antropologia assumisse integralmente seu
papel: utilizando-se do conhecimento das diferenas entre sociedades hu-
manas, estranhando sua prpria sociedade, descobrindo nela aspectos
inusitados e ocultos por uma familiaridade embotadora da imaginao
sociolgica (KANT DE LIMA, 1995).
Desse ponto de vista, as relaes acadmicas e institucionais estabeleci-
das entre o Programa de Ps-Graduao em Antropologia (PPGA) e o
Ncleo Fluminense de Estudos e Pesquisa (NUFEP), da Universidade
Federal Fluminense (UFF), com diversos Programas de Ps-Graduao
e instituies de pesquisa na Frana, Canad, Argentina, Angola e
Portugal,1 tm desempenhado um papel fundamental na formao
de antroplogos, na construo de temticas comuns, tratadas de uma
perspectiva comparada, na permuta de publicaes e na participao
em eventos cientficos co-organizados por pesquisadores dos referidos
pases. Aes que se tornaram possveis por meio do projeto de coope-
rao entre diferentes instituies acadmicas e a UFF.
Portanto, alm da necessria internacionalizao acadmica, primordial
para a consolidao do campo cientfico, a possibilidade da realizao de
estgios no exterior para a complementao da formao antropolgica
tem permitido que alunos do doutorado em antropologia do PPGA
exercitem esse olhar distanciado, internacionalizando-se eles mesmos.
Em tal circunstncia, os acadmicos submetidos a esta salutar experin-
cia profissional, enquanto antroplogos, vem-se colocados diante de
situaes empricas que exigem a aquisio de competncias diversas
para poder lidar com as idiossincrasias do cotidiano no exterior, ao
mesmo tempo em que se socializam nas distintas tradies acadmicas
que freqentam.
Mais do que um deslocamento fsico, viver noutra sociedade, partilhar
de novos cdigos de condutas, de novos valores etc., envolve um pro-
cesso de aprendizado tanto da lngua quanto dos cdigos sensoriais,

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requer novas competncias para lidar com situaes, a princpio, ba-


nais, como fazer compras no supermercado ou re-aprender a fazer
determinados clculos para sua nova economia domstica, aprender
a lidar com o corpo e a corporalidade noutra situao climtica, bem
como na interao ordinria com os outros indivduos, mudar hbitos
alimentares, ativar novos laos de amizade com pessoas socializadas em
outro sistema de valores. Por exemplo: saber qual o significado e quais
so os limites atribudos ao termo amizade e como dominar os cdigos
locais com o propsito de demonstrar, ou no, amizade ao outro. Nesse
caso, partilhamos uma temporalidade relativamente curta no que diz
respeito ao incio e concretizao da amizade, quando, de um ponto
de vista francs, por exemplo, a temporalidade concernente ao dom-
nio da amizade inscreve-se num continuum em que diferentes provas e
etapas devem ser superadas para que se possa classificar algum como
amigo (ou um pote). Difcil fazer amigos nas ruas parisienses, aonde as
pessoas parecem estar sempre com um tempo curto, como tambm
complexa a operao de encontrar um amigo no Rio que, marcado por
uma temporalidade elstica, lana mo da conhecida mxima vamos
tomar um chope um dia desses, me telefona... Numa situao ou noutra, a
liminaridade passageira entre esses diferentes mundos apresenta-se de
modo contumaz nas aes ordinrias.
O que queremos explicitar que, de um lado, a experincia prolongada
em outra sociedade, proporcionada pelo estgio no exterior, fornece ao
profissional da antropologia competncias e experincias cruciais para
sua formao acadmica, pela possibilidade de se inserir de modo cont-
nuo noutro sistema de pensamento, exigindo a reorientao cognitiva a
partir do estranhamento. Por outro lado, a relao estabelecida in loci com
cientistas sociais de outros pases permite apreender as diferentes verses
de antropologia desenvolvidas em contextos relacionados aos valores de
nation-building. Afinal, partimos do pressuposto de que, apesar de seu car-
ter universalista , por ser terica a proposta da antropologia , o trabalho
antropolgico reflete a heterogeneidade de diferentes configuraes
socioculturais (PEIRANO, 1991; KANT DE LIMA, 1997).
Ainda, de modo salutar, esta insero acadmica e institucional tem
promovido um movimento inverso: o acolhimento no PPGA de pesquisa-
dores, professores e estudantes estrangeiros, estes ltimos notadamente
da Argentina, que buscam essa interao profissional com os pesqui-
sadores e colegas brasileiros, inserindo-se em programas de pesquisas
empricas desenvolvidas nos ncleos vinculados ao PPGA. Desse modo,
tais experincias, tanto do lado brasileiro, quanto do lado dos parceiros

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estrangeiros, permitiram uma saudvel coexistncia de realidades aca-


dmicas, regida por condies, valores e padres de comportamentos
distintos, mas simtricos, propiciando a constituio de laos acadmicos
slidos e um aprendizado contnuo nesse profcuo exerccio de dilogo
interinstitucional e intercultural.
Sendo assim, com o maior orgulho e satisfao que apresentamos um
segundo dossi relacionado a nossas atividades acadmicas e profissionais
no exterior,2 constitudo por textos de colegas que foram e so parceiros
incondicionais nesse projeto comum de produo cientfica. Os textos
ora escolhidos so de quatro colegas e amigos de pases diferentes, cuja
produo est, direta ou indiretamente, relacionada s questes desen-
volvidas pelos pesquisadores do PPGA e do NUFEP.
Os laos institucionais com o Professor Laurent Thvenot, do Groupe de
Sociologie Politique et Morale da cole des Hautes tudes en Sciences
Sociales (GSPM/EHESS) e do Institut National de la Statistique et des
tudes Economiques, remontam ao incio do Convnio Capes-Cofecub
Sociologia da experincia privada e pblica no Brasil e na Frana. A
repblica no cotidiano: conflitos sociais, aes coletivas, engajamentos
associativos e prova pessoa, coordenado pelos professores Roberto Kant
de Lima (UFF) e M. Daniel Cefa (Universit Paris X), com a colaborao
decisiva do Dr. Marco Antonio da Silva Mello, do NUFEP/PPGA/UFF e
do Le Mtro/IFCS/UFRJ.
A convite da Associao Brasileira de Antropologia (ABA) para ser o con-
ferencista da abertura da ltima Reunio de Antropologia do Mercosul
(RAM), o Professor Thvenot esteve pela primeira vez no Brasil, e pro-
longou sua estadia no pas a fim de participar de diversas atividades na
UFF, na UFRJ, no IUPERJ e na UnB. Na ocasio, ele realizou pequenas
conferncias, reuniu-se com grupos de pesquisa nessas instituies alm
de visitar seus respectivos campos de estudo, juntamente com alguns
alunos e pesquisadores da UFF.
Das discusses suscitadas nesses ambientes acadmicos, diversas aes
sero empreendidas com vistas a formalizar um projeto de pesquisa
entre o NUFEP/UFF, o LeMetro/UFRJ coordenado pelo professor
Dr. Marco Antonio da Silva Mello (PPGA) e pelo GSPM/EHESS. O pro-
fessor Thvenot tem acolhido entusiasticamente, em seus seminrios
na EHESS, os estudantes brasileiros que realizam estgio doutoral na
Frana no mbito do convnio. Isso se reflete no fato de que diversas
teses daqueles doutorandos do PPGA que realizaram estgio na Frana
dialogaram, direta ou indiretamente, com a abordagem proposta pelo

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grupo coordenado pelo referido professor, propiciando um rico e frut-


fero canal de dilogo com os trabalhos desenvolvidos por ele. Um desses
trabalhos, apresentado neste Dossi sob o ttulo Organisation et Pouvoir:
Pluralit critique des rgimes dengagement, fornece um balano das
questes desenvolvidas pela tournant pragmatique na Frana. Em parte,
o texto apresenta o programa de pesquisa do grupo vinculado a Th-
venot, cuja discusso est relacionada elaborao de uma sociologia
moral e poltica, como a proposta no livro De la Justification, em parceria
com Luc Boltanski (BOLTANSKI; THVENOT, 1991). Tal programa
inaugura uma perspectiva terica que concebe a ao humana como
algo situado em diferentes seqncias nas quais as pessoas mobilizam
competncias diversas para se adequar a uma situao apresentada. Tal
perspectiva visa cobrir a pluralidade das atividades humanas, em seus
mltiplos momentos de disputas, conflitos e controvrsias pblicas, nos
quais as pessoas evidenciam suas crticas ou justificativas (BREVIGLIERI;
STAVO-DEUBAGE, 1999 apud MOTA, no prelo). O referido artigo busca,
ainda, articular esta perspectiva apresentada em De la Justification, com
outras questes desenvolvidas na economia das convenes, dos investi-
mentos de forma e dos regimes de engajamentos, que foram formulados
por Laurent Thvenot em diferentes momentos, dialogando com a eco-
nomia, antropologia, cognio, sociologia e filosofia.3 O mesmo artigo
possibilita contextualizar o leitor na original abordagem sociolgica que
tem se notabilizado no campo acadmico francs, ao lado dos trabalhos
de Bruno Latour, Michel Callon e Luc Boltanski, entre outros.
Foi a partir de nossos laos profissionais e de amizade com os colegas
franceses que se estabeleceu um contato contnuo e frutfero com um
colega portugus, o Professor Jos Resende, do departamento de So-
ciologia da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas e do Centro de
Estudos e Sociologia da Universidade Nova de Lisboa. Os estudantes
Fbio Reis Mota e Letcia de Luna Freire (PPGA/UFF), em estgio de
doutorado em Paris poca, puderam se encontrar com o professor Jos
Resende em diversas atividades acadmicas no GSPM, onde o mesmo
desenvolvia seu Ps-Doutorado, fato que permitiu a aproximao entre
os distintos grupos de pesquisas por conta de interesses comuns em
torno da problemtica a respeito da formao dos espaos pblicos, das
formas de acesso a direitos e s controvrsias pblicas. O resultado do
encontro foi a realizao de um seminrio internacional em Lisboa, no
final de 2007, que contou com a participao de Marco Antnio da Silva
Mello, Roberto Kant de Lima e Fbio Reis Mota. O foco do encontro dizia
respeito aos fenmenos sociais de visibilidade e invisibilidade de certos
sujeitos e de suas prticas, no espao pblico, tanto no Brasil quanto em
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Portugal, neste ltimo caso ressaltando-se as transformaes que este


espao sofreu e ainda sofre, depois da adeso do pas Comunidade
Europia. O resultado institucional dessa parceria foi a proposta de um
convnio internacional (em elaborao) entre as duas universidades, e
a constituio de um Grupo de Trabalho aprovado para o X Congresso
Luso-Afro-Brasileiro a ser realizado em fevereiro de 2009 em Portugal,
sob a coordenao do Dr. Jos Resende, do nosso amigo e parceiro insti-
tucional Dr. Daniel do Santos, da Universidade de Ottawa, e do professor
Roberto Kant de Lima.
O artigo do professor Jos Resende, aqui apresentado, oferece ao leitor
parte do material analtico e emprico de uma das reas de interesse do
grupo e tem como objetivo acompanhar o processo de recomposio
do grupo profissional de professores ao longo dos anos 1960, a partir
de um conjunto de formas de julgamentos e justificativas apresentados
por grupos de atores que trabalham em diferentes lugares, com distintas
experincias profissionais. Tomando como base os escritos dos profes-
sores, o autor busca evidenciar a tenso entre os termos representao
e memria, sob uma perspectiva pragmatista, de modo a no recusar
a existncia de um grupo profissional como os professores do Ensino
Secundrio, mas de afirmar que o mesmo tem a sua existncia objeti-
vada nos discursos que diversos atores fazem constantemente sobre as
suas atividades. O seu texto dialoga diretamente com as problemticas
suscitadas pelos trabalhos dos pesquisadores do GSPM, em especial dos
professores Boltanski e Thvenot.
O terceiro texto, da professora Maria Josefina Martinez, do Equipo de
Antropologia Poltica y Jurdica, da Universidade de Buenos Aires, cuja
coordenao est sob a responsabilidade da querida colega e amiga pro-
fessora Sofa Tiscornia, parceira institucional do NUFEP e do PPGA h
mais de dez anos. O artigo, intitulado Violencia institucional y sensibilidades
judiciales. El largo camino de los hechos a los casos, abre um profcuo dilogo
e intercmbio com os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores e
alunos do PPGA e NUFEP.
Analisando um caso judicial sobre a aplicao de torturas, Maria Jose-
fina Martnez busca evidenciar de que modo as sensibilidades jurdicas
influenciam na construo do fato jurdico. Como a violncia institucio-
nal pode, ou no, se tornar um caso judicirio, e como as sensibilidades
jurdicas permitem a explicitao, ou no, de casos como o da tortura
e de que maneira essa operao se vincula s tradies legais que infor-
mam as prticas dos operadores da justia. O referido artigo alia-se a
uma tradio de estudos sobre o sistema de justia criminal e segurana

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pblica na Argentina, que tem sido um ponto de contraste relevante


s reflexes empreendidas por pesquisadores do NUFEP e do PPGA
(especialmente em sua linha de pesquisa Cultura Jurdica, Segurana
Pblica e Conflitos Sociais).
Cabe salientar que as relaes entre Argentina e Brasil tm culminado em
diversas cooperaes cientficas financiadas pelas agncias de fomento
pesquisa dos dois pases. Diversos pesquisadores puderam beneficiar-se
dessa parceria com a realizao de misses de trabalho e estgios dou-
torais em ambos os pases. Tais encontros antropolgicos tm permitido
a permuta de publicaes em revistas e coletneas de artigos, aqui e na
Argentina, bem como a troca de bibliografias sobre temticas relacionadas
ao acesso justia e ao papel das agncias de segurana pblica e justia
criminal na administrao institucional de conflitos.
Enfim, com enorme satisfao que apresentamos mais um texto de
nosso querido colega, amigo e parceiro Daniel dos Santos (Universi-
dade de Ottawa). Primeiramente, foi ele um dos primeiros parceiros
institucionais do PPGA e do NUFEP, iniciando novas perspectivas de
comparao entre Brasil e Canad. Foram, ainda, inmeras vezes que
nosso querido colega se disps a realizar seminrios no PPGA e a discutir
com alunos e pesquisadores, oferecendo sua prestimosa contribuio
consolidao de vrios projetos acadmicos. Essa relao acadmica,
institucional e afetiva que se reproduz h mais de dez anos, culminou
em outras parcerias acadmicas, dessa vez com Angola.
O professor Daniel dos Santos mantm um forte lao sentimental ( de
origem angolana), mas tambm cientfico e poltico com Angola. Fato
que tem possibilitado o estreitamento dos laos institucionais com o Dr.
Jos Octvio Van Dunnen, da Faculdade de Direito da Universidade
Agostinho Neto. O resultado dessa parceria foi a realizao de um projeto
Pr-frica, financiado pelo CNPq (de carter exploratrio), que gerou
um segundo projeto (tambm financiado) e que consistir na realizao
de cursos para estudantes da Faculdade de Direito da Universidade
Agostinho Neto, sobre questes relativas discusso e ao exerccio de
mtodos de pesquisa nas cincias sociais e no direito. Dessa vez, nosso
amigo angolano-luso-canadense nos brinda com um instigante artigo,
intitulado A Formao do Estado em Angola na poca da globalizao,
que se volta para a compreenso do Estado angolano ps-colonial, de
suas contradies e de seu desenvolvimento histrico.
Ao publicizar e difundir esses textos para o pblico da academia bra-
sileira, esperamos que os mesmos permitam um ponto de contraste e
comparao com as pesquisas empricas, ampliando-se o dilogo entre
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as diferentes tradies acadmicas. Esperamos que esse dilogo, desde


o seu incio constitudo por projetos de colaborao fundados no mtuo
respeito pessoal, profissional e acadmico, continue a ser permanente-
mente pautado pela simetria das relaes, indispensvel a esse tipo de
produo cientfica, bem como siga proporcionando um espao de troca
regido pela convivncia prazerosa das particularidades de cada tradio
acadmica, nesse plural universo que o fazer antropolgico.

Referncias
BOLSTANSKI, Luc; THEVENOT, Laurent. De la justification: les
conomies de la grandeur. Paris: Gallimard, 1991.
DAMATTA, Roberto. Relativizando. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva antropolgica da
ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
GEERTZ, Clifford. Do ponto de vista dos nativos: a natureza do
entendimento antropolgico. In: ______. O saber local. 8. ed. Petrpolis,
RJ: Vozes, 2006. p. 85-110.
KANT DE LIMA, Roberto. Antropologia da Academia: quando os ndios somos
ns. Niteri: Eduff, 1997.
______. Da Inquirio ao Jri, do Tryal By Jury Plea Bargaining: modelos
para a produo da verdade e a negociao da culpa em uma perspectiva
comparada Brasil/Estados Unidos. Tese ao Concurso de Professor Titular
em Antropologia do Departamento de Antropologia da Universidade
Federal Fluminense, Niteri, 1995.
MOTA, Fabio Reis. Deslocamentos, movimentos e engajamentos: as
formas plurais da ao humana na perspectiva de Laurent Thvenot.
Antropoltica, Niteri, No prelo.
PEIRANO, Mariza G. S. Uma antropologia no plural. Braslia, DF: Ed. da
UnB, 1991.
THVENOT, L. Conventions conomiques. Paris: Presses Universitaires de
France: Centre Dtudes de Lemploi, 1986.
______. Laction au pluriel: sociologie des rgimes dengagement. Paris:
La Dcouverte, 2006.

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Notas
1
Em especial: na Frana, Departamento de Sociologia da U. Paris X, Professor Isaac Joseph (falecido),
M. Daniel Cefi, Professora Anne Raulin; no CESDIP/GERN, M. Ren Lvy; no IHEJ, M. Antoine
Garapon; no GSPM/EHESS, o Professor Laurent Thvenot; no Canad, no Departamento de Crimi-
nologia, Dr. Daniel dos Santos, Dr. Fernando Acosta; na Faculdade de Direito, Dra. Marie-Eve Sylves-
tre; na Argentina, na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, a Professora
Sofia Tiscornia e seus colaboradores do Equipo de Antropologia Poltica y Jurdica; em Angola, o Dr.
Jos Octvio Van Dunen, da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto; em Portugal,
o Dr. Jos Resende, da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
2
O primeiro dossi foi publicado na Revista Antropoltica, n 16, 1 sem. 2004, sob o ttulo Polticas
pblicas, direito (s) e justia (s) perspectivas comparativas e incluiu textos de Daniel dos Santos,
Fernando Acosta (Departamento de Criminologia, U. Ottawa) e Sofia Tiscornia (U. Buenos Ai-
res), apresentados por Roberto Kant de Lima.
3
Para maior aprofundamento dessas discusses consultar: THVENOT, L. Conventions cono-
miques. Paris: Presses Universitaires de France: Centre Dtudes de Lemploi, 1986; THVE-
NOT, L. Laction au pluriel: sociologie des rgimes dengagement. Paris: La Dcouverte, 2006.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 9-19, 1. sem. 2007


Laurent Thvenot*

Organisation et Pouvoir:
Pluralit Critique des Rgimes dEngagement

O artigo aborda trs temas principais da sociologia


do trabalho e baseia-se no desenvolvimento de um
quadro analtico que oferece novas perspectivas sobre
eles. A noo de organizao est relacionada com os
investimentos em formas que fazem equivalncias e
contribuem para a coordenao de largo alcance. O
poder est relacionado a uma pluralidade de formas
de valor que regem a qualificao das pessoas sobre as
coisas, na perspectiva de um teste crtico para a legiti-
midade e a justia. A atividade do trabalho desdobra-se
em uma segunda espcie de pluralismo, a de regimes
de engajamento que apiam modos desigualmente
extensivos de coordenao, do prximo (familiar) ao
distante e pblico, e so dificilmente compatveis com
as noes de bem, ou relacionados ao bem pblico. Este
quadro tem desempenhado um papel significativo no
desenvolvimento da Economia da conveno e tem
contribudo para a elaborao de uma sociologia pol-
tica e moral, desenvolvida com Luc Boltanski.
Palavras-chave: regimes de engajamentos; plu-
ralidade crtica; economia da conveno; sociologia
pragmtica.

*
Groupe de Sociologie Po-
litique et Morale (Eco
le des Hautes Etudes
en Sciences Sociales et
Centre National de la
Recherche Scientifique)
et Institut National de la
Statistique et des Etudes
Economiques.
22

Introduction
Parmi les sciences de la socit (sociales, conomiques et politiques),
la sociologie du travail occupe une place importante en raison de son
domaine empirique dtude mais aussi des problmes thoriques quil
soulve. Trois de ses objets de recherche principaux sont abords tour
tour dans cet article, au regard de trois dveloppements successifs de
notre cadre danalyse qui leur ont t consacr:
1) Lentreprise ou lorganisation, au regard des investissements de
formes qui mettent en quivalence et contribuent des coordinations
de large porte.
2)Le pouvoir, au regard dun pluralisme dordres de grandeur qui
mettent en valeur des qualifications conventionnelles partir dune
preuve critique en qute de lgitimit et de justice.
3) Le travail, au regard dun second pluralisme de rgimes
dengagement qui concourent des coordinations dingale porte,
du proche au public, en qute de biens nayant pas la mme extension
et susceptibles de sopprimer les uns les autres.
Le cadre danalyse prsent ici partir des recherches successives sur
les investissements de forme(THVENOT, 1986b), les conomies de
la grandeur(BOLTANSKI; THVENOT, 1989, 1991) et les rgimes
dengagement(THVENOT, 1990, 2006b), a particip au dveloppement
de lEconomie des conventions(THVENOT, 2006a) tout en contribuant
un ample programme collectif de sociologie politique et morale.1

1. LORGANISATION AU REGARD
DE LA COORDINATION DES ACTIONS:
conomie des formes conventionnelles
Lentreprise occupe traditionnellement une place centrale dans la socio-
logie du travail, tout en suscitant des positions contradictoires au regard
de son pouvoir de coordination. Elle est tantt envisage comme une
mise en ordre disciplinaire et rgle. Tantt, les limites de cet ordre
sont mises en avant, lactivit humaine chappant aux cadres formels
et prescriptifs imposs au travail. Notre orientation caractristique du
tournant pragmatique conduit traiter lorganisation partir de ce que
les gens en font, en tant attentif aux coordinations quelle facilite autant
qu leurs limites. Notre analyse des oprations de mise en forme sest
carte de recherches antrieures sur les formes symboliques(Durkheim

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


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et Mauss, Foucault, Bourdieu) dont elle a hrit et bnfici, en raison


de son orientation pragmatique qui rapporte le pouvoir de la forme
un certain mode de coordination auquel elles est ajuste mais aussi
borne. Lconomie des formes conventionnelles et leurs usages dans
les entreprises (THVENOT, 1986a, 1986b) dessinait un espace de
recherche sur lpargne defforts de coordination grce des formes
gnrales (conomie cognitive, notamment).

Les mises en forme gnrale pour faire face une


coordination problmatique
Ds ltape initiale de la recherche sur le codage social est apparue une
aporie qui rappelle lattitude contradictoire propos de lorganisation, et
qui pse sur lopration lmentaire de mise en forme: le paradoxe du
codage pris entre la gnralit de la rgle dtache et le cas particulier
saisir en pratique. On se souvient de la faon dont Ludwig Wittgenstein a
trait de la rgle et des doutes sur sa capacit couvrir le cas, dans les Inves-
tigations Philosophiques. Mais le doute qui nous importe nest pas seulement
cognitif ou pragmatique. Il est aggrav dune anxit quant lasymtrie
de pouvoir cre par la mise en forme, hirarchie lmentaire entre ce qui
vaut en gnral et ce qui ne vaut quen particulier. Cette anxit peut rester
touffe, ou sexposer dans une critique dnonant un abus de pouvoir.
Le travail sur le codage social a fait aussi ressortir la mise en cohrence
requise pour toute coordination. Une pluralit de faons de caractriser les
personnes dans le monde du travail rvle autant de modalits diffrentes
du rapport entre les personnes et les choses, quexpriment notamment
les termes de mtier, profession, qualification et aujourdhui com-
ptence. Des reprsentants de mtiers gnralisent en termes de savoir-
faire, de relations personnalises, dexprience acquise lanciennet et
dautorit; des reprsentants de professions tablent sur des connaissances
formellement certifies, des conditions dexercice standardises et des
mthodes mesurables; dautres reprsentants font valoir lorientation dun
service public etc.(DESROSIRES; THVENOT, 1988).
Notre recherche, largie aux diffrentes modes de coordination de per-
sonnes impliquant leur environnement matriel engag dans laction, a
mis laccent sur le caractre problmatique de la coordination des actions
humaines. Nombre de notions centrales dans les sciences sociales, telles
que rgles, valeurs, normes sociales, croyances, habitus et cultures, po-
larisent lattention sur de puissants ressorts dun ordre social. Le conflit,
qui occupe une place importante dans les thories sociales, est lui-mme

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


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souvent troitement limit par des collectifs ordonns. La dmarche pr-


sente ici part du ple oppos, celui dune inquitude de coordination:
nous portons attention aux cadres et aux quipements qui contribuent
contenir cette inquitude, la canaliser. Le terme de coordination ne
doit donc pas faire illusion. Il est employ ici dans lhorizon dune coor-
dination douteuse, soumise lpreuve de sa ralisation incertaine. Le
cours de laction fait surgir des imprvus et oblige des ajustements et
des rvisions. La dynamique dune coordination se manifeste et sobserve
dans la dfaillance, la correction, lapprentissage, linnovation.

Lavaritdesinvestissementsdeformeetladiffrenciation
des organisations
Pour traiter des mise en forme du monde qui produisent des appuis
cette coordination problmatique, nous avons forg le concept
dinvestissement de forme par extension de la notion conomique
dinvestissement. Il dsigne un dtour dont on attend des retours. Le
dtour est la coteuse mise en forme quimplique ltablissement dun
nouveau critre, dune nouvelle rgle, dun nouveau standard. Le
retour attendu de cet engagement est celui de la relation que permet
la mise en forme, dans le temps et dans lespace, servant dappui la
coordination (THVENOT, 1984, 1986b). Les formes de gnralisa-
tion diffrent selon: 1)leur extension temporelle et 2)leur extension
spatiale, les formes tant tablies pour un temps ingalement long et
un espace ingalement ample; 3)lobjectivation de la forme consolide
par un support matriel plus ou moins massif et, par consquent, plus
ou moins dtache des particularits des personnes et des lieux. A la
diffrence des considrations sur les formes symboliques, nous portons
grande attention au faonnage du monde matriel qui accompagne
ltablissement de formes conventionnelles. Aussi la diffrenciation
des investissements de forme a-t-elle particip dune recherche sur les
modles dentreprise que Franois Eymard-Duvernay tudi de
longue date(EYMARD-DUVERNAY, 1986).
Revenons laporie inhrente lide dorganisation du travail, qui con-
duit aux positions ambigus releve plus haut: comment rendre formelle
lorganisation dactivits humaines qui demeurent, au moins pour partie,
inluctablement informelles? Une premire rponse consistant rduire
les formes les plus spcifiques au profit des plus gnrales, fait ressortir
des similitudes entre des principes dorganisation aussi diffrents que le
taylorisme et les modles prnant la dcentralisation et la flexibilit.

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Lorganisation taylorienne rclame de considrables investissements de


formes, depuis loutil type jusqu la tche talonne et formule dans
des instructions crites sur la meilleure faon de faire, en passant par
les instruments de mesure et de calcul. Les formes tablies sont la fois
durables, tendues dun atelier lautre, et consolides par dabondants
quipements tant internes quexternes lentreprise. Un tout autre
principe dorganisation, oppos au taylorisme parce que tourn vers le
march, requiert en fait des investissements dampleur comparable pour
transformer en services marchands des activits qui ne sont pas dans les
formes: accueil, rencontre, conseil et valuation pour octroyer un crdit
dans une banque mutualiste; aide et menu services rendus par les facteurs
exerant en milieu rural. Les politiques de qualit conduisent galement
une prolifration de mises en forme couronnes par les standards de
certification. La saisie dcentralise et en temps rel des activits aux fins
de gestion et dvaluation demande galement de lourds investissements de
forme, comme on le voit dans le cas de la restauration rapide.
En ne reconnaissant que les formes les plus durables, gnrales et ob-
jectives, la premire rponse laporie de lorganisation conduit un
dclassement des investissements dans les formes spcifiques des com-
munauts de travail, coutumires et peu objectives. Dans une deuxime
rponse, lorganisation prend appui sur de tels investissements, comme
dans le domaine agro-alimentaire, souvent en combinaison avec des
techniques et mthodes modernes et standardises. Pour analyser une
telle composition entre des investissements de formes aussi varies, il est
ncessaire daller plus loin dans lanalyse de cadres de cohrence selon
lesquels se distinguent les modes de coordination.

2. LE POUVOIR ET LPREUVE CRITIQUE:


conventions et sens de linjustice
Les investissements de forme qui encadrent la coordination font venir la
question du pouvoir dont nous allons maintenant considrer la critique.
La mise en forme gnrale conduit immanquablement une asymtrie,
et sassocie une mise en valeur. Ds les premiers travaux exprimentaux
sur les classements sociaux, mens en collaboration avec Luc Boltanski,
nous avons mis en vidence la relation entre les oprations de classement
et la rfrence des ordres dvaluation. Or toute relation dordre sur les
tres humains suscite, au regard dun principe dgale dignit, une in-
quitude sur des ingalits de pouvoir et sur leur lgitimit dont le dfaut
nourrit un sentiment dinjustice. En rapportant ce sentiment dinjustice

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des biens communs bafous, cest dire aux maux qui le suscitent, nous
avons pu identifier et caractriser les conventions les plus lgitimes.
Abondamment utilise pour traiter des organisations et du travail, la
notion de pouvoir sert couramment dans les sciences sociales dvoiler
des asymtries de capacit tenues pour abusives, sans toutefois que les
fondements du sentiment dabus ne soient le plus souvent explicits.
Mme lorsque des ordres plus lgitimes que dautres sont identifis,
comme dans luvre de Max Weber, la notion de lgitimit est rame-
ne un tat de fait, une lgitimation historiquement ou socialement
contextuelle. Cette premire posture soppose celle du thoricien de
la justice qui cherche, tel John Rawls, expliciter des principes de l-
gitimit, aux dpens dune analyse contextuelle des conditions de leur
mise en uvre.2 En qute du fondement des critiques ordinaires dabus
de pouvoir et dinjustices, nous avons propos avec Boltanski de com-
biner de manire originale les deux projets, celui de sciences sociales
empiriques et celui dune thorie du sens de linjustice. Poursuivant la
diffrenciation des formes conventionnelles et ordres de gnralit que
javais entame partir des investissements de forme, et lanalyse de la
dnonciation publique propose par Boltanski(BOLTANSKI; DARR;
SCHILTZ, 1984), nous avons formul le modle commun dune pluralit
dordres dvaluation tenus pour les plus lgitimes dans les discordes
et les critiques ordinaires, grandeurs acceptables dans une justifica-
tion auprs dun tiers public(BOLTANSKI; THVENOT, 1991). Pour
rsumer sommairement ce modle, disons que le sentiment dinjustice
rsulte de manquements qui peuvent se manifester trois niveaux de
lattente de justice: 1)lordre dvaluation lui-mme peut relever dune
valeur qui ne se prte pas, la diffrence des grandeurs, une exten-
sion toute la communaut humaine, et qui soppose en consquence
la reconnaissance dune gale dignit chacun;3 2)lpreuve appele
mettre en question la justice dune asymtrie selon un ordre, peut tre
corrompue par la contamination dun autre ordre qui interfre avec le
premier;4 3)lpreuve peut elle-mme faire dfaut, laissant perdurer
des asymtries qui ne sont pas mises en question.
La sociologie que nous avons dveloppe avec Boltanski, loin de discr-
diter la critique, en claire les fondements gnraux et lingale exten-
sion dans les organisations sociales tudies. Plutt que de rserver au
chercheur le monopole dune aptitude au dvoilement critique, cette
sociologie de la critique tudie la dynamique de mise en question, en
y voyant un moteur puissant de la vie ensemble dans des mondes so-
ciaux dont lquipement matriel multiplie la gense dasymtries. Une

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originalit de cette approche, partage avec celle de Bruno Latour et


Michel Callon qui lont inspire sur ce point, tient la place des choses
reconnue dans la coordination. Pour notre part, nous portons attention
au faonnement des choses mises en forme afin dtre qualifies dans une
preuve critique.5 Cette approche a permis lanalyse dorganisations et
de dispositifs lourdement quips sans les rduire des relations sociales
ou des interactions entre des personnes: entreprises, administrations
publiques, associations, mais aussi dispositifs de politiques publiques
ou organes transversaux de rgulation et de normalisation qui se dve-
loppent aujourdhui sans relever ni de la firme, ni de lEtat. Aucun de
ces lieux ne reste lcart des exigences dune critique et justification
publique, quand bien mme leurs acteurs semploient lvitement ou
au dtournement stratgique des conventions de ce rgime public. Aussi
les conventions de coordination les plus lgitimes ouvertes une critique
publique contribuent-t-elles charpenter ces organisations de compromis
entre plusieurs de ces conventions(THVENOT, 2001).

Le pluralisme critique de conventions lgitimes de


coordination,nonrductiblelaconcurrencedumarch
Lanalyse des socits contemporaines, de leurs organisations et tensions
critiques, est appauvrie lorsquil est fait rfrence la globalisation
dun mode principal de coordination, en march ou en rseau. Dans
cette deuxime partie, je men tiendrai lexamen du march, de son
extension, des tensions qui en rsultent et des compromis dans lesquels
il sinscrit. Cet examen demande que nous distinguions rigoureusement
un mode de coordination par la concurrence, dans sa grandeur et son
preuve propre, de faon le situer relativement dautres conven-
tions lgitimes, au lieu den naturaliser la convention constitutive la
manire des conomistes orthodoxes depuis Walras, ou de le confondre
dans un ensemble flou vis par la critique globalisante du libralisme
ainsi que le font nombres de sociologues.6 Je ne prsenterai ici que
sommairement les diffrences entre la grandeur marchande et dautres
grandeurs (BOLTANSKI; THVENOT, 1991; cf. tableau 1 de cet
article). Quoique abrge, cette prsentation clairera la pluralit des
qualifications conventionnelles du travail et de son produit, suggrant
les tensions critiques entre elles, et les compromis qui sont lorigine de
la diffrenciation des marchs et des organisations.
La grandeur marchande est rgie par lpreuve de concurrence qui sup-
pose non seulement la convention dune forme dvaluation commune,

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le prix, mais aussi celle dune qualification commune et anonyme des


choses communment identifies ltat de marchandises parfaitement
alinables et dtachables des personnes(y compris les services). Cette se-
conde exigence, mconnue de la thorie conomique orthodoxe, fut ds
lorigine au centre de notre analyse des investissements de forme requis
pour la coordination. Depuis lors, le thme de la construction sociale des
marchs est devenu fdrateur dans la sociologie conomique. Notre
analyse permet de la prciser en distinguant les formes de coordination
et les grandeurs qui supportent des modes diffrents de qualification
lgitime, o de conventions de qualit distinctes(EYMARD-DUVERNAY,
1989). Toutes peuvent contribuer la reconnaissance commune du travail
et de ses produits, entrant en compromis avec la qualit proprement
marchande selon des formules varies qui permettent de distinguer les
organisations et leurs dynamiques.
Cest le cas de la grandeur du renom dont la forme dvaluation nest pas le
prix mais la notorit. Les plus grands dveloppements que connat cette
qualification tiennent la reconnaissance de la marque de lentreprise
et du produit plutt quau marquage de lactivit de travail qui nest
dvelopp que dans les secteurs des arts et des mdia. Le compromis
entre qualifications marchande et du renom est trs solidement tay et
quip, le signe de reconnaissance de la marque ou du logo allant jusqu
se substituer lidentification marchande. A la diffrence du march, le
renom est soumis aux dynamiques de lopinion et de ses mouvements
dimitation qui ne caractrisent pas seulement les mouvements de la
mode mais aussi ceux affectant linstrument dquivalence dans la mesure
des prix, la monnaie. Ces dynamiques spculatives de lopinion ont pris
une importance considrable dans lactuel compromis dun capitalisme
financier principalement quip par des marchs boursiers.
La production grande chelle est mise en valeur gnrale selon
la grandeur industrielle qui qualifie lefficacit productive partir
dinvestissements de forme que nous avons voqus prcdemment et qui
permettent de projeter dans la temporalit dun avenir, de standardiser
sur un espace ainsi homognis, dquiper par une objectivit techni-
que dtache des traits personnels ou locaux, et de supporter ainsi une
forme gnrale dvaluation mesurable de lefficacit fonctionnelle. Sous
langle de la temporalit, le contraste est saisissant avec les deux gran-
deurs prcdentes qui ne soutiennent quune temporalit prsentiste de
lopportunit marchande et de lphmre de lopinion. Les compromis
courants entre les grandeurs marchande et industrielle, autour du travail
comme dautres produits, consistent inclure dans la dfinition de la

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qualit de la marchandise une mesure de sa performance technique


(productivit pour le travail, fiabilit pour le produit).
La grandeur domestique grandit en bien commun de la rputation les
bienfaits de la confiance gnre par le genre dinvestissements spcifi-
ques voqus dans la premire partie. La qualification du travail juge
par rapport un savoir-faire coutumier sinscrit dans une temporalit
rapporte un pass et dans un espace dfini de proche en proche, et
prend la qualit dun patrimoine. Le march concurrentiel est particuli-
rement inadquat pour reconnatre cette qualification domestique au cur
de marchs internes du travail. Nous touchons ici une des tensions
les plus critiques et gnratrices de chmage: lanciennet maison,
indicateur de cette grandeur domestique, est non seulement mconnue
de lpreuve marchande de la concurrence, mais porte au passif du
travailleur. Les compromis antrieurs entre grandeur domestique et indus-
trielle, qui conduisaient mettre en valeur lefficacit productive due
lanciennet et au savoir-faire acquis par lexprience, sont aujourdhui
couramment dmantels au profit dune concurrence par les prix.
Selon la grandeur civique, la qualification du travail trouve place dans une
preuve qui met en valeur lintrt gnral et la solidarit collective. Les
droits de la personne et lappareil juridique qui les soutient contribuent
quiper cette qualification. Le droit du travail taye un important
compromis entre grandeur civique et industrielle, partir de la repr-
sentation de collectifs de travail qui grandissent le salari, notamment
dans le cadre de ngociation de conventions collectives de travail. Ce
compromis est aujourdhui lobjet de mises en cause rcurrentes partir
de la grandeur marchande de la concurrence(LYON-CAEN; PERULLI,
2005). Sous la pression des restructurations, des accords collectifs locaux
peuvent tres signs qui sont moins favorables que les contrats individuels
de travail, au lieu de compenser lasymtrie de subordination. La thorie
conomique standard elle-mme contribue cette dnonciation en pro-
posant diverses rductions du droit jug laune de la concurrence.
Enfin, selon la grandeur de linspiration, le geste humain est qualifi
partir dune preuve de cration dont la temporalit est celle de la
rupture, la fois par rapport au pass rvolu et par rapport un avenir
imprvisible. Ce geste inspir ne se prte pas la mise en forme dune
marchandise circulant: pensons la reconnaissance de louvrier Subli-
me au XIXe sicle ou, plus couramment aujourdhui, la clbration du
tour de force(AURAY, 1997; DODIER, 1995). Toutefois la grandeur de
linspiration peut entrer en compromis avec celle du march partir

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de leurs temporalits respectives, dans la mesure o lexcitation de la


dcouverte peut relier linnovation crative avec le dsir dachat.
Ces grandeurs ne sont pas tombes du ciel: elles sont le fruit
dlaborations dtres humains appels vivre ensemble. On peut
retracer leur histoire contextuelle, suivre le dclin de certaines et
lmergence de nouvelles grandeurs, telle la grandeur verte (LA-
FAYE; THVENOT, 1993; THVENOT; MOODY; LAFAYE, 2000).
On peut aussi rflchir leur gnalogie, partir de problmes in-
ternes la question qui nous occupe, celle de la coordination et des
pouvoirs quelle implique. Dans ce sens, je dirai que la gnalogie
dune grandeur merge dun nouveau genre dimplication des choses
dans des activits humaines. Lextension systmatique de ce rapport
aux choses suscite une inquitude quant cette nouvelle interdpen-
dance et au pouvoir qui en rsulte et qui dborde alors le cadre dune
appropriation matrisable dans le proche. La mise en quivalence qui
fait de ce rapport une modalit gnrale de coordination entrane,
dans le mme mouvement, un questionnement inquiet sur les biens
et les maux associs qui peut conduire llaboration dune nouvelle
grandeur. Ainsi le dveloppement doutils informatiques a conduit la
mise en quivalence gnrale dactivits sous le rapport de linformation
(nouvel quivalent gnral), offrant la possibilit dun nouveau mode
de coordination mais suscitant aussi une interrogation inquite sur le
pouvoir de linformation et la possibilit dlaborer un bien commun
partir de cette interdpendance par rseaux de communication.

La politique dintgration de grandeurs plurielles: de lEtat


aux autorits de normalisation et de rgulation
Puisque les grandeurs satisfont les exigences dune valuation lgitime
pour un tiers public, elles participent aux dispositifs de composition de
la chose publique, depuis lEtat et ses politiques publiques, jusqu des
organes de dlibration pour le bien public plus ou moins dcentraliss,
en passant par des actions politiques et des mouvements sociaux qui en
appellent au bien public. Une des spcificits de lEconomie des conven-
tions est de comprendre la politique dans son domaine de recherche,
politique entendue partir dune pluralit de formes dvaluations
lgitimes qui suscitent entre elles des tensions critiques et appellent des
compromis destins les apaiser.
Notre cadre danalyse offre un instrument de comparaison par dcom-
position. Ainsi peut-on reconnatre le poids dune grandeur civique dans

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les Etats europens modernes, mme si la grandeur domestique a t ou


demeure encore une valuation qui permet de passer des petites aux gran-
des patries selon un mode de solidarit tout diffrent. La transformation
de la providence domestique et paternaliste du souverain dAncien Rgime
en une solidarit civique assure anonymement par lEtat Providence
moderne a chang la composition de cette chose publique, et son gouver-
nement. Le compromis civique-industriel dj voqu propos du droit du
travail, est particulirement dvelopp en France dans lorganisation des
services publics, dans lducation et la sant notamment. Ce compromis
repose sur la puissance centralise et planificatrice dun Etat dont les
politiques visent la fois limpratif dgalit civique et celui de lefficacit
technique assure par des investissements durables, tout en impliquant
souvent une grandeur domestique non ouvertement reconnue. La place de
la reprsentation lective civique dans la dfinition de la chose publique
situe la grandeur civique en position suprieure pour composer une chose
publique, la prise en compte dautres grandeurs devant emprunter la voie
de cette reprsentation et passer par des compromis avec elle.
Cette rgulation par un Etat central est aujourdhui mise en question
partir de plusieurs ressorts critiques. Certains sont internes la grandeur
civique et visent des abus de pouvoir tenant sa concentration entre les
mains dexperts ou de dcideurs politiques(des corps de lEtat), alors
quune dmocratie participative rclame de multiplier les dispositifs
dcentraliss de gouvernement de la chose publique. De nombreux
mouvements sociaux contribuent cette relance de lpreuve civique et
sa dcentralisation. Dautres ressorts critiques sont plus corrosifs car ils
prennent appui sur une autre grandeur, celle du march, pour faire valoir
quelle est la seule permettre une vritable dcentralisation favorable
aux individus. La construction europenne a contribu mettre en posi-
tion de bien constitutionnel le bien marchand de la concurrence, tendant
disqualifier des formules de solidarit et daide mutuelle qualifies pour
la grandeur civique mais dnonces comme entraves la concurrence.
En consquence, une part importante de lintgration politique de biens
pluriels se ralise aujourdhui sous couvert du march, cette grandeur ten-
dant occuper la position suprieure quoccupait auparavant la grandeur
civique. La rgulation politique dans la composition dune chose publique
passe alors par des organisations qui ne sont ni lEtat et la reprsentation
civique, ni des entreprises traditionnelles, mais des autorits autres,
organes de normalisation ou autorits de rgulation. Dans ces organes,
les biens pluriels doivent tre rduits des qualits de marchandises et
services(THVENOT, 1997). Ainsi les exigences civiques de protection
solidaire de la sant, ou dune mise disposition galement solidaire
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007
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de services publics, sont elles traduites en qualits des objets et services


circulant sur le march. Lapproche non politique de ces lieux empche
dtre attentif leurs procdures, et aux dispositions ncessaires pour
quun vritable pluralisme des biens en dbat y soit amnag. Le travail
lui-mme fait lobjet de telles certifications et rgulations portant sur les
qualits dun objet marchand: la comptence.

3. LE TRAVAIL ENTRE LENTREPRISE ET LA CITE:


larchitecture des biens engags et leur oppression
Aprs avoir envisag lorganisation partir de coordinations de large
porte supposant les qualifications les plus gnrales des personnes et
des choses, nous en arrivons dans cette dernire partie une troisime
tape de notre programme de recherche. Elle aborde laction coordonne
partir dengagements de moindre porte, en de des conventions et
des biens communs impliqus dans le rgime public des grandeurs, mais
non moins importants pour comprendre les capacits et pouvoirs de la
personne et leurs oppressions.

Lepluralismedesrgimesdengagement,duprocheaucommun
Cette nouvelle tape conduit diffrencier des faons dagir et dtre
agent, sans en rester aux oppositions entre collectif et individuel, ou
entre public et priv. Deux termes ne sauraient suffire et une diffren-
ciation minimale en comportera trois. Si lon oppose lagent individuel
au collectif, que dire de la diffrence entre la personne engage dans
un geste familier, dsign parfois de routine, et lindividu engag
dans un plan daction, condition de la responsabilit dun projet et de
lextension du contrat? Quant lopposition public/priv, elle peut ser-
vir distinguer des cadres daction et des types dintrt orientant son
valuation, mais elle est impuissante diffrencier une personne laise
dans son entour familier accommod par son usage, et la satisfaction dun
individu accomplissant son plan autonome par des moyens fonctionnels,
deux engagements confondus sous le terme priv. Jai donc propos
de complter le premier pluralisme des ordres de grandeur impliqus
dans les coordinations de la plus large porte par un second pluralisme
de rgimes dengagement ingalement ouverts la mise en commun. La
catgorie dengagement traite dabord dun rapport au monde actualis
par la personne agissant, avant de couvrir la coordination dune personne
avec une autre. La catgorie met laccent sur une dpendance au monde
dont la personne se soucie et cherche sassurer des bienfaits en dispo-
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sant de gages appropris. En cela lengagement cherche garantir une


capacit, un pouvoir entendu dans un sens plus ouvert que lacception
courante du terme par les sciences sociales et politiques. Lengagement
vise faire dune dpendance un pouvoir. Pour ce faire, ltre humain et
son environnement doivent tre conjointement faonns. La dynamique
du rgime tient dans la faon dont lengagement est prouv au regard:
a)dune ralit qui incite la personne constater ce qui a fait dfaut;
b)dun bien qui amne la personne remarquer ce qui a t mis mal.
Cette double face de lprouv relie cognition et motion. A partir de
lengagement avec lentourage de choses, on peut comprendre les con-
ditions de prise en compte dune autre personne, quelle soit rifie
ltat de chose, introduite par une aide asymtrique, ou encore implique
dans un engagement mutuel(Tableau 2).
Lanalyse du rgime dengagement familier permet de dpasser des
approches courantes de lhabitude (rptitive et non rflexive), ou de
la pratique (incorpore et inconsciente), en prcisant la ralit et le
bien qui sont engags. Laise quassure cet engagement est un bien pri-
mordial pour le maintien dune personnalit intime consolide par ses
attachements. Il est prouv dans la convenance personnelle dun usage
familier du monde, et donc de son habitation. La ralit des choses est
prouve par des indices perceptuels locaux et personnels, rviss au fil
des incommodits ressenties dans le geste. Une autre personne subira la
rification dominatrice qui en fait sa chose, alors que sa prise en char-
ge sexprime dans le soin et la sollicitude destins la mettre laise, la
mutualit intime dattachements mutuels contribuant lentraide. Ltre
humain ne peut durablement user de ses quipements de travail et ha-
biter lespace de son activit sans compter sur cet engagement familier,
bien que ce dernier soit souvent contrari par lorganisation. Ce premier
rgime constitue un pralable tout cheminement de la personne vers
des engagements plus ouverts la mise en commun, que requiert le
travail comme toute autre action en communaut.
Le rgime dengagement en plan est beaucoup plus explicitement con-
voqu dans le travail, pour autant que lorganisation prescrit et value
des actions dans le format de la tche et de la responsabilit individuelle
de lagent. En traitant cette agence dans le cadre dun engagement, nous
dplaons lattention couramment focalise sur lindividu, son autonomie
et sa responsabilit, pour considrer le genre de dpendance dynami-
que un monde dobjets qui soutient cette capacit de la personne. La
ralit engage est prouve comme utilisation dun objet pris dans une
fonction, linformation se bornant des indications de fonctionnement

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


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normal. Le bien engag, quoique limit la satisfaction du plan daction


accompli convenablement, soutient la capacit dun individu se projeter
dans lavenir en ayant du rpondant. Cet individu peut rifier autrui en
linstrumentalisant. Sil le traite en personne appele tre un individu
engag dans ce rgime, il semploie affermir sa volont et lui donner
confiance dans ses projets. Cet engagement se prte plus facilement que
le prcdent une coordination entre plusieurs individus, dans laccord
dun projet commun ventuellement formalis en contrat.
Le rgime dengagement justifiable a dj t introduit dans la partie
prcdente. Rappelons que la ralit y est prouve par des objets qua-
lifis selon une grandeur de bien commun, linformation ractualise
dans lpreuve tenant des indicateurs conventionnels. Autrui est ri-
fi en tant rduit un objet qualifi, selon une forme de domination
propre ce rgime. Il est assist par une aide faire ses preuves dans
une grandeur. Les qualifications conventionnelles facilitent la mise en
commun de lengagement selon des relations mutuelles qui ont t ex-
poses prcdemment(Tableau 1).

Lespolitiquesdelentrepriseetdelacitauregardduproche
Le second pluralisme des rgimes dengagement nous permet dappr-
hender le travail sans en rester ses qualifications conventionnelles, en
envisageant la pluralit des biens engags et des faons dprouver la
ralit, jusquau plus proche de la personne. Ce dveloppement du cadre
danalyse nous permet dexaminer des transformations dans les politiques
qui tendent, de diverses faons, se rapprocher des personnes: poli-
tiques du travail dans les entreprises, mais aussi politiques de la cit de
plus en plus souvent lies aux prcdentes par la question de lexclusion
et de linsertion.
Nous avons voqu plus haut des organisations du travail qui cherchent
restreindre la place de lengagement familier, la grandeur industrielle
contribuant disqualifier les faons de faire localement personnelles et
les liens interpersonnels qui les mettent en communication, et la radi-
calisation taylorienne entranant une rification du travailleur ltat
dinstrument industriel. Par contraste, lordre domestique grandit des liens
de proximit dans un rgime conventionnel, sans pour autant reconna-
tre le bien le plus personnel de lengagement familier, et avec le risque
dune rification de lhomme de mtier ltat de proprit patrimoniale
de lentreprise paternaliste. Les organisations du travail classiques tablant
sur ces deux grandeurs et sur des compromis entre elles reposent sur

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


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des ordres hirarchiques qui ont t contests et affaiblis au profit de


nouvelles organisations du travail supposes faire place la personne et
linitiative individuelle la faveur de liens horizontaux.
Une premire source de changement fait appel la grandeur marchande
introduite au cur de lentreprise et souvent prsente comme se rap-
prochant du client. Notre analyse permet de distinguer les limites de ce
rapprochement et de montrer quil est souvent un loignement requis par
le dtachement du service, de lindividu et de la forme contractuelle, qui
disqualifie lengagement dans le familier et le soin personnalis lgard
dune autre personne aide dans ce rgime. La coordination marchande
ne se limite pas traiter en client des agents extrieurs lentreprise.
Elle stend aux relations internes remodeles en contrats entre individus
responsables ou entre centres de profit. Les engagements selon dautres
grandeurs (industrielle, civique, domestique) et les genres de communauts
de travail quils soutiennent sont alors disqualifis eu gard la dpen-
dance hirarchique quils induiraient.
Une deuxime source de changement fait appel au vocabulaire du rseau.
Son extension se nourrit aussi dune critique lgard des dpendances
hirarchiques, partir dun idal dhorizontalit suppose des liens en
rseau. Cette critique mconnat les structures hirarchiques requises
pour faire rseau.7 Comme nous lavons vu ds la premire partie, toute
coordination passe par une quivalence, plus ou moins gnrale, cratrice
dasymtrie et dordre: aucune ne peut prtendre tre horizontale.
Inversement, chaque ordre de grandeur fait rseau sa faon: rseau de
transactions marchandes(grandeur marchande), de rouages fonctionnels
et de mthodes (industrielle), de signes communiquant(renom) etc. La no-
tion de rseau est elle-mme implique dans le chantier de construction
dune nouvelle grandeur, connexionniste, qui mettrait en quivalence toute
forme de lien(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 1999). A dfaut dune telle
quivalence, les rseaux se dcomposent selon les valuations diffr-
entes de leurs segments qui doivent sarticuler dans des compromis. Les
organisations en rseau en appellent aussi des engagements personnels
de moindre porte qui ne peuvent tre rguls par des grandeurs de
bien commun. Le genre de flexibilit et dajustement rapide en univ-
ers incertain que privilgient ces organisations prend appui sur une
familiarisation constamment relance. Plutt quun envahissement du
priv, cest une subordination de cet engagement familier qui est rali-
se, lorganisation tirant profit de ce rgime sans faire place son bien
propre. Les personnes ne sont reconnues qu ltat dindividus dots de
comptences, grant un portefeuille de qualits certifies et vendables

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


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au mme titre que celles des choses.


Le capitalisme ne va pas seulement en se globalisant: il se rapproche en
mordant sur des attachements en de des conventions marchande ou indus-
trielle. Paralllement les politiques publiques se transforment sous la critique
de leur pouvoir hirarchique et de standardisation. Elle se prolongent
alors en de des conventions civique et industrielle qui gouvernaient des
prescriptions catgorielles, et se rapprochent des personnes.8 Nous avons
lanc un large ensemble de recherches sur Les politiques du proche
pour rendre compte des modalits de ce rapprochement dans des domai-
nes diffrents: politiques sociales et dinsertion, politiques dintgration
et de lutte contre les discriminations, actions politiques et mouvements
sociaux ancrs, politiques dducation et politiques dapprentissage et
dinformation via Internet.9 Loin de clbrer le proche contre le public,
notre programme fait ressortir la tyrannie que peut exercer le bien du
plus proche sur des biens communs. Mais il examine aussi loppression
quexercent symtriquement les preuves de grandeur sur le bien main-
tenant la personnalit par son familier. Il met enfin en vidence la place
grandissante du terme mdian dans larchitecture de la vie en commun,
celui de lautonomie individuelle supporte par lengagement en plan.10
La consolidation de cette capacit facilite le compromis avec la convention
marchande et son individu contractant, comme on le voit dans la substitution
de services marchands des services sociaux publics et le privatisme
qui en rsulte(DE LEONARDIS, 1997). Ces politiques rapproches ne
se rduisent cependant pas une marchandisation. On peut y distinguer
aussi les exigences et les aides requises pour un acheminement de la per-
sonne vers cette capacit rpondre individuellement dun projet(BRE-
VIGLIERI; STAVO-DEBAUGE; PATTARONI, 2003; BREVIGLIERI,
2005). Cet acheminement qui doit prendre soin du bien primordial
garanti par des attachements au plus familier, viser au plus commun que
lindividu en projet en aidant la personne faire ses preuves selon des
grandeurs quelle doit affronter dans les preuves de rgime public. La
reconnaissance de ce chemin dun engagement lautre nous claire sur
les conditions ncessaires la mise en uvre de droits, notamment de
droits fondamentaux de lindividu qui tendent aujourdhui prendre
le pas sur des droits sociaux. Notre tude compare de la composition
librale du public et de la composition dune chose publique partir de
grandeurs de biens communs(LAMONT; THVENOT, 2000), se pro-
longe aujourdhui dans lexamen des architectures de communauts, du
proche au public, destin rendre compte des bouleversements critiques
que connaissent nos dmocraties, et notamment des branlements du dit
modle rpublicain franais.
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007
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Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007
40

Notas
1
Pour une bibliographie sur ce programme, voir dans Breviglieri Lafaye et Trom (2006)
et Thenot (2006b). Pour un clairage autobiographique, voir Thvenot (2005).
2
Avec la notion de consensus par recoupement, la position du second Rawls sest
rapproche de celle de sciences sociales soucieuses de contextualiser(RAWLS, 1993).
3
Pizzorno clarified the analytical meaning of the concept of recognition, a meaning
which brings together both possible acceptations: recognition as a condition of possi-
bility for individual action and for the aims of an individual in society to be formed,
and recognition as motivation of status, that is to say, the motivation to be included
in a respected circle(PIZZORNO, 2000). See also Vitale 2006.
4
Cette deuxime source de sentiment dinjustice remonte la pluralit critique des
grandeurs reconnue par Pascal, et fut reprise indpendamment par Michael Wal-
zer(1983) et Boltanski et Thvenot. Walzer se situe plutt dans la posture des sciences
sociales car il ne soccupe pas des exigences de lgitimit dun ordre.
5
Pour un exemple danalyse, dans un conflit environnemental, des qualifications plu-
rielles des choses et de leurs engagements dans les rgimes introduits dans la partie 3,
voir Thvenot (2002).
6
La coordination marchande nenvisage les autres coordinations possibles quen tant
quexternalits. Pour une critique propos de lenvironnement, voir Centemeri
(2006).
7
Sur la critique du monde plat, voir De Leonardis (2001).
8
Lavina Bifulco et Tommaso Vitale ont montr limportance de lespace dans la ror-
ganisation de services sociaux italiens, soulignant leffet dune configuration fonctio-
nnelle qui empche des occasions dchanges plus ouverts(BIFULCO; TOMMASO
,2006).
9
Un ouvrage collectif est en prparation, runissant des contributions de Nicolas Auray,
Marc Breviglieri, Eric Doidy, Claudette Lafaye, Romuald Normand, Luca Pattaroni,
Joan Stavo-Debauge et de lauteur.
10
Pour une analyse de la rencontre entre les liens de communaut et les exigences de
rationalisation, voir le texte de rfrence de Pizzorno (1960).

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


Tableau 1
ORDRES DE GRANDEUR

Familier En plan Justifiable


Bien engag aise, satisfaction du plan accompli, grandeur de bien commun,
convenance personnelle convenablement de convention collective

Ralit engage entour accommod moyen fonctionnel objet qualifi

Engagement des choses user, habiter utiliser [selon la grandeur]

indice perceptuel local et indication de fonctionnement


Format de linformation indicateur conventionnel
personnel normal
individu autonome porteur de
Capacit, pouvoir personnalit attache personne qualifie
plan
Rification dune autre prendre des familiarits avec,
instrumentaliser confondre avec un objet qualifi
personne en faire sa chose
Aide dune autre prendre soin, tmoigner affermir la volont, aider faire ses preuves
personne sengager de la sollicitude le projet dans une grandeur
Engagement mutuel projet commun, accord, [voir relation mutuelle
attentionn, amical, amoureux
partir du rgime contrat dans le tableau 1]

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


41
Tableau 2
42

REGIMES DENGAGEMENT

Marchand Industriel Domestique Civique Inspir Opinion

Mode performance,
rputation, nouveaut, renom dans
dvaluation prix fiabilit, intrt gnral
estime crativit lopinion
(grandeur) efficacit
Format de
mesurable, oral, crit formel, transport
linformation montaire smiotique
statistique exemplaire rglementaire motionnel
pertinente
Objets investissements,
biens et services patrimoine,
communment techniques, rgle, droit corps mu signe
marchands hritage
qualifis mthodes

Relation change relation confiance


solidarit passion communication
mutuelle marchand fonctionnelle mutuelle

avenir (du pass (du


prsent (de rupture, phmre
Temporalit projet, de prcdent, prennit
lopportunit) discontinuit (de la mode)
linvestissement) de la tradition)

polaire, localis
Spatialit global cartsien homogne en prsence de visibilit
par proximit

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 21-42, 1. sem. 2007


Jos Manuel Resende*

O Caleidoscpio Identitrio dos Professores


dos Liceus do Ensino Oficial nos Anos 1960:
Julgamentos Crticos e Disposies Prticas**

*
Socilogo, Investigador Resumo
e Professor Auxiliar do
departamento de Socio-
O principal objetivo deste artigo discutir o significado
logia da Faculdade de frequentemente atribudo por algumas perspectivas
Cincias Sociais e Hu-
manas da Universidade
sociolgicas a respeito do conceito de identidade social
Nova de Lisboa. Ende- e profissional. A razo para repensar este conceito est
reo electrnico: jose-
[email protected].
associada, no apenas aos novos problemas trazidos
**
Esta comunicao apre- pela edificao do ordenamento e da modernidade
sentada no VII Congres- tardia, mas tambm s relaes de proximidade no
so Luso-Afro-Brasileiro
que decorreu no Rio de mbito da identidade, ao ator e a seus regimes de
Janeiro uma anlise so- engajamentos, envolvidos na ao, estabelecidos pela
bre a expresso pragm-
tica plural da identidade disciplina sociolgica. A expresso plural na edificao
dos professores do Ensi- da identidade profissional dos professores das escolas
no Secundrio na ltima
conjuntura que atraves- secundrias nos anos 1960, no presente texto, enten-
sa a histria do Estado dida como algo atravessado por distintas configuraes
Novo em Portugal. Sen-
do um texto original sociolgicas consistente, ambivalente, inconsistente e
(revisto pela 2 vez) no contraditria decorrentes de julgamentos e disposio
deixa de integrar pro-
posies conceptuais e crtica evidenciados por alguns porta-vozes do corpo
registros escritos que se docente nos anos 1960 em Portugal.
encontram tambm inte-
grados num trabalho de Palavras chave: identidade social; identidade profis-
investigao mais abran- sional; julgamento crtico; regimes de ao.
gente apresentado em
provas de doutoramento
na Faculdade de Cin-
cias Sociais e Humanas
da Universidade Nova
de Lisboa em Setembro de
2001. Este trabalho de
investigao O engran-
decimento de uma profisso:
os professores do Ensino Se-
cundrio Pblico no Estado
Novo (RESENDE, 2003)
foi financiado no mbi-
to do programa do PRO-
DEP que apoia formao
dos quadros do Ensino
Superior.
44

1.Questionamentossociolgicosemtornodaconstruo
dosgruposedasidentidadessociais:asformasidentitrias
entre temporalidades distintas
No h momento nenhum da histria local, regional, nacional, continen-
tal ou transcontinental em que os seus principais interlocutores comuns
e sbios no faam um veemente apelo aos seus concidados para no
se esquecerem dos factos histricos mais marcantes. A relao entre os
factos histricos relevantes e uma comunidade poltica assume em regi-
mes polticos nacionalistas e autoritrios um lugar de grande destaque,
uma vez que o passado histrico, objectivado nos acontecimentos em que
a nao sai vitoriosa, passa a constituir um ingrediente imprescindvel
para a produo social da memria associada construo da identidade
nacional.
A julgar heurstica esta hiptese, o uso social e poltico da educao no
Estado Novo, por intermdio do modo como aquele domnio aparece
representado nas polticas educativas e no trabalho de representao
sobre aquilo que o professor deve ser capaz de realizar, corresponde
tentativa, desenvolvida pelos seus dirigentes, de eleger os valorosos
feitos histricos como instrumento de mobilizao ideolgica de pendor
nacionalista.
Da que no seja estranho que os movimentos polticos nacionalistas
entendam fundamental recordar os feitos histricos das foras que pos-
sibilitam a criao e a manuteno da nao e da nacionalidade, quer
sejam os intelectuais nacionalistas ou internacionalistas, quer sejam os
grupos que operam na criao da riqueza material, quer sejam ainda
os grupos que, no domnio das artes e do espectculo, reavivam sonora ou
pictoricamente os momentos mais marcantes desse fervor nacionalista.
No mbito da discusso cientfica entre a produo nacionalista da
identidade e a relao estabelecida com o trabalho de reconhecimento
poltico, podemos associar definio das representaes e da memria
a definio do novo. No caso presente a pertinncia dessa discusso
assume contornos ainda mais significativos e curiosos. A integrao na
gramtica cientfica dos termos representao e memria constituiu
um momento para preservar socialmente a tradio no quadro da luta
contra o esquecimento; a incluso dos termos novo e inovao parece
tender para olvidar as brumas da memria, pois sugere que a novida-
de transporta dentro de si mesma uma ruptura com o passado, e que o
prprio presente j em si mesmo o futuro anunciado.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007


45

A questo do novo s aparentemente parece no ter relao com a


construo dos grupos e das categorias socialmente tipificadas e com
a estruturao das identidades.1 Os estudos sobre as prticas culturais
e a formao de grupos que lhes atribuem a sua marca distintiva no
se esquecem, entre outros exemplos possveis, de tornar presente este
problema cientfico.
As anlises sobre as subculturas juvenis podem integrar-se nesta proble-
mtica. De facto, a sua traduo como problema sociolgico ocorre a par
das discusses mais amplas sobre a modernidade e a ps-modernidade,
isto , os contributos das geraes mais novas no esboo de outras figura-
es culturais que, quer em termos de expectativas, quer em termos de
substncia, quer ainda em termos formais, se distinguem das outras gera-
es, nomeadamente porque transportam nos seus movimentos um ciclo
de novidade em ruptura com os anteriores movimentos culturais.2
Para ultrapassar esta viso dualista entre o novo e o velho, a raridade
e a reprodutibilidade cultural (SANTOS, 1994, p. 121-134), a tradio e
a inovao, apostamos numa problemtica em que os dois plos, sepa-
rados numa oposio ilimitada, se interpenetram activamente no tempo
e no espao.
Integrar a referida antropologia da inovao na tradio e da tradio
na inovao no mbito da anlise sociolgica da formao dos grupos e
das categorias consegue-se satisfazendo uma exigncia particular, con-
substanciada no trabalho de objectivao ligado produo das repre-
sentaes sociais, entendidas aqui como operaes cognitivas, polticas e
instrumentais (THVENOT, 2006, p. 194-212). Estas operaes podem
ser encontradas nos registos de Boltanski (1982) sobre a formao dos
quadros.
Como verificou este autor

a anlise dos processos de unificao simblica e do trabalho de re-


presentao que os acompanham constitui aqui um fio condutor que
permite coordenar as advertncias histricas ou macropolticas e as
observaes que se relacionam mais com os discursos da psicologia
social, em particular da psicologia cognitiva. O termo representao
utilizado com efeito nas suas diferentes significaes: na origem de
um simples agregado silencioso, o grupo dotado de um nome e
de representaes mentais associadas ao nome. Com efeito, para que um
grupo aparea no tecido das relaes sociais, preciso que seja forjado
o seu conceito e que seja institudo o seu nome (trabalho que envolve
uma reestruturao do conjunto do campo semntico dos nomes de
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007
46
grupos e de classes). Representao tomada tambm no sentido
habitualmente acordado pela psicologia social: o grupo para existir
por si prprio e pelos outros deve constituir, por intermdio dos seus
membros e, mais precisamente, pelos seus porta-vozes, de representa-
es dele prprio, de acentuaes dramatrgicas, como dizia Goffman,
dos seus traos pertinentes, espcie de estilizao que contribui para a
formao da crena colectiva sem a qual o grupo no tem o direito ao
reconhecimento social (BOLTANSKI, 1982, p. 57).
justamente a produo da crena (ou o conhecimento na aco (TH-
VENOT, 2006) realizada pelo trabalho de objectivao que antecede e
precede a estruturao dos grupos que permite a articulao entre a in-
veno e a repetio, entre aquilo que se d a conhecer e o j conhecido,
entre a novidade e o passado, entre o novo e o antigo. Aquele trabalho
tem como efeito provvel o amortecimento da descrena, isto ,

como se o prprio abalo das crenas no levasse, necessariamente,


simples descrena, como ponto terminal, mas a novas formas de cren-
as (ou de f), de certa maneira mais autnticas enquanto tais, posto
que no podendo ser confirmadas pelos sentidos de que j se duvida
(VELHO, 1991, p. 122).
A crena no esboo e na potencialidade das categorias um passo fun-
damental para que os seus membros possam dar crdito no s sua
constituio, mas tambm sua prpria existncia enquanto colectivo
real, com um modo particular de actuar no sentido da sua afirmao
homognea na sociedade. A sua identificao com o (s) grupo (s) assim
categorizado (s) faz-se por comparao e distino relativamente a outros
agrupamentos.3
Noutros termos, as suas avaliaes so feitas no quadro das relaes es-
tabelecidas entre a crena nas suas caractersticas particulares e a crena
depositada nas caractersticas representadas sobre outras categorias que
habitualmente percorrem o mesmo espao social ou esto muito prxi-
mas da sua localizao, ambas fazendo parte das diversas modalidades
identificadoras. Ao longo destas avaliaes sucessivas, os membros dos
colectivos vo construindo e reconstruindo determinadas formas identi-
trias, expressando-as nas operaes cognitivas, polticas e instrumentais
ligadas s representaes do corpo profissional.
Alis, at podemos avanar com a hiptese que esta crena no valor po-
tencial e virtual das categorias, particularmente o valor social dos corpos
profissionais em termos de prestgio atribudo ou adquirido , aparece
reforada (ou levada a reforar-se) com as aces de resistncia (crticas,
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007
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queixas e lamrias) produzidas pelos velhos colectivos congneres, que


so gerados ao longo da histria dinmica de cada uma das profisses
constitudas socialmente. Para conservar o referido valor social, ou
inclusivamente, para o elevar, os novos membros intentam continu-
ar a desenvolver o trabalho de representao do corpo num sentido
muito semelhante de reforar a referida crena no grupo , apesar
de mobilizarem outros argumentos, outras retricas e associando ao
debate outros objectos e outros conceitos. O que interessa aqui repi-
sar que neste esforo de objectivao, os novos que ingressam nos
colectivos profissionais, apesar de estarem a ocupar um espao que
antes era ocupado por outros profissionais mais antigos, no deixam
de convocar para a discusso pblica os aspectos mais mobilizadores
da histria da profisso.
Assim, a oposio entre o novo e o velho, de um lado, e aquilo
que ainda raro e aquilo que j est generalizado, do outro lado,
interpenetram-se na produo da histria do corpo, deixando de fazer
sentido para a anlise a conservao destas duas formas dicotmicas. O
que eventualmente pode vir a acontecer, a utilizao social desta di-
cotomia por parte dos colectivos que se confrontam no interior de uma
determinada categoria, revelando na troca de argumentos que se cruzam
habitualmente num tipo de discusso desta natureza.
Como ento podemos definir o membro de um colectivo? A demanda
de uma resposta a esta interrogao no necessariamente homognea
para todos os membros de um dado grupo social. A informao que os
indivduos recolhero para responder quela pergunta ser, em mui-
tos casos, ambgua, e o tratamento dessa informao poder ser feito a
partir de quadros de referncias diversos. Contudo, a diversidade de
identificaes possveis fabricadas pelos actores a partir das informaes
recolhidas nunca ilimitada.

So limitados quer pelas respostas dominantes no interior do grupo,


quer por aquelas que so dadas por eventuais minorias activas, quer
ainda por aquelas que grupos opostos souberam construir. Isto ,
complementarmente comparao social, os tipos de resposta so re-
gulados pelos processos de influncia social e pelas relaes intergrupais
(VALA, 1996, p. 382).
Por isso no deixa de ser tensional as operaes de representao de um
corpo profissional. Estas tenses assumem nos regimes de aco de en-
volvimento contornos especficos, pois os profissionais tendem a deslocar
a sua argumentao sobre a pertena ao corpo entre um espao mais

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ntimo e familiar a um outro espao mais geral e sujeito a um escurtnio


pblico. Os processos e procedimentos envolvidos nestas deslocaes
no deixam de estar sujeitos a disputas e a conflitos expressos a partir
das prticas de envolvimento quotidiano que se geram nos contextos
de trabalho.
Sem dvida alguma que a definio dos membros de qualquer dos
agrupamentos reconhecidos um factor fundamental para a vida em
sociedade. Como escreve Walzer

o bem primrio que distribumos a qualidade de membro de uma


comunidade humana. E o que fizermos com respeito qualidade de
membro ir estruturar todas as nossas outras opes distributivas: ir
determinar com quem faremos essas opes, a quem exigiremos obe-
dincia e cobraremos impostos e a quem atribuiremos bens ou servios
(WALZER, 1999, p. 46).
A qualidade de membro de qualquer associao ou colectividade em si
mesmo um bem social de primeira grandeza nas sociedades contempo-
rneas. E como bem socialmente partilhado de um modo incompleto.
H indivduos que podem no usufruir deste bem inestimvel, apesar
de poderem partilhar, por sua vez, a qualidade de um bem de outra
associao ou colectividade. E tal como qualquer outro bem a sua dis-
tribuio atinge sobretudo aqueles que so estranhos a essa associao
ou colectividade (CROTHERS, 1994, p. 81-88; MERTON, 1968). Os
de dentro, j so reconhecidos e autorizados a partilhar esse mesmo
bem. Os de fora, esto sujeitos a todo o processo de recrutamento exi-
gido para quem deseje fazer parte desse agrupamento. E s depois de
serem admitidos como membros que podem ser tratados e exigir um
tratamento idntico quele que partilhado pelos restantes parceiros
do colectivo.
As formas identitrias abrangem tanto os membros familiares como aqueles
classificados como estranhos. Alis, a produo de juzos sobre as condutas
estranhas a uma dada profisso consolida os julgamentos atribudos s
qualidades e qualificaes de primeira grandeza. Da a importncia con-
ferida, mais uma vez, anlise sobre as representaes sobre a qualidade
de membro (ou ausncia dela) de uma determinada profisso. As tenses
que ali eventualmente se produzem a propsito dos direitos e dos deveres
identificados a partir da sua pertena ao corpo so outros ingredientes que
tornam possvel a produo de pontos de vista diferenciados, quer sobre o
que ser membro de uma profisso, quer sobre a tica de responsabilidade
ligada ao exerccio de uma dada profisso.

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Concebidas sobretudo numa perspectiva relacional, as componentes


biogrficas tm de ser contempladas quando as formas identitrias so
objecto de anlise. No quadro desta perspectiva, as identidades sociais
constituem-se

por integrao e por diferenciao, com e contra, por incluso e por


excluso, por intermdio de prticas de distino classistas e estatutrias,
e que todo este processo, feito de complementaridade, contradies e
lutas, no pode seno conduzir, numa lgica de jogo de espelhos, a iden-
tidades impuras, sincrticas e ambivalentes (PINTO, 1991, p. 219).
A adequao dos aspectos biogrficos complexos, no redutveis
imagem de um actor coerente, constante e dependente do poder
da socializao (particularmente a socializao realizada no contexto da
famlia de origem e nuclear, mas tambm no quadro da sua origem de
classe) (FABIANI, 2002) definio das formas identitrias prendem-
se com a centralidade do trabalho, do emprego e da formao escolar
(DUBAR, 1998, p. 119-122) nas representaes da identidade social dos
indivduos nas sociedades modernas industrializadas.
Ter em conta estes ingredientes identitrios no significa consider-los
de um ponto de vista esttico, to pouco como factores determinantes e
exclusivos na construo gentica das identidades. A importncia destas
consideraes justamente notada porque a natureza tensional inscrita
na produo das identidades profissionais resulta do cruzamento das
diversas fontes que esto na origem da reactualizao das formas iden-
titrias nas suas trajectrias, quer em termos pessoais (e como cidados),
quer em termos laborais.
Neste sentido, no ajustado, em particular no dealbar da modernidade
liberal alargada (WAGNER, 1996), no dar a devida importncia s fontes
da identidade pessoal expectativas de realizao de si, da autonomia, da
singularidade, da autenticidade (TAYLOR, 2005; TAYLOR et al., 1998)
entrecruzadas com as fontes da identidade profissional. No contem-
plar cada uma destes dois tipos de fontes, e os conflitos (emocionais ou
racionais) que tais aproximaes podem suscitar nas operaes sobre si
como profissionais de um mesmo ofcio, faz correr o risco de se operar
um ponto de vista cientfico redutor na anlise deste objecto.
Tendo em ateno aquelas consideraes, as biografias continuam a de-
sempenhar um lugar primordial na anlise das identidades. O dilema
no est pois na deciso de fazer incluir estas narrativas nos trabalhos
sociolgicos, enquanto materiais para serem trabalhados como infor-
maes relevantes para o estudo dos processos de identificao e de
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identizao (PINTO, 1991, p. 218). Como escreve Passeron (1991),


a questo no se coloca no domnio da grandeza a ser atribuda a esse
tipo de material. um material histrico de grande importncia, por
vezes at bastante completo. O problema o que fazer da informao
recolhida a partir das narrativas biogrficas.4
Por outro lado, preciso ultrapassar outro dilema terico e metodolgico:
no cair na tentao de uma viso excessiva e exclusivamente focalizada
na deslocao da trajectria enquanto representante do movimento das
estruturas, esquecendo a sua composio feita por indivduos que se
encontram no seu interior, nem, ao contrrio, cair na tentao oposta
de olhar somente as caractersticas dos indivduos, no dando qualquer
importncia s trajectrias (PASSERON, 1991, p. 193). A sugesto
deixada por Passeron a de estudar as biografias atravs da utilizao
do conceito interaccionista de carreira (HUGHES, 1993, p. 124-150,
364-373, 397-407, 464-472) que possibilita

apreender, por uma descrio tanto interpretativa como explicativa,


o sentido indissociavelmente subjectivo e objectivo que toma afinal
de contas como carreira (para o socilogo mas tambm sob o olhar re-
troactivo do sujeito) uma sucesso de aces, reactivas, defensivas,
tcticas, antecipadoras etc., que aquele sujeito escolheu em seu nome
pessoal para gerar as suas relaes com o poder constrangedor de um
aparelho que lhe imps anonimamente a gradao prdeterminada das
sanes ou das recompensas correspondentes s suas respostas (ou s
suas abstenes) escolhidas (PASSERON, 1991, p. 204).
Por isso, estudar a construo das formas identitrias no mbito das repre-
sentaes edificadas sobre as categorias profissionais contempla a inter-
pretao do trabalho de objectivao e de ancoragem desenvolvidos, quer
pelos prprios praticantes desse ofcio, quer por outros actores integrados
ou no na mesma profisso, mas que de certo modo se colocam como seus
porta-vozes. Contudo, o estudo assim enunciado no fica completo se no
entrarmos em considerao com jogos de espelhos identitrios entre os
profissionais e os outros que contam (TAYLOR, 2005).

2. A profisso de professor como objecto


de representao poltica, tcnica e cognitiva
Numa anlise terica acerca das questes que a sociologia tem colocado
sobre o conceito de profisso deparamos com perspectivas distintas
relativamente ao mesmo objecto. Nada de estranho numa disciplina

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que justamente pluriparadigmtica. No entanto, verificamos que as


reflexes sobre este assunto no deixam de assinalar alguns ingredientes
tericos comuns,5 embora integrados em matrizes conceptuais distintas,
contendo nelas significados que invalidam qualquer tentativa apressada
de concretizar uma aproximao analtica (CHAPOULIE, 1973, 1974;
NVOA, 1987, 1989).
Os profissionais com as suas competncias cientficas e tcnicas, com as
suas instituies de suporte e de credibilizao s conseguem aplicar o seu
saber se estiverem ao servio de uma determinada comunidade humana.
No contacto com esses utentes, os profissionais assumem determinadas
condutas, cujas normas e regras morais ou esto pr-definidas ou so
situacionalmente estabelecidas, embora em ambos os casos a socializao
(DUBAR, 1998) no deixe de ser apontada como um factor indispensvel
para a interiorizao desses mesmos cdigos profissionais.
Com o crescimento do nmero de profissionais e consequentemente
com a multiplicao dos problemas que tal aumento provoca no seu
trabalho e nas suas tarefas, as associaes profissionais acabam por apa-
recer como guardis indispensveis para que as profisses mantenham
o monoplio da sua esfera de influncia e dos saberes. Para o xito deste
empreendimento, as associaes funcionam como foras de presso junto
do Estado de modo a requerer que as modalidades de recrutamento dos
profissionais e o controlo das suas actividades sejam feitos de acordo
com os princpios, as regras e as normas ali definidas (CHAPOULIE,
1973, 1974).
Embora construdos de maneira diferente, os modelos de profisso
avanados por Parsons e Hughes apresentam estas semelhanas. No
caso do estudo sobre o engrandecimento da profisso docente do Ensino
Secundrio oficial no Estado Novo (RESENDE, 2003), estes esforos
conceptuais no so abandonados, embora o nosso interesse fundamen-
tal no seja adopt-los como fazendo parte de um modelo previamente
construdo e delimitado sobre a formao da profisso docente e as
fronteiras que a distingue de outras profisses j estabelecidas.6
O que interessa para j sublinhar que o enfoque sugerido neste artigo
visa acompanhar o processo de recomposio deste grupo profissional
ao longo dos anos 1960 a partir de um conjunto de formas de julgamen-
tos justificveis apresentados por grupos de actores que trabalham em
diferentes lugares, com distintas experincias. Os referidos ingredientes
integrados nos dois modelos de Parsons e de Hughes vo aparecer
como objectos mobilizadores daqueles julgamentos ou com a forma de

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prova que acompanha o seu raciocnio ou com a forma de crtica que


acompanha racionalmente outro ponto de vista contrrio do anterior.
A escolha do itinerrio terico pragmatista acaba por se encaixar plena-
mente na escusa em adoptar os modelos anteriormente descritos. A nossa
preocupao no a de recusar a existncia de um grupo profissional
como os professores do Ensino Secundrio. Alis, esta categoria tal como
qualquer outra categoria profissional tem a sua existncia objectivada
nos discursos que diversos actores professores, professores-especialistas,
professores-investigadores, tcnicos de educao, analistas polticos,
tcnicos de estatstica, investigadores, governantes etc. fazem constan-
temente sobre as suas actividades, os seus problemas, em sntese, sobre
o conjunto de questes que envolvem a vida destes profissionais.
Por outro lado, a sua existncia est marcada na histria de muitas das
instituies que se imbricam com a realidade desta profisso ao longo
de muito tempo. Uma outra razo da sua existncia como profisso est
ligada produo do princpio de identidade ao qual os agentes em-
prestam a sua crena (BOLTANSKI, 1982, p. 49), questo que qualquer
cincia no pode de todo ignorar como fazendo parte da constituio de
pontos de referncia a qualquer tipo de grupo.
A apresentao destas razes tem um nico objectivo que reafirmar
a impossibilidade de apreender objectivamente todos os critrios defi-
nidores desta categoria profissional. Esta opo , alis, como j vimos
anteriormente, tributria do pensamento de Luc Boltanski (1982) ex-
presso de uma forma sistemtica na sua obra j referida.
Estas dificuldades resultam dos diferentes enfoques que atravessam a
histria dos estudos das profisses, e sobretudo porque grande parte
dos estudos acabam por no discutir as ambiguidades e ambivalncias
que esto presentes na prpria configurao do espao profissional, a
saber, no interior da definio objectiva dos critrios que presidem
constituio de uma profisso como corpo dotado de interesses absolu-
tamente convergentes, consistentes e congruentes, e que por esta razo
aparece tambm dotada de uma unidade e homogeneidade internas, o
que facilita a conduo das aces dos seus profissionais e a sua coorde-
nao face aos diferentes cenrios em que se movem quotidianamente
(CAVACO, 1993). com este sentido de apuramento sociolgico que
convergimos com o facto de a construo da profissionalidade, da de-
finio do grupo e da sua organizao se desenvolverem num jogo de
interveno que se desenrola em diferentes tabuleiros (RODRIGUES,
1999, p. 32).

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Na verdade estas controvrsias parecem fazer parte da histria dos pro-


fessores dos Estados Unidos da Amrica. J Hughes toca neste assunto
nas suas anlises sobre as profisses estabelecidas. Referindo-se ao caso
dos professores, o autor salienta a enorme competio que existe entre
este grupo profissional e outros colectivos de actores na definio dos
critrios que presidem sistematizao dos contedos que devem estar
presentes na filosofia orientadora do projecto educativo. Num certo senti-
do, Hughes admite que os professores so um grupo bastante permevel
influncia de opinies profanas manifestadas do exterior do seu espao
profissional, sobretudo em relao quilo que fundamental ser definido
como importante para ser ensinado aos alunos. Esta questo acaba por
se transformar numa limitao sria ao seu mandato como profissionais
do ensino. As restries ao espao de interveno deste grupo revelam
justamente o interesse em contemplar todas as formas de julgamento
produzidas, por exemplo, sobre este domnio de enorme relevo para a
autonomia da profisso.7
A controvrsia anteriormente identificada parece no se fazer sentir no
domnio da contabilidade socioprofissional. Para os diversos tcnicos que
trabalham na montagem das nomenclaturas profissionais, a categoria
dos professores parece no revelar qualquer tipo de ambiguidade. Ao
contrrio de outros grupos e subgrupos, esta categoria apresenta um
estatuto preciso, cuja definio do posto de trabalho baseada no ttulo
escolar que indispensvel para a sua candidatura em concursos abertos
para a docncia.8
Na definio da competncia profissional dos professores o problema
j muito mais delicado. Na verdade, a preciso da competncia pe-
daggica como dimenso caracterizadora da competncia profissional
dos docentes no to fcil de obter como frequentemente julgam os
prprios profissionais ou outros actores.9
A competncia pedaggica como dimenso da autonomia profissional
dos docentes no experimentada como tal pelo conjunto dos seus
membros, mas expressa como sendo o resultado directo da pro-
priedade pessoal adquirida com a antiguidade na prtica de ensino.
Esta percepo enfraquece simbolicamente a dimenso pedaggica
retirando-lhe as suas potencialidades legitimadoras. Tais potenciali-
dades so vitais para a afirmao desta profisso. Com a diminuio
do seu poder de convencimento, os professores tm dificuldade, em
muitas ocasies, de conter as investidas de outras profisses compe-
tidoras ou de outros actores colectivos e individuais. Estas incurses
destinam-se a interferir no campo de aco dos docentes, tentando

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com isto reduzir o seu monoplio de actividades e obrigando-os a


discutir muitas questes em p de igualdade com outros parceiros
exteriores ao espao escola. Estas situaes produzem efeitos no pro-
fessorado e podem ser objectivados no seu desencanto profissional,
no reconhecimento da perda do seu prestgio ou at eventualmente no
to falado mal-estar docente (ESTEVE, 1992; ESTEVE; FRACCHIA,
1988; RESENDE, 2003).
Todas estas tentativas de competio com o professorado acabam por
se reflectir no plano da jurisdio que lhe confere determinados direi-
tos, regalias, privilgios e, consequentemente, limitaes, obrigaes e
deveres, ambos relacionados com os domnios de actividades exercidos
por este grupo profissional. O destaque dado a esta questo pode ser
encontrado nas reflexes que Andrew Abbott realizou sobre o sistema
das profisses (ABBOTT, 1988).
Embora nesta pesquisa no se adopte uma postura analtica to sistemtica
como acaba por ser o enfoque desenvolvido por este socilogo americano,
no deixamos de reconhecer a importncia detida pela jurisdio como
quadro de referncia (GOFFMAN, 1991) usado pelos profissionais numa
dupla perspectiva: por um lado, como base a partir da qual negoceiam e
reformulam o enquadramento jurdico anterior tendo como guia as suas
prprias experincias cognitivamente trabalhadas; por outro, fazendo
desse enquadramento um meio ou um suporte para garantir espao de
manobra em termos de actuao no sentido de evitar que o seu espao
de aco fique totalmente aberto aos seus concorrentes.
no seguimento desta perspectiva pragmatista que a jurisdio se trans-
forma tambm num guia que orienta as aces dos profissionais, quer
em termos individuais, quer em termos colectivos. Como guias de aco,
os enquadramentos jurdicos revelam-se como reportrios compsitos,
ou seja, como reservatrios dos conhecimentos disponveis e disponibi-
lizados pelos actores (CORCUFF, 1997, p. 124-127). Mas, os referidos
reportrios cognitivos no funcionam como ingredientes independentes
das aces produzidas pelos diferentes protagonistas.
Ao ser conferido o significado de quadro de referncia jurisdio para
os porta-vozes das profisses, no pretendemos com isto reduzir a sua
anlise aos seus efeitos nas aces protagonizadas pelos seus respectivos
membros. Do ponto de vista de quem elabora aquele mesmo quadro
jurisdicional, o seu resultado final no mais do que um conjunto de
julgamentos a propsito das matrias que envolvem a vida profissional
dos membros de uma dada categoria. Para ns est claro que tais formas

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de julgamento decorrem de um cruzamento de pontos de vista vindos de


distintas fontes. Mas preciso reforar a ideia de que

os julgamentos so aces. [...] Longe de reduzir o julgamento a um


raciocnio sobre proposies, ou compreenso de um sentido, ns
procuramos apreend-lo na dinmica da aco. Mas os julgamentos
separam-se tambm das aces sobre as quais produzem efeito. Criam
uma ruptura no decurso da aco anterior que se encontra suspensa,
ou pelo menos deformada. Reflexo e deliberao supem, com efeito,
fazer apelo a referncias gerais. A ruptura tanto menor, e o trabalho
do julgamento menos laborioso, quanto as referncias tm sido ates-
tadas na situao e facilitam o lao entre o julgamento que generaliza
e a aco ou a situao circunstancial sobre a qual ele produz efeito.
Uma abordagem realista do julgamento estar atenta s colocaes em
formas prvias que permitem as generalizaes, as reaproximaes e
as equivalncias (THVENOT, 1992, p. 1283).
A jurisdio representa, por isso, esta dupla caracterstica imputada aos
actos de julgamento. Por um lado, so modalidades de aco, e, por ou-
tro, a sua realizao torna possvel a suspenso da aco o que permite
a reviso daquilo que aconteceu e simultaneamente a projeco daquilo
que se segue, reformulando porventura muitos aspectos que na altura
do debate so considerados desajustados ou mesmo defeituosos. Dito
de outro modo, os contedos jurisdicionais constituem convenes a
que os profissionais no so indiferentes e que delimitam suas aces,
enquadrando-as nos diferentes cenrios que atravessam as suas activi-
dades laborais.
Na verdade, as discusses realizadas sobre este bem comum possibilitam
desenhar as tentativas de reaproximao das aces, tenham elas uma
colorao de acordo vista, ou uma colorao de crtica declarada, ou
tenham elas ainda uma colorao de um conflito aberto cujo desfecho
no tem hora certa. Isto significa que as aces realizadas pelos actores
mobilizam conhecimentos que so originrios de compsitos repertrios
gramaticais.
No caso dos professores, os seus investimentos de forma nas actividades
profissionais oscilam entre os conhecimentos que retiram das conven-
es jurdicas (adoptando-as ou formulando sobre estas crticas duras,
mas justificadas) e os conhecimentos oriundos de outros cenrios ligados
arquitectura fsica e humana das escolas. Assim, os argumentos que
os professores desenvolvem em resultado das controvrsias que inci-

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dem directamente nas suas actividades profissionais so objectivados


nos seus actos de julgamento atravs de conhecimentos retirados de
diferentes fontes.
Contudo o carcter compsito das fontes e dos conhecimentos no o
nico facto a destacar. Na verdade, as dimenses cognitivas, polticas e
instrumentais dos conhecimentos mobilizados pelos professores no de-
correm sempre das situaes ligadas aos seus afazeres profissionais. Assim,
o conjunto dos conhecimentos inscritos nas aces destes profissionais
transaccionado, por um lado a partir de fontes ajustadas s situaes
profissionais e, por outro lado a partir de fontes ajustadas a convenes
resultantes de outras dinmicas no necessariamente conectadas com
estes contextos.
O trabalho de representao estatstica tambm no deixa de ser objecto
de discusso no obstante a preciso do seu carcter estatutrio. Contudo,
o exerccio de representao cognitiva, poltica e representacional dos
professores no se limita sua inscrio na taxionomia das profisses.
H outras formas de investimento em categorias que incidem sobre
designaes que compem internamente esta profisso.
Neste sentido, todos os actos de classificao para os quais contribui a
estatstica esto ligados possibilidade de envolver nas aces os seres
assim tratados em geral [...]. Desse tratamento resulta a qualificao.

Por outro lado, as operaes estatsticas procedem a generalizaes


que tm a validade do Estado; participam da construo de um
quadro representando esse Estado []. As equivalncias realizadas
devem portanto ser legtimas. Enfim, a qualificao est geralmente
em conformidade com uma ordem, e os quadros da sociedade so
dispostos em quantidade e em qualidade (THVENOT, 1990, p. 1276;
DESROSIRES, 1997, 2000).
A ordenao estatstica torna possvel a determinao de uma pluralida-
de de ordens legtimas que, pela referncia a um bem comum, conjugam
uma desigualdade de estados de grandeza e uma comunidade comum,
esta segunda exigncia proibindo que as desigualdades de estado este-
jam ligadas s pessoas (THVENOT, 1990, p. 1276). O facto de existir
a separao entre os estados de desigualdade e a identificao nominal
dos seus portadores no impede que tais distribuies de grandeza no
sejam objecto de denncias e de conflito.
Por outro lado, esses mesmos estados de grandeza medidos por nveis
fundados em domnios distintos da vida profissional so tambm alvo

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de um trabalho de representao resultante da prpria qualificao.


Este trabalho de representao efectuado ou pelo prprio profissio-
nal quando levado a responder a um inqurito construdo por uma
instncia estatal (servios do Ministrio da Educao, INE, centros de
investigao das universidades etc.), ou pelo responsvel da codificao
estatstica quando os inquritos j respondidos lhe vo parar mesa de
trabalho. Estas observaes remetem para a existncia de uma srie de
representaes que so construdas ao longo da cadeia que produz as
classificaes profissionais e que transformam o trabalho estatstico numa
tarefa complexa e no linear (MERLLI, 1989). Ter presente as referidas
reflexes tem outro interesse adicional: evitar a tentao substancialista
quando o objecto analtico uma profisso.

3. O caleidoscpio identitrio dos professores dos liceus


pblicos nos anos 1960

3.1. Breve retrato da situao profissional dos professores


dos liceus
No decorrer da dcada de 1960 a falta de recursos humanos qualifica-
dos pelas Universidades dificultava o recrutamento de docentes com
licenciatura para darem aulas em todos os ciclos do Ensino Secundrio
ciclo preparatrio, liceus e escolas tcnicas. A esta escassa produtividade
do ensino universitrio, acrescentava-se o reduzido ritmo de formao
profissional dos professores j licenciados e colocados nas escolas.
O nmero de candidatos a estgio no cobria as necessidades da oferta
escolar, e, por isso, aumentava o nmero de docentes que leccionavam
sem ter iniciado e concludo qualquer processo de formao profissional.
Por outro lado, o nmero de candidatos do gnero masculino descia com
grande intensidade, quer nos concursos aos lugares de quadro efecti-
vos, auxiliares e agregados , quer nos concursos destinados a recrutar
docentes para servio eventual. A reduo do nmero de candidatos a
estgio era consequncia desta queda geral do nmero de professores
masculinos em todo o Ensino Secundrio, uma vez que se conservava o
privilgio de gnero para o acesso ao liceu normal, estabelecimento de
ensino destinado ao desenvolvimento do processo de formao profis-
sional, para todos os ciclos do Ensino Secundrio (at segunda metade
dos anos 1960).
Com poucos professores masculinos alguns sem terem tido aprovao

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no Exame de Estado , e, simultaneamente, com o aumento da taxa


de feminizao docente, mas grande parte sem ter concludo o estgio
com aprovao no Exame de Estado, o corpo docente revelava-se uma
profisso desqualificada do ponto de vista da habilitao profissional. Em
suma, nos anos 1960 havia falta de professores qualificados do ponto de
vista acadmico, em virtude da reduzida produtividade da Universidade,
de um lado, e por outro lado, devido ao nmero de professores acade-
micamente habilitados, muitos no concluam o estgio e no exibiam o
diploma do Exame de Estado.
Apesar desse retrato pouco animador, o nmero de docentes nos dife-
rentes ciclos do Ensino Secundrio continuava a aumentar, em particu-
lar, o nmero de docentes do servio eventual. Face a este crescimento
morfolgico, as despesas do Estado destinadas a pagar as remuneraes
dos professores recm recrutados, nomeadamente os do servio even-
tual, no permitiam a abertura no regulada dos concursos, quer para
os lugares de quadro dos professores efectivos, quer para os lugares de
quadro dos professores auxiliares.
A multiplicao de situaes profissionais desiguais, derivada da desigual-
dade de habilitaes acadmicas e profissionais detidas pelos candidatos
docncia, acrescida da multiplicao de situaes de desigualdade, em
termos de habilitao, entre os professores colocados no servio eventual,
cada vez em maior nmero, transformavam o professorado do Ensino
Secundrio, em geral, e no ciclo preparatrio, em particular, numa pro-
fisso com nveis cada vez mais reduzidos de satisfao profissional. Na
verdade, muitos professores habilitados desencantavam-se com a profis-
so, uma vez que se tornava cada vez mais difcil progredir na carreira,
e os docentes do servio eventual porque detinham um contrato de dez
meses com o Estado, e no recebiam qualquer remunerao nos meses
de Agosto e Setembro.
No entanto, a reduzida produtividade do ensino superior, na
formao de um nmero suficiente de diplomados para o ensino, e,
simultaneamente, a degradao profissional dos professores resultante
das condies de acesso, de remunerao e de vnculo com o Esta-
do, devido diminuio de concursos abertos a lugares de quadro,
transformaram esse ofcio num espao onde se combinavam, cada
vez com mais frequncia e mais intensidade, interesses e expectativas
individuais e colectivas contraditrias e ambivalentes, em resultado
das mltiplas situaes profissionais completamente desajustadas
umas das outras.
A multiplicao do estado de ambivalncia e de contradio nos docentes
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007
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perante um futuro incerto e a multiplicao desse mesmo estado perante


um sentimento de descrena face ao prestgio profissional e social do
seu ofcio criaram as condies para a gestao do mal-estar docente e
para o desenvolvimento de condutas e de perspectivas individualizadas,
pontualmente coordenveis, quando a situao profissional atingia um
determinado limite, experimentado por todos e, por isso, susceptvel
de conduzir criao de movimentos profissionais mobilizadores da
classe.

3.2. A produo social da memria do corpo


profissional: um exemplo de combinao estreita entre
a grandeza domstica e a grandeza inspirada
As homenagens sucediam-se na revista Labor, mas a um ritmo cada vez
menor a partir dos anos 1960. A morfologia do corpo profissional cres-
cera bastante e s a memria de professores da gerao dos anos 1920
e 1930 continuava a merecer tais homenagens.10
A homenagem prestada figura e estatura do professor Augusto C-
sar Pires de Lima, correspondia justamente representao de um dos
ltimos notveis que pertencia a essa gerao dos anos 1920 e 1930.
O testemunho deixado por um seu amigo, por convite endereado pela
revista Labor, no deixou, em primeiro lugar, de evidenciar a estatura
moral do professor a quem prestava esta sentida homenagem. Os elogios
dedicados estatura moral do professor do liceu correspondiam pri-
meira grandeza a ser valorizada por quem tivera a honra de partilhar o
tempo de convvio, e de trabalho, com o colega que acabara de morrer. A
dignidade moral do profissional representava, no mundo dos professores
dessa gerao, uma grandeza fundamental para se poder compreender
as restantes qualidades pessoais ligadas personalidade do homenageado
(cf. DACIANO, 1960, p. 302).
O relevo conferido estatura moral do docente surgia como prembulo
da tentativa de representar a figura do profissional no quadro das suas
qualidades domsticas mais abrangentes. Na verdade, o professor era
acima de tudo um educador, e, por isso, tinha que demonstrar nas suas
condutas como profissional se era merecedor dessa mesma designao.
O seu carcter exemplar, coerente, convicto, dedicado, zeloso, amigo,
tolerante, representava as qualidades indispensveis para que o docente
fosse reconhecido como mestre em toda a acepo da palavra (DACIA-
NO, 1960, p. 302). A confiana e a lealdade so tambm valorizadas.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007


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O recurso ao modelo de justificao domstico no bastava para julgar as


prticas do profissional do ensino dos liceus. A vida de professor colhia
elogios de todas as pessoas por intermdio destas qualidades pessoais, mas
a sua representao como mestre impelia-o a juntar essas qualidades
sua aco como divulgador de um saber que tambm era imprescindvel
para a formao dos alunos.
No caso presente, o lado inspirado deste professor estava devidamente
objectivado no seu trabalho de investigao no campo da etnografia por-
tuguesa. Alis, o relator da referida homenagem, tinha-se comprometido
a publicar a extensa bibliografia deixada por este investigador, pois a
sua divulgao considerava-o digno de ser imitado, quer pela serieda-
de que sempre ps nos seus estudos, quer pelo seu ardente entusiasmo
sobretudo pelos assuntos inerentes lngua, literatura e etnografia
nacionais (DACIANO, 1960, p. 302-303).
A escolha destes objectos e a difuso dos seus resultados religava a di-
menso inspirada da investigao cientfica dimenso cvica, que no
resultando directamente dos procedimentos metodolgicos, assumia a
sua ligao com o fundo cultural e ideolgico decorrentes da projeco
pblica dos resultados destes trabalhos de raz etnogrfica. Na verdade,
competia aos professores (e escola) engrandecer as razes culturais das
gentes lusas, destacando em particular a singularidade e autenticidade
das prticas culturais e dos modos de vida das populaes rurais.
A listagem de trabalhos e de publicaes da sua autoria e a divulgao
de estudos e outros registos deixados por investigadores, pensadores,
escritores e poetas nacionais englobavam a dimenso mais importante
do lado inspirado, que tambm justificava a sua vida como professor.
Mas no foi tudo. Ainda arranjou tempo para se dedicar ao Museu de
Etnografia e Histria sediado na cidade do Porto, iniciando em 1940 a
publicao do Boletim Douro Litoral (DACIANO, 1960, p. 304).

3.3. A cultura da compreenso ancorada na grandeza


domstica identificada e praticada pelos docentes dos
liceus nos anos 1960
A modificao dos pblicos escolares e a alterao do ideal oficial das
funes e finalidades da escola e de educao, agora manifestamente
positivas, objectivadas no esforo pblico de estender a educao obri-
gatria para mais anos de escolaridade, convidavam o professorado a
uma mudana de comportamento face s situaes de indisciplina. A
cultura do castigo e da punio devia dar lugar cultura da compreenso
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007
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e de julgamento ponderado, sobretudo o juzo baseado na procura das


complexas causas que contribuam para o aparecimento destas situaes
nefastas tanto para o equilbrio, como para a harmonia das relaes entre
os membros da comunidade escolar (cf. GOMES, 1960, p. 1).
A oposio entre os verdadeiros e os falsos pedagogos estabelecia-se agora
por intermdio da adopo ou no da cultura de compreenso para fazer
face s situaes de indisciplina que ocorriam nas salas de aula. A era
dos castigos no conseguira eliminar estas situaes do cenrio escolar,
e com a entrada de mais alunos social e culturalmente distintos, a me-
todologia a accionar pelo professor para defrontar este problema devia
assentar na compreenso global das aspiraes e expectativas criadas
pela criana e pelo jovem.
A concretizao ajustada desta cultura de compreenso das situaes
escolares experimentadas pelo professor requeria outras modificaes
ao nvel da prpria organizao do trabalho escolar. As escolas deviam
adoptar formas racionais de organizao do trabalho, adaptadas s suas
situaes concretas e particulares. As qualidades dos alunos j no podiam
ser olhadas a partir da sua predisposio activa de obedecer s ordens
do professor, mas sim atravs da sua capacidade de se adaptar a formas
racionais de organizar o trabalho pedaggico e escolar.
Na verdade, esta nova orientao requeria da escola outra organizao
(cf. GOMES, 1961, p. 1) e uma outra maneira de conceber as relaes de
trabalho entre professores e alunos. Neste sentido, o entendimento sobre
a disciplina na escola devia ser perspectivada a partir da forma como as
actividades escolares estavam a ser organizadas, as suas metodologias e
o modo de distribuio das tarefas, de acordo com as capacidades, os
interesses e as idades dos alunos. Assim, tornava-se possvel ir ao en-
contro das necessidades manifestadas pelos alunos, nica frmula de os
motivar e de os interessar para o trabalho cognitivo exigente requerido
pela escola e pelo professor.
O grande desafio punha-se junto do prprio professorado. A alterao
da sua forma de organizar o trabalho na sala de aula no se operava
de um momento para outro. Exigia a construo de outros pontos de
referncia, quer em relao a si prprio como profissional do ensino,
quer na sua relao com o aluno (GILLY, 1996, p. 481-488). Este jogo
de representaes de uma e de outra figura o professor e o aluno
desenvolvia-se nos cenrios e em situaes que estavam a modificar-se
rapidamente. O aluno tipo de antanho j no fazia sentido, de acordo
com o ponto de vista defendido pelo professor Raul Gomes.

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3.4. Na demanda da justia escolar a questo central


do valor da medida utilizada nas avaliaes escolares:
os exames e as justificaes de natureza inspirada
e industrial
No final da segunda poca de exames referente ao ano lectivo de 1962/63,
muitos jornais publicaram artigos de apreciao ao modo como tinham
decorrido os exames neste perodo, assim como s matrias selecciona-
das pela equipa incumbida de as formular. Estes artigos versaram, pois,
muitos assuntos, uns mais directamente ligados aos exames, outros mais
distantes deste assunto controverso (cf. MATOS, 1963, p. 121).
O que interessava ressaltar do ponto de vista do professor Matos
era justamente o sentido atribudo por este docente representao
dos exames no sistema de ensino, relacionando-o com o modelo de
justificao accionado para fundamentar a posio assumida pelo
professorado em relao ao exerccio dos actos de julgamento, que
decorriam da prpria aco destes profissionais no momento escolar
dedicado a testar o grau das aptides demonstradas pelos alunos
nestas mesmas provas.
Mesmo admitindo imperfeies diversas ao sistema de avaliaes defini-
do no ltimo Estatuto do Ensino Liceal decretado em 1947, o referido
professor estava de acordo com os seus princpios e o seu modelo e, por
isso, defendia a ideia de que o professorado e a opinio pblica em geral
deviam aceit-lo, se o principal objectivo de todos era manter um ensi-
no com a eficincia necessria [...] (MATOS, 1963, p. 125), condio
importante para a manuteno dos padres de qualidade no sistema de
ensino pblico, componente indispensvel para o tornar credvel, dentro
e fora do Pas. A relao estabelecida entre os exames e a eficincia do
ensino trouxe ao debate uma outra orientao e uma outra representao
que convinha dissecar com algum cuidado.
Para este professor, o sistema de avaliao, em geral, e os exames, em
particular, faziam parte de um instrumento de medida disposio do
professor para apreciar, com o rigor possvel, o esforo demonstrado por
cada aluno individual ao longo, e no final, de cada ano lectivo. A ideia
de medida no era novidade em educao, uma vez que

constitui preocupao natural do produtor conhecer o valor exacto


do seu trabalho. Infelizmente que para tal fim no conhecemos outro
processo que no sejam os exames, sejam quais forem as suas diferentes
modalidades (MATOS, 1963, p. 124).

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007


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A categoria de professor era representada por esse profissional do ensino


como um produtor integrado numa cadeia de produo. Por isso, tinha o
direito e o dever de ter sua disposio um instrumento de medida para
aferir com segurana, no final de cada ano lectivo, a qualidade do seu
trabalho. Os exames eram ento o instrumento de medida ideal, porque
permitiam avaliar a qualidade demonstrada pelo aluno, o seu principal
produto. Atravs do grau de qualidade definido para cada produto, o
valor da sua adio, dividido pelo total dos produtos que criara em cada
ano lectivo, permitia, com algum rigor, atribuir uma determinada certi-
ficao ao seu trabalho como profissional (cf. MATOS, 1963, p. 124).
Medida, preciso, tcnica e mtodo surgiam com sentidos muito claros
na percepo deste professor, uma vez que a escola se tinha transforma-
do num local de produo particular, o docente num produtor e o aluno
num produto. A conservao da qualidade do trabalho e do produto era
garantida pelo exame regular que os servios da escola empresa tinham
por obrigao realizar todos os anos.
A preciso, enquanto valor associado a esta medida, no estava com-
pletamente garantida, mas no havia no mercado escolar outra medida
melhor que substitusse os exames, no propsito de avaliar com justeza e
imparcialidade, quer a qualidade do trabalho realizado, quer a qualidade
do seu produto. Por outro lado, o recurso contnuo a novos mtodos
mais modernos aprimorava a tcnica dos exames, tornando esta medida
cada vez mais precisa e rigorosa.
Na verdade, procurar a perfeio era um anseio do ser humano. Mas
buscar o mecanismo tcnico que resolvesse todos os problemas de pre-
ciso e de objectividade, ligados natureza da medida idealizada para
avaliar os conhecimentos dos alunos, era um passo desnecessrio porque
a modalidade de aferio da qualidade do produto escolar no podia
dispensar dois factores sempre ligados gnese desta tcnica usada nos
liceus: a contingncia e a liberdade (cf. MATOS, 1963, p. 125). Retirar
esses dois factores da essncia da medida de avaliao que era represen-
tada pelos exames, com o intuito de se poder chegar ao valor preciso
atribudo pelo professor, no seu acto de julgar, qualidade do produto,
reduzia esta aco de natureza humana, num gesto que contrariava em
absoluto a lgica das coisas integradas na realidade escolar (BOLTANSKI;
THVENOT, 1991; DEROUET, 1992).
O reconhecimento dos limites impostos pela natureza da medida de
avaliao escolar representada pelos exames decorria tanto da percep-
o naturalista imputada ao trabalho do corrector como da percepo
naturalista transposta para o produto de trabalho realizado pelo aluno
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durante estas provas. Esta percepo naturalista estava identificada


atravs da representao da liberdade e da contingncia do esprito e
da aco, factores inerentes natureza humana. Mas esta concepo
naturalizada dos meios ao dispor do professor natureza para avaliar
outra natureza da mesma espcie complicava-se por intermdio da
mediao do saber, o tpico que objectivava a aferio produzida por
uma natureza em relao outra natureza.

4. Identidades plurais e razes de agir dos professores


dos liceus nos anos 1960: dos julgamentos crticos aos
modos de agir na profisso
A experincia da desvalorizao da profisso docente pareceu marcar
a dcada de 1960. Ao longo deste perodo de tempo, os diversos porta-
vozes dos professores expressaram de diferentes formas esta mesma
experincia.
No entanto, a construo social desta experincia no podia ser inter-
pretada como um processo uniforme e universal.
Por um lado, o conhecimento dessa desvalorizao era adquirido atravs
do crescimento do nmero das matrculas dos alunos, a par do crescimen-
to do nmero de entrada de mulheres no professorado. Aqui, o tempo
da tradio que configurava a produo escolar das relaes familiares,
relaes baseadas na confiana e no respeito na autoridade objectivada
no carcter exemplar do docente, e ainda na camaradagem e na protec-
o paternal, parecia estar a esgotar-se. A mutao morfolgica com o
aumento do nmero de turmas, com a necessidade de criar turnos e com
a entrada de mais professores tornou invivel a conservao material da
partilha das relaes familiares, que configurava o ideal da comunidade
familiar vivido em pocas anteriores.
Esta impossibilidade repercutia-se no prprio modelo de convivncia
mantido, anteriormente, pelos professores. Para estes docentes, incluindo
os professores deputados e a elite poltica, a poca de ouro dos profes-
sores do Ensino Secundrio, em geral, e dos professores dos liceus, em
particular, tinha chegado ao fim.
Estes docentes no punham em questo a necessidade econmica da aber-
tura da escola. Aceitavam com naturalidade, e at com alguma satisfao,
o facto de os economistas considerarem o bem educativo como um bem
com efeitos positivos no melhoramento do estado da economia nacional.
Mas alguns desejaram que tais modificaes no interferissem no estado
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das relaes comunitrias imaginadas como perenes, pela utilidade que


aquelas relaes exerciam, do ponto de vista da moralidade, na socie-
dade portuguesa. A manuteno destas relaes exigia que a profisso
continuasse a ser atractiva para os professores do gnero masculino.
A presena da figura masculina nas relaes pedaggicas estava a perder-
se a uma velocidade muito grande. Sem esta presena, a figura paternal,
traduzida na sua autoridade de professor camarada e amigo, tendia a
desaparecer. Como era possvel implementar o projecto educativo sem
a presena do professor pater famlias?
Por outro lado, o conhecimento dessa desvalorizao era adquirido
atravs da produo das denncias face ao estado de imutabilidade de-
monstrado pelo conjunto dos itinerrios escolares, at segunda metade
dos anos 1960. O crescimento do nmero de alunos e o crescimento do
nmero de professores e, em particular, das professoras, crescimento
morfolgico primeiro no ensino tcnico, depois no ciclo preparatrio
e nos liceus (aqui com mais incidncia a partir dos anos 1970) eram
saudados, mas atribudos a uma dinmica social que o Estado no
procurara atempadamente satisfazer, com a expanso da rede escolar,
nomeadamente, com a criao de mais estabelecimentos de ensino para
os ciclos preparatrio, liceus e escolas tcnicas.
Aqui, o tempo da tradio tinha sido o responsvel por aquele estado de
imutabilidade sistmica. A sua traduo no projecto educativo posto em
marcha desde o incio do Estado Novo era o alvo das maiores denncias.
Tal projecto educativo, de pendor moral, tinha de ser substitudo por um
projecto de natureza mais instrutiva, a fim de tornar os alunos mais capa-
zes de se adaptarem aos desafios do crescimento econmico, das alteraes
econmicas e sociais que estavam a ocorrer no Pas e no mundo.
Este coro de denncias (igualmente existentes nas duas anteriores con-
junturas) partia dos grupos dos professores que se opunham ao regime
poltico do Estado Novo. Dinamizado intelectualmente pelos professores
que trabalhavam na Fundao Calouste Gulbenkian e politicamente pelo
trabalho desenvolvido pelo Partido Comunista Portugus e por outros
agrupamentos polticos ligados aos movimentos oposicionistas, os docentes
ligados aos grupos de estudo davam corpo, nos estabelecimentos de ensino
pblico nos finais desta dcada e no incio da dcada seguinte , s de-
nncias relativas desvalorizao profissional e social da sua profisso.
Em substituio do tempo da tradio relacionado com a comunidade
domstica, estes professores clamavam pelo tempo da inovao, da
mudana e de um futuro antecipado, ligados comunidade cvica e

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 43-73, 1. sem. 2007


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comunidade industrial. A construo destas duas comunidades requeria


o desenvolvimento do plo da liberdade, ingrediente indispensvel para
a concretizao da modernidade educativa inacabada.
Do lado da comunidade industrial (requisitos tambm requeridos por
outros docentes que no integravam o grupo dos colegas que regista-
vam, pela pena, o seu ponto de vista crtico), o professorado tinha de se
transformar numa profisso real e no virtual. No punham em causa
o legado profissional traduzido na figura dos concursos pblicos para
a entrada na profisso, nem na figura das habilitaes acadmicas de
nvel superior os diplomas universitrios , nem to-pouco na figura
das habilitaes profissionais obtidas atravs duma formao profissional
nos liceus normais. Solicitavam do governo mais investimento pblico
para aumentar a produo e a produtividade do sistema, acautelando a
qualidade dos seus produtos.
Era necessrio aumentar a produtividade das universidades. O nmero
de diplomados era em nmero reduzido para as necessidades decor-
rentes do aumento da procura escolar. Era indispensvel aumentar o
nmero de metodlogos nos liceus normais para acelerar a formao
profissional. Finalmente, era inevitvel rever as metodologias da forma-
o profissional, em particular os mtodos de avaliao das competncias
profissionais, quer dos candidatos aos estgios, quer dos estagirios que
concluam a sua formao profissional.
De qualquer forma, a sustentao dessas medidas, e a necessidade de
provveis correces futuras, exigiam do Estado a satisfao de outros
dois requisitos fundamentais para estes professores. O primeiro tinha
a ver com a criao de um estatuto profissional. A sua decretao era
um importante instrumento para revitalizar a profisso docente, no
sentido de inverter o sentimento de mal-estar e o sentimento de perda
de prestgio social da profisso de professor.
O segundo respeita autorizao para a constituio de associaes pro-
fissionais. Os desafios colocados pela modernizao do sistema escolar
requeriam dos professores a possibilidade de eles se comprometerem
livremente na discusso de todas as questes ligadas aos domnios da
educao e da escola. A participao organizada e livre dos docentes no
debate sobre temas profissionais por exemplo, o debate volta das
questes a integrar num modelo de estatuto docente era tido como um
factor indispensvel para o revigoramento da profisso de professor.
Na verdade, para estes professores, particularmente para os professores
porta-vozes do movimento dos grupos de estudo, a questo profissional,

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apareceu associada aos problemas laborais ligados aos docentes even-


tuais e provisrios do Ensino Secundrio. Foi a situao tipificada de
experincia de uma privao relativa (MARAVALL, 1972) profissional
e econmica vivida por um conjunto de professores que tornou possvel
a produo social das denncias pblicas.
Do lado da comunidade cvica, esta situao tipificada de privao relativa
de carcter profissional e econmico no foi a nica experincia injusta
vivida por estes professores. A esta situao injusta podia acrescentar-se
uma outra situao tipificada de privao relativa. Neste segundo caso,
a referida situao tipificada estava ligada participao poltica.
Essas duas injustias a econmica e a poltica revestiam-se de contornos
muito semelhantes. O referido revestimento comum estava ligado ao meca-
nismo distributivo associado quer esfera econmica, quer esfera poltica.
Para esses professores os dois mecanismos distributivos, do ponto de vista
duma distribuio justa e ajustada, no funcionavam integralmente.
O primeiro mecanismo distributivo ligado ao mercado de trabalho no
reservava a estes docentes as mesmas vantagens, como acontecia com
os outros colegas. O exerccio duma mesma actividade profissional e a
atribuio de responsabilidades semelhantes como por exemplo, o
trabalho de classificao dos alunos e a participao nos exames de fim
de ciclo, que continuavam a apoiar sem aparentemente muitas reservas
no representavam, para os docentes eventuais e provisrios, as mes-
mas recompensas e vantagens econmicas e profissionais detidas pelos
outros seus colegas.
O segundo mecanismo distributivo relacionado com a esfera poltica
no produzia a mesma clivagem que o anterior, uma vez que todos os
docentes estavam privados da liberdade de fazer parte de uma qualquer
organizao associativa. Mas, para estes docentes, esta privao adquiria
um significado suplementar, uma vez que este constrangimento se juntava
privao de carcter econmico e profissional.
A aprendizagem poltica realizada aquando da passagem pela universi-
dade e as experincias de privao relativa vividas nas escolas justifica-
vam o julgamento feito por estes docentes sobre a importncia quer da
liberdade, quer da unidade do corpo reunida volta duma associao.
Tanto a liberdade como a associao profissional transformaram-se ento
em dois recursos virtuais, mais fundamentais, para o exerccio de uma
aco colectiva, coordenada e eficaz junto do Ministrio da Educao.
As formas identitrias e de representao plurais construdas a partir
das experincias de privao relativa identificadas e avaliadas por esses
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professores tornavam possvel explicar a sua compreenso sobre aquilo


que, mais tarde, se designou por mal-estar docente (ESTEVE, 1988, 1992;
RESENDE, 2001). De facto, a experimentao do mal-estar docente con-
gregava um desacerto entre expectativas antecipadamente construdas e
as suas realizaes no espao da escola quando os actores se confrontavam
com os problemas resultantes da sua actividade profissional.
O conhecimento prtico deste desencontro permitia a produo social de
todas as denncias j apontadas profissionais, econmicas e polticas.
As incongruncias, em termos do jogo de expectativas, reveladas com
o contacto directo dos professores denunciantes nos estabelecimentos
de ensino, ajudaram tambm a compreender o desajustamento entre a
sua identidade social virtual e a sua identidade social real (GOFFMAN,
1975, p. 12).
Por intermdio dos seus registos escritos, os professores que denuncia-
vam a situao precria do seu emprego particularmente os docentes
eventuais e provisrios identificavam-se como possuidores de uma
identidade magoada, ou melhor, ofendida (POLLAK, 1993), porque se
sentiam esquecidos e abandonados, quer pelos responsveis polticos,
quer pelos seus colegas efectivos, j instalados nos lugares de quadro.
Os referidos constrangimentos institucionais e as formas de representar
esta profisso amputada no imobilizaram os professores queixosos.
Como dispositivos prticos, uns e outros apresentavam-se tambm como
dispositivos de mobilizao, a partir dos quais era possvel construir o
regime de aco identificador da cidade cvica.

Abstract
The main purpose of this article is to question the meaning frequently
ascribed by some sociological perspectives to the concept of social and pro-
fessional identity. The reason to rethink this concept is linked, not only to
the new issues brought by the edification of the orderly and late modernity,
but also to the relations of proximity within the identity, the actor and his
regime of action of engagement established by the sociological discipline.
The plural expression in the edification of the professional identities of
Secondary School teachers in the 60s is understood in this text as crossed
sociological configurations consistent, ambivalent, inconsistent and con-
tradictory resulting from judgements and critical dispositions evidenced
by some spokespeople of the teaching body in the 60s in Portugal.
Keywords: social identity; professional identity; critical judgement; rre-
gimes of action.

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Notas
1
A tipificao est presente nos dois processos que concorrem para a construo de di-
ferentes formas identitrias: o processo biogrfico e o processo relacional. Cf. DUBAR,
C. La socialisation: construction des identits sociales et professionnelles. 2. ed. rev.
Paris: Armin Colin, 1998. p. 117-119. Se entendermos a tipificao como o trabalho
de categorizao no quadro de um nmero limitado de modelos socialmente signifi-
cativos (DUBAR, 1998, p. 117), cf. tambm as reflexes realizadas por Peter Berger e
Thomas Luckmann em A construo social da realidade. Petrpolis: Vozes, 1987.
2
Neste sentido, a identidade social e profissional pode ser analisada tendo em conta o espa-
o e o tempo entre distintas geraes. Tal como referido por Claude Dubar a articulao
entre o processo identitrio biogrfico e o processo identitrio relacional representa o
espao-tempo identitrio de uma gerao confrontada com outras no seu caminho bio-
grfico e no seu desdobramento espacial (DUBAR, 1998, p. 126). Contudo, ao tratar do
processo identitrio biogrfico importante conceb-lo na sua complexidade, uma vez
que a identidade biogrfica no se reduz nunca coerncia de um sistema de prefern-
cias ou constncia atravs do tempo do poder coercitivo de um sistema de socializao
(FABIANI, 2002, p. 45) Sobre a anlise das formas identitrias juvenis, as relaes s vezes
tensas entre os jovens e os pais e o processo de individualizao juvenil cf. PAIS, J. M.
Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993. p. 93-99.
3
Os processos complexos de comparao e distino acima referidos, porque imbrica-
dos e longos, esto de certa forma relacionados com os processos de identificao e de
identizao enunciados por Jos Madureira Pinto no seu artigo dedicado a formular
algumas Consideraes sobre a Produo Social de Identidade (1991).
4
Sobre os cuidados metodolgicos a ter na anlise das vidas narradas e produzidas
confrontar as reflexes realizadas por Jean-Louis Fabiani, O que resta do agente so-
cial?: a anlise sociolgica frente exemplaridade biogrfica e diminuio de si. Tem-
po Social, [S.l.], v. 14, n. 1, p. 33-65, 2002.
5
Quando o objecto a profisso os seus estudiosos convocam habitualmente um conjunto de
ingredientes tericos que tornam possvel a caracterizao de um ideal-tipo de actividade profis-
sional. Entre esses ingredientes destacamos: o conhecimento terico-abstracto; uma linguagem
prpria; termos cientficos e tcnicos a pedagogia, no caso do professorado ; uma prtica
profissional concreta e objectivada no trabalho pedaggico realizado pelos professores; as uni-
versidades e as academias como centros de credibilizao acadmica; a habilitao profissional
outorgada pelos modelos de estgio definidos juridicamente; os estabelecimentos de ensino que
constituem contextos organizacionais complexos e extensos medida que vai crescendo a pro-
cura escolar (BARROSO, 1991, 1995, 1996); o reforo do estatuto de assalariado resultante do
crescimento da morfologia escolar.

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6
Na verdade, nunca esteve no nosso horizonte estudar o professorado no quadro estrito da So-
ciologia das Profisses (RODRIGUES, 1997). Acantonar as reflexes que aqui desenvolvemos
numa sociologia especializada seria restringir demasiado as fontes de inspirao terica ao dis-
por j pela nossa disciplina. A recusa em adoptar os modelos profissionais aqui explorados tem
outras justificaes tambm importantes. A primeira o facto de concebermos o modelo profis-
sional como mera referncia analtica e que esse facto no lhe atribui nenhuma natureza gene-
ralizadora, nem nenhum carcter universal. Seguidamente, a adopo de um modelo acaba por
exigir uma perspectiva muito prxima das problemticas realistas sobre os factos que entendem
estudar com profundidade. O itinerrio realista normalmente escolhido por quem pensa que as
categorias sociais apresentam uma existncia prpria e que a sua realidade se expressa atravs
da juno de um conjunto de ingredientes nominalmente considerados, sem ter em conta as re-
laes que desenvolvem uns com os outros, os seus respectivos contextos e os seus respectivos
processos histricos.
7
No nosso Pas, esta limitao tambm j tem sido objecto de confrontos crticos elaborados por
alguns investigadores que julgam indispensvel alargar o mandato dos professores a fim de estes
se autonomizarem do estatuto de funcionrios pblicos (NVOA, 1991, 1998).
8
Esta questo tratada num estudo realizado por Desrosires e Thvenot sobre a formao da
nomenclatura socioprofissional francesa datada de 1982. Nas suas reflexes, verificamos que os
autores no tm dvidas sobre o facto de a definio do estatuto dos professores no levantar
aos tcnicos de estatstica qualquer tipo de ambiguidade susceptvel de criar impasses na sua
ordenao na referida taxinomia. A menor dificuldade sentida por estes especialistas na reunio
e classificao dos docentes deve-se ao facto de todos os seus membros realarem estatutos
precisos (DESROSIRES; THVENOT, 1988, p. 79).
9
Recorrendo a um outro estudo realizado em Frana, Chapoulie (1987) destaca o carcter proble-
mtico da questo pedaggica. Na verdade, o problema acaba por estar ligado prpria definio
institucional daquilo que a competncia profissional dos professores. A natureza frouxa e bas-
tante ampla desta definio torna possvel a produo de diversos entendimentos subjectivos da
parte dos seus principais destinatrios.
10
As razes prendiam-se com o facto de terem pertencido a uma gerao de professores do liceu
em que quase todos se conheciam, em resultado dos Congressos de Pedagogia dinamizados pela
revista Labor. Estas reunies de professores, com uma periodicidade anual, contribuam para
o estreitamento das relaes pessoais, o que favorecia o interconhecimento dos membros que
faziam parte deste corpo profissional. A revista Labor tinha iniciado a sua actividade nos anos
20 (1926) e era dinamizada, desde o seu aparecimento, por um pequeno grupo de professores do
Liceu de Aveiro.

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Mara Josefina Martnez*

Violencia Institucional y Sensibilidades Judiciales.


El Largo Camino de los Hechos a los Casos

A violncia institucional faz parte das rotinas do tra-


balho das foras de segurana dos estados modernos
e cada sociedade mais ou menos tolerante a ela em
concordncia com o desenvolvimento dos processos
histricos concretos da produo social da legalidade.
No contexto local, so muitos os fatos de violncia
institucional denunciados, mas poucos so julgados e
obtm uma sentena. Um olhar sobre a sensibilidade
judiciria mostra a existncia de uma atitude ctica que
suspeita dos relatos das vtimas desses fatos. A anlise
de um caso judicial no qual foi investigada a aplicao de
torturas, de forma massiva, aos presos de uma priso no
estado de Buenos Aires, mostra as circunstncias e os
obstculos para que um fato de violncia institucional
vire um caso judicirio.
Palavras-chave: violncia institucional; sensibilidade
jurdica; produo social da legalidade; torturas.

*
Universidade de Buenos
Aires UBA/Equipo UBA/
Equipo de Antropologia
Poltica y Jurdica.
76

La violencia institucional es al mismo tiempo una cuestin poltica y


una categora de anlisis (TISCORNIA, 2007), y en ambos casos repre-
senta un problema complejo de abordar sobre el cual este trabajo no
pretende encontrar definiciones totales sino apenas proponer algunos
puntos de anlisis para la discusin acerca de la forma en que la misma
es mirada y tramitada por la justicia o, dicho en otras palabras, acerca
de las sensibilidades judiciales hacia los hechos de violencia cometidos
por agentes estatales.
Para quien esto escribe la violencia institucional no puede ser estudiada
como una desviacin, ni como una perversin, ni mucho menos como
una serie de hechos aislados cometidos por funcionarios mprobos, sino
como una pieza fundamental de los dispositivos represivos de los estados
modernos, que debe ser analizada en el contexto del funcionamiento
real y cotidiano de las instituciones penales y no como un fenmeno
externo a ellas.
En su carcter de cuestin poltica socialmente tematizada, la violencia
institucional ocupa un lugar en las agendas pblicas de los estados mo-
dernos y los niveles de tolerancia hacia la misma estn estrechamente
vinculados con las sensibilidades legales (GEERTZ, 1994) locales. En
Argentina, la experiencia histrica del terrorismo de estado ejercido
por la dictadura militar entre 1976 y 1983 ha dejado una fuerte marca
frente a los hechos de violencia institucional, produciendo una serie
de gestos polticos y respuestas sociales que llegan hasta la actualidad
(TISCORNIA, 2000; CATELA, 2001; PITA, 2004).
Como herramienta analtica, la violencia institucional sirve para reflexio-
nar sobre los efectos del ejercicio de la fuerza por parte de integrantes
de las instituciones represivas del estado, a partir de la identificacin de
ciertas prcticas violentas ejercidas por dichos agentes en situaciones tales
como la persecucin, la detencin y la vigilancia del encierro de personas
sospechadas o condenadas por un delito, que se traducen en torturas,
golpes, disparos de armas de fuego, malos tratos, humillaciones, y que
pueden resultar en lesiones o en la muerte misma.
Estos hechos forman parte de las consecuencias esperables del ejercicio
del monopolio de la violencia legtima por parte del estado en general, y
los niveles de respeto de los derechos de las personas en el mbito de las
instituciones penales son inversamente proporcionales al uso concreto del
recurso de la violencia: a mayor uso de la violencia institucional, menor
respeto de los derechos. La violencia institucional y el respeto de los
derechos de las personas, en el contexto del estado de derecho, pueden

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ser pensados entonces como los dos extremos de una relacin siempre
tensa, nunca resuelta, y las explicaciones sobre los lmites a su ejercicio
deben buscarse en el plano de las sensibilidades legales y la tolerancia
de los distintos grupos sociales frente a sus efectos.
Antes de avanzar, me apuro a aclarar algo importante: como ciudada-
na comparto la expectativa poltica de llegar a un estado en donde la
violencia institucional directamente no sea ejercida y en tal sentido no
me resigno, pero descreo profundamente de las teoras que la dan por
abolida por anticipado echando mano a la mera invocacin de las reglas
del estado de derecho. Porque un estado en el que el ejercicio de la vio-
lencia institucional sea mnimo o inexistente, para el caso que fuera ello
posible, ser en todo caso el resultado de largusimos y muy complejos
procesos histricos, y no de aplicacin mecnica de leyes.
Pensar lo contrario puede llevar a visiones de la realidad como la de ese
fiscal que a pocos meses de implementada la reforma procesal penal
del ao 1998 en la provincia de Buenos Aires1 me comentaba con total
certeza: No hay ms torturas en la provincia de Buenos Aires, no puede
haberlas porque ya no tiene sentido que le peguen a un detenido si la
confesin en sede policial no tiene validez. Esta afirmacin encierra,
ciertamente, una curiosa forma de reducir la realidad a lo que ella de-
bera ser en trminos de las normas.

La violencia institucional y la produccin social


de la legalidad
Esa forma de leer la realidad tiene una historia terica y, tal como sostiene
Dario Melossi (1989), ese desdoblamiento se vincula con lo que dicho
autor llama la doble teora del estado de Weber.

Si la forma del estado se basa en la legitimacin, segn Weber, tambin


se fundamenta en la ley, porque la forma moderna y especfica de legi-
timacin es la legitimacin racional que se basa en la legalidad [...] Por
consiguiente la interesante pregunta que quedaba por contestar se refera a la
explicacin sociolgica de la orientacin de los miembros de la sociedad hacia
la legitimidad de la autoridad. [] Las recomendaciones metodolgicas
de Weber, con la referencia que hacan a la produccin social real de
legalidad dentro de la disciplina especializada de la jurisprudencia as
como a la orientacin prctica de los miembros de la sociedad hacia
dicha produccin [...] hubieran ofrecido un punto de partida slido
para una sociologa del estado (WINCKELMANN, 1956).

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Sin embargo, en la senda hacia una indagacin concienzuda de los
fundamentos de la legitimacin se encontraba un buen nmero de
obstculos; y stos, creo, fueron los que instaron a Weber a aceptar la
solucin de Jellinek, con su hincapi en un concepto de estado sociol-
gico formal (MELOSSI, 1992, p- 95-96, el resaltado me pertenece).
Retomando estas reflexiones de Melossi, podemos considerar que en el
planteo de Weber est el punto de partida de dos explicaciones posibles
del estado, complementarias, que oficiaron como instrumentos de cons-
truccin de los estados del siglo XX con pesos dispares: por un lado, una
explicacin normativa, formal, legal, que es la que en definitiva devino
en poderosa herramienta de reflexin y creacin del estado moderno,
que se corresponde con su teora jurisprudencial del estado; por el otro,
una explicacin sociolgica que qued a medio camino, no logr tan
rotundo xito acadmico, y en alguna medida sobrevivi subordinada a
la primera, y que estaba en potencia en lo que Weber pens como teora
sociolgica del estado.
Esta teora sociolgica del estado es una interesante herramienta analtica
para abordar la cuestin de la produccin social real de la legalidad, esto es, el
proceso histrico de configuracin de las visiones sobre la legalidad que se
da en cada sociedad especfica, que a su vez est atravesado por procesos
ms generales de reproduccin social y por las tradiciones sobre las cuales
ellos se asientan (LIMA, 2005). Las sociedades actuales tanto las llamadas
occidentales como las ms recientemente occidentalizadas ofrecen en
cada caso una configuracin particular de los espacios institucionales en los
que se produce el intercambio cotidiano entre los grupos que ocupan los
espacios estatales de administracin del poder penal y los grupos que por
distintos caminos llegan a una situacin de interaccin con las instituciones
del sistema penal, sea porque recurren a ellas en busca de reparacin por
medio del castigo o bien porque son perseguidos y alcanzados por ellas
para la investigacin y el castigo de algunas de sus acciones.
En el nivel local, en este sistema de intercambios los hechos de violencia
institucional ocupan un papel central y la sensibilidad judicial, esto es, las
visiones de los funcionarios judiciales que deben investigarlos y castigar-
los, son determinantes al momento de dar crdito o no a las denuncias
de las personas privadas de su libertad o acusadas de algn delito que
son vctimas de estos crmenes de estado. Y ello incide directamente
en el nivel de tolerancia a la violencia institucional y en los procesos de
produccin social real de legalidad en el contexto local.
A continuacin presentamos el anlisis de la investigacin judicial de

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 75-94, 1. sem. 2007


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una denuncia de aplicacin de tortura a todos los presos de una crcel:


la Unidad 29 de Melchor Romero, en la Provincia de Buenos Aires,
con el objetivo de identificar y explicar las formas concretas en que los
jueces toman conocimiento, intervienen y toman decisiones y resolucio-
nes frente a estos casos de denuncia de violencia institucional, en tanto
entendemos que ello se vincula directamente con los procesos locales
de produccin social de la legalidad. Ello ser analizado a partir de la
importancia de la escritura en el trmite judicial y la forma fragmentaria
en que los relatos se van reuniendo, entendiendo que ello configura
una forma particular de construccin de una verdad judicial acerca de
la violencia institucional.

Un caso judicial que investiga la aplicacin masiva


de torturas
Corra el ao 2001, y en Argentina se viva un periodo de grave crisis
econmica, poltica y social. Poco tiempo antes, en el ao 2000, el en-
tonces gobernador de la provincia de Buenos Aires haba impulsado y
logrado la sancin parlamentaria de una ley que recurra sin metforas
al encarcelamiento masivo como respuesta al problema de la seguridad
pblica, a travs del establecimiento de parmetros de excarcelacin
tan altos e imposibles de cumplir en el contexto local, que tuvo como
resultado casi inmediato una situacin de encarcelamiento masivo.
Los jueces comenzaron inmediatamente a aplicar la nueva ley de (no)
excarcelacin, y como consecuencia de ello las crceles de la provincia,
ya superpobladas, alcanzaron hacia fines del ao 2001 una situacin
de hacinamiento en las que la poblacin real casi duplicaba la cantidad de
lugares para el encierro de personas en las crceles de la provincia. Con
las crceles llenas, fueron las comisaras policiales las que empezaron a
desbordar de presos y llegaron a tener ocho mil personas all encerradas;
como ejemplo de la gravedad de la situacin, un funcionario judicial nos
relat que en una de ellas los presos estaban tan apretados en las celdas
que no podan estar todos sentados al mismo tiempo.
A fines del ao 2001, como un efecto directo de esta situacin, un proceso
judicial de habeas corpus2 se abri camino a travs de la burocracia judi-
cial de la provincia de Buenos Aires. El expediente se inici a raz de la
denuncia por torturas realizada por la madre de uno de los presos, y fue
seguida de una serie muy larga de denuncias por torturas, malos tratos y
violacin masiva de derechos humanos en una crcel en particular. Aqu
se analizarn las caractersticas especficas y el camino seguido por este

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caso a lo largo del tiempo que dur el trmite judicial, con el objetivo de
identificar la forma en que distintos funcionarios judiciales reconocen
e interpretan los hechos de violencia institucional y las intervenciones
que realizan al respecto.
La Unidad 29 de Melchor Romero es una crcel de mxima seguridad
inaugurada hace no ms de 20 aos, dotada de un sistema unicelular de
alta seguridad, con capacidad parra 220 detenidos y cmaras de video
en casi todas sus dependencias. En el ao 2001, y en el contexto de la
situacin de sobrepoblacin y hacinamiento carcelarios descrita ms ar-
riba, sta era una de las pocas crceles de la provincia que tena menos
detenidos que el nmero que poda albergar.
Como muchos otros establecimientos, la Unidad 29 estaba por esos das
segn el relato de algunos funcionarios judiciales llena de presos muy
jvenes, provenientes de sectores marginales de la poblacin y sin un
gran prontuario sobre sus espaldas, que en su mayora no tenan detrs
de ellos persona alguna que fuera a presentar un habeas corpus ante un
juez denunciando lo que pasaba y pidiendo sacarlo de all. Sin embargo,
algunas denuncias comenzaron a llegar a los tribunales y un juez entre-
vistado rememor la situacin general en los trminos siguientes:

En ese momento nosotros comenzamos a recibir habeas corpus con


gente golpeada de distintas crceles, que mostraban una metodologa
difusa o dispersa, distinta de la metodologa concentrada que se dio
en la Unidad 29, donde ms que pegarles un poco le aplicaban una
tortura sistemtica [...] lo ms grave que vimos all fueron tres o cuatro
personas muy golpeadas, intensamente golpeadas, que tenan golpes
en la planta de los pies.
Segn la visin de este juez, entonces, el Servicio Penitenciario maltrataba
y golpeaba a los presos de todas las crceles, pero la aplicacin de tortu-
ras en la Unidad 29 era una prctica ms intensa, sistemtica. Las actas
del expediente, si bien escritas en un lenguaje judicial, son minuciosas
en la descripcin de las torturas sufridas por los presos, pero en lo que
sigue ahorraremos a quien esto lee los detalles de ribetes morbosos. Lo
nico que interesa aqu es reconstruir la cronologa de las denuncias de
torturas en la Unidad 29, atendiendo fundamentalmente al transcurso
del tiempo y a la forma en que las mismas fueron configurando un caso
que lleg a lograr llamar la atencin de los funcionarios judiciales.
El primer hecho denunciado en el expediente data del 25 de abril de
2000: un preso de la Unidad 29 denuncia ante su defensor del Depar-

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tamento Judicial de La Matanza que ha sido amenazado y fue herido, y


pide que se le consiga un traslado.
Otro preso, presenta dos habeas corpus con una diferencia de seis meses
(el 7 de junio de 2000 y el 20 de febrero de 2001) donde pide que lo
saquen de la Unidad 29 porque el personal penitenciario lo persigue y
lo golpea, a raz de un problema similar que tuvo en el mismo estable-
cimiento en el ao 1998 y por el cual ahora se lo acosa. El preso, segn
la traduccin hecha por el/la empleado/a judicial que tom el acta de la
audiencia, cuenta la situacin en los trminos siguientes.

Se encontraba alojado en la Unidad 23 desde haca siete meses apro-


ximadamente, donde se encontraba conforme con las condiciones de
alojamiento y se desarrollaba diversas actividades sin problemas. El da
8 de febrero de 2001, sin motivo por l conocido, fue trasladado a la
Unidad 29. Puso en conocimiento del Tribunal que result vctima de
acciones prima facie constitutivas de delitos de accin pblica por parte
del personal [...]. Afirm que anteriormente tuvo inconveniente en esa
misma dependencia, que present la denuncia en el mes de noviembre
de 1988, que consta adems en un habeas corpus que tramit por ante
este tribunal, que los problemas que ahora se presentaron se remon-
tan a la denuncia que radic en esa oportunidad. Asimismo relat con
detalle lo ocurrido desde su llegada a la dependencia, dando cuenta de
diversas ocasiones en las que fue amenazado y golpeado por distintos
funcionarios. Neg haberse provocado lesiones a s mismo. Solicit el
inmediato traslado de unidad.
En julio de 2000, dos defensores oficiales del Departamento Judicial de
San Martn visitan la Unidad 29 y relevan una situacin que describen
en los trminos que se transcriben a continuacin.

Con motivo de la visita realizada a la Unidad 29, se tom conocimiento,


a raz de una visita sorpresiva de estos dos defensores oficiales, que en
la mencionada unidad existira un rgimen sistemtico de golpizas,
consistente en trasladar a los internos al sector de Sanidad (donde no
hay cmaras de video) y proceder a golpearlos, en ocasiones en pre-
sencia de los mismos mdicos de la Unidad y mientras permanecen
esposados, con los puos, puntapis y bastones de goma, dejndolos
all alojados hasta que desaparezcan las marcas, recibiendo por otra
parte diversas amenazas y presiones psicolgicas.
En el mes de julio de 2000, un preso de la Unidad 29 presenta habeas
corpus ante la Cmara de Apelacin y Garantas de San Isidro, denuncian-

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do que all es golpeado frecuentemente (2 o 3 veces por semana) por los


guardias (entre 5 y 10 guardias), quienes lo sacan de la celda y lo llevan
a un sector donde no hay cmaras de video y all lo golpean. Tambin
fue amenazado de muerte en forma personal por el jefe del penal.
El 14 de julio de 2000, cuatro presos de la Unidad 29 presentan habeas
corpus por estar sufriendo torturas. El mismo da, otro preso de la misma
unidad carcelaria interpone un habeas corpus donde relata la situacin
en los trminos que se transcriben a continuacin.

El jefe del penal y el jefe de requisa le pidieron colaboracin para


trabajar para ellos, que l se neg y como consecuencia recibi golpes
con una cachiporra en la cabeza y en distintas partes del cuerpo, que
les dijo que no le hagan parte disciplinario contestando ellos que esta-
ba bien, que slo van a dejar constancia de las lesiones como si fuera
un accidente llevndolo a los buzones en los que estuvo 5 das... que
aproximadamente a los 20 das despus sucedi exactamente lo mismo
repitindose los golpes, registrndose estos como si fuera un accidente.
El mismo da a su vez tambin aplicaron la sancin disciplinaria de la
cual no se lo notific. Que un da lo llevan a Sanidad, le sacan sangre,
que les pregunt para qu, recibiendo como contestacin que slo
era por rutina. A [...] das de ello lo llaman nuevamente, el mdico de
sanidad le comunic que tenia HIV positivo [...] provoc un estado
depresivo estando un par de das sin bajar al patio, que cuando lo hizo,
[...] encargados se burlaron rindose de l, repitindose la situacin
casi todos los das. Que a [...] das de haberse enterado del resultado
del anlisis el mdico de la unidad le manifest que se [...] de un error
en los estudios y que entonces no estaba enfermo, que despus al salir
continuaron [...] y risas por parte de los encargados y enfermeros... el
jefe del penal le dijo que si haca la denuncia de lo ocurrido y volva
al penal lo van a matar.
En el ao 2000 (el 31 de agosto y el 1 de diciembre) dos presos ms de la
Unidad 29 interponen habeas corpus, y en el primer semestre del ao 2001
dos presos ms denuncian torturas a travs de ese recursos judicial.
Entre el 11 de agosto y el 31 de octubre de 2001, en el expediente se
renen diez presentaciones ms de habeas corpus con denuncias de tor-
turas en la Unidad 29.
En el mes de noviembre de 2001, en el transcurso de unos pocos das,
en una de las salas de la Cmara de Apelaciones se reciben alrededor de
120 presentaciones de habeas corpus realizadas por personas presas en la

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Unidad 29, reunidas en un solo expediente colectivo que se transforma


en el habeas corpus cuyo trmite analizaremos a continuacin.
La cronologa precedente nos lleva a tomar en cuenta la enorme exten-
sin en el tiempo del problema: en abril de 2000 casi dos aos antes de
la denuncia masiva producida en noviembre de 2001 ya circulaba por
distintos tribunales una importante cantidad de denuncias por hechos
de torturas en esa crcel y, sin embargo, tardaron en llegar a convertirse
en un caso judicial por aplicacin de torturas generalizadas.
Durante los dos aos precedentes, fueron muchos los funcionarios judi-
ciales que recibieron en sus escritorios expedientes de habeas corpus que
hablaban de lo mismo, en trminos notoriamente parecidos, sealando
a menudo a los mismos guardiacrceles como golpeadores y torturado-
res. Y sin embargo, esto no desencaden ninguna intervencin general
e inmediata de la justicia ms all de la decisin de trasladar (o no) al
preso denunciante a otra crcel.
Los contextos y los motivos que permiten entender por qu los distintos
funcionarios que recibieron esas denuncias no generaron una interven-
cin ms general no son fcilmente aprehensibles y recin comienzan a
iluminarse cuando se focaliza el anlisis en las formas concretas a partir
de las cuales casi dos aos despus se organiza y desarrolla la interven-
cin del tribunal que decide tomar el caso como un todo y avanzar en
la investigacin. Estos jueces deciden traer a su espacio a los presos para
que, en persona, relaten lo que est ocurriendo en la crcel; no otra
cosa significa la expresin habeas corpus: se trata de un antiguo recurso
originado en el derecho ingls que dispone la presentacin corporal del
preso ante las autoridades. Slo as los jueces llegan a ver y escuchar los
hechos de boca de las vctimas, creen en la verdad de lo que relatan, y
a partir de ello resuelven intervenir.
As fue como, despus de dos aos de trmites previos, muchos hechos
de violencia institucional llegaron a convertirse en un caso judicial. Para
analizar el complejo camino recorrido para llegar de aquellos hechos a
este caso, en lo que sigue se focalizar en el anlisis de la forma fragmen-
tada en que en el mundo judicial se va configurando el expediente escrito
y la lgica de la escritura a partir de la cual se organizan los hechos.
La cronologa reconstruida precedentemente muestra que el orden
cronolgico de los hechos denunciados que presenta el expediente no
coincide con el orden temporal de configuracin del expediente mismo,
porque este ltimo no opera con una lgica cronolgica sino con otro

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tipo de lgica que tiene que ver con el tiempo judicial y con la lgica de
la prueba (MARTNEZ, 2001).
El expediente del habeas corpus colectivo que es objeto de este anlisis co-
menz con las presentaciones simultneas de un gran nmero de presos
en noviembre de 2001, y es a partir del conocimiento judicial de esos
hechos que el tribunal comienza a pedir a otros jueces los expedientes
iniciados por hechos parecidos. As, van llegando al escritorio de los
jueces de ese tribunal una serie de habeas corpus presentados durante
los dos aos anteriores que hablan exactamente de lo mismo, y que ha-
ban sido vistos por distintos jueces y fiscales, pero no por estos jueces
que ahora los reciban.
Si se mira el tema desde la perspectiva de estos funcionarios judiciales,
ellos llegan al conocimiento de los hechos de una forma retrospectiva,
que va desde el presente hacia atrs. No hay una intervencin sobre el
problema a partir de la multiplicidad de hechos aislados, sino solamente
a partir de una decisin expresa de uno o varios jueces que deciden
escuchar el conjunto de voces que denuncian lo mismo.
El proceso, segn el relato de uno de los jueces del tribunal que tramit el
caso, comenz con la presentacin de un habeas corpus por parte la madre
de un preso de la Unidad 29, a partir del cual el tribunal comenz a citar
a su despacho a cada uno de los presos que haba denunciado torturas
y malos tratos, para escuchar el relato en forma directa.
Esos hombres, segn relatan los empleados que tomaron las audiencias
y el propio juez que tambin estaba presente en ellas, llegaban bastante
golpeados y todos coincidan en denunciar que estaban amenazados por
los guardiacrceles. Algunos, a su vez, presentaban habeas corpus por sus
compaeros que aun no lo haban hecho. El expediente lleg a contener
la denuncia por torturas de unas 140 personas, es decir la casi totalidad
de los presos alojados en ese momento en la Unidad 29.
En la trascripcin que sigue, el juez al mismo tiempo relata y analiza ese
primer momento del expediente:

El primer caso llega por el habeas corpus que presenta la madre de


un preso. Estas cosas son secretos inguardables. Ellos [se refiere a las
autoridades del Servicio Penitenciario] creen que pueden guardarlos,
que pueden hacer esto. Pero aparte fjese que es contradictorio, porque
cmo se va a tapar si lo que quieren es que se sepa en la tumba, en la
tumba de la comisara para calmar la rebelin y que no invadan las
crceles. Porque lo que no quera el Jefe del Servicio Penitenciario de ese

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momento es que le invadieran la crcel con todo el chiquitaje,3 porque


en realidad convertan la crcel en un gran kindergarten superpoblado,
de chicos todos desarreglados que no hay cmo ponerlos en rgimen,
porque lo que hay que hacer es decirles vamos a levantarnos temprano
y vamos a hacer gimnasia, para empezar hay que comer bien, dormir,
hay que empezar por ah, por lo primero, por lo que empieza un padre.
Y ellos no estn para eso. Entonces ah nosotros intervenimos sobre los
ciento cuarenta y pico, y ah empezamos a llamar ms, a traer gente.
La lectura de este relato del juez que, en primera persona, reconstruye la
forma en que se form el expediente de habeas corpus, muestra la impor-
tancia que este funcionario da al hecho de traer a los presos a sus escrito-
rios, escuchar sus relatos, ver las marcas de los golpes que presentan.
Es aqu donde aparecen ciertos elementos que ayudan a entender esa
particular lgica del expediente que no es cronolgica sino de configu-
racin de una verdad de los hechos a partir de fragmentos de relatos de
distinto orden: en la lgica de la formacin del expediente, solamente la
acumulacin de lo escrito fragmentario hace posible la exposicin oral
de una persona presa contando los hechos frente a un juez o tribunal,
los que a su vez volcarn eso por escrito para continuar la lgica de la
construccin del expediente.
Ahora bien, cabe preguntarse qu elemento oper para hacer posible el
cambio de perspectiva de la intervencin judicial, y pasar de una serie
de jueces y fiscales dispersos que no prestan odo a las denuncias, a un
tribunal que s escucha el reclamo y decide tomar intervencin.
A la luz de las creencias del fiscal citado ms arriba, quien sostiene que los
casos de torturas no son tantos como se piensa, el elemento que marca la
diferencia es el cambio de postura del funcionario que lee la denuncia, y
pasa por el crdito que cada uno de ellos le otorga al contenido de lo que
le llega por escrito. En la mayora de los casos, los funcionarios descre-
en a priori de la veracidad de la denuncia y prejuzgan que el preso est
buscando solamente mejorar las condiciones de detencin y pasar a otra
crcel o comisara, y en consecuencia en el mejor de los casos lo traen a
su despacho y le toman audiencia slo para cumplir las formas del pro-
cedimiento, pero escuchndolo desde esta postura escptica, que deriva
en un interrogatorio en donde el preso que denuncia es colocado en el
lugar de sospechoso que debe ser indagado (Martnez, 2005). Cuando
un juez o un tribunal, en cambio, dan crdito al contenido de lo que les
llega por escrito, cuando estn frente a frente con el preso que denuncia
lo toman efectivamente como una vctima y lo escuchan como tal.

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El tema de las intervenciones concretas de los funcionarios y las creencias


sobre las que las mismas se asientan, nos remite a ciertos puntos de la
confrontacin simblica de modelos que, en el contexto local, galvaniza
posiciones encontradas: la dicotoma modelo inquisitivo escrito versus
modelo acusatorio oral (BOVINO, 1998; THOMAS, 2001; LIMA, 2005;
EILBAUM, 2004). Desde nuestra perspectiva, el caso analizado nos pro-
porciona algunos elementos que contribuyen a complejizar la cuestin,
porque al conducirnos ms atrs del momento ritual del juicio nos mues-
tra que ese eplogo oral incluye asimismo todas las visiones previas de
los funcionarios acerca de la cuestin: en el contexto local, el juicio oral
slo es posible por la acumulacin de elementos que han sido reunidos
y clasificados de acuerdo a la lgica de lo escrito (GOODY, 1990).
Los jueces y fiscales que fundan su saber en la creencia de que la mayo-
ra de las denuncias de torturas presentadas por los presos son falsas y
solamente buscan sacar una ventaja y obtener una mejora en sus con-
diciones de encarcelamiento, se estn colocando desde el inicio en un
lugar desde el cual no es posible ni escuchar, ni ver, ni constatar lo que
por otra parte los presos no les van a decir, al percibir el posicionamiento
inicial de descreimiento.
En consecuencia, poner el nfasis en la oralidad como mecanismo sin
tomar en cuenta la compleja dimensin de los contextos de dilogo en los
que ella se produce, entre sujetos ubicados en posiciones diferenciadas,
oculta la importancia que tienen las visiones y representaciones que las
partes involucradas en ese dilogo vinculadas por una relacin marcada
por todas las desigualdades , las cuales delimitan las posibilidades del
surgimiento de una verdad judicial.
Los contextos sociales en que se da la interaccin entre los sujetos en el
caso analizado (funcionarios judiciales de un lado, presos del otro), estn
delimitados por los estrechos mrgenes en que se produce la interaccin
entre una poblacin encarcelada que, parafraseando a Marx, no funciona
como un grupo para s y en consecuencia ve muy limitada su capacidad
de imponer su versin de los hechos, y una serie de funcionarios que
descreen abiertamente de las versiones de los presos.
La distancia social que separa a unos de otros es la que marca, en defi-
nitiva, los lmites de un intercambio desigual de relatos y confianzas. El
particular lugar social que ocupa el preso es mirado por los funciona-
rios a travs del prisma de la sospecha, y en consecuencia el peso de su
palabra se halla muy devaluado frente a los discursos institucionales de
sus carceleros. En alguna medida, denunciar a sus carceleros significa
para los presos denunciar al mismo estado que los va a juzgar o ya los
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ha juzgado por algn crimen, y en alguna medida su denuncia, de no


ser probados los hechos, puede devenir en un nuevo crimen como es el
de denunciar al soberano, esto es, un crimen de lesa majestad.

El camino judicial de los hechos a los casos


El funcionamiento de las instituciones penales locales supone la ocur-
rencia casi cotidiana de hechos de violencia institucional, y de acuerdo
al modelo del estado de derecho, fundado en la divisin de poderes,
es el Poder Judicial la institucin que debe ocuparse de investigar y
castigar esos hechos.
El universo de lo que aqu consideramos como violencia institucional
rene un conjunto heterogneo de hechos que se reconocen como tales
a partir de una serie de clasificaciones yuxtapuestas, de las cuales hay
dos que es importante resaltar. En primer lugar, tenemos la clasificacin
jurdica establecida por los tipos del Cdigo Penal, que prev algunas
figuras especficas como torturas y apremios pero que admiten tambin
el uso de figuras generales como el homicidio y las lesiones para calificar
ciertos actos de violencia cometidos por integrantes de las fuerzas de
seguridad. En segundo trmino, tenemos las taxonomas sociolgicas
que trasmigran constantemente entre las ciencias sociales y la opinin
pblica condensada en los discursos periodsticos, campo del cual surgi
la muy conocida categora de muertes por gatillo fcil pero tambin otras
tales como malos tratos, razzias y varias ms que sin estar estrictamente
definidas en el cdigo son utilizadas a la hora de definir el universo de
casos. Las definiciones de una clasificacin no necesariamente coinciden
con las de la otra, dando lugar a un complejo proceso de construccin
social de los delitos (MISSE, 2005), en este caso particular de los delitos
cometidos desde el estado.
La categora violencia institucional funciona como un gran paraguas
bajo el cual se rene una cierta cantidad de imgenes, representaciones,
presupuestos y prejuicios. Esto forma, digmoslo as, un sentido comn
social, pero tambin un sentido comn jurdico y sociolgico. Cuando
en nuestro mbito discutimos sobre violencia institucional todos creemos
entender de qu estamos hablando. Y sin embargo, entre las clasifica-
ciones legales del Cdigo Penal y las clasificaciones sociolgicas y del
sentido comn social existe una brecha sutil que configura representa-
ciones diferentes para los distintos grupos sociales y sobre los mismos.
Los funcionarios judiciales tienen por lo general una idea muy distinta
de lo que son las torturas, por ejemplo, que los representantes de las

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organizaciones de derechos humanos o las personas que integran los


distintos grupos del colectivo social.

Podemos ejemplificar esto a travs de una situacin ocurrida durante el


trabajo de campo; en el marco de un proyecto de investigacin llevado
adelante con una organizacin defensora de derechos humanos, me
tocaba entrevistar al Fiscal a cargo del rea de Tortura de la Fiscala
General de un distrito judicial del Gran Buenos Aires. Llegu a su
despacho, y luego de las presentaciones de rigor el funcionario abri la
charla informal con la siguiente afirmacin: la mayora de las denuncias
por torturas son falsas, los presos slo buscan mejorar su situacin y lo
nico que quieren es que los trasladen a otra crcel.
Esta afirmacin nos pone frente a la cuestin de las percepciones de
ciertos funcionarios judiciales sobre los hechos de violencia institucional,
y pone en evidencia que la sola existencia de esos hechos no basta para
que la maquinaria judicial de investigacin se ponga en marcha, sino que
es necesario que se conjugue una serie de elementos que hagan posible
la transformacin de hechos rutinarios en casos judiciales que merezcan
una investigacin exhaustiva. Este camino de transformacin de los he-
chos en casos no est libre de obstculos, tal como lo muestra la ancdota
de campo mencionada: para ese funcionario, el relato de una vctima
parece no ser suficiente, incluso si le es contado sin intermediarios; su
saber adquirido en el oficio le hace sospechar la simulacin all donde
el discurso refiere a hechos atroces. Y esta sospecha, esta desconfianza,
bloquea el camino del hecho al caso.
La violencia institucional o, mejor dicho, los hechos a los que hace
referencia esa expresin compleja, no es una cuestin totalmente des-
conocida en el mundo tribunalicio y son muchos (aunque no todos) los
funcionarios judiciales que reconocen, al menos desde una perspectiva
abstracta e indeterminada, la existencia de prcticas tales como golpes,
malos tratos e inclusive muertes producidos por policas y guardiacrceles
sobre personas a las que cotidianamente persiguen, detienen y vigilan en
su encierro. Aun reconociendo su existencia, estos funcionarios parecen
considerar esa dimensin de la violencia institucional como un tema que
escapa en principio a su esfera de actuacin directa y por lo general el
inters no pasa de una prctica de estar informado y mostrar conoci-
miento de las caractersticas del mundo carcelario o policial.
Solamente en algunas situaciones puntuales y especficas esos funciona-
rios judiciales se ven obligados a intervenir: son los casos concretos que
llegan a sus despachos en forma de denuncia, y que entran en la esfera

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no ya del mero conocer o estar informado, sino de la obligacin de tomar


conocimiento (una expresin propia de la jerga judicial) e intervenir.
Esa toma de conocimiento y esa intervencin judicial se ponen en mo-
vimiento a partir del relato de un hecho que aparece denunciado por
escrito y no sobre la informacin trasmitida en forma oral que puede
llegar a travs de distintos mecanismos tales como las visitas a las crce-
les, la conversacin informal con presos o con otros funcionarios. As, el
problema llega al funcionario envasado en un formato de expediente
penal donde se plasma por escrito el relato del hecho ya producido
enunciado en las denuncias de las vctimas, sus familiares o algunos
funcionarios. En estos casos, la situacin exige del fiscal o el juez una
intervencin que, en teora, implica investigar lo ocurrido y castigar a
los responsables del delito.
Ahora bien, la posicin externa en que se colocan los funcionarios al
abordar la cuestin desde aquella perspectiva abstracta e indeterminada,
los lleva a veces a adoptar una actitud algo ambivalente hacia la existencia
de casos de torturas en las crceles y las comisaras: existen hechos de
violencia, pero tampoco son tantos y tan graves; en la mayora de los
casos los presos no quieren impulsar la investigacin sino conseguir un
traslado a otra crcel; no llegan a los tribunales porque los presos no
quieren denunciarlos por temor a las represalias y otras afirmaciones
parecidas aparecen a menudo en las conversaciones con actores del
mundo judicial.
Contraponindose a esa percepcin, algunas cifras sugieren la presen-
cia regular dentro de las crceles de una serie de hechos de violencia
cuyas causas y caractersticas nunca llegan a ser fcilmente aprehensi-
bles desde el exterior, pero que a posteriori, en aquellos casos en que
logran atravesar las densas capas burocrticas y son denunciados ante
la justicia, es frecuente la constatacin de que son producto de torturas
y malos tratos.
He aqu algunos nmeros que sirven de para ilustrar la cuestin. El n-
mero de las llamadas muertes traumticas (bajo esta denominacin, los
registros del Servicio Penitenciario Bonaerense incluyen las muertes por
heridas de arma blanca, ahorcamiento, asfixia y quemaduras, entre otras)
en las crceles de la provincia de Buenos Aires creci casi un 150% entre
los aos 2000 (26 casos) y 2004 (63 casos). En el ao 2004 hubo adems
3.792 presos lesionados, lo que significa que en ese ao el 15 % de la
poblacin carcelaria total de 25 mil personas sufri algn tipo de lesiones
(LITVACHKY; MARTNEZ, 2005). Para el ao 2007, el Comit Contra
la Tortura de la Comisin Provincial por la Memoria obtuvo un dato ms
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especfico a partir de la informacin oficial enviada por las autoridades


carcelarias a la justicia en cumplimiento de la Acordada N 2.825 de la
Suprema Corte provincial, y proyectando las cifras correspondientes al
primer cuatrimestre del ao estim una cifra anual de 6000 hechos de
violencia con consecuencias de lesiones para los presos.
Dentro de esta categora de lesionados, la cifra ms llamativa es el nmero
total y la evolucin de las denominadas autolesiones, es decir, lesiones
que aparentemente (segn el relato oficial) los presos se provocan a s
mismos: en el ao 2000, el nmero de presos autolesionados (segn
cifras del propio Servicio Penitenciario) fue de 466, en tanto que en el
ao 2004 fue de 1283, lo que significa un crecimiento de casi el 180%
(LITVACHKY; MARTNEZ, 2005). En una institucin de caractersticas
totales, con una fuerza militarizada controlando cada uno de los espacios
donde las personas presas viven encerradas, es difcil pensar que todos
estos hechos de violencia se desarrollen totalmente al margen de la capa-
cidad de intervencin de los carceleros. La cifra de torturas encerrada en
esta oscura masa de hechos de violencia es difcil de desentraar, y ello
no es el objetivo de ese trabajo. De todos modos, no es difcil concluir
que existe entre ellos una relacin a analizar.
El contraste entre el grado de violencia que visiblemente se da en las
crceles y la actitud por lo menos negadora de algunos funcionarios
judiciales con respecto al fenmeno de la tortura, exige para su anlisis
un cuidadoso ejercicio de distanciamiento, a fin de colocar el problema
en una pregunta que sirva para echar sobre l alguna luz. El eje de
anlisis no se apoya tanto en la pregunta acerca de cmo es posible que
ese funcionario o esos funcionarios, descrean, nieguen, ignoren algo
que muchas personas desde el sentido comn consideran una verdad
incontrastable, sino ms bien en la indagacin acerca de qu es lo que
ellos ven, en qu tiempos y con qu instrumentos se construye esa visin,
con qu elementos del contexto se vincula, y de qu manera estos fun-
cionarios deciden intervenir o no intervenir a partir de esas visiones y
contextos.

***

El expediente analizado reuni todos los hechos de torturas denunciados


por los presos de una misma crcel, y al hacerlo configur en lenguaje
judicial una verdad que hasta ese momento slo circulaba por los pa-
sillos de los tribunales como un rumor, sin provocar la intervencin de
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los funcionarios. El hbeas corpus de noviembre de 2001 muestra que los


hechos de violencia institucional deben recorrer un largo camino hasta
llegar a convertirse en un caso judicial y que solamente unos pocos
logran llegar a serlo; y en ese recorrido deben sortear una serie de
obstculos vinculados principalmente con dos cuestiones. Por un lado,
la forma escrita, fragmentaria y de tradicin inquisitiva que opera en
la construccin de los relatos del expediente judicial, impone un tiem-
po y una lgica particulares a las investigaciones judiciales que, en el
caso de los hechos de violencia, prioriza las cuestiones formales antes
que las intervenciones directas, todo ello indicativo de formas locales
de produccin social de la legalidad que idealizan el lugar de la ley y
desatienden las circunstancias empricas que rodean a los hechos. Por
el otro, la distancia social que separa a los funcionarios de los presos
determina una actitud de descreimiento a priori de los primeros hacia
los relatos de los segundos, que habla de las particularidades de una
sensibilidad judicial local que da prioridad a las versiones de los car-
celeros y sospecha de aquellas personas que, privadas de su libertad,
denuncian crmenes de estado como la tortura.

Abstract
The institutional violence is part of the work of the security forces in modern
state, and any societies are the more tolerance than de others depend the
development of de historical process of the social production of the legality.
In the local situation, there are a lot off denounces of facts of institutional
violence but just a few of them are the juice and the sentence. Views about
the judicial sensibility show the sceptical attitudes that dont think the story
of the people victim of this fact. The analysis of a judicial case for massive
tortures in a prison of the Buenos Aires state enlighten the circumstances
and the obstacles in the way from the institutional violence facts of the
judicial cases.
Keywords: institutional violence; judicial sensibility; social production of
the legality; tortures.

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y Sociales (CELS): Siglo Veintiuno, 2002. cap. 7.
VIOLENCIA y superpoblacin en crceles y comisaras. In: DERECHOS
Humanos en Argentina: informe 2002-2003. Buenos Aires: Centro de
Estudios Legales y Sociales (CELS): Siglo Veintiuno, 2003. cap. 6.

Notas
1
En la provincia de Buenos Aires el estado ms importante de los 24 que componen
la estructura poltica territorial de la Repblica Argentina , hasta el ao 1998 rigi un
cdigo de procedimientos penales de fuerte impronta inquisitiva que haba sido legis-
lado a principios del siglo XX: toda la investigacin estaba a cargo de los jueces pena-
les, quienes delegaban esa tarea en la polica. En 1998 se abri un proceso de reforma
judicial a partir de la sancin de un nuevo cdigo procesal que introdujo algunos ele-
mentos acusatorios: dio a los fiscales un papel central en la investigacin e introdujo la
oralidad en la etapa del juicio. A casi diez aos de esa reforma, sigue constituyendo un
tpico de discusin con grupos a favor y en contra de sus postulados, y ocupa el centro

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de los debates polticos de la agenda pblica sobre el tema.
2
La figura del habeas corpus ingresa en la legislacin argentina recin en el ao 1984, con
la sancin de la ley 23.089: Corresponder el procedimiento de hbeas corpus cuan-
do se denuncie un acto u omisin de autoridad pblica que implique: 1. Limitacin o
amenaza actual de la libertad ambulatoria sin orden escrita de autoridad competente.
2. Agravacin ilegtima de la forma y condiciones en que se cumple la privacin de la
libertad sin perjuicio de las facultades propias del juez del proceso si lo hubiere (art-
culo 3). En la provincia de Buenos Aires, el habeas corpus est regulado en el Cdigo
Procesa Penal promulgado a principios del ao 1997 (artculos 405 a 420).
3
Se refiere a los presos jvenes, de 18 a 25 aos, primarios y sin experiencia, que desde
la perspectiva del Servicio Penitenciario aparecen como difciles de tratar. Para un
anlisis del tema del tratamiento en el mbito carcelario, ver Cesaroni (2004, 2005).

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Daniel dos Santos*

A FORMAO DO ESTADO EM ANGOLA


NA POCA DA GLOBALIZAO

Uma idia que no perigosa no merece ser chamada uma idia.


(Oscar Wilde, 1856-1900)
No entanto muitas das dificuldades que temos de enfrentar esto ligadas a uma
ausncia da palavra ou pior ainda, ao uso violento e dominador da palavra.
Ora um dos poderes da palavra precisamente de se opor palavra do poder.
(Philippe Breton, 2003, p. 6-7)

O Estado no um dado natural, mas o resultado de


um processo social. Atravs da histria das comuni-
dades, o Estado vai sendo construdo pelos diferentes
actores sociais, e formado pelas relaes entre eles.
essa perspectiva que tentamos pr em evidncia
ao abordar a questo da formao de um Estado
angolano. Para tal, a histria de Angola constitui a
nossa referncia, avanando as mltiplas variveis
que nela intervm, desde a existncia de comunidades
distintas pr-coloniais criao de uma entidade que
foi chamada de nao angolana, passando pela
sociedade colonial. Implica o debate sobre a nao
e o nacionalismo, as relaes entre as comunidades, a
questo da igualdade e da diferena, o pluralismo das
ordens jurdicas, a violncia e a guerra... Finalmente
abordamos tambm as condies da estadicidade
como um debate fundamental para a construo de
um Estado angolano.
Palavras-chave:Estado; nao; poder; dominao;
direito; legalidade; legitimidade; pluralismo jurdico;
ordens jurdicas; violncia; guerra; economia; riqueza
social; distribuio da riqueza; comunidades; processo
histrico e social; espao; estadicidade.

*
Facult des Sciences Sociales
Universit dOttawa.
96
O Estado uma instituio na medida em que estabelece e instaura algo
de novo, e que se refere a um momento que se pretende universal. Um
espao de afirmao e de movimento no qual um conjunto de actores
sociais se reconhecem e partilham o que os unem, ao mesmo tempo que
reivindicam o que os distingue. A praxis social desses actores no existe
num vazio, pois ela se faz acompanhar de um certo enquadramento, de
normas e de regras. Como instituio, o Estado representa o que est
estabelecido, significando um processo social que implica a unidade de
uma certa ordem das coisas e das pessoas organizao social e jurdica
e manifestando-se pelo seu poder concreto e simblico. Portanto, sua
legitimidade e autoridade dependem da forma como ele utiliza esses
poderes e refora o universalismo entendido como o bem comum que
relaciona as pessoas com as coisas.1
Mas as aces e as actividades sociais que definem uma sociedade ou
comunidade concretamente constituem tambm a negao da instituio.
Elas significam a possibilidade real de uma democracia reflexiva, isto
, que a democracia s existe quando ela se define por um movimento
permanente de contestao. Implica dizer que, para que o Estado exista
como instituio, a mesma deva admitir ser questionada de forma cons-
tante como fundamento universal. Sem essa dimenso ser impossvel
compreender a praxis social de auto-organizao e produo dos actores
sociais, e as relaes de fora que cada situao institucional implica. A
transgresso, a oposio e a resistncia ao enquadramento, s regras e s
normas institucionais so realidades sociais concretas, que fazem intrinse-
camente parte dos processos de institucionalizao e das instituies.2
O Estado angolano como instituio, tem uma histria prpria que se
refere a um conjunto de actores sociais angolanos e de relaes sociais
definidas no tempo (histria) e no espao (limites fsicos, geogrficos
e culturais).3 Ele no surge do nada ou por graa divina, mas como
resultado do encontro de vontades e de interesses desses grupos so-
ciais, que, ao se enfrentarem, devem estabelecer contratos fundados no
reconhecimento dos outros, e assim assumir compromissos mtuos. O
Estado uma instituio profundamente histrica, isto , sincrnica e
diacronicamente construda, em referncia s sociedades nas quais existe.
Ele no corresponde a uma forma ou a um modelo nico e universal,
pois o resultado de uma construo artificial e objecto permanente
da possibilidade de mudana.
Desde a independncia de Angola em 1975 at 2002, ano em que foi
morto Jonas Malheiro Savimbi, presidente da U. N. I. T. A., a questo
poltica em Angola custou mais de 1 milho de vidas humanas (esti-

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mativas diversas); mais de 4 milhes de pessoas desalojadas; o colapso


quase total das suas infra-estruturas econmicas e financeira; uma dvida
considervel e constante em termos de progresso, e uma dependncia,
em relao ao mundo exterior, praticamente elementar e permanente.
Enfim, a questo do poder poltico em Angola causou o empobrecimen-
to e o pauperismo da maioria das populaes que vivem nesse espao
controlado pelo que chamamos de Estado angolano.
Independentemente das influncias e das presses do mundo exte-
rior, pode-se facilmente observar que as fronteiras por dentro da nao,
utilizando a expresso de Conceio Neto (ver nota 3) no impedem o
poder poltico de parecer exercer-se ou de existir em Angola, mesmo
se a identidade nacional um conceito frgil. Apesar da realidade de um
territrio aparentemente unitrio, mas na verdade fragmentado e in-
controlado; da ausncia de uma lngua comum a pretenso de que a
lngua portuguesa poder ter essa funo no basta e as dificuldades
dos programas dizendo respeito tanto ao ensino do portugus como das
lnguas nacionais de Angola; da ausncia de se ter em conta a histria da
diversidade cultural e do processo do trabalho que caracterizam Angola,
que pe em causa no somente as relaes com a natureza angolana (meio
ambiente, terra e recursos naturais, em particular a gua), mas as relaes
entre os prprios angolanos (entre sociedades e cidados angolanos e
referindo-se diviso do trabalho, aos modos de produo da riqueza
e sua distribuio), e, sobretudo, os laos concretos com a pluralidade
cultural, social, econmica e, sobretudo, jurdica e poltica das sociedades
angolanas, salvo quando se trata de folclore, de marketing poltico ou de
propaganda. Tudo isso constitui um considervel conjunto de obstculos
que necessitam de ser pensados para a construo de uma identidade
nacional (que no natural) e para a formao de um Estado prprio. E
a razo principal da situao actual justamente o facto de que se trata
de um espao de poder poltico, e no de um Estado, pois as funes
dessa instituio no se reduzem evidentemente dominao, mas so
mltiplas, contraditrias e esto em constante mudana.
Isto evidencia a inexistncia de uma perspectiva de organizao e de fun-
damentos jurdicos e polticos internos, capazes de garantir no apenas
uma orientao clara, mas sobretudo a legitimidade de uma pretensa
hegemonia poltica do Estado sobre o conjunto social angolano.
Se consideramos que existe um Estado em Angola, ele surge na fase
ps-colonial, separado da histria especfica e prpria das sociedades que
formam o espao que Angola. Ele apresenta-se como uma continuidade
do perodo colonial, da histria da invaso, ocupao e desenvolvimento

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 95-125, 1. sem. 2007


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da dominao de um Estado e de uma sociedade exteriores s sociedades


angolanas. O contexto da globalizao acentua ainda mais essa natureza
do poder poltico em Angola, pela corrida desenfreada que desencadeia
a disputa por um espao de negociao com o capital mundial, fonte de
possibilidades de acumulao de riqueza (petrleo, diamantes e sector
dos servios e da construo).
O Estado colonial tirava a sua legitimidade do facto de que, como insti-
tuio, era essencialmente uma filial do Estado metropolitano portugus,
com uma misso e uma funo determinadas maioritariamente por este
ltimo. O seu objectivo principal era impor e reproduzir as condies
materiais, polticas e morais exigidas pela dominao portuguesa em
Angola, pela fora quando necessrio. Para tal, esse Estado colonial
possua, segundo as conjunturas e os momentos, um certo grau de auto-
nomia, de maneira a responder localmente s exigncias particulares do
exerccio dessa dominao. A sua finalidade no era pois de integrar as
estruturas polticas e jurdicas africanas numa totalidade que permitisse
a construo da identidade angolana. Ao preservar, de um certo modo,
tais estruturas, como, por exemplo, o direito costumeiro africano, o
Estado colonial procurava subjug-las, domin-las ou control-las tendo
em vista o cumprimento da sua misso e funes, sobretudo do ponto
de vista econmico, como no caso da produo agrcola tradicional,
tanto no domnio da produo alimentar como no da produo de
produtos e de bens agrcolas para a exportao. O exemplo do caf
significativo. Em 1970, mais de 1/3 do caf produzido em Angola para
a exportao provinha da produo dos pequenos agricultores negros.
A situao era idntica em relao a outros produtos agrcolas como o
algodo e o acar.
Mas, como relembra Cesaltina Abreu, as polticas coloniais agrcolas
provocaram

desajustes socio-econmicos e culturais (por) terem ignorado as estru-


turas de produo rurais e agrrias das diferentes regies do pas e os
respectivos mecanismos de auto-regulao (que) foram enormemente
agravados pela imposio do modelo de desenvolvimento socialista.4
Portanto, no podemos pensar que o Estado colonial tinha por misso
primeira o desenvolvimento das sociedades e dos valores africanos. O seu
objectivo era submeter estas ltimas a uma lgica de mercado, subjacente
ideia da construo de uma estrutura mental capaz de assegurar ple-
namente a adeso de uma minoria africana ao seu projecto de desenvol-
vimento referncia aos processos de aculturao e de assimilao, mas

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tambm de integrao das autoridades tradicionais africanas atribuindo-lhe


uma funo de mediadora, ou intermediria, entre o mundo europeu
e o mundo africano, que permitisse a articulao de diferentes modos
de produo e diferentes formaes sociais, caractersticas fundamentais
do espao dito angolano, segundo um quadro normativo portugus.
Tanto do ponto de vista administrativo como poltico e econmico, essa
minoria era importante para a criao, manuteno e reproduo dos
mecanismos de extraco de acrscimos de riqueza bem como da sua
exportao para o exterior, a comear por Portugal, e para a integrao
da maioria africana nesse quadro.
O despontar dos movimentos polticos e das associaes culturais afri-
canas nos anos 1950, e o comeo da luta de libertao nacional nos
anos 1960, tiveram como consequncia uma mudana significativa do
Estado colonial e do seu modo de operao. Como instituio central
da administrao e da gesto coloniais em Angola, esse Estado teve de
responder por um lado s presses dos movimentos polticos nacionalistas
e s revoltas sociais dos trabalhadores agrcolas africanos (exemplo do
massacre da Baixa de Kasanje); e, por outro lado, presso particular
dos colonos da burguesia colonial; das famlias financeiras da burguesia
metropolitana e s exigncias do Estado ditatorial portugus.
Nessas condies o Estado colonial transforma-se num espao de lutas
polticas contraditrias entre as reivindicaes da burguesia colonial (e
suas faces), e as exigncias metropolitanas, ambos os lados procurando
a melhor maneira de o instrumentalizar. tambm nesse contexto que
o Estado colonial reivindica mais autonomia e mais poderes locais. Com
a ditadura de Antnio de Oliveira Salazar, em Portugal, Angola passa
de colnia a provncia ultramarina, para finalmente se chamar Estado de
Angola (ltimos anos do colonialismo), mas sempre num quadro de poltica
colonial. Assim, cada momento corresponde a novas fases das lutas por
mais autonomia desse Estado, segundo as reivindicaes das diferentes
foras polticas e econmicas.
O Estado colonial procura, desse modo, deixar de ser uma simples
filial para transformar sua estrutura de modo a exercer, alm das suas
funes e misses tradicionais, uma nova funo de mediador das
relaes e conflitos entre as duas burguesias: uma colonial, que no
cessa de crescer e de sonhar com a conquista da metrpole, e outra,
metropolitana, fria e distante, que s pensa na garantia de continuar
transferindo a riqueza da colnia para seus cofres na metrpole. Ou-
tra mediao diz respeito s relaes entre essas duas burguesias e o
capital mundial, sobretudo americano, ingls e francs, interessados nas

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riquezas de Angola. Por vezes, tendo em conta os recursos e a partilha


dessa mesma riqueza, o Estado colonial assumia tambm o papel de ins-
trumento das aspiraes da burguesia colonial local diante da burguesia
metropolitana.
Como espao poltico ou de relaes de poder e dominao, o Estado
colonial angolano concentrava interesses contraditrios e apresentava-
se, nos ltimos anos do colonialismo, como uma varivel imprescindvel
de uma soluo neocolonial ou compradora. Isso no significa que, com tal
mudana, esse Estado preocupou-se mais em tornar-se um rbitro das
relaes entre as sociedades africanas de Angola e entre estas e as duas
burguesias portuguesas. As relaes com o mundo africano de Angola
mantiveram-se idnticas s do perodo anterior, salvo no que diz respeito
acelerao do movimento de proletarizao da mo-de-obra agrcola,
da expanso do mercado capitalista mas longe ainda de serem totalizantes
, e da economia salarial. Salvo tambm, evidentemente, o alargamento
relativo das polticas de assimilao cultural e a compradorizao das
elites pequeno-burguesas africanas locais (negros, mestios e brancos).
Convm, no entanto, realar, como o faz Conceio Neto e outros auto-
res, as tentativas reformistas que mudaram de certa maneira o quadro
e o contexto da evoluo do Estado colonial nas duas ltimas dcadas
do colonialismo portugus em Angola como, por exemplo, a abolio
do Estatuto Indgena; o fim das culturas agrcolas obrigatrias (algodo)
do trabalho forado e do contrato; a extenso do ensino; a maior
diversificao das populaes urbanas pelo afluxo s cidades de indiv-
duos provenientes dos quatro cantos de Angola e a maior mobilidade
demogrfica e social.
Mas todas essas medidas foram tomadas no sentido de acelerar e aumentar
a dominao portuguesa e a exportao das riquezas, agravando, assim,
as possibilidades de afirmao de uma identidade social e econmica,
que evidentemente se manifestar tambm em nvel poltico e cultural.
No entanto, tanto a construo da identidade angolana como a formao
do Estado de Angola nao podem ignorar o encontro com a colonizao
europeia, as mudanas que esse encontro opera nas sociedades angolanas a
diferentes nveis e de diferentes modos, desde o facto cultural estrutura
social, passando pela economia e pela recepo do direito europeu, e
consequentemente pelo face a face com as tradies jurdicas, e os modos
de regulao social, africanas.
Da funo pblica s instituies sociais, econmicas e culturais; dos
sindicatos amarelos s empresas portuguesas e estrangeiras; das fun-
es polticas coloniais s funes polticas do Estado metropolitano, a

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101

cooptao dos africanos pelo sistema colonial fez-se, sobretudo, a partir


dessa poca, durante os anos 1950, e aumentando a sua cadncia de
1960 a 1974. Tais excepes tinham sempre como objectivo aumentar
a extraco dos acrscimos de riqueza e o ritmo da acumulao do
capital, alm de obter a todo o custo a formao de uma classe mdia
local, multirracial e multitnica, cuja funo principal era servir de elo
de ligao e correia de transmisso entre os dois universos e culturas, de
um projecto colonial renovado, e procurar uma determinada legitimao
internacional. Constituam assim as componentes da construo de uma
estabilidade poltica necessria a uma certa continuidade, fosse ela
colonial ou neocolonial.
Ora, a independncia de Angola, em 1975, inseriu-se num contexto
histrico que contradizia, primeira vista, tais planos. Foi inicialmente
formulada em termos de uma ruptura em relao ao modelo neocolo-
nial e comprador, que tinha por objectivos pelo menos em termos da
cartilha do partido que conquistou o poder poltico em 1975 (M. P. L.
A.), que se mantm no poder at hoje a formao de um homem novo
angolano, a criao de uma sociedade mais justa, mais igualitria e mais de-
mocrtica. Tal ruptura nunca se realizou, a menos que se considere que
a permanncia de um modelo institucional e de uma estrutura mental
oriunda do sistema colonial, isto , um modo de pensar o mundo que
nos leva a agir forosamente de determinada maneira, e o seu corolrio,
a substituio dos indivduos e das raas, particularmente nos espaos e
nos aparelhos do exerccio do poder poltico, constituem as condies
necessrias para a formao do Estado angolano. Mas essa formao
possui menos significado e importncia, se no assumir que esse Es-
tado deve obrigatoriamente se referir construo de uma identidade
nacional imaginria/imaginada, limitada e soberana mas que se afirma como
uma comunidade5 fundada no reconhecimento das sociedades angolanas
e da sua histria.6
No sculo XIX, Pierre Joseph Proudhon definia o que era ser governado
de uma forma drstica, mas nem por isso menos significativa:

Ser governado ser guardado vista, inspeccionado, espionado, di-


rigido, legislado, regulamentado, parqueado, doutrinado, predicado,
controlado, calculado, censurado, comandado, por seres que no tm
o ttulo, nem a cincia, nem a virtude. Ser governado ser, a cada
operao, a cada transaco, a cada movimento, notado, registrado,
recenseado, tarifado, selado, medido, cotado, avaliado, patenteado,
autorizado, rotulado, admoestado, impedido, reformado, corrigido.
, sob pretexto da utilidade pblica e em nome do interesse geral,
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 95-125, 1. sem. 2007
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ser submetido contribuio, utilizado, resgatado, explorado, mono-
polizado, extorquido, pressionado, mistificado, roubado, e depois,
menor resistncia, primeira palavra de queixa, reprimido, multado,
vilipendiado, vexado, acossado, maltratado, espancado, desarmado,
garroteado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado,
deportado, sacrificado, vendido, trado e, no mximo, jogado, ridicu-
larizado, ultrajado, desonrado.

Eis o governo, eis a justia, eis a sua moral!7


Aquilo a que chamamos Estado angolano parece ter-se transformado
no instrumento do pesadelo em que os cidados angolanos vivem h
mais de 32 anos. Retomando as estruturas, os modos de funcionamento
e frequentes vezes as referncias documentais jurdicas e positivistas do
Estado colonial (por exemplo o cdigo penal) mesmo quando a lin-
guagem e o vocabulrio mudam ignorando as realidades histricas das
sociedades angolanas, o Estado angolano no faz mais seno assegurar
e reproduzir de forma ainda mais dramtica e violenta (em parte por
ineficcia organizacional) a continuidade da funo e dos objectivos do
Estado colonial, sobretudo colocando-se como uma estrutura de poder
nica e incontornvel, das relaes das sociedades angolanas com o
capital mundial.
Dado que a sua legitimao situa-se, portanto, fora do espao dessas
sociedades, o Estado angolano incapaz de agir em nome delas e de
se apresentar como mediador dessas relaes, e das relaes entre as
sociedades angolanas. O retorno e a recepo dos refugiados angolanos
dos pases que fazem fronteira com Angola constituem um exemplo,
sobretudo o violento caso do regresso dos refugiados pertencetes na-
o Kikongo. Actualmente, a globalizao, tanto em termos dos Estados
quanto do capital financeiro, constitui o suporte econmico, poltico
e jurdico do Estado angolano e do regime poltico de guerra e de
ps-guerra vigente em Angola at hoje. O deal substitui o contrato e o
direito nacional e internacional, e assim assistimos criao de formas
jurdicas paralelas, privadas e secretas.
Por um lado, o apelo constante aos organismos internacionais para resol-
ver e financiar os problemas locais, e, por outro lado, as concesses sem
fim ao capital mundial, criam uma dependncia quase total de Angola em
relao ao mundo exterior, descurando e menosprezando as prioridades
das sociedades angolanas, aumentando a rede de clientes e a corrupo.8
De 1982 a 1991, a dvida de Angola, a mdio e longo prazos, passou de
2.075 milhes de dlares para 7.363 milhes; a de curto prazo, de 271

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milhes para 1.355 milhes, e a dvida externa total de 2.346 milhes


para 8.718 milhes. Actualmente, graas s receitas do petrleo e dos
diamantes, a dvida externa total manteve-se no mesmo nvel. A partir
de 1983, a guerra civil comeou a se constituir num verdadeiro problema com
custos elevados; at 1991, a percentagem das despesas militares do ora-
mento geral do Estado representava o dobro, outras vezes o triplo, das
despesas com o desenvolvimento econmico e social.9
Se a guerra civil constitua um elemento fundamental da retrica das
narrativas do poder poltico em Angola at 2002, acabou tambm por
servir como uma varivel independente da construo de histrias con-
tadas atravs das sociedades angolanas. A guerra civil e os danos causados
s sociedades angolanas no se resumem a uma causa nica (o mundo im-
perialista), mas tm certamente a sua origem em causas internas e locais,
entre outras a luta implacvel pelo poder. Sendo foradas a fazerem face
a essa realidade o que significa estabelecer um modo de relao com o
Estado angolano , elas tambm constroem as suas narraes em torno
da guerra civil, e criam as formas de justificao e de posicionamento
que as permitem sobreviver.10
Diante da necessidade urgente de fundamentar uma sntese dos perodos
pr-colonial e colonial o que a nao angolana e o que so e querem os
povos e as sociedades angolanas? E o que fazer com tudo isso e como? o novo
Estado angolano respondeu como se nao e Estado fossem uma
evidncia, ignorando a histria dessas sociedades, das suas estruturas
sociais, econmicas, polticas, jurdicas e culturais, e enveredou, primeiro,
por uma perspectiva de socialismo de Estado (inspirado pelo modelo dos
pases do leste europeu) que depressa se transformou em socialismo
esquemtico,11 e em seguida pela via da compradorizao exagerada,
como se a formao do Estado angolano fosse um fenmeno natural e
no um processo histrico e social. O Estado substitui-se s sociedades
angolanas, quer por preguia, arrogncia ou desprezo das mesmas, pois
os detentores do poder poltico governam como se fossem o centro do
mundo angolano.
A crtica e a anlise da herana colonial foi sempre efectuada de forma
superficial e no sentido de justificar quem deve ter acesso ao poder
poltico e riqueza improdutiva. O mesmo aconteceu com a herana
pr-colonial (ou o encontro com o mundo europeu) pouco conhecidos,
apesar do esforo tenaz de alguns pesquisadores europeus, americanos
e angolanos que trabalham sem grande apoio do Estado angolano.
Enquanto no primeiro caso, desfigura-se a histria para s se reconhe-
cerem qualidades maquiavlicas relativas herana colonial, no segundo

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tambm desfigura-se a histria, mas para se enaltecer os heris da resis-


tncia como principais actores da herana pr-colonial. Nesse sentido,
o discurso oficial obedece a critrios puramente ideolgicos que nada
contribuem para o conhecimento das sociedades angolanas.
Para as geraes mais novas, que prticamente no viveram nem parti-
ciparam da luta pela independncia, o discurso e a retrica do monstro
colonial hoje em dia o monstro imperialista desapareceu das narra-
tivas permitem, hoje, justificar os piores abusos em relao aos direitos
dos cidados e s acumulaes de riquezas imensas (ilegtimas e ilegais),
mesmo ante o direito e justia do Estado de Angola!
Na medida em que o Estado uma coisa natural em particular
seus braos armados, polcia e exrcito que existem por ele e para
ele prprio, tal Estado situa-se ao cimo dos cidados e das socieda-
des angolanas, e no tem de prestar-lhes contas ou ser transparente.
Apresenta-se como sendo a nica instituio capaz de gerir as coisas e
os homens, de criar um novo modo de produo estatal e reproduzir
as relaes de dominao. De 1975 a 2008, a tese do Estado gestor
e monopolizador angolano revela-se um desastre. Torna-se, ento,
evidente que o Estado angolano no necessita (ou pensa que no
necessita) conhecer e compreender nem o passado nem as condies
presentes dos cidados e das sociedades que ele pretende administrar,
e ainda menos as suas aspiraes futuras. A histria de Angola pro-
priedade dos que controlam o espao do exerccio do poder poltico,
entendido como espao de dominao, confundindo-se com eles e com
a sua verso dessa mesma histria. So eles que a fazem, apresentando-
se como nicos ou principais autores dessa histria. Eles possuem a
verdade histrica enquanto que os cidados angolanos contam histrias.
Salvo raras excepes, no permitido contradizer o Estado e seus
agentes, ou apresentar outras verses da verdade histrica, sem correr
o risco de represlias.
Todas as possibilidades de questionar as regras e as normas, bem como
as aces do Estado angolano, pelos cidados e as suas associaes, so
geralmente consideradas como ideologicamente inadmissveis ou como
um acto delinquente que exige retaliao ou represso fsica ou moral.12
As noes de diferena entendida como o que nos distingue e une, a
alteridade, e de diferendo, visto como fundamental para a democracia
e referindo-se existncia de valores e interesses divergentes, a plurali-
dade , constituem ingredientes essenciais para a resoluo dos conflitos
angolanos, historicamente e socialmente cruciais para a formao de um

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Estado angolano. Elas no existem no vocabulrio dos grupos e das elites


que controlam o espao poltico e de dominao em Angola.
O exemplo tpico de tal situao nos fornecido pelas biografias das
personalidades polticas angolanas, nas quais a histria das naes
angolanas reduz-se a um conjunto de falsidades e a uma histria indi-
vidual com pretenses a um universalismo alucinante. A quantidade de
factos empricos que corroboram este estado de coisas, e a condio das
relaes sociais e polticas em Angola, significativa. A ttulo de exem-
plo e a propsito da Fundao Eduardo dos Santos (FESA), Christine
Messiant apresenta uma anlise e uma sntese bastante completa deste
tipo de informao.13
O acumular desses factos empricos, relatados em pesquisas abundantes
e em documentos oficiais das instituies internacionais, ano aps ano, e
o facto de sermos observadores privilegiados, leva-nos a afirmar que o
Estado angolano no tem as suas origens na histria das sociedades
que pretende estruturar. Ele no tem bases sociais e jurdicas internas.
Tais bases, to importantes para que as sociedades e os cidados se reco-
nheam nesse espao de poder, e contribuam para a sua formao, so
simplesmente ignoradas.
Encontramo-nos pois, diante de uma estrutura na qual se organizam
as relaes de poder e dominao com a simples inteno de distribuir
rendas obtidas a partir da compradorizao, isto , da mediao com
o capital mundial. Um espao que pretende produzir direito e leis,
uma legalidade ou ordem jurdica estatal, sem ter construdo uma
legitimidade interna. Neste sentido, as segundas eleies da histria
de Angola desde 1975, e que se preparam para setembro de 2008, so
insuficientes para criar essa legitimidade. Para poder existir, o Estado
angolano procura uma forma particular de legitimao no exterior
das sociedades e dos cidados angolanos o direito de existir pelo re-
conhecimento dos outros Estados que s foi possvel pelas mudanas
estruturais, econmicas e polticas prprias dinmica e s relaes de
poder no espao internacional, engendradas pela globalizao. E ao
mesmo tempo, ele confunde essa legitimidade exterior com a legalidade
interior, acreditando ou fazendo crer que a primeira o autoriza a exercer
a segunda, isto , o direito a exercer a sua violncia sobre os cidados e
as sociedades angolanas.
Para a classe dirigente de Angola, tal reconhecimento exterior a prova
da fora do Estado angolano, mesmo que a imagem do que observa-
mos no resto do mundo faa com que Angola parea pouco diferente:
o Estado de direito reduzido ao direito do Estado. Para as sociedades
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angolanas, ao contrrio, trata-se de um sinal da sua fraqueza, da sua


incapacidade de encontrar solues democrticas e durveis aos pro-
blemas que afligem Angola.
O direito internacional, que parece ignorar os direitos humanos concretos
e a pluralidade cultural, jurdica, social, econmica e poltica do mundo
de hoje, e a funo ambgua e pouco clara das instituies internacionais
responsveis por uma certa forma de governana mundial (ONU,
associaes continentais, regionais), so o instrumento e o local do re-
conhecimento do Estado angolano. Desde 1975, a que esse espao
e estrutura procura fundar e fazer reconhecer a sua legitimidade, o seu
direito de existir e de exercer a sua soberania e violncia.
Trata-se de um problema que no certamente especfico de Angola,
mas de uma forma geral da frica. A ausncia de controle de reas
importantes, pretensamente sob jurisdio do Estado, e de relaes
concretas com um nmero aparentemente cada vez maior de cidados
e de sociedades, leva-nos a considerar que o Estado angolano no
existe empiricamente. No melhor dos casos, uma estrutura e um
espao, que pela fora apoia e permite a construo de uma rede de
relaes, pela qual determinados grupos da sociedade angolana
colocam-se como intermedirios ou compradores, e obtm amide,
fraudulosamente ou ilegalmente, diferentes formas de rendas
(enriquecimento improdutivo) e as distribui segundo as alianas que
estabelece (clientelismo).
A outra funo dessa estrutura e desse espao diz respeito ao facto de
que o controle de uma ou mais foras, como a potncia militar e policial,
garante proteco fsica aos grupos dirigentes, organizados em rede, e
mantm um clima de medo, intimidao e dissuaso, por vezes de pni-
co, sobre os indivduos e as sociedades angolanas. O que pe em causa
a existncia de um Estado angolano. Max Weber, um dos fundadores
da sociologia alem afirmava que

A violncia no evidentemente o nico meio normal do Estado sem


dvida alguma mas ela o seu meio especifico. Hoje em dia a rela-
o entre Estado e violncia particularmente ntima... No entanto
necessrio conceber o Estado contemporneo como uma comunidade
humana que, nos limites de um territrio determinado a noo de
territrio sendo uma das suas caractersticas reivindica com sucesso
para si mesmo o monoplio da violncia fsica legtima. O que de facto
prprio da nossa poca, que ela no acorda a todos os outros grupos,
ou aos indivduos, o direito de recorrerem violncia que na medida

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em que o Estado a tolera este ltimo passa assim por ser a nica fonte
do direito violncia... O Estado consiste de uma relao de domi-
nao do homem sobre o homem, fundada sobre o meio da violncia
legtima (isto , sobre a violncia que considerada como legtima). O
Estado no pode portanto existir se no com a condio dos homens
dominados se submeterem autoridade reivindicada constantemente
pelos dominadores.14
O que tudo isso significa no caso de Angola, que tais formas de organiza-
o poltica e administrao das sociedades implicam o enfraquecimento
da legitimidade do Estado, isto ausncia de articulao da pluralidade
das ordens jurdicas extra-estatais, e o impedimento da construo de
uma ordem jurdica estatal (legalidade) que deixe de ser abstracta, dialo-
gue com as sociedades angolanas, e se articule com suas formas jurdicas e
judicirias. Para tal, o direito do Estado e a sua aplicao tm de assumir
formas concretas, e de dar ao menos a impresso ou aparncia que fun-
cionam de maneira processual permanente e contnua, que referem-se
a padres constitucionais capazes de incluir a alteridade e o pluralismo
e garantem proteco aos dominadores angolanos, oferecem uma certa
segurana aparente aos dominados, isto : criam a impresso de que se
aplicam a todos os cidados e a todas as sociedades angolanas.
Ainda segundo Max Weber, o Estado significa a

existncia de um grupo [corporativo] social que possui um poder juris-


dicional compulsivo capacidade de obrigar a obedecer que exerce
uma organizao contnua e que pode reclamar para si o monoplio
da fora (violncia) sobre um territrio e a populao que o ocupa,
inclusive todas as aces ou actividades que se realizam nas reas da
sua jurisdio.15
Weber insiste sobre o uso da fora como meios, isto os atributos em-
pricos do Estado, que articulam-se ao reconhecimento de facto.16 Mas tal
definio no completa se no se introduzir a questo das finalidades
do Estado, isto , os atributos jurdicos da estadicidade,17 que, por sua
vez, dirigem-nos ao reconhecimento de jure. A questo das jurisdies
territoriais, no espao e na poca da globalizao, foi retirada s
sociedades que o Estado supostamente administra ponto de vista
interno e passou a ser da competncia concreta, real e de jure, da
comunidade mundial dos Estados, referindo-se, portanto, ao recurso
cada vez maior e frequente do direito internacional ponto de vista
externo. O que no significa que essa tendncia se impe sem conflitos
e resistncias, como, por exemplo, a presena cada vez maior de ob-

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servadores internacionais para controlar os processos eleitorais em


particular nos pases do terceiro mundo a criao de um direito
internacional humanitrio e de interveno, a criao de um Tribunal
Penal Internacional etc.
Este tour de passe conduz a uma situao caricata em que a tendncia
predominante em Angola e na maior parte dos estados da frica
Tropical de uma certa continuidade entre o Estado colonial e o Es-
tado independente, com o reforo de um Estado comprador, cuja
legitimidade provm do exterior e cuja legalidade ou ordem jurdica
frequentemente fico cientfica porque no se refere realidade social
concreta!
Jackson e Rosberg levantam a seguinte pergunta: como compreender
os estados africanos, que devem confrontar-se de forma constante e per-
manente em mltiplos conflitos polticos, guerras civis, ausncia de con-
trole, instabilidade social, poltica e econmica, sem mudanas jurdicas.
Acredita-se que muitos dos problemas dos Estados africanos, como os de
Angola, residem na questo de definio e realizao das condies da
sua existncia (statehood ou estadicidade), isto os elementos empircos,
compreendendo uma populao permanente e um governo efectivo
que necessita da legitimidade do direito de governar, base da autoridade
domstica, e de possuir a habilidade para governar que consiste na ca-
pacidade de dirigir e administrar o aparelho do poder; finalmente, ter
em conta as circunstncias econmicas (a pobreza e uma economia fraca
afectam certamente a capacidade de governar). A outra dimenso refere-
se aos elementos jurdicos que estabelecem as exigncias para o reconhe-
cimento pela comunidade internacional dos Estados, como territrios
a propriedade do solo, das guas (dois domnios que prometem lutas
sociais intensas em Angola,)18 do espao do Estado o que significam as
fronteiras legais, ainda que sejam totalmente artificiais; e a independn-
cia poltica, que atribui ao Estado o direito de estabelecer relaes com
outros Estados e de participar da comunidade internacional. Mas essa
legitimidade externa implica tambm reconhecimento interno, contrato
de sociedade: criao de uma ordem jurdica estatal com aplicao mais ou
menos efectiva, e a sua articulao com as ordens jurdicas extra-estatais.
a articulao desses elementos que nos leva a afirmar que a formao de
um Estado angolano passa pelo reconhecimento das sociedades angolanas,
e pela produo de formas jurdicas e judicirias nas quais essas mesmas
sociedades se reconhecem.
Se considerarmos a existncia do Estado em Angola, trata-se de um

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Estado fraco, mas com fora ou violncia suficiente para eternizar-se


e reproduzir-se, no definitivamente, pois tal situao torna-se histrica e
socialmente insustentvel em termos de limites polticos, morais e huma-
nos. Do ponto de vista da Histria, tudo o que comea tambm acaba!
Tal situao pode ser quebrada pela inrcia e pelo parasitismo do prprio
regime ou, no sentido utpico de Ernst Bloch, quando a esperana se
transforma em resistncias e oposies e constri um ou vrios projectos
alternativos, e a aco pblica dos actores sociais pode assumir a forma de
alianas populares, movimentos sociais e organizaes cvicas, nas quais
o cidado ope as exigncias da sua prpria vivncia local s exigncias
compradoras e globais da elite poltica e do capital mundial.
A situao de Angola agravou-se mais pelo facto de que diferentes faces
polticas tiveram recurso fora, para reclamar o controle do territrio
e das populaes, dentro da mesma lgica. Mas elas so incapazes de
manter um monoplio durvel em termos de jurisdio. Para os diri-
gentes dessas faces, o reconhecimento do mundo global, exterior s
sociedades angolanas, a prova da fora de cada uma delas, e tambm
a possibilidade de reclamar a existncia de um Estado que naturalmente
lhes pertence em Angola. Para os cidados e as sociedades angolanas, isso
antes um sinal da fraqueza dessas faces, e da fragilidade do poder
poltico. A legalidade do Estado resulta do monoplio da violncia e
da fora que lhe atribudo de fora, sem grande aplicabilidade jurdica,
e, sobretudo, sem conseqncias para a rede da elite compradora e seus
clientes, sem continuidade e sem permanncia.
Do ponto de vista do carcter, o Estado de Angola tipicamente nomi-
nal, faltando-lhe os verdadeiros poderes de governana e administrao;
corrupto e mau gestor. A estadicidade, definida como as condies
concretas de existncia e de funcionamento do Estado, refere-se aos
poderes territorial, administrativo interno, mas tambm cidadania.
Ora o Estado de Angola, produto do passado colonial e da luta pela
independncia, existe, como j o afirmamos anteriormente, somente
atravs do direito internacional. As consequncias desta orientao exte-
rior constituem uma das caractersticas importantes da crise angolana:
a guerra civil de 1975 a 2002; a incapacidade de gerir bens, recursos e
governar as pessoas; as vtimas que ela causa e o aumento da misria da
maioria das populaes das sociedades angolanas.19 Ao mesmo tempo, os
grupos dirigentes e as faces polticas se constituram a minoria privile-
giada. A tentativa de institucionalizao democrtica de 1992 perdeu-se
rapidamente nas lutas violentssimas entre essas faces rivais e os seus
clientes respectivos.

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Nessa altura, todas sem excepo ignoraram o carcter pluralista e mul-


tinacional das populaes angolanas, revelando-se incapazes de articular
seus valores culturais e suas instituies, com um projecto nacional e
popular de modernizao de Angola. O crescimento econmico actual
verdadeiro! Dele se vangloriam tanto as instituies internacionais
quanto as angolanas, e, em primeiro lugar, o Estado. No entanto, o
crescimento significa um avano da compradorizao e no da democrati-
zao da produo e distribuio da riqueza social. Salvo quando se trata
de (des)informar, manipular, cooptar tanto os povos como os opositores,
originando uma estratgia, individual e colectiva, de marketing poltico
para a incluso na rede de clientes do poder.
Por outro lado, essas mesmas foras revelaram-se nulas no que diz res-
peito a objectivos de criao de espaos sociais e econmicos capazes de
articular realidades distintas, em direco autonomia e reduo da
compradorizao e da dependncia externa. O resultado global traduz-
se num aumento da pilhagem do patrimnio nacional, da criao de
um rendimento nacional em favor das contas individuais nos bancos
estrangeiros, sobretudo das faces rivais angolanas e dos seus clientes
locais, e das transferncias de capital e lucros, sobretudo das empresas
transnacionais a operar em Angola.
O que nos leva a chamar a ateno para a posio que o Estado angolano,
como aparelho, estrutura e espao, ocupa no xadrez das relaes entre
o territrio a que chamamos Angola, a sua pluralidade de raas, culturas
e sociedades, e o mundo global. A condio angolana caracteriza-se por
uma situao de pobreza e raridade extremas,20 apesar da considervel
potencialidade das suas eternamente anunciadas riquezas, e do facto de a
taxa de crescimento econmico em Angola estar entre as mais elevadas de
frica (o FMI previa uma taxa de crescimento do PNB de 27% para 2007).
Essa situao torna as lutas pela posse da riqueza mais violentas, cruis e
cpidas. evidente que a produo de petrleo e diamantes, inseridos
neste contexto de pouca riqueza produzida em termos de quantidade e,
principalmente, diversidade, no suficiente para definir uma economia
nacional independente, sobretudo depois de uma guerra fratricida prolon-
gada. O Estado angolano como espao de poder e dominao, mesmo
fraco e reconhecido no exterior, torna-se um instrumento de negociao
e um mecanismo de distribuio das possibilidades de enriquecimento
material do universo interior angolano: rendas subtradas ao capital
mundial (petrleo, diamantes); corrupo (desde as firmas multinacionais
aos pequenos comerciantes e aos Estados estrangeiros); as negociatas
(facturas falsas, comrcio de importao e exportao, aquisio e compra
de equipamentos, de tecnologia); trficos diversos (de influncia, divisas,
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drogas, prostituio, viaturas, diamantes, armas, roupas e objectos de


consumo quotidiano); ajuda exterior (organismos internacionais, pblicos
e privados, organizaes no-governamentais, Naes Unidas, Estados
estrangeiros e suas agncias).
A estrutura e o espao do poder poltico em Angola funcionam como
um Estado comprador constituindo o mecanismo/aparelho e o local/urba-
no de estabelecimento e reproduo de uma rede clientelista, indo dos
personagens mais importantes e conhecidos aos menos visveis, at aos
grupos dos excludos, normalmente subalternos, ao servio dos grupos
ou faces dirigentes e dominantes.
Esta rede estende-se tanto no interior como no exterior do territrio
que aparentemente essas faces controlam, uma vez que as embaixadas
constituem um prolongamento da mesma estrutura e do mesmo espao.
Mesmo que em termos das leis abstractas do Estado, as actividades da
rede possam ser ilegais ou delinquentes, a sua proximidade do poder per-
mite a um certo nmero de grupos clientelistas, sem serem incomodados
pela justia, adquirir e distribuir dinheiro, bens materiais, privilgios e
influncias por meio da rede.21 Assim, os casos conhecidos publicamente
constituem a excepo que confirma a regra.
No entanto, do ponto de vista econmico, essas actividades constituem
um obstculo acumulao de capital, ao investimento social e ao
desenvolvimento das foras produtivas angolanas, o que no significa
ausncia mas insuficincia de infra-estrutura social e produtiva. Como
mecanismo de distribuio de riqueza ela , mesmo em condies de
raridade e de pobreza:

1. insuficiente, pela minoria de indivduos que inclui, em vista


da massa dos deserdados que exclui;

2. improdutiva, pois no est geralmente associada ao investi-


mento produtivo transformao do dinheiro em capital e em
particular no estimula o investimento social, se bem que isso
no signifique ausncia total de investimento social;

3. desigual, na medida em que aumenta continuamente a dis-


tncia entre ricos, pobres e miserveis.
Como afirmamos antes, e diante da tal situaoque no especfica de
Angola, pareceu-nos importante abordar algumas posies que julgamos
interessantes para este debate. Bayart e os seus colegas22 defendem a tese
da criminalizao do Estado na frica. Referindo-se ao texto, agora
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clssico, de Charles Tilly23 sobre a violncia e a formao dos Estados


modernos como crime organizado, eles consideram o Estado local, ou
um espao, veculo de uma srie de actividades generalizadas indo de
encontro ao seu prprio direito, tornando-se ilegais, transformando-se
em actividades de tipo crime organizado. No entanto, Tilly toma como
referncia e objecto de estudo a formao dos Estados da Europa oci-
dental, e em particular o Estado francs, cujo processo inicial ter sido
acompanhado por uma vaga de violncia, e marcado pelo facto de que
o Estado se apresentava diante das sociedades como uma associao de
malfeitores, condio fundamental para o desenvolvimento da burguesia
como classe social (capitalismo mercantil), e para o que Marx chamou
de acumulao primitiva e selvagem do capital. Nessa perspectiva, o
Estado criminoso torna-se, ento, a condio da criao de um excedente
que permite a passagem da riqueza (acumulao primitiva) ao capital,
ao investimento produtivo, e emergncia de um Estado fundado no
direito Estado de direito.
O argumento de Tilly

reala a interdependncia entre fazer guerras e a formao do Estado, e


a analogia entre ambos os dois processos e o que... chamamos de crime
organizado. Afirmo que a guerra produz Estados. Que o banditismo, a
pirataria, a rivalidade entre bandos, o policiamento, e fazer guerras so
aces que pertencem todas ao mesmo continuum, e que, durante um
perodo historicamente limitado em que os Estados nacionais se tor-
naram as organizaes dominantes nos pases ocidentais, o capitalismo
mercantil e a formao do Estado se reforaram mutuamente.24
A aplicao da tese de Tilly frica, a criminalizao do Estado como
possibilidade de desenvolvimento de uma burguesia nacional africana,
parece-nos levantar mais problemas do que resolv-los. Desde o incio
do seu artigo, Tilly o primeiro a avisar sobre o perigo de querermos
comparar a situao dos pases do Terceiro Mundo no sculo XX com
a situao da Europa nos sculos XVI e XVII.25 O seu propsito que o
exemplo europeu possa servir, evitando a explorao violenta e coerci-
tiva que o caracteriza (do crime organizado s guerras), construo dos
Estados do Terceiro Mundo. No caso de Angola, a classe dirigente
angolana corrupta e corrompida; affairiste; pratica ilegalidades
de forma constante, faz trfico de influncia e de dinheiro, de armas, de
diamantes; fabrica falsos documentos Mas em 33 anos, ela ainda no
deu sinais de que na verdade acumula capital.26 Ao contrrio de criar
investimento produtivo, e de transformar a riqueza que usurpa como
crime organizado em capital, ela adopta uma atitude de ostentao e
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desperdcio, colocando essa riqueza nos bancos dos pases ricos, e com-
prando nesses mesmos pases bens de luxo. No entanto, ainda que se
possa facilmente indicar e identificar os indivduos e os grupos de indi-
vduos que praticam tais actos em grande parte agentes do Estado mas
no somente prticamente irrealizvel acus-los e lev-los perante a
justia do Estado como criminosos. E muito menos acusar a institui-
o na sua totalidade! Isso se revela uma tarefa impossvel. O que nos
leva outra dimenso do problema: a formao do Estado fundado no
direito. Bem certo que estes autores no se referem eliminao social
da galinha dos ovos de ouro. Mas verdadeiramente, se essa acumulao
fosse feita, e possibilitasse a formao de uma burguesia nacional, esta
prpria seria a primeira a reivindicar o Estado de direito para se proteger
da concorrncia. O que no acontece ainda em Angola.
Tilly no se refere criminalizao do Estado nao, indica um processo
e seus mecanismos, que, segundo as definies atualmente aceitas como
universais, pem em relevo as condies de emergncia e formao, isto
: de um modo de construo social do Estado moderno, centralizador,
homogeneizador e uniformizador. Em outros termos: estuda as aces
e os comportamentos que luz do Direito dessa poca, e para as regies
anteriormente indicadas, so considerados criminosos, e contribuem
para a acumulao da riqueza e para a sua transformao em capital
produtivo. Ao mesmo tempo, Tilly afirma a exigncia que tal processo
implica para chegar constituio de um Estado moderno: a produo
cada vez maior de normas e de regras, e a criao de um ordenamento
jurdico.
Na frica e em Angola, o Estado colonial precede o Estado independen-
te, ainda que os grmens da modernizao possam estar presentes na
imposio colonial.27 Mas tais condies no so as que descreve Tilly
para o caso europeu. A reforar o processo de acumulao primitiva na
Europa no podemos esquecer a formao dos imprios coloniais. No
Japo, ao contrrio da Europa, houve um processo de isolamento e de
clausura. Na primeira, o desmoronamento dos Estados continua at
hoje, pois eles continuam sendo feitos, desfeitos e refeitos ao sabor de
vrias guerras regionais, e de duas guerras mundiais. No segundo, de-
pois de um longo e violento processo de disputas entre os senhores da
guerra (warlords), no qual a regio inteira se fechou ao resto do mundo,
de guerras fratricidas e de pilhagens sem fim, nasceu, enfim, o Estado
moderno e unificador, centralizador etc.
Ao Estado angolano actual falta legitimidade para administrar
e governar as sociedades angolanas. Graas ao reconhecimento poltico

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e jurdico do mundo exterior, ele afirma e impe uma certa ordem jur-
dica, a sua legalidade, na maior parte dos casos fundada e inspirada pela
herana colonial. Essa hegemonia estatal significa uma conceptualizao
da situao angolana arriscada e pouco operacional se nos situarmos
na perspectiva de Tilly e Bayart: como levar o Estado angolano perante
os tribunais quando os seus representantes cometem delitos ou crimes?
Como obrigar o Estado a respeitar as suas leis e o seu direito ou ainda
reprimir a sua delinqncia? que o Estado angolano e o seu di-
reito precedem a criao de uma burguesia nacional. Ele poderia ser
instrumental no desenvolvimento dessa classe, mas como ele prprio
desconfia dela, o seu direito e a sua justia so pouco eficazes. No ofe-
rece a proteco necessria ao estabelecimento e desenvolvimento de uma
burguesia angolana, mas de um grupo particular de clientes e agentes
que acumulam riqueza improdutiva.
Aplicar a tese de Charles Tilly a Angola ou frica ao sul do Sahara
obriga-nos a uma certa prudncia, pois no se trata simplesmente de
constatar que o aparelho do pretenso Estado foi invadido e controlado por
indivduos que no respeitam as leis desse mesmo Estado, e que, apesar
da proteco de que eles gozam, so na maior parte dos casos incapa-
zes de transformar a riqueza assim acumulada em capital produtivo. Ele
apresenta-se, pois, no s como um obstculo construo da identidade
angolana, mas tambm como um freio formao do Estado angolano, e,
por consequncia, ao desenvolvimento de uma burguesia nacional.
Acrescentemos a esse facto um outro que se refere ao problema da rup-
tura com o quadro da estrutura mental dominante, e de distinguir que
a ordem do discurso no se resume s palavras, mas implica modos de
pensar que definem, regulamentam e disciplinam as formas e os conte-
dos da aco. Aplicar a tese de Tilly literalmente Angola, mesmo sem
cair em exageros, seria aceitar que a histria s uma, que no existe
espao para o particular e o relativo. Seria aceitar uma nova frmula
imperial: todos os Estados formam-se da mesma maneira e desenvolvem-
se segundo processos idnticos, um modo universal nico.
As elites polticas de Angola contribuem, provavelmente sem se darem
realmente conta, ao definhamento da herana colonial. A relao entre a
legalidade pela fora e a legitimidade pelo exterior encurrala o Estado
angolano, que se reduz progressivamente a um espao de lutas internas
cruciais extremamente violentas e devastadoras. A idolatria ou o feiti-
cismo do poder e a raridade tornam caducas a legitimidade que no
existe no interior das sociedades angolanas e a legalidade que ningum
respeita, a comear pelas elites polticas.

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Que me seja permitido repetir uma questo primordial e essencial: O


que Angola; uma nao ou vrias naes? O que o Estado em Angola,
e se Angola necessita de um Estado, qual? Modestamente, esperamos
ter avanado um nmero de elementos suficientes e convincentes, de
que no se poder pensar na formao de um Estado angolano se ela
no for abordada do ponto de vista das sociedades angolanas, da mesma
maneira que a questo da nao angolana no pode ser estudada sem
o debate sobre a formao do Estado. Para tal, ser necessrio adoptar
uma perspectiva pluralista e pluridisciplinar como posio epistemo-
lgica e metodolgica; e marcar voluntariamente uma certa distncia
em relao s posies tradicionais sobre Estado, comunidade e nao,
lembrando que esta ltima

uma comunidade poltica imaginria, e imaginada como intrinse-


camente limitada e soberana.... Ela imaginria (imaginada) porque
mesmo os membros da mais pequena das naes jamais conhecero a
maior parte dos seus concidados: nunca os cruzaro nem ouviro falar
deles, mesmo se no esprito de cada um a imagem da sua comunho
permanece viva [...]. A nao imaginada como limitada porque mesmo
a maior delas, podendo congregar at mil milhes de seres humanos,
tem fronteiras finitas, apesar de poderem ser elsticas, por detrs das
quais vivem outras naes [...]. Ela imaginada como soberana porque
o conceito surgiu no momento em que as Luzes e a Revoluo des-
truam a legitimidade de um reino dinstico hierarquizado e de ordem
divina... as naes sonham de serem livres e de o serem directamente,
mesmo se elas se colocam sob a proteco divina. O Estado soberano
a cauo e o emblema dessa liberdade [...]. Enfim, ela imaginada
como comunidade porque independentemente das desigualdades e da
explorao que a possam reinar, a nao sempre concebida como
uma camaradagem profunda, horizontal.28

Abstract
The State is not a natures gift but the result of a social process. It is built
through the course of the history of human communities by social actors
within and without those communities, and shaped by the elaborate relations
and interactions that take place between and among them, in time and space.
Using such perspective to understand and advance possible pathways of
the formation process of the Angolan State, means that one is supposed to
refer to the history of Angola, and to relay on the multiple variables that
may intervene in it, from the existence of distinct pre-colonial communities
to the creation of what has been named the Angolan nation, but also

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the colonial society. This implies to engage the debate on the question
of nation and nationalism, on the relations between the communities, on
the important discussion over equality and alterity, on the place of legal
pluralism and legal orders, on violence and war And finally to debate
the conditions of statehood, all of them of the utmost importance for the
building of an Angolan State.
Keywords: state; nation; power; domination; law; legality; legitimacy; legal
pluralism; legal order; violence; war; economy; social wealth; distribution
of wealth; communities; social and historical process; space; statehood.

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Notas
1
Ver SANTOS, Daniel dos. O direito costumeiro e a formao do Estado africano. Re-
vista Cincias Sociais, Rio de Janeiro, v.12, n.1, p. 31-48, 2006; Ltat priphrique et
les classes sociales, rfrence particulire lAfrique. Critiques socialistes, Hull/ Qubec,
n. 3, p. 141-159, automne 1987. Mas tambm dois textos clssicos imprescindveis
para este debate, de Hamza Alavi: Lo stato nelle societ postcoloniali: lesempio del
Paskistan e del Bangladesh. Problemi del Socialismo, [S.l.], terza serie, v. 14, n. 10, p.
582-608, 1972 e de Colin Leys: The overdeveloped postcolonial state: a re-evalua-
tion. Review of African Political Economy, [S.l.], v. 3, n. 5, p. 39-48, Spring 1976.
2
A propsito dos direitos de oposio e de resistncia ver GOYARD-FABRE, S. Le peu-
ple et le droit dopposition. Cahiers de philosophie politique et juridique, Caen/Frana, v. 2,
p. 69-87, 1982.
3
Ver a comunicao de Maria Conceio Neto: As fronteiras por dentro da nao: divises
tnicas, socio-econmicas e socio-polticas numa perspectiva histrica. Comunicao
apresentada na Conferncia Angola: a crise e o desafio democrtico, Programa An-
gola/Canad, ADRA/Angola e CIDMAA/Canad, Luanda, 24 a 26 de agosto de 1992;
o seu artigo: Contribuies a um debate sobre as divises tnicas em Angola. Cincias
Sociais/Textos de anlise, Luanda, v. 2, p. 16-35, nov. 1991; e a obra importante de Joa-
quim Dias Marques de Oliveira: Aspectos da delimitao das fronteiras de Angola. Coim-
bra: Coimbra Editora, 1999. Sobretudo o cap. 2: As origens das fronteiras africanas,

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 95-125, 1. sem. 2007


123
p. 19-64.
4
ABREU, Cesaltina. A ruralizao do desenvolvimento em Angola. Cincias Sociais/Textos
de anlise, Luanada, v. 2, n. 10, p. 9-15, nov. 1991. CODESRIA/ Grupo de trabalho.
5
Referimo-nos ao conceito de nao definido por Benedict Anderson em Limaginaire
national: rflexions sur lorigine et lessor du nationalisme. Paris: La Dcouverte &
Syros, 2002.
6
SANGO, Andr de Oliveira Joo. Angola: uma tentativa de acomodao das diferenas.
In: REUNIO INTERNACIONAL DE HISTRIA DE FRICA RIHA: a dimenso
atlntica da frica, 2., 1997, So Paulo. Anais... So Paulo: CEA-USP: SDG-Marinha:
CAPES, p. 131-146, 1997. O autor aborda esta questo estabelecendo hipteses so-
bre a melhor forma de possibilitar a convivncia de diferentes grupos e interesses,
mantendo a unidade do Estado. Ainda que a sua perspectiva seja diferente da nossa,
consideramos o facto de reconhecer as diferenas e a necessidade de as acomodar como
uma contribuio importante para o debate que nos interessa.
7
PROUDHON, Pierre Joseph. Ide gnrale de la rvolution au XIXe sicle. Paris: Groupe
Fresnes-Antony, [19--]. p. 248.
8
MCMILLAN, John. The main institution in the country is corruption: creating trans-
parency in Angola. CDDRL Working Papers, Stanford, v. 36, 7 Feb. 2005.
9
Ferreira, Manuel Ennes. A indstria em tempo de guerra (Angola, 1975-91). Lisboa: Cos-
mos: Instituto de Defesa Nacional, 1999. p. 72, 118, 314.
10
Trata-se de uma abordagem essencial que resta por fazer, mas de um campo de pes-
quisa primordial para se compreenderem os modos de reproduo desse espao em
Angola. Ainda que no se refiram ao caso particular de Angola, permito-me assinalar
vrias referncias que considero interessantes: DOUGLAS, Mary. Como as instituies
pensam. So Paulo: Edusp, 1998; CONNERTON, Paul. Como as sociedades recordam. 2.
ed. Oeiras: Celta, 1999; BAUDRILLARD, Jean. Palavras de ordem. Porto: Campo das
Letras, 2001; KEARNEY, Richard. On stories. London: Routledge, 2002; BRUNER,
Jerome. Making stories: law, literature, life. New York: Farrar, Strauss and Giroux,
2002; TILLY, Charles. Why? Princeton: Princeton University Press, 2006; GOODY,
Jack. Pouvoirs et savoirs de lcrit. Paris: La Dispute: SNDIT, 2007.
11
The Second Economy in Angola: Esquema and Candonga. In: LS, Maria (Ed.). The
second economy in marxist states. London: The Macmillan Press, 1990. p. 161.
12
Independentemente das oposies e das resistncias poderem ser tambm de nature-
za violenta, o certo que at recente data mesmo os mais elementares direitos civis,
liberdades e direitos humanos, eram estritamente reprimidos pelo Estado angolano,
e isso desde o incio da independncia. O caso mais recente refere-se tentativa de
expulsar os habitantes dos bairros pobres de Luanda, os musseques, ligado espe-
culao imobiliria e aos investimentos em condomnios fechados e residncias de
luxo. Para os pobres uma questo de direitos fundamentais: terra, gua, alojamento,
sade... e liberdade. Para uma viso geral dos primeiros anos da independncia, ver
o livro de entrevistas com personalidades angolanas: JAIME, Drumond; BARBER,
Helder. Angola: depoimentos para a histria recente, 1950-1976. Luanda: [s.n.], 1999.
A propsito dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, definidos muitas vezes como
tentativa de golpe de estado, ver sobretudo o excelente artigo de Lara Pawson: O 27 de
Maio Angolano visto de baixo. Relaes Internacionais, [S.l.], p. 150-176, jun. 2007. Os
livros de testemunhos so dificilmente verificveis, mas convm assinalar um dos lti-
mos: MIGUEL FRANCISCO. Nuvem negra: o drama do 27 de maio de 1977. Lisboa:
Clssica, 2007.
13
Sobre esta questo ver o artigo de Christine Messiant: La Fondation Eduardo dos
Santos (FESA). Politique Africaine, Paris, v. 73, p. 82-102, mar. 1999. Outros do-
cumentos tambm disponveis: GLOBAL WITNESS. A crude awakening. London,
1999; INTERNATIONAL MONETARY FUND-IMF. Report of the Working Group on
Transparency & Accountability. Washington, D.C., 1998; NATIONS UNIES. Rapport
Robert Fowler (S/2000/203). New York, 10 Mars 2000; THE ANGOLA file. Southern
Africa Report, [S.l.], v. 15, n. 1, p. 7-20, Dec. 1999; GLOBAL WITNESS. Les affaires
sous la guerre: armes, ptrole & argent sale en Angola, Marseille, Agone. London, 2003;
VERSCHAVE, Franois-Xavier. Lenvers de la dette: criminalit politique et cono-
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 95-125, 1. sem. 2007
124
mique au Congo-Brazza et en Angola, Marseille, Agone. [S.l.: s.n.], 2001 e tantos
outros.
14
WEBER, Max. Le savant et le politique. Paris: Librairie Plon: Union Gnrale dditions,
1959. p. 100-101.
15
WEBER, Max. The theory of social and economic organization. New York: Free Press, 1964.
p. 156.
16
Ver WEBER, Max. Le savant et le politique. Paris: Librairie Plon: Union Gnrale
dditions, 1959. p. 99-185.
17
Inventamos a palavra estadicidade (statehood em ingls) para significar as condies
de existncia do Estado, as situaes e os critrios da sua formao. Ver sobre esta
questo os dois excelentes artigos de R. H. Jackson e C. G. Rosberg: Why Africas weak
states persist: the empirical and the juridical in statehood. World Politics, [S.l.], v. 35,
n. 1, p. 1-24, Oct. 1982; Sovereignty and underdevelopment: juridical statehood in
the african crisis. The Journal of Modern African Studies, [S.l.], v. 24, n. 1, p. 1-31, 1986 e
tambm SORENSEN, Georg. War and state-making: why doesnt it work in the third
world? Security Dialogue, [S.l.], v. 32, n. 3, p.341-354, 2001; BATES, Robert H. Prosper-
ity and violence. New York: W. W. Norton, 2001; NIEMANN, Michael. War making and
state making in Central Africa. Africa Today, [S.l.], v. 53, n. 3, p. 21-39, Spring 2007.
18
PACHECO, Fernando. A problemtica da terra no contexto da construo da paz: desenvol-
vimento ou conflito? [200-]. Disponvel em: <http://www.c-r.org/accord/ang/accord15_
port/09.shml>. Acesso em: 01 jul. 2005.
19
Neste sentido, a contribuio ao debate sobre o que o Estado hoje, de BUTLER, Ju-
dith; SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Ltat global. Paris: ditions Payot & Rivages, 2007,
extremamente importante. Entre outras coisas, o Estado uma formao especfica de
poder e de coero, concebido para produzir e perpetuar a condio do despossudo. Ele acaba
por vir a ser um espao de transio, temporrio, cujos habitantes so cada vez mais
provenientes de outros territrios, falando as lnguas mais diversas e com referncias
culturais e normativas mltiplas. Essa constatao coloca em evidncia a incapacidade
do Estado angolano, e no s! Os Estados-nao modernos, ocidentais, e a expor-
tao do seu modelo pelo mundo fora, revelam-se incapazes tambm de resolver os
problemas da cidadania (ver por exemplo as formas que eles adoptam, violentas, para
tratar questes como pobreza, criminalidade, imigrao e refugiados).
20
Segundo o relatrio conjunto P. N. U. D. e Ministrio do Planeamento da Repblica
de Angola (2005) Objectivos do Milnio. Relatrio de Progresso, Luanda, PNUD: 20,
Angola apresenta um conjunto de indicadores sociais ainda muito baixos que a colo-
cam entre os pases mais menos desenvolvidos do mundo sob o aspecto do desenvolvi-
mento humano. De entre os 177 Pases relacionados no Relatrio de Desenvolvimento
Humano de 2004 do PNUD, Angola ficou classificada em 166o lugar, ao nvel do ndice
de Desenvolvimento Humano (IDH). Em 2000-1, estimava-se que cerca de 68% da
populaao angolana vivia abaixo da linha de pobreza (correspondente a 1,70 dlares
americanos por dia), 26% dos quais em situao de extrema pobreza (com menos de
0,75 dlar americano por dia).
21
SANTOS, Daniel dos. The Second Economy in Angola: Esquema and Candonga.
In: LS, Maria (Ed.). The second economy in marxist states. London: The Macmillan
Press,1990. p. 157-174; MORICE, Alain. Commerce parallle et troc Luanda. Poli-
tique Africaine, [S.l.], v. 17, p. 105-120, Mars 1985. Ainda que se refiram ao perodo
dos anos 1980-1990, muito do que se evidencia nestes artigos permanece vlido ac-
tualmente. Ver tambm FERREIRA, Manuel Ennes. La reconversion conomique de
la nomenclatura ptrolire. Politique Africaine, [S.l.], v. 57, p. 11-26, Mars 1995.
22
BAYART, Jean-Franois; ELLIS, Stephen; HIBOU, Batrice. La criminalisation de ltat
en Afrique. Bruxelles: Complexe, 1997; BAYART, Jean-Franois. Le crime transnational
et la formation de ltat. Politique Africaine, [S.l.], n. 93, 93-104, Mars 2004.
23
TILLY, Charles. Charles Tilly. War making and state making as organized crime. In:
EVANS, Peter; RUSCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda. Bringing the state back
in. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 169-191.

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125
24
TILLY, Charles. Charles Tilly. War making and state making as organized crime. In:
EVANS, Peter; RUSCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda. Bringing the state back
in. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. p. 170.
25
Sobre esta matria ver tambm as objeces de GOODY, Jack. Modles tatiques et
moyens de production. Cahiers de lInstitut Universitaire dtudes du Dveloppement: les
Espaces du Prince: ltat et son expansion dans les formations sociales dpendantes.
Paris: Presses Universitaires de France; Genve: Institut Universitaire dtudes du D-
veloppement, 1977. p. 103-128.
26
A criao de associaes de empresrios angolanos engloba sobretudo os pequenos
empresrios tradicionais, normalmente ligados aristocracia pequeno-burguesa
urbana e os empresrios da modernidade, jovens com ligaes ao poder. Ver de
Calado, Jos Carlos. A emergncia do empresariado em Angola: motivaes e expectativas.
Coimbra: P de Pgina, 1998. , no entanto, duvidoso pensar hoje que esses grupos,
aos quais certos autores acrescentam os empresrios do mercado informal ou parale-
lo, possam formar uma burguesia nacional angolana. Uns contentam-se em sobreviver,
outros em fazer uma vida agradvel sem muitos riscos, e os outros encontram-se ainda
virados para o consumismo de luxo, sem grandes riscos tambm. Mas a caracterstica
principal que praticamente todos so, de uma forma ou outra, dependentes e clientes
do poder ou do capital mundial. O clientelismo diferente da proteco e do apoio
que o Estado deveria oferecer a tais grupos sociais no sentido utilizado por Charles
Tilly.
27
MARX, Karl. El colonialismo. Mxico: Grijalbo, 1970; LEVRERO, Renato. Nacin, me-
tropoli y colonias en Marx y Engels. Cuadernos ANAGRAMA, Barcelona, 1975.
28
ANDERSON, Benedict. Limaginaire national: rflexions sur lorigine et lessor du na-
tionalisme. Paris: La Dcouverte & Syros, 2002. p. 19-21.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 95-125, 1. sem. 2007


ARTIGOS
Tim Ingold*

Introduo a O que um animal?**

O texto que segue a introduo de um livro organizado


por Tim Ingold no qual ele tambm tem um captulo
intitulado O animal e o estudo da humanidade.
Nesta Introduo, Ingold discute as principais idias
de cada um dos autores que participaram da obra,
evidenciando seus prprios pressupostos, sempre ca-
racterizados por originalidade de reflexo e habilidade
em enfrentar o dilogo com outras disciplinas; por isso
o interesse em traduzi-la. Um segundo motivo para a
traduo estimular a divulgao da obra como um
todo. Assim, a transcrio de um sumrio,1 alm de
*
Departamento de Antropologia So- melhor situar o leitor em relao s passagens em que
cial Universidade de Manchester.
**
What is an animal? Publicado por Ingold se remete aos diversos autores colaboradores,
Tim Ingold. Londres: Routled- um convite a sua leitura.
ge, 1994. Traduzido do ingls
por Glucia Silva (PPGA/UFF)
e Rosane Prado (PPCIS/UERJ), Palavras-chave: animalidade; humanidade; in-
que agradecem ao professor
Tim Ingold por ter gentilmen- tencionalidade, antropocentrismo; cultura.
te concordado com a traduo
do artigo para a Antropoltica.
Sumrio: 1 Introduo Tim Todas as sociedades humanas, passadas e presentes,
1

Ingold; 2 a humanidade um
tipo natural? Stephen R. L. Cla- coexistiram com populaes de animais de uma ou
rk; 3 Bestas, brutos e monstros
Mary Midgley; 4 Animalidade,
vrias espcies. Ao longo da histria as pessoas tm, de
humanidade, moralidade, socie- maneiras variadas, matado e comido animais ou, em
dade Richard L. Tapper; 5 Ani-
mal numa perspectiva biolgica ocasies mais raras, tm sido mortas e comidas por eles;
e semitica Thomas A. Sebeok; incorporaram animais em seus grupos sociais, como
6 As atitudes dos animais para
com as pessoas Jennie Coy; 7 O estimao ou cativos; utilizaram suas observaes da
animal no estudo da humanida- morfologia e do comportamento animal na construo
de Tim Ingold; 8 - Organismos
e mentes: a dialtica da interfa- de seus prprios projetos para viver. As idias que as
ce animal-humano na biologia pessoas tm sobre os animais e suas atitudes em relao
Brian Goodwin; 9 Affordances
do ambiente animado: as cincias a eles so correspondentemente to variveis, em todo
sociais do ponto de vista da ecolo-
gia Edward S. Reed; 10 Tornar-
o detalhe, como as suas formas de se relacionarem uns
se humano, nossos vnculos com com os outros, em ambos os casos (homem/homem, ho-
nosso passado Nancy M. Tanner;
11 A animalidade humana,
mem/animal), refletindo a surpreendente diversidade
a imagem mental do medo e de tradies culturais que amplamente vista como a
religiosidade Balaji Mundkur.
130

marca oficial da humanidade. Mas, ao reconhecermos essa diversidade,


somos imediatamente confrontados com um estranho paradoxo. Como
podemos alcanar uma compreenso comparativa das atitudes culturais
dos homens para com os animais, se a prpria concepo do que um
animal pode ser e, conseqentemente, do que significa ser humano ela
mesma culturalmente relativa? O projeto antropolgico de comparao
trans-cultural no repousa sobre uma implcita pressuposio da singu-
laridade humana vis--vis a outros animais, que fundamentalmente
antropocntrica? Alm do mais, se ns seguirmos as presses da teoria
evolucionista moderna reconhecendo a continuidade essencial entre
animais humanos e no-humanos, isso no implica a adoo de uma
noo etnocentricamente ocidental de natureza humana? possvel,
mesmo em teoria, transcender simultaneamente as limitaes tanto do
antropocentrismo quanto do etnocentrismo?
Com dilemas como esse em mente, o programa para o tema principal do
Congresso Mundial de Arqueologia sobre Atitudes culturais em relao
aos animais foi aberto com uma sesso na qual os participantes foram
convidados a tratar da seguinte questo-chave: O que um animal?.
Foi solicitado a cada participante enfrentar a questo do seu ponto de
vista pessoal ou disciplinar, e eu fiz uma tentativa deliberada de abranger
perspectivas de um espectro de disciplinas to vasto quanto possvel, in-
cluindo antropologia cultural e social, arqueologia, biologia, psicologia,
filosofia e semitica. No foi surpresa que minha observao tenha gera-
do respostas de tipos variados, e que elas tenham discordado em muitas
premissas fundamentais. Talvez o mais surpreendente tenha sido o grau
de paixo despertado ao longo da discusso, o que me pareceu confirmar
dois pontos sobre os quais acredito que todos os participantes concor-
dariam: primeiro, que existe um forte contedo emocional subjacente
em nossas idias sobre animalidade; segundo, que essas idias, quando
submetidas ao escrutnio crtico, revelam aspectos altamente sensveis e
bastante inexplorados da compreenso sobre a nossa humanidade.

Os limites do animado2
claro que a questo O que um animal? pode ser construda de
muitas maneiras. Todas elas preocupadas com problemas de definio
de fronteiras, sejam estabelecidas entre animais humanos e no-humanos,
ou entre animais e plantas ou ainda entre seres vivos e no-vivos. A
ltima dessas fronteiras a mais inclusiva, pois baseia-se no critrio da
animalidade,3 sobre a distino mesma entre objetos animados e inani-

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 129-150, 1. sem. 2007


131

mados. Esse tema central em duas contribuies do presente volume:


as de Reed e as de Goodwin.
Reed argumenta que a propriedade distintiva dos seres animados est
na sua capacidade de movimento autnomo ou seja, movimento mais
aquilo que os animais fazem do que o resultado mecnico do que feito a
eles. Isso leva Reed a perguntar o que um animal pode proporcionar a um
outro em seu ambiente que um objeto inanimado no possa. Ele mostra
que, alm de serem agentes autnomos que podem agir em resposta
ou, literalmente, interagir, todos os objetos animados tm a propriedade
de crescer e que, diferentemente das mquinas, sua atividade nunca
perfeitamente repetitiva.
Para Goodwin, essas propriedades dinmicas dos organismos represen-
tam o ponto de partida a partir do qual ele tenta resolver o problema
da gerao da forma em biologia, problema este que at agora se mos-
trou resistente a abordagens expressas em termos de um paradigma
convencional e reducionista, inspirado na viso cartesiana do animal
como um autmato complexo. Adotando uma lgica de processo, ele
mostra que a estabilidade da forma no dada pela interao de seus
elementos constituintes; para Goodwin, a estabilidade da forma ativa-
mente mantida por um movimento de inteno: assim, a mudana vem
primeiro, a persistncia conseqncia. Nas palavras de Goodwin no
a composio que determina a forma e a transformao do organismo,
mas a organizao dinmica. Conclui, ento, que o animal no um
autmato mas um centro de poder imanente, autogerador ou criativo,
um locus no contnuo desdobramento ou modulao de um campo total
das relaes. Mas levar essa filosofia de processo sua concluso ltima
dissolver as fronteiras mesmas do animado, reconhecer que, num
certo sentido, o mundo inteiro um organismo e seu desdobramento
um processo orgnico.
A pergunta O que um animal?, de forma bem menos inclusiva, uma
questo de macrotaxonomia distinguir os animais de outras classes am-
plas de formas de vida, tais como plantas, fungos e bactrias. assim que
Sebeok v o problema. Ele comea com a caracterizao das propriedades
fundamentais dos sistemas vivos, que conectam dois processos: um de
converso energtica e outro de troca de informao. Todos os organismos
recebem sinais de seus ambientes, transmutando-os em respostas que
consistem de mais sinais, mas esse processo de sinais ou semiose pode
ser radicalmente diferente para os animais e plantas, por exemplo. As
variedades de semiose, que levam a questes fascinantes (s quais retor-
narei adiante) concernindo-se s maneiras pelas quais os organismos de

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 129150, 1. sem. 2007


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diferentes tipos empenham-se na construo de seus prprios ambientes,


fornecem uma base para sua possvel distino taxonmica.
Sebeok resenha os critrios semiticos e outros, utilizados nas macrota-
xonomias cientficas, por meio dos quais os animais podem ser distin-
guidos de outras formas. Existem, claro, muitos critrios alternativos, e
por isso podem existir mltiplas taxonomias, cujas quantidades crescem
incomensuravelmente se atribuirmos um valor equivalente (e as validar-
mos em seus prprios termos) s taxonomias folk de outras culturas,
baseadas como elas so, freqentemente, num profundo conhecimento
terico e prtico sobre o mundo natural.
Assim como uma compreenso mais profunda de um mito, seguindo o
conselho de Lvi-Strauss (1985), pode ser obtida de uma leitura simul-
tnea de suas muitas verses, ento talvez possamos chegar perto da
descoberta do significado de animal, tratando cada uma das taxonomias
como se fosse a parte de um conjunto, cada uma proporcionando uma
resposta parcial ao problema cuja soluo completa requer uma leitura
do conjunto inteiro como uma totalidade estruturada.

Animalidade e humanidade
Embora nosso questionamento se refira tanto s propriedades do ser
vivo, quanto quelas relativas s principais classes de organismos, ele
mais comumente entendido, de modo estreito e reflexivo, como uma
questo sobre ns mesmos. suposto que todo atributo considerado
como unicamente nosso estar, conseqentemente, ausente nos animais;
ento, o conceito genrico de animal constitudo negativamente pela
soma dessas deficincias. Porm, como Clark observa na sua contribuio
a este livro, quaisquer que sejam os atributos que possam ser usualmente
selecionados como marcas distintivas da humanidade (e estes variam de
uma cultura para outra), ns encontraremos algumas criaturas nascidas
do homem e da mulher que por uma razo qualquer no se enqua-
dram (ver tambm HULL, 1984, p. 35).
Um atributo controverso sobre o qual discutirei a seguir, mas que ser-
vir agora como exemplo, a faculdade da linguagem. Existem alguns
indivduos da descendncia humana aos quais falta essa capacidade. At
agora, nenhum animal de outra espcie mostrou conclusivamente possu-
la, embora muitas reivindicaes a este respeito tenham sido feitas. Isso
no significa, entretanto, que nunca possamos descobrir um animal que
a possua, nem que devamos descartar a possibilidade de que, no futuro,
essa capacidade lingstica evolua de forma totalmente independente
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em descendentes de alguma outra linhagem, sem que seus membros por


isso sejam classificados como pertencentes espcie humana.
Supondo-se que a humanidade fosse definida como Homo loquens, uma
espcie natural incluindo todos os animais com linguagem e discurso,
poderamos admitir a possibilidade tanto de ela excluir indivduos apa-
rentados com os humanos como de incluir seres de ascendncia no-
humana. Mas se, por humanidade, designamos a espcie biolgica Homo
Sapiens, somente aquela primeira classe de seres poderia, sem dvida,
ser includa nessa categoria, e no a ltima.
Comparando a taxonomia folk com a cientfica, Clark mostra que as
espcies biolgicas (a nossa inclusive) no so tipos naturais. Ou seja, os
indivduos de uma espcie so ligados por uma conexo genealgica,
na verdade como co-descendentes de um ancestral comum ou como um
co-ancestral potencial de descendentes comuns. Dadas a variabilidade e
a imprevisibilidade das similaridades e diferenas entre seres humanos
e organismos de outras espcies, segue da que, se as fronteiras da co-
munidade moral so definidas de forma ampla o suficiente para abarcar
todos os seres humanos e seus futuros descendentes, ento justamente
por isso elas devem abarcar os animais no-humanos com os quais os
humanos partilham uma ancestralidade comum.
Isso leva ao imediato questionamento at mesmo das mais bem-inten-
cionadas tentativas de validar nossas idias morais e polticas de apelo a
uma humanidade comum especfica de uma espcie, e tem implicaes
considerveis relacionadas a nossas responsabilidades em relao aos
animais no-humanos. Pois isso inevitavelmente turva aquelas distines
confortveis com as quais organizamos nossas vidas: domesticao e
escravido, caa e homicdio, comer carne e canibalismo.
Midgley argumenta, em sua discusso sobre a histria dos termos ani-
mal e besta, que o primeiro deles agora comumente empregado em
dois sentidos contraditrios: um benigno e inclusivo de humanidade; e
outro negativo e exclusivo, denotando todos os seres que so conside-
rados inumanos ou anti-humanos. Tambm Tapper observa, a respeito
desse mesmo fenmeno, que tal ambivalncia na concepo de animais,
como sendo aparentados mas tambm muito distantes de ns nos seus
comportamentos, faz com que eles sejam especialmente adequados para
serem usados como modelos ou exemplos no processo de socializao ou
de transmisso da cultura e da moralidade entre geraes.
Coy tambm observa a inconsistncia, presente na recente literatura
ocidental sobre o bem-estar dos animais, que os trata como bestas

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irracionais que precisam ser muito bem protegidas, ao mesmo tempo


em que atribui a eles uma gama plena de sentimentos humanos. Essas
contradies originam-se, em larga medida, da nossa propenso para
oscilar entre duas abordagens muito diferentes na definio de anima-
lidade: como um domnio ou reino, incluindo humanos; e como um
estado ou condio opostos humanidade (ver Figura 1).

Figura 1

Duas vises sobre animalidade: como um reino (incluindo a


humanidade) e como uma condio (excluindo a humanidade).
A rea sombreada representa a natureza humana ou a
animalidade humana.

Na primeira abordagem, a humanidade identificada com o taxon bio-


lgico Homo sapiens, uma das inmeras espcies animais habitantes da
Terra, conectadas, sincronicamente, numa complexa rede de interdepen-
dncias ecolgicas, e, diacronicamente, por uma genealogia totalmente
englobante da evoluo filogentica.
Muito claramente o processo de se tornar humano, que Tanner traa
em seu captulo, embora tenha envolvido uma nica seqncia de ino-
vaes morfolgicas e comportamentais, no constituiu um movimento
externo animalidade, mas uma extenso de suas fronteiras. Nesse
sentido, os humanos modernos so to animais quanto os australopi-
tecnios ou chimpanzs.
J de acordo com a segunda abordagem, o conceito de animalidade tem
sido empregado para caracterizar um estado de ser conhecido como
natural, no qual as aes so impelidas por impulsos emocionais inatos
que no so disciplinados nem pela razo nem por um senso de respon-
sabilidade. Dessa mesma perspectiva, animalidade tem sido estendida
para descrever a hipottica condio de seres humanos em estado
bruto, intocados pelos valores e princpios da cultura ou da civilizao.
Tornar-se humano, ento, equivalente ao processo de endoculturao
ao qual virtualmente todas as crianas da nossa espcie se submetem ao
longo de sua passagem para a maturidade, e segundo acreditaram os
primeiros antroplogos pelo qual toda a espcie est destinada a passar
em seu deslocamento desigual em direo civilizao.
Essa viso de uma humanidade emergente antes como superao de

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uma animalidade intrnseca do que propriamente uma extenso da mes-


ma esteve subjacente s tentativas de muitos antroplogos do sculo
XIX para reconstruir a natureza humana como um ponto de partida
para toda a subseqente evoluo cultural e social. Esse pressuposto con-
tinua a informar muito a respeito da especulao sociobiolgica de cunho
mais popular sobre o mesmo tema, o que usualmente se materializa na
procura por prottipos de respostas comportamentais humanas em meio
ao repertrio inato de outras espcies. Tal concepo exemplificada
neste livro por Mundkur, embora, em essncia, sua contribuio pertena
a uma classe totalmente diferente, na medida em que se apia numa
formidvel erudio, quando procede a um rastreamento da disciplina,
e num peso colossal de documentao emprica, do tipo que claramente
falta na maior parte da sociobiologia humana.
Mundkur est preocupado em revelar os principais fundamentos do
que chama religiosidade, definida como o estado mental incitado pela
crena em foras percebidas como sobrenaturais. Ele argumenta que
esse estado mental est envolvido pela emoo do medo, o que passvel
de demonstrao pela disposio dos sistemas sensoriais de no mnimo
todos os vertebrados superiores, e que tem claras funes adaptativas
as quais teriam promovido seu estabelecimento sob presses da seleo
natural. O que aparece na histria das religies como uma diversidade
quase caprichosa de crenas e prticas, na verdade, essa religiosidade
de base, refratada de modos incontveis atravs das formas das tradies
culturais, que tm sido superpostas mesma.
muito significativo que Mundkur apresente seu projeto como uma
pesquisa sobre a animalidade humana, uma pesquisa que requer ex-
planaes mecanicistas expressas nos termos das cincias biolgicas mais
hard gentica, bioqumica e neurofisiologia. Obviamente, esse tipo
de investigao execrado por muitos antroplogos sociais e culturais
para quem, conforme observa Tapper, a natureza humana a diversi-
dade cultural. A essncia da humanidade, ainda na perspectiva desses
antroplogos, constituda, em oposio animalidade, por uma capa-
cidade para cultura, cujas manifestaes histricas e contemporneas
compem o objeto de estudo para o espectro das disciplinas conhecidas
no seu conjunto por humanidades. Paradoxalmente, a indagao dos
sociobilogos sobre os rudimentos da natureza humana acaba sendo uma
tentativa de descobrir o que inumano no homem caracterizar o humano
despojado de sua humanidade, revelando um resduo animal.
Ento, embora como membros de uma espcie particular os seres hu-
manos pertenam inquestionavelmente ao reino animal, eles tambm

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so vistos como incorporando duas condies contrrias, s quais o


pensamento ocidental atribuiu os rtulos de animalidade e humanidade
(Figura 1). Desses rtulos, o ltimo aponta para o status do ser humano
particularmente como uma pessoa, um agente dotado de intenes e
propsitos, motivado em suas aes por valores e uma conscincia moral.
A ambigidade conceitual no um acidente; reflete uma crena ampla-
mente aceita segundo a qual (com exceo dos animais quase humanos
como os de estimao) ser uma pessoa um estado que est disponvel
apenas para os indivduos da espcie Homo sapiens, estando ambas a
condio moral e a classificao biolgica fundidas sob a nica rubrica
de humanidade.
Consoante essa crena, enquanto humanos possam se comportar de um
modo considerado inumano e bestial, caso eles se permitam ser irra-
cionais e dominados por paixes primordiais (particularmente as mais
torpes), os animais de outras espcies s podem agir como se estivessem
continuamente submetidos s paixes e, portanto como as crianas
humanas , eles no tm qualquer responsabilidade ou clculo sobre
o que fazem (SHOTTER, 1984, p. 42). Conseqentemente, embora
possamos, seguindo o exemplo de Mundkur, iniciar uma investigao
sobre a animalidade humana, no pode existir nenhuma pesquisa sobre a
humanidade dos animais no-humanos. Ou seja, quando certas aes so
desempenhadas por humanos, no hesitamos em consider-las como
intencionalmente motivadas e culturalmente informadas; ao passo que,
se fossem desempenhadas por animais, teriam de ser explicadas como
uma resposta automtica de um mecanismo neural inato, determinado
geneticamente.

Intencionalidade e linguagem
Midgley exps vigorosamente o duplo padro inerente a essa viso. A
autora indaga por que a intencionalidade deveria ser excluda de uma
concepo cientfica de animal, embora ela parea to evidente aos
olhos dos tcnicos que trabalham com animais (cachorros, elefantes ou
chimpanzs) quanto a intencionalidade de nossas aes auto-evidente
para ns. Midgley responde que a cincia do comportamento animal
tem sido frustrada por um tipo de solipsismo de nossa espcie, ceti-
cismo pretensioso, fruto da ignorncia sobre o contedo dos estados de
conscincia dos animais.
Os cientistas, em suas tentativas de dar conta das performances fre-
qentemente muito complexas e variveis de outras espcies, evitando

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transgredir as fronteiras convencionais da animalidade, foram forados


ou a simplificar suas descries sobre o que os animais fazem, omitindo
certos detalhes perturbadores, ou a propor mecanismos, os mais tor-
tuosos e enrolados, para explicar o que geraria os padres observados. No
entanto, o princpio regular da parcimnia explanatria, cientificamente
aprovado, se fosse consistentemente aplicado, favoreceria explicaes
muito mais econmicas expressas em termos de habilidades animais
que servem para fazer seu prprio ajuste entre meios e fins por meio
do processo de deliberao racional.
A viso segundo a qual animais no-humanos podem ser considerados
como sujeitos autoconscientes com pensamentos e sentimentos prprios
ainda uma heresia em crculos psicolgicos e etolgicos. Isso tem
sido vigorosamente defendido nos anos recentes por Griffin (1984),
cujo trabalho encontrou em Midgley uma forte defensora. As idias de
Griffin sobre a questo da conscincia animal so ainda discutidas neste
livro, por Coy e por Ingold. Coy reconhece isso com algum ceticismo,
mas aceita a noo de que os animais no-humanos se utilizam de um
pensamento consciente, no mnimo como uma hiptese de trabalho, e
com a finalidade de amenizar um forte e tendencioso legado cartesiano
favorvel idia de que eles no seriam capazes disso.
Finalmente, no h razo a priori para se atribuir mais credibilidade ao
mencionado legado cartesiano do que sua crtica. Alm disso, os tipos
de presses seletivas que podem ter promovido o desenvolvimento da
conscincia em humanos poderiam ter igualmente atuado sobre outras
espcies com as quais a espcie humana manteve estreito e duradouro
contato. Coy sugere que essas presses estariam nas vantagens adaptativas
para o indivduo de uma espcie conferidas pela habilidade de predizer
aes plausveis de outros da mesma espcie ou de espcies diferentes
predadores, competidores ou presas.
Ento, na mesma medida em que o caador humano se beneficia ao
prever as reaes do veado, o veado tambm se beneficia ao ser capaz
de prever a previso do caador e de confundi-lo, por meio do exer-
ccio de poderes autnomos de ao intencional. Ento, cada aumento
no desenvolvimento da conscincia dos indivduos de um dos lados de
uma relao entre espcies diferentes incrementaria a presso para um
maior desenvolvimento da conscincia nos indivduos da outra espcie,
e vice-versa.
Enquanto Midgley defende os argumentos de Griffin, e Coy os v com
desconfiana, Ingold os considera altamente criticveis. As crticas deste
ltimo ligam-se questo controversa se os animais no-humanos so
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ou no dotados da faculdade de linguagem, questo tambm tocada


por Tanner. Sua questo que o argumento segundo o qual somente
os humanos possuem linguagem s pode ser sustentado pela seleo
arbitrria de fatores aparentemente peculiares comunicao humana
para definir o que seja linguagem, a saber, o emprego de palavra e sin-
taxe. Mas, em comum com outros animais, os humanos se comunicam
utilizando um extenso repertrio de signos no-verbais. Com que direito
privilegiamos a comunicao verbal encontrada entre os seres huma-
nos em detrimento da no-verbal encontrada entre os no-humanos?
Se fosse verdade que a linguagem no nada alm de um mecanismo
interespecfico de comunicao, e, nesse sentido, comparvel a outros
mecanismos igualmente distintivos empregados por outras espcies,
ento haveria alguma consistncia nessa objeo. Todavia, h fortes ar-
gumentos contra a pressuposio de que a primeira funo da linguagem
a comunicao.
Esses contra-argumentos foram particularmente colocados por Chomsky
(1980), cujas idias so brevemente avaliadas neste livro por Goodwin
e por Sebeok (1986). Esses autores sustentam que, principalmente e
antes de mais nada, a linguagem um instrumento de cognio ou um
mecanismo modelador que capacita seus detentores para construir, em
sua imaginao, mundos futuros possveis, cenrios alternativos e planos
de ao. Como tal, a linguagem no se coloca num continuum evolucion-
rio com a comunicao no-verbal. Alm disso, as formas desta ltima,
longe de serem gradualmente deslocadas e substitudas pelo discurso
no processo de nos tornarmos humanos, expandiram-se para assumir
volume e complexidade incomparveis em todo o reino animal.
Adotando a premissa de que existe mais na linguagem alm de discurso,
Ingold argumenta, no mesmo sentido, que a linguagem no apenas
um instrumento de difuso de idias que so de alguma maneira pr-
formadas na mente do sujeito falante, e que, de outro modo, poderiam
permanecer privadas e escondidas. Pelo contrrio, Ingold sustenta que
ela o prprio instrumento de gerao das mesmas. Equipados com essa
facilidade, os seres humanos so capazes de desenhar mundos previa-
mente a sua existncia, o que equivale a dizer que eles podem criar um
verdadeiro ambiente artificial.
Esse o cerne das objees de Ingold ao quadro expresso por Griffin
sobre o que seja um animal. De acordo com Griffin o animal pensa coisas
por antecipao, mas, carecendo de linguagem, no pode comunicar seus
pensamentos pelo menos para um observador participante humano.
Ingold afirma, ao contrrio, que, embora os animais estejam em constante

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comunicao uns com outros, faltando-lhes a linguagem, a substncia


de sua comunicao no possui contedo ideacional, consistindo de ins-
trues em vez de proposies. Em outras palavras, eles no conversam.
Por essa razo, as investidas etolgicas nos mundos de outras espcies
no podem ser comparadas participao lingisticamente mediada dos
antroplogos junto aos povos de outras culturas.

Animais e autmatos
A oposio herana do pensamento cartesiano um tema comum a
muitas contribuies deste livro; somente Mundkur rene foras para
defend-lo argumentando a favor de uma avaliao totalmente mecani-
cista da animalidade. Todavia, essa oposio assume formas radicalmente
diferentes. Uma delas considera que Descartes estava errado ao atribuir
capacidade de pensamento criativo somente a seres humanos, tratando o
resto do reino animal como um sortimento de trabalho automtico. Essa
a viso de Midgley e vai tambm ao encontro da posio de Griffin.
Postulam que os humanos diferem dos outros animais antes em grau do
que em gnero, mas no atravs de um apelo reducionista animali-
dade humana, e sim, por um meio inverso, de atribuir os poderes da
razo e do intelecto, convencionalmente reservados aos humanos, aos
animais no-humanos.
Ingold documenta como uma viso bastante parecida j existia h um
sculo atrs nos escritos de Lewis Henry Morgan, um dos fundadores da
Antropologia moderna. Mas Morgan era um racionalista convicto que no
tinha dvidas sobre a separao complementar dos estados corporal e
mental, acreditando que agir propositalmente constitui, antes, considerar
as alternativas e, depois, executar um plano escolhido. Similarmente,
quando Griffin atribui conscincia aos animais, esta toma a forma da
capacidade para a deliberao racional e a autoconscincia reflexiva e
sua noo de ao intencional pressupe que todo ato precedido de
pensamento. Isto , na medida em que o animal age de forma inten-
cional e consciente, possui em sua mente imagens dos estgios futuros
desejados, escolhe os meios de consegui-los e age de acordo.
Mas, como diz Ingold, muito irnico que, para se conceder ao animal
a condio de cnscio, deva-se supor que ele sempre pense antes de agir,
quando sabemos perfeitamente que muitas das coisas que ns prprios
fazemos, mesmo de forma bastante consciente e intencional, no so to
premeditadas. Aceitando a premissa cartesiana de que o pensamento,
enquanto construo de intenes prvias, dependente da linguagem,

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uma capacidade especificamente humana, Ingold rejeita a viso segundo


a qual tal planejamento seja a condio para a intencionalidade da ao.
Ento, a questo da conscincia animal [...] precisa [...] ser separada
da questo do pensamento animal. O animal que no premedita ou
planeja no por isso um autmato, mas um agente e paciente cnscio,
que age, sente e sofre exatamente como ns.
E como ns, responsvel por suas aes, sabendo mesmo que provocou
seu acontecimento, embora ao mesmo falte a habilidade humana de
apresentar uma avaliao de sua performance, seja em primeira mo
como plano ou retrospectivamente como relato. Essa viso requer que
adotemos uma percepo de conscincia e criatividade bastante diferente
daquela implicada no racionalismo cartesiano, e que igualmente aceita
pelos crticos de Descartes que atribuiriam racionalidade aos animais. A
conscincia no deve mais ser vista como a capacidade de gerar pensa-
mentos, mas como um processo ou movimento, do qual os pensamentos
so um subproduto no essencial (INGOLD, 1986, p. 210). Esse processo
no nada alm da autocriao do sujeito agente.
exatamente nesse ponto que o argumento de Ingold converge em
direo crtica da biologia cartesiana feita por Goodwin, e ambos so
independentemente inspirados pela filosofia do organismo de White-
head. Os animais, de acordo com Goodwin, so tanto causa como efeito
de si mesmos, pura atividade auto-sustentada. E por isso, e no por
possurem a faculdade de razo, que eles so realmente o oposto das
mquinas. O que se levanta contra Descartes no tanto que ele tenha
desenhado uma fronteira entre o mental e o orgnico na interface entre
os seres humanos e os outros animais, mas por ele ter simplesmente de-
senhado tal fronteira, como se os organismos fossem opostos s mentes,
como a matria ao esprito, ou mquinas aos projetistas.
Dualismos desse tipo, uma vez implantados na imaginao cientfica,
tendem a proliferar em todos os ramos de investigao e precisamente
o legado do pensamento dualista em biologia, manifestado em oposi-
es bastantes surradas tais como gentipo/fentipo e organismo/meio
ambiente, que Goodwin est disposto a recusar. A implicao de seu
argumento que mente (ou conscincia) e organismo, longe de estarem
em contraponto como substncias contrrias (ideal e material), so ambos
processos no mundo real, aspectos de um movimento global de existir,
atravs da natureza em sua inteireza, ao qual Whitehead (1929, p. 314)
se referiu como um avano criativo em direo novidade.

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141

Antropocentrismo e singularidade humana


Se aceitarmos que outros animais, que no os da espcie humana, podem
ser agentes conscientes e dotados de inteno, ento devemos tambm
atribuir-lhes poderes pessoais, alm dos naturais. Ou seja, somos forados
a reconhecer que eles encarnam atributos de pessoalidade, que so no
ocidente comumente identificados com a condio de humanidade.
Como Clark argumenta, outras criaturas diferentes biologicamente das
humanas podem ser pessoas, uma viso que pode parecer estranha para
ns, mas que, para muitas culturas no-ocidentais, soa mais como uma
afirmao do bvio (HALLOWELL, 1960). Todavia, Tapper adverte que
em qualquer investigao sobre a humanidade animal certamente cor-
remos o risco de saltar de um antropocentrismo cartesiano questionvel,
que restringe a pessoalidade aos seres humanos, para um igualmente
questionvel antropomorfismo (ou, pior ainda, etnomorfismo) que sim-
plesmente transporta para as mentes animais os pensamentos e sentimen-
tos que reconhecemos em ns mesmos, impregnados como so de nossa
bagagem cultural, especfica de nossa espcie. O risco , sem dvida, real,
e Tapper dirige crticas bastante fortes aos filsofos moralistas, tal como
Midgley que, segundo ele, no enfrenta o problema antropolgico da
traduo, pressupondo similaridades entre mentes humanas e outras,
quando o real problema entender suas diferenas.
Contudo, o antropomorfismo no uma conseqncia inevitvel de se
tratar animais como pessoas. Para entender os elefantes, por exemplo,
no temos de fazer de conta que eles so exatamente como ns, huma-
nos, e muito menos que eles so como os humanos ocidentais de classe
mdia, em pleno sculo XX. Mas talvez tenhamos de aplicar alguns dos
mtodos interpretativos comuns s cincias humanas e classicamente
reservados ao estudo da cultura e da histria humanas. Sugerir que tais
mtodos podem ser igualmente apropriados para a compreenso das
vidas e ritmos de animais no-humanos meramente o inverso da tese
de Mundkur, que julga necessrias as abordagens das cincias naturais
mais duras para explicar as bases psicobiolgicas do comportamento
animal humano e no-humano. Resumindo, a diviso disciplinar entre
humanidades e cincias no pode mais acompanhar a diviso dos seus
objetos de estudo em mundo humano e mundo animal, porque na ver-
dade essas disciplinas atravessam tal diviso.
No obviamente antropocntrico asseverar que a espcie humana
nica, pois a singularidade uma propriedade que todas as espcies
enquanto entidades histricas (HULL, 1984) tm em comum. Realmente,
bem mais antropocntrico basear estimativas sobre outras espcies a
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 129150, 1. sem. 2007
142

partir daquilo em que elas podem ter a mesma performance que ns;
por isso, colocaes do tipo chimpanzs (ou golfinhos, elefantes, papa-
gaios ou o que seja) podem fazer isso tambm sempre tiveram tamanho
apelo popular. Como Coy acertadamente ressalta: outras espcies so
diferentes, elas no devem ser vistas como tentativas frustradas ou
parcialmente bem-sucedidas de humanidade; e o nosso respeito pelos
chimpanzs, por exemplo, no deveria depender de sua habilidade de
usar a linguagem, da mesma maneira que o nosso respeito pelos nativos
de outra cultura no deveria ser condicionado por sua habilidade de
ler e escrever.
Para vencermos o antropocentrismo devemos parar de interpretar afir-
maes sobre outras espcies como declaraes de sua inferioridade.
Pode ser verdade que os seres humanos se distinguem por um nvel de
complexidade cognitiva interna no rivalizado por nenhuma espcie
do mundo animal, mas precisamente graas liberdade em relao
aos constrangimentos ambientais, que tal complexidade confere, isso
contrabalanado por uma simplicidade equivalente no campo de suas
relaes sociais externas e ecolgicas. Ento, com todas essas habilidades
cognitivas, a organizao social dos caadores coletores bem rudimentar
se comparada quela de muitos animais no-humanos. A complexidade
real das sociedades humanas tributria da emergncia de diferenciais
de poder e da represso sistemtica autonomia pessoal. Isso o que
origina os vocabulrios impessoais de dominao hierrquica e controle;
e Tanner, muito acertadamente, enfatiza sua absoluta inadequao para
descrever as relaes ntimas de pequenos primatas ou ainda de grupos
de caadores e coletores.

Cultura e a construo humana da animalidade


A Antropologia sustentou classicamente sua reivindicao da singulari-
dade humana com base no conceito de cultura, embora, como Ingold
argumenta, os antroplogos nunca tenham sido capazes de concordar
sobre uma definio satisfatria do que seja cultura. Os critrios adotados
para localizar a essncia da humanidade no domnio da cultura tm sido
ou muito amplos ou muito estreitos, dependendo da tendncia da defi-
nio, que pode ser identificada com a tradio de aprendizagem trans-
mitida ou com a organizao simblica da experincia. A transmisso da
tradio atravs do aprendizado pela observao bastante difundida no
reino animal, e no pressupe a capacidade de simbolizao. Nem todos
os muitos comportamentos humanos aprendidos fundam-se numa
matriz simblica. Mas o que quer que possa ser distintivamente humano
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 129-150, 1. sem. 2007
143

na cultura, isso no apareceu num passo destacado. Tanner mostra


que a capacidade para a cultura dos humanos modernos, que acom-
panha a presente diversidade de suas formas de vida, foi decorrncia
de uma longa cadeia de pequenos degraus evolutivos. As criaturas que
existiram, consistindo nesses degraus intermedirios, no foram hu-
manos mal-acabados, se arrastando num sistema no completamente
operacional, mas homindeos plenamente formados com um sistema
que funcionava para eles.
Para entendermos a evoluo da cultura, temos de colocar todo o incre-
mento de mudana no contexto do sistema no qual ela ocorreu, mos-
trando o que cada inovao trouxe para o povo que a utilizou. Todavia,
Tanner pensa que existiu um primeiro passo em direo cultura
identificvel como tal. Retificando o bias androcntrico do cenrio clssico
da evoluo humana cujo heri era o homem caador, a autora argu-
menta que teriam sido as mulheres a dar esse passo, quando comearam
a colher plantas comestveis com o auxlio de instrumentos.
Os antroplogos culturais tendem a adotar uma atitude estranhamente
ambivalente com relao aos animais no-humanos. Eles argumentam
com razo que a idia do controle do homem sobre a animalidade
(incluindo a sua prpria e sobre a das mulheres) parte integrante
de uma ideologia mais inclusiva da mestria humana ou apropriao da
natureza, cujas razes subjazem no mago das tradies do pensamento
ocidental. Eles observam corretamente que povos de outras culturas no
compartilham essa viso de uma superioridade humana, ou a mesma
idia sobre a natureza, colocando a si prprios no mesmo nvel ou at
subordinados s espcies no-humanas. Como Tapper neste livro, os
antroplogos relutam em entrar no debate sobre a Grande Questo:
o que vem a ser a natureza humana?, preferindo recuar e examinar,
antes de respond-la, em que contextos cultural e social tal pergunta
pode ser colocada. Eles dizem que humanidade e animalidade
so assim como o prprio conceito de cultura constructos culturais,
e, como tais, possuem definies amplamente variveis alm de serem
historicamente contingentes.
Mas, por trs de tais afirmaes, existe a noo dos seres humanos como
construtores de seus respectivos ambientes, impondo seus projetos cons-
titudos simbolicamente sobre um mundo externo que eles podem en-
carar inicialmente como matria-prima, destituda de forma e significado,
mas que pode ser direcionada para qualquer tipo de propsito social.
Assim, a viso antropolgica da cultura aparece, afinal, repousando sobre
a idia de apropriao simblica humana da natureza seja animada ou

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 129150, 1. sem. 2007


144

inanimada e por isso repousando tambm sobre o pressuposto (que


Sahlins astuciosa e erroneamente v como uma descoberta) segundo
o qual a criao do sentido a qualidade constitutiva e distintiva de
todos os homens a essncia humana de um discurso mais antigo
(SAHLINS, 1976, p. 102).
Talvez os antroplogos possam evitar levantar a Grande Questo porque
j alegam ter uma resposta; uma resposta que, ao ser dada, relativiza
a prpria pergunta. Se os humanos se engajaram por toda parte e em
todos os tempos em atividades de fazer o mundo, talvez a diferena en-
tre a cultura ocidental e as outras que a viso de mundo da primeira
incorpora a idia de homem como um fazedor, ou Homo faber, enquanto
que as ltimas incorporam a negao da autoria humana.
Essa diferena tem um efeito crucial no problema antropolgico cls-
sico do totemismo, pois uma premissa do culto e da crena totmicos
a de que foram os animais que fizeram o mundo para os homens e
estabeleceram a ordem e as determinaes da existncia social humana,
e que so afinal responsveis por sua continuidade. O culto ocidental
da conservao precisamente inverte essa premissa, proclamando que
a partir de agora o homem que determina as condies de vida para
os animais (mesmo aqueles tecnicamente selvagens sero geridos), e
que assume a responsabilidade por sua sobrevivncia ou extino. Mas,
da perspectiva relativizadora dos antroplogos, os animais que ocupam
os mundos de culto dos totemistas e dos conservacionistas so ambos,
igualmente, criaes da imaginao humana.
Concluindo sua incurso sobre o pensamento totmico, Tapper obser-
va que no importa se existem na realidade animais por a que sejam
isomrficos com relao a essas concepes: h sempre animais por a,
mesmo que eles existam como imagens mentais. Similarmente, para um
telespectador ocidental, que observa as extravagncias de um animal
extico e estranho em sua tela, ele pode tanto estar vendo um produto
de fico cientfica como um documentrio sobre a natureza. Ento, qual
a relao entre esses animais que temos na mente e aqueles que nos
circundam realmente? Podemos ver os ltimos apenas interpondo os
primeiros entre eles e ns? Os animais existem para ns como entidades
significativas somente na medida em que cada um exemplifica um tipo
ideal constitudo dentro do conjunto de valores simblicos que compem
a taxonomia folk especfica da nossa cultura? Ou ns percebemos os
animais diretamente em virtude da sua imerso num ambiente que
tambm amplamente o nosso, independentemente das imagens que
fazemos deles, e independente mesmo de termos tais imagens?

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 129-150, 1. sem. 2007


145

Reed, em seu artigo deste livro, argumenta enfaticamente a favor dessa


ltima viso. Assim fazendo, ele lana um ataque frontal contra a idia
de que todo significado obra do homem, desafiando a antropologia
na sua mais fundamental premissa. Ento, enquanto Tapper sustenta
que o animal uma categoria culturalmente construda, Reed afirma
justamente o contrrio: que a animacidade uma caracterstica inerente
daqueles objetos do meio ambiente que tm a capacidade de movimento
autnomo, e isso independe totalmente da interpretao simblica que
os sujeitos humanos, de no importa qual cultura, possam atribuir a eles.
Por causa das propriedades distintivas de crescimento transformacional e
movimento no repetitivo, ns vemos os animais tais como eles so, inde-
pendente de como podemos vir a descrev-los e classific-los; alm disso,
existe uma boa base experimental para acreditarmos que mamferos e
aves aos quais falta o pendor humano para a classificao simblica , de
maneira bem similar, percebem diretamente objetos animados e aes.
Argumentar, como os antroplogos fazem, que todo o significado do
mundo investido sobre ele pela imaginao cultural de sujeitos pen-
santes, implicaria afirmar que a realidade assim investida ela em si
mesma totalmente desorganizada e desestruturada, mera substncia ou,
como do ponto de vista dos fsicos, um espao ilimitado preenchido com
quanta de matria e energia. Isso, pondera Reed, equivale dissoluo
do ambiente em que vivemos, um ambiente que consiste, na realidade,
de superfcies estruturadas e configuraes de lugares, objetos animados
e inanimados com suas propriedades inerentes. Por causa dessas pro-
priedades, os objetos ambientais, incluindo animais, provem o sujeito de
algumas coisas e impedem (desprovem) de outras. Assim, a natureza no
infinitamente malevel; ao nos relacionarmos com nossos ambientes,
ns no tanto impomos nossos significados s coisas, quanto descobrimos
o significado para ns dos significados que as coisas j tm.

O ambiente dos animais


O conceito de affordances,4 sobre o qual Reeds baseia inteiramente seu
argumento, derivado da psicologia ecolgica de Gibson (1979).
interessante comparar a viso de Gibson de nicho ambiental como um
conjunto de affordances com a noo de Umwelt, inicialmente introduzida
por Jakob von Uexkll, e discutida no presente livro por Sebeok (ver UE-
XKLL, 1982). Para Uexkll, Umwelt de um animal, convencionalmente
traduzido por universo subjetivo, o ambiente como constitudo dentro
do projeto de vida do animal. A idia central de sua abordagem era que
o animal, longe de adaptar-se a um determinado canto de mundo (um
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 129150, 1. sem. 2007
146

nicho), na verdade, adapta o mundo a si mesmo, imputando significados


funcionais aos objetos com que se depara, integrando-os, assim, num
sistema coerente para ele mesmo.
Esses sentidos, ele insistia, no estavam dados nos objetos em si, mas
eram adquiridos por esses objetos graas ao fato de entrarem em relao
com um sujeito animal. Desse modo, uma pedra adquire a qualidade-
projtil para um homem zangado que a lana contra seu adversrio; ou
se reveste de uma qualidade-bigorna para o tordo que a utiliza para
quebrar a concha de uma lesma.
Um importante corolrio dessa perspectiva que os seres humanos no
esto sozinhos na construo de seus ambientes. Ao contrrio, como eu
j sugeri, sua distino pode residir no grau em que so autores de seus
prprios projetos de construo, com a ajuda do instrumento de modela-
gem que a linguagem, igualando o mundo a sua volta a sua concepo
conceitual interna.
O conceito de Gibson de affordance corresponde rigorosamente ao
conceito de qualidade de Uexkll: ambos se referem s propriedades
de um objeto que o tornam apto a um projeto de um sujeito. Assim,
Gibson poderia incluir no catlogo de affordances lanar e quebrar uma
pedra embora, claro, projtil e bigorna sejam apenas duas das vrias
possibilidades. Todavia, existe uma diferena crucial: affordances no so
adquiridos pelos objetos de um ambiente; eles existem enquanto pro-
priedades invariantes dos prprios objetos de maneira completamente
independente de eles serem colocados em uso por um sujeito. Conclui-se
da que, embora para Uexkll todo animal seja fechado em seu prprio
mundo subjetivo, um tipo de realidade-bolha, acessvel somente a ele
mesmo, para Gibson, diferentes animais podem viver em um ambiente
partilhado, e, alm disso, podem compartilhar suas percepes sobre o
que esse ambiente prov.
Como Reed argumenta, a percepo no precisa de jeito nenhum ser
uma questo particular: realmente, ele conclui que a socialidade tem
seu fundamento na conscincia de percepes partilhadas, na mutua-
lidade direta ou no envolvimento intersubjetivo que advm do ato de
se viver em ambiente comum. Aqui novamente ele desafia a sabedoria
antropolgica convencional, que considera a vida social como algo que
depende de uma objetivao da experincia de sujeitos particulares,
inicialmente fechados uns para os outros, dentro de sistemas pblicos
de representaes coletivas e simbolicamente codificados.

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As relaes homem-animal
Concluo voltando a mais um tema recorrente em vrias contribuies
do presente livro: o das relaes entre seres humanos e outros animais.
Iniciei observando as fortes influncias emocionais que parecem condi-
cionar nossas prprias atitudes (humanas) com relao aos animais, e
esse ponto central nos argumentos de Midgley e de Mundkur.
A noo de um animal, escreve Midgley, profunda e irremedia-
velmente emocional; ela se dispe a mostrar como nossos sentimentos
cotidianos coloriram, de modo por ns amplamente ignorado, aquilo que
supostamente eram discusses cientficas, intelectualmente neutras, a
respeito do limite das espcies. Reconhecendo a carga emocional ligada
a esse limite, somos forados a reconsiderar nossas prprias responsabili-
dades morais em relao aos animais no-humanos. Embora ela identifi-
que a principal emoo envolvida como sendo o medo, no tenta explicar
como isso surgiu, nem deixa claro se devemos considerar isso como uma
caracterstica universal da humanidade ou uma peculiaridade da aflio
ocidental, nascida da propenso ideolgica de equacionar a animalidade
com o lado mais obscuro da natureza humana, e com a ameaa que isso
aparentemente coloca para valores caros razo e civilizao.
Mundkur concorda que as atitudes humanas para com os animais esto
embebidas em medo, mas vai alm, tentando dar conta de sua origem
num cenrio de evoluo orgnica. Uma de suas mais notveis obser-
vaes o fato de que as pessoas sentem um grande medo dos animais
ferozes com os quais elas dificilmente se deparariam, uma observao
que parece confirmar o status de tal medo como um universal humano,
cujas razes encontram-se longe, no passado da evoluo da ordem dos
primatas. O maior quebra-cabea para esse tipo de anlise mostrar como
emoes de medo originadas no contexto das interaes predador-presa
poderiam ser generalizadas do seu objeto especfico, e deslocadas para os
mais mansos e inofensivos dos animais, que jamais causariam qualquer
dano fsico aos homens. Pode ser adaptativo ter medo de tigres e cobras
peonhentas mas... medo de borboletas?
A diversidade de tipos de relaes e associaes que podem ser estabeleci-
das entre homens e animais um tema comum s contribuies de Sebeok,
Coy e Tapper. Considerando um vasto espectro de tipos de encontros
homem-animal que vo do predatismo e do parasitismo parceria,
domesticao e treino Sebeok est preocupado com o modo pelo qual
a forma de encontro (entendido como troca de sinais) pode influenciar a
concepo do que considerado um animal para os seres humanos, ou

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a maneira pela qual o prprio animal se torna um signo um pedao


de informao concentrada na interao social humana.
Coy nitidamente vira a mesa com relao tendncia usual para con-
siderar as relaes entre homens e animais apenas do ponto de vista
humano. O tema central de sua contribuio a empatia mtua que
pode se desenvolver quando tais relaes se tornam prximas e inten-
sas, uma empatia que permite a cada parte ler a mente da outra e,
por isso, pelo menos numa certa medida, prever suas aes. Coy sugere
que no somente os animais humanos, mas tambm os no-humanos,
devem ter nveis suficientes de discernimento para serem capazes de
imputar motivaes a outros indivduos, tanto de sua prpria espcie
como de outras a includos os seres humanos. A habilidade do animal
em predizer o comportamento humano pode difcultar o ato de caar,
mas poderia facilitar significativamente o processo de sua domestica-
o. Ela conclui que o mais importante para ns compreendermos as
espcies domsticas com as quais temos ligaes mais prximas porque
so as mais provveis de revelar as atitudes dos animais para com as pes-
soas. Entretanto, esta concluso poderia ser qualificada pela observao
de Sebeok de que o treinamento humano dos animais pode assumir
duas formas opostas: uma delas (aprendizagem) um tipo inteiramente
impessoal de condicionamento comportamental; a outra (adestramento)
depende de uma relao de intimidade mxima entre o treinador e o
animal adestrado. Enquanto nessa ltima forma, o mtuo envolvimen-
to do ser humano com o animal alcana seu mximo, na primeira, fica
reduzido a um mnimo.
A contribuio de Tapper concerne tambm questo da familiaridade
humana com os animais, e compartilha com Coy o interesse sobre as ma-
neiras pelas quais os animais figuram na literatura popular, especialmente
como modelos didticos e de socializao. Em uma reviso engenhosa do
paradigma clssico marxista, Tapper estende o conceito de relaes sociais
de produo para alm da fronteira da espcie, e examina uma gama
paralela de formas de relaes de produo homem-animal. Assim, em
uma sociedade de caadores, na qual as presas so consideradas como
pessoas iguais, as relaes homem-animal comunais prevalecem. J sob
a era da domesticao, em que os animais so tratados como membros
da famlia, tais relaes transformam-se em escravizao. O desenvolvi-
mento do pastoreio, no qual os animais so criados sem necessariamente
serem domesticados, leva a relaes homem-animal mais contratuais,
assemelhando-se quelas existentes no feudalismo. Com a mecanizao
rural moderna, as relaes de produo so ainda mais despersonaliza-

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das, assumindo um carter de explorao caracterstica do capitalismo.


Estes tipos diferentes de relaes entre animais e homens poderiam ser
talvez compreendidos em termos de um duplo movimento: de fora para
dentro das casas humanas e, simultaneamente, do pessoal ao impessoal.
Assim, o animal passa gradativamente de uma pessoa estranha a uma
coisa familiar, por meio de vrios estgios intermedirios. Tapper tenta
mostrar que cada estgio corresponde a um uso especfico da metfora
animal, e que conseqentemente, possvel basearmos idias sobre a
natureza humana e a relao de humanidade com animalidade em im-
perativos econmicos fundamentais, embora condicionados por fatores
historicamente contingentes do ambiente sociopoltico.
***
Tentei, com essa Introduo, dar ao leitor uma noo da diversidade e da
riqueza das contribuies que se seguem e, mais importante, evidenciar as
principais conexes entre elas. H, naturalmente, muito mais pontos de
contato alm daqueles que resenhei aqui. No acredito que a questo
de O que um animal? possa ser resolvida por um nico paradigma
terico ou conceitual. Minha inteno foi, antes, mostrar que todos esses
paradigmas j tm profundamente incorporada, em suas suposies mais
fundamentais, alguma viso de animalidade, o que sempre apenas va-
gamente reconhecido. Conseqentemente, nossa questo no pode ser
nem mesmo perguntada e menos ainda respondida, dentro da estrutura
axiomtica constitutiva de qualquer sistema particular do pensamento.
somente com um esforo concertado dos acadmicos, com a representao
de muitas disciplinas e tradies intelectuais que ns poderemos comear
a desembrulhar os diversos e multiestratificados significados de animal.
Este livro representa um passo nessa direo, e o que liga as contribuies
dos seus dez autores no uma teoria, mas uma questo.

Abstract
In the introduction of the book What Is an Animal, Tim Ingold presents
the points of view of the contributing authors giving emphasis to what joins
and what differentiates their perspectives. The editor/He addresses the issue
of what makes the human species unique in comparison to other animals
while elaborating on themes such as language, intentional actions, the
capacity of symbolic classification and human-animal relations.

Keywords: animality; humanity; intentionality; anthropocentrism;


culture.

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150

Referncias
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Notas
2
No ingls, animale.
3
No ingls, animacy.
4
Nota das tradutoras: optamos por no traduzir o termo affordance sugerindo, entretan-
to, que ele pode ser tomado no sentido de provimento.

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Clara Mafra*

Um mundo sem antropologia

A autora inicia o artigo sugerindo que a antropologia


uma disciplina acadmica relativamente nova e que,
paradoxalmente, sua promessa nos encaminha para sua
autodissoluo pois uma disciplina dedicada produ-
o de conhecimento sobre o Outro ser redundante em
um mundo no qual a alteridade tenha cessado de ser
problemtica. Tal formulao e sua suposta promessa,
entretanto, somente faz sentido se ns olharmos para
a antropologia na sua relao com o mundo. A nfase
na autonomia e compartimentarizao do conhecimento
nas universidades nas ltimas dcadas tem-nos feito
ignorar esta relao necessria. Neste artigo, a autora
explora alguns dos pressupostos e dificuldades que
acompanham uma antropologia atenta ao seu estar
no mundo.
Palavras-chave: conhecimento antropolgico; alteri-
dade; escrita no-ficcional.

*
Professora Adjunta do
Programa de Ps-Gradu-
o em Cincias Sociais
da Universidade Esta-
dual do Rio de Janeiro.
Mestre em antropologia
pela Universidade Es-
tadual de Campinas e
doutora em antropologia
social pelo Programa de
Ps-Graduao em An-
tropologia Social/Museu
Nacional/Universidade
Federal do Rio de Ja-
neiro. Seus interesses de
pesquisa incluem pente-
costalismo e religiosidade
popular no Brasil e Portu-
gal; migrao e desenvol-
vimento de habilidades;
ritual e cosmologia. Entre
suas publicaes, esto
os livros Os Evanglicos
(2001) e Na Posse da Pala-
vra (2002).
152

O que seria um mundo sem antropologia? Na verdade, a antropologia


nem sempre existiu; trata-se de um fenmeno relativamente moderno,
um produto da histria Ocidental. A Grcia antiga tinha seus poetas,
filsofos, artistas, mdicos, sacerdotes mas no havia antroplogos.
Entre os gregos, a antropologia no existia sequer como assunto, por
uma incapacidade geral de reconhecimento do Outro. Foi somente
com o advento do Iluminismo e da transposio do homem primitivo
do plano das idias para o plano da experincia, que o projeto antro-
polgico ganhou forma e expresso prprias (DUCHET, 1971). Se foi
assim que a antropologia nasceu, a mesma frmula dever nos ajudar
a predizer seu fim. Apoiando-nos em uma idia de que a antropologia
conduzida por um desejo de conhecer e entender a alteridade, ns
podemos postular que em algum momento no futuro, em um mundo
que aprendeu a lidar com a diferena, a disciplina ir desaparecer. O
sucesso da antropologia pressupe sua prpria dissoluo. Entretanto,
no isso que conseguimos visualizar atualmente. A evidncia aponta
para seu contrrio. Ns ouvimos falar de guerras, misria e destruio
entre os povos, ao mesmo tempo que cresce o nmero de antroplogos
e a proliferao de instituies antropolgicas ao redor do mundo.
Paradoxalmente, a expanso da disciplina parece vir acompanhada de
seu declnio e vigor.1
Ainda que o raciocnio que prediz o fim da antropologia seja preciso
e claro como cristal, est apoiado em uma concepo da disciplina
que alguns crticos devem considerar inocente e antiquada. A idia de que
a antropologia teria a misso de resgatar a humanidade certamente
associa-se a uma noo romntica do antroplogo como heri, idia
que abandonamos h muito tempo atrs. Nenhuma disciplina acad-
mica pode se vincular to piamente a um projeto utpico como o da
formao de uma nova sociedade. Este, certamente, foi o compromis-
so dos pensadores do Iluminismo e, no entanto, o mais prximo que
chegaram foi a um retrato fortemente idealizado do Outro, na figura
do bom selvagem. Esse idealismo foi contrabalanado pela crueldade
demonstrada pelos exploradores e administradores das colnias, que
realizaram a mais ampla chacina j conhecida de povos estrangeiros:
seja nas Amricas, na frica ou na sia.
O leitor ctico estar mais inclinado a apontar a falta de consistncia do
raciocnio na conexo utilitria entre o projeto disciplinar de expanso
do nosso conhecimento sobre a condio humana e o projeto poltico
de mudar o mundo. As cincias humanas, o ctico ir nos lembrar,
somente ganharam sua consistncia e vigor quando se dissociaram de

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 151-167, 1. sem. 2007


153

qualquer projeto poltico contingente. Para ser mais enftico, na viso


da antropologia que no faz nada no mundo: ela uma disciplina do
pensamento, um conjunto de mtodos, uma certa postura na produo
de conhecimento. Subordinar o conhecimento antropolgico a uma
maneira de intervir politicamente no mundo retroceder em termos
de aprimoramento disciplinar, amarrando uma bola de ferro que inibe
a liberdade de pensamento e de criatividade.
Nos prximos pargrafos apresentarei um argumento na forma de di-
logo. Inicialmente explicitarei minha posio como autor, e responderei
com palavras imaginrias s colocaes de um leitor ctico. Tambm
incluirei algumas intervenes de um nefito na antropologia e um
ouvinte crtico os quais, supostamente, estariam seguindo a conversa-
o. por meio desse dilogo que procurarei elaborar a idia de que,
embora a antropologia no intervenha no mundo, sua disciplina supe
um desenvolvimento no mundo.

Nas palavras do autor


Eu pediria que os leitores cticos suspendam momentaneamente sua
descrena. Se eu visse a antropologia como uma disciplina mais poltica
que acadmica, sempre pronta para intervir no mundo, seria uma das
primeiras a saudar sua expanso, tanto em nmero de praticantes como
na multiplicao de instituies nas mais diversas regies do mundo,
tanto como pelo crescimento do volume de pesquisa que deve vir em
decorrncia. Iniciei, contudo, pela observao exatamente contrria,
mais precisamente, apesar do crescimento global do nmero de antro-
plogos, o vigor da produo antropolgica parece ter declinado. Esta
avaliao negativa da expanso disciplinar no deve, entretanto, significar
que eu me alinho com o ctico que estaria a favor de uma antropologia
indiferente aos pequenos eventos que esto na base do progresso do
trabalho de campo e das polticas pblicas que guiam as instituies em
que ensinamos, e que compensa essa falta de ateno pelo detalhe com
um compromisso com a produo de um conhecimento terico abstrato,
universal e avanado. Antroplogos maduros, eu acredito, no apenas
se permitem ser educados pelo mundo, especialmente por meio de seu
engajamento na pesquisa de campo, como tambm esto atentos ao
debate conceitual que encaminhado no interior da disciplina por uma
certa agenda terica. Nem este debate est desconectado de seu contexto
mundano: tal como no trabalho de campo, isto envolve elementos de im-
provisao e ressonncia com os ritmos da vida, acomodando-se em uma
tenso produtiva entre a especulao ocidental sobre como a vida humana
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 151167, 1. sem. 2007
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deveria ser, o que a vida efetivamente e como ela se manifesta para


povos particulares em certos lugares e perodos da histria (INGOLD,
1993, p. xvii). Isto nos faz retornar tese inicial, nomeadamente, que a
antropologia uma disciplina que se desenvolve no mundo: no nasceu
como um conjunto prdeterminado de investigaes representativas, mas
sim ganha fora e vigor ao permanecer flexvel e ao articular questes
emergentes dentro de vrias tradies acadmicas representativas de
diferentes centros de educao e pesquisa ao redor do mundo.

O leitor ctico responde


Sua formulao interessante e aparentemente vai ao ponto, contudo,
esquece que a disciplina atual altamente polimorfa. Poucos colegas
se sentiro contemplados por sua proposio: esta supe uma flexibi-
lidade crtica e coerncia orgnica que difcil de reconhecer em uma
nica disciplina. Sendo ctico, proponho o contrrio: que definamos
a antropologia atravs de qualquer tipo de atividade que as pessoas se
engajem enquanto membros de instituies antropolgicas. Ainda que
esta definio parea tautolgica, no trivial, pois seu mrito enfa-
tizar o enquandramento ou contexto no qual o trabalho antropolgico
produzido. Esta nos permite acomodar o polimorfismo a que j me
referi, garantindo a qualquer instituio e a qualquer autor no campo a
liberdade de declarar ns fazemos antropologia aqui, sempre apropria-
damente. Esta definio tambm permite acomodar a competio entre
autores e instituies aspecto embaraador em uma concepo mais
tradicional ou autocentrada da produo disciplinar de modo a manter
um campo mais ou menos flexvel e ainda assim razoavelmente capaz
de resistir aos apelos selvagens e fascinantes de seus expoentes. Assim,
Clifford Geertz, a Associao dos Antroplogos do Norte e o Programa de
Ps-Graduao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro referem-se
a algo como antropologia, este algo deve ser reconhecido como tal.

O autor...
Mas coisas como estas no acontecem assim! Escritores estabelecidos po-
dem ser desacreditados, instituies podem mudar de nome, aparncia
e posio, e um bom trabalho pode ser feito em um contexto perifrico.
Embora o enquandramento no qual operamos seja importante para nossa
prtica disciplinar, e algo que tem garantido a quase espontnea repro-
duo da antropologia em muitos lugares e multiplicado suas formas ao

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longo de poucas dcadas, o conhecimento sobre esse enquadramento


no suficiente para que o nefito possa por ele navegar. Dizer que a
antropologia o que os antroplogos fazem muito vago e disforme para
aqueles que querem aprender a se orientar atravs do campo antropo-
lgico, e achar seu prprio caminho entre as trilhas alternativas.

O leitor ctico....
Eu certamente no estou pensando em um iniciante como interlocutor.
Um nefito sem experincia, que no tenha bagagem terica e que seja
pouco familiarizado com a histria do pensamento antropolgicos ser
incapaz de compreender o enorme polimorfismo da antropologia con-
tempornea sem reduzir o conjunto a uma viso parcial de uma esquina
de onde ele ou ela possa produzir um mapa geral do campo baseado
em cores locais, ou sem ser tragado em uma vasta teia de opes, reco-
nhecendo nada mais que arbitrariedade e caos. Se o convidssemos para
nossa conversao, teramos de abandonar questes-chave, como, por
exemplo, sobre o status do conhecimento antropolgico; as nebulosas
margens entre realidade e fico; descoberta e criatividade; verdade e
fantasia. Para sermos compreendidos pelo iniciante teramos de retornar
s questes familiares e exaustivas das bordas entre mundo objetivo e
subjetivo.

O nefito intervm
Estou surpreso que voc pense que minha participao no debate ir
abaixar a qualidade do mesmo. Como voc anuncia ser ctico, pensei
que sua viso iria divergir da de interlocutores mais convencionais, e que
voc demonstraria certa reserva em relao aos autores e s instituies
estabelecidas. Deixe que me apresente: perteno gerao do rock, e no
poderia imaginar algum dos meus dolos afirmando que existe apenas
uma realidade ou que fosse privilgio do dolo acess-la, ou que, em
virtude da posse de algum equipamento pouco usual, tivesse ele acesso
direto realidade. Como muitos de minha gerao, eu tenho uma viso
relativista de mundo. Apesar disso, as msicas de rock so estranhamente
diferentes dos artigos antropolgicos. Ao longo de minha graduao, li
inmeros artigos e algumas monografias; em geral, entretanto, sinto-me
mais hbil para escrever alguns versos de rock do que esboar um artigo
antropolgico. Por que este ltimo to difcil?...

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O autor
Terei grande prazer em inclu-lo em nosso debate, especialmente porque
pode ajudar a superar nossa tendncia a um intelectualismo excessivo,
algo tpico em uma disciplina cujos valores e habilidades de leitura e
escrita esto sobre todos os outros. Sobretudo, como um novato, voc
nos apresentou um grande desafio: talvez devssemos tentar definir a
antropologia pelo conhecimento que produz. Seria estranho se um autor
de msicas de rock explorasse como tema as tenses conceituais entre
sociedade e cultura, arte e tica, indivduo e pessoa. Seramos capazes de
danar sobre tais temas em uma noite de sbado? Como outros poetas
e escritores, a linguagem do rockn roll habita o reino da vida cotidiana,
da padaria e da farmcia.
Mas em sua prtica de escrita, antroplogos no habitam estes reinos. A
que reino eles pertencem? Podemos retornar aos mestres: o que faz de
Malinowski e no Rousseau o modelo para o trabalho antropolgico
moderno? Rousseau procura conhecer o homem e seus diferentes hbitos
muito brevemente, algo que d suporte ao seu projeto de construo
utpica de uma futura sociedade. A imagem do homem distante crucial
para o projeto Iluminista, porque carrega a marca do primitivo , ou
seja, do estado mais simples, mais bsico, primordial da humanidade.
O selvagem, para Rousseau, no era um homem de carne e osso, mas
o veculo por meio do qual ele formulava um conjunto de insights a res-
peito da humanidade em geral (ROUSSEAU, 1992). Malinowski, pelo
contrrio, amarrava sua escrita a uma narrativa cujo fio condutor era
sua prpria experincia particular de um encontro singular. Neste sen-
tido, o fluxo de fantasia de um autor como Malinowski mais discreto
do que em Rousseau. Em todo caso, no to discreto a ponto de abdicar
de uma posio do autor como heri da empreitada moderna. De fato,
inclusive possvel construir um inventrio das vrias estratgias usa-
das na escrita etnogrfica malinowskiana para reforar sua autoridade,
incluindo sua insistente pretenso presena onisciente, seu apelo aos
encontros factuais como base de sua legitimidade e seu foco na alterida-
de (RABINOW, 1985; CLIFFORD; MARCUS, 1986). Para alm desses
pecadilhos de vaidade e cegueira vitorianas, Malinowski preserva uma
idia de descrio: o que ele registra um encontro que efetivamente
teve lugar no mundo.
Considere, por exemplo, Os Argonautas do Pacfico Ocidental (MALINO-
WISKI, 1922), no qual Malinowski utilizou vrias estratgias para afirmar
o valor de ter estado l: uma descrio completa do lugar onde o encon-

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tro aconteceu, o uso do presente etnogrfico, uma colocao cuidadosa


do antroplogo no campo em situaes especficas, o uso de palavras
nativas na anlise, a coleo de evidncias sobre tpicos particulares e o
encaixamento de perspectivas descritivas de modo a que uma encaixe na
outra. Tudo isso como se declarasse: outros homens brancos viram os
trobriandeses antes de mim, mas ningum os viu do jeito que eu os vi!
Quando Malinowski escreveu as regras do conhecimento antropolgico
no seu trabalho introdutrio, ele se apresentou como algum que teve
uma compreenso do Outro baseada em uma investigao sistemtica e
rigorosa. Tal investigao, sugere, tanto o distancia de seus contempo-
rneos quanto o traz para perto dos trobriandeses e para seus herdeiros
disciplinares. E, dessa forma, no importa como o mundo trobriands
possa mudar ao longo dos anos, a nova gerao trobriandesa, tanto
quanto os antroplogos do futuro, sero capazes de se apoiar em sua
descrio para estudar outros aspectos daquela sociedade. Muito de seu
esforo para fornecer uma descrio exaustiva e com camadas mltiplas,
est baseado na idia de que o trabalho indexa de modo real e persis-
tente a estrutura de eventos (inclusive a paisagem como um evento), de
tal forma que possa ser visto e reconhecido de muitas perspectivas em
um caminho de familiarizao recproca por novas geraes de nativos
e pesquisadores que a seguirem. Ao mesmo tempo, o ideal da preciso
descritiva convida leitores modernos a compartilhar uma experincia
de ter estado l. Alm disso, a questo da preciso descritiva, nos
Argonautas de Malinowski, teve grande influncia no trabalho antropo-
lgico das geraes subseqentes. Muito da transformao que a escrita
etnogrfica logrou ao longo dos anos faz parte de um processo que um
documentarista brasileiro, Joo Moreira Salles (2005), denomina uma
interpretao no-ficcional da situao.
A Sociedade da Esquina, de William Whyte (1993), escrita algumas dcadas
depois da publicao dos Argonautas, coloca ainda mais restries ao vo
imaginativo que Malinowski desenvolveu. A escrita segue um padro
menos jornalstico, pretendendo capturar todos os lados da histria e se
engaja mais atenta e detidamente no seu tempo e lugar. Whyte parece
optar por menos para ganhar mais: ele se restringe a um bairro em uma
cidade; descreve somente alguns personagens (aos quais ele d nomes e
personalidade), aqueles com os quais efetivamente manteve contato; ele
reduz o nmero de tpicos desenvolvidos (gangue, polticos e mafiosos);
e reduz as generalizaes ao mnimo. Da evidncia das aes cotidianas
e as interaes sociais corriqueiras at a escrita no-ficcional, a estru-
tura social emerge de um modo consistente e poderoso. Esta escrita

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no-ficcional mudou ao longo dos anos em resposta no apenas ao


debate entre autores, mas tambm pelas transformaes que nativos2
e leitores passaram.

O ouvinte crtico intervm


A transformao que voc vem descrevendo na antropologia no decor-
re, como voc supe, do objetivo de melhorar uma escrita no-ficcional.
Melhor dizer que isto se deve a uma mudana dos paradigmas de explica-
o em seu exemplo, do funcionalismo britnico para o interacionismo
norte-americano.

O autor....
Certo, se o debate tivesse sido encaminhado apenas no plano epistemo-
lgico, como voc sugere, a publicao das notas dos dirios de campo
de Malinowski (1967) no teriam tido o impacto poderoso que elas
tiveram. Quando nos tornamos conscientes da intolerncia pessoal de
Malinowiski, suas pretenses como homem branco, ns no podemos
mais tomar suas palavras como verdade. O implcito, o acordo de
fundo que nos d a confiana no carter no-ficcional do seu trabalho
removido. Grande parte da crtica antropolgica desenvolvida depois da
publicao dos dirios se apia em preocupaes sobre a inter-relao
entre autor, contexto e episteme. Alm disso, experimentos de escrita
etnogrfica pretenderam desconstruir o contrato no-ficcional do texto,
operando por dentro, enquanto lugar de encontro do antroplogo (au-
tor) com nativos (co-autores); seja manipulando seu contedo (fazendo
do trabalho antropolgico uma narrativa dos sonhos do Outro ou uma
fico baseada na experincia do encontro); seja por meio de sua forma
(tornando o trabalho uma colagem de diferentes momentos e situaes
com mltiplas linhas narrativas).
Para alm desses extraordinrios experimentos ou do impacto do dirio
de campo de Malinowski, a influncia do modelo dos Argonautas parece
no ter sido diminuda. O que o torna to vigoroso? Meu argumento
: ns podemos encontrar a resposta em dois princpios da escrita
no-ficcional que o prprio Malinowski anuncia. O primeiro explora a
homologia respectiva entre estrutura do encontro no campo e do texto
escrito. Isto garante ao ltimo caractersticas de romance, por meio de
uma linearidade que permite ao leitor imergir na experincia do autor
junto com os nativos. O segundo princpio relaciona-se com as possibili-
dades de reflexo abertas pela manipulao dos materiais coletados. Esta
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atitude reflexiva era pouco comum nos anos 1920, quando os Argonautas
vieram a pblico. Juntos, tais princpios tornaram possvel a resoluo de
alguns dilemas que aparecem recorrentemente na etnografia: como eu
poderei saber se a impresso que meus informantes provocam em mim
so intencionais? Quando e como uma situao compartilhada ocorre?
O acesso do autor aos significados ajusta-se percepo dos prprios
nativos sobre a cadeia dos eventos? Como eu saberei que meu fluxo de
criatividade no idiossincrtico? Ao resolver tais dilemas, Malinowski
pavimentou o caminho para que a escrita se tornasse um meio de re-
criao da singularidade do encontro etnogrfico.
Sobre estes dois princpios, muito tem sido dito a respeito do primeiro,
por isso no o desenvolverei mais. Ao contrrio, gostaria de me con-
centrar no segundo. Percebo que questes relativas manipulao do
material de campo e do processo de interpretao no-ficcional tm sido
consideradas nos debates epistemolgicos sobre verdade e falsidade, ou
originalidade e artificialidade. Mesmo sem tomar partido neste debate,
seguramente podemos afirmar que os antroplogos manipulam certos
materiais ao colet-los, ao fazer observaes, conduzir, transcrever e tra-
duzir entrevistas, revelar fotos, engajar-se em debates com outros autores
e na prpria escrita. Ao fazer tudo isso, lidamos com o material de uma
maneira que claramente distinta da manipulao da matria ficcional,
mesmo quando esta ltima refira-se a uma experincia pessoal. Nesta
conexo, interessante lembrar o testemunho de um antroplogo visual
como David MacDougall, que reconhece a transformao do material
quando o est manipulando:

Uma pessoa que eu filmei um conjunto de imagens quebradas: primei-


ro, algum visto efetivamente, com toque, som, cheiro; uma face vista
na escurido de um foco; uma memria por vezes elusiva, s vezes com
grande claridade; uma fita de imagens em uma mquina de editar; um
punhado de fotografias; e finalmente uma figura se movendo atravs
da tela do cinema. (MAC DOUGALL, 1988, p. 25)
MacDougall lembra-nos de uma diferena fundamental: enquanto o lei-
tor tende a perceber o texto como um todo um trabalho completo , o
autor conhece todo o processo de improvisao, de arranjo e re-arranjo
dos fragmentos desenvolvido ao longo da produo.
Sabendo disso, o autor pode duvidar de sua habilidade em manter a f
do leitor: pode ele estar certo que est falando de algo que realmente
ocorrera? Se o tema no for acolhido de modo adequado, a autocrtica
pode se encaminhar para a autodepreciao e a eventual falta de con-

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fiana. Um modo de abordar adequadamente o problema transferir os


dilemas sobre o tratamento do material do plano epistmico ou poltico
para o plano pragmtico. De fato, est claro que novelistas, por um lado,
e socilogos e antroplogos, de outro, podem e de fato incorporam ma-
teriais no-ficcionais no desenvolvimento de seu trabalho. Entretanto,
enquanto romancistas podem manipular seu material inserindo fantasias,
elaboraes estilsticas e ficcionalizando dilogos, socilogos quantitativos
iro tomar o material como a base de um clculo, em termos de esquemas
mais ou menos artificiais de medida. Entrevistas, dirios de observao e
fotos: tudo pode ser reaproveitado como material da escrita romanceada
ou anlise sociolgica, mas no fim de todo o processo este material ter
sido transformado em algo distinto (ou fico ou tabulao), no apare-
cendo enquanto tal no trabalho final. Em ambos os casos, a aproximao
do tipo interveno no-literal.
Eu gostaria de argumentar que os antroplogos tendem a realizar uma
aproximao leve, um tratamento mais literal de seu material. Se
o termo realismo no fosse to exaustivamente usado, poderamos
retom-lo para designar esse tratamento leve do material. Na tentativa
de descrever a relao quase vital de Van Gogh com os objetos, Shapiro
retomou esta noo, enfatizando, entretanto, que o pintor desenvolvia
um tipo de realismo pessoal.

No me refiro ao realismo no sentido limitado e repugnante que hoje


adquiriu, e que com excessiva brandura chamado de fotogrfico [...]
mas antes o sentimento de que a realidade externa um objeto de forte
desejo ou necessidade, como uma posse e meio potencial de realizao
do ser humano esforado, e, dessa forma, o terreno necessrio para a
arte. (SHAPIRO, 1996, p. 140)

Este o tipo de realismo a que me refiro na manipulao leve, carac-


terstico da escrita etnogrfica. comum encontrarmos nas etnografias
pedaos de material coletado fragmentos de entrevistas, enxertos de
dirios, fotografias ou desenhos esquemticos , algo que ficou quase
inalterado apesar de ter sido manipulado muitas vezes antes de ser
incorporado no trabalho final.

O leitor ctico interrompe novamente....


Essa longa digresso apresenta a antropologia como uma disciplina
procura de uma escrita realista. Mas isso , se muito, parcialmente

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verdadeiro. Nos ltimos anos, como voc mesmo apontou, ns tivemos


enorme avano no desenvolvimento de uma antropologia construtivista,
uma tendncia que no valoriza a superfcie das coisas, ou uma apreenso
fotogrfica delas.

O autor continua...
De fato, esta definio de antropologia parcial e compartilhada de
modo restrito com alguns colegas. Ns defendemos a idia de um rea-
lismo no restritivo que se assenta sobre um acordo de fundo entre ns
(uma tribo de antroplogos profissionais), um Outro (sobre aqueles
cujas vidas descrevemos) e um leitor, que deseja compartilhar conosco
a confiana de que nossa escrita no-ficcional. O componente mais
vulnervel e, no entanto, crucial, desse acordo de fundo est na relao
entre ns (antroplogos) e eles(o Outro). Se esta relao negada
ou quebrada em funo do modo como o encontro recordado ou em
funo do desapontamento das pessoas na leitura do trabalho etnogr-
fico diante do que escrito sobre eles, ento o acordo desfeito. Em
outras palavras, uma etnografia desastrosa no aquela que corrompida
por uma impropriedade tcnica, uma escrita pobre, uma formulao
incongruente ou por intimaes ao herosmo etnogrfico. Ns tendemos
a esquecer esses pecadilhos, mas no podemos aceitar um trabalho que
falha em termos ticos, revelando uma falta de responsabilidade humana
na relao ns/eles.
De fato, tudo indica que ns tendemos a reconhecer como aspectos relati-
vamente autnomos da prtica antropolgica, algo que est efetivamente
co-relacionado: nomeadamente, o estabelecimento de uma compreenso
tica entre observador e observado; a busca de uma manipulao leve
do material; e a manuteno de um acordo de fundo que permita que
todos os participantes tenham confiana na veracidade do resultado do
trabalho. Uma integrao entre estes trs aspectos usualmente realiza-
se do seguinte modo: o aprofundamento da compreenso tica entre
antroplogo e nativo refora a demanda por uma manipulao leve do
material, o qual, por seu turno, tende a reforar a confiana na recepo
do trabalho. Parece-me que a busca dessa integrao significa muito mais
que simplesmente ampliar o conhecimento sobre o Outro, no sentido
literal, mas, sobretudo, ela essencial para preencher a promessa da
antropologia.
Para o nefito que gostaria de saber como orientar-se na trilha desco-
nhecida aberta diante dele no tnel da prtica antropolgica, a boa nova

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que, seguindo esta integrao, ele pode, a partir de fora e at com


habilidades precrias , fazer seu prprio caminho. Assim, mesmo que
a manipulao do material no-ficcional seja intrnseca prtica antro-
polgica, esta manipulao como o adjetivo leve indica tem certos
limites: somente ser aceitvel se no quebrar o tecido das relaes entre
observador e observado. Este princpio ajuda a guiar porque, sobretu-
do, um trabalho antropolgico no-ficcional tende a focar o mundo do
Outro: dessa forma, compreenses ticas devem estabelecer-se sobre
acordos de procedimento governando o encontro, a coleo do material,
as gravaes, a sistematizao, a colagem, a justaposio e recomposio.
Contudo, como o novato poder saber se foi longe demais, rompendo
o tecido das relaes sociais?
Ainda que este ponto crtico seja de difcil definio, no arbitrrio.
Isto envolve uma variedade de respostas criativas e uma ateno para
a literariedade da situao. Neste caso gostaria de citar um evento do
meu trabalho de campo em Coimbra, no qual simulei uma situao na
interao com meus informantes. Ser que eu fui longe demais e quebrei
o tecido das relaes por excesso de manipulao?
Minha tese de doutorado aborda a Igreja Universal do Reino de Deus,
uma igreja brasileira neo-pentecostal que tambm se estabeleceu em
Portugal. A igreja freqentemente questionada pela presena do di-
nheiro no seu sistema ritual. Como pesquisadora, eu era pressionada por
respostas por um pblico vido, mas eu preferia apresentar o assunto em
contexto. A igreja promovia a si prpria por meio de sermes de pros-
peridade. Entre outros chamados pblicos, os pastores usavam repetir
o refro Assim como o sangue de Jesus faz o mundo girar, o dinheiro
move a igreja. No meu trabalho de campo tinha levantando vrias evi-
dncias que demonstravam a importncia do dinheiro, mas eu oscilava
entre uma viso da igreja como uma escola do capitalismo para uma
populao com recursos esparsos e tradicionalmente fora do mercado, e
como uma mquina institucional ou marqueteira da f. Para entender
melhor a questo, precisaria conhecer melhor a posio dos pastores em
relao s operaes financeiras: estariam eles imersos em um sistema
amplo, reproduzindo de um modo limitado e automtico, ou seriam eles
ativa e criativamente co-responsveis por sua reproduo?
Incerta sobre a melhor interpretao e tendo recebido um veto por
parte dos lderes da igreja para desenvolver a pesquisa, optei por simu-
lar uma situao: decidi fazer uma consulta como membro da igreja
a um pastor da igreja de Coimbra. No final da reunio apresentei meu
dilema para o pastor que atendia a outros freqentadores em uma fila.

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Contei, ento, que era uma estudante brasileira morando em Portugal


com poucos recursos financeiros e que trouxera comigo alguma reserva
que me foi dada por minha me. Os meses passaram, tudo correu bem
no exterior e eu no tive de usar a poupana. Nesse meio tempo, meu
irmo mais novo, que estava tentando ganhar a vida em uma cidade
brasileira, escreveu-me contando das enormes dificuldades que estava
passando. Diante da carta, senti-me compelida a dar a poupana para
ele, mas sabia que minha me seria contra isso: segundo seus princ-
pios, sendo um homem ele deveria se cuidar por si mesmo. Se eu no
usasse o dinheiro, este deveria ser devolvido para minha me. O que
eu deveria fazer?
O pastor no hesitou: ele disse que eu no deveria dar o dinheiro nem
para meu irmo nem para minha me. Em vez disso, deveria us-lo para
minha prpria prosperidade e juntar-me a uma Corrente de Orao em
favor do meu irmo.
Alguns iro dizer que eu fui muito longe como pesquisadora, agindo
como informante, mesmo que ocasionalmente. Entretanto, o contexto
do meu trabalho de campo tinha sido, desde o comeo, especialmente
ambguo e tenso; raramente podia me apresentar como pesquisadora.
Alm disso, a resposta que o pastor me deu, resultado de uma situao
simulada, lanou mais luz que o esperado na direo de uma interpre-
tao apropriada e prxima vida do material coletado. Sem a simu-
lao, a interpretao provavelmente seria muito vaga ou esquemtica
(MAFRA, 2002).

Concluso
Iniciei este artigo notando que a antropologia uma disciplina acadmica
relativamente nova e que sua promessa nos encaminha para sua auto-
dissoluo. Uma disciplina dedicada produo de um conhecimento
sobre o Outro ser redundante em um mundo onde a alteridade tenha
cessado de ser problemtica. Tal formulao e sua suposta promessa,
entretanto, somente faz sentido se ns olharmos para a antropologia na
sua relao como mundo. A nfase na autonomia e compartimentarizao
do conhecimento nas universidades nas ltimas dcadas tem-nos feito
ignorar esta relao necessria. Com uma ajuda imaginria de um leitor
ctico, um ouvinte crtico e um novato apaixonado, explorei algumas
respostas que acompanham uma antropologia que est-no-mundo.
Nessa trilha, levamos em conta alguns expoentes da etnografia moderna,
num percurso que conduziu a um razovel consenso de que a antropolo-
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gia envolve a produo de interpretaes no-ficcionais dos eventos que


ocorreram no mundo. Esta parece ser uma concluso bvia, desde que
paremos de pensar em que base de confiana se assenta deixando de
lado alguma pretenso verdade o status no-ficcional de nossa descri-
o. Como poderemos falar de um encontro entre um cidado europeu
e um excelente navegador trobriands sem temer a queda em uma des-
crio excessivamente fantasiosa ou por demais sistemtica e literal?
Minha argumentao sugere que a resposta para esse tipo de questo
no se apia necessariamente em um debate epistmico ou de estilo
de discurso. Este nos leva a uma anlise do acordo entre autor, nativo
e leitor, que se sustenta na noo do trabalho antropolgico como um
registro de escrita no-ficcional de um encontro real entre autor e nativo.
Ns podemos inclusive monitorar as mudanas no processo de registro
etnogrficos seguindo os diferentes termos desse acordo. Na tentativa
de validar uma escrita no-ficcional, um elemento-chave que tem sido
mantido ao longo dos anos a quase exaustiva ateno ao detalhe, com
uma quase literal descrio de situaes e eventos. Esta ateno serve
como uma restrio ao poder inflacionrio das palavras de tal forma que
assegure uma posio mais balanceada entre interpretaes em disputa,
controlando os vos metanarrativos que autor e nativo so inclinados
a desenvolver, um sobre o outro, na rememorao dos eventos vividos.
Fazer-se literal particularmente vantajoso em situaes problemticas e
pouco familiares, na medida em que isto nos ajuda a entender o que est
envolvido em uma determinada situao, sem atribuir imediatamente
uma interpretao assimtrica cena.
Entretanto, esta caracterstica de literariedade no suficiente para as-
segurar o acordo. Como Jorge Luis Borges observou, um mapa literal
no mais um mapa, mas a coisa que ele prprio indica e significa. Em
uma trilha oposta quela da preciso, antroplogos modernos tm-se
tornado cada vez mais conscientes sobre como a manipulao do mate-
rial intrnseca a sua prtica e ao trabalho que est sendo desenvolvido.
Alguns antroplogos, com os quais tenho maior afinidade, tendem a
realizar uma manipulao leve do material coletado. Em outra palavras:
buscam manter uma relao explcita com as fontes da interpretao
no-ficional. Esta manipulao leve serve para proteger e corroborar o
acordo entre autor, nativo e leitores da escrita no-ficional. No podemos,
entretanto, ignorar que, de fato, permanece uma assimetria entre autor,
nativos e leitores. A responsabilidade tica formada entre autor e nativos
por um lado, e entre autor e leitores, por outro, crucial para identi-
ficar a extenso que o trabalho deve tomar e que, se ignorada, poder
promover o retorno da assimetria para o contedo do trabalho.
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Nesta descrio da prtica antropolgica, o pr-requisito para seu


exerccio recai sobre uma combinao de trs aspectos da relao entre
autor, nativos e leitores: o primeiro envolve a qualidade no-ficcional
do trabalho; o segundo tem a ver com uma manipulao leve do mate-
rial coletado; e o terceiro faz surgir a coerncia do conjunto em funo
de um leque de responsabilidades ticas. Tais aspectos, em conjunto,
conduzem a uma certa restrio disciplinar ou mesmo a uma abdicao
deliberada do poder de arrazoamento lgico, associados ou ao conheci-
mento eficiente ou ao pragmtica. Por essa razo, antropologia uma
disciplina capaz de colher e ensinar algo sobre o mundo em processo
(INGOLD, 1993), ao qual ns pertencemos, assim como todo o Outro.
Minha esperana que tal aproximao se torne, eventualmente, to
mundana e comum que as pessoas deixem de necessitar da antropologia
como uma disciplina institucionalizada.

Abstract
The author begans this article noting that anthropology is a relatively new
academic discipline, and that the promise of its fulfillment lies in its self-
dissolution. A discipline dedicated to producing knowledge of the other
would be redundant in a world where alterity ha ceased to be problematic.
Such a formulation and its underlying promise, however, only make sense
if we look at anthropology in its relation with the world. The emphasis on
the autonomy and compartmentalization of knowledge in universities in the
last few decades has distracted us from this necessary relation. With the
imaginary help of a skeptical reader, a critical listener and a passionate
beginner, the author laid out some of the answers to being-in-the-world of
anthropology.
Keywords: anthropological knowledge; alterity; non ficcional writing.

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Notas
1
Esta uma verso, em portugus, do artigo publicado na coletnea Creativity and Cul-
tural Improvisation, editado por Elizabeth Hallam e Tim Ingold, Oxford: Berg, 2007.
2
Neste artigo estou utilizando o termo nativo demodo bastante amplo. Sigo de perto
a definio dada por Viveiros de Castro, quando afirma que o antroplogo algum
que discorre sobre o discurso de um nativo. O nativo no precisa ser especialmente
selvagem, ou tradicionalista, tampouco natural do lugar onde o antroplogo o encon-
tra; o antroplogo no carece ser excessivamente civilizado, ou modernista, sequer
estrangeiro ao povo sobre o qual discorre. Os discursos, do antroplogo e sobretudo
do nativo, no so forosamente textos: so quaisquer prticas de sentido. O essencial
que o discurso do antroplogo (o observador) estabelea uma certa relao com o
discurso do nativo (o observado). Essa relao de sentido, ou, como se diz quando o
primeiro discurso pretenda Cincia, uma relao de conhecimento. Mas o conheci-
mento antropolgico imediatamente uma relao social, pois o efeito das relaes
que constituem reciprocamente o sujeito que conhece e o sujeito que ele conhece, e a
causa de uma transformao (toda relao uma transformao) na constituio rela-
cional de ambos. Essa (meta)relao no de identidade: o antroplogo sempre diz, e
portanto faz, outra coisa que o nativo, mesmo que pretenda no fazer mais que redizer
textualmente o discurso deste, ou que tente dialogar noo duvidosa com ele.

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Tal diferena o efeito de conhecimento do discurso do antroplogo, a relao entre o
sentido de seu discurso e o sentido do discurso nativo (VIVEIROS DE CASTRO, 2002,
p. 113-114).

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Marcel Freitas*

Discutindo classificaes raciais, tnicas


e o racismo no futebol brasileiro
a partir de um olhar desconstrutivista

Neste artigo pretendo fazer uma leitura de alguns as-


pectos referentes s questes raciais, tnicas e ao racismo
na sociedade brasileira a partir de um ponto de vista
proposto pelos atuais estudos feministas: crtico e des-
construtivo. Dentro desta proposta, mostro que o con-
ceito raa tem sido questionado dentro das Cincias
Sociais e apresento, como ilustrao, um levantamento
de dados baseados numa classificao mais tnica do
que racial, na qual as categorias remetem aos espaos
geogrficos e culturais, no cor da pele. O universo
em questo constitudo pelos jogadores de futebol que
participaram do Campeonato Brasileiro de 2004.

Palavras-chave: preconceito racial; identidade; clas-


sificaes tnicas; futebol brasileiro.

*
Antroplogo. Professor
do Departamento de So-
ciologia e Antropologia
da Universidade Federal
de Minas Gerais.
170

Introduo
As reflexes desenvolvidas neste artigo so fruto da disciplina minis-
trada pela professora Sandra Azeredo Tpicos especiais em psicologia
social: um dilogo entre Antropologia e Psicologia a partir das tem-
ticas de gnero e raa, cursada no mestrado em Psicologia Social da
Universidade Federal de Minas Gerais no segundo semestre de 2001,
e do atual debate sobre a cota para negros nas universidades pblicas
brasileiras, cujos critrios partem de uma comisso universitria criada
ad hoc para julgar o grau de negritude do candidato. Nos ltimos se-
minrios convidamos Cleonice Pitangui, docente do Departamento de
Sociologia e Antropologia da UFMG, solicitando que nos esclarecesse em
que patamar se encontra a discusso a respeito da polmica etnia versus
raa no cenrio das cincias sociais brasileiras, mais especificamente
nas teorizaes antropolgicas.
Um dos pontos primordiais nessa discusso que o conceito de raa
est para etnia assim como sexo est para gnero, ou seja, enquanto as
designaes de raa e sexo dizem respeito biologia, etnia e gnero
englobam aspectos culturais e sociais, portanto relacionais. Tal abor-
dagem compartilhada pela maioria dos antroplogos, socilogos e
historiadores, sendo o conceito de raa ainda usado, mormente, na
Pedagogia e na Psicologia Social, no que se refere Academia, e pelos
movimentos anti-racistas e anticolonialistas, especialmente no chamado
terceiro mundo. Logo, como forma de situar tal perspectiva em relao
s questes tnicas no Brasil, apresentarei teorizaes acerca das rela-
es de gnero (que ultrapassam o conceito sexo, mais essencialista)
provenientes do feminismo desconstrutivista, cuja lgica interpretativa
pode ser aplicada s interaes sociais com base na etnia.
Por muito tempo a noo raa foi utilizada para referir-se a subdivi-
ses arbitrariamente construdas da espcie humana; tal idia levava
em conta, primordialmente, certas caractersticas fsicas hereditrias,
especialmente aquelas mais visveis. Assim, a Antropologia Fsica tentou
demonstrar que, diferentemente do que supunham as cincias naturais,
no final do sculo XIX, em vez de presena ou ausncia de caracteres
biolgicos entre determinadas populaes humanas, o que se deve dizer
maior ou menor freqncia de um certo trao em uma populao
relativamente homognea, visto que praticamente todos os traos fsicos
ocorrem em maior ou menor grau em todos os povos humanos (BHO-
PAL, 1998). No obstante, essa primeira classificao conceitual no
considerava aspectos culturais e psicolgicos na segmentao da espcie
humana, inovao esta introduzida pelo conceito de etnia.
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Desmontando lugares-comuns
Da mesma forma que a Antropologia Fsica avanou em relao Zoologia
com essa teorizao sobre a questo racial entre humanos, a Antropologia
Cultural, por volta da dcada de 1940, inovou em relao Antropome-
tria dizendo que as diferenas raciais entre os indivduos no so to
importantes como se acreditava at aquele momento (BHOPAL, 1998).
As crenas e valores sociais em torno das poucas variaes visveis eram
mais poderosos e exageravam o papel de tais variaes.
Creio que h uma diferena entre como os sistemas sociais so idealizados
e como so realmente experienciados no cotidiano, e isso se aplica tanto
ao gnero quanto s relaes tnicas, pois o que a autora diz acerca das
relaes sociais entre os sexos pode perfeitamente ser transposto para
a lgica racial brasileira: Meu interesse est na relao entre identi-
dade de gnero e discurso de gnero, entre o gnero enquanto vivido e
o gnero enquanto construdo (MOORE, 2000, p.16). Assim, as discri-
minaes raciais continuaram fortes, mesmo com essas constataes no
campo cientfico porque estavam embasadas pelo saber cotidiano, pelas
ideologias e pelas representaes sociais; enraizavam-se, e enrazam-se
at hoje, na vida diria de sociedades como a brasileira.
Dessa maneira, ainda que prestando a devida legitimidade aos movi-
mentos negros, especialmente ao carter problematizador da realidade
que tais movimentos sociais abordaram na dcada de 1970, penso que o
nvel terico em que se encontram os principais paradigmas das cincias
sociais e humanas, hoje em dia, exige que se complexifique, alis, que
se revisite as teorias anti-racistas (pois, assim como as racistas, muitas
delas tambm so dicotmicas) para que se consiga dar conta dos vrios
contextos e realidades em que o racismo e no somente contra o negro
se faz presente de formas diversas: Brasil, Estados Unidos, Europa,
frica etc. Assim, o que foi e o que ainda vem sendo elaborado (as lgicas
descontrutiva e reconstrutiva) nos assuntos de gnero pode ser adaptado
para as anlises tnicas, pois

Temos necessidade de uma rejeio do carter fixo e permanente da


oposio binria, de uma historicizao e de uma desconstruo ge-
nunas dos termos da diferena sexual. [...] se utilizamos a definio de
desconstruo de Jacques Derrida, essa crtica significa analisar, levando
em conta o contexto, a forma pela qual opera qualquer oposio binria
(SCOTT apud LOURO, 1995, p.105).
Enfim, como os parmetros de pesquisa e de teorizao social ps-estru-
turalistas vm deixando evidente, tal forma de compreender a realidade
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aponta para a interface do sujeito com sua coletividade, da subjetividade


com a cultura e esclarece como os padres, as regras e os valores sociais
esto imbricados aos afetos e aos processos mentais inconscientes; em
suma, [...] o processo de desnaturalizao dos gneros pode efetiva-
mente ganhar mais eficcia com a aplicao da prtica desconstrutiva
[...], um instrumento til para um projeto de desmistificao (LOURO,
1995, p.136). Da mesma forma, as anlises sobre o racismo podem ser
enriquecidas ao considerar-se as especificidades locais de manifestao
desse pernicioso fenmeno coletivo.
Corroborando esse argumento, Lvy-Strauss (1978) j demonstrou o
quanto a perspectiva de uma histria cumulativa e linear, fundamentada
numa viso positivista do termo raa e de progresso humano, obliterou
a percepo da multiplicidade cultural e humana (incluindo-se aqui os as-
pectos biolgicos) e auxiliou na ampliao do processo de ocidentalizao
do mundo, desse modo, elidindo as alteridades e incluindo as diferen-
as dentro de gavetas previamente concebidas pela cincia ocidental.
A hegemonia material e simblica dessa dinmica que, por exemplo,
adequa os seres em trs raas estanques monglica, caucaside e
negride se peculiariza pela heterodefinio do outro, isto , a auto-
definio de um melansio tpico que possui cabelos crespos e traos
faciais monglicos no importa. Ele ser segmentado e classificado
em funo de critrios cientficos objetivos; e esses, tradicionalmente,
so ocidentais.

Taxonomias e nomenclaturas a armadilha conceitual


De acordo com Pena (2002), raa no um conceito cientfico. Isso
significa que a classificao taxonmica, hoje utilizada e aceita nas cincias
da sade e biolgicas para o homo sapiens, no reconhece tal conceito que,
equivalendo a pedigree, diz respeito apenas ao grau de miscigenao de
ces, gatos e aves de canto importante para a venda, compra ou con-
cursos de animais, mas sem valor cientfico ou verificvel em humanos.
Isto , seramos to homogneos no que diz respeito s caractersticas
internas e externas e aos aspectos morfofisiolgicos que no h emba-
samento fisiolgico para, devido a quatro caractersticas visveis (cor
dos olhos, traos faciais, cor da pele e tipo de cabelo), considerar que
seramos de raas diferentes; tal classificao se sustenta apenas do ponto
de vista fisiolgico, ideolgico e cultural.
Em termos estritamente zoolgicos, todos pertencemos ao mesmo gnero
e mesma espcie, sendo que espcie refere-se a indivduos semelhantes

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entre si (mas no iguais), capazes de se reproduzirem entre si gerando


descendentes frteis. Alm disso, o pesquisador informa que, segundo a
moderna Antropologia Fsica ( importante fazer esta especificao, visto
que, no passado, foi esse ramo da Antropologia que andou de braos
dados com as teorias racistas) o homo erectus, a ltima escala evolutiva antes
do homo sapiens, que somos ns, tinha a pele negra. Foi o primeiro ser
da linhagem homo a abandonar a frica, o bero da humanidade. Dele
derivaram todos os outros tipos de pessoas, dos escandinavos de olhos
azuis e cabelos louros aos mongis de olhos oblquos. Logo, essa derivao
no pode ser vista como um processo evolutivo, mas sim adaptativo, por
isso somos uma s espcie e as diferenas raciais nada mais so do que
adaptaes cosmticas ao meio-ambiente.
O conceito de etnia, por seu turno, refere-se interao social e tradio
sociocultural, ou seja, assim como os estratos, as classes e os grupos sociais,
um fenmeno eminentemente sociopolticolingstico, portanto, cultu-
ral. importante diferenci-lo de raa porque esta ltima instncia de
classificao social se funda em algumas variaes fsicas manifestas (traos
fenotpicos), geneticamente passadas de uma gerao a outra, ao passo
que as distines tnicas acontecem em termos de variaes culturais
que so ensinadas aos indivduos e por eles apreendidas, no estando,
desse modo, atreladas gentica. Esta distino no considerada pelas
teorias racistas pseudocientficas nem pelas ideologias populares de
segregao racial, que asseguram que tanto o comportamento cultural
como os valores sociais, assim como as caractersticas biolgicas, so
hereditariamente dadas e dependentes um do outro.
Todavia, sendo o processo de ensino e aprendizagem cultural basicamen-
te algo que acontece entre pais e filhos e entre pessoas prximas num gru-
po primrio, h muitas vezes a sobreposio de raas e agrupamentos
tnicos. Em outras palavras, pessoas de um grupo homogneo em relao
aos caracteres fsicos podem apresentar tambm uma homogeneidade
em relao aos aspectos tnicos, mas um aspecto no necessariamente
essencial ao outro: pessoas racialmente diferentes podem estar num
mesmo grupo tnico e indivduos com um mesmo fentipo podem ser
totalmente estranhos uns aos outros no que tange a crenas, valores,
smbolos, formas de produo etc. (SODR, 1999).
Exemplos concretos do que foi dito: os judeus na Alemanha nazista eram
tidos como pertencentes a outra raa, quando na verdade muitos tinham
caractersticas fsicas semelhantes aos germnicos (alemes, holande-
ses e austracos), sendo diferentes apenas do ponto de vista tnico. Por
outro lado, existem judeus em Macau e em Hong-Kong, descendentes

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de comerciantes europeus que se estabeleceram naquela regio durante


o colonialismo ingls e portugus e que, devido miscigenao com os
povos locais, apresentam compleio fsica considerada monglica: so
de uma raa diversa em relao aos judeus alemes, mas formam um
s povo do ponto de vista social, cultural e identitrio. A mesma situao
complexa vale para os ciganos que se espalharam pelo mundo.
O dilema ento se instala se este fato for analisado a partir das teorias
acadmicas tradicionais,1 pois, caso um judeu chins emigre para Berlim
e sofra violncia fsica vinda dos Skin Heads, ao sair de uma sinagoga, no
se pode afirmar com certeza se ele foi agredido por apresentar bitipo
oriental ou por estar denunciando a f israelita. Logo, aqui que deve
ser inserida a dupla viso do cientista social, porquanto, ainda que seja
um termo construdo propositalmente, raa teve e tem tido muitos
efeitos polticos na realidade social, j que [...] raa e gnero, como
utilizados no discurso acadmico e no popular, so termos generalizantes
que carregam supostos e estruturas muito especficos, e so, como tais,
histrica e contextualmente delimitados (MOORE, 2000, p. 32-33).
Esse aspecto complexo das relaes raciais e tnicas liga-se ao fato de
que a realidade social e, conseqentemente, a identidade do sujeito, so
profundamente percebidas, apreendidas e, assim, teorizadas apenas ao
se observar como

[...] no mundo real os grupos tnicos vm a se entrelaar profunda-


mente com as formaes de classe social. Ao mesmo tempo, a noo de
estigma chama a ateno para o desenvolvimento de distines hostis
medida que um sistema de grupos tnicos se vai entrelaando com a
ordem de status (BOTTOMORE, 1996, p. 284).
Ento, devido problemtica do estigma e da esterotipia social, creio
que o conceito racismo deva continuar sendo usado da mesma forma
que sexismo, apesar de j se saber que o que distingue homens e mu-
lheres no propriamente o sexo biolgico, mas sim os status e as relaes
de gnero, visto que esses termos tm um poderoso apelo de denncia e
de alerta. Alm disso, as determinaes e os suportes psquicos ao pre-
conceito tambm devem ser abordados, pois a ideologia no teria a fora
que possui caso atuasse apenas na esfera do consciente e esta , muitas
vezes, a grande lacuna das cincias sociais:

Freqentemente parece que o problema dos antroplogos [...] explicar


como os discursos e categorias dominantes so reproduzidos, quando
to pequeno o nmero de pessoas preparadas para reconhecer que
os apiam ou neles acreditam (MOORE, 2000, p. 18).
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Classificaes raciais no Brasil


Dentro do debate sobre a questo tnica e racial no Brasil, Schwart-
zman (1999) analisou os resultados quantitativos da Pesquisa Mensal
de Emprego, de 1998, realizada anualmente pelo IBGE. Neste estudo
foram introduzidas perguntas referentes s categorizaes de cor com o
intuito de avaliar se a populao se reconhece e se identifica com origens
tnicas especficas, sobretudo estigmatizadas, como a afrodescendente
e a judio-descendente. Como aponta o autor, foram as prprias pessoas
que tiveram de se encaixar nessas categorias.
Ele nota que a temtica raa no Brasil tem sido pesquisada recente-
mente pelo IBGE no que tange cor das pessoas, com as categorias
branco, preto, pardo, amarelo e indgena. Vale ressaltar que
esta ltima categoria faz aluso a um aspecto geocultural ndio e foi
ressignificada como caracterstica cromtica. Os objetivos para o levan-
tamento de informaes referentes composio racial do povo brasi-
leiro variaram ao longo da histria do pas (SCHWARTZMAN, 1999). At
o sculo XIX era importante saber de que forma se dividia a populao
no tocante sua condio civil-econmica, ou seja, quantos eram livres e
quantos eram escravos. No decorrer do sculo XX, as idias racistas e as
inquietaes elitistas quanto purificao da raa brasileira influram
para que se incentivasse a imigrao em massa de europeus e para que
o quesito raa fosse recolocado no recenseamento de 1940.
J no apogeu da ditadura, quando o Brasil venceu a Copa do Mundo
de 1970, excluiu-se esta categoria do levantamento, pois se propagava,
dentro de um quadro maior de alienao generalizada, que no havia
problemas raciais no paraso tropical. Percebe-se, atualmente, que
o intuito do censo no mais medir as caractersticas biolgicas da
populao visto que as pesquisas oriundas das cincias biolgicas tm
comprovado que os seres humanos so semelhantes e que, na realidade,
o que se estigmatiza so traos culturais.2 Logo, o objetivo do censo atual
apreender a diversidade cultural, histrica, econmica e psicolgica do
povo brasileiro. Enfim, os cientistas sociais tm-se preocupado cada vez
mais com as questes tnicas e cada vez menos com as biolgicas.
De forma padronizada, os dados mais recentes sobre cor no Brasil apon-
tam para cerca de 5% de negros, 50% de brancos, 45% de pardos, 0,4%
de amarelos e 0,1% de indgenas (SCHWARTZMAN, 1999). Segundo
os crticos, especialmente do movimento negro, tais nmeros ocultam o
tamanho real da populao negra no Brasil que, se fosse definida como
nos Estados Unidos, chegaria a 60%. Contudo, cabe aqui uma pergunta

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de cunho terico-epistemolgico: o que se est chamando de verda-


deiro? Ser que a verdade, no que concerne tipificao racial de
afrodescendentes, pertence exclusivamente aos negros norte-americanos
conscientes de sua origem e engajados num movimento sociopoltico?
Mais do que dizer que a classificao deles melhor ou pior do que a
nossa ou do que outras, h de se verificar como se engendrou, hist-
rica, poltica e culturalmente, uma e outra. A discusso acadmica sobre
o tema da raa no Brasil tem como um dos principais marcos o texto
clssico de Nogueira (1985), que contrasta o preconceito de origem
tpico da cultura norte-americana com o preconceito de marca mais
evidente no Brasil. Nos Estados Unidos, assim como no Canad (onde
os negros tm origem caribenha e norte-americana uma vez que nesses
pases no foi adotada a escravido africana), o que determina que algum
seja considerado negro ou no sua ascendncia africana e no o fato
de a pessoa ter a pele ou outros traos fsicos que denunciam antepas-
sados negros. No Brasil, ao contrrio, o que importa o fentipo: seria
a cor da pele, em primeiro lugar, e o tipo de cabelo, em segundo, que
categorizariam as pessoas culturalmente como pretas ou no.
De acordo com os militantes, esse sistema cultural reduz a coeso social,
a conscincia e a identidade dos indivduos de origem africana; para
eles no deveria haver distino entre pretos e pardos nos censos, todos
deveriam, portanto, ser englobados na categoria negro. Esta uma
posio com a qual Ribeiro (1995) no concorda, pois, segundo o an-
troplogo, a inegvel e evidente mistura de raas que houve no Brasil
no to simples e dual como a que houve nos Estados Unidos (negro +
branco). Logo, um indivduo pardo de uma grande cidade brasileira
certamente fruto de sucessivas miscigenaes entre negros, brancos,
ndios e at mesmo orientais. Ento como poderamos negligenciar todas
essas outras etnias italianos, alemes, portugueses, guaranis, coreanos
etc. que podem compor um brasileiro mdio? Referente a isso, ele
pleiteia a expresso moreno, para designar esse indivduo sui generis e
tpico, no lugar de pardo, que para ele lembra cor de coisas, de objetos,
como sapatos ou bolsas.
Ribeiro (1995) defende que aqueles que so chamados de mulato/a
realmente sejam englobados na categoria negro, mas com relao
aos pardos, o autor acredita ser simplista e maniquesta a tentativa de
coloc-los todos na categoria negro. Isso lembraria, agora com uma
roupagem poltica americanizada, o velho ditado das elites no incio
do sculo XX: o que foge de branco preto. A estrutura do racismo
continua a mesma a da excluso , apenas as peas mudam de lugar.

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Vista de outra maneira, a perspectiva de incluir todos aqueles que tm


sangue africano na categoria negro soa como a hansenase na Idade
Mdia, ou a loucura e a homossexualidade no sculo XVIII (FOUCAULT,
1979), ou seja, algo cultural e psicologicamente to sujo, defeituoso,
estigmatizador e contagioso que qualquer contato com tais aspectos ma-
cularia a normalidade, que o ariano, o corpo saudvel/produtivo e a
heterossexualidade. A armadilha, nessa lgica auto-identitria, que o
excludo se encarrega de encerrar a si mesmo em guetos simblicos.
Florestan Fernandes (apud SCHWARTZMAN, 1999), ao contrrio,
argumenta que o preconceito de raa no Brasil , em ltima instn-
cia, somente um preconceito de classe, pressuposto que tambm seria
reducionista. Nessa abordagem, a questo tnica ou racial no tem a
especificidade de definir as relaes sociais e seria gradativamente sanada
na medida em que as questes de desigualdade social e econmica fossem
resolvidas. Mais do que isso, talvez no Brasil a determinao seja de mo
dupla (retroalimentativa), pois o racismo impede, tolhe ou dificulta o
acesso de pessoas negras (pretas e mulatas) a bens simblicos que
poderiam lev-las a ascender social e economicamente melhorar de
vida , e isso, por sua vez, refora a discriminao, visto que o negro
tem a possibilidade perpetuada de ser visto como pobre, analfabeto,
desempregado, marginal etc.
Ainda conforme Nogueira (1985), no Brasil, a preocupao social
maior seria com os traos culturais, que, mais do que os aspectos fsicos,
serviriam para definir quem brasileiro ou no, enquanto nos Estados
Unidos haveria uma maior tolerncia para com sistemas culturais e re-
ligiosos diversos, porm, uma maior rejeio de bitipos divergentes do
padro ariano anglo-saxo. Ento, naquele pas

[...] haveria maior tolerncia que no Brasil pelas diferenas culturais de


idioma, de religio etc. Em contraposio, no Brasil haveria maior tole-
rncia em relao s variaes em aparncia fsica e menor em relao
s divergncias culturais. Penso na tendncia generalizada, no Brasil,
de supor-se que a negao da identificao com minorias culturais
seja condio essencial ou sine qua non para o abrasileiramento. Assim,
espera-se que o ndio deixe de ser ndio, o judeu de ser judeu e assim
por diante, para ser brasileiro (NOGUEIRA, 1985, p. 34).
Essa passagem ajuda a explicar por que o tema da origem racial nunca
ter sido objeto de estudos mais sistemticos no Brasil. Numa tentativa
de aprimorar o quesito da raa, de levar em considerao as diversas
objees a esta temtica e tambm de introduzir a varivel da origem

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nos estudos sobre a populao nacional, o IBGE colocou um grupo de


questes sobre esses assuntos na Pesquisa Mensal de Emprego de ju-
lho de 1998, que teve como amostra cerca de 90 mil pessoas com mais
de 10 anos de idade em seis regies metropolitanas (So Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Recife). O objetivo foi
comparar as respostas (espontneas do entrevistado) quanto origem
,com as respostas (direcionadas a partir daquelas cinco opes bsicas)
sobre cor.
O objetivo de tal estratgia foi investigar se a populao se identifica com
origens culturais e tnicas marginalizadas, ou se as repudia, especialmente
a africana (SCHWARTZMAN, 1999). De modo geral, os resultados mos-
tram o que j era sabido pelos pesquisadores: o Brasil (ou o Brasil das
grandes metrpoles) no apresenta linhas de demarcao ntidas para a
populao em termos de caractersticas tnicas, lingsticas e culturais,
o que faz com que qualquer tentativa de classificar as pessoas segundo
tais diferenas, ao contrrio do que ocorre nos Estados Unidos ou no
Canad, esteja sujeita a imprecises e artificialismos grosseiros.
Creio que tal impreciso no deve ser compreendida como um defeito
da sociedade brasileira, um erro que pudesse ser solucionado com a
adoo de categorias (compartimentos conceituais) precisas provenientes
do exterior, mas sim como uma caracterstica histrico-cultural especfica
da nao, assim como de outras sociedades latino-americanas em diferen-
tes nveis, e que reflete imbricaes de povos e culturas diversas desde os
primrdios da colonizao. Em suma, tem a ver, entre outras coisas, com
o tipo de colonizao que Portugal e Espanha adotaram nesses locais,
como nos lembra Freyre (1987), posto que a cultura do dominado no
era destruda pela separao, mas pela fagocitose sendo ilustraes
tpicas disso o catolicismo sincrtico, a umbanda e a obra literria Ma-
cunama, caractersticas impensveis para a Amrica do Norte puritana,
protestante e segregacionista.
Retornando pesquisa do IBGE, nas questes abertas foram mencio-
nadas cerca de 200 categorias para a pergunta sobre cor. Tais dados
so semelhantes queles, hoje emblemticos para o movimento negro,
encontrados numa pesquisa do mesmo rgo, realizada em 1976. aqui
que realmente se observa o racismo, velado mas atuante, do povo brasi-
leiro: enquanto a maioria da populao branca utilizou esse termo para
se definir sem muita reflexo ou constrangimento os termos negro e
preto (o ltimo principalmente) foram evitados pela maioria da popu-
lao classificada pelos pesquisadores como pertencentes a essa cor;
tal rejeio aconteceu com mais freqncia em 1976 do que em 1998,

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007


179

ressalta Schwartzman (1999). Ele observou tambm que grande parte


da populao parda utilizou a palavra moreno/a para se conceituar.
Dentre os vrios termos, os mais curiosos e pitorescos so branca clara,
morena do Brasil, negra escura, entre outros ainda mais inslitos.
A pesquisa tambm contou com uma outra questo aberta na qual era
perguntada a origem da pessoa. A indagao era colocada da seguinte
maneira: Qual origem o/a senhor/a considera ter?, sem nenhuma espe-
cificao maior do termo, podendo o entrevistado dar at trs respostas
espontaneamente. Constatou-se que para os descendentes de migrao
mais recente durante ou aps a II Guerra mundial como judeus,
eslavos ou orientais, a expresso origem os remeteu ao pas dos pais
ou dos avs. Contudo, muitos brancos, descendentes de imigrantes
que chegaram no sculo passado, disseram apenas brasileiros, assim
como grande parte dos pardos (SCHWARTZMAN, 1999). Alm disso,
a maioria dos entrevistados entendeu origem em termos regionais ou
locais, e assim, mencionaram o estado ou cidade onde nasceram ou de
onde vieram seus antepassados.
Como j se esperava, poucos negros declararam origem africana. Ade-
mais, reforando o mito nacional das trs raas originando algo mpar
no cenrio mundial, como deixa implcito a msica de Martinho da Vila
Aquarela do Brasil, muitos negros, brancos e, principalmente, pardos
disseram somente origem brasileira. As respostas tambm variaram
de acordo com a regio do pas: em Recife 96% disseram origem bra-
sileira, ao passo que essa cifra cai para 70% em Porto Alegre. Outro
aspecto que j era aguardado foi o fato de os pardos que se declararam
de origem africana terem renda e nvel de escolaridade superiores
dos que atribuem sua morenice apenas a antepassados indgenas. Isso
sugere que a conscincia de uma origem africana est associada ao status
social mais elevado. Por outro lado, o menor ndice de identificao com a
brasilidade foi constatado entre os descendentes diretos (principalmente
filhos) de srio-libaneses, judeus, japoneses, coreanos e chineses.
A distribuio por idade tambm foi analisada pelo pesquisador sob esta
perspectiva; assim, Schwartzman (1999) verificou que a proporo de
pessoas que se autodenominam brancas diminui gradativamente
medida que a idade diminui, enquanto aumenta a autoclassificao de
pardos e fica constante a de pretos. Isso revela que os entrevistados
mais jovens principalmente em Recife e em Salvador sentem-se mais
tranqilos do que os mais velhos para se identificarem como mestios
entre duas ou mais raas ou mesmo como negros (mas no como
africanos). Mesmo no variando a identificao com a cor preta em

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180

relao faixa etria, o autor notou que quando se tomam as respostas


dos adolescentes e jovens

[...] a identidade africana diminui, mas a identidade negra aumenta


progressivamente. Este resultado bastante coerente com a idia de que
a identidade negra comea a ser afirmada por grupos mais jovens, com
atitude moderna, o mesmo no ocorrendo, porm, com a identificao
com um passado africano (SCHWARTZMAN, 1999, p. 89).

Alguns dados ilustrativos:


jogadores do Campeonato Brasileiro de 2004
No intuito de ilustrar as teorizaes precedentes, apresentarei alguns
dados estatsticos acerca de uma sucinta classificao tnica dos jogado-
res que disputaram o Campeonato Brasileiro, no ano de 2004. Nesse
sentido, em vez de aprofundar-me apenas em cores ou tons da ctis
amarelo, branco, preto, pardo , segmentei os 786 jogadores analisando
suas fotografias coloridas divulgadas na Edio Especial Campeonato
Brasileiro da Revista Placar privilegiando o fentipo3 global, como o
tipo de cabelo, traos faciais e cor da pele. Para tanto, utilizei categorias
que se referissem mais a aspectos tnico-geogrficos e no tanto raciais,
tais como:
1. Afrodescendentes (negros e mulatos);
2. Caucasianos (brancos que no possussem traos faciais afro ou
monglicos nem o tipo de cabelo crespo);
3. Indgenas (os visivelmente descendentes dessa origem, no que tange
ao formato do rosto, tipo de cabelo etc.);
4. Mestios (ou pardos; os que no poderiam ser includos nas catego-
rias anteriores e tambm os morenos, isto , de acordo com teorias
neoculturalistas como a de Ribeiro (1995), os morenos seriam os
tpicos brasileiros, produto nico de mltiplas e sucessivas mesclas
entre brancos, negros e indgenas) e
5. Orientais (os visivelmente descendentes de chineses, japoneses, co-
reanos etc.).
importante ressaltar o carter propositalmente geogrfico/espacial e,
por isso, cultural, dos vocbulos aqui utilizados, em lugar daqueles que
remetem exclusiva e diretamente cor da pele. Vale, ainda, elucidar
que a estatstica realizada foi calculada a partir da cidade/estado em que

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007


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nasceu o jogador, no tendo em vista a cidade onde ele joga atualmente.


Assim que se verificam jogadores nascidos no Par jogando em Porto
Alegre, nascidos em Vitria atuando em times do Mato Grosso etc.
Outro tipo de categorizao, amplamente empregado nos Estados Unidos e
Canad, partiria de trs grupos bsicos: caucasianos, afrodescendentes
e monglicos. Os hispnicos, conceito inserido a partir dos anos 1960,
com a chegada macia de imigrantes centro-americanos e caribenhos,
corresponderiam, grosso modo, s categorias pardo ou moreno no Brasil.
Assim que, por exemplo, nessa forma de classificao, um argentino de
origem italiana e espanhola no seria, num primeiro momento, classifi-
cado racialmente como hispnico, no obstante seja latino-americano,
pois na lgica anglo-sax, esse conceito diz respeito quela pessoa que
apresenta caracteres que poderiam ser encontrados nos trs grupos
principais. Nesse sentido que tal triagem se mostra assaz biologista.
Os termos estatsticos elaborados com simplicidade ilustram essa ma-
neira de distribuir os seres humanos racialmente, como se pode ver a
seguir:

1a diviso (times mais importantes)


Grfico 1 Categorias gerais (incluindo-se os dez estrangeiros):
total de 432 jogadores

1. Afrodescendentes 26,85%
2. Caucasianos 33,56%
3. Indgenas 10,87%
4. Mestios 29,63%
5. Orientais 0,46%

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182

Algumas consideraes gerais podem ser tecidas a partir dessas cifras,


como, por exemplo:
a) Quando contabilizados conjuntamente pretos e mulatos, a porcen-
tagem de negros bem maior do que supe o senso comum brasileiro
(26,85%);
b) Isso ocorre tambm caso se incluam no quesito indgena no so-
mente aqueles indivduos que vivem em tribos ou se identificam como
tais, mas aqueles que visivelmente denunciam uma ancestralidade
amerndia prxima (10,87%);
c) O nmero de mestios tambm considervel, todavia, intrigante-
mente inferior ao nmero de caucasianos, fato este que difere das
mais recentes estatsticas sobre composio populacional geral no
Brasil.

Tabela 1 Distribuio geral dos jogadores por macrorregio


Amrica Amrica Centro-
Nordeste Norte Sudeste Sul Total
Central4 do Sul oeste5
(1) (9) (30) (55) (14) (232) (91)
432
0,231% 2,083% 6,72% 12,73% 3,24% 53,7% 21,0 %

a) Os dados aqui demonstram que a participao de jogadores vindos


da regio Sudeste mais comum (53,7%), sendo que a distncia per-
centual em relao segunda regio com maior participao, a regio
Sul (21%), grande.

Distribuio tnica dos jogadores estrangeiros segundo o pas de origem


Categorias Argentina Chile Colmbia Paraguai Peru Uruguai
Afrodescendentes - - 1 - - -
Caucasianos 1 1 - 2 1 1
Indgenas - - 1 - - -
Mestios - - 1 - - -
Orientais - - - - - -

a) O que chama a ateno para a participao numrica de jogadores


latino-americanos no Campeonato Brasileiro a ausncia de atletas
dessa origem na 2a diviso. Isso pode estar ligado condio finan-
ceira dos times, ou seja, os clubes de 1a diviso possuem mais recursos
econmicos para comprarem o passe de estrangeiros.

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183

Distribuio tnica geral dos jogadores por regio

Centro-Oeste

Categorias DF GO MT MS TO Totais
Afrodescendentes (3) 37,5% (2) 12,5% (2) 66,67% - (1) 100% (8) 26,66%
Caucasianos (3) 37,5% (4) 25,0% - - - (7) 23,33%
Indgenas - (6) 37,5% - - - (6) 20,0%
Mestios (2) 25% (4) 25,0% (1) 33,33% (2) 100% - (9) 30,0%
Orientais - - - - - -
Totais 8 16 3 2 1 30

a) Antes de quaisquer comentrios, cabe esclarecer que a leitura esta-


tstica deve ser feita verticalmente; por exemplo: a porcentagem dos
trs afrodescendentes no Distrito Federal refere-se ao total de oito
jogadores daquele lugar.
b) Novamente vale frisar que, em funo de seu processo histrico es-
treitamente ligado a Gois e ao Mato Grosso, Tocantins foi colocado
dentro da regio Centro-Oeste, e no na Norte, como acontece ofi-
cialmente.
c) Em razo do restrito nmero de jogadores nativos de Mato Grosso,
Mato Grosso do Sul e Tocantins, no pertinente articular observaes
acerca da distribuio tnica nesses estados.
d) No que tange ao Distrito Federal cabe mencionar que, considerando-se
o diminuto tamanho do seu terrtrio, a quantidade total de jogadores
(oito) significativa, provavelmente nascidos em Braslia.
e) A distribuio tnica em Gois foi a mais equilibrada e revelou um
considervel percentual de jogadores de origem indgena, o que cer-
tamente no aconteceria se fossem considerados apenas os elementos
nascidos em tribos.
Nordeste

Categorias AL BA CE MA PB PE PI RN SE Totais
(1) (15) (1) (2) (1) (2) (22)
Afrodescendentes - - -
14,28% 57,7% 33,33% 66,67% 11,11% 100% 40,0%
(1) (2) (1) (1) (1) (6)
Caucasianos - - - -
14,28% 7,7% 33,33% 33,34% 11,11% 10,9%
(1) (1) (2) (4)
Indgenas - - - - - -
3,84% 33,33% 22,22% 7,27%
(5) (8) (1) (2) (5) (2) (23)
Mestios - - -
71,43% 30,76% 33,33% 66,66% 55,55% 100% 41,82%
Orientais - - - - - - - - - -
Totais 7 26 3 3 3 9 - 2 2 55

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a) Em relao ao Nordeste, merece ser ressaltado o grande percentual


de afrodescendentes na Bahia (57,7%) em detrimento do nmero
irrisrio de caucasianos (7,7%) no mesmo estado.
b) Pernambuco foi o estado nordestino que mais se configurou com uma
distribuio relativamente maior de mestios em relao s outras
etnias (55,55%), uma tendncia geral no Brasil como um todo.
Norte

Categorias AC AP AM PA RO RR Totais
Afrodescendentes - - - (1) 10,0% - - (1) 7,14%
Caucasianos - - - (3) 30,0% - - (3) 21,42%
Indgenas - - (3) 100% - - - (3) 21,42%
Mestios - - (6) 60,0% (1) 100% - (7) 50,0%
Orientais - - - - - - -
Totais - - 3 10 1 - 14

a) A regio Norte tambm foi sub-representada, sendo que somente o


estado do Par evidenciou uma quantidade expressiva de jogadores.
Muitos estados, tais como Amap ou Roraima, no forneceram joga-
dores nem mesmo para a segunda diviso.
Sudeste

Categorias ES MG RJ SP Totais
Afrodescendentes (2) 28,57% (8) 24,24% (24) 37,87% (32) 25,19% (66) 28,45%
Caucasianos - (12) 36,36% (17) 25,75% (48) 37,8% (77) 33,19%
Indgenas (1) 14,28% (2) 6,06% (2) 3,03% (10) 7,08% (15) 6,46%
Mestios (4) 57,14% (11) 33,34% (21) 33,34% (37) 29,13% (73) 31,46%
Orientais - - - (1) 0,78% (1) 0,43%
Totais 7 33 64 128 232

a) A distribuio tnica da regio Sudeste pode ser lida como uma


sntese da distribuio no pas, isto , a proporo entre afrodescen-
dentes, caucasianos, indgenas, mestios e orientais bastante similar
nacional como um todo. Isso se explica, em parte, pela localizao
relativamente centralizada da regio no Brasil e, por outra parte, pela
imigrao de pessoas de outras regies para o Sudeste, especialmente
para So Paulo e Rio de Janeiro.
b) Tal qual na Bahia, tambm no Rio de Janeiro, a proporo de afro-
descendentes superou a de caucasianos e a de mestios.
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007
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Sul

Categorias PR SC RS Totais
Afrodescendentes (6) 16,21% (3) 23,07% (9) 20,0% (18) 19,78%
Caucasianos (17) 45,94% (9) 47,36% (20) 50,0% (46) 50,55%
Indgenas (6) 16,21% - (5) 12,5% (11) 12,08%
Mestios (8) 21,62% (1) 7,69% (6) 15,0% (15) 16,48%
Orientais - - (1) 2,5% (1) 1,09%
Totais 37 13 41 91

a) A regio Sul foi a que apresentou os maiores contingentes de po-


pulao caucasiana, mas por outro lado, no apresentou cifras de
afrodescendentes to pequenas como habitualmente se pensa. O
nmero menor, em relao mdia brasileira, aconteceu na categoria
mestios (apenas 16,48%).
b) Tambm foi a nica regio em que a porcentagem de afrodescenden-
tes (19,78%), embora pequena se comparada a das outras regies,
foi maior do que a de mestios. A proporo de indgenas (16,21%),
principalmente no Paran, tambm foi considervel.

Distribuio geral dos jogadores pelas nove maiores cidades do Brasil


Belo Rio de Porto So
Categorias Curitiba Belm Recife Salvador Braslia Totais
Horizonte Janeiro Alegre Paulo
Afrodescen- (1) (2) (1) (16) (6) (4) (13) (3) (46)
-
dentes 6,66% 22,22% 20,0% 41,02% 42,85% 57,14% 46,42% 37,5% 35,38%
(6) (3) (1) (1) (12) (4) (1) (4) (3) (35)
Caucasianos
40,0% 33,33% 20,0% 20,0% 30,76% 28,57% 14,28% 14,28% 37,5% 26,92%
(2) (1) (1) (1) (3) (3) (11)
Indgenas - - -
13,33% 11,11% 20,0% 2,56% 21,43% 10,71% 8,46%
(6) (3) (3) (3) (10) (1) (2) (8) (2) (38)
Mestios
40,0% 33,33% 60,0% 60,0% 25,64 7,14% 28,57% 28,57% 25,0% 29,23%

Orientais - - - - - - - - - -

Totais 15 9 5 5 39 14 7 28 8 130

a) Aqui pode ser salientada a distncia entre as porcentagens de afro-


descendentes e de caucasianos na cidade de So Paulo (46,42% e
14,28%, respectivamente), diferena essa comparvel apenas cidade
de Salvador (57,14% e 14,28%, respectivamente), tradicional centro de
cultura negra no Brasil.
b) Curiosamente, o maior percentual de descendentes de ndios foi
encontrado em Porto Alegre (21,43%); j Belm, importante cidade
da regio Norte, no apresentou nenhum valor nessa categoria.

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c) Qui os dados relativos expressiva populao com origem afro em


So Paulo e indgena em Porto Alegre se vinculem ao xodo rural,
isto , com o fim da escravido e com a chegada em massa de reti-
rantes nordestinos, mormente da Bahia, a cota de afrodescendentes
na capital paulistana foi incrementada enormemente, ao passo que
no Sul do pas os principais espoliados ao longo da histria da nao
foram os povos de origem guarani.
d) Por outro lado, considervel nmero de jogadores nascidos em Porto
Alegre so afrodescendentes (42,85%); j no interior, especialmente
na zona serrana, esse nmero cai sensivelmente, perfazendo uma cota
de somente 17,14% no Rio Grande do Sul como um todo.

2a diviso (times menores e com desempenho mais baixo)


Categorias gerais: total de 354 jogadores

1. Afro-brasileiros 18,36%
2. Caucasianos 29,66%
3. Indgenas 12,14%
4. Mestios 39,26%
5. Orientais 0,56%

a) O primeiro fator que se pode depreender com a comparao desses


dados com os coeficientes similares da 1a diviso a maior quantidade
de mestios e concomitante menores quantidades tanto de afrodes-
centes quanto de caucasianos.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007


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Distribuio geral dos jogadores por macrorregio


Centro-oeste6 Nordeste Norte Sudeste Sul Total
(29) 8,19% (105) 9,66% (23) 6,49% (150) 42,37% (47) 13,27% 354

a) Aqui, o fenmeno que salta aos olhos a ausncia de jogadores estran-


geiros e o fato de que, embora ainda se configurando como maioria,
os jogadores provenientes do Sudeste no ultrapassam a cifra de 50%,
como ocorreu entre o grupo anterior.
b) As representaes das regies Sul e Nordeste caem, enquanto os ndi-
ces referentes ao Centro-Oeste e Norte crescem se forem comparadas
com a 1a diviso.

Distribuio tnica geral dos jogadores por estado


Centro-Oeste
Categorias DF GO MT MS TO Totais

Afrodescendentes - (1) 5,26% - - (1) 50,0% (2) 6,89%

Caucasianos (2) 33,33% (7) 36,84% - - - (9) 31,03%


Indgenas (1) 16,66% (5) 26,31% - - - (6) 20,67%
Mestios (3) 50,0% (6) 31,56% (2) 100% - (1) 50,0% (12) 41,37%
Orientais - - - - - -
Totais 6 19 2 - 2 29

a) Novamente nessa regio os espaos geogrficos mais representativos


e pluritnicos foram o Distrito Federal e o estado de Gois.
b) Relativamente 1a diviso, o ndice de afrodescendentes reduziu-se
sensivelmente, enquanto o de caucasianos e mestios aumentou; j a
cifra dos indgenas permaneceu praticamente estvel.
Nordeste
Categorias AL BA CE MA PB PE PI RN SE Totais

Afro- (15) (1) (3) (1) (4) (1) (1) (26)


- -
descendente 44,11% 6,25% 37,5% 20,0% 20,0% 25,0% 20,0% 24,76%
(1) (1) (4) (1) (4) (3) (14)
Caucasianos - - -
16,66% 2,94% 25,0% 20,0% 20,0% 42,85% 13,46%
(4) (4) (5) (1) (1) (1) (16)
Indgenas - - -
11,76% 25,0% 25,0% 25,0% 14,28% 20,0% 15,23%
(5) (14) (7) (5) (3) (7) (2) (3) (3) (49)
Mestios
83,33% 41,17% 43,75% 62,5% 60,0% 35,0% 50,0% 42,85% 60,0% 46,66%
Orientais - - - - - - - - - -

Totais 6 34 16 8 5 20 4 7 5 105

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169197, 1. sem. 2007


188

a) curioso perceber a diminuio abrupta de afrodescendentes entre


jogadores da 2a diviso (24,76%) se comparado ao expressivo ndice
na 1a (40%) nessa regio do pas.
b) Os subgrupos que mais aumentaram foram o indgena e o mestio.
O subgrupo caucasiano teve pequeno acrscimo tambm, todavia,
tanto na 1 quanto na 2 diviso, o Nordeste foi a regio na qual essa
categoria teve menos peso na populao de jogadores em geral.
c) Alm disso, possvel destacar como o grupo indgena ultrapassou
o caucasiano, tanto em nmeros absolutos quanto em percentuais
(15,23% e 13,46%, respectivamente).
Norte
Categorias AC AP AM PA RO RR Totais
(1) (2) (3)
Afrodescendentes - - - -
11,11% 16,66% 13,04%
(2) (2) (4)
Caucasianos - - - -
22,22% 16,66% 17,39%
(1) (3) (1) (5)
Indgenas - - -
100% 33,33% 8,33% 21,73%
(3) (7) (1) (11)
Mestios - - -
33,33% 58,33% 100% 47,82%
Orientais - - - - - -
Totais 1 9 12 1 - 23

a) O que deve ser frisado em relao representatividade da regio


Norte agora a importante participao do estado do Amazonas nos
percentuais, o que no aconteceu na 1a diviso.
b) Outra vez uma inferncia terica se confirma pelos dados, isto ,
a atribuda morenice do povo amaznico no fruto apenas da
miscigenao com o ndio, como apregoa a ideologia regional; h,
tambm, participao significativa do elemento negro em sua com-
posio (47,82% de mestios entre as trs etnias).
Sudeste
Categorias ES MG RJ SP Totais
(3) (9) (12) (31)
Afrodescendentes (7) 24,1%
42,85% 37,5% 13,33% 20,66%
(2) (6) (5) (36) (49)
Caucasianos
28,57% 20,68% 20,83% 40,0% 32,66%
(1) (3) (3) (5)
Indgenas (12) 8,0%
14,28% 10,34% 12,5% 5,55%
(1) (13) (7) (35) (56)
Mestios
14,28% 44,82% 29,16% 38,88% 37,33%
(2)
Orientais - - - (2) 1,33%
2,22%
Totais 7 29 24 90 150
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007
189

a) Os valores referentes aos afrodescendentes no Rio de Janeiro pratica-


mente permaneceram inalterados nos dois blocos (1a e 2a divises), ao
passo que na mdia geral da regio houve ligeira queda em funo,
principalmente, da mais baixa representao de afrodescendentes
em So Paulo.
b) No obstante, no Esprito Santo o coeficiente de negros (pretos +
mulatos) subiu sensivelmente.
c) Apenas no estado de So Paulo a cifra concernente aos descendentes
de amerndios no aumentou, sendo que o crescimento mais impor-
tante dessa categoria aconteceu no Rio de Janeiro (de 3,03% na 1a
diviso para 12,5% nessa).
Sul
Categorias PR SC RS Totais
Afrodescentes (1) 4,54% - (2) 14,28% (3) 6,38%
Caucasianos (11) 50,0% (10) 90,9% (8) 57,14% (29) 61,7%
Indgenas (2) 9,09% (1) 9,09% (1) 7,14% (4) 8,51%
Mestios (8) 36,36% - (3) 21,42% (11) 23,4%
Orientais - - - -
Totais 22 11 14 47

a) Santa Catarina foi o estado que maior porcentagem de caucasianos


apresentou dentre todos os Estados, tanto na 1a quanto na 2a diviso
(90,09%).
b) Paralelamente, o gradiente de afrodescendentes caiu drasticamente
nesse bloco, assim como o de indgenas. A regio Sul foi a nica onde
os coeficientes de mestios no superaram os de caucasianos, tanto
na 1a quanto na 2a tabela do Campeonato.
c) A categoria mestio tambm no apareceu em Santa Catarina,
continuando, porm, significativa no Paran (passando de 21,62%
para 36,36%).

Distribuio geral dos jogadores pelas nove maiores capitais


Belo Rio de Porto So
Origem Curitiba Belm Recife Salvador Braslia Totais
Horizonte Janeiro Alegre Paulo
Afrodescen- (1) (2) (2) (2) (7) (2) (9) (2) (27)
-
dentes 25% 22,22% 25,0% 22,22% 41,17% 50,0% 50,0% 8,33% 27,83%
(1) (2) (2) (2) (2) (10) (1) (20)
Caucasianos - -
25% 25,0% 22,22% 11,76% 50,0% 41,66% 25,0% 20,61%
(2) (3) (2) (2) (1) (1) (11)
Indgenas - - -
22,22% 33,33% 11,76% 11,11% 4,16% 25,0% 11,34%
(2) (5) (4) (2) (6) (7) (9) (2) (37)
Mestios -
50% 55,55% 50,0% 22,22% 35,29% 38,88% 37,5% 50,0% 38,14%
(2) (2)
Orientais - - - - - - - -
8,33% 2,06%
Totais 4 9 8 9 17 4 18 24 4 97

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169197, 1. sem. 2007


190

a) A primeira caracterstica que chama a ateno quando se compara o


quadro atual com aquele referente ao da 1a diviso que as porcenta-
gens de afrodescendentes e de caucasianos so inversamente opostas
na cidade de So Paulo, ou seja, enquanto l os afrodescendentes
representavam 46,42% do total de jogadores nascidos naquela cidade,
aqui somam apenas 8,33%.
b) possvel tambm notar que Porto Alegre no forneceu nenhum
contingente de mestios nessa 2 diviso, mas to somente de afro-
descendentes e de caucasianos.
c) Tal qual foi visualizado na Tabela referente distribuio por re-
gio, o estado de So Paulo apresentou proporo considervel de
caucasianos no Estado e baixa na capital, particularmente o inverso
acontecendo com o ndice de afrodescendentes.

Etnia por regio (1a e 2a divises juntas)7


Centro- Mdia
Etnia Nordeste Norte Sudeste Sul
oeste Brasil
(10) (180)
Afrodescendente (48) 30,0% (4) 10,8% (97) 25,4% (21) 15,2%
16,94% 23,19%
(244)
Caucasiano (20) 12,5% (7) 18,9% (126) 33,0% (75) 54,34% (16) 27,1%
31,44%
(12) (82)
Indgena (20) 12,5% (8) 21,6% (27) 7,06% (15) 10,86%
20,33% 10,56%
(18) (266)
Mestio (72) 45,0% (129) 33,8% (26) 18,84% (21) 35,6%
48,6% 34,27%
Oriental - - (3) 0,78% (1) 0,72% - (4) 0,51%
Totais 160 37 382 138 59 776

a) A nica regio em que o grupo caucasiano ultrapassou 50% foi a


regio Sul. Foi esta tambm a nica regio em que o grupo mestio
no apresentou o maior percentual.
b) O Centro-Oeste no se peculiarizou por apresentar o maior ndice
em nenhuma das categorias.
c) Condizente com o processo histrico que o Brasil viveu de sistem-
tico extermnio de amerndios, a regio Sudeste, mais urbanizada
e industrializada, conseqentemente, foi a que apresentou menor
proporo de descendentes indgenas, assim como acontece com os
ndices de florestas e matas.
d) Como esperado, a maior cifra de indgenas e descendentes concentra-
se na regio Norte. Ainda assim, o percentual de mestios foi bem
superior ao esperado, tendo em vista o imaginrio coletivo brasileiro
que atribui a trigueirice do povo amaznico apenas ancestralidade

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007


191

nativa, ignorando a herana africana.


e) O menor nmero de caucasianos ficou com o Nordeste que, parale-
lamente, foi a regio que mostrou o maior ndice de afrodescenden-
tes.
f) No h predomnio macio de nenhum grupo nas regies, o que
mostra que os processos histricos de escravido africana e de imi-
grao europia, acontecidos em maior ou menor escala em todo
o Brasil, contriburam para dar uma distribuio tnica bastante
heterognea ao pas, embora haja predomnios indelveis, como os
afrodescendentes na Bahia (50,9%) e os europeus recm-chegados e
seus descendentes diretos em Santa Catarina (69,13%).
g) A apregoada estreita imbricao entre futebol e raa negra no se
verifica se forem considerados os dados presentes, que dizem respeito,
por seu turno, aos melhores times do Brasil.
h) A distribuio tnica geral da regio Sudeste a que mais se assemelha
distribuio tnica brasileira nos dois grupos de times de futebol.
i) Nesse sentido, vale atentar para as porcentagens de afrodescendentes
e de caucasianos na primeira diviso e a grande similaridade delas
com a cifra geral no Sudeste nas mesmas categorias.
j) A regio Centro-Oeste no se destacou em nenhum grupo, isto ,
no apresentou as maiores porcentagens em nenhum grupo, como
aconteceu, por exemplo, com o Nordeste (afrodescendentes), Norte
(indgenas e mestios), Sul (caucasianos) e Sudeste (orientais).
l) Considerando-se somente os quatro grandes grupos, o Sudeste tam-
bm no se destaca em nenhum deles, permanecendo dentro das
mdias nacionais.
m) A maior proporo de mestios no ficou com o Nordeste, como po-
deria ter sido esperado, mas sim na regio Norte. Por outro lado, essa
regio foi a que menor proporo de afrodescendentes apresentou,
e no a regio Sul, como em geral se acredita.
n) Finalmente, confrontando-se os dados raciais obtidos na pesquisa do
IBGE com a presente classificao tnico-racial, nota-se que:

1. O valor referente aos negros (somente 5% no IBGE) passou para


23,19%, sobretudo porque aqui houve a incorporao dos mulatos
nessa categoria;
2. Isso provocou uma queda acentuada de pardos (45% no IBGE) em
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169197, 1. sem. 2007
192

relao aos mestios (34,27%), sendo que tambm houve a retirada


dessa categoria dos descendentes diretos de indgenas destribalizados
filhos e netos que vivem nas periferias de grandes cidades como,
por exemplo, Manaus e Cuiab;
3. O coeficiente de brancos (50% no IBGE) tambm descresceu dras-
ticamente pelos mesmos motivos, isso , dentre essa cifra, se forem
considerados aqueles no possuem apenas a pele clara, mas tambm
traos faciais e cabelos tipicamente atribudos s etnias europias,
a porcentagem de caucasianos de apenas 31,44% entre os jogado-
res.
4. No que se refere aos amarelos (0,4%), o percentual aumentou pouco,
tendo em vista que essa categoria a que, em geral, apresenta menos
controvrsia para ser definida (0,51% de orientais no levantamento
ora apresentado);
5. Outro termo complexo indgena: curiosamente a palavra foi
mantida nas duas classificaes. Todavia, enquanto na pesquisa do
IBGE (0,1%) foram tomados exclusivamente aspectos culturais in-
divduos que vivem em tribos e que se identificam enquanto tal no
levantamento aqui mostrado o principal critrio (considerando-se
que teve que se basear apenas em fotos, e no na auto-representao
dos jogadores) foi o fisionmico, ocasionando um nmero bem mais
expressivo (10,56%).

Desconsideraes finais
Diante do que foi explanado teoricamente e do que foi exposto estatis-
ticamente, pode-se fazer o mesmo questionamento diante da questo
racial que houve em relao a uma possvel essncia feminina: tal tema,
identidade tnica e auto-conscincia racial, to complexo que reduzi-
lo a um limitado grupo de categorias biolgicas a priori o mesmo que
dizer que as relaes de gnero se resumem a identificar se algum tem
pnis ou vagina. Logo, o mesmo ocorre em relao indagao quem
negro, quem no , pois, analogamente, se a mesmice por si mesma for
questionada sobre a base de que no existe uma presena da condio
feminina, no h nada que o termo mulher expresse imediatamente
(MOUFFE, 1999, p. 45).
Caso se traga a trajetria que o movimento feminista e as/os intelectuais
que se dedicam a esta temtica fizeram nos ltimos dez anos para as
questes raciais e tnicas, esse processo muito contribuir para tais estu-
dos. Entre outras coisas, as mais recentes teorias de gnero afirmam vee-
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007
193

mentemente que as identidades no so estticas, mas se interpenetram


processualmente; partindo desse paradigma, proponho que se pense
as questes tnicas no Brasil: a) considerando a especificidade histrica
nacional em relao aos pases europeus (onde os estrangeiros de cor
e em massa so um fenmeno recente) e aos Estados Unidos (onde a
miscigenao foi menos intensa e onde a escravido se concentrou nos
estados de plantation do sul) e b) levando-se em conta a perspectiva com
a qual atualmente se analisam as relaes e as identidades de gnero (em
constante construo-desconstruo, em processo dinmico).
Sendo assim, desconsiderar as sucessivas mesclas raciais que o povo
brasileiro viveu e vive , portanto, negligenciar a existncia concreta de
um elemento que no pode ser encaixado em nenhuma das categorias
tradicionais (monglico, caucaside, negride). E esse brasileiro more-
no ou pardo to simplista quanto desconsiderar a existncia das classes
mdias, afirmando que o mundo capitalista se divide dicotomicamente
entre ricos e pobres, entre detentores do capital versus possuidores da
mo-de-obra. Conseqentemente, julgo, assim como Mouffe, que [...] o
essencialismo conduz a uma viso da identidade que no concorda com
uma concepo de democracia plural (MOUFFE, 1999, p. 30). Dessa
maneira, no h um negro/a universal, da mesma maneira que no se
pode dizer que exista uma mulher universal, porquanto

[...] s quando descartamos a viso do sujeito como um agente ao mesmo


tempo racional e transparente para si mesmo, e descartamos tambm
a suposta unidade e homogeneidade do conjunto de suas posies,
teremos possibilidades de teorizar a multiplicidade das relaes de
subordinao. Um indivduo isolado pode ser portador desta multipli-
cidade: ser dominado numa relao e dominante em outra. Poderemos
ento conceber o agente social como uma entidade constituda por um
conjunto de posies de sujeito que no pode estar nunca totalmente
fixadas em um sistema fechado de diferenas; uma entidade constituda
por uma diversidade de discursos [...] um movimento constante de
superdeterminao e deslocamento (MOUFFE, 1999, p. 32).
Ademais, presumo que a caracterstica histrico-geogrfica de a escra-
vido norte-americana ter-se restringido aos Estados do Sul teve consi-
derveis conseqncias para as relaes raciais daquele pas hoje, sendo
uma delas o fato de que quando se iniciou o xodo de negros rurais para
os centros urbanos do Norte dos Estados Unidos (incio do sculo XX),
as pessoas brancas desses locais, ainda que conscientemente, soubessem
se tratar de americanos como elas legal e politicamente os enca-
ravam, sob o ngulo psicolgico e cultural, da mesma forma com que
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169197, 1. sem. 2007
194

encaravam os imigrantes eslavos, gregos, italianos, portugueses, turcos,


isto , como forasteiros, logo, com desprezo ou, na melhor das hipte-
ses, com curiosidade e animosidade. J no Brasil, em maior (Bahia) ou
menor grau (Santa Catarina), com exceo de Roraima e Acre que no
pertenciam ao pas no perodo colonial, em todas as provncias houve
escravido africana. Assim, o negro, embora na mais baixa posio social,
foi algum presente desde os primrdios do pas.
O no reconhecimento dessas mudanas pode implicar na tentativa por
parte de algumas lideranas governamentais ou por alguns movimen-
tos sociais de se articular um neoprojeto iluminista generalizador,
dando s polticas da derivadas um carter redentrio, o que pode ser
vislumbrado, por exemplo, em muitos projetos socialistas-marxistas
presentemente. Como nos lembra Mouffe (1999), toda identidade pro-
cessual e poltica e ao se reconhecer um Ns, automaticamente estamos
engendrando um Eles e, por isso, compreender as identidades como
processo de identificao tanto psicolgica quanto poltica no mais pode
passar por modelos de encarnao do absoluto, seja esse qual for.
Os nmeros analisados por Schwartzman (1999) tambm deixam eviden-
te que, devido impreciso, complexidade e fluidez, no recomend-
vel que instncias administrativas, estatais ou movimentos poltico-sociais
decidam assumir o encargo de classificar o povo brasileiro do ponto de
vista racial, muito menos da cor, utilizando uma classificao estra-
nha cultura brasileira. V-se como a cultura interfere nos processos de
classificao tomando um exemplo bem simples citado pelo autor: nos
Estados Unidos nigger (negro/a) tem um sentido pejorativo, enquanto
que black (preto/a) o termo politicamente correto. J no Brasil, alguns
integrantes do movimento organizado dizem que cor preta se refere
a bolsas ou sapatos, no a pessoas. Enfim, [...] substituir preto por
negro e se eliminar a alternativa pardo significaria forar uma viso
da questo racial como dicotmica, semelhante dos Estados Unidos,
que no seria verdadeira (SCHWARTZMAN, 1999, p. 90).
Em suma, mais problematizando do que concluindo, lembro as palavras
da professora Cleonice Pitangui, integrante do debate que suscitou este
artigo, que nos alerta que o prprio fato de se especificar a alteridade
pode cair numa espcie de confinamento simblico, pois, de certa forma,
esse marcar a diferena leva-nos a deduzir que exista uma norma que
serviria de parmetro, de ideal; algumas feministas tambm tentaram/
tentam denunciar este carter aprisionador de algumas prticas com-
pensatrias para as mulheres:
Scott vai lembrar que, enquanto nos mantivermos argumentando den-
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007
195

tro dessa oposio, estaremos contribuindo para fortalecer a premissa


conservadora de que j que as mulheres no podem ser idnticas aos
homens em todos os aspectos, elas no podem ser iguais a eles (LOU-
RO, 1995, p.116).
Talvez ento a questo no seja igualar, mas sim, positivar a distino.

Abstract
In this text I formulate an effort to read some aspects of racial and ethnic
problems in Brazil from a recent feminist and desconstructive point of
view. In this proposal, I show that the concept of race has been criticized
particularly in social sciences, and I show, as an illustration, a little survey
from a ethnic rather than racial, classification in which the concepts are
concerning space and specific cultures, not skin colors. The universe for
this statistics is formed by the players from Brazilian soccer that were in the
2004s Campeonato Brasileiro.
Keywords: racial prejudice; ethnic classifications; identity; brazilian soc-
cer.

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Publicaes mais significativas:

Captulos de livros
FREITAS, M. A. Futebol e subjetividades: leituras da Psicologia Social.
In: AMARAL; L. M. G.; MORENO, B. S. (Org.). Cultura, tica e esporte: o
pano de fundo para as subjetividades. Campinas: UNICAMP, 2005.
______.; MOREIRA, M. V. Apresentao dos autores. In: FREITAS, M.
A.; MOREIRA, M. V. (Org.). O futebol sob o olhar das cincias humanas no
Mercosul / El ftbol sob la mirada de las ciencias humanas en el Mercosur. So
Paulo: [s.n.]; Buenos Aires: [s.n.], 2005.
FREITAS, M. A. A construo social do corpo masculino nos gramados
e arquibancadas de futebol. In: FREITAS, M. A.; MOREIRA, M. V.
(Org.). O futebol sob o olhar das cincias humanas no Mercosul / El ftbol sob
la mirada de las ciencias humanas en el Mercosur. So Paulo: [s.n.]; Buenos
Aires: [s.n.], 2005.
______. Sociabilidade e subjetividade masculinas no futebol. In: FREITAS,
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169-197, 1. sem. 2007
197

M. A.; MOREIRA, M. V. (Org.). O futebol sob o olhar das cincias humanas


no Mercosul / El ftbol sob la mirada de las ciencias humanas en el Mercosur.
So Paulo: [s.n.]; Buenos Aires: [s.n.], 2005.
FREITAS, M. A. Psicologia antropolgica. In: NICK, E; CABRAL, A. (Org.).
Dicionrio tcnico de psicologia. 14 ed. So Paulo: Cultrix, 2004. p. 299-300.
FREITAS, M. A. Por uma Antropologia Empresarial. In: GOULART,
. B. (Org.). Psicologia Organizacional e do Trabalho e temas correlatos. So
Paulo: Casa do Psiclogo, 2002. p. 23-36.
AZEREDO, S. M. M; FREITAS, M. A. Ativo e passivo: categorias fundamentais
da identidade masculina analisadas a partir dos usurios do disque-amizade
que apresentam comportamento bissexual. In: BONFIM, E. M. (Org.).
Horizontes psicossociais. Belo Horizonte: ABRAPSO, 1997. p. 212-227.
FREITAS, M. A. Meio-ambiente e cultura: determinantes da geografia
humana em Minas Gerais. In: SILVA, F. H. F. (Org.). Enquadramento
litoestratigrfico e estrutural do depsito de Ouro Paracatu, MG. Braslia:
Ed. UNB, 1991. p. 67-79.

Livros publicados
F R E I TA S , M . A . M a d o n a s , m e re t r i z e s , a m a z o n a s e m a g a s :
um estudo dos arqutipos femininos nos mitos da humanidade. Belo
H o r i z o n t e : O a u t o r, 2 0 0 1 . 1 7 5 p . I S B N : 1 0 0 1 2 7 5 9 0 2 .
Palavras-chave: arqutipos, psicologia analtica, antropologia cultural,
papis de gnero. Referncias adicionais: Brasil/Portugus; Meio de
divulgao: impresso

Notas
1
Como as teorias eugenistas e racistas do incio do sculo passado apoiadas pela Antro-
pologia Evolucionista.
2
O projeto Genoma Humano seria o epteto desse tipo de abordagem nas atuais cin-
cias biolgicas.
3
O gentipo, por seu turno, refere-se aos dados biolgicos que o indivduo pode trans-
mitir na reproduo, no necessariamente sendo visveis ou manifestos.
4
Apenas um jogador do Campeonato Brasileiro 2004 possui tal origem, tendo nascido
no Panam.
5
Considerando seu processo histrico e demogrfico ligado a Gois, o estado de Tocan-
tins foi includo nessa regio e no na regio Norte, como consta poltica e legalmente.
6
Tendo em vista seu processo histrico e demogrfico ligado a Gois, o estado de Tocan-
tins foi includo nessa regio e no na regio Norte, como consta poltica e legalmente.
7
Excludos os dez estrangeiros.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 169197, 1. sem. 2007


Bernd Reiter

Defendendo privilgio:
oslimitesdaparticipaopopularemsalvador,bahia

Este estudo enfoca as mudanas das relaes Estado-


sociedade no estado da Bahia, e os fatores que condi-
cionam uma participao democrtica. A partir de
trabalho de campo realizado durante vrias viagens
entre 2001 e 2006 Salvador, BA, coletei dados sobre
a qualidade da participao comunitria na gesto de
escolas pblicas, no processo de planejamento urbano
(PDDU) e no oramento participativo, iniciado em
janeiro de 2005 naquela cidade. Comparei trs reas
de interao entre o governo local e a sociedade em
geral, sociedade civil especificamente. Este artigo
enfocado nas duas ltimas reas da poltica, mas, em
todos os casos observados, encontrei uma distncia
muito grande entre o mandato de jure da participao
dos cidados e a situao real de situao poltica,
sendo que algumas condies para a participao
democrtica no nvel local so reveladas. A existncia
dessa distncia entre lei e realidade pode, em parte, ser
explicada pela continuada importncia do carlismo
na Bahia e, portanto, aponta para a possibilidade de
regimes polticos locais persistirem apesar de mudanas
das elites polticas neste nvel.

Palavras-chave: desigualdade social; democracia


participativa; governo local; Bahia; Brasil.
200
Depois da rebelio de 17 junho o secretrio do Sindicato dos Escritores distribuiu
panfletos na Stalinallee, que declararam que o povo tinha trado a confiana do
governo e s poderia ganhar de volta seu apoio dobrando seu esforo de trabalho.
No seria mais simples se o governo dissolvesse o povo e elegesse outro?
Berthold Brecht, junho de 1953

Introduo
Este artigo apresenta alguns resultados preliminares de minha pesquisa
sobre interaes entre Estado e sociedade no estado da Bahia.1 Para ope-
racionalizar a pesquisa, focalizei dois espaos nos quais Estados interagem
com a sociedade: o planejamento urbano e o processo de oramento
participativo, iniciado em Salvador em janeiro de 2005.
A coleta de dados para esta pesquisa foi feita durante quatro viagens
exploratrias a Salvador (2001, 2003, 2005 e 2006). Baseando-me prin-
cipalmente em entrevistas com especialistas e observao participativa,
meu objetivo principal de compreender melhor a qualidade de parti-
cipao cidad nessas duas reas e, a partir dos resultados, tirar algumas
concluses mais gerais sobre a inclusividade do regime poltico local e
sua legitimidade democrtica. Valendo-me de observao participativa
e entrevistas, formulo algumas concluses experimentais a respeito da
natureza da interao Estado-sociedade na Bahia.

Metodologia
De acordo com Migdal, Kohli, e Shue (1994), estudar relaes entre
Estado e sociedade requer a desagregao do conceito de Estado e o
estudo de interaes concretas entre agentes do Estado e comunidades
locais. Migdal, no seu livro (2001), reitera, ao estudar as interaes
Estado-sociedade e problemas de governana relacionadas, que o Estado
deve ser desnudado dos mitos de unidade e onipotncia.2 Para enten-
der melhor a natureza da interao entre Estado e sociedade, a ateno
deve ser dada s linhas de contato nas quais os Estados e as sociedades
se encontram. Este objetivo pode ser alcanado apenas com a execuo
de uma pesquisa qualitativa no nvel local. Alm do mais, tanto o poder
social quanto o estadual dependem das suas estruturas institucionais
histricas especficas. Uma compreenso de governana democrtica
exige descrio e anlise da interao entre Estado e sociedade especfi-
ca, e no uma avaliao geral ampla de diferentes papis exercidos por
diferentes estados e sociedades.3

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199-218, 1. sem. 2007


201

Para operacionalizar minha abordagem, realizei 30 entrevistas semi-


estruturadas com lderes comunitrios, membros de associao de bairro,
administradores pblicos, e vrios acadmicos locais que escreveram
neste campo. Alm disso, assisti a vrias reunies pblicas e reunies de
associaes de bairro como observador participante.

A Discusso: Sinergia Sociedade Civil-Estado


A discusso sobre diferentes papis de estados e suas variadas relaes
com as sociedades to antiga quanto a disciplina. Os tratamentos desse
elo crucial variaram no tempo. Peter Evans, Theda Skocpol e Dietrich
Rueschemeyer (1985) reagiram s tendncias behavioristas que domina-
vam as cincias sociais desde os anos 1950, devido ao fato de concentrar
no Estado o papel de ator autnomo, sugerindo que qualquer anlise
de mudana social e desenvolvimento tem de incluir uma do papel do
Estado como mediador entre preferncias individuais e resultados polti-
cos. Redescobrindo o argumento de Max Weber sobre a importncia das
formas institucionalizadas de exerccio de poder na forma da burocracia,
aqueles autores tentaram explicar que desenvolvimento no pode ser
explicado analisando-se apenas variveis sociais. As cincias polticas
como disciplina deram um passo adiante trazendo o estado de volta
e a maioria das produes acadmicas aps 1985 integraram o Estado
como varivel independente.
Continuando seu trabalho nesse campo, Peter Evans (1995) demonstrou
que Estados tm de ser independentes das presses sociais, mas ao mes-
mo tempo suficientemente embedded nas suas sociedades para serem
capazes de formular e executar polticas de desenvolvimento de forma
eficiente. De acordo com Evans, Estados extremamente autnomos
como o Congo (ento, Zaire), sob Mobuto facilmente viram as costas s
necessidades do seu povo, tornando-se raptadores e predatrios.
Estados de desenvolvimento bem-sucedidos, conclui Evans, tm de ter
uma burocracia racionalmente organizada e precisam promover ativa-
mente uma agenda de desenvolvimento, assumindo papis de parteira
ou de criao.4
Num nvel mais terico, Joel Migdal, Atul Kohli, e Vivienne Shue (1994)5
introduziram a possibilidade de relacionamentos mutuamente refor-
antes entre Estados e sociedades particularmente no nvel local. Este
argumento abriu uma discusso sobre sinergia entre Estado e socieda-
de que recebeu ainda mais nfase de Peter Evans (1996)6 e ainda mais
explicitamente de Judith Tendler (1997).7 Em seu estudo de caso sobre

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199218, 1. sem. 2007


202

a implementao de polticas de sade preventivas bem-sucedidas no


estado do Cear, Tendler argumenta que as polticas de desenvolvimento
tm maior possibilidade de serem eficientes quando h uma cooperao
entre estados centrais, locais e sociedade civil local. De acordo com Ten-
dler, uma srie de governadores progressistas, subindo ao poder depois
de 1986 (Tasso Jereissati seguido por Ciro Gomes, ambos, na poca,
membros do PSDB), iniciaram uma mudana da cultura poltica local,
acabando o controle que trs famlias clientelistas tinham exercido sobre
o governo estadual h mais de 20 anos.8
A implementao bem-sucedida de uma rede de sade preventiva, aps
1986, no estado do Cear podia-se explicar, de acordo com Tendler, pela
cooperao frutfera entre novos turcos, quer dizer, de polticos jovens
e no-tradicionais que foram capazes de ganhar poder poltico nos nveis
estaduais e municipais nos finais dos anos 1980. Esse estudo de um bom
governo significou um avano importante sobre o trabalho de Robert
Putnam (1993),9 e seu tratamento anterior da democracia na Itlia,
porque Tendler capaz de demonstrar o papel importante de governos
locais e estaduais de assegurar a boa governana e um desenvolvimento
bem-sucedido. De acordo com Tendler,

se podemos discernir algo como um crculo virtuoso entre a admi-


nistrao municipal e cidados locais, ento, este circulo foi posto em
movimento e apoiado por uma dinmica de trs vias, entre a adminis-
trao municipal, a sociedade civil, e o governo central.10
Esta concluso confronta diretamente o trabalho de Putnam sobre a
democracia italiana, na qual a governana regional eficiente pode ser
explicada suficientemente pela presena de longas tradies de civi-
lidade (civicness) e predominncia de relaes sociais horizontais que
caracterizam algumas regies italianas, facilitando a criao de capital
social, de redes, e de confiana tanto ao nvel interpessoal, quanto
tambm entre cidados e administraes municipais.

Brasil: modelo de uma democracia participativa?


Durante os anos 1980 e 1990, muitos analistas do processo de redemocra-
tizao na Amrica Latina em geral, e da transio no Brasil em particular,
acreditaram que a fora principal por detrs dos processos de redemo-
cratizao vinha da sociedade civil.11 At mesmo Alvarez e Escobar (1992,
p. 327) diagnosticaram o surgimento de um novo modelo de democracia
latino-americana, caracterizada pela participao direta de indivduos e
de grupos secundrios. Para esses autores latino-americanos, um novo
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199-218, 1. sem. 2007
203

modelo de democracia participativa, mais profundo e qualitativamente


diferente dos modelos liberais e socialistas, estava surgindo na Amrica
Latina, e o Brasil estaria na vanguarda de uma nova prxis social. Sob a
inspirao de tericos europeus tais como Gramsci e Melucci, cultura e
identidade foram declaradas os novos campos de batalha pela cidadania,
por participao, e pelo direito de ter direitos. De acordo com alguns,
um modelo latino de democracia estava surgindo superior ao modelos
europeus existentes at ento.
Talvez os casos mais fortes de uma avaliao otimista do poder da socie-
dade civil brasileira tenhan sido os oferecidos por Rebecca Abers (2000) e
Baiocchi (2003), que analisaram o processo do oramento participativo de
Porto Alegre, por Leonardo Avritzer (2002), que estudou associaes
de bairro nas cidades de Rio de Janeiro, So Paulo e Belo Horizonte, e
por Judith Tendler, que estudou o Bom Governo no Cear. Tais autores
fornecem evidncias empricas que demonstram o poder da sociedade civil
em impactar e mudar a governana local. Particularmente o caso de Porto
Alegre parece demonstrar que a sociedade civil local capaz de mudar a
poltica municipal e iniciar uma mudana democratizante de baixo para
cima.
Em Porto Alegre, o Partido dos Trabalhadores (PT), controlou o muni-
cpio de 1989 at dezembro de 2004.12 Uma vez no poder, o PT iniciou
um processo de oramento participativo, envolvendo as associaes de
bairro j existentes num processo complexo de decidir o oramento da
cidade. Esta participao fortaleceu ainda mais a sociedade civil local, o
Partido dos Trabalhadores e a conexo entre esses dois.
Ao que parece, o Brasil virou uma vitrine no s para uma sociedade
civil forte, mas tambm para o potencial da sinergia entre Estado e socie-
dade, modelo oferecido inicialmente por Peter Evans e, posteriormente,
adotado por Judith Tendler para explicar o sucesso da gesto de Tasso
Jereissati no Cear. O modelo da democracia participativa parece res-
ponder s necessidades dos setores mais pobres da sociedade, fornecendo
mecanismos que permitem contrabalanar sua marginalizao histrica
da esfera pblica.

Contrapontos baianos
O estado da Bahia oferece-nos a oportunidade de obter mais clareza so-
bre as dinmicas e os condicionamentos de uma interao assim frutfera
entre sociedade e Estado no Brasil. Na Bahia, cada setor do Estado foi
dominado sem interrupo por elites polticas tradicionais desde 1985.13
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199218, 1. sem. 2007
204

Esta tradio foi rompida em novembro de 2004, quando o candidato


da oposio (PDT) foi eleito prefeito de Salvador, ganhando 74% dos
votos. Embora o poder poltico tenha mudado em Salvador, em agosto
de 2006, quando realizei minha pesquisa, o Estado era ainda controla-
do por foras tradicionais (Paulo Souto, PFL) e a poltica local ainda foi
influenciada pelo poderoso lder clientelista baiano, senador Antnio
Carlos Magalhes.14 A dinastia poltica de Magalhes se estende sua
famlia e baseada na sua longa carreira poltica, enraizada na poca
do regime militar, alm do controle do maior canal de TV na Bahia, a
TV Bahia (o ramo baiano da TV Globo), e tambm de um dos maiores
Jornais de Salvador (Correio da Bahia).
O novo prefeito de Salvador tomou posse (janeiro 2005) sob o lema de
participao popular. Vrias medidas para criar um regime demo-
crtico mais participativo foram tomadas, entre as quais, a: instalao
dos mecanismos de oramento participativo e de planejamento urbano
participativo (PDDU). Essas duas medidas exigem a participao da
sociedade, e fornecem incentivos importantes para associaes se or-
ganizarem para garantir uma influencia coerente de seus interesses.
Minha pesquisa de campo e as entrevistas conduzidas durante 2005 e
2006 permitem formular algumas hipteses iniciais sobre a qualidade dos
processos polticos de Salvador. Com os achados de 2001 e 2003 tambm
pude tirar algumas concluses mais amplas, embora experimentais, a
respeito das relaes Estado-sociedade civil na Bahia.

Planejamento Urbano Participativo


Desde 1988, a lei federal exige que cada cidade com mais de 20 mil
habitantes elabore um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
com a participao ativa dos cidados. De acordo com esta lei, estados e
municpios tm de criar mecanismos que assegurem o acesso adequado
informao e promover audies pblicas para elaborar este plano em
conjunto com o pblico em geral.
Em Salvador, este plano foi elaborado apenas em 2002, durante a admi-
nistrao do prefeito Antonio Imbassay (PFL), sem qualquer participao
cidad, causando o protesto de vrios setores organizados de sociedade
civil. Na sua campanha, Joo Henrique, o futuro prefeito, prometeria
criar espaos deliberativos nos quais o pblico poderia receber informa-
es a respeito do plano e expressar suas opinies. Assisti a duas reunies
desse tipo e conduzi vrias entrevistas com participantes.
Em 2005, a agncia estadual responsvel pela execuo deste plano
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199-218, 1. sem. 2007
205

(CONDER) organizou reunies pblicas, convidando cidados de cada


uma das 18 sub-regies a participar de uma noite de informao sobre
o plano de urbanizao, alm de receber as reivindicaes de cidados
e representantes das associaes. Em 11 de julho de 2005, uma reunio
dessa natureza foi realizada na sub-regio de Itapagipe, parte baixa
de Salvador, rea habitada por uma classe mdia baixa tradicional e
constituda de bairros de segmentos populares, nos quais falta qualquer
infra-estrutura bsica. A sub-regio possui uma populao total de apro-
ximadamente 160 mil habitantes. Das 75 pessoas que participaram da
reunio, a metade representava organizaes locais da sociedade civil.
A reunio durou duas horas e meia, sendo que as primeiras duas horas
foram ocupadas por uma apresentao muito tcnica do engenheiro
representante da agncia de Estado. Aps a apresentao, o pdio foi
aberto para perguntas e comentrios e uma conversa muito ntida se
seguiu, durante a qual residentes locais e representantes das associaes
expressaram seus interesses e sugestes.
No final da reunio, no ficou claro se e como tais recomendaes seriam
tomadas em considerao e no foram mencionados mecanismos capazes
de assegurar qualquer tipo de accountability neste processo. Em vez disso,
os participantes que eu entrevistei depois da reunio no tiveram muita
certeza se suas vozes de fato seriam ouvidas. O fato de a agncia do Es-
tado ser representada por um engenheiro que focalizou sua palestra nas
necessidades tcnicas da regio (o plano de construir novas estradas e a
expanso da rede de esgoto), criou um sentido de necessidades tcnicas e
deixou muito pouco espao para uma participao eficiente na definio
de prioridades e menos ainda no processo de criar uma agenda.
Usando o critrio da transferncia efetiva de poder, a participao
cidad no planejamento urbano de Salvador parecia uma ao impro-
visada e simblica que ocorreu depois que as decises principais haviam
sido tomadas pelo Estado. No final, os participantes das reunies no
possuam nenhum poder efetivo de deciso e sua participao era uma
formalidade, resultado de promessas de eleio, feitas pelo novo prefeito
eleito. No havia nenhum espao institucional regulando como e onde
a participao cidad deveria ser integrada ao processo de formulao
e execuo de polticas publicas. Pior: depois de executar todas as reu-
nies pblicas, no ficou claro como esta participao popular poderia
impactar o processo de planejamento urbano.
Paralelamente ao processo de planejamento urbano participativo,
algumas comunidades locais tinham elaborado um plano de desenvol-

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199218, 1. sem. 2007


206

vimento local, seguindo uma iniciativa do Programa das Naes Unidas


para o Desenvolvimento (PNUD). Em 2006, assisti uma reunio desse
grupo na qual ativistas locais e representantes das associaes de bairro
se reuniram durante dois dias consecutivos para discutir suas prioridades
para o desenvolvimento urbano da sua regio tambm Itapagipe. Este
processo teve o apoio das associaes de comrcio, SESC. O seminrio
elaborou uma proposta comunitria de desenvolvimento local.
Se o estado da Bahia tivesse qualquer interesse em interagir com as
comunidades, este frum seria o local ideal. Porm, durante minha
pesquisa, no encontrei nenhuma interao entre o frum para o de-
senvolvimento local e as agncias responsveis pela execuo do plano
de desenvolvimento urbano.
Outro ponto importante onde se pode observar a interao entre Estado
e sociedade no estado da Bahia o processo de oramento participativo,
iniciado em janeiro de 2005.

Oramento Participativo Baiana


Para ter uma idia do processo de oramento participativo em Salvador,
entrevistei trs delegados que foram eleitos pela populao para repre-
sentar sua regio na assemblia geral de delegados. Um dos delegados
entrevistados tambm foi eleito na posio de conselheiro, o que
representa a posio mais alta entre delegados. Cada regio possui trs
conselheiros e o nmero de delegados depende do nmero da populao
representada. Em agosto de 2006, tambm entrevistei o secretrio da
Secretaria Municipal da Promoo e de Articulao da Cidadania.
Em Salvador, o oramento participativo foi inspirado pelo exemplo am-
plamente discutido de Porto Alegre. As associaes de bairro elegeram
436 delegados para a cidade inteira, e os delegados discutiram, em vrias
reunies subseqentes, as prioridades de desenvolvimento em trs reas
temticas: educao, saneamento e meio ambiente, e infra-estrutura. A
sub-regio de Itapagipe, na qual fiz minha pesquisa, possui um total
de 26 deputados, cada um eleito em assemblia pblica. J em 1998, as
numerosas associaes de bairro dessa sub-regio tinham criado uma
organizao de guarda-chuva, a Comisso de Mobilizao e de Articula-
o dos Moradores da Pennsula de Itapagipe CAAMPI originalmente
abrangendo 20 associaes de bairro. Em julho de 2005, o nmero de
associaes afiliadas CAAMPI tinha chegado a 43. A CAAMPI, nas
palavras de um presidente de associao, permite aos residentes locais
ganhar mais visibilidade perante o poder pblico e representa os in-
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199-218, 1. sem. 2007
207

teresses dessa regio de uma forma mais coerente e forte. Em 2005 e


2006, assisti a duas reunies da CAAMPI como observador-participante
e entrevistei vrios lderes comunitrios.
Semelhante ao processo em Porto Alegre, o oramento participativo
em Salvador envolve os lderes de associaes de bairro j existentes. Em
Salvador, as decises tomadas pelos representantes das associaes so
meramente consultivas e tm de ser aprovadas pela cmara dos verea-
dores. Durante minha pesquisa ainda no havia sido decidida a forma
como os 41 legisladores da cidade, representando 15 partidos diferentes,
receberiam as recomendaes dos delegados e que peso as decises dos
delegados teria.
Durante uma entrevista com um delegado que tambm foi eleito conse-
lheiro, no dia 19 de agosto de 2006, obtive a seguinte explicao:

Na primeira fase, ns tivemos conversas temticas sobre as necessidades:


sade, infra-estrutura, educao, e transporte. Na segunda fase, ns
encontramos e definimos nossas prioridades. Na prxima reunio, cada
sub-regio passar suas prioridades prefeitura. Durante a terceira fase,
que agora, essas prioridades deveriam estar implantadas.
Quando fiz minha pesquisa, pelo menos algumas prioridades deviam
ter sido implantadas, mas o delegado explicou que a prefeitura nem
tinha comeado a execuo. Durante a entrevista com o representante
do nvel mais alto neste processo, ficou tambm evidente que ele no
soube quanto dinheiro podia ser atribudo s prioridades destacadas
pelo processo de oramento participativo.
Entrevistando o secretrio municipal responsvel por guiar este processo,
entendi que, na realidade, o oramento municipal j estava fechado e
que no havia sobrado nenhum dinheiro para ser dedicado ao oramento
participativo. Surpreso, pedi a composio do oramento municipal, e
ele explicou que mensalmente, a prefeitura gasta cerca de 150 milhes
de reais. Destes, a prefeitura tem de dedicar (por lei) 25% educao
e 15% sade. Alm disso, de acordo com o secretrio de participao
popular, Salvador gasta 35% com pessoal, 11% com pagamentos de d-
vida, 12% com a coleta de lixo e 5% com a cmara legislativa. Somando
tais nmeros, chega a 103%. O secretrio salientou que efetivamente
a municipalidade gasta mais do que arrecada mensalmente. Explicou,
ainda, que o dficit resultante foi coberto pela administrao anterior do
Estado (Antonio Imbassay, PFL). Mas que desde que a municipalidade
mudou do PFL para o PDT, em 2005, o Estado parou esta transferncia,
que, de acordo com ele, interrompeu em mdia 30 milhes de reais por
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208

ms. Ainda de acordo com o secretrio, a diferena entre Porto Alegre


e Salvador que Porto Alegre tem dinheiro para gastar e Salvador sim-
plesmente no tem nenhum.15
Assim, o prefeito de Salvador implantou um processo de oramento parti-
cipativo em janeiro de 2005, seguindo sua promessa de implantar ali um
governo participativo. A populao seguiu o chamado, organizou-se,
elegeu delegados e participou de audies pblicas. O oramento mu-
nicipal para 2006, portanto, j deveria ter refletido os resultados desse
processo. Mas este no foi o caso. Em vez disso, Salvador implantou um
processo de oramento participativo para ingls ver um processo que
mobilizou milhares de cidados a decidir como priorizar um oramento
que j estava fechado e no ofereceu nenhum lugar para manobra.
Quais so as razes que explicam a falha de uma verdadeira participao
popular em Salvador? Certamente, as razes so vrias e alguns dos
fatores que condicionam processos de participao popular j foram dis-
cutidos pelos autores que contriburam com Baiocchi (2005). Entretanto,
o caso baiano aponta para outro grupo de explicaes, de natureza mais
social do que poltica, e, portanto, alerta para a necessidade de aplicar
uma tica mais abrangente na anlise de participao popular em pol-
ticas locais e da interao entre governo e sociedade em geral.

Algumas concluses: alm do poltico


Cidados soteropolitanos responderam muito entusiasmadamente s
novas oportunidades polticas de participao direta oferecidas pelo ento
prefeito de Salvador. A populao criou organizaes guarda-chuva e
vrias associaes de bairro foram formadas durante os primeiros meses
de 2005. Os lderes comunitrios entrevistados por mim, embora relu-
tantes, abraaram as novas oportunidades de participao. Centenas de
cidados participaram em 2005 e 2006 das reunies organizadas para
definir as prioridades do oramento participativo.
Esta participao aconteceu apesar das muitas incertezas ao redor dos
processos de oramento participativo e planejamento urbano. Durante
minha pesquisa, nenhum participante das reunies oramentrias foi
capaz de explicar como seria o exato funcionamento desse processo. Tam-
bm, nenhum sistema de prioridades estava estabelecido para criar cotas
para bairros mais pobres, como ocorreu em Porto Alegre. Perante esta
situao de mltiplas incertezas surpreendente a mobilizao massiva
da populao baiana o que contradiz fortemente o argumento repetido
com freqncia pelos governantes de que o povo no tem costume e
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199-218, 1. sem. 2007
209

nem cultura de participao.16


Em geral, minha pesquisa sobre a interao entre Estado e sociedade
demonstrou que cidados baianos responderam com entusiasmo s
novas oportunidades de participao criadas pelo Estado e pela admi-
nistrao municipal. Mas, em ambos os casos, a participao popular
ficou no plano meramente consultivo, sem significado poltico real. No
caso oramentrio no ficou esclarecido sobre como a cmara de verea-
dores iria tratar as recomendaes feitas pelos delegados, e ainda como
o estado da Bahia integraria tais propostas. Meus resultados, portanto,
apiam-se na nfase que Judith Tendler fornece ao papel do Estado na
criao de possibilidades para uma interao frutfera Estado-sociedade
no nvel local. O caso da Bahia aponta claramente para as deficincias
dessa interao, causadas, em parte, pelo fato de que o Estado, em 2006,
ainda era dominado por elites tradicionais, ocasionando desconfiana de
muitos setores populares. No caso do oramento participativo, nenhum
dos meus entrevistados soube dizer como o Estado receberia as decises
tomadas em Salvador. A adeso do Estado seria de importncia crucial
para o sucesso do oramento participativo, j que 1/4 do oramento mu-
nicipal vem de transferncias de Estado (484 milhes de reais em 2005)
e vrias medidas, especialmente de infra-estrutura, so efetivamente de
responsabilidade do Estado e exigem investimento deste.
Tanto Tendler como Baiocchi concordam que mobilizar os pobres em
Porto Alegre era possvel porque o oramento participativo produziu
resultados concretos dentro de um perodo de tempo relativamente
curto. O caso de Salvador aponta para os limites desta explicao: a
possibilidade de alcanar melhoras pela participao embora muito
real ficou eclipsada pelo poder penetrante da elite poltica local que se
mostrou capaz e disposta a defender seu acesso privilegiado ao espao
pblico, e, conseqentemente, ao sistema poltico.
Em outras palavras, as tentativas de participao em Salvador apontam
para a continuidade da dominao social dos historicamente excludos.
Em Salvador, embora os historicamente excludos se mobilizassem e
tentassem captar poder de seus representantes governamentais, no
conseguiram. H duas razes para este fracasso: no nvel social, a esfera
pblica baiana reflete, mais do que contracena, os aspectos de dominao
que caracterizam a sociedade brasileira mais abrangente. Em outras pala-
vras, a sociedade civil baiana no suficientemente forte e nem autnoma
para pressionar o Estado a agir em favor dos historicamente excludos.
Na Bahia, no se criaram pblicos participativos (Avritzer, 2002)
capazes de institucionalizar prticas democrticas. Para alcanar esta

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210

meta, as organizaes dos historicamente excludos precisam mobilizar


poder comunicativo (Arendt, 1970) suficiente para impactar e mudar
a lgica do regime da poltica local. Numa situao em que estruturas
polticas permanecem dominadas por forcas tradicionais, a mobilizao
de setores excludos no pode produzir nenhuma sinergia entre governo
e sociedade. Ao contrrio, a mobilizao cidad, em vez de influenciar o
Estado, acontece de forma paralela a ele e corre o risco de aprofundar
ainda mais o abismo que separa Estado e sociedade.
Dessa forma, o caso de Salvador lembra-nos que a esfera pblica no
a priori autnoma das prticas discriminatrias que caracterizam a so-
ciedade mais ampla em que embedded. Supor que seria este o caso
reificar uma ferramenta analtica elaborada por Habermas para analisar
o potencial democrtico da esfera pblica. Este potencial tem de ser
empiricamente demonstrado, e no teoricamente pressuposto. Empiri-
camente, bem mais plausvel que as desigualdades que caracterizam a
sociedade mais ampla tambm estruturem a sociedade civil e impactem
a esfera pblica.
O que falta em muitas anlises sobre pocessos participativos brasileiros
incluir a varivel poder. Para os aparelhos do nvel municipal e estadual,
outorgar poder a conselhos e grmios da sociedade civil significa perder
poder. , no final das contas, um jogo de soma zero (zero sum game), no
qual o poder dado sociedade civil poder perdido pelo aparatos estadual
ou municipal. A possibilidade de um aparelho estadual outorgar poder
sociedade depender da caracterstica do Estado: do seu grau democrtico
e vnculos especficos que unem o mesmo a setores especficos da sociedade.
Uma mquina estadual que funciona baseada na prtica do patrocnio e do
clientelismo, como a baiana, calcular a que setores invitar a compartilhar
poder e acesso a recursos. O outro lado da equao o poder relativo da
sociedade civil. O caso baiano demonstra que a sociedade civil pode ser
por demais fragmentada e heterognea para constituir pblicos participa-
tivos com poder comunicativo suficiente para impactar e eventualmente
mudar as praticas polticas tradicionais do Estado.
Salvador, portanto, alerta a sermos cautelosos quando avaliamos a
democracia participativa no Brasil e o potencial democrtico da esfera
pblica brasileira. Enquanto prticas inovadoras que talvez caracterizem
cidades como Porto Alegre e Belo Horizonte, elas parecem fortemente
condicionadas pela natureza e estrutura do poder poltico local e pela
presena de novos turcos (na expresso de Tendler) que induzem uma
maneira nova de fazer poltica.
No plano poltico, Salvador demonstra que a eleio de uma candidato
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199-218, 1. sem. 2007
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do PDT ao cargo de prefeito no alterou em nada as prticas tradicionais


da poltica local. Em Salvador, tanto o governo estadual como o municipal
demonstraram ser relutantes a realmente dar poder s comunidades e voz
real na gesto do planejamento urbano e do oramento municipal. Isto
no nos deve surpreender. Afinal de contas, a classe poltica brasileira
realmente se v como classe a parte e no como servidora do interesse
pblico. Afinal, por isso que a esfera pblica brasileira to desacre-
ditada. Roberto DaMatta (1987) demonstrou este fato h muito tempo
quando apontou que brasileiros tratam tudo relacionado ao Estado com
suspeita, principalmente a classe poltica. Pelo menos Salvador, mesmo
aps a eleio de um candidato da oposio, pouco mudou desde o
tempo daquela pesquisa.
Finalmente, os achados sobre as caractersticas da interao entre Esta-
do e sociedade em Salvador ainda apontam para um padro geral de
executar polticas pblicas que numa primeira viso parecem democr-
ticas e participativas, mas que, quando analisadas em detalhe, revelam
uma distncia profunda entre discurso e realidade, assim como entre
lei e realidade. Participao popular no somente o lema que ajudou
na eleio do atual prefeito de Salvador; tambm um requisito legal,
ancorado em diversas estruturas legais: na Lei de Diretrizes e Bases de
1996, na Constituio de 1988, e nas leis orgnicas da cidade de Salva-
dor. Anthony Pereira (2000) j descreveu essa distncia entre discurso,
estruturas legais e realidade. De acordo com Pereira,

O Brasil experimenta uma tenso profunda entre as estruturas legais,


constitucionais formais de seus regimes polticos e as prticas polticas
informais que acontecem dentro delas. Em parte, esta tenso deriva
da distncia social entre elites, com uma herana Ibero-catlica ou ao
menos europia, por uma lado, e populao mulata, Afro-brasileira, e
indgena que forma a base da sociedade, no outro. A expresso brasileira
para ingls ver capta a ambigidade de lei neste contexto.17
O caso de Salvador refora a anlise de Pereira, pois aponta para o fato
de que, aprovando uma lei, o Estado brasileiro no cria automaticamente
uma realidade social. Como argumenta Habermas (1998), a validez de
normas legais determinada pelo grau a que estas normas so seguidas
e implantadas, e pelo grau de aderncia que se pode esperar delas. De
fato, o Brasil herdou de Portugal uma tradio da lei codificada, pro-
fundamente marcada por um idealismo legal.18 Dadas as desigualdades
extremas do pas, esta tradio legal tem outro efeito perverso: o fato de as
leis serem criadas por elites que pouco se importam e at desconhecem a
realidade do pas. A Bahia talvez seja um dos exemplos mais extremos dos
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199218, 1. sem. 2007
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resultados perversos desta distoro, devido ao carter profundamente


racializado das divises sociais e ao carter tradicional das elites polticas.
Na Bahia, elites brancas no s representam o Estado, como tambm
a lei. Conseqentemente, o mandato federal de incluir a sociedade na
gesto da cidade, oriundo de um processo legislativo mais inclusivo e
democrtico (a Constituinte), se confronta com um executivo estadual
e municipal pouco comprometido com o sentido desta lei. Em vez de
procurar maneiras de fazer valer a lei, a classe poltica baiana tentou
defender sua legitimidade, obedecendo ao mandato federal e aplicando
uma moldura legal totalmente esvaziada de qualquer contedo.19

Abstract
This paper focuses on the changing nature of state-society interactions
in the state of Bahia, Brazil and on the factors that condition democratic
participation. During several research trips, conducted between 2001 and
2006, I collected data on community participation in school management,
participatory budgeting, and on participatory urban planning in the city
of Salvador. I was therefore able to compare three thematic sites where local
government interacted with society in general, and with civil society speci-
fically. This paper is focused on the latter two policy areas, but in all cases
studied, I found a very wide gap between the de jure mandate of citizen
participation and the de facto state of affairs. The examined empirical
cases point to some of the conditionalities of democratic participation at the
local level. The existence of this gap between law and reality can in part be
explained by the continued importance of Carlismo as a way of doing local
politics in Bahia and therefore to the persistence of local political regimes
that prevail over changes of political elites.

Keywords: social inequality; participatory democracy; local government;


Bahia; Brazil.

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Notas
1
Nesta pesquisa fui assistido por Rita Dias e Patricia Marchesini. Quero agradecer pela
dedicao e empenho.
2
Migdal, 2001, p. 251.
3
Como faz e.g. Peter Evans (1995).
4
Evans analisa especificamente o setor de Tecnologia de Informao e conclui que o
sucesso do desenvolvimento desse setor na Coria do Sul pode ser explicado pelo fato
de o Estado coreano ter sido capaz de seguir o modelo de criao. O Estado coreano
ativa e agressivamente procurou atrair investimento estrangeiro e conseguiu criar um
setor nacional de produo avanada, sem competir com o setor privado. Os modelos
brasileiro e indiano, focalizados na poltica de substituio de importaes e industriali-
zao por empresas estaduais (o modelo de zelador) levaram a um enfraquecimento
do setor privado (baseado no fato de que o Estado podia vender mais barato e o setor
privado no dispunha dos mesmos meios, perdendo, assim, a competio com o mes-
mo). Segundo Evans, a estratgia de um Estado-dono produziu um setor caro, rgido,
e pouco competitivo e levou a dficits de contas correntes.
5
State Power and Social Forces: domination and transformation in the Third World, New York:
Cambridge University Press.
6
State-Society Synergy. Government and Social Capital in Development, Berkeley: University of
California Press.
7
Good Government in the Tropics, Baltimore: The Johns Hopkins University Press.
8
Tendler, 1997, p. 157.
9
Making Democracy Work. Civic Traditions in Modern Italy, New Haven: Princeton
University Press.
10
Tendler, 1997, p. 157.
11
Por exemplo Pablo Escobar and Sonia Alvarez 1992: The Making of Social Movements in
Latin America, New York: Oxford University Press, and Sonia Alvarez, Evelyn Dagnino,
and Pablo Escobar 1998: Cultures of Politics. Politics of Culture, Boulder: Westview.
12
Abers, 2000, p. 34.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199218, 1. sem. 2007


218
13
Com a exceo do governo municipal de Lidica da Matta, 1993-96.
14
O domnio de ACM acabou em outubro de 2006, com a vitria de Jacques Wagner (PT)
para o cargo de governador. A morte do senador em junho 2007 marcou o fim de uma
poca, embora no implica no fim do carlismo na Bahia, como demonstra o cientista
poltico baiano Paulo Dantas (2006).
15
Neemias dos Reis, Entrevistas conduzida em Agosto 23, 2006.
16
esta a opinio, por exemplo, do superindendente de planejamento urbano do gover-
no do estado da Bahia, dada numa entrevista no dia 15 de agosto de 2006.
17
Pereira 2000, p. 220.
18
Veja, por exemplo, Howard Wiarda 2001: The Soul of Latin America, New Haven:
Yale University Press: 29; Francisco Jos Moreno 1969: Legitimacy and Stability in
Latin America, New York, NYU Press: 9ff; John Merryman 1985: The Civil Law Tra-
dition: An Introduction to the Legal Systems of Western Europe and Latin America,
Stanford, Stanford University Press.
19
A reforma do sistema educativo na Bahia oferece um bom exemplo para esta priva-
tizao da rea pblica. O modelo implantado nas novas escolas de ensino mdio,
financiado em grande parte com dinheiro do Banco Mundial, recebe o nome do filho
do senador Luis Eduardo Magalhes. Nos ltimos anos, o nome do aeroporto inter-
nacional de Salvador tambm foi mudado para Deputado Luis Eduardo Magalhes
e algumas das ruas principais e praas de Salvador recebem os nomes da famlia do
senador (e.g. Avenida ACM and Praa ACM).

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 199-218, 1. sem. 2007


resenha
FAINZANG, Silvie. L a relation mdecins-malades:
information et mensonge.

Jaqueline Ferreira

O livro de Sylvie Fainzang apresenta a circulao de


informaes na relao mdico-paciente, aspecto j abor-
dado por alguns antroplogos e vrios psiclogos. No en-
tanto, a autora aborda esta questo de maneira original
ao apresent-la sob o ngulo da mentira, tanto do ponto
de vista dos mdicos em relao aos pacientes como dos
pacientes em relao aos mdicos. Segundo a autora, a
mentira uma prtica corrente nesta relao e como tal
deve ser abordada como um fenmeno social.
A abordagem da relao entre a mentira e a verdade na
questo da informao tem por objetivo romper com as
perspectivas tradicionais que tratam da verdade mdica
(escritos mdicos e relatos de porta-vozes de pacientes)
como uma questo estritamente tica. Este livro no
pretende analisar o ponto de vista tico, mas os aspectos
sociais envolvidos neste debate. Nem tampouco conside-
rar os aspectos psicolgicos, mas os mecanismos sociais
que esto em jogo.
A pesquisa se desenvolveu nos servios hospitalares
de Paris, particularmente nos de oncologia e medi-
cina interna. Atravs da observao desses espaos e
de entrevistas com pacientes e mdicos, bem como do
acompanhamento de algumas consultas e entrevistas no
domiclio dos pacientes, a autora procurou diversificar
as situaes observadas e as patologias, pois, segundo
Sylvie Fainzang, a questo da informao no se coloca
da mesma maneira segundo os tipos de doena e sua
gravidade. Neste sentido, a patologia do cncer mere-
ceu uma ateno especial, uma vez que a mesma no
s possui uma abundante literatura como tambm
emblemtica de doena grave na qual a questo da
verdade freqentemente colocada.
O conjunto de informantes suficientemente diversi-
ficado e neles a autora busca regularidades em funo
222
de categorias sociais, culturais e demogrficas. O material de pesquisa
foi coletado de maneira diversa buscando o relato dos pacientes no seu
percurso teraputico; o contexto em que a doena surgiu; as etapas de
seu tratamento; as questes que lhes foram feitas; quais questes foram
feitas aos mdicos; que informaes foram dadas aos pacientes; em
que condies eles receberam o diagnstico e as reaes da advindas.
A entrevista com os mdicos buscou compreender a maneira como os
mesmos percebem a informao e o que eles identificam como expec-
tativa dos doentes (um exemplo de como certos mdicos defendem
que eles sabem o que o melhor para o paciente) e o objetivo buscou
identificar se h uma distncia entre as informaes declaradas e as que
so atribudas aos doentes. A observao das consultas visava estudar as
trocas verbais entre os mdicos e os pacientes.
Um dado importante da pesquisa que os mdicos fornecem mais facil-
mente as informaes aos pacientes cuja classe social ou capital cultural
so prximos aos seus, ou seja, a mentira dos mdicos mais freqen-
temente dirigida aos pacientes dos grupos populares. Dessa forma, a
desigualdade de acesso sade agravada pela desigualdade de acesso
s informaes.
Os pacientes procuram interpretar o comportamento e os gestos do
mdico em virtude da desconfiana das informaes prestadas. Por
outro lado, vrios mal-entendidos ocorrem entre os dois plos: alm de
alguns termos serem compreendidos de forma diversa, o paciente busca
uma informao precisa sobre o seu caso, enquanto o mdico lhe fornece
informaes gerais baseadas em estatsticas.
Assim, as questes que guiaram esta pesquisa dizem respeito ao lugar
da mentira na relao mdico-paciente e na troca de informao entre
eles. Qual a natureza da informao recebida pelo paciente sobre sua
doena e como ele desejaria esta informao? Como se d a busca des-
ta informao na relao mdico-paciente? Qual a percepo que o
paciente tem dessa informao e qual o lugar da mesma nas escolhas
teraputicas?
A autora no defende uma postura a favor ou contra a informao
verdadeira ao paciente, mas levanta os argumentos invocados pelos
protagonistas a fim de delinear os sistemas cognitivos e morais nos quais
encontram-se as suas posies. Suas anlises tambm buscam avaliar a
conformidade das prticas e dos discursos visando compreender como
se realiza concretamente o uso, pesquisa, divulgao ou negao da
informao.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 221-223, 1. sem. 2007


223

Em uma anlise antropolgica, filosfica e sociolgica em torno do


segredo e da mentira, Sylvie Fainzang mostra: mesmo que a legislao
garanta o direito de informao aos pacientes e que um certo nmero de
profissionais mdicos defendam este direito, aquela informao apresenta
muitas lacunas que se evidenciam no plano social e cultural. Isso mostra
que, se a relao teraputica se constitui inevitavelmente em colaborao
e cumplicidade, ela contm, inclusive, conflito, temor e competio onde
cada um conduz seu discurso e se interroga sobre o discurso do outro. A
concluso que Sylvie Fainzang apresenta : o uso que cada um dos atores
faz da informao almeja o controle e o poder da relao.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 221223, 1. sem. 2007


NOTCIAS
DO PPGA
227

JORNADA DE ANTROPOLOGIA DO PPGA

Em dezembro de 2006, ocorreu a Primeira Jornada de Antropologia dos


alunos do PPGA/UFF, gerando debates produtivos sobre os trabalhos
dos alunos. A programao foi a seguinte:
Programao Jornada de Antropologia
Data: 13 de dezembro de 2006 Quarta-feira
Tarde
14:00 s 16:30 Grupo de Trabalho: Estado e Poltica
Debatedor: Profa Dra Karina Kuschnir (UFRJ/PPGSA)
BOTELHO, Paulo Storani. Vitria sobre a morte: a glria prometida:
ritual, simbolismo e performance no curso de operaes especiais da
polcia militar. Mestranda, 2006.
Maidana, Maria Fernanda. Sobre los hombres de confianza. Mestranda,
2006.
NUNES, Bruner Titonelli. Trabalhadores da poltica. Mestrando, 2006.
PIRES, Lnin. Deus ajuda a quem cedo madruga?: uma discusso sobre trabalho,
informalidade e direitos civis no Rio de Janeiro. Doutorando, 2005.
17:00 s 19:00 Grupo de Trabalho: Estado, cultura e sociedade
Debatedor: Prof. Dr. Marcelo Rosa (UFF/PGSD)
Luz, Margareth da. Caminho Niemeyer: os usos da cultura em Niteri.
Doutoranda, 2003.

Martins, Cynthia Carvalho. O machado nossa tecnologia: uma anlise


da relao entre prticas artesanais e mecanizao. Doutoranda, 2003.
Simo, Lucieni de Menezes. Certificando culturas: inventrio e registro
do ofcio de paneleira. Doutoranda, 2003.
Data: 14 de dezembro de 2006 Quinta-feira
Manh
10:00 s 12:00 Grupo de Trabalho: Saberes, tcnicas e organizao
do trabalho
Debatedor: Prof. Dr. Jos Srgio Leite Lopes (UFRJ/MN)

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 227229, 1. sem. 2007


228

Filgueiras, Mrcio de Paula. Territorialidade e conhecimento entre os


pescadores da Praia da Concha. Mestrando, 2006.

Mello, Pedro Paulo Thiago de. A presena chinesa no Saara: etnias,


disporas e conflitos num mercado popular carioca. Doutorando,
2004.
SAKAMOTO, Julia Mitiko. Trabalhar em equipe e ser polivalente: os
trabalhadores da indstria automobilstica da Regio Metropolitana de Curitiba.
Mestranda, 2006.

Tarde

14:00 s 18:00 Grupo de Trabalho: Formas de produo do conheci-


mento e Campos disciplinares
Debatedora: Profa Dra Diana Antonaz (UFPA/PPGCS)
Costa, Fernando Cesar Coelho da. A Adolescncia na medicina brasileira:
um olhar antropolgico. Doutorando, 2002.
Dias Neto, Jos Colao. Um outro olhar sobre Ponta Grossa dos Fidalgos.
Mestrando, 2005.
Eilbaum, Luca. Entre a escrita e a oralidade: formas de produo de
conhecimento nos Tribunais da cidade de Buenos Aires. Doutoranda,
2006.
Mota, Durval D. Souza. A eficcia da acupuntura: uma abordagem
cultural para alm da tcnica. Doutorando, 2004.
Oliveira, Ctia Ins Salgado de. Sobre questes de Cincia e Poltica: o
processo de Fundao do Centro Brasileiro de Pesquisas Fsicas (CBPF).
Doutoranda, 2003.
Data: 15 de dezembro de 2006 Sexta-feira
Manh
9:00 s 12:00 Grupo de Trabalho: Identidades e fronteiras tnicas e
nacionais
Debatedor: Profa Dra Hebe Mattos (UFF/PPGH)
AGOSTINE, felipe. Os narradores do Alto Rio Negro. a humanidade
subiu o rio. Mestrando, 2005

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 227-229, 1. sem. 2007


229

Cavalcante Jnior, Cludio. Fronteiras tnicas entre muulmanos do Rio


de Janeiro de origem africana. Mestrando, 2006.
Delgado, Paulo. O dia do Wamnhoro. Doutorando, 2003.
SILVA, Ruth Henrique da. Brasileiros? identidade indgena? dilemas de
coexistncia dos Camba no Brasil. Doutoranda, 2004.
Silveiro, Joo. Identidade nacional e democracia em Cabo Verde.
Doutorando, 2003.
Tarde
14:00 Grupo de Trabalho: Formas de Sociabilidade
Debatedor: Prof. Dr. Isidoro Alves
Simes, Soraya Silveira. Os moradores, a favela e o bairro: Cruzada So
Sebastio do Leblon: disputas, formas associativas e arenas pblicas na
Zona Sul do Rio de Janeiro. Doutoranda, 2003.
Pereira, Rafael. Vozes de Barbacena ou a Cidade dos Loucos: implicaes
antropolgicas do retorno cidade. Mestrando, 2006.
GASPAR Neto, Verlan. Homossexualidade masculina: um estudo etnogrfico
dos espaos de homossociabilidade em Juiz de Fora. Mestrando, 2006.
Paim, Helosa Helena Salvatti. Notas iniciais. Doutoranda, 2004.
GARCIA, ngela Maria. Consumo de bebida alcolica: formas de sociabilidade
e de controle social. Doutoranda, 2003.
BARBOSA, Fernando Cordeiro. As redefinies sociais dos migrantes
nordestinos no Rio de Janeiro. Doutorando, 2004.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 227229, 1. sem. 2007


231

I Encontro da Rede Rural


uma proposta de intercmbio de pesquisa

Sob a associao executiva dos Programas de Ps-Graduao em Antro-


pologia, em Histria e em Sociologia e Direito, bem como do Departa-
mento de Sociologia da UFF, foi realizado o I Encontro da Rede Rural,
ocasio em que foi formalmente instituda a Rede Rural.

O que a Rede Rural


H algum tempo, diversos estudiosos das mais diferenciadas formaes
disciplinares e tericas, mas interligados tematicamente por fazerem
do rural seu campo de investigao, vm buscando um espao prprio
de discusso, propiciador de visibilidade da produo intelectual e da
sistematizao das tendncias em curso.
Os estudos a respeito da agricultura e do mundo rural no Brasil tm-se
multiplicado nos ltimos anos, em diversas instituies universitrias e em
numerosos centros especializados. Entidades como Anpocs, Sober, ABA,
SBS, Anpec, Anpuh, Anppas, AGB, entre outras, tm-se constitudo em
espao de discusso sobre esses temas. No entanto, se a insero em tais
instituies possui um aspecto extremamente positivo para estimular o
dilogo entre os estudos sobre o rural e os demais campos temticos das
Cincias Sociais, ela, no entanto, no tem sido suficiente. Assim, cresce
a demanda por um espao temtico de intercmbio que, sem excluir
os existentes, permita o aprofundamento das discusses. Frente a isso,
surgiu a proposta de uma primeira discusso para criar um espao de
intercmbio de carter interdisciplinar e inter-institucional, com um
modelo flexvel, sensvel s questes emergentes no debate nacional,
capaz, inclusive, de sinalizar a importncia de outros temas menos
abordados, evitando a cristalizao de grupos de pesquisa previamente
recortados.
Essa possibilidade veio sendo amadurecida em diversas reunies. Em
outubro de 2003, durante a reunio da Anpocs, realizada em Caxambu,
os pesquisadores interessados no tema realizaram uma primeira con-
versa, na qual foi reiterada a importncia de criao de um frum de
discusso sobre os temas rurais. Algo que se inspirasse na experincia do
PIPSA (Projeto de Intercmbio de Pesquisa Social em Agricultura, rede
de pesquisadores constituda em 1970 com apoio da Fundao Ford e
que foi, ao longo dos anos 1980, um importante Frum de discusso das

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 231236, 1. sem. 2007


232

questes agrrias e agrcolas do pas), mas que superasse algumas das


dificuldades que esse projeto enfrentou e fosse construdo sobre novas
bases. Desde ento, em vrias reunies, aproveitando eventos cientficos
como Anpocs e SBS, o formato da Rede foi-se definindo.
Embora, frente s dificuldades financeiras inerentes a uma iniciativa
como esta, o nmero de presentes s reunies preparatrias fosse redu-
zido, foram inmeras as manifestaes de apoio e encorajamento para
a constituio da rede enviadas por e-mail aos que estavam frente do
processo.
Aps muitos debates e manifestaes de opinies sobre a proposta, foram
construdos alguns consensos sobre os princpios que deveriam orientar
a iniciativa de criar uma nova rede de intercmbio. Nessa perspectiva, a
rede deveria:
ter um carter interdisciplinar e interinstitucional, buscando atrair
profissionais das mais diferentes reas disciplinares (Sociologia, Antro-
pologia, Cincia Poltica, Economia, Histria, Agronomia, Geografia,
Comunicao Social, Servio Social etc.) e insero institucional (uni-
versidades, centros de pesquisa, setores governamentais elaboradores
de polticas pblicas, organizaes no-governamentais);
envolver interessados com diferentes nveis de formao: desde estu-
dantes que esto dando seus primeiros passos na pesquisa acadmica
at profissionais experientes;
buscar um formato que no seja o de aceitao generalizada de tra-
balhos, mas que tambm no sejam elitizados;
lanar mo de uma combinao de reunies presenciais e espaos
virtuais, estimulando o debate no intervalo entre as reunies, com
salas virtuais de discusso, circulao de informaes, produo de
textos etc.;
ter o formato de uma associao, cuja sobrevivncia esteja assegurada
pela contribuio dos scios.
Ao longo dessas reunies definiu-se tambm uma coordenao provis-
ria da Rede, composta pelos professores Delma Pessanha Neves (PPGA/
UFF), Leonilde Servolo de Medeiros (CPDA/UFRRJ), Maria de Nazareth
Baudel Wanderley (UFPE) e Snia Maria Pessoa Pereira Bergamasco
(Feagri/Unicamp). Essa coordenao foi substituda por uma Coordena-
o efetiva, com prazo de mandato definido nos Estatutos da Associao,
documento que formalizou a Rede.

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233

A Rede como espao virtual


No horizonte da organizao da Rede, pretende-se abrir um espao
virtual a fim de facilitar o intercmbio e a incluso bastante ampla de
pesquisadores e estudiosos voltados para as temticas concernentes.

A Rede como espao de encontros


A inteno da Rede realizar encontros presencias bi-anuais, com base
em mesas redondas e grupos temticos, atividades que devero ser ali-
mentadas e alimentar o debate virtual.

I Encontro da Rede Rural


O primeiro encontro da Rede Rural foi realizado na UFF, Niteri, de 4
a 7 de julho de 2006. Os objetivos principais desse primeiro encontro
foram:
a) divulgar a Rede e seus objetivos;
b) trazer novos pesquisadores para a Rede;
c) experimentar novos formatos de debate;
d) discutir as possibilidades de integrao entre fruns virtuais presen-
ciais;
e) aprofundar o debate sobre temas do meio rural brasileiro.

Estruturao

Mesas temticas
Tiveram por objetivo constituir espaos de abertura de temas, mas
tambm de agregao de pesquisadores. Foram propostas as seguintes
mesas:
1) Modelos de desenvolvimento rural: projetos em concorrncia, abar-
cando discusses a respeito das diversas propostas de reordenao
de agricultores e de suas prticas produtivas, bem como formas de
enquadramento institucional, instrumentos pelos quais programas
e recursos vm sendo elaborados e disputados: redefinio da assis-
tncia tcnica e a centralidade de modelos agroecolgicos; polticas
pblicas de reafirmao do agribusiness e da agricultura familiar;
modos de participao delegada dos proprietrios de terra na redis-
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 231236, 1. sem. 2007
234

tribuio de recursos pblicos; e formatao do quadro institucional,


especialmente o estatal.
2) Direito, costumes e formas de apropriao da terra, ocasio em que
foram analisadas as mltiplas possibilidades de construo da legiti-
midade e de legalizao da acesso terra, condies que demonstram
os diversos e encapsuladores significados que este ato incorpora.
3) Dimenses da questo fundiria, quando foram discutidos temas
como luta pela terra, violncia e diversidade regional; polticas fun-
dirias; interfaces entre as questes agrria e ambiental.
4) O mundo do trabalho na agricultura, espao de debate sobre pro-
cesso de trabalho e transformao produtiva, trabalho e direitos
(previdencirios, trabalhistas, sociais), agricultura familiar e relaes
de trabalho.

Grupos Temticos
Nos perodos consecutivos s mesas, foram organizados Grupos de Traba-
lho. No primeiro encontro, optamos por grupos com temas relacionados
aos temas das mesas, de forma a aprofundar o debate sobre as questes
abordadas, bem como acolher resultados de pesquisas em curso.
Para evitar que a Rede Rural se transforme em mais um espao de sim-
ples apresentao de resultados de pesquisa, nos quais freqentemente
se sacrifica o debate, para garantir tempo individual para exposio
de trabalhos, foi proposta, em carter experimental, uma inovao de
formato metodolgico para o funcionamento dos grupos, cujo objetivo
foi o de que os trabalhos inscritos no fossem apresentados um a um,
no formato tradicional de sesso de comunicao ou mesa-redonda.
Os textos foram encaminhados com antecedncia ao coordenador, que
os leu e, com base neles, elaborou uma problematizao das questes
envolvidas. Essa sntese foi apresentada na sesso e por todos debatida.
Tal formato permitiu que um nmero maior de pessoas inscrevessem
trabalhos, que se mapeasse o campo do debate e que a discusso efeti-
vamente se centralizasse nas questes terico-metodolgicas envolvidas.
O coordenador tambm disponibilizou um texto-sntese para os demais
participantes.

- A luta pela terra e a poltica fundiria.


O GT integrou resultados de pesquisas que tratavam da temtica
proposta, tanto do ponto de vista histrico quanto regional, buscando
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 231-236, 1. sem. 2007
235

recuperar as diferentes dimenses das relaes entre Estado, polticas


fundirias e lutas por terra. Estas lutas abarcavam o acesso terra e lutas
pela permanncia na terra, de forma a no segmentar um conjunto de
demandas de agricultores que visam, em ltima instncia, garantir suas
condies de acesso aos recursos fundirios. Assim, alm das formas de
luta j reconhecidas, tais como, ocupaes, acampamentos, resistncia
de posseiros, o grupo tambm se props a discutir as demandas por
crdito fundirio, as reivindicaes dos assentados e dos agricultores
familiares por melhores condies de produo e acesso a mercado,
assistncia tcnica, sade, educao, incluso digital etc.

- Interfaces entre a questo agrria e a questo


ambiental.
A problematizao das formas de interveno sobre o meio ambiente
(numa concepo ampla) tem tambm operado como idia-valor capaz
de nortear a construo de novos modelos de apropriao de recursos na-
turais, incidindo, assim, sobre a transformao de espaos e identidades.
Os trabalhos que integraram o debate neste GT evidenciaram, no bojo
da questo proposta, o processo de valorizao de grupos sociais (tnicos,
tradicionais etc.), dotados de saberes e prticas ambientais correspon-
dentes aos iderios da construo de sociedades sustentveis. Muitos dos
textos tambm consideraram a relao entre polticas socioambientais e
(re)definio de territrios e de direitos diferenciados.

- Canais e formas de expresso de grupos sociais


Por este GT, pesquisadores puderam se agregar em torno da discusso
de diversas formas de construo de interesses e de institucionalizao de
grupos sociais, orientados pela demanda de recursos ou pelo empenho
em se fazer reconhecer socialmente. Como as questes que envolvem as
construes polticas so diversas, os participantes se ativeram a an-
lises sobre associaes, cooperativas, redes de intercmbio, sindicatos,
conselhos, grupos organizados por especialidades de gnero e ciclo de
vida etc.

- Agricultura familiar e formas de organizao do


trabalho.
A nfase nesta temtica visou ultrapassar a reificao comumente as-
sociada classificao agricultura familiar, por vezes bastando por
si mesma para supor a compreenso da complexidade de formas que
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 231236, 1. sem. 2007
236

podem estar subjacentes a essa modalidade de organizao da produo.


Pelo GT tornou-se possvel ento dar expresso aos inmeros modos de
alocao e recrutamento da fora de trabalho, bem como considerar o
papel de valores familiares nesses arranjos.

- Processo de trabalho, transformao produtiva e


direitos sociais.
Neste espao de debate, acolheram-se reflexes sobre diversas formas
de organizao do trabalho, correspondentes aos inmeros rearranjos
ou reordenaes produtivas que se vm constituindo no setor rural ou
agropecurio. Foram enfatizados os modos de reordenao das relaes
de trabalho assalariadas, objeto de reflexo ultimamente tangencial ou
at mesmo ausente dos encontros de pesquisadores do mundo rural.
Correlatamente, foram consideradas as dificuldades enfrentadas pelos
assalariados rurais para sua organizao poltica.

- Saber e poder no campo.


O GT visou agregar para discusso trabalhos que abordassem a temtica
proposta de forma ampla, temporal e espacialmente, contemplando estu-
dos acerca das prticas de carter pedaggico e/ou cultural perpetradas
sobre ou a partir do campo. As propostas de trabalho envolveram
desde questes ligadas a instituies escolares at aquelas vinculadas ao
extensionismo e atividades afins, em distintas conjunturas histricas no
Brasil. Foram tambm contemplados trabalhos que discutiam as prticas
relativas construo, redefinio e institucionalizao de saberes espe-
cficos destinados ao espao agrrio e imbricados questo mais ampla
do desenvolvimento do capitalismo no pas. Alm disso, que abordassem,
em distintos contextos histricos, as repercusses desses saberes sobre as
prticas pedaggicas/culturais destinadas ao espao agrrio, seus agen-
tes formuladores e implementadores, e ainda os espaos e modalidades
de reproduo dos quadros tcnicos ligados agricultura.

Constituio formal da Rede de Estudos Rurais


Na assemblia geral proposta durante o encontro, foi discutido e apro-
vado um estatuto da rede, formalizando sua fundao e eleita a nova
coordenao.

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RELAO DE DISSERTAES DEFENDIDAS


NO PROGRAMA DE PS-GRADUAO
EM ANTROPOLOGIA

CURSO DE MESTRADO EM ANTROPOLOGIA

1 ttulo: Um abrao para todos os amigos


Autor: Antonio Carlos Rafael Barbosa
Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos Rodrigues
Data da defesa: 16/1/1997

2 Ttulo: A produo social da morte e morte


simblica em pacientes hansenianos
Autor: Cristina Reis Maia
Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos Rodrigues
Data da defesa: 2/4/1997

3 Ttulo: Prticasacadmicaseoensinouniversitrio:
umaetnografiadasformasdeconsagraoe
transmisso do saber na universidade
Autor: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa:16/6/1997

4 Ttulo: Dom, iluminados e figures:


umestudosobrearepresentaodaoratria
no Tribunal do jri do Rio de Janeiro
Autor: Alessandra de Andrade Rinaldi
Orientador: Prof. Dr. Luiz de Castro Faria
Data da defesa: 3/1/1997

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5 Ttulo: Mudana ideolgica para a qualidade


Autor: Miguel Pedro Alves Cardoso
Orientador: Prof Dr Lvia Neves Barbosa
Data da defesa: 7/10/1997

6 Ttulo: Culto rock a Raul Seixas: sociedade


alternativa entre rebeldia e negociao
Autor: Monica Buarque
Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos Rodrigues
Data da defesa: 19/12/1997

7 Ttulo: A cavalgada do santo guerreiro: duas


festasdeSoJorgeemSoGonalo/Riode
Janeiro
Autor: Ricardo Maciel da Costa
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 23/12/1997

8 Ttulo: A loucura no manicmio judicirio:


aprisocomoterapia,ocrimecomosintoma,
o perigo como verdade
Autor: Rosane Oliveira Carreteiro
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 6/2/1998

9 Ttulo: Articulao casa e trabalho: migrantes


nordestinosnasocupaesdeempregada
domstica e empregados de edifcio
Autor: Fernando Cordeiro Barbosa
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 4/3/1998

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10 Ttulo: Entre modernidade e tradio:


a comunidade islmica de Maputo
Autor: Ftima Nordine Mussa
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 11/3/1998

11 Ttulo: Os interesses sociais e a sectarizao da


doena mental
Autor: Cludio Lyra Bastos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 21/5/1998

12 Ttulo: Programamdicodefamlia:mediaoe
reciprocidade
Autor: Glucia Maria Pontes Mouzinho
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 24/5/1999

13 Ttulo: Oimprioearosa:estudosobreadevoo
do Esprito Santo
Autor: Margareth da Luz Coelho
Orientador: Prof. Dr. Arno Vogel
Data da defesa: 13/7/1998

14 Ttulo: Domalandroaomarginal:representaes
dospersonagensherisnocinemabrasileiro
Autor: Marcos Roberto Mazaro
Orientador: Prof Dr Lvia Neves Barbosa
Data da defesa: 30/10/1998

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007


240

15 Ttulo: Prometer-cumprir: princpios morais da


poltica:umestudoderepresentaessobrea
poltica construdas por eleitores e polticos
Autor: Andra Bayerl Mongim
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 21/1/1999

16 Ttulo: O simblico e o irracional: estudo sobre


sistemasdepensamentoeseparaojudicial
Autor: Csar Ramos Barreto
Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos Rodrigues
Data da defesa: 10/5/1999

17 Ttulo: Em tempo de conciliao


Autor: Angela Maria Fernandes Moreira-Leite
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 15/7/1999

18 Ttulo: Negros, parentes e herdeiros: um estudo


da reelaborao da identidade tnica na
comunidadedeRetiro,SantaLeopoldinaES
Autor: Osvaldo Marins de Oliveira
Orientador: Prof Dr Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 13/8/1999

19 Ttulo: Sistema da sucesso e herana da posse


habitacional em favela
Autor: Alexandre de Vasconcellos Weber
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 25/10/1999

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20 Ttulo: E no samba fez escola:


um estudo de construo social de
trabalhadores em escola de samba
Autor: Cristina Chatel Vasconcellos
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 5/11/1999

21 Ttulo: Cidados e favelados: os paradoxos dos


projetos de (re)integrao social
Autor: Andr Luiz Videira de Figueiredo
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 19/11/1999

22 Ttulo: Da anchova ao salrio mnimo: uma


etnografiasobreinjunesdemudanasocial
em Arraial do Cabo/RJ
Autor: Simone Moutinho Prado
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 25/2/2000

23 TTULO: Pescadoresesurfistas:umadisputapelouso
do espao da Praia Grande
Autor: Delgado Goulart da Cunha
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 28/2/2000

24 TTULO: Produo corporal


da mulher que dana
Autor: Sigrid Hoppe
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 27/4/2000

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242

25 TTULO: A produo da verdade nas prticas


judicirias criminais brasileiras: uma
perspectivaantropolgicadeumprocesso
criminal
Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 21/9/2000

26 TTULO: Campodefora:sociabilidadenumatorcida
organizada de futebol
Autor: Fernando Manuel Bessa Fernandes
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 22/9/2000

27 TTULO: Reservasextrativistasmarinhas:umareforma
agrria no mar? Uma discusso sobre o
processo de consolidao da reserva
extrativista marinha de Arraial do Cabo/RJ
Autor: Ronaldo Joaquim da Silveira Lobo
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 29/11/2000

28 TTULO: Patrulhandoacidade:ovalordotrabalhoe
aconstruodeesteretiposemumprograma
radiofnico
Autor: : Edilson Mrcio Almeida da Silva
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 8/12/2000

29 TTULO: Loucos de rua: institucionalizao x


desinstitucionalizao
Autor: Ernesto Aranha Andrade
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 8/3/2001
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237-262, 1. sem. 2007
243

30 TTULO: Festa do Rosrio: iconografia e potica de


um rito
Autor: Patrcia de Arajo Brando Couto
Orientador: Prof Dr Tania Stolze Lima
Data da defesa: 8/5/2001

31 TTULO: Os caminhos do leo: uma etnografia do


processodecobranadoImpostodeRenda
Autor: Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 7/8/2001

32 TTULO: Representaes polticas: alternativas e


contradiesdasmltiplaspossibilidadesde
participaopopularnaCmaraMunicipaldo
Rio de Janeiro
Autor: Delaine Martins Costa
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 27/9/2001

33 TTULO: Capoeiras e mestres: um estudo de


construo de identidades
Autor: Mariana Costa Aderaldo
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 29/10/2001

34 TTULO: ndios misturados: identidades e


desterritorializao no sculo XIX
Autor: Mrcia Fernanda Malheiros
Orientador: Prof Dr Tania Stolze Lima
Data da defesa: 17/12/2001

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007


244

35 TTULO: Trabalho e exposio: um estudo da


percepoambientalnasindstriascimenteiras
de Cantagalo/ RJ Brasil
Autor: Maria Luiza Erthal Melo
Orientador: Prof Dr Glucia Oliveira da Silva, Prof. Dr. Carlos Ma-
chado de Freitas (co-orientador)
Data da defesa: 4/5/2001

36 TTULO: Samba, jogo do bicho e narcotrfico:


aredederelaesqueseformanaquadrade
umaescoladesambaemumafaveladoRiode
Janeiro
Autor: Alcyr Mesquita Cavalcanti
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 20/12/2001

37 TTULO: Mosdearteeosaber-fazerdosartesosde
Itacoareci:umestudoantropolgicosobre
socialidade,identidadeseidentificaeslocais
Autor: Marzane Pinto de Souza
Orientador: Prof Dr Glucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 6/2/2002

38 TTULO: Do alto do rio Erepecuru cidade de


Oriximin:aconstruodeumespaosocial
em um ncleo urbano da Amaznia
Autor: Andria Franco Luz
Orientador: Prof Dr Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 27/3/2002

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237-262, 1. sem. 2007


245

39 TTULO: O fio do desencanto: trajetria espacial e


social de ndios urbanos em Boa Vista (RR)
Autor: Lana Arajo Rodrigues
Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos Rodrigues
Data da defesa: 27/3/2002

40 TTULO: Deus pai: prosperidade ou sacrifcio?


Converso, religiosidade e consumo na
Igreja Universal do Reino de Deus
Autor: Maria Jos Soares
Orientador: Prof Dr Lvia Neves Barbosa
Data da defesa: 1/4/2002

41 TTULO: Negros em ascenso social: poder de


consumo e visibilidade
Autor: Lidia Celestino Meireles
Orientador: Prof Dr Lvia Neves Barbosa
Data da defesa: 1/4/2002

42 TTULO: A cultura material da nova era e o seu


processo de cotidianizao
Autor: Juliana Alves Magaldi
Orientador: Prof Dr Lvia Neves Barbosa
Data da defesa: 20/7/2002

43 TTULO: A Festa do Divino Esprito Santo em


Pirenpolis,Gois:polaridadessimblicasem
torno de um rito
Autor: Felipe Berocan Veiga
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 1/7/2002

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44 TTULO: Privatizao e reciprocidade para


trabalhadores da CERJ em Alberto Torres/
RJ
Autor: Ctia Ins Salgado de Oliveira
Orientador: Prof Dr Glucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 4/7/2002

45 TTULO: Cadaloucocomasuamania,cadamaniade
cura com a sua loucura
Autor: Patricia Pereira Pavesi
Orientador: Prof Dr Lvia Neves Barbosa
Data da defesa: 7/1/2003

46 TTULO: Linguagemdeparentescoeidentidadesocial,
umestudodecaso:osmoradoresdeCampo
Redondo
Autor: Ctia Regina de Oliveira Motta
Orientador: Prof Dr Glucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 7/1/2003

47 TTULO: Vila Mimosa II: A Construo do Novo


Conceito da Zona
Autor: Soraya Silveira Simes
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 20/1/2003

48 TTULO: To perto, to longe: etnografia sobre


relaesdeamizadenafaveladaMangueira
no Rio de Janeiro
Autor: Geovana Tabachi Silva
Orientador: Prof Dr Lvia Neves Barbosa
Data da defesa: 20/1/2003

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49 TTULO: O mercado dos orixs: uma etnografia do


Mercado de Madureira no Rio de Janeiro
Autor: Carlos Eduardo Martins Costa Medawar
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 20/1/2003

50 TTULO: Para alm da porta de entrada: usos e


representaessobreoconsumodacanabis
entre universitrios
Autor: Jvirson Jos Milagres
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 10/6/2003

51 TTULO: E o verbo (re)fez o homem: estudo do


processo de converso do alcolico ativo
em alcolico passivo
Autor: Angela Maria Garcia
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 12/6/2003

52 TTULO: Le souffle au coeur & damage: quando o


mesmo toca o mesmo em 24 quadros por
segundo(LouisMalleeatemticadoincesto)
Autor: Dbora Breder Barreto
Orientador: Prof Dr Lygia Baptista Pereira Segala Pauletto
Data da defesa: 24/6/2003

53 TTULO: Ofaccionalismoxavantenaterraindgena
SoMarcoseacidadedeBarradasGaras
Autor: Paulo Srgio Delgado
Orientador: Prof Dr Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 24/6/2003

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54 TTULO: Cartografia nativa: a representao do


territrio, pelos guarani kaiow, para o
procedimentoadministrativodeverificaoda
Funai
Autor: Ruth Henrique da Silva
Orientador: Prof Dr Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 27/6/2003

55 TTULO: Nemmuitomar,nemmuitaterra.Nemtanto
negro, nem tanto branco: uma discusso
sobreoprocessodeconstruodaidentidade
dacomunidaderemanescentedeQuilombosna
Ilha da Marambaia/RJ
Autor: Fbio Reis Mota
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 27/6/2003

56 TTULO: Pendura essa: a complexa etiqueta de


reciprocidade em um botequim do Rio de
Janeiro
Autor: Pedro Paulo Thiago de Mello
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 30/6/2003

57 TTULO: Justiadesportiva:umacoexistnciaentreo
pblico e o privado
Autor: Wanderson Antonio Jardim
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima, Prof Dr Simoni Lahud
Guedes (co-orientadora)
Data da defesa: 30/6/2003

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58 TTULO: O teu cabelo no nega? Um estudo de


prticas e representaes sobre o cabelo
Autor: Patrcia Gino Bouzn
Orientador: Prof. Dr. Jos Svio Leopoldi
Data da defesa: 5/2/2004

59 TTULO: Usos e significados do vesturio


entre adolescentes
Autor: Joana Macintosh
Orientador: Prof Dr Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 16/2/2004

60 TTULO: Acientifizaodaacupunturamdicano
Brasil: uma perspectiva antropolgica
Autor: Durval Dionsio Souza Mota
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima; Prof Dr Simoni Lahud
Guedes (co-orientadores)
Data da defesa: 19/2/2004

61 TTULO: Das prticas e dos seus saberes:


a construo do fazer policial entre as
praas da PMERJ
Autor: Hayde Glria Cruz Caruso
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 19/2/2004

62 TTULO: Oprocessodenunciadorretricas,fobias
e jocosidades na construo social da
dengue em 2002
Autor: Anamaria de Souza Fagundes
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 29/3/2004

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007


250

63 TTULO: Rua dos Invlidos, 124


a vila a casa deles
Autor: Marcia Crner
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 29/3/2004

64 TTULO: Santa Tecla, Graa e Laranjal: regras de


sucesso nas casas de estncia do Brasil
Meridional
Autor: Ana Amlia Caez Xavier
Orientador: Prof Dr Eliane Catarino ODwyer
Data da defesa: 25/5/2004

65 TTULO: Desemprego e malabarismos culturais


Autor: Valena Ribeiro Garcia Ramos
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 31/5/2004

66 TTULO: Dimensesdasexualidadenavelhice:estudos
comidososemumaagnciagerontolgica
Autor: Rosangela dos Santos Bauer
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 9/6/2004

67 TTULO: Lavradoresdesonhos:estruturaselementares
do valor cultural na conformao do valor
econmico.umestudosobreapropriedade
capixaba no municpio de vitria
Autor: Alexandre Silva Rampazzo
Orientador: Prof Dr Lvia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 26/7/2004

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251

68 TTULO: Responsabilidadesocialdasempresas:quando
o risco e o apoio caminham
lado a lado
Autor: Ricardo Agum Ribeiro
Orientador: Prof Dr Glucia Oliveira da Silva
Data da defesa: 28/1/2005

69 TTULO: Aescolha:umestudoantropolgicosobrea
escolha do cnjugue
Autor: Paloma Rocha Lima Medina
Orientador: Prof Dr Lvia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 3/2/2005

70 TTULO: Agricultores orgnicos do Rio


da Prata (RJ): luta pela preservao social
Autor: Pedro Fonseca Leal
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 23/2/2005

71 TTULO: Uma comunidade em transformao:


modernidade, organizao e conflito
nas escolas de samba
Autor: Fabio Oliveira Pavo
Orientador: Prof. Dr. Jos Svio Leopoldi
Data da defesa: 28/2/2005

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007


252

72 TTULO: Esculhamba,masnoesculacha:umrelato
sobre uso dos trens da Central do Brasil,
no Rio de Janeiro, enfatizando as prticas e
os conflitos relacionados a comerciantes
ambulanteseoutrosatores,naqueleespao
social
Autor: Lnin dos Santos Pires
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 28/2/2005

73 TTULO: O porteiro, o panptico brasileiro:


as transformaes do saber-fazer
e do saber-lidar deste trabalhador
Autor: Roberta de Mello Correa
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 18/3/2005

74 TTULO: Tempo, trabalho e modo de vida:


estudo de caso entre profissionais
da enfermagem
Autor: Renata Elisa da Silveira Soares
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 8/4/2005

75 TTULO: Espaourbanoeseguranapblica:entreo
pblico, o privado e o particular
Autor: Vanessa de Amorim Pereira Cortes
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 18/4/2005

76 TTULO: Vida aps a morte: salvo ou condenado?


Autor: Andria Vicente da Silva
Orientador: Prof Dr Lvia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 9/5/2005
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237-262, 1. sem. 2007
253

77 TTULO: Dramas sociais, realidade


e representao:
a famlia brasileira vista pela TV
Autor: Shirley Alves Torquato
Orientador: Prof Dr Laura Graziela F. F. Gomes
Data da defesa: 11/5/2005

78 TTULO: Consumidor consciente, cidado


negligente?
Autor: Michel Magno de Vasconcelos
Orientador: Prof Dr Laura Graziela F. F. Gomes
Data da defesa: 18/5/2005

79 TTULO: Paixo pela poltica e poltica


dos Paixo: famliae capitalpoltico em um
municpio fluminense
Autor: Carla Bianca Vieira de Castro Figueiredo
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otvio Bezerra
Data da defesa: 6/3/2006

80 TTULO: Quando a lagoa vira pasto:


um estudo sobre as diferentes formas
de apropriao e concepo
dos espaos marginais da Lagoa FeiaRJ
Autor: Carlos Abrao Moura Valpassos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2006

81 TTULO: O dono da rota:


etnografia de um vendedor
no centro urbano do Rio de Janeiro
Autor: Flavio Conceio da Silveira
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2006
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007
254

82 TTULO: Os caminhos da Mar:


a turma 302 do CIEP Samora Machel
e a organizao social do espao
Autor: Lucia Maria Cardoso de Souza
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 7/3/2006

83 TTULO: Os ciganos de calon do Catumbi:


ofcio, etnografia e memria urbana
Autor: Mirian Alves de Souza
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 9/3/2006

84 TTULO: Disque-denncia: a arma do cidado.


Processos de construo da verdade
a partir da experincia da Central
Disque-denncia do Rio de Janeiro
Autor: Luciane Patrcio Braga de Moraes
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 9/3/2006

85 TTULO: Quando o peixe morre pela boca:


Os casos de polcia na Justia Federal
Argentina na cidade de Buenos Aires
Autor: Luca Eilbaum
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 10/3/2006

86 TTULO: A ddiva no mundo contemporneo:


um estudo do dom mondico
Autor: Fabiano Nascimento
Orientador: Profa Dra Lvia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 10/3/2006

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237-262, 1. sem. 2007


255

87 TTULO: A fumaa da discrdia: da regulao


do consumo e o consumo de cigarros
Autor: Patrcia da Rocha Gonalves
Orientador: Profa Dra Lvia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 10/3/2006

88 TTULO: Famlia, redes de sociabilidade


e casa prpria: um estudo etnogrfico
em uma cooperativa habitacional em
So Gonalo, RJ
Autor: Michelle da Silva Lima
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 10/3/2006

89 TTULO: Identidade, conhecimento e poder


na comunidade muulmana
do Rio de Janeiro
Autor: Gisele Fonseca Chagas
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu Pinto da Rocha
Data da defesa: 10/3/2006

90 TTULO: Comrcio ambulante na cidade


do Rio de Janeiro: a apropriao
do espao pblico
Autor: Marcelo Custdio da Silva
Orientador: Prof. Dr. Jos Svio Leopoldi
Data da defesa: 10/3/2006

91 TTULO: Revitalizao urbana em Niteri:


uma viso antropolgica
Autor: Andr Amud Botelho
Orientador: Prof Dr Laura Graziela F. F. Gomes
Data de defesa: 31/3/2006

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007


256

92 TTULO: Educandos e os educadores:


Imagens Refletidas. Estudo
do processo de constituio
de categoria ocupacional
Autor: Arlete Incio dos Santos
Orientador: Prof Dr Delma Pessanha Neves
Data de defesa: 28/4/2006

93 TTULO: Sobre a disciplina no futebol


brasileiro uma abordagem pela
Justia Desportiva Brasileira
Autor: Andr Gil Ribeiro de Andrade
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data de defesa: 25/5/2006

94 TTULO: Polciaparaquemprecisa:umestudosobre
tutela e represso do GPAE no Morro do
Cavalo (Niteri)
Autor: Sabrina Souza da Silva
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data de defesa: 30/6/2006

95 TTULO: Mobilidade espacial e campesinato:


gesto de alternativas escassas
Autor: Gil Almeida Flix
Orientadora: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 30/6/2006

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237-262, 1. sem. 2007


257

96 TTULO: A igreja ortodoxa antioquina na


cidade do Rio de Janeiro:
CONSTRUO E MANUTENO DE UMA IDENTIDADE
RELIGIOSA DIASPRICA NO CAMPO RELIGIOSO
BRASILEIRO
Autor: Houda Blum Bakour
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Data da defesa: 27/2/2007

97 TTULO: O programa justia teraputica da vara de


execues penais do Rio de Janeiro
Autor: Frederico Policarpo de Mendona Filho
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 27/2/2007

98 TTULO: Etnicidade,processodeterritorializaoeritual
entre os tux de rodelas
Autor: Ricardo Dantas Borges Salomo
Orientador: Prof Dr Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 28/2/2007

99 TTULO: Tempo(s) ecolgico(s):


umrelatodastensesentrepescadoresartesanaise
ibamaacercadocalendriodepescanalagoafeia
RJ
Autor: Jos Colao Dias Neto
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2007

100 TTULO: Atafona:


formasdesociabilidadeemumbalnerionaregio
norte-fluminense
Autor: Juliana Blasi Cunha
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/3/2007

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007


258

101 TTULO: Comqueroupaeuvou?cdigosqueorientam


asescolhasdovesturiofemininonaclassemdia
do Rio de Janeiro
Autor: Solange Riva Mezabarba
Orientador: Prof Dr Lvia Martins Pinheiro Neves
Data da defesa: 9/3/2007

102 TTULO: Notting hill:


notas etnogrficas sobre um british carnival
Autor: Iara Gomes de Bulhes
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 6/6/2007

103 TTULO: Maranho sou eu:


tambordeminaeconstruoidentitriaocaso
do terreiro cazu de mironga, em serpdica rj
Autor: Wilmara Aparecida Silva Figueiredo
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 31/8/2007

104 TTULO: A praia de copacabana:


umareflexosobrealgumasdasestratgiasde
construoemanutenodaimagemdeumespao
de consumo e lazer da cidade do rio de janeiro
Autor: Flvia Ferreira Fernandes
Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 31/8/2007

105 TTULO: Ciranda e prestao de servios:


os coros cirandeiros em busca da
profissionalizao
Autor: Lysia Reis Cond
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 10/9/2007

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237-262, 1. sem. 2007


259

106 TTULO: Famliaeredesdeparentescoemumapolticada


velhice:
anlisedeumprogramagovernamentaldegesto
do envelhecimento
Autor: Felipe Domingues dos Santos
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 31/1/2008

107 TTULO: Sobreomododejustificaodosascensose


descenosnosorganismosgovernamentaisdos
dirigentesdopartidojusticialista(p.j.)deSalta,
Argentina,nosanos1995-2005(narrativasde
obedincia e lealdade)
Autor: Maria Fernanda Maidana
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otvio Bezerra
Data da defesa: 6/3/2008

108 TTULO: Digaespelhomeu,sehnaavenidaalgummais


feliz que eu!
estudosobreidentidatidadeememriadag.r.e.s
unio da ilha do governador
Autor: Paulo Cordeiro de Oliveira Neto
Orientador: Prof. Dr. Jos Svio Leopoldi
Data da defesa: 11/3/2008

109 TTULO: Entre barraces e mdulos de pesca:


pescariaemeioambientenaregulaodousode
espaos pblicos na barra do jucu
Autor: Marcio de Paula Filgueiras
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 24/3/2008

110 TTULO: Processosdeconstruoecomunicaodas


identidadesnegraseafricanasnacomunidade
muulmana sunita do rio de janeiro
Autor: Cludio Cavalcante Jnior
Orientador: Prof. Dr. Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Data da defesa: 10/4/2008
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007
260

111 TTULO: Explicadoras na nova holanda:


um processo informal de escolarizao
Autor: Beatriz Arosa de Mattos
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 25/4/2008

112 TTULO: Na pegao:


encontros homoerticos masculinos em
juiz de fora
Autor: Verlan Valle Gaspar Neto
Orientador: Prof. Dr. Ovdio Abreu Filho
Data da defesa: 25/4/2008

113 TTULO: Feijoada completa:


reflexes sobre a administrao institucional e
dilemasnasdelegaciasdepolciadacidadedo
rio de janeiro
Autor: rika Giuliane Andrade Souza
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 30/4/2008

114 TTULO: Gosto no se discute:


atores,prticas,mecanismosediscursosenvolvidos
naconstruosocialdogostoalimentarinfantil
entre crianas de 0 10 anos
Autor: Bonnie Moraes Manhs de Azevedo
Orientador: Profa Dra Laura Graziela F.F. Gomes
Data da defesa: 4/8/2008

115 TTULO: A viagem da gente de transformao:


umaexploraodouniversosemnticodanoo
de transformao em narrativas mticas do
noroeste amaznico
Autor: Felipe Agostine Cerqueira
Orientador: Profa Dra Tnia Stolze Lima
Data da defesa: 29/8/2008

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237-262, 1. sem. 2007


261

116 TTULO: De volta para casa:


avidanasresidnciasteraputicaseotrabalhodos
cuidadores, em barbacena mg
Autor: Rafael Pereira
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 2/9/2008

117 TTULO: Vitria sobre a morte: a glria prometida


oritodepassagemnaconstruodaidentidade
das operaes especiais
Autor: Paulo Roberto Storani Botelho
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 5/9/2008

118 TTULO: Os trabalhadores da poltica


uma corrente do pt de niteri
Autor: Bruner Titonelli Nunes
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otvio Bezerra
Data da defesa: 25/9/2008

119 TTULO: A busca pela unio:


estudo sobre o modo de atuao de uma
liderana comunitria
Autor: Leandro Mascarenhas Matosinhos
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otvio Bezerra
Data da defesa: 26/9/2008

120 TTULO: A gente faz de tudo um pouco:


umestudodeconstruosocialdetrabalhadores
nas relaes familiares e de vizinhana
Autor: Julia Mitiko Sakamoto
Orientador: Profa Dra Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 30/9/2008

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 237262, 1. sem. 2007


263

RELAO DE TESES DEFENDIDAS


NO PROGRAMA DE PS-GRADUAO
EM ANTROPOLOGIA

1 TTULO: Amulher-sujeito:subjetividade,consumoe
trabalho
Autor: Cesar Ramos Barreto
Orientador: Prof. Dr. Jos Svio Leopoldi
Data da defesa: 29/9/2007

2 TTULO: O ritual judicirio do tribunal do jri


Autor: Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueira
Orientador: Prof. Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 09/3/2007

3 TTULO: Igualdadeehierarquianoespaopblico:
anlise de processos de administrao
institucional de conflitos no municpio
de niteri
Autor: Ktia Sento S Mello
Orientador: Prof.Dr. Roberto Kant de Lima
Data da defesa: 29/3/2007

4 TTULO: O direito ao lugar:


situaes processuais de conflito na
reconfigurao social e territorial no
municpio de itacar BA
Autor: Patrcia de Arajo Brando Couto
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 30/03/2007

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 263266, 1. sem. 2007


264

5 TTULO: A adolescncia na medicina:


um olhar antropolgico
Autor: Fernando Csar Coelho da Costa
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 20/4/2007

6 TTULO: Dasreportagenspoliciaisscoberturasde
segurana pblica:
representaesdaviolnciaurbanaemum
jornal do rio de janeiro
Autor: Edlson Mrcio Almeida da Silva
Orientador: Prof Dr Simoni Lahud Guedes
Data da defesa: 25/4/2007

7 TTULO: Sobre culpados e inocentes


oprocessodecriminaoeincriminaopelo
ministrio pblico federal brasileiro
Autor: Glucia Maria Pontes Mouzinho
Orientador: Prof. Dr. Marcos Otvio Bezerra
Data da defesa: 28/9/2007

8 TTULO: Cruzada de so sebastio no leblon


uma etnografia da moradia e do cotidiano
doshabitantesdeumconjuntohabitacionalna
zona sul do rio de janeiro
Autor: Soraya Silveira Simes
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio da Silva Mello
Data da defesa: 26/2/2008

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 263-266, 1. sem. 2007


265

9 TTULO: Campo intelectual e gesto da


economia do babau
dosestudoscientficossprticastradicionais
das quebradeiras de coco babau
Autor: Cynthia Carvalho Martins
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 28/2/2008

10 TTULO: Maneiras de beber:


sociabilidades e alteridades
Autor: ngela Maria Garcia
Orientador: Profa Dra Delma Pessanha Neves
Data da defesa: 28/2/2008

11 TTULO: O melhor de niteri a vista do rio.


polticasculturaiseintervenesurbanas:
mac e caminho niemeyer
Autor: Margareth da Luz Coelho
Orientador: Profa Dra Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Data da defesa: 7/3/2008

12 TTULO: Do mito ao... cinema:


a incestuosa gemeidade. um close sobre
a figura dos gmeos nas narrativas
contemporneas
Autor: Dbora Breder Barreto
Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira
Data da defesa: 13/3/2008

13 TTULO: Entre a estrutura e a performance:


ritual de iniciao e faccionalismo entre os
xavantes da terra indgena so marcos
Autor: Paulo Srgio Delgado
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 31/3/2008

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 263266, 1. sem. 2007


266

14 TTULO: Asemnticadointangvel.consideraes
sobre o registro do ofcio de paneleira do
esprito santo:
ritual de iniciao e faccionalismo entre os
xavantes da terra indgena so marcos
Autor: Lucieni de Menezes Simo
Orientador: Profa Dra Lygia Baptista Pereira Segala
Data da defesa: 30/4/2008

15 TTULO: Identidade(s)enacionalismoemcaboverde
Autor: Joo Silvestre Tavares Alvarenga Varela
Orientador: Profa Dra Eliane Cantarino ODwyer
Data da defesa: 25/4/2008

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 263-266, 1. sem. 2007


Revista Antropoltica
ARTIGOS PUBLICADOS
269

Revista no 1 2o semestre de 1996

Artigos
Brasil: naes imaginadas
Jos Murilo de Carvalho
Brasileiros e argentinos em Kibbutz: a diferena continua
Sonia Bloomfield Ramagem
Mudana social: exorcizando fantasmas
Delma Pessanha Neves
Ostras e pastas de papel: meio ambiente e a mo invisvel do mercado
Jos Drummond

Conferncias
Algumas consideraes sobre o estado atual da antropologia no Brasil
Otvio Velho
That deadly pyhrronic poison a tradio ctica e seu legado para a teoria poltica
moderna
Renato Lessa

Resenha
Uma antropologia no plural: trs experincias contemporneas. Marisa G. Pei-
rano
Laura Graziela F. F. Gomes

Revista no 2 1o semestre de 1997

Artigos
Entre a escravido e o trabalho livre: um estudo comparado de Brasil e Cuba
no sculo XIX
Maria Lcia Lamounier
O arco do universo moral
Joshua Cohen
A posse de Goulart: emergncia da esquerda e soluo de compromisso
Alberto Carlos de Almeida

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007


270

In crpore sano: os militares e a introduo da educao fsica no Brasil


Celso Castro
Neoliberalismo, racionalidade e subjetividade coletiva
Jos Maurcio Domingues
Do retorno do sagrado s religies de resultado: para uma caracterizao das
seitas neopentecostais
Muniz Gonalves Ferreira

Resenhas
As noites das grandes fogueiras uma histria da coluna Prestes
Jos Augusto Drummond
Os sertes: da campanha de Canudos, Euclides da Cunha; O serto prometido: massacre
de Canudos no nordeste brasileiro
Terezinha Maria Scher Pereira

Revista no 3 2o semestre de 1997

Artigos
Cultura, educao popular e escola pblica
Alba Zaluar e Maria Cristina Leal
A poltica estratgica de integrao econmica nas Amricas
Gamaliel Perruci
O direito do trabalho e a proteo dos fracos
Miguel Pedro Cardoso
Elites profissionais: produzindo a escassez no mercado
Marli Diniz
A Casa do Isl: igualitarismo e holismo nas sociedades muulmanas
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Quando o amor vira fico
Wilson Poliero

Resenha
Ns, cidados, aprendendo e ensinando a democracia: a narrativa de uma ex-
perincia de pesquisa
Angela Maria Fernandes Moreira-Leite
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269-284, 1. sem. 2007
271

Revista no 4 1o semestre de 1998

Artigos
Comunicao de massa, cultura e poder
Jos Carlos Rodrigues
A sociologia diante da globalizao: possibilidades e perspectivas da sociologia
da empresa
Ana Maria Kirschner
Tempo e conflito: um esboo das relaes entre as cronosofias de Maquiavel e
Aristteles
Raul Francisco Magalhes
O embate das interpretaes: o conflito de 1858 e a lei de terras
Mrcia Maria Menendes Motta
Os terapeutas alternativos nos anos 90: uma nova profisso?
Ftima Regina Gomes Tavares

Resenha
Auto-subverso
Gislio Cerqueira Filho

Revista no 5 2o semestre de 1998

Artigos
Jornalistas: de romnticos a profissionais
Alzira Alves de Abreu
Mudanas recentes no campo religioso brasileiro
Ceclia Loreto Mariz e Maria das Dores Campos Machado
Pesquisa antropolgica e comunicao intercultural: novas discusses sobre an-
tigos problemas.
Jos Svio Leopoldi
Trs pressupostos da facticidade dos problemas pblicos ambientais
Marcelo Pereira de Mello
Duas vises acerca da obedincia poltica: racionalidade e conservadorismo
Maria Celina DArajo

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007


272

Revista no 6 1o semestre de 1999

Artigos
Palimpsestos estticos y espacios urbanos: de la razn prctica a la razn sensi-
ble
Jairo Montoya Gmez
Trajetrias e vulnerabilidade masculina
Ceres Vctora e Daniela Riva Knauth
O sujeito da psiquiatria biolgica e a concepo moderna de pessoa
Jane Arajo Russo, Marta F. Henning
Os guardies da histria: a utilizao da histria na construo de uma identidade
batista brasileira
Fernando Costa
A escritura das relaes sociais: o valor cultural dos documentos para os tra-
balhadores
Simoni Lahud Guedes
A Interdisciplinaridade e suas (im)pertinncias
Marcos Marques de Oliveira

Revista no 7 2o semestre de 1999

Artigos
Le geste pragmatique de la sociologie franaise. Autour des travaux de Luc Bol-
tanski et Laurent Thvenot
Marc Breviglieri e Joan Stavo-Debauge
Economia e poltica na historiografia brasileira
Sonia Regina de Mendona
Os paradoxos das polticas de sustentabilidade
Luciana F. Florit
Risco tecnolgico e tradio: notas para uma antropologia do sofrimento
Glaucia Oliveira da Silva
Trabalho agrcola: gnero e sade
Delma Pessanha Neves

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269-284, 1. sem. 2007


273

Revista no 8 1o semestre de 2000

Artigos
Prolegmenos sobre a violncia, a polcia e o Estado na era da globalizao
Daniel dos Santos
Gabriel Tarde: Le monde comme ferie
Isaac Joseph
Estratgias coletivas e lgicas de construo das organizaes de agricultores no
Nordeste
Eric Sabourin
Cartrios: onde a tradio tem registro pblico
Ana Paula Mendes de Miranda
Do pequi soja: expanso da agricultura e incorporao do Brasil central
Antnio Jos Escobar Brussi

Resenha
Terra sob gua sociedade e natureza nas vrzeas amaznicas
Jos Augusto Drummond

Revista no 9 2o semestre de 2000

Artigos
Desenvolvimento econmico, cultural e complexidade
Adelino Torres
The field training project: a pioneer experiment in field work methods: Everett
C. Hughes, Buford H. Junker and Raymond Golds re-invention of Chicago field
studies in the 1950s
Daniel Cefa
Cristianismos amaznicos e liberdade religiosa: uma abordagem
histrico-antropolgica
Raymundo Heraldo Maus
Poder de polica, costumbres locales y derechos humanos en Buenos Aires
de los 90
Sofa Tiscornia

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007


274

A viso da mulher no imaginrio pentecostal


Marion Aubre

Resenha
Reflexes antropolgicas em tpicos filosficos
Eliane Cantarino ODwyer

Revista no 10/11 1o/2o semestres de 2001

Artigos
Profissionalismo e mediao da ao policial
Dominique Monjardet
The plaintiff a sense of injustice
Laura Nader
Religio e poltica: evanglicos na disputa eleitoral do Rio de Janeiro
Maria das Dores Campos Machado
Um modelo para morrer: ltima etapa na construo social contempornea da
pessoa?
Rachel Aisengart Menezes
Torcidas jovens: entre a festa e a briga
Rosana da Cmara Teixeira
O debate sobre desenvolvimento entre o Brasil e os EUA na dcada de cinqen-
ta
W. Michael Weis
El individuo fragmentado y su experiencia del tiempo
Carlos Rafael Rea Rodrguez
Igreja do Rosrio: espao de negros no Rio Colonial
Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros
In nomine pater: a cincia poltica e o teatro intimista de A. Strindberg
Gislio Cerqueira Filho
Terra: ddiva divina e herana dos ancestrais
Osvaldo Martins de Oliveira

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269-284, 1. sem. 2007


275

Resenha
Estado e reestruturao produtiva
Maria Alice Nunes Costa

Revista no 12/13 1o/2o semestres de 2002

Artigos
Transio democrtica e foras armadas na Amrica Latina
Maria Celina DArajo
Mercado, coeso social e cidadania
Flvio Saliba Cunha
Cultura local y la globalizacin del beber. De las taberneras en Juchitan, Oaxaca
(Mxico)
Sergio Lerin Pin
Romaria e misso: movimentos sociorreligiosos no sul do Par
Maria Antonieta da Costa Vieira
O estrangeiro em campo: atritos e deslocamentos no trabalho antropolgi-
co
Patrice Schuch
A transmisso patrimonial em favelas
Alexandre de Vasconcelos Weber
A sociabilidade dos trabalhadores da fruticultura irrigada do plat de Nepolis/
SE
Dalva Maria da Mota
A beleza trada: percepo da usina nuclear pela populao de Angra dos Reis
Rosane M. Prado
Povos indgenas e ambientalismo as demandas ecolgicas de ndios do rio
Solimes
Deborah de Magalhes Lima
Razes antropolgicas da filosofia de Montesquieu
Jos Svio Leopoldi

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007


276

Resenhas
A inveno de uma qualidade ou os ndios que se inventa(ra)m
Mercia Rejane Rangel Batista
Chinas peasants: the anthropology of a revolution
Joo Roberto Correia e Jos Gabriel Silveira Corra

Revista no 14 1o semestre de 2003


Dossi
Esporte e modernidade
Apresentao: Simoni Lahud Guedes
Em torno da dialtica entre igualdade e hierarquia: notas sobre as imagens
e representaes dos Jogos Olmpicos e do futebol no Brasil
Roberto DaMatta
Transforming Argentina: sport, modernity and national building
in the periphery
Eduardo P. Archetti
Futebol e mdia: a retrica televisiva e suas implicaes na identidade nacional,
de gnero e religiosa
Carmem Slvia Moraes Rial

Artigos
As concertaes sociais na Europa dos anos 90: possibilidades e limites
Jorge Ruben Biton Tapia
A (re)construo de identidade e tradies: o rural como tema e cenrio
Jos Marcos Froehlich
A plula azul: uma anlise de representaes sobre masculinidade em face
do viagra
Rogrio Lopes Azize e Emanuelle Silva Arajo

Homenagem
Ren Armand Dreifuss
por Eurico de Lima Figueiredo

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269-284, 1. sem. 2007


277

Revista no 15 2o semestre de 2003

Dossi
Maneiras de beber: proscries sociais
Apresentao: Delma Pessanha Neves
Entre prticas simblicas e recursos teraputicos: as problemticas de um itine-
rrio de pesquisa
Sylvie Fainzang
Alcolicos annimos: converso e abstinncia teraputica
Angela Maria Garcia
Embriagados no Esprito Santo: reflexes sobre a experincia pentecostal e o
alcoolismo
Ceclia L. Mariz

Artigos
Vises de mundo e projetos de trabalhadores qualificados de nvel mdio em seu
dilogo com a modernidade tardia
Suzana Burnier
O povo, a cidade e sua festa: a inveno da festa junina no espao urbano
Elizabeth Christina de Andrade Lima
Antropologia e clnica o tratamento da diferena
Jaqueline Teresinha Ferreira
Mares e mars: o masculino e o feminino no cultivo do mar
Maria Ignez S. Paulilo

Resenhas
Antropologia e comunicao: princpios radicais
Jos Svio Leopoldi
Politizar as novas tecnologias: o impacto scio-tcnico da informao digital e
gentica
Ftima Portilho
Criminologia e subjetividade no Brasil
Wilson Couto Borges

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007


278

Revista no 16 1o semestre de 2004

Homenagem
Luiz de Castro Faria: o professor emrito
por Felipe Berocan da Veiga

Dossi
Polticas pblicas, direito(s) e justia(s) perspectivas comparativas
Apresentao: Roberto Kant de Lima
Drogas, globalizao e direitos humanos
Daniel dos Santos
Detenciones policiales y muertes administrativas
Sofa Tiscornia
Os ilegalismos privilegiados
Fernando Acosta

Artigos
Estado e empresrios na Amrica Latina (1980-2000)
lvaro Bianchi
O desamparo do indivduo moderno na sociologia de Max Weber
Luis Carlos Fridman
A construo social dos assalariados na citricultura paulista
Marie Anne Najm Chalita
As arenas iluminadas de Maring: reflexes sobre a constituio
de uma cidade mdia
Simone Pereira da Costa

Resenhas
tica e responsabilidade social nos negcios
Priscila Ermnia Riscado
Novas experincias de gesto pblica e cidadania
Daniela da Silva Lima
Uma cincia da diferena: sexo e gnero
Fernando Cesar Coelho da Costa
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269-284, 1. sem. 2007
279

Revista no 17 2o semestre de 2004

Dossi
Por uma antropologia do consumo
Apresentao: Laura Graziela F. F. Gomes e Lvia Barbosa
Pobreza Da Moralidade
Daniel Miller
O consumidor arteso: cultura, artesania e consumo em uma
Sociedade Ps-Moderna
Colin Campbell
Por uma sociologia da embalagem
Franck Cochoy

Artigos
A Antropologia e as polticas de desenvolvimento: algumas orientaes
Jean-Franois Bar
Arquivo pblico: Um segredo bem guardado?
Ana Paula Mendes de Miranda
A concepo da desigualdade em Hobbes, Locke e Rousseau
Marcelo Pereira de Mello
Associativismo em rede: uma construo identitria em territrios
de agricultura familiar
Zil Mesquita e Mrcio Bauer
Depois de Bourdieu: as classes populares em algumas
abordagens sociolgicas contemporneas
Antondia Borges

Resenhas
Modration et sobrit. tudes sur les usages sociaux de lalcool
Fernando Cordeiro Barbosa
Governana democrtica e poder local: A experincia dos
conselhos municipais no Brasil
Dbora Cristina Rezende de Almeida
Uma cincia da diferena: sexo e gnero
Fernando Cesar Coelho da Costa
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007
280

Revista no 18 1o semestre de 2005

Dossi
Responsabilidade social das empresas, segundo as Cincias Sociais
Apresentao: Eduardo R. Gomes
Responsabilidade social e globalizao:
redefinindo o papel das empresas transnacionais no Brasil
Letcia Helena Medeiros Veloso
A modernizao de valores nas relaes contratuais:
a tica de reparao antecede o dever de responsabilidade?
Paola Cappellin
Business, politics and the surge of corporate
social responsibility in Latin America
Felipe Agero
Artigos
Xamanismo e renovao carismtica catlica em uma povoao de
pescadores no litoral da Amaznia Brasileira: questes de religio e
de gnero
Raymundo Heraldo Maus e Gisela Macambira Villacorta
Conexes transnacionais: redes de Advocacy,
cooperao Norte-Sul e as ONGs latino-americanas
Pedro Jaime
Parentesco e poltica no Rio Grande do Sul
Igor Gastal Grill
Diversidade e equilbrio assimtrico: discutindo governana
econmica e lgica institucional na Unio Europia
Eduardo Salomo Cond

Homenagem
Eduardo P. Archetti (1943-2005) In Memoriam
Pablo Alabarces

Resenha
Livro: O desafio da colaborao: prticas de
responsabilidade social entre empresas e Terceiro Setor
Rosa Maria Fischer
Autora da resenha: Daniela Lima Furtado

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269-284, 1. sem. 2007


281

Revista no 19 2o semestre de 2005

Dossi
Fronteiras e passagens: fluxos culturais e a construo da etnicidade
Apresentao: Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Eliane Cantarino ODwyer
Etnicidade e o conceito de cultura
Fredrik Barth
Etnicidade e nacionalismo religioso entre os curdos da Sria
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
Entre iorubas e bantos:
a influncia dos esteretipos raciais nos estudos afro-americanos
Stefania Capone
Os quilombos e as fronteiras da Antropologia
Eliane Cantarino ODwyer
Artigos
Engajamento associativo/sindical e recrutamento de elites polticas:
empresrios e trabalhadores no perodo recente no Brasil
Odaci Luiz Coradini
Crnicas da ptria amada:
futebol e identidades brasileiras na imprensa esportiva
dison Gastaldo
O duro, a pedra e a lama: a etnotaxonomia e o artesanato
da pesca em Ponta Grossa dos Fidalgos
Arno Vogel e Jos Colao Dias Neto
De antas e outros bichos: expresso do conhecimento nativo
Jane Felipe Beltro e Gutemberg Armando Diniz Guerra

Resenha
Livro: A revoluo urbana
Henri Lefbvre
Autor da resenha: Fabrcio Mendes Fialho
Livro: Ser polcia, ser militar. O curso de formao na socializao
do policial militar
Fernanda Valli Nummer
Autora da resenha: Delma Pessanha Neves
Livro: Reflexes sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches
Bruno Latour
Autora da resenha: Verlan Valle Gaspar Neto

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007


282

Revista no 20 1o semestre de 2006


Dossi
Da tcnica, estudos sobre o fazer em sociedade
Apresentao: Glucia Silva
Sobre a distino entre evoluo e histria
Tim Ingold
A potncia do fogo e a bifurcao da histria em direo
termoindstria. Da mquina de Marly, de Lus XIV, central nuclear
de hoje
Alain Gras
As duas faces da incerteza: automao e apropriao dos avies Glass-
cockpit
Caroline Moricot
Um laboratrio-mundo
Sophie Poirot-Delpech

Artigos
A potica da experincia: narrativa e memria
Diego Soares
Neocomunidades no Brasil: uma aproximao etnogrfica
Javier Lifschitz
Liberdade e riqueza: a origem filosfica e poltica do pensamento
econmico
Angela Ganem, Ins Patricio e Maria Malta

Resenhas
Livro: Cincia e desenvolvimento
Jos Leite Lopes
Autora da resenha: Ctia Ins Salgado de Oliveira
Livro: Le temps du pub. Territoires du boire en Anglaterre
Josiane Massart-Vicent
Autora da resenha: Delma Pessanha Neves e Angela Maria Garcia

Notcias do PPGA
Relao de dissertaes defendidas no PPGA
Relao de dissertaes defendidas no PPGCP
Revista Antropoltica: nmeros e artigos publicados
Coleo Antropologia e Cincia Poltica (livros publicados)

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269-284, 1. sem. 2007


283

Revista no 21 2o semestre de 2006


Dossi
Antropologia, mdia e construo social da realidade
Apresentao: Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
Cantando espalharei por toda a parte,
se a tanto me ajudar engenho e arte: propaganda, tcnicas de ven-
das e consumo no Rio de Janeiro (1850-1870)
Almir El Kareh
Identidades flexveis como dispositivo disciplinar:
algumas hipteses sobre publicidade e ideologia em sociedades
ps-ideolgicas
Vladimir Safatle
Remediao e linguagens publicitrias nos meios digitais
Vincius Andrade Pereira
Artigos
O sorriso da lua
Eli Bartra
Alimentos transgnicos, incerteza cientfica e percepes de risco: Lei-
gos com a palavra
Renata Menasche
Tcnicos e usurios em programas de assistncia social:
encontros e desencontros
Helosa Helena Salvatti Paim
A economia moral do extrativismo no mdio rio negro:
Aviamento, alteridade e relaes intertnicas na amaznia
Sidnei Peres
Educao e ruralidades: por um olhar pesquisante plural
Jadir De Morais Pessoa

Resenhas
Livro: Buenos vecinos, malos polticos: Moralidad y poltica
en el gran Buenos Aires. Buenos Aires: Prometeo, 2004. 283 p.
Sabina Frederic
Autor da resenha: Fernanda Maidana
Resenhando o conceito de Double Bind de Gregory Bateson
em seis autores das cincias humanas contemporneas
Autora da resenha: Mnica Cavalcanti Lepri

Notcias do PPGA
Relao de dissertaes defendidas no PPGA
Revista Antropoltica: nmeros e artigos publicados
Coleo Antropologia e Cincia Poltica (livros publicados)
Antropoltica Niteri, n. 22, p. 269284, 1. sem. 2007
285

COLEO ANTROPOLOGIA E CINCIA POLTICA


1. Os fornecedores de cana e o Estado intervencionista
Delma Pessanha Neves
2. Devastao e preservao ambiental no Rio de Janeiro
Jos Augusto Drummond
3. A predao do social
Ari de Abreu Silva
4. Assentamento rural: reforma agrria em migalhas
Delma Pessanha Neves
5. A antropologia da academia: quando os ndios somos ns
Roberto Kant de Lima
6. Jogo de corpo: um estudo de construo social de trabalhadores
Simoni Lahud Guedes
7. A qualidade de vida no Estado do Rio de Janeiro
Alberto Carlos Almeida
8. Pescadores de Itaipu (Srie Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Roberto Kant de Lima
9. Sendas da transio
Sylvia Frana Schiavo
10. O pastor peregrino
Arno Vogel
11. Presidencialismo, parlamentarismo e crise poltica no Brasil
Alberto Carlos Almeida
12. Um abrao para todos os amigos: algumas consideraes sobre
o trfico de drogas no Rio de Janeiro
Antnio Carlos Rafael Barbosa
13. Escritos exumados 1: espaos circunscritos tempos soltos
L. de Castro Faria
14. Violncia e racismo no Rio de Janeiro
Jorge da Silva
15. Novela e sociedade no Brasil
Laura Graziela Figueiredo Fernandes Gomes
16. O Brasil no campo de futebol: estudos antropolgicos sobre os
significados do futebol brasileiro
Simoni Lahud Guedes

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 285288, 1. sem. 2007


286

17. Modernidade e tradio: construo da identidade


social dos pescadores de Arraial do Cabo (RJ)
(Srie Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Rosyan Campos de Caldas Britto
18. As redes do suor a reproduo social dos trabalhadores da
pesca em Jurujuba (Srie Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Luiz Fernando Dias Duarte
19. Escritos exumados 2: dimenses do conhecimento antropol-
gico
L. de Castro Faria
20. Seringueiros da Amaznia: dramas sociais e o olhar antropolgi-
co (Srie Amaznia)
Eliane Cantarino ODwyer
21. Prticas acadmicas e o ensino universitrio
Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto
22. Dom, Iluminados e Figures: um estudo sobre a repre-
sentao da oratria no Tribunal do Jri do Rio de Janeiro
Alessandra de Andrade Rinaldi
23. Angra I e a melancolia de uma era
Glucia Oliveira da Silva
24. Mudana ideolgica para a qualidade
Miguel Pedro Alves Cardoso
25. Trabalho e residncia: estudo das ocupaes de empregada do-
mstica e empregado de edifcio a partir de migrantes nordes-
tinos
Fernando Cordeiro Barbosa
26. Um percurso da pintura: a produo de identidades de artista
Lgia Dabul
27. A sociologia de Talcott Parsons
Jos Maurcio Domingues
28. Da anchova ao salrio mnimo: uma etnografia
sobre injunes de mudana social em Arraial do Cabo/RJ
(Srie Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Simone Moutinho Prado
29. Centrais sindicais e sindicatos no Brasil dos anos 90:
o caso Niteri
Fernando Costa

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 285-288, 1. sem. 2007


287

30. Antropologia e direitos humanos (Srie Direitos Humanos)


Regina Reyes Novaes e Roberto Kant de Lima
31. Os companheiros trabalho e sociabilidade na pesca de
Itaipu/RJ (Srie Pesca no estado do Rio de Janeiro)
Elina Gonalves da Fonte Pessanha
32. Festa do Rosrio: iconografia e potica de um rito
Patrcia de Arajo Brando Couto
33. Antropologia e direitos humanos 2 (Srie Direitos Humanos)
Roberto Kant de Lima
34. Em tempo de conciliao
Angela Moreira-Leite
35. Floresta de smbolos aspectos do ritual Ndembu
Victor Turner
36. Produo da verdade nas prticas judicirias criminais brasilei-
ras: uma perspectiva antropolgica de um
processo criminal
Luiz Figueira
37. Ser polcia, ser militar: o curso de formao
na socializao do policial militar
Fernanda Valli Nummer
38. Antropologia e direitos humanos 3
Roberto Kant de Lima (Organizador)
39. Os caminhos do leo: uma etnografia do processo de cobrana
do imposto de renda
Gabriela Maria Hilu da Rocha Pinto
40. Antropologia escritos exumados 3 Lies de um praticante
L. de Castro Faria

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 285288, 1. sem. 2007


289

Normas de apresentao de trabalhos


1. A revista Antropoltica, do programa de Ps-Graduao em
Antropologia da UFF, aceita originais de artigos e resenhas
de interesse das Cincias Sociais e da Antropologia em parti-
cular.
2. Os textos sero submetidos aos membros do Conselho Editorial
e/ou a pareceristas externos, que podero sugerir ao autor
modificaes de estrutura ou contedo.
3. Os textos no devero exceder 25 pginas, no caso dos artigos,
e 8 pginas, no caso das resenhas. Eles devem ser apresentados
em duas cpias impressas em papel A4 (210 x 297 mm), espao
duplo, em uma s face de papel, bem como em disquete ou
CD no programa Word for Windows, em fonte Times New
Roman (corpo 12), sem qualquer tipo de formatao, a no
ser:
indicao de caracteres (negrito e itlico);
margens de 3cm;
recuo de 1cm no incio do pargrafo;
recuo de 2cm nas citaes; e
uso de itlico para termos estrangeiros e ttulos de livros
e peridicos.
4. As citaes bibliogrficas sero indicadas no corpo do texto,
entre parnteses, com as seguintes informaes; sobrenome
do autor em caixa alta; vrgula; data da publicao; vrgula;
abreviatura de pgina (p.) e o nmero desta.
(Ex.: PEREIRA, 1996, p. 12-26)
5. As notas explicativas, restritas ao mnimo indispensvel, deve-
ro ser apresentadas no final do texto.
6. As referncias bibliogrficas devero ser apresentadas no final
do texto, obedecendo s normas da ABNT (NBR-6023).
Livro:
MARX, Karl. Manuscritos econmico-filosficos e outros textos escolhidos.
2. Ed. So Paulo: Abril Cultural, 1978. 208p. (Os Pensadores, 6)
LDIKE, Menga, ANDR, Marli E. D. A. Pesquisa em educao:
abordagens qualitativas. So Paulo: EPU, 1986.

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 289290, 1. sem. 2007


290

FRANA, Junia Lessa et al. Manual para normalizao de publica-


es tcnico-cientficas. 3. ed. ver. e aum. Belo Horizonte: Ed.
da UFMG, 1996, 191 p.
Artigo:
ARRUDA, Mauro. Brasil: essencial reverter o atraso. Panorama
da Tecnologia, Rio de Janeiro, v. 3, n.8, p. 4-9, 1989.

Trabalhos apresentados em eventos:


AGUIAR, C. S. A. L. et. al. Curso de tcnica da pesquisa biblio-
grfica: programa-padro para a Universidade de So Paulo.
In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIBLIOTECONOMIA
E DOCUMENTAO, 9., 1977, Porto Alegre. Anais... Porto
Alegre: Associao Rio-Grandense de Bibliotecrios, 1977.
p. 367-385.
7. As ilustraes devero ter a qualidade necessria para uma
boa reproduo grfica. Elas devero ser identificadas com
ttulo ou legenda e designadas, no texto, como figura (Figura
1, Figura 2 etc.)
8. Os textos devero ser acompanhados de ttulo e resumo (m-
ximo 250 palavras) em portugus e ingls, bem como de 3 a
5 palavras-chave tambm em portugus e em ingls.
9 Os textos devero ser precedidos de identificao do autor
(nome, instituio de vnculo, cargo, ttulo, ltimas publicaes
etc.), que no ultrapasse 5 linhas.
10. Os colaboradores na modalidade artigos tero direito a
trs exemplares da revista; e na modalidade resenha, a um
exemplar.
11. Os originais no aprovados no sero devolvidos.
12. Os artigos, resenhas e demais correspondncias devero ser
enviados para:
Comit Editorial da Antropoltica
Programa de Ps-Graduao em Antropologia
Campus do Gragoat, Bloco O, sala 325
24210-350 - Niteri, RJ
Tels.: (021) 2629-2866

Antropoltica Niteri, n. 22, p. 289-290, 1. sem. 2007


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Tiragem: 500 exemplares.

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