A.B.Pereira-Juventude Nas CS-2008

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Ano 1, Versão 1.

0, 2007

“A ‘juventude’ é apenas uma palavra”, afirmou Bourdieu (1983), em título


provocador de um artigo entrevista sobre a noção de juventude, cujo objetivo era
demonstrar como as divisões entre as idades seriam arbitrárias: “somos sempre o
jovem ou o velho de alguém” (1983:113). Pois, para este autor, os cortes, em
classes de idade ou em gerações, teriam uma variação interna e seriam objetos de
manipulação. Portanto, juventude e velhice não seriam dados, mas construções
sociais oriundas da luta entre os jovens e os velhos. Desta maneira, prossegue
Bourdieu, as relações entre idade biológica e social seriam muito complexas. Pode-
se apreender, portanto, de suas conclusões sobre a idéia de juventude, que, para
ele, esta noção configuraria um elemento que somente faz sentindo no contraste
entre os mais novos e os mais velhos. Ou seja, Bourdieu compreende a categoria
juventude sempre dentro de um critério etário e que, segundo ele, não faz sentido
isoladamente, pois seria sempre na contraposição que esta se definiria. Entretanto,
para alguns autores que têm se dedicado ao estudo da juventude e suas práticas,
tal conceito seria mais do que uma palavra e não apenas uma definição que surge
da confrontação entre o novo e o velho. Em texto, cujo título – “A juventude é mais
que uma palavra” – já apresenta claramente uma resposta à provocação feita por
Bourdieu, Mario Margulis e Marcelo Urresti (1996) propõem a superação de
considerações sobre a juventude como mera categorização por idade e como
portadora de características uniformes. Para eles, “a condição histórico-cultural de
juventude não se oferece de igual forma para todos os integrantes da categoria
estatística jovem” (MARGULIS, 1994:25; trad. minha). Segundo Margulis e Urresti
(1996), a discussão feita por Bourdieu leva a percepção da juventude como “mero
signo”, como “uma construção cultural desgarrada de outras condições”. Assim,
conforme estes autores, a noção, do modo como ela é definida por Bourdieu, é
desvinculada de seus condicionantes históricos e materiais.

Philippe Ariès (1978), ao buscar demonstrar o novo lugar assumido pela criança e
pela família nas sociedades industriais, em sua obra “História Social da Criança e da
Família”, evidencia como a idéia de criança é construída historicamente. Para Ariès,
é a escola, no final do século XVII, que proporciona as condições para a criação das
noções de infância e juventude como etapas separadas da vida adulta, justamente
por conta do isolamento de crianças e jovens dos adultos. Constitui-se, assim, um
novo meio para a educação. Conforme Ariès, na sociedade medieval o mundo
infantil não era separado do adulto, não havendo, portanto, uma fase de transição
destacada.

"A escola substituiu a aprendizagem como meio de educação. Isso quer dizer que a
criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida diretamente,
através do contato com eles. A despeito das muitas reticências e retardamentos, a
criança foi separada dos adultos e mantida à distância numa espécie de
quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi a escola, o colégio.
Começou então um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos
loucos, dos pobres e das prostitutas) que se estenderia até nossos dias, e ao qual
se dá o nome de escolarização" (ARIÈS, 1978:11).

James Coleman (1961), em obra intitulada A sociedade adolescente, dirá que é a


separação do indivíduo do resto da sociedade e a sua agregação em grupos de sua
própria idade que criará um conjunto de relações específicas de determinada faixa
etária: “com seus colegas, ele vem a constituir uma pequena sociedade, na qual
tem suas mais importantes interações, mantendo apenas um parco fio de conexões
com a sociedade adulta do lado de fora” (COLEMAN, 1961:3, trad. minha). A
discussão sobre esta relação entre escola e juventude, porém, não é nova. Carles
Feixa (2006), ao tratar das diferentes abordagens acadêmicas sobre a juventude,
destaca que nos Estados Unidos, em 1929, Robert e Helen Lynd já haviam
observado o surgimento de uma cultura colegial em etnografia urbana sobre
Middletown, uma pequena cidade do meio oeste dos Estados Unidos. Segundo
Feixa, estes dois autores enfocavam as culturas formais e informais da high school.
Dentro destes estudos norte-americanos, Feixa destaca a importância do
paradigma da sociologia estrutural-funcionalista nas análises que se sucederam
sobre os denominados college boys. Dentre elas, podemos apontar a pesquisa do
próprio Coleman citado acima, que pesquisou dez high schools de Illinois,
demonstrando como a identidade destes college boys configurava-se na escola e
não nas ruas como acontecia com os street corner boys investigados por William
Foote Whyte ([1943] 2005), por exemplo. No entanto, afirma Feixa que o grande
nome da sociologia estrutural-funcionalista norte-americana que pensou a questão
da juventude foi Talcott Parsons. Dentro deste pensamento parsoniano, os grupos
juvenis articulados na escola teriam a função de garantir a transição da família para
o mundo institucional. “Ainda que o paradigma estrutural-funcionalista tenha saído
de moda, os estudos sobre as culturas colegiais têm gerado uma importante
tradição acadêmica nas ciências sociais estadunidense” (FEIXA, 2006:70, trad.
minha).

Se foi a escola a principal responsável pelo surgimento das categorias de infância e


juventude como se configuram atualmente, pode-se dizer que também ocorre hoje
o processo inverso, e, assim, os jovens e as crianças, que foram isolados desde o
início dos tempos modernos para passarem por um período de formação moral e
intelectual separado da sociedade dos adultos, estariam recriando tal espaço com
suas novas demandas. Isto porque, o isolamento de crianças e jovens permitiu a
estes um contato maior entre si e o estabelecimento de redes de sociabilidade
juvenis e infantis específicas que passaram a ter a escola como referência. Abre-se,
assim, a possibilidade de inverter, inclusive, a função de adestramento e de
disciplina autoritária inicial da escola . Bill Green e Chris Bigum (1998), ao
discutirem o novo papel desempenhado pelos jovens no ambiente de ensino,
constroem a figura dos “alienígenas na sala de aula”. Os autores defendem a idéia
de que está surgindo uma nova geração com uma constituição radicalmente
diferente: “o sujeito-estudante pós-moderno”. Essa outra constituição, afirmam,
deve-se às relações que a juventude contemporânea estabelece com as novas
tecnologias de comunicação e entretenimento e com a cultura popular de massa.
Segundo eles:

A construção social e discursiva da juventude envolve um complexo de forças que


inclui a experiência da escolarização, mas que, de forma alguma, está limitada a
ela. Entre essas forças e fatores estão os meios de comunicação de massa, o rock e
a cultura da droga, assim como várias outras formações subculturais. Até o
momento, entretanto, educadores/as, professores/as, pesquisadores/as e
elaboradores/as de políticas não têm considerado essas perspectivas e questões
como sendo dignas de atenção (GREEN, BIGUM, 1998:210).

A influência dos produtos tecnológicos na configuração do que Green e Bigum


denominaram como juventude pós-moderna é, para eles, tão grande que os
mesmos se utilizam, também, da metáfora do ciborgue para designá-la.
Influenciados pelas reflexões de Donna Haraway (2000) e seu Manifesto Ciborgue,
sugerem, com esta metáfora, uma relação de não descontinuidade entre os jovens
e sua porção máquina representada pelos aparelhos de comunicação e
entretenimento. Por este motivo, eles encaram esta nova geração, em sua relação
com a escola e com os professores, como alienígenas, pois, defendem a idéia de
que um novo tipo de subjetividade humana estaria sendo configurado, que não é
apreendido pelos professores em sala de aula. Em resumo, Green e Bigum expõem
que “a partir do nexo entre a cultura juvenil e o complexo crescentemente global
da mídia está emergindo uma formação de identidade inteiramente nova” (GREEN
& BIGUM, 1998:214). Talvez as transformações nas relações entre os jovens e o
universo escolar não sejam tão radicais como anunciam estes dois autores, nem o
papel desempenhado pelas novas tecnologias de comunicação neste processo seja
tão intenso assim, mas é difícil negar que estejam ocorrendo mudanças
substanciais que têm preocupado especialistas e profissionais da educação sobre
como lidar com esta nova geração de estudantes.

Interessados em analisar o conceito de cultura jovem como novidade do pós-guerra


na Europa e particularmente na Grã-Bretanha, os pesquisadores do Centre for
Contemporary Cultural Studies (CCCS) da Universidade de Birmingham, na
Inglaterra, através de sua mais importante obra, a famosa coletânea de textos
intitulada: Resistance Through Rituals: youth subcultures in post-war britain (1993
[1976]), apontarão uma série de mudanças, levantadas por um debate mais amplo,
além da escola e da expansão da educação, como responsáveis pela visibilidade
alcançada pela categoria juventude após os anos 1950. Estes autores destacam
como um dos primeiros fatores o aumento do mercado e do consumo no pós-
guerra que propiciou o crescimento da indústria de lazer voltada para a juventude.
Tal evento teria criado as condições para o desenvolvimento daquele que
consideram o segundo fator responsável pelo destaque da juventude: “a
emergência dos meios de comunicação de massa, dos entretenimentos de massa,
da arte de massa e da cultura de massa” (CLARKE, HALL, JEFFERSON & ROBERTS,
1993:18, trad. minha). Como terceiro conjunto de mudanças que contribuíram para
a produção de uma cultura jovem distinta qualitativamente, os autores apontam a
influência da guerra e o hiato social por ela provocado que teria se refletido entre
as crianças nascidas durante o período dos conflitos na Europa. Por último os
pesquisadores de Birmingham destacam o advento dos estilos distintivos, baseados
em novas maneiras de se vestir e em determinados gêneros musicais como o rock.

Já Margulis e Urresti (1996) chamam a atenção para a necessidade de se atentar


para o modo como a condição de juventude manifesta-se de forma desigual
conforme outros fatores como classe social e/ou gênero. Não se constitui, portanto,
um conceito unívoco. Contudo, ressaltam os autores, assim como não se deve
considerar apenas os critérios biológicos de idade para definir juventude, não se
pode também levar em conta apenas os critérios sociais.

"Ser jovem, portanto, não depende somente da idade como característica biológica,
como condição do corpo. Tampouco depende do setor social, com a conseqüente
possibilidade de aceitar de maneira diferencial a uma moratória, a uma condição de
privilégio. Há que se considerar também o fato geracional: a circunstância cultural
que emana de ser socializado com códigos diferentes, de incorporar novos modos
de perceber e de apreciar, de ser competente em novos hábitos e destrezas,
elementos que distanciam aos recém chegados do mundo das gerações mais
antigas" (MARGULIS & URRESTI, 1996; trad. minha).

Para se pensar as peculiaridades da juventude em relação às outras gerações e


mesmo às especificidades internas aos diversos modos de se vivenciá-la, os autores
trabalharam com as noções de moratória social e moratória vital. Segundo eles, a
partir do século XVIII e XIX a juventude, como uma etapa da vida, passou a ser
vista também como uma camada que detém certos privilégios. Constituiria-se,
então, um período, antes da maturidade biológica e social, marcado por uma maior
permissividade, configurando, desta forma, a moratória social do qual desfrutam
alguns jovens privilegiados por pertencerem a setores sociais mais favorecidos.
Para estes que detêm tal privilégio, o ingresso na vida adulta, com as exigências
requeridas para a entrada na maturidade social, é cada vez mais postergado pelo
aumento do tempo de estudo. Dessa forma, os jovens das camadas populares,
devido, entre outras coisas, ao ingresso prematuro no mercado de trabalho e à
assunção de obrigações familiares (casamento, filhos etc.) em idade reduzida,
teriam sua moratória social diminuída e, por conseqüência, teriam uma vivência
juvenil diversa dos jovens mais abastados. Pois, os jovens das classes populares
“carecem de tempo e dinheiro – moratória social – para viver um período mais ou
menos prolongado de relativa despreocupação” (MARGULIS & URRESTI, 1996; trad.
minha).

Por outro lado, Margulis e Urresti apontam ainda a existência de uma moratória que
consideram complementar à social: a moratória vital. Um período da vida em que
se possui um excedente temporal, um crédito, algo que se tem economizado. Um
elemento que se tem a mais e se pode dispor e que os não jovens teriam mais
reduzido: um certo “capital temporal” ou “capital energético”. “Daí a sensação de
invulnerabilidade que caracteriza os jovens, sua sensação de segurança: a morte
está longe, é inverossímil, pertence ao mundo dos outros, às gerações que os
precederam” (MARGULIS & URRESTI, 1996; trad. minha). E sobre esta moratória
também aparecerão as diferenças sociais e culturais, de classe e/ou de gênero, no
modo de ser jovem, afirmam os mesmos. Haveria, no entanto, a ênfase de alguns
autores apenas na moratória social e que, por isso, tenderia a restringir a condição
de juventude aos setores médios e altos. Isto aconteceria porque se ocultaria ou se
esqueceria este outro lado, que foi definido como moratória vital, comum a todas
as classes. Para estes dois autores, a moratória social definiria então uma certa
noção de juvenil que se expressaria por certos aspectos estéticos e configuraria um
certo privilégio de determinadas classes sociais mais abastadas. Já a moratória vital
definiria uma noção fática de ser jovem comum a todas as classes sociais, marcada
pela energia do corpo, pela distância da morte etc.

"Em conseqüência, pode-se reconhecer a existência de jovens não juvenis – como


é, por exemplo, o caso de muitos jovens dos setores populares que não gozam da
moratória social e não portam os signos que caracterizam hegemonicamente a
juventude -, e não jovens juvenis – como é o caso de certos setores médios e altos
que vêm diminuindo seu crédito vital excedente, mas são capazes de incorporar
tais signos" (MARGULIS & URRESTI, 1996; trad. minha).
Com isso, os autores ressaltam a especificidade de classe nas definições do que é
ser jovem, pois, avisam, há classes nas gerações, assim como há gerações nas
classes. Contudo, eles ressaltam também a especificidade de gênero na definição
de juventude: “a juventude depende também do gênero, do corpo processado pela
sociedade e pela cultura; a condição de juventude se oferece de maneira diferente
para o homem e a mulher” (MARGULIS & URRESTI, 1996; trad. minha). O tempo
transcorreria de maneira diferente para a maioria das mulheres em relação à
maioria dos homens. Entre outros fatores, os autores apontam a questão da
maternidade como um elemento relevante para a definição desta temporalidade
diferenciada, pois ela não alteraria apenas o corpo, mas também o modo como elas
desfrutariam e configurariam a sua juventude. Assim, um homem jovem de classe
alta diferiria de uma mulher jovem de sua mesma classe social, em termos do que
foi denominado como crédito vital e social, porém este mesmo homem se
diferenciaria ainda mais de uma mulher de mesma idade pertencente aos setores
populares. Outros autores também apontarão as singularidades que a noção de
juventude assume conforme as variações de classe social e/ou de gênero. Carles
Feixa (2006), ao discutir as culturas juvenis, também demonstrará a sua
especificidade conforme estes dois fatores, porém, ele também destacará outras
variáveis que definem e são definidas pela noção de juventude, como território,
etnicidade e estilo.

Carles Feixa (1996), em texto no qual aborda o que chamou de Antropologia das
Idades, demonstra como a discussão sobre as idades não é nova na antropologia.
Desde Maine e Morgan, bem como também Frazer e Boas, a idade é considerada,
junto com o sexo, um princípio de organização social universal. Feixa afirma ainda
que a maior parte das etnografias das sociedades não ocidentais ou camponesas
atentou para as estratificações por idade, pois seriam estas fundamentais para o
funcionamento das mesmas. Ele prossegue dizendo que desde Van Gennep o
estudo dos ritos de passagem tornou-se uma área clássica da etnologia. Há
também etnografias pioneiras das sociedades complexas que tratarão do tema
como o estudo de William Foote Whyte (2005 [1943]) sobre os jovens da sociedade
de esquina em um bairro de imigrantes italianos em Boston. Além de inúmeros
outros trabalhos da Escola de Chicago dedicados a tais estudos, como é o caso de
um levantamento sobre as gangues de Chicago feito por Frederic Thrasher (1927).
Feixa enfatiza ainda que o maior best-seller da história da antropologia seria
justamente um livro sobre a adolescência em uma sociedade “primitiva”, Coming
Age in Samoa de Margaret Mead (1928). Contudo, apesar de tais precedentes, é
somente nos últimos anos que o estudo da idade tem começado a se tornar um
objeto de reflexão central e não periférico para a pesquisa e teoria antropológica,
afirma Feixa (1996). Para este autor, uma das chaves para a aproximação
antropológica da idade é considerá-la como uma construção cultural. Isto porque:

"Todos os indivíduos experimentam ao longo de sua vida um desenvolvimento


fisiológico e mental determinado por sua natureza e todos as culturas
compartimentam o curso da biografia em períodos aos quais atribuem
propriedades, que servem para categorizar os indivíduos e pautar seu
comportamento em cada etapa. Mas as formas em que estes períodos, categorias e
pautas se especificam culturalmente são muito variadas" (SAN ROMAN, 1989:130
apud FEIXA, 1996; trad. minha).

Segundo Feixa, nem as fases em que se dividem os ciclos vitais, nem os seus
conteúdos culturais atribuídos a cada uma destas fases são universais. Isso
explicaria o caráter relativo da divisão das idades, cuja terminologia seria
extremamente variável no espaço, no tempo e na estrutura social. Para este autor,
é obvio que a idade como condição natural nem sempre coincide com a idade como
condição social. Ao refletir sobre o modo como estes dois elementos podem definir
as idades, Feixa elabora uma questão clássica: “como interagem natureza e cultura
na definição social das idades?” (1996). Com isso, nos direciona para mais algumas
importantes questões sobre como e por que estudar tal tema. Tais questões podem
ser vistas, por outro lado, mais como pautas possíveis de pesquisa e reflexão para
a antropologia das idades proposta por ele: “em que medida a idade contribui na
conformação de identidades coletivas? Como interage com outros fatores, como a
etnicidade, o gênero, a classe e o território? É uma dimensão central ou marginal
na estrutura social contemporânea?” (FEIXA, 1996; trad. minha). Dessa maneira,
ele também amplia a possibilidade de relações para se pensar uma antropologia da
idade, ou, mais especificamente uma antropologia da juventude, pois se Margulis e
Urresti apontam a classe social e o gênero como fatores importantes para as
definições de juventude, não se pode esquecer que há outros fatores igualmente
relevantes, como os apontados por Feixa, para se pensar as diversas configurações
que a categoria juventude pode assumir. Contudo, se a noção de juventude não
pode ser naturalizada e nem definida de forma unívoca, algumas abordagens
tendem a atribuir um único critério para definir a constituição das denominadas
culturas juvenis em variados contextos. Estas abordagens, conforme expõe José
Machado Pais (2003), dividem-se basicamente em dois enfoques diferentes. Um
deles, que Pais denominou como “corrente geracional”, define as chamadas
culturas juvenis a partir do seu critério etário, ou seja, em relação à “geração
adulta”. “A questão essencial a discutir no âmbito desta corrente diz respeito à
continuidade/descontinuidade dos valores intergeracionais” (PAIS, 2003:48). O
outro modo de tratar os grupos juvenis evidenciado por Pais enfatiza a origem
social destes grupos, tendo, portanto, um enfoque nas diferentes classes sociais em
que os grupos juvenis se inserem, esta última recebe a denominação do autor de
“corrente classista”.

”Com efeito, enquanto para a corrente geracional a reprodução se restringe à


análise das relações intergeracionais, isto é, à análise da conservação ou
sedimentação (ou não) das formas e conteúdos das relações sociais entre gerações,
para a corrente classista, a reprodução social é fundamentalmente vista em termos
de reprodução de gênero, de raça, enfim de classes sociais” (PAIS, 2003:55-56).
Para esta “corrente classista”, as culturas juvenis seriam “culturas de classe”. Por
esse motivo, esta corrente, conforme afirma Pais (2003), seria crítica em relação a
qualquer conceito de juventude, pois, mesmo quando entendida como categoria, a
noção de juventude teria sempre as relações de classe como elemento dominante.
Deste ponto de vista, as culturas juvenis apresentariam sempre um significado
político. Uma das principais correntes que percebem os grupos juvenis a partir de
suas relações políticas e de classe surge no Center for Contemporary Cultural
Studies (CCCS) da Universidade de Birmingham. Para esta linha de pesquisa, os
rituais e os estilos das culturas juvenis manifestariam uma forma de resistência
política. No entanto, em ambas as abordagens, geracional e classista, o conceito de
cultura juvenil surge associado, em contraposição ou não, ao de cultura dominante.
Pode-se afirmar que pela corrente geracional responderiam determinados trabalhos
de caráter mais funcionalista que tenderiam a ver as culturas juvenis definidas por
oposição à cultura dominante das gerações mais velhas, enquanto na corrente
classista as culturas juvenis seriam vistas como em contraposição a uma cultura de
classe dominante. Por esse motivo, nestes dois modos de se discutir as culturas
juvenis aparece a noção de subcultura, definida como uma cultura que seria
subordinada a uma cultura dominante, em acordo ou em desacordo com ela.

Dividido entre qual das duas correntes teóricas utilizar em sua análise sobre a
juventude portuguesa, José Machado Pais decide não adotar nenhuma delas como
pressuposto principal para a análise. Ele afirma procurar se valer da realidade,
revelada através da pesquisa, das diferentes manifestações culturais dos jovens
para, então, definir quais perspectivas que podem orientar a configuração das
culturas juvenis pesquisadas.

"Em vez de teimosamente me agarrar a uma, e uma só, destas correntes teóricas,
o exercício a que me proponho é o de olhar as culturas juvenis a partir de
diferentes ângulos de observação, de tal forma que umas vezes elas aparecerão
como culturas de geração, outras como culturas de classe, outras vezes, ainda,
como culturas de sexo, de rua, etc". (PAIS, 2003:109).

Com relação à abordagem mais funcionalista, que perceberia a juventude a partir


de uma abordagem quase sempre geracional, pode-se dizer que o que eles
denominaram como uma subcultura juvenil cumpriria a função de promover a
transição para a condição social adulta (PARSONS, 1942). Daí o interesse pelas
subculturas desviantes e o tema da delinqüência juvenil tão forte nos estudos de
juventude, principalmente nos Estados Unidos, que apontam para a necessidade de
se integrar tais grupos juvenis ao padrão de normalidade. Em estudo sobre
algumas culturas juvenis na cidade de São Paulo na década de 1980, Helena
Abramo (1994), ao fazer um levantamento da literatura sobre a temática da
juventude ressalta o grande interesse, de parte desta, de se buscar formas de
evitar e de se coibir as chamadas posturas desviantes, permanecendo a noção de
desvio central em muitas pesquisas sobre o assunto.

"A maior parte dos estudos que se debruçam sobre o problema da delinqüência
juvenil ressalta o caráter de resultado de um “defeito” no processo de socialização,
provocado por disfunções no sistema social, e é marcada por uma perspectiva
corretiva, que aponta para a necessidade de “saneamento” das patologias e para a
busca da reintegração desses jovens nos padrões de normalidade" (ABRAMO,
1994).

Dentro da perspectiva das gerações, Eisenstadt (1976) vai denominar os chamados


grupos delinqüentes por grupos etários anormativos.

"Nos casos desses grupos etários anormativos, observa-se uma total discrepância
entre as expectativas e aspirações do grupo juvenil e seus membros e as
expectativas dos adultos em relação a eles. O grupo de referência e os padrões de
símbolos do grupo etário primário são totalmente opostos ao sistema social
existente e o grupo não mantém nenhuma comunicação efetiva com a sociedade
adulta" (EISENSTADT, 1976:288).
Há também, no entanto, enfoques de caráter funcionalista que pensam a relação
das subculturas juvenis a partir de uma relação de classes e de uma não integração
destas à sociedade adulta. Dos autores que abordaram a delinqüência dentro deste
campo das classes sociais, podemos destacar o estudo de Albert Cohen (1968).
Este autor utilizou o termo subcultura delinqüente para designar os problemas de
ajustamento dos grupos juvenis, porém, neste caso, em relação a um determinado
status social. Segundo Cohen (1968:133), a subcultura delinqüente teria como
marca o repúdio aos padrões da classe média. Dessa maneira, ele caracteriza os
problemas da delinqüência juvenil como sendo de status, pois a certas crianças
seria negado o status numa sociedade respeitável. A partir desta impossibilidade de
se enquadrar nos moldes requeridos pelo sistema de posições sociais respeitáveis,
que a subcultura delinqüente trataria desses problemas, oferecendo a tais crianças
os padrões nos quais elas poderiam se adaptar. Porém, apesar de outras
abordagens, como a de Cohen, também anunciarem uma perspectiva de classe
social para se pensar o que foi denominado como subculturas juvenis, conforme já
foi enunciado anteriormente, serão os estudos culturais do CCCS da Universidade
de Birmingham que se destacarão nesta busca de se pensar as culturas juvenis
como subculturas de resistência simbólica, sobretudo de resistência de classe.

"Nós tentaremos, primeiro, realocar o conceito de ‘Cultura Jovem’ com o conceito


mais estrutural de ‘sub-cultura’. Nós, então, queremos reconstruir as ‘subculturas
nos termos de suas relações, primeiro, com as culturas matrizes, e, a partir disto,
com a cultura dominante, ou melhor, com a disputa entre cultura dominante e
culturas subordinadas. Ao tentar levantar esses níveis intermediários no lugar da
idéia imediata e que a tudo engloba de ‘Cultura Jovem’, nós tentamos mostra como
as sub-culturas jovens estão ligadas às relações de classe, à divisão do trabalho e
às relações produtivas da sociedade, sem destruir o que é específico para sua
constituição e posição" (CLARKE, HALL, JEFFERSON & ROBERTS, 1993:16; trad.
minha).

Entre as diversas linhas de pesquisas desenvolvidas pela Escola de Birmingham,


destacou-se esta que se dedicou a pesquisar os diversos estilos dos diferentes
grupos juvenis surgidos no pós-guerra, como os teds, os rockers, os mods, os
rastafaris, os skinheads etc. O pensamento deste centro de estudos culturais de
Birmingham tornou-se a “nova ortodoxia sobre juventude”, conforme afirma
Hermano Vianna (1997) ao citar as críticas de Gary Clarke (1990) ao pensamento
dos pesquisadores de Birmingham. Ortodoxia, que, segundo Vianna, teria como
bíblia o livro Resistance Through Rituals, organizado por Stuart Hall e Tony
Jefferson (1993 [1976]), que se tornou um dos livros mais influentes nos estudos
sobre as culturas juvenis. O estilo dos grupos juvenis era visto pelos pesquisadores
de Birmingham como uma forma de recusa e a noção de subcultura como a
demonstração de formas expressivas e rituais de grupos subordinados.

Segundo Dick Hebdige (1994), um dos expoentes da Escola de Birmingham, esta


recusa, resistência ou resposta subcultural a uma cultura dominante representa
uma síntese no nível do estilo das formas de adaptação, negociação e resistência
elaboradas através da cultura parental (ou matriz) e de outras mais imediatas,
conjunturais e específicas para os jovens. Hebdige (1994) defende que a adoção da
idéia de estilo, pela Escola de Birmingham, como um código responsável por
mudanças afetando a comunidade inteira, teria literalmente transformado o estudo
das “culturas juvenis espetaculares”. Muito da pesquisa apresentada em Resistance
Through Rituals estivera baseada no pressuposto básico de que o estilo poderia ser
lido desse modo, afirmou Hebdige (1994). Utilizando o conceito de hegemonia de
Gramsci, os autores de Birmingham em Resistance Through Rituals interpretaram a
sucessão de estilos culturais juvenis como formas simbólicas de resistência, como
sintomas espetaculares de um desacordo mais amplo com o período do pós-guerra.

Hebdige (1994) dirige também algumas críticas aos estudos sobre juventude
baseados na observação participante, como o de William Foote Whyte sobre os
jovens de uma gangue italiana em Boston, porque, segundo ele, haveria nestes a
ausência de qualquer estrutura analítica ou explicativa. No entanto, para Hebdige,
além dessa suposta inexistência de uma análise ou explicação, um dos problemas
mais graves das pesquisas que têm a observação participante como método seria a
negligência da importância das relações de poder e de classe. Pois, segundo ele,
nos relatos das pesquisas que adotam a observação participante, a subcultura
tenderia a ser apresentada como se funcionasse independente dos contextos
sociais, políticos e econômicos mais amplos. Portanto, completa Hebdige afirmando
que o resultado da abordagem feita pela observação participante seria um retrato
da subcultura, na maioria das vezes, incompleto (1994:76). Porém, se Hebdige
critica a observação participante, pode-se dizer que talvez um dos grandes
problemas de seu trabalho sobre as subculturas na Grã-Bretanha (mais
particularmente sua pesquisa sobre os punks na Inglaterra), bem como dos estudos
de Birmingham sobre as culturas juvenis de uma maneira geral, seja, justamente, a
ausência de uma descrição etnográfica mais aprofundada do modo como elas
atuam e de como os jovens se relacionam dentro dela. Ou seja, opta-se por
discussões teóricas mais generalizantes e não se discute “o que as subculturas de
fato fazem e qual o significado destas atividades para os próprios jovens”
(FERNANDES & FREIRE FILHO, 2005:3). Isto porque, tal descrição aprofundada só
se faz possível pelo método da observação participante, que, em grande medida, é
negligenciado pelos pesquisadores de Birmingham .

Uma questão bastante discutida na literatura sobre juventude diz respeito a qual
terminologia se utilizar para designar os grupos de jovens que se articulam em
torno de uma mesma prática e de um determinado estilo. Conforme já foi visto,
subcultura e cultura juvenil são duas das denominações possíveis. Entretanto, há
um outro termo muito utilizado, principalmente pela mídia, para se nomear
algumas manifestações juvenis: “tribos urbanas”. A idéia de tribo urbana evoca,
como afirma José Guilherme Magnani, “pequenos grupos bem delimitados, com
regras e costumes particulares em contraste com o caráter homogêneo e
massificado que comumente se atribui ao estilo de vida das grandes cidades”
(1992:49). O autor demonstra como esta acepção de “tribo” é utilizada de uma
maneira totalmente contrária de seu sentido original, empregado pela etnologia no
estudo de sociedades de pequena escala. Pois, “tribo”, neste emprego técnico,
configura: “uma forma de organização mais ampla que vai além das divisões de clã
ou linhagem de um lado e da aldeia, de outro. Trata-se de um pacto que aciona
lealdades para além dos particularismos de grupos domésticos e locais” (MAGNANI,
1992:49).

Assim, se “tribo” em seu contexto original denota alianças mais amplas, nesta sua
outra utilização, direcionada para as sociedades urbano-industriais, aponta-se para
os particularismos, para grupos bem delimitados. Entretanto, há um outro
problema no emprego do termo, pois a idéia de “tribo”, quando aplicada aos grupos
urbanos, em especial aos formados por jovens, não apenas destoa de seu sentido
original, como também se mostra inadequada no modo como se quer abordar estes
grupos, que não podem ser vistos como uma comunidade homogênea, conforme o
termo evoca.

"Sob esta denominação costuma-se designar grupos cujos integrantes vivem


simultânea ou alternadamente muitas realidades e papéis, assumindo sua tribo
apenas em determinados períodos ou lugares. É o caso, por exemplo, do rapper
que oito horas por dia é Office-boy, do vestibulando que nos fins de semana é
rockabilly; do bancário que só após o expediente é clubber; do universitário que à
noite é gótico; do secundarista que nas madrugadas é pichador, e assim por
diante" (MAGNANI, 1992:51).

Outro problema apontado por alguns especialistas sobre o emprego da noção de


tribos urbanas é a tendência em apenas se ressaltar um certo exotismo de alguns
grupos juvenis e mesmo aspectos marginais e/ou rebeldes dos mesmos. Segundo
Magnani (2005), o uso da expressão tribos urbanas teve grande influência do livro
O tempo das tribos de Michel Maffesoli (1987), que analisaria, nesta obra, os
jovens nos centros urbanos a partir da perspectiva do nomadismo, da
fragmentação e de um certo tipo de consumo. “O aspecto central era mostrar o
lado “afetual” de microgrupos caracterizados como um tipo de comunidade
emocional: são efêmeros, de inscrição local, desprovidos de organização”
(MAGNANI, 2005:174). Em livro, escrito por três autores espanhóis (COSTA,
TORNERO & TROPEA, 1996) da área de ciências da comunicação, que tem como
título, não por acaso, Tribus Urbanas , aponta-se para caracterizar as tais tribos,
tanto a idéia de uma afetividade grupal, claramente inspirada nas reflexões de
Maffesoli, como um certo espírito de rebeldia e marginalidade que a maioria delas
tenderia a exaltar e expressar como forma de contestação à sociedade adulta ou às
suas instituições. José Machado Pais (2004), em uma coletânea de pesquisas sobre
jovens no Brasil e em Portugal também intitulada Tribos Urbanas , cujos
organizadores são o próprio Pais e Leila Blass, destaca esta busca pelo exótico, por
parte principalmente da mídia, expressada através de termos estigmatizantes como
tribos urbanas, mas também gangues e bandos.

"Logo nos demos conta de como as abordagens do senso comum e dos mass media
sobre o fenômeno das tribos urbanas buscavam um 'outro' crítico para o etiquetar,
da mesma forma que a velha etnografia farejava o exótico para melhor o colonizar"
(PAIS, 2004:9).

Embora tenha demonstrado preocupação inicial com a exotização e os equívocos


aos quais a expressão poderia levar, Pais não abandona, pelo menos neste texto, a
idéia de tribos urbanas e vai ao significado etimológico do termo tribo para justificar
o seu uso. Conforme Pais (2004:12), “tribo é um elemento de composição de
palavras que exprime a idéia de atrito”. O autor então resume a idéia de tribo, com
base em sua etimologia, como “uma resistência de corpos que se opõem quando se
confrontam”. Para Pais, a dimensão de uma resistência grupal que estaria ligada à
idéia de atrito, seria encontrada no modo como as tribos urbanas se manifestam.
Dentro da concepção do autor, a designação “tribo juvenil” traduziria sociabilidades
juvenis contestatórias e subversivas.

Carles Feixa (2004) afirma, na introdução ao número 64 da Revista de Estúdios de


Juventud, intitulado De las tribus urbanas a las culturas juveniles, que haveria uma
mudança do enfoque das pesquisas acadêmicas da idéia de tribos urbanas para a
de culturas juvenis. Porque, segundo ele, o primeiro termo, o mais difundido, seria
o mais marcado por sua origem midiática e seus conteúdos estigmatizantes,
enquanto o segundo seria o mais utilizado pela literatura acadêmica internacional,
estando quase sempre vinculado aos estudos culturais. Esta mudança de
perspectiva implicaria também numa mudança no modo como o tema seria
estudado. Pois, tratar-se-á mais das identidades, das estratégias, da vida cotidiana,
do tempo livre e dos autores ao invés de se olhar, como acontece com muitas das
abordagens que utilizam o termo tribos urbanas, apenas para a marginalidade, as
aparências, o espetacular, a delinqüência ou as imagens. Pois, segundo Feixa:

"Em um sentido amplo, as culturas juvenis referem-se à maneira com a qual as


experiências sociais dos jovens são expressas coletivamente mediante a construção
de estilos de vida distintivos, localizados fundamentalmente no tempo livre, ou em
espaços intersticiais da vida institucional. Em um sentido mais restringido, definem
a aparição de “microsociedades juvenis”, com graus significativos de autonomia em
relação às “instituições adultas”, que se servem de espaços e tempos específicos"
(FEIXA, 2004:7; trad. minha).

Em outro texto, Feixa (2006) apresentará motivo parecido, ao exposto na discussão


sobre tribos, para não utilizar a designação subcultura para se referir às práticas
dos grupos juvenis, mas sim culturas juvenis. Conforme este autor, o emprego do
termo culturas em vez de subculturas, que, segundo ele, seria um conceito mais
correto, teria como finalidade se afastar dos usos que enfatizam a questão do
desvio, muito encontrados nas aplicações do segundo termo. Feixa afirma ainda
falar de culturas no plural e não de cultura juvenil no singular, como se pode
encontrar em grande parte da literatura sobre o tema, para que seja enfatizado o
caráter de heterogeneidade interna das culturas juvenis.

Na busca de um enfoque que pudesse articular os comportamentos dos jovens com


os espaços, as instituições e os equipamentos urbanos, Magnani (2005) oferece
uma alternativa tanto às abordagens dos estudos culturais como àquelas das tribos
urbanas, tentando, no entanto, estabelecer um diálogo na forma de contraposição
e/ou complementaridade com eles. Com isso, ao invés de privilegiar a condição de
“jovens”, ele destaca as diferentes inserções destes na paisagem urbana, captadas
pela etnografia dos espaços freqüentados pelos jovens e pelos parceiros com quem
estes estabelecem trocas na cidade. Desse modo, o que se enfatiza, por um lado,
são as diferentes formas de sociabilidade desenvolvidas pelos jovens e não tanto as
pautas de consumo e estilos espetaculares ligados à questão geracional e, por
outro lado, as permanências e regularidades, em detrimento da fragmentação e do
nomadismo.

Feixa (2006) também evidencia a importância de se pensar o território na análise


dos grupos juvenis, pois, segundo ele, ainda que este possa coincidir com outras
noções, como as de classe e etnia, é preciso considerá-lo de maneira específica.
Feixa demonstra como as culturas juvenis têm sido um fenômeno essencialmente
urbano, mais precisamente metropolitano, nascendo nas grandes cidades dos
países ocidentais. Dessa maneira, a ação dos jovens pode redescobrir territórios
urbanos esquecidos ou marginais, dotando-os de novos significados, humanizando
praças e ruas, dando-lhes usos imprevistos.

"Através das festas, das rotas de ócio, mas também através do grafite e de outras
manifestações, diversas gerações de jovens têm recuperado espaços públicos que
tinham se tornado invisíveis, questionando os discursos dominantes sobre a cidade.
Na escola local, a emergência de culturas juvenis pode responder a identidades de
bairro, a dialéticas de centro-periferia, que é preciso desentranhar. Por um lado, as
culturas juvenis se adaptam ao seu contexto ecológico (estabelecendo-se uma
simbiose às vezes insólita entre estilo e meio). Por outro lado, as culturas juvenis
criam um território próprio, apropriando-se de determinados espaços urbanos que
distinguem com suas marcas: a esquina, a rua, a parede, o local de baile, a
discoteca, o centro urbano, as zonas de lazer etc". (FEIXA, 2006:117; trad. minha).

Contudo, nos trabalhos de pesquisa sobre juventude e cidade, coordenados por


Magnani no Núcleo de Antropologia Urbana da USP, cuja coletânea de textos
encontra-se no prelo , além da articulação entre estas duas variáveis, juventude e
espaço urbano, percebe-se a relação com outros elementos igualmente
importantes para a configuração das particularidades de determinados grupos de
jovens. Como exemplo, pode-se perceber a questão da etnicidade presente em
alguns dos enfoques. Esse é o caso do trabalho de Márcio Macedo sobre as baladas
blacks e rodas de samba em São Paulo que mostra como os jovens negros
articulam práticas de lazer na cidade, evidenciando assim a interface com a questão
racial ou de etnicidade. Uma certa idéia de etnicidade também aparece em
pesquisa de Daniela Alfonsi sobre o forró universitário e sua relação com o forró
cantado e dançado pelos migrantes nordestinos em lugares como o Centro de
Tradição Nordestinas e a construção do que é ser nordestino presente nas duas
formas de se fazer e dançar forró. O tema é retomado no texto de Fernanda
Noronha, Renata Toledo e Paula Pires sobre a relação entre os dançarinos de break
do hip hop e jovens descendentes de japoneses que dançam street dance no
espaço externo de uma estação do metrô em São Paulo. Nas diversas pesquisas
realizadas no Núcleo de Antropologia Urbana, muitos outros fatores foram
articulados com a questão da juventude e da cidade, como a de uma distinção de
origem social presente na sofisticada mancha de lazer do bairro da Vila Olímpia,
mas também entre os pichadores; da moda na Galeria Ouro Fino; da música e da
dança no caso dos jovens instrumentistas, dos straight edges, do forró
universitário, das baladas blacks, entre outros; ou da religião no caso da pesquisa
sobre as “baladas do senhor” que trata das práticas de lazer de jovens evangélicos
e carismáticos. Enfim, as referências de temas aos quais estas pesquisas sobre os
circuitos de lazer de jovens em São Paulo remetem são muitas. Entretanto, diante
desta diversidade de objetos e de tópicos de pesquisa, o elemento que, de uma
certa forma, atribui uma unidade para todos os textos foi a busca que todos os
autores empreenderam em tentar perceber quais os arranjos que estes jovens e
seus grupos construíam na cidade (com o espaço urbano e com outros grupos) para
nela configurarem seus circuitos de lazer e redes de sociabilidade.

Além do que já foi apresentado, há ainda um outro tema que perpassou todos estas
pesquisas realizadas no âmbito do Núcleo de Antropologia Urbana: o do tempo livre
ou do lazer. Retomando a discussão sobre a noção de juventude realizada até aqui,
percebemos que, de uma forma ou de outra, esta questão constituiu-se também
em um elemento importante para praticamente todas as análises. Embora o lazer
ou a fruição do tempo livre não seja uma prática cultural exclusiva dos jovens, esta
parece ter tornado-se um elemento importante da representação construída a
respeito do jovem na sociedade atual. Desde as discussões da Escola de
Birmingham, a temática já estava presente na demonstração da configuração dos
estilos espetaculares articulados a manifestações de lazer, ou de ocupação do
tempo livre. A relação da juventude com o tempo livre é também destacada por
Feixa (2004) e por diversos outros pesquisadores que lidam com essa questão.
Helena Abramo (1994) aponta o lazer como uma das dimensões mais significativas
na vida dos jovens, sendo este um espaço importante para a sociabilidade e
estruturação de identidades individuais e coletivas. Para Luís Antonio Groppo
(2000), no lazer é que os jovens encontram locais e momentos favoráveis para as
atividades diferenciadas e relativamente autônomas em relação aos adultos. Indo
ao encontro do que afirma Groppo, José Machado Pais (2003), por sua vez,
ressaltará a ligação existente entre a sociologia da juventude e a sociologia do
lazer, demonstrando o constante interesse de uma certa sociologia da juventude
pelo tema do lazer.

"Grande parte da sociologia da juventude tem passado pela sociologia do lazer.


Pode mesmo dizer-se que quem não quiser falar de lazer deve calar-se se sobre
juventude quiser falar. Porquê este insistente e tradicional interesse da sociologia
da juventude pelos lazeres juvenis? Provavelmente, e é uma hipótese a confirmar,
porque é no domínio do lazer que as culturas juvenis adquirem maior visibilidade e
expressão" (PAIS, 2003:159).

Margulis e Urresti (1996), no entanto, tentam relativizar a relação da juventude


com o tempo livre através dos conceitos de moratória social e moratória vital,
sendo que o primeiro configuraria uma relação mais estreita com um tempo livre
disponível para determinada classe de privilegiados, o segundo faria referência a
um certo capital temporal e energético que diferenciaria determinada geração das
suas precedentes. Neste último caso, ser jovem não necessariamente guardaria
relações com as práticas de lazer, mas com o seu curso de vida, o modo de
relacionar-se com o seu tempo e com os indivíduos de sua geração e das
anteriores. Entretanto, o próprio Margulis (1994) organiza um livro sobre o lazer
noturno dos jovens de Buenos Aires, demonstrando o quanto esta é, a despeito da
discussão feita, uma chave relevante para se pensar a juventude na atualidade.
Além disso, se o lazer estaria mais presente como elemento constitutivo entre os
jovens das camadas sociais mais privilegiadas, pode-se dizer que esta associação
feita entre jovens e lazer acaba difundindo-se também para as outras camadas
menos favorecidas economicamente, embora esta associação possa configurar-se
de maneira diferente em cada contexto. O que demonstra, portanto, a importância
de, ao se discutir a noção de juventude, também se problematizar a idéia de lazer,
refletindo sobre como estes dois elementos articulam-se entre si e com outros
fatores. Mesmo autores que inicialmente não buscavam discutir a questão do lazer,
ao pesquisar certos aspectos da juventude acabam chegando a esta temática, é o
que afirma Maria Marques (1997) que, analisando como os jovens construíam sua
identidade pessoal a partir de suas relações com a escola, a família e o trabalho,
constata também a importância do lazer para os sujeitos pesquisados.

"As entrevistas e contatos com estes jovens permitiram-nos perceber o quanto é


importante para eles os momentos de lazer, de descontração. Daí os constantes
conflitos com a família que, educada na ética do trabalho árduo, vê no ócio dos
jovens o perigo da rua" (MARQUES, 1997:73).

Nota-se também que, além do lazer, um outro fator aparece de forma bastante
forte nas representações produzidas a respeito da juventude: a violência. Assim
como os trabalhos que enfocam a relação dos jovens com o lazer não são recentes,
pode-se dizer que a análise da incidência da violência entre os jovens é um tema
que marca as pesquisas realizadas no âmbito das Ciências Sociais sobre a
juventude há muito tempo. A questão da formação das gangues e da delinqüência
juvenil já é analisada desde os anos 1920 nos Estados Unidos pela Escola de
Chicago, com destaque para o trabalho de Trasher (1927) sobre as gangues. Assim
como acontece com a questão do lazer, a proximidade com a violência não é
exclusiva do segmento jovem, mas um fenômeno que afeta todos os outros
segmentos etários, se assim se pode denominá-los. No entanto, os jovens
aparecem cada vez mais relacionados a esta questão, ora nas representações
produzidas sobre eles, ora nas estatísticas sobre a violência que apontam o jovem
como, ao mesmo tempo, autor e vítima principal de atos de violência. Marília
Sposito (2003) aponta para esta associação entre violência e juventude ocorrida
hoje no Brasil, particularmente, a partir do crescimento da violência na sociedade
de uma maneira geral e da disseminação das quadrilhas organizadas em torno do
narcotráfico. Entretanto, assinala Sposito (2003:23) que “é preciso ressaltar que os
segmentos juvenis da sociedade brasileira, embora apareçam quase sempre como
protagonistas, são muito mais vítimas do que responsáveis”.

Assim, se durante muito tempo a rebeldia contra a ordem vigente e o protagonismo


político foram, principalmente nas décadas de 1960 e 1970, os fatores que se
destacavam nas representações que se fazia da juventude, vista por muitos como a
categoria social que conduziria uma transformação política , pode-se dizer que
atualmente, embora esta dimensão política associada à juventude não tenha se
extinguido, são os temas do lazer e da violência que aparecem (ou reaparecem)
como campos destacados de ação dos jovens. Uma análise mais aprofundada sobre
a juventude atual deve, portanto, apreender estas duas esferas, mas sempre
observando o quanto elas se misturam e se sobrepõem na prática cotidiana dos
jovens e não as percebendo apenas como elementos dicotômicos, que se excluem,
conforme discussões que tendem a afirmar a dimensão do lazer como antídoto para
se acabar com a violência, com a presença de um implicando na ausência do outro.

À guisa de conclusão, talvez seja o caso de concordar, ao menos em parte, com a


afirmação de Bourdieu de que a juventude seria apenas uma palavra. Uma vez que,
entendida de forma isolada, a noção de juventude poderia realmente ser apenas
uma palavra, pois só faria sentido na contraposição com algo ou alguém que seja
mais velho e dessa forma, portanto, diria muito pouco. No entanto, esta noção
pode fazer muitos outros sentidos e proporcionar diversas possibilidades de
apreensão se articulada com outros elementos como cidade ou espaço urbano,
etnicidade, corpo, gênero, classe social e até mesmo lazer e violência já apontados
acima. Assim, quem sabe, estes elementos não possam conferir múltiplos sentidos
a idéia de juventude, bem como esta também possa aferir novas maneiras de se
compreender estas outras categorias. Podendo, inclusive, mais de uma destas
variáveis se relacionarem ao mesmo tempo com a noção de juventude para
produzir novos arranjos culturais.

Notas

Os temas da indisciplina escolar e da crise de autoridade do professor em sala de aula constituem duas das
principais questões levantadas pelos profissionais da educação, ao tratarem da “crise atual” da educação. Para
uma discussão mais aprofundada: AQUINO, 1998, “A indisciplina e a escola atual”.

Guita Debert (2004) faz uma discussão semelhante ao tratar do que denominou como cultura adulta.
Segundo ela, a juventude teria se tornado um valor que poderia ser adquirido em qualquer idade. A partir
disso, afirma Debert que a idéia de juventude teria se descolado de uma determinada faixa etária,
transformando-se em um bem conquistado através de certos estilos de vida e formas de consumo que
expressariam uma condição juvenil.

Sendo o trabalho de Paul Willis (1991) uma das exceções.

Tribus Urbana. El ânsia de identidad juvenil: entre el culto a la imagen y la autoafirmación a través de la
violencia, Barcelona & Buenos Aires, 1996.

Tribos Urbanas: produção artística e identidades, São Paulo, 2004.

As pesquisas que compõem a coletânea foram apresentadas resumidamente em artigo de Magnani sobre o
circuito dos jovens na cidade de São Paulo. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v.17, n.2, nov. 2005.

Sobre os jovens como condutores de uma suposta transformação política, ver FORACCHI (1965) e IANNI
(1968) .

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