Apostila - Teologia Contemporânea
Apostila - Teologia Contemporânea
Apostila - Teologia Contemporânea
Agosto / 2021
Professores/autores: Dr. Jonathan Menezes / Me. Felipe Nakamura / Me. Mariana Schietti
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de desenvolvimento institucional
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
UNIDADE II - CONTEMPORANEIDADE
1.0. Introdução........................................................................................................................04
1.1. Repensando a Teologia Contemporânea......................................................................05
1.2. O que significa ser contemporâneo?...............................................................................10
1.3. Resistindo à tirania do contemporâneo.........................................................................24
UNIDADE II - PESSOA
2.0. Introdução........................................................................................................................40
2.1. A pessoa entre o verdadeiro e o falso “eu”....................................................................42
2.2. A pessoa e sua autoimagem...........................................................................................48
2.3. A pessoa e o cansaço contemporâneo.........................................................................54
UNIDADE IV - IGREJA
4.0. Introdução........................................................................................................................97
4.1. Tradição e contextualização..........................................................................................99
4.2. Caminhos para o diálogo..............................................................................................110
Mas será que isso é “ser contemporâneo”? Até que ponto a ânsia pela
atualização, implícita nessa dada compreensão, está de acordo e/ou entra
em choque com as “exigências do Espírito” (do Evangelho)? Em outras
palavras, qual é o preço que estamos dispostos a pagar para conseguir
uma audiência no mundo chamado contemporâneo? Para responder a
essas e outras questões, vamos dialogar principalmente com dois textos
que estão mais ou menos em sintonia: um texto da década de 1960,
de um místico franco-americano, Thomas Merton; e um texto dos anos
2000, de um filósofo italiano, Giorgio Agamben.
Objetivos da unidade
1. Definir “contemporâneo” e “contemporaneidade”;
E o que vale para nossa relação com os objetos, vale também para nossa
relação com as pessoas. Uma ambiguidade deve ser notada aqui: se,
por um lado, deve-se dizer que relacionamentos nos humanizam e nos
aproximam desse “despertar do eu” sobre o qual fala Merton, por outro,
há que se ponderar que o efeito oposto às vezes também é produzido
nas relações, quando não nos treinamos a reconhecer e a respeitar
limites. Relações maduras, contudo, pressupõem o respeito mútuo pela
Para tanto, ela precisa desenvolver uma atenção e postura tais em sua
própria época de tomar parte nos meandros do mundo sem deixar-se
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prejudicar ou perder-se por seus feitiços. Como isso é possível? Isto é,
como ser contemporâneo e, ao mesmo tempo, resistir às pressões ou
tiranias do contemporâneo?
Assim como não é possível pensar numa Igreja fora da pessoa, também
não se pode pensar numa Igreja fora do mundo, já que tanto a Igreja
quanto o mundo são instituições pessoais, por assim dizer. As mesmas
pessoas que compõem e fazem pulsar a Igreja, também compõem e
fazem pulsar o mundo. Os mesmos ódios, medos, esperanças, alegrias,
tristezas, bondade e crueldade que fazem do mundo um mundo, também
habitam no interior da Igreja de Cristo. O mesmo Cristo, universalmente
presente nas entranhas do mundo, é o “Cabeça da Igreja” (1 Co 12.27),
que é seu corpo. Que diferença há, portanto, entre mundo e Igreja? A
consciência, no caso da Igreja, de sua existência somente em Cristo – o
que seria do corpo sem a cabeça? –, e assunção de uma vocação, de
uma tarefa, de uma missão reconciliadora no mundo, a partir de uma
experiência profundamente revolucionária de vida que ela tem em e com
o “Cristo Universal” (De Chardin, 2014; Rohr, 2019). Seu comprometimento
primordial, portanto, não é com qualquer agenda oriunda do mundo e
seus modos de operar, mas (para evocar de novo Agamben) com o seu
“fim”, com a sua “vocação messiânica”, com o reinado de Deus tal como
inaugurado em Jesus Cristo.
A mesma concessão não foi feita por Merton ao bispo Robinson e seus
ímpetos de honestidade com Deus e o mundo. Gostaríamos de apontar
três razões, presentes em seu texto (formuladas por nossa apreensão
do que ele apresenta nestas linhas), que denotam isto e explicam sua
polêmica com esta escola do ser contemporâneo, identificada com
Bonhoeffer e Robinson.
Em primeiro lugar, sua premissa de origem não é nova, nem original. Qual
seja, a de dizer que nossos símbolos, linguagens e imagens de Deus não
dão conta de quem Deus é, ou não comunicam plenamente a realidade
dos mistérios que “nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais
penetrou em coração humano” (1Co 2.9). A tradição da teologia apofática,
também conhecida como “via negativa”, que vem do Pseudo-Dionísio e
dos padres capadócios do século IV, até místicos como o já citado João
da Cruz, De Chardin e o próprio Merton, dentre outros, sempre ensinou
que, “se dizemos que ‘Deus é’, significando que nele há plenitude de tudo
que podemos conceber como Ser, devemos completar dizendo também
‘Deus não é’” (Merton, 2018b, p. 27). Ora, o “Ser” está ao mesmo tempo
além de tudo o que podemos considerar como existindo e é a base de
toda existência. Desta feita, é irrelevante dizer que se acredita ou não na
existência de Deus, pois, de fato, Deus não existe, Deus é.
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Entretanto, como explica Merton (2018b, p. 27):
Algumas perguntas surgem daí: “Se podemos dispensar Deus, por que
não o amor? Por que a lógica de kenosis para exatamente onde para?
Não podemos dizer que a fé num Deus vivo, que se revela como amor,
não é mais consistente, afinal?” (Merton, 2018b, p. 35-36). O paradoxo
se faz evidente, na visão de Merton: ao rejeitar a crença em Deus sob a
premissa de uma confiança em si mesmo (maioridade), os modernos
acabaram forjando outro tipo de credulidade, materialista e secular, mas
ainda assim uma forma de crença. E o problema todo, para ele, é que os
cristãos estavam usando “a linguagem dessa ‘crença’ para tornar sua fé
compreensível ao homem moderno” (Merton, 2018b, p. 36), e com isso
abandonando sua “vocação messiânica”, para usar de novo o termo de
Agamben. O que nos conduz à terceira e última razão...
Nesse sentido, o diálogo com Merton neste último tópico foi interessante
não tanto pelos exemplos por ele escolhidos como objeto de sua crítica
– não negamos aqui, por sinal, o mérito e a importância da obra do bispo
Robinson, muito menos a de Bonhoeffer –, mas pela exemplificação na
prática, isto é, por meio da práxis de Merton como monge contemplativo e
escritor do século XX, das teses sobre o que significa ser contemporâneo
apresentadas por Agamben. Sua trajetória, aliás, não somente suas
ideias, perfaz o que chamamos aqui de uma “coincidência inconformada”:
desempenhar sua vocação no mundo coincidindo (isto é, incidindo junto,
encontrando-se) com as questões candentes de sua época sem, no
entanto, conformar-se com todos os seus meandros.
JOHN Mayer. Sob Rock. Album. New York City: Columbia Records, 2021.
Webgrafia
AGAMBEN, Giorgio. Cristianismo como religião: a vocação messiânica. In:
IHU On-line, 25 de Maio 2017. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.
br/174-noticias/noticias-2010/567993-cristianismo-como-religiao-a-
vocacao-messianica-artigo-de-giorgio-agamben>. Acesso em 17 Julho
2021.
Vamos iniciar essa unidade falando sobre a alma, que aqui definimos
como a habitação de nosso ser mais profundo, onde nossos anseios e
desejos mais primordiais são originados e que, obviamente, se realiza em
um corpo (para não reforçar dualismos). Corpo que sente, sofre, padece
e, também, se revitaliza a partir do que acontece no interior ou na alma,
afinal, somos um todo interligado. É na e através da alma que sentimos
e pulsamos Deus com mais vivacidade, como também onde sofremos
a angústia de seu silêncio e aparente ausência. A alma é o esconderijo
de nosso verdadeiro ser, de nosso ser destituído das pretensões e das
ilusões do ego – o que é o ego e o verdadeiro ser será matéria de nossa
conversa adiante. Então, o que designamos como “alma”, aqui, receberá
outros nomes ao longo dessa abordagem, tais como “verdadeiro-eu”,
“verdadeiro si-mesmo”, ou nosso “eu mais profundo”.
Nesse horizonte, não pode ser menos importante perguntar: afinal, quem
é a pessoa humana, isto é, quem sou eu, quem é você? Não pretendemos,
nem nesta unidade dedicada a isso ou mesmo ao longo do curso, dar a
resposta sobre quem você é, mas compartilhar alguns achados como
pessoas que também estão em busca.
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Objetivos da unidade
1. Reconhecer a importância da noção de “ego” para entendimento da
pessoa e diferenciar as noções de “verdadeiro” e “falso eu”;
Ora, sabemos que a mensagem bíblica diz que Deus é Santo: “Mas, assim
como é santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em
tudo o que fizerem, pois está escrito: ‘Sejam santos, porque eu sou santo”
(1Pe 1.15-16). Dizer, em primeiro lugar, que “Deus é santo” é o mesmo
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que dizer que Ele é único: incomparável, está “acima de todo nome”,
não há outro igual a Ele, que não é e nem pode ser idêntico a outros
deuses, tampouco às formas, fórmulas ou nomes que tentam descrevê-
lo. E recomendar, em segundo lugar, que “sejamos santos como Deus é”
significa aceitar este “sim” gratuito de Deus e ser único, singular, como
é o Deus que nos deu essa vida. Afinal, não há nenhum outro ser vivente
ou pessoa que seja idêntica a mim no universo. Por que razão macularei
a santidade da vida tentando representar um personagem, imitar outro
alguém ou ser quem não sou? Isto tem nome, chama-se “pecado” ou
traição à santidade. Na definição de Merton (1999, p. 39), portanto, “ser
santo significa ser eu mesmo”, o que não é possível senão na comunhão
entre caridade (amor) e graça. Isso, por outro lado, engendra uma dupla
relação com a minha humanidade: (1) ser santo é assumir-se como ser
humano: a santidade se realiza na humanidade (como quero discutir mais
detidamente na próxima aula); e (2) ser santo é também ser mais que
humano: a santidade é aquilo que a humanidade, sozinha, não realiza.
Mas o que o ser humano, sim, realiza no gozo relativo de suas liberdades
é o ato de decisão sobre o que ou quem será na vida, o que inclui a
decisão sobre se deseja ou não se aprofundar no conhecimento de quem
é, habitando conscientemente seu interior, ou permanecer apenas na
superfície, como turista em sua própria vida – frequenta seus espaços
sem nenhum compromisso com a transformação deles; ou gravita
apenas na “circunferência” da vida sem tomar a jornada que conduz até
o “centro” da vida, tornando-se pessoas excêntricas (literalmente fora
do centro) e não centradas, como postulou Richard Rohr (2003, pp. 13-
27). Como salienta Merton (1999, p. 39), “temos a liberdade de ser reais
ou irreais. Podemos ser verdadeiros ou falsos; a opção nos pertence.
Podemos usar ora tal máscara, ora outra e nunca, se o desejarmos,
aparecer com o nosso verdadeiro rosto”. Assim, o problema da santidade,
para Merton, necessariamente evoca o problema, que vimos enunciando
desde o início desta unidade, da “procura de quem sou e da descoberta
de meu verdadeiro ser” (idem).
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Nesse contexto, Merton apresenta suas noções de “eu” verdadeiro e
falso. Segundo ele, cada um de nós é acompanhado pela “sombra” de
uma pessoa ilusória ou de um “eu falso” ou “falso si-mesmo”. O eu falso é
o ser humano que eu quero ser, e todas as suas ornamentações externas
(identidades, títulos e posições provisórias às quais este “eu” se agarra
a fim de se afirmar, para si e para os outros), mas que “não pode existir,
porque Deus não o conhece” (Merton, 1999, p. 42). Rohr (2010, p. 12)
afirma que esse “eu” é um “self separado” (de Deus e das outras pessoas),
pois escolhe viver “a partir da divisão, tem a necessidade de expor-se,
colocar-se em cena, supervalorizar-se, incensar-se”. Você certamente
conhece alguém assim ou, se exercitar a coragem da honestidade, talvez
se reconheça um pouco nesta descrição. Não confundamos, porém, a
separação aqui em jogo com um mero apartar-se solitário. Para que o
self-separado seja é necessário que outros (Deus e o próximo) não sejam,
que é a definição que C. S. Lewis (2005, p. 162) deu para orgulho, e por
isso ele o chamou de “estado mental mais oposto a Deus que existe”.
Para não nos estender demais neste ponto, o que une esses três autores
(Merton, Rohr e Tolle) é a percepção de que existe um “eu” que antecede
todas essas identificações em torno das quais nossa identidade se formou,
antes que começássemos a interpretar papéis e a desempenhar funções
e anos aferrar tanto a elas, transformando-as em ídolos muitas vezes. Um
“eu-infantil”, uma parte de nós “que sempre disse sim a Deus, e sempre
dirá” (Rohr, 2010, p. 32), é aquela que Merton chamou de “eu” verdadeiro:
o ser que eu sou em Deus, escondido em seu amor desde a eternidade.
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Quando se torna adulto, porém, “o homem abandona o jardim”. Como
diz Rohr (2010, p. 21), “de forma cada vez mais crescente, o ser humano
participa nos dramas da existência, desempenha papéis e assume uma
identidade proposta por seus pais e pelo mundo circundante”.
Afinal, em Gênesis 1:31 “Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito
bom”. O bom de Deus está acima de qualquer outra coisa e cabe a cada
individuo a mudança da mente, a rejeição à imagem maculada imposta
pela sociedade, a recusa de maltratar nosso verdadeiro eu, em busca
da imagem perfeita do falso eu, pois viver escondendo o eu-humano e
sustentando o eu-objeto resultará, certamente, em uma catástrofe, como
veremos no próximo tópico.
Em diálogo com Alain Ehrenberg, Han explica que a pressão de ter que
ser ela mesma é o que provoca a pessoa doente. Contudo, o contrário nos
parece ser verdadeiro: a pressão pelo desempenho acaba fazendo essa
pessoa perder o ponto arquimédico no qual coincide consigo mesma,
gerando uma autoimagem duplicada e, como tal, não condizente com o
original. Ou seja, a tendência é que a pessoa tente escapar de quem ela é
e não o contrário, como sugere Han.
Clément Rosset, em seu livro O real e seu duplo, desenvolve a tese de que,
com relação ao real, nossa tendência é a de suprimi-lo numa “atitude de
cegueira voluntária”, que nos faz ignorar o real, o singular, e dirigir nosso
olhar para outro lugar (seu duplo), onde o real não está. De modo que,
aquilo que anunciamos como sendo “real”, é na verdade o “outro”, visto
que o real, em si, nos escapa. Ao abordar o mito narcísico, Rosset afirma
que a fragilidade ontológica de Narciso, que o levou à aniquilação de si,
não foi a apreciação, o amor ou a grande aceitação pelo seu “eu real”, mas
sua fixação em uma espécie de “duplo psicológico”, ilusório. Ou seja, essa
interpretação nos conduz a pensar que aquilo que Narciso contempla
embevecido, na verdade, seria a sua não-realidade, uma representação
(desejável) de si mesmo, da qual ele necessita para continuar existindo,
para além do desespero de não-ser. Assim, de acordo com Rosset (2008,
p. 108), “o erro mortal do narcisismo não é querer amar excessivamente
a si mesmo, mas, ao contrário, no momento de escolher entre si mesmo
e seu duplo, dar preferência à imagem”.
Conclusão
Para finalizar, o que falta então é a aceitação de que as coisas são como
são e não precisam necessariamente trazer alguma experiência de êxtase
como consequência. Voltamos assim ao que comentamos nos tópicos
anteriores, o conhecimento do verdadeiro eu ou do eu-humano. Uma
vez que buscamos lidar com o conhecimento e a aceitação da nossa
humanidade em um nível mais profundo, reconhecemos e buscamos
aceitar as limitações das outras pessoas e das coisas também. Assim,
impedimos com que o ciclo vicioso do excesso de positividade, nos
esgote. Isso é claramente um desafio, afinal, estamos tão acostumados
com isso que não é fácil agir e pensar diferente.
NOUWEN, Henri. Espaço para Deus: um convite para a vida espiritual. São
Paulo: Impacto, 2019.
ROSSET, Clément. O real e seu duplo. Ensaio sobre a ilusão. 2ª Ed. Rio de
Janeiro: José Olympio Editora, 2008.
Objetivos da unidade
1. Identificar os significados teológicos e práticos da justiça do Reino;
Mas essa busca por justiça não é nova. Desde quando se tem
conhecimento da existência de agrupamentos humanos a justiça faz
parte da organização desses grupos. Nas histórias das antigas religiões e
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acima de tudo, que é de nosso interesse maior, do Antigo Oriente Próximo,
a justiça é tema que sempre está em alta. Um Deus justo, mediando por
meio de um rei justo (ou que deveria ser justo), fazendo justiça por seu
povo, seja abençoando-os pelos bons caminhos ou castigando-os pelos
seus erros. Ao menos é assim que parte da história de Israel é contada na
bíblia. Os livros bíblicos escritos ou reeditados no período do pós-exílio,
principalmente com a reforma política religiosa que Esdras e Neemias
organizaram (ver box “Saiba mais” abaixo), partiam deste princípio:
Deus é justo e faz justiça a todos. Por isso, aqueles que se mantiverem
na Lei (neste sentido, trata-se da Lei judaica já interpretada por seus
líderes, com os ritos, as separações, sacrifícios etc.) receberão as justas
recompensas. Aqueles que, porém, a descumpriram, também receberão
seus justos castigos.
SAIBA MAIS
É comum lermos os textos bíblicos sem uma preocupação maior
com o processo de redação dele. Além disso, também é comum
não nos atentamos para o fato de que a história de Israel não foi
sempre a história dos judeus. Há um longo processo e um tortuoso
caminho na construção da religião judaica como a conhecemos,
qual seja, a religião da Palestina do Primeiro Século, nos tempos em
que Jesus viveu. Para que o judaísmo e as Escrituras chegassem
aonde chegaram e da forma como chegaram, muitos movimentos
político-religiosos se estabeleceram. Dentre eles o de Ezequias
e Josias por volta dos anos sétimo e, posteriormente, Esdras e
Neemias, por volta do século sexto.
Justiça e a pessoa
Como mencionamos no início deste tópico, a questão da justiça está
diretamente ligada ao eu, à autoimagem. Isso porque a forma como o
eu enxerga a si mesmo também é determinante para a forma como ele
enxerga o outro. Compreender este fato é essencial para a compreensão
da justiça divina, ou seja, justiça do Reino, como proposta por Jesus e
pelos profetas anteriores.
Tillich, por sua vez, utiliza a analogia da árvore como representação para
essa afirmativa. Segundo ele:
Para Tillich, a justiça divina deve ser entendida como um processo criativo,
em que não se pode calcular ou quantificar seus efeitos. Deus cria situações
em que a justiça possa se fazer presente igualmente a todos. Neste sentido,
também é o entendimento de Albert Nolan (1987) sobre a justiça do Reino
de Deus. Para Nolan, ela pode ser claramente exemplificada por meio da
parábola dos trabalhadores da vinha em Mt 20.1-15, ou na parábola do
filho pródigo de Lc 15.11-32. Para os trabalhadores da vinha, assim como
para o irmão do filho pródigo, a justiça era como vista pelos zelotas e
pelos fariseus por exemplo. Era uma justiça retributiva, sem compaixão,
sem amor. Mas para o Senhor da vinha e para o pai, o importante é que
eles recebessem o que fosse necessário para suas integridades. Aos
trabalhadores, independente das horas, era preciso receber algo que os
dignificasse. Ao filho, da mesma forma.
Claro, é inegável que parte das consequências desses dois pontos foi
positiva, houve muito avanço em termos tecnológicos e médicos, por
exemplo, o que permitiu melhorar a qualidade de vida em alguns aspectos.
Ao mesmo tempo, com o passar dos séculos, o problema ambiental foi se
agravando até chegarmos em uma crise sem precedentes na atualidade.
Quais são esses recursos que a fé cristã pode ter para enfrentar a crise
ecológica? Faremos a seguir considerações sobre como então proceder
ou pelo menos perceber as questões ambientais.
De fato, Deus diz para que o ser humano domine sobre a criação,
entretanto, González (2014) menciona que essa ação deve estar
diretamente atrelada com os dois versos anteriores, que dizem que
o ser humano foi criado à imagem e semelhança do Criador. Essa
percepção muda de forma considerável a ação de domínio, pois ser
imagem e semelhança do Criador nesse sentido implica em governar
de forma responsável. Inclusive, é interessante ver que a Nova Versão
Transformadora traduziu como governar em vez de subjugar ou sujeitar.
Essa tradução parece passar uma ideia mais adequada de como o ser
humano deve se comportar diante da criação, com responsabilidade e
amor, não com domínio e subjugação.
1 Sobre isso, recomendamos a leitura do artigo “A Igreja no Reino Unido: o futuro terá
uma igreja?”, de Peter Brierley, no livro A igreja do futuro (2011, pp. 57-83), organizado
por Antonio Carlos Barro e Manfred Kohl.
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O “vazio” sobre o qual ele fala é provocado, segundo entendemos,
precisamente pela recusa da vida em sua inteireza, a recusa da integridade,
a recusa do sofrimento, a recusa da profundidade. A proliferação das
“espiritualidades” no mundo de hoje pode ser sinal, assim, precisamente
da ausência de alma, do contato com nosso ser profundo (como temos
trabalhado), ou do que o apóstolo Paulo chamou de uma “vida no Espírito”,
na qual a manifestação de frutos é central, enquanto as manifestações
sobrenaturais – como êxtases ou milagres – são periféricas.
Sim, porque o apóstolo João, em sua Primeira Carta, nos ensina que
espiritual é quem ama conforme o primeiro e segundo mandamentos:
de amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
Quando uma dessas dimensões é esquecida, você pode até ter religião
– isto é, práticas e discursos que denotam uma crença em Deus ou até
deuses –, mas não tem espiritualidade: amor refletido e que se reflete em
um modo de vida integrado (meu próximo-Deus-eu mesmo).
Assim, queremos defender aqui que Jesus passou por uma das provas
pelas quais toda a espécie humana tem passado todos os dias: a tentação
de representar a comédia do filho de Deus. Que é a comédia de Adão e
Eva, a comédia da usurpação: de ser mais ou menos do que realmente
somos, ou de ter que provar, por meio de performances, pela redenção à
cultura do espetáculo, que somos quem dizemos (e os outros dizem) que
somos. O “se tu és o filho de Deus” dito a Jesus, pela voz de um acusador,
é uma voz que tem estado no interior do espírito humano desde sua
queda. É a voz tipificada na figura da serpente. O que nos toca responder
agora é: de que modo essas tentações perfazem nossa espiritualidade e
como resistir a elas? Faremos isto nomeando cada tentação.
A tentação aqui é a Deus: faça Deus provar para esse povo todo que
Ele é Deus e que você é Filho Dele! Em outras palavras ele está dizendo:
banalize o dom de Deus, transformando-o em objeto de espetáculo.
Assim, segundo Ellul (2011, p. 75), “o homem tenta Deus quando lhe
faz pedidos que não foram inspirados pelo Espírito Santo”. Submeter a
espiritualidade ao espetáculo religioso (de cura, êxtase, milagre, etc.) é a
forma mais comum de colocar Deus à prova também hoje; lugar comum
na cultura do espetáculo. A resposta de Jesus, mais uma vez, é indicativa
de um possível caminho a todo crente hoje: não tenha ousadia de colocar
Deus à prova (v. 13). Jesus se recusa a trocar o relacionamento de amor
com o Pai por provas baratas. Ama a Deus aquele que verdadeiramente
se sabe amado por Ele, aceito por Ele, e suficiente Nele, e por tudo isso
não precisa cair nesse tipo de emboscada diabólica.
Referências bibliográficas
ELLUL, Jacques. Se és o filho de Deus – Descubra a verdadeira natureza
de Jesus Cristo. Brasília: Palavra, 2011.
Que a Igreja seja do Espírito, que ela ouça o Espírito e que ela ande no
Espírito, isso é o que importa e sobre isso queremos refletir nesta unidade.
Para tanto, elegemos três tópicos em particular e interligados para a
discussão: (1) a relação entre tradição (eclesial, cristã) e contextualização
do Evangelho; (2) a questão do diálogo entre as igrejas cristãs e com
pessoas de outras religiões; por fim, (3) sobre como podemos reimaginar
a Igreja na contemporaneidade.
Crise na tradição?
Claro que isso afetou a Igreja, uma vez que muitos dogmas estavam
estabelecidos sobre o paradigma anterior, e, sobretudo, a partir do
século XX, certos aspectos passaram a ser questionados. Algumas
obras escritas, que traziam críticas aos cristãos, receberam grande
atenção e, além disso, o número dos que se consideram ateus, cresceu,
principalmente nos países europeus – como vimos na primeira unidade.
Tudo isso, em um primeiro momento, aparentou que a tradição da fé cristã
iria morrer no Ocidente e daria lugar ao pensamento secular baseado
exclusivamente na ciência. Isso causou e ainda causa medo e espécie
em muitas pessoas. Porém, caso você esteja atento ao que se diz, por
exemplo, nas grandes empresas e entre muitos profissionais de saúde,
deve ter percebido que o tema espiritualidade, por outro lado, está cada
vez mais em alta. Entre pessoas que declaram uma fé em Deus, embora
sem religião ou pertencimento, isto é, afirmam nutrir uma “vida espiritual”
longe dos ditames e da “cobertura espiritual” das igrejas e seus líderes. E
até mesmo entre pessoas que afirmam não possuir nem fé, nem religião,
mas que almejam uma espécie de transcendência puramente natural ou
humana, baseada em uma reverência à natureza, ao cosmos, ao bem-
estar na vida e à felicidade e realização humanas.
É essencial destacar que ele não fala de uma tradição somente, mas
de diferentes tradições. Pode parecer estranho, mas nem sempre
que falamos sobre Deus estamos nos referindo ao Eterno, por isso é
importante questionar: “qual tradição estamos seguindo?” ou “de qual
deus estamos falando?”. Para não cairmos no erro de pensarmos que
isso é somente uma questão contemporânea, González (2015) percorre
outros momentos da história em que ocorreram debates acerca da
tradição cristã: Tertuliano, Agostinho, Vicente de Lérins, entre outros.
Para os protestantes, o exemplo mais significativo desses debates foi
Martinho Lutero, que questionou práticas da tradição que estavam se
colocando acima da autoridade das Escrituras, sendo uma das principais,
a venda de indulgências. (Sobre isso, é quase impossível não pensarmos
no que acontece na atualidade e compararmos à época Medieval. Se
antes as indulgências eram vendidas para alcançar a salvação, hoje são
para alcançar a prosperidade, o que é extremamente tentador – para não
dizer promissor – em um mundo consumista).
Nesse sentido, os filhos/as mais fiéis de uma tradição não são aqueles
que se consideram paladinos ou guardiães dela – tentando protegê-la
e conservá-la a todo custo –, mas são aqueles e aquelas que, à luz de
sua conexão com o sopro do Espírito e leitura perspicaz do espírito da
época (Zeitgeist), resistem a seu engessamento e procuram renová-la
por dentro, tanto em termos de linguagem como de conteúdo. Como
fez Jesus de Nazaré ao dizer que não veio revogar a lei de Moisés ou
os escritos dos profetas, mas cumpri-los (Mt 5.17). O que, na prática,
significou, para desespero dos paladinos de seu tempo, revisar aquilo
que “foi dito aos antigos”, mas que precisava ser revisto e redito de
outra forma (“eu, porém, lhes digo”), aprofundando, assim, o sentido da
lei, tirando-a dos escombros do conservadorismo e demonstrando, por
obras de justiça, que ela estava a serviço da vida e não o contrário (cf. Mc
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2.27). Aqui está o princípio da contextualização, sobre a qual trataremos
mais detidamente a seguir.
O desafio da contextualização
Diante disso, não há como não seguir o que John Stott recomenda. Apesar
da nossa dificuldade, precisamos ouvir duplamente: a voz de Deus e a
voz das pessoas que estão ao nosso redor, como é o título do seu livro
Ouça o Espírito, ouça o mundo (Stott, 2005). A tarefa não é tão simples
quanto parece, pois exige uma renúncia do próprio egocentrismo, já que
primeiro a fala dá lugar ao ouvir. E o ato de ouvir não foi uma prática
adotada pela tradição cristã nos últimos séculos. Quando falamos de
evangelização, logo pensamos nas pessoas com grande eloquência,
capazes de convencer multidões com suas pregações. Mas, nos tempos
em que vivemos isso precisa ser diferente. Se quisermos uma mensagem
contextualizada, precisamos aprender a dialogar com aqueles que
possuem pontos de vista diferentes dos nossos e romper a barreira dos
guetos. Além disso, é necessário reconsiderar a concepção de que uma
mensagem contextualizada é necessariamente uma mensagem falada.
Em vez disso, deve ser uma mensagem encarnada. As pessoas da
contemporaneidade parecem estar cansadas de discurso, querem ações.
E Jesus de Nazaré persiste sendo o melhor exemplo dessa simbiose,
pois foi que encarnou o Verbo Divino e inaugurou o Reino de Deus.
Vemos nos dias de hoje um ataque inter e intra eclesiástico. Fiéis que
radicalizaram seus ritos e tornaram a Palavra maior do que aquele a quem
ela se refere. Tornaram a letra mais forte do que seu próprio conteúdo.
Entretanto, como adverte Wolff (2015, p. 283), muitos deles sequer
conseguem notar que suas diferenças não são contradições, e poderiam
ser uma fonte de enriquecimento uma à outra, na compreensão e na
vivência do Evangelho. Ao contrário, os detentores da “minha verdade”
afastam de si o que há de mais rico no Evangelho ensinado por Jesus, em
que todos, absolutamente, são filhos/as de Deus e, por isso, onde quer
e como quer que o adorem, fazem parte dessa grande família. Esse é o
caminho de retorno à harmonia da criação, mencionado na unidade II.
Jesus é claro ao ensinar seus discípulos que nem todo o que diz “Senhor,
Senhor”, nem todo aquele que profetizar em nome dele, nem todo aquele
que expulsar demônios em seu nome, ou qualquer que fizer muitas outras
coisas, serão reconhecidos como participantes do Reino, reconhecidos
por Jesus como próximos dele (Mt 7.21-24), pois existem outras coisas
mais importantes. Mateus, em seu evangelho, inclusive relata Jesus
ensinando que aqueles que não sabem seu “nome” e que não serviam
com os dons dos religiosos, mas ao faminto derem de comer, ao nu
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derem de vestir e ao preso foram visitar, estes sim Jesus diz reconhecer,
ser próximo deles, ser integrantes do Reino (Mt 25.34-46).
Isso não quer dizer que exercer os dons, estar numa comunidade, praticar
ritos sagrados não seja importante. Quer dizer que não são suficientes.
Em Lucas 11.34 em diante, Jesus vai à casa do fariseu para uma refeição,
e se assenta à mesa sem cumprir o rito do batismo, que para os fariseus
era sagrado. Era necessário, conforme a tradição, purificar-se do contágio
recebido pelos pecadores nas ruas, para que pudessem compartilhar de
forma santa a refeição. Mas Jesus ignora o rito e lança uma séria de
Ais contra os fariseus. Os Ais são advertências, denúncias proféticas,
oráculos de justiça, contra aquele grupo de fariseus e mestres da Lei.
Mas Jesus é incisivo, após mencionar diversos ritos por eles praticados
em comparação à falta de misericórdia, amor e piedade para com os
outros, diz: “Vocês deveriam fazer estas coisas, sem omitir aquelas” (Lc
11:42b), referindo-se à omissão das práticas de justiça em detrimento de
sacrifícios. Portanto, todos os ritos são bem-vindos, quando promovem
plenitude de vida por meio da companhia de boas-obras.
Entretanto, como alerta Richard Rohr, o ser que chamamos de Deus e sua
encarnação, que chamamos de Jesus, não está preocupado com nomes.
Desde o início de sua revelação ao ser humano, e sua busca por uma
recuperação dessa aliança em Moisés, o divino não se preocupou com
nome. O que é lógico, já que sendo Ele indefinível, nome é o que não
importa. “Lembre-se de que Deus disse a Moisés: ‘Eu SOU quem Eu SOU’
(Êx 3.14). Deus não está claramente ligado a um nome e, também, não
parece querer que liguemos a divindade a qualquer outro nome” (Rohr,
2019, p. 41). O autor complementa:
Se toda a igreja estivesse focada na missão que nos foi dada e renunciasse
aos sentimentos que não pertencem ao Espírito, como relatado por
Paulo na carta aos Gálatas (cap. 6), então poderíamos ter uma Igreja
diferente. Um corpo unido, que não pode ser vencido. Um corpo que move
montanhas com fé e esperança. É preciso pensar e repensar, como uma
verdadeira transformação da mente pode alcançar a igreja. No próximo
tópico iremos falar sobre essa possível versão da Igreja Cristã.
Glossário
Kenosis: Palavra grega que designa o esvaziamento do poder ou
da vontade de alguém em favor da de outrem. O uso desta palavra
geralmente vem atrelado ao texto da carta de Paulo aos Filipenses,
no capítulo 2, quando o apóstolo fala do movimento descendente
do Cristo que, abandonando sua glória, esvaziou-se do poder de
sua divindade, e humilhou-se, assumindo a forma humana. Na
filosofia de Vattimo, kenosis é utilizada para se referir à humilhação,
encarnação e humanização de Deus, ponto fundamental em
Sabemos que a Igreja, diante dos dilemas culturais, vive numa tensão
dinâmica (às vezes conflitante, às vezes amigável) entre ser uma
expressão desta e (relevante) para esta época, e sua razão de ser, que
é encarnar diante do mundo a boa nova do reino revelada na pessoa de
Jesus. Ou seja, o que move a Igreja, primordialmente, não são os ditames
do que impera na sociedade em que ela coexiste, mas o exemplo de seu
Senhor – cuja existência não foi apenas relevante, mas revolucionária,
em conformidade com o querer do Pai e não de acordo com os modos
e moldes deste mundo. E o exemplo do Cristo, suas prioridades, sua
missão se desenham desde seus primeiros passos na vida e ministério.
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A narrativa de Lucas no capítulo 4, Jesus não inicia seu ministério em
ação, mas em silêncio, oração e na total dependência do Espírito no
deserto. É um excelente exemplo do que queremos dizer aqui. Na
tentação, ele rejeita o caminho do poder e abraça a partir dali uma
vocação despossuída de pretensões grandiosas neste mundo e desejosa
apenas de fazer a vontade do Pai de reconciliação de cada ser humano
consigo mesmo, com seu próximo e com Deus. O caráter dessa vocação
e mensagem se confirma no momento seguinte da narrativa, quando
Jesus se dirige à sinagoga de Cafarnaum e arruma uma grande confusão
com o pessoal do templo, ao evocar sobre si a palavra do profeta Isaías.
Naquele momento, fica claro que ele encarna a figura indigesta do profeta
(o profeta sem honra), que não tem amor ao próprio pescoço, não tem
“rabo preso” com ninguém e que estabelece uma relação crítica com o
poder e suas “estruturas”.
Mas essa Igreja (essa que aqui imaginamos), por assim dizer, é (ou deveria
ser) uma metáfora viva do amor de Deus ao mundo. Como metáfora,
ela jamais deveria pretender falar de Deus em termos absolutos ou
compreensivos, mas apenas por meio de aproximações e possibilidades;
como metáfora, seu chamado é para anunciar as boas novas do reino ao
mundo, podendo ser ouvida e aceita não pelo caminho do poder (físico ou
simbólico), mas do esvaziamento do poder e da vontade, pela humildade
e integridade (isto é, através do exemplo de vida e humanidade, tal como
vimos e aprendemos em Jesus Cristo). É uma Igreja que atrai mais pela
vivência muda e marginal e menos pelas palavras mágicas e de poder
ditas diante dos holofotes e das mídias.
Dessa forma, a vocação primária da Igreja faz com que ela não esteja
neste mundo para estabelecer coisas – como que monumentos só dela,
porém supostamente erigidos “para a glória de Deus” (resta saber qual
deus) –, mas para peregrinar na liberdade do Espírito, seguindo seus
rastros e obedecendo unicamente a um Senhor.
Que outras facetas teria essa Igreja, frágil e irrelevante, que o convidamos
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aqui a imaginar? Aqui vão algumas, como um resumo estendido que foi
dito até aqui:
• É uma Igreja que não quer ter a última palavra sobre nada, mas se
coloca como uma parceira possível na busca por respostas aos
problemas e às perguntas diversas da humanidade, como alguém
que sonha, imagina e anseia ao lado das pessoas, e não acima delas.
• Por fim, mas não finalmente, é uma Igreja que retoma sua vocação
protestante, e assim não teme relativizar estruturas, poder e
hierarquia por um único absoluto: a Mensagem. Quanto mais fiel
somos ao evangelho e à verdade revelada na pessoa de Jesus, mais
procuraremos resguardá-lo do aprisionamento da linguagem. Há
somente um evangelho! E este não é seu, nem da Igreja, nem de
Paulo, Barnabé ou Pedro: mas de Jesus.
Conclusão
Quais são as (possíveis) consequências diretas disso sobre a missão
dessa igreja aqui imaginada?
5) Por fim, tenham a “coragem de ser” (Tillich): de ser quem são, com
o muito ou o pouco que lhes foi dado, de ser humanos, de ser gente:
que assume suas fragilidades, que reconhece suas dúvidas, que divide
suas dores com o mundo. Muitos desses nossos amigos/as aí fora
não estão tão interessados em campeões (no discurso, nas ideias, na
espiritualidade), em religiosos de espírito cruzado, mas em pessoas
“demasiadamente humanas” (Nietzsche) assim como elas. É um refrigério
saber que o outro também dores de parto semelhantes às minhas. O que
não pode ser assumido também não pode ser redimido, lembrando aqui
do que bem disse Segundo Galilea.
Referências bibliográficas
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2015.
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