FORACCHIFORWEISHEIMER
FORACCHIFORWEISHEIMER
FORACCHIFORWEISHEIMER
net/publication/281934650
CITATION READS
1 2,227
1 author:
Nilson Weisheimer
National Council for Scientific and Technological Development, Brazil
10 PUBLICATIONS 28 CITATIONS
SEE PROFILE
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
All content following this page was uploaded by Nilson Weisheimer on 20 September 2015.
Nilson Weisheimer
Marialice Mencarini Foracchi tem seu nome gravado na história do pensamento social
brasileiro, por ter legado uma obra que é considerada um marco na formação da Sociologia da
Juventude no Brasil. 1 O cinquentenário da primeira edição de “O estudante e a
transformação da sociedade brasileira” surge, assim, como uma ocasião propícia para
revisitar sua obra, com o propósito de buscar nela alguns recursos pertinentes à análise de
fenômenos juvenis na atualidade. No conjunto de seus trabalhos, Foracchi forneceu-nos
análises simultaneamente amplas e profundas sobre os jovens, a condição de estudante
universitário e o movimento estudantil. É necessário concordar com José de Souza Martins,
quando afirma ser “impossível escrever honestamente sobre os movimentos estudantis e os
conflitos de gerações em nosso país sem ampla referência aos trabalhos dessa autora”
(MARTINS, 1982, p. VIII). Trata-se, como já demonstrou Maria Helena de Oliva Augusto
(2005), de uma “obra clássica”, “na medida em que seus estudos permanecem centrais para a
discussão atual desses temas e ainda hoje é possível aprender com seus textos, (...)”
(AUGUSTO, 2005, p.12). 2
As obras dos autores clássicos, apesar de terem sido produzidas em outros contextos
históricos e sociais, caracterizam-se por preservarem sua atualidade ao passo que suas
interpretações detêm um longo alcance e significação teórica, constituindo, por essa razão,
pontos de referência para questionamento e investigações sobre os processos contemporâneos.
É esse o estatuto que atribuímos ao trabalho de Foracchi, no campo de estudos sobre a
juventude no Brasil. Augusto (2005) destaca que, em sua obra, essa autora abordou questões
complexas, como a situação, o papel e polissemia da noção de juventude, o conceito de
geração e a coexistência de gerações, os processos de transição para a vida adulta, a
socialização, os projetos e a autonomia dos jovens, o estudante como categoria social e o
significado dos movimentos juvenis e estudantis, temas que receberam “tratamento deveras
apurado, que ainda pode servir de estímulo e diretriz para os(as) analistas
contemporâneos(as)” (AUGUSTO, 2005, p. 11).
1
O autor expressa seu agradecimento a Maria Helena de Oliva Augusto pela leitura atenda dos originais e pelo
incentivo durante a trajetória deste trabalho, ao tempo que assume total responsabilidade sobre seu conteúdo.
2 A obra de Marialice Foracchi também foi objeto de estudo de Tavares (2008) e Martins (2011) e Silva (2014).
O presente ensaio representa uma tentativa de sistematização da contribuição de
Marialice Foracchi à Sociologia da Juventude, tendo como base sua principal publicação.
Nosso objetivo é colaborar para que a teoria social que ela elaborou possa inspirar a reflexão
das novas gerações de pesquisadores interessados no tema. Esperamos que esta revisão possa
servir de estímulo à leitura dos seus textos originais, que é a melhor forma para conhecer um
autor e sua obra. Iniciamos por apresentar ao leitor uma exposição sintética da trajetória da
Sociologia da Juventude para, posteriormente, na segunda sessão, apresentar de modo
panorâmico sua obra, objetivos e métodos, a fim de mostrar como sua perspectiva
interpretativa se delineia, por meio da articulação de três eixos interdependentes e
complementares: as relações interpessoais, as histórico-estruturais e a práxis estudantil. No
terceiro momento, abordaremos o que a autora apresentou como a transformação do jovem
em estudante, a partir da relação dele com a família; destacam-se, então, os vínculos de
manutenção e os estilos de dependência atribuídos a situação de classe do estudante. Na
sessão posterior, é retomada a análise do processo de transição da dependência à autonomia,
destacando sua manifestação no âmbito do trabalho, da profissionalização e dos projetos de
carreira que expressam os anseios de mobilidade social das famílias de classe média da época
de seu estudo. A revisão chega ao momento final com a análise da práxis estudantil,
abordando as oscilações e inconsistência do radicalismo pequeno-burguês.
6 A esse respeito consultar. MILLS, Wright. A Nova Classe Média, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979.
em termos das modalidades possíveis de ampliação dos seus horizontes de
ação. (FORACCHI, 1965, p. 3)
7 Foracchi recorre à noção de estilo de pensamento de Mannheim para propor um estilo de dependência,
afirmando que “Há, então, um estilo de relações sociais, no qual está compreendido aquilo que poderíamos
designar como estilo do grupo.” (FORACCHI, 1965, 63). Ainda como argumenta a autora: “A noção de estilo é
batente adequada, pois, afirmamos, envolve tanto variações no modo dos indivíduos se relacionarem entre si,
quanto os fatores sociais responsáveis por tais variações” (FORACCHI, 1965, 66).
famílias. Em síntese, essa trajetória inicia por um “retorno às origens”, movimento esse que a
família realiza sobre si mesma, que mostra as condições de isolamento e de arrojo com que
foi conduzida a transformação da situação de origem. No momento seguinte, verifica-se uma
ampliação dos contatos e desenvolvem-se as “condições objetivas” para o alcance de “novas
dimensões sociais.” “À dimensão especial, originada pelo desejo de “melhorar de vida”
conjuga-se o deslocamento ocupacional, como demissão especificamente socioeconômica”.
(FORACCHI, 1965, p. 112) A classe passa, então a ser vivenciada como algo distinto da
situação familiar embora com características ainda imprecisas para os agentes. O mecanismo
social básico, responsável por essa transição é a ampliação de contatos, apoiada na
redefiniçao de papéis, que conduz à ampliação das atividades, permanecendo, não obstante,
restrita a área de influência da família. Porém, por meio desse mecanismo consuma-se uma
modificação fundamental. A família passa a viver a situação de classe, já que, na ampliação
de contatos, são criadas condições para a sua intensificação e diversificação, com vista à
realização de um objetivo preciso: vincular-se pela situação de classe ao momento presente,
elaborando e desenvolvendo as potencialidades nele contidas. (FORACCHI, 1965, p. 112 -
113)
Há, no entanto, uma nítida contradição entre essas determinações do sistema e o
conteúdo da atuação do jovem que se envolve em mobilizações estudantis, contradição que
expressaria a própria distinção entre o jovem e o estudante.
O que estaria implícito nessa distinção? Que o estudante seja o jovem que se
nega a si próprio, na medida em que age em contradição com todas as
determinações sociais do seu comportamento. Mas, cumpre ainda indagar,
que fatores explicam que ação do jovem se contrapusesse a ação do
estudante quando, na realidade, ambos são um só? É precisamente esse
ponto que procuraremos elucidar. A situação de classe, tal como repercute
sobre a família, entra aqui como fator definitivo de cisão. Servindo-se do
jovem como instrumento da sua vinculação à situação de classe, nele
colocando a problemática crucial da continuidade da sua posição no sistema,
a família cria as condições necessárias para que ele se transforme em
estudante e, portanto, para que ele próprio se realize como jovem. Esta, a
contradição fundamental que, refletindo sobre o comportamento do jovem,
parece estar no próprio cerne das contradições inerentes à constituição da
classe média. (FORACCHI, 1965, p. 115)
6. Considerações Finais
11
Entre
as
inovações
interpretativas
posteriores,
Foracchi
especificaria
a
distinção
entre
os
movimentos
estudantil
e
juvenil.
“O movimento hippy, na sua impotência e na sua limitação é, por excelência, o movimento
de juventude que leva às últimas consequências as virtualidades sociais e intelectuais da condição de jovem. O
movimento estudantil, na sua virulência revolucionária ou reformista, na proporção em que refina a sua prática
contestadora, balizando-a, sempre, por considerações táticas ou estratégicas, negocia conciliações e
compromissos, aceita os termos da luta, propondo-se alvos políticos, sendo político e fazendo política, entrando,
em última análise, no jogo dos adultos, acatando um estilo de contestação adulta” (FORACCHI, 1972, p. 93). O
movimento estudantil é encarado pela autora por um prisma diverso daquele com que analisa o movimento de
juventude. Acentua-se, como característica sua, a identificação política com correntes radicais de esquerda,
empresta-se conteúdo “revolucionários” às suas reinvindicações e se avalia, com pessimismo, a consistência das
suas posições políticas. (FORACCHI, 1972, p. 109)
que os constituem. Com efeito, sua obra oferece a possibilidade para diferenciarmos as
situações juvenis e reconhecermos a existência múltiplas juventudes, por conta das condições
de classe e dos processos de socialização experienciados pelos jovens.
No caso do seu estudo clássico, a categoria singular foi o jovem estudante
universitário. Este, por força das contradições de sua vinculação ao modo de produção
capitalista, constitui-se como sujeito histórico por meio do movimento estudantil.
Compreende esse movimento como essencialmente político e que daria expressão a um
radicalismo pequeno burguês, devido a origem de classe do estudante universitário. Deste
debate é mister reter que, por intermédio do movimento estudantil, os jovens passaram a
figurar como agentes na luta política nacional e incidir na definição da agenda do Estado.
Entretanto, como movimento social de massas, ele revela-se inconstante, registrando períodos
de ascensão e de refluxos de mobilização. Assim como, assume formas e conteúdos
diferenciados conforme a conjuntura política. Levando isso em consideração é possível
compreender as mudanças pelas quais passou o movimento estudantil brasileiro e o
movimento juvenil em sua apreensão mais ampla.
Retomar os temas estudados por Marialice Foracchi atualizando-os a luz das
contradições atuais da sociedade brasileira, ou ainda, valer-se de seu legado teórico para
pensar as condições sociais de jovens e suas formas de ação em outros contextos são
exercícios igualmente desafiadores. Esses poderão ser realizados por quem aceitar o desafio
de retomar essa vertente crítica no desenvolvimento da Sociologia da Juventude no Brasil.
Referências Bibliográficas:
Anexo 01.
PRINCIPAIS PUBLICAÇÕES DE MARIALICE M. FORACCHI VOLTADAS AO
TEMA DA JUVENTUDE
1. FORACCHI, Marialice M. O estudante na Transformação da Sociedade
Brasileira. São Paulo. Cia. Editora Nacional, 1965.
2. FORACCHI, Marialice M. Juventude e Realidade Nacional. Revista Civilização
Brasileira. Rio de Janeiro, Ano I, v. 5 /6 . p. 9 – 18. Mar. 1966.
3. FORACCHI, Marialice M. El radicalismo vinculado ao sistema: condiciones
sociales de la politización del estudante brasileño. Revista Latinoamericana de
Sociologia. Buenos Aires, Vol. 11, N° 3. p. 368 – 377. Nov. 1966.
4. FORACCHI, Marialice M. Aspectos da Vida Universitária na Sociedade Brasileira.
Revista Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, Ano IV, v. 21 /22 . p. 65 – 78. Set-
Dez. 1968.
5. FORACCHI, Marialice M. A Juventude e a Sociedade Moderna. São Paulo.
Pioneira, 1972.
6. FORACCHI, Marialice M. Parte II: A Juventude: ascensão social e rebelião. In. A
participação social dos excluídos. São Paulo. Editora Hucitec, 1982.