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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO, Maio/2009 – Vol.

IV

O CONDE DE MONTE CRISTO:


OS LIVROS, OS AUTORES, O ENSINO

Melina Smolii de CAMPOS


(Orientadora): Profa. Dra.Carmen Zink Bolonhini

Resumo: Este trabalho pretende discutir a autoria e as condições de produção do filme O Conde
de Monte Cristo (2002), tendo como base conceitos propostos pela Análise de Discurso
materialista. Este estudo é resultado do seguinte questionamento: é possível trabalhar em sala de
aula conceitos discursivos através de filmes não tão conhecidos pelos alunos? A fim de responder
à questão, foi analisada uma cena do filme (relacionada às condições de produção), considerando-
se principalmente a importância do objeto simbólico livro na trajetória (construção) do
personagem principal (Edmond Dantès – Conde de Monte Cristo). Em seguida, foram observados
os efeitos de sentido produzidos por alunos a partir da cena analisada.
Palavras-chave: Análise de Discurso, autoria, ensino, cinema, O Conde de Monte Cristo.

Introdução

Ao estudar a linguagem, não há como fugir de questões políticas, sociais,


históricas e ideológicas. O presente projeto aborda a maneira como essas
questões citadas podem ser trabalhadas em sala de aula através de filmes -
especificamente através de O Conde de Monte Cristo (2002).
Por meio da análise das condições de produção de determinado material,
podemos afirmar que a linguagem está ligada a questões históricas. Ao analisar
uma cena a partir de um objeto simbólico podem ser mostradas questões
relativas à linguagem, ideologia, sociedade e história. Ao discutir questões de
autoria são enfatizados os pressupostos de formação discursiva, que definem a
posição-sujeito autor. Portanto, o objetivo geral desta pesquisa é analisar essas
questões considerando, principalmente, suas consequências para o trabalho em
sala de aula.

Justificativa

O cinema é privilegiado por poder usar várias formas de linguagem. Além


de informar sobre conteúdos ou histórias de maneiras envolventes e com
profundidade, o cinema constrói diversos efeitos de sentido, considera a
formação discursiva do roteirista, do diretor e mostra um pouco da sociedade e
do momento histórico no qual foi realizado. Os livros, por sua vez, são sempre
eleitos como materiais imprescindíveis na construção de conhecimento. Tanto
filmes quanto livros são recursos utilizados no contexto escolar e, por vezes,
transformam-se em objetos um tanto quanto desestimulantes por estarem
associados a tarefas inapropriadas ou análises complexas e sem sentido.
Esta pesquisa foi feita sob a justificativa de evidenciar que é possível
estabelecer relações, discussões e construir conhecimentos a partir de questões
discursivas analisadas em filmes clássicos - não tão populares e conhecidos
entre os alunos. Mais do que isso, que é possível trabalhar conceitos discursivos
em sala de aula desenvolvendo nos alunos pensamento crítico e despertando
neles interesse por questões históricas, sociais, políticas e ideológicas.
Por isso, para que os objetivos propostos fossem alcançados e para que
houvesse respostas às perguntas de pesquisa, foi selecionado o filme O Conde
de Monte Cristo como material principal de análise. Através de pesquisa
sobre as condições de produção, de mostrar que há diferentes efeitos de sentido
(obtidos a partir da análise da cena proposta) e da discussão sobre questões de
autoria, foi estabelecido o desafio já citado anteriormente: a possibilidade de
trabalhar com alunos de Ensino Médio o questionamento à evidência do sentido,
o conhecimento de conceitos discursivos, bem como a possibilidade de
despertar neles o interesse por filmes de diversos temas e épocas. Mas, pode ser
estabelecido um desafio ainda maior: despertar nos alunos o interesse pela
leitura de livros considerados clássicos (como é o caso de O Conde de Monte
Cristo, de Alexandre Dumas).

Materiais e Metodologia de Pesquisa

Diversos instrumentos são necessários para o corpus utilizado para análise.


Através da atenta leitura do romance O Conde de Monte Cristo (Le Comte de
Monte-Cristo, Alexandre Dumas, 1844-1846) é possível compreender o enredo
que deu origem ao filme O Conde de Monte Cristo (The Count of Monte Cristo,
2002), que terá uma cena analisada – a fim de perceber os efeitos de sentido que
podem ser produzidos a partir da observação do objeto simbólico livro na
construção do personagem principal.
Para dados que fornecessem discussões ricas sobre as questões de autoria,
foi considerado o “Bônus Especial” do filme – em que há uma entrevista com o
roteirista: Jay Wolpert.
A presente pesquisa tem como base pressupostos da Análise de Discurso -
tais como as noções de discurso, ideologia, condições de produção, formação
148
discursiva e posição-sujeito – somados à teoria do Paradigma Indiciário
(Ginzburg, 1986).

Referencial Teórico

Como já foi afirmado anteriormente, esta pesquisa estará baseada no


quadro teórico da Análise de Discurso: o discurso (no caso, o filme escolhido) é
o lugar em que podemos observar a existência de uma relação entre língua e
ideologia, bem como o lugar em que há produção de sentidos pelos sujeitos e
para eles.
Segundo Orlandi (2005), a linguagem está materializada na ideologia, e
esta se manifesta na língua. A linguagem faz sentido porque se inscreve na
história, ou seja, a língua traz consigo aspectos históricos, políticos, ideológicos
e socioculturais. De tal modo que, quando estudamos a linguagem não fugimos
de questões políticas, históricas e ideológicas, pois para a constituição dos
sujeitos e dos sentidos, na/pela linguagem, a ideologia se apresenta como
condição primordial.
Desta forma, pode-se dizer que os sentidos não estão nos objetos
simbólicos (enunciados, textos, filmes, músicas, livros etc.), pois estes
produzem efeitos de sentido de acordo com as condições de produção. E é por
este motivo, por considerar as condições de produção e os sujeitos que
constituem o discurso, que nesta pesquisa serão considerados três contextos
históricos distintos: momento de escrita e publicação do romance (1844 a 1846)
momento em que a história se passa (1814 a 1830, na França) e momento de
adaptação e produção do filme (2002).
A fim de observar os diferentes efeitos de sentido produzidos pelos alunos,
foi escolhida uma abordagem da linguagem em que não se considera o sujeito
empírico, mas sim a posição sujeito discursiva, isto é, a posição que os
interlocutores e enunciadores assumem em um discurso. Essa posição será
assumida pelo sujeito de acordo com suas formações discursivas, ou seja,
através da interpelação do sujeito pela ideologia. Assim, pode-se dizer que os
sujeitos se constituem na/pela linguagem através de suas formações discursivas
(cf. Orlandi, 1999).
Quando é considerada a existência de diferentes posições-sujeito, em
função das diversas formações discursivas e ideológicas que interpelam os
sujeitos, é possível compreender a pluralidade de interpretações. E essa
compreensão de que há diferentes gestos de interpretação, distintos efeitos de
sentido, auxilia os alunos e os professores na construção de conhecimento
(derrubando a equivocada ideia de que há apenas uma interpretação ou
149
resposta). Tal conceito pode ser mostrado através da discussão de que há duas
formações discursivas distintas: a do autor do livro (Alexandre Dumas) e a do
roteirista do filme (Jay Wolpert).
A análise da cena foi baseada no Paradigma Indiciário (Ginzburg, 1986):
modelo epistemológico que releva o valor de detalhes e sinais aparentemente
negligenciáveis, mas que de suma importância em análises e pesquisas que
envolvam a interpretação. Como afirma Bolognini (2007) “os sinais aos quais
Ginzburg faz referência podem revelar fenômenos profundos de notável
alcance”.

Análise Preliminar de Dados

Condições de Produção:

O roteiro do filme O Conde de Monte Cristo foi escrito a partir do romance


de Alexandre Dumas (Le Comte de Monte-Cristo), um escritor e historiador
francês, nascido próximo a Paris em 1802. Ele começou sua carreira como
comediógrafo e após obter sucesso com alguns de seus teatros, passou a
escrever romances no formato de folhetins. Alguns de seus romances mais
conhecidos são: Os Três Mosqueteiros (1844), O Visconde de Bragelonne
(1847) - do qual faz parte O Homem da Máscara de Ferro - e O Conde de
Monte Cristo (1844-1846). Escreveu também outros gêneros, dos quais se
destacam as biografias históricas Memórias de Garibaldi (1860) e Napoleão,
uma biografia literária (1840).
Atualmente, reconhece-se que Alexandre Dumas e suas obras tenham
sofrido com o racismo, no campo dos cânones da Grande Literatura. O autor era
mulato - neto de uma escrava negra (Marie Cessette Dumas) e do Marquês
Antoine-Alexandre Davy de la Pailleterie, da nobreza normanda -, e por isso,
suas obras e a condição de romancista de sucesso que construíra em vida, foram
tratadas posteriormente com racismo e preconceitos. Dumas se envolveu com a
política, como era comum a alguns escritores de sua época. Participou
ativamente da Revolução de 1830, em Paris, e ajudou Garibaldi na Unificação
da Itália, tanto financeiramente quanto fisicamente, lutando em trincheiras1.
O romance de Dumas foi escrito e publicado entre 1844 a 1846, em
folhetins diários, no Journal des Débats, na conjuntura da Monarquia de Luis
Filipe I, rei da França (de 1830 a 1848). O reinado de Luis Filipe I ocorreu

1
As informações sobre Alexandre Dumas foram obtidas em “Alexandre Dumas: vida e
obra” In. DUMAS, A. (1844). O Conde de Monte Cristo (Vol. II). Martin Claret, SP, 2008.
150
numa época em que a França começava a sua Revolução Industrial, sendo
caracterizado por uma monarquia constitucional favorável à burguesia, ou seja,
um regime de inspiração liberal que acabou, na França, com os princípios de
uma monarquia absolutista. Este período é denominado Idade de Ouro da
burguesia francesa, na qual circulavam os princípios liberais e nacionalistas.
O enredo (tanto do livro quanto do filme) compreende os anos de 1814 a
1830. As primeiras cenas se situam em 1814 e remetem a um fato histórico
muito conhecido: o exílio de Napoleão Bonaparte na Ilha de Elba. Uma grande
parte do romance ocorre já no ano de 1830, quando o Conde de Monte Cristo
(rico e estabelecido em Paris) coloca em prática seu plano de vingança contra
aqueles que o traíram.
Na França, em março de 1830, começou o conflito com a assembleia, que
se opunha à designação, pelo rei Carlos X, de Auguste Polignac como ministro.
A Câmara, havendo negado voto de confiança ao ministério do Polignac, foi
dissolvida, mas as eleições foram favoráveis à oposição. As ordenações de julho
de 1830, que dissolveu a Câmara e suprimiu a liberdade de imprensa,
provocaram a revolução de 1830, na qual Alexandre Dumas participou
ativamente, culminando na abdicação de Carlos X.
Neste ponto, podemos estabelecer um paralelo com a ficção: Dantès
consuma sua vingança e faz justiça, em 1830, mesmo ano em que Alexandre
Dumas lutou (Revolução de 1830) para melhorar o sistema político da França e
fazer justiça quanto ao governo repressor de Carlos X - de uma monarquia
conservadora, para um sistema de governo mais liberal, aliado à burguesia
crescente.
Alexandre Dumas e sua obra foram por muito tempo ignorados na França.
Por ser neto de uma negra escrava, ser um homem do povo e por escrever
romances também populares, a obra literária de Alexandre Dumas foi por muito
tempo negligenciada. A crítica afirmava que suas obras não tinham
profundidade e precisão histórica. É por este motivo que, em 2002, a França
reconheceu seu talento. Neste ano (que também é o ano do lançamento do
filme), a França comemorou o aniversário de 200 anos do nascimento do
escritor. O país, que é muito conhecido pela reverência ao passado literário,
realizou uma cerimônia de três dias (que começou na cidade natal de Dumas)
autorizada pelo presidente da França, Jacques Chirac. Dentre as homenagens, o
caixão do escritor foi transportado pelas ruas de Paris a fim de ser enterrado
novamente (desta vez no Panteão, junto aos escritores Émile Zola e Victor
Hugo)2.

2
Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/2002/12/04/001.htm (Último acesso
em 06. 12. 2008).
151
No ano de 2002 o filme de Kevin Reynolds estourou não só nos Estados
Unidos, mas também no país de origem do autor do livro homônimo. Alguns
críticos acreditam que o filme tenha conseguido uma simpática bilheteria por
ainda estar à margem do episódio de 11 de setembro e cumprir uma função
escapista. O orçamento do filme foi de US$ 35 milhões3.

Resumo do filme O Conde de Monte Cristo:

O filme começa com o imperador Napoleão Bonaparte exilado na Ilha de


Elba. Seus captores britânicos receavam que aliados tentassem resgatá-lo ou que
o próprio Napoleão fugisse. Por isso, andavam armados e atiravam naqueles que
se aproximavam do local de exílio.
Edmond Dantès, segundo imediato do navio mercante Pharaon, e seu
melhor amigo, Fernand Mondego, decidem aportar na ilha de Elba, pois seu
capitão havia contraído meningite e precisava de cuidados médicos urgentes.
Inicia-se, então, um combate entre os captores de Napoleão e os tripulantes do
navio. O embate só termina quando o próprio Bonaparte afirma não conhecer os
tripulantes do Pharaon.
Depois de esclarecido o mal entendido, o capitão é socorrido, porém não
resiste e morre. Os tripulantes resolvem voltar à França, mas antes Bonaparte
entrega a Dantès uma carta que diz apresentar um conteúdo totalmente ingênuo
a um antigo amigo.
Ao retornarem para Marselha, Morell (dono da companhia de navegação)
nomeia Edmond o novo capitão do Pharaon, fato que incomoda Danglars, o
primeiro imediato. A alegria de Dantès dura pouco, já que em seguida ele é
denunciado e preso como traidor por portar a correspondência de Bonaparte, de
conteúdo supostamente ilegal e perigoso. Tal acusação partiu de Fernand, que
desejava Mercedes (noiva de Dantès) e também de Danglars, que invejou a
promoção de cargo.
Dantès é, então, enviado a Chateâu d'If (uma prisão localizada em uma ilha
distante, na qual colocavam os presos que não poderiam voltar à sociedade por
um bom tempo). Mais adiante se segue um período de grande angústia para o
personagem. Contudo, em certo momento ele conhece um padre, Abade Faria,
que ao cavar um túnel para fuga foi parar na cela de Dantès. Surge uma forte
amizade entre as personagens.
Por meio do Abade Faria, Edmond é apresentado aos livros, aprende a ler,

3
Fonte: http://cinema.uol.com.br/dvd/2003/01/01/conde_de_monte_cristo_o.jhtm (Último
acesso em 06. 12. 2008).
152
a lutar e a ser menos ingênuo. Abade Faria exerce uma função importantíssima
no filme. É por meio dele que Dantès adquire a sua liberdade. É também através
dessa personagem que o protagonista do filme descobre o mapa do tesouro de
Espada, tornando-se membro da nobreza francesa.
Mais adiante Edmond escapa da prisão, encontra o tesouro e torna-se o
Conde de Monte Cristo. A partir deste momento vinga-se de todos os seus
inimigos, mata Fernand Mondego (após tentar mandá-lo para a prisão), recupera
sua família (Mercedes e o filho) e tem de volta sua reputação, liberdade e
riqueza.

Questões de Autoria:

A partir de uma entrevista realizada com o roteirista, Jay Wolpert, é


possível discutir o conceito de autoria. O responsável por adaptar o livro ao
cinema afirma que o grande obstáculo da escrita do roteiro é a estrutura, a
decisão sobre o que vai acontecer na história. Ele revela que a sua preocupação
é sintetizar a obra em pouco tempo e define a essência do enredo como: “Um
jovem na prisão injustamente que consegue fugir e busca vingança”.
Jay Wolpert não considera o romance O Conde de Monte Cristo uma
história lendária, portanto afirma que não se intimidou ao escrever o roteiro:
menciona pequenas modificações na essência de alguns personagens, bem como
no enredo. Um bom exemplo é o personagem Fernand Mondego, melhor amigo
de Dantès, que no livro de Dumas se suicida, enquanto no filme sobrevive até o
final para lutar com Dantès.
O roteirista ironiza o fato de Albert não ser filho ilegítimo de Mondego no
livro. Ele menciona que nunca entendeu porque isso não aconteceu, e afirma:
“Ora, vamos incluir um filho ilegítimo no filme e todos ficarão felizes”. Aos
críticos que o acusaram de não ter sido fiel ao livro, Wolpert afirma que a sua
tarefa não era ter sido fiel ao livro, mas sim fazer um filme (e não filmar um
livro).
Como afirma Brandão (2004), um autor é uma função social. Essa posição
é assumida pelo sujeito enquanto produtor da linguagem, do discurso. Portanto,
é possível afirmar que o roteirista se constitui como autor no momento em que
escreve o roteiro do filme. Wolpert não realizou apenas um exercício
mnemônico (explicado por Orlandi, 2006) ao adaptar o livro ao filme; mas, por
meio de sua formação discursiva, conferiu ao filme um novo sentido carregado
de uma nova significação.

153
Análise da cena:

A partir do século XVI a ideia de Modernidade começou a se afirmar na


Europa – as Grandes Navegações haviam dado sinal de partida para a
Revolução Comercial. Ao mesmo tempo vinha o Renascimento, que estabelecia
um novo paradigma para a percepção do mundo, da sociedade, da história. O
Renascimento – que questionou alguns dogmas estabelecidos pela Igreja
durante a Idade Média – influenciou também o século XVIII, levando sua
postura crítica às últimas consequências através do Iluminismo.
O século XVIII, na Europa, representou um momento de luta entre o novo
e o antigo. O Iluminismo projetou, com as luzes da razão, os princípios de
igualdade de direitos e liberdade de pensamento. Fortalecida com a Revolução
Industrial, a burguesia tornava-se a grande protagonista dessa era de
transformações e Revoluções.
O Iluminismo difundiu-se na França e na Inglaterra no decorrer do século
XVIII. Sua principal característica era a valorização da ciência e da
racionalidade como forma de eliminar a ignorância dos seres humanos. Para os
iluministas, as trevas da ignorância deveriam ser substituídas pelas luzes da
Razão. Segundo Hampson (1973) a razão humana funcionava através de
observações cuidadosas e detalhadas e dizia respeito a formas de pensamento ou
comportamento que envolvem muitos aspectos da vida.
Destacamos esses fatos históricos ocorridos na França do século XVIII,
porque tanto o período em que a história se passa (1814 a 1830) quanto o
período em que Alexandre Dumas escreve e publica o romance (1844 a 1846)
são marcados por uma época de Revoluções. Como já foi citado, em 1815,
Napoleão fugiu do exílio e retomou o poder. Anos depois, aconteceu a
Revolução de 1830 e, logo em seguida, as revoluções de 1848 – em que se
pregava o liberalismo e o nacionalismo. Contudo, o mais importante é destacar
que todo esse período e todas as revoluções ocorridas durante essas datas foram
fortemente influenciados pelo Iluminismo. Como afirma Grespan (2008), os
acontecimentos históricos têm atualidade e vida e ajudaram a dar forma ao
mundo contemporâneo moldando instituições e ideais universais.
A contextualização feita acima justifica o trabalho com o conceito de
condições de produção, visto que a análise da cena do filme é feita a partir do
contexto sócio-histórico e ideológico em que o discurso foi produzido. Vamos,
pois à análise:

154
a) O padre Abade Faria chega à cela de Edmond Dantès

O padre chega à cela através de um túnel subterrâneo que cavava com o


propósito de fugir de Château d’If. A partir do momento em que Abade Faria
chega à prisão há mais humor nas cenas, ironia e uma sensação de alívio –
afinal, as cenas anteriores são um tanto monótonas, pois mostram
principalmente Edmond desesperado, angustiado e sozinho em sua cela.
Abade Faria possui um figurino interessante: uma barba longa e branca,
que está sempre limpa. Idoso, representa muito bem a imagem da sabedoria, o
conhecimento concentrado em pessoas sábias pelas experiências de vida. O
padre ainda lembra uma figura angelical, que vai à cela de Dantès para iluminar
o caminho dele.

b) Abade Faria sobe nos ombros de Edmond Dantes para contemplar o céu

Abade Faria aparece nessa cena iluminado e como uma figura angelical. É
como se o padre representasse uma resposta divina à inscrição de Edmond na
parede: “Deus me trará justiça”. O Abade oferece a Edmond o conhecimento
de que ele precisava para fazer justiça. Ele é o iluminado (ou iluminista) que
leva Dantès ao caminho do conhecimento.

c) Edmond Dantes segue Abade Faria até a outra cela

Após o padre e Edmond Dantes identificarem-se, e depois de observarem


questões comuns a eles mesmos, Abade Faria convida Edmond a segui-lo
(“Siga-me”); o convite remete-nos ao discurso religioso, que afirma que a
sabedoria deve ser seguida.
Os dois dirigem-se à cela do padre através do escuro túnel subterrâneo. Ou
seja, nesse momento Dantès está nas trevas da ignorância (túnel escuro),
começando a descobrir as luzes do conhecimento. Após essa cena, o túnel
sempre será iluminado quando nele estiverem Dantès e Abade Faria –
principalmente por uma vela segurada ora por Edmond ora pelo padre.

d) Dantes e Abade chegam à cela

Quando Edmond e o padre chegam à cela, inicia-se uma música suave, que
nos faz pensar em esperança. É como se Abade Faria, seu conhecimento, sua
companhia, os livros, tudo fizesse renascer em Edmond Dantès a esperança de
sair daquele lugar, reconquistar sua liberdade e fazer justiça.

155
A cela do padre é bem mais espaçosa e iluminada. Há uma cadeira que o
próprio Abade confeccionou e uma pequena mesa, onde se encontram os livros,
uma pedra bem semelhante a um giz, o prato de comida e uma caneca de água.
Ou seja, os livros estão próximos dos lugares onde se sacia a fome e a sede, bem
como de um instrumento utilizado por educadores: o giz – que em outra cena do
filme é usado pelo padre para escrever na parede conteúdos de disciplinas
ensinadas a Dantès.

e) O diálogo, os livros...

Logo que chegam à cela, o padre e Dantès começam um diálogo sobre


fuga. Abade Faria pede a Edmond ajuda para sair do Château d’If. Em troca, ele
“oferece algo sem preço”. Dantes logo conclui: “minha liberdade”; e o padre
argumenta: “Não, liberdade pode ser tirada de você. Como saberá, ofereço o
conhecimento. Tudo que aprendi. Ensinarei a você a economia, a matemática, a
filosofia, as ciências”
O Iluminismo baseava-se na razão e considerava o conhecimento, a
felicidade e a liberdade os objetivos primordiais do ser humano. É justamente o
que aparece na cena: o padre afirma que para a liberdade é necessário o
conhecimento, pois a liberdade de idéias e a sabedoria não poderiam ser tiradas
de Edmond Dantès. A fonte de todo o progresso e da liberdade era a razão, guia
para a compreensão do mundo, das relações sociais. O conhecimento era a única
forma para Dantes livrar-se das trevas da ignorância, da prisão de ideias e
construir um caráter perspicaz, menos inocente, mais questionador.
Em outras cenas Edmond já aparece estudando, lendo os livros
emprestados pelo Abade e construindo seu conhecimento. Alguns títulos de
livros também aparecem durante o filme. Um deles é A Riqueza das Nações, de
Adam Smith – considerado um iluminista escocês.
As disciplinas que Abade Faria promete ensinar a Edmond são também
estudadas e valorizadas durante o período do Iluminismo. Economia e
matemática são consideradas disciplinas relacionadas às áreas exatas; ciências,
uma disciplina de hipóteses, experimentação; e filosofia também era destaque se
destacava durante o período do Iluminismo (Voltaire, Montesquieu, Diderot,
Rousseau etc.).
Através dessa análise construímos um sentido, que foi produzido no
processo da interlocução. Por esse motivo, consideramos as condições de
produção do discurso, que constituem a instância verbal de sua produção. Essas
condições de produção envolvem um período marcado por revoluções e ao qual
antecedeu ao Iluminismo e suas ideias.

156
Experiência Piloto - Algumas Considerações

O roteiro de pesquisa explicado neste artigo (discussão das condições de


produção, questões de autoria, análise de cena) serviu como base para
discussões (em sala de aula) no programa Ciência e Arte nas Férias4. Os alunos
participantes estabeleceram debates ricos e produziram diferentes efeitos de
sentido.
Foi possível constatar que, após as discussões sobre o filme, muitos alunos
(que nem sabiam ser o filme uma adaptação de um clássico da literatura)
tiveram interesse em assistir ao Conde de Monte Cristo, bem como em ler o
romance de Dumas.
Alguns alunos fizeram análises detalhadas e relacionaram elementos da
cena a aspectos históricos (falaram principalmente da importância do
iluminismo e das instituições sociais). Outros destacaram a questão de autoria
discutindo a tarefa de adaptar os dois volumes do livro às duas horas do filme.
Foi uma experiência inicial em sala de aula, mas que já permitiu afirmar que é
possível trabalhar em sala de aula conceitos discursivos através de filmes não
tão conhecidos pelos alunos.
_______________________
Referências Bibliográficas:

BRANDÃO, H. H. N. (1999). Introdução à análise do discurso. (2ª ed.). Ed. da Unicamp,


Campinas, 2004.
BOLOGNINI, C. Z. (org.) (2007). Discurso e Ensino: O Cinema na Escola. Mercado de Letras,
Campinas.
DUMAS, A. (1844). O Conde de Monte Cristo (Vol. I e II). Martin Claret, SP, 2008.
GINZBURG, C. (1986). “Sinais: Raízes de um Paradigma Indiciário”. In Mitos, Emblemas e
Sinais. Cia das Letras, SP, 1991, p. 143-180.
GRESPAN, J. (2008). Revolução Francesa e Iluminismo. Contexto, SP.
HAMPSON, N. (1973). O Iluminismo. Ulisseia, Lisboa.
ORLANDI. E. P. (1999). Análise de discurso: princípios e procedimentos. (6ª ed.). Pontes,
Campinas, 2005.
____. “Análise de Discurso”. In: ORLANDI, E. P.; LAGAZZI-RODRIGUES, S. (org.). (2006).
Discurso e Textualidade. Pontes, Campinas.

Filmografia:
O CONDE de Monte Cristo (The Count of Monte Cristo). Direção: Kevin Reynolds. Produção:
Birnbaum/Barber. Intérpretes: Jim Caviezel, Guy Pearce, Richard Harris, James Frain, Dagmara
Dominczyk, Luis Guzman. Roteiro: Jay Wolpert. Buena Vista Home Enterainment; Touchstone
Pictures e Spyglass Enterainment, 2002. 131 min. aprox. – Cor.

4
Projeto realizado pela Unicamp, que proporciona a estudantes de Ensino Médio da rede
pública de ensino a oportunidade de terem contato com a universidade (e seus institutos e
faculdades) durante o período de férias escolares.
157
Sites:
Site da UOL sobre cinema:
cinema.uol.com.br
Último acesso em 06.12.2008

Site da Terra com biografias:


educaterra.terra.com.br
Último acesso em 06.12.2008

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