A Aculturacao Literaria - Roger Bastide
A Aculturacao Literaria - Roger Bastide
A Aculturacao Literaria - Roger Bastide
Roger Bastide
Tradução:
A ACULTURAÇÃO LITERÁRIA
Este artigo tem um duplo objeto. Ele visa, em primeiro lugar, a propor uma
renovação da literatura comparada, articulando-a à sociologia das
interpenetrações de civilizações. E, em segundo lugar, a criticar o ponto de
vista proposto pela antropologia cultural em relação aos fenômenos ditos "de
aculturação".
O que acabamos de ver sobre a seleção das influências literárias vale também
para as suas transformações ao passar de um meio para outro. É assim que o
procedimento da antítese foi retomado de Victor Hugo por Castro Alves, mas
esta antítese coloriu-se no Brasil com um tom novo: tornou-se a oposição entre
a independência política da nação e a escravidão de uma parte da população,
entre o senhor branco de alma negra e o escravo negro de alma branca, entre
a Casa Grande e a senzala , entre o erotismo libidinoso do europeu e o amor
casto do africano; ela permitiu igualmente a inversão de todos os estereótipos
relativos ao negro para mudar em beleza o que era anteriormente desonra. E
assim a passagem da influência de Hugo à de Lamartine foi ditada pela
condição social do Brasil. Mais tarde, vamos notar que os escritores de cor
preferirão o Parnasianismo ou o Simbolismo a outras formas de poesia, uma
vez que estas escolas defendem a dificuldade na arte, o trabalho artesanal, o
preciosismo, contra a inspiração. É um meio encontrado por este setor da
população para lutar contra a imagem que a sociedade tem do negro, como
"selvagem". Cruz e Souza o diz claramente: ele quis lutar contra sua
hereditariedade e a música do tambor, aproximando-se da arte mais refinada e
mais transcendental que fosse possível e opondo o canto da flauta e a melodia
do violino à batida surda do tantã. Apesar disso, ele metamorfoseou os temas
simbolistas, tanto o da Vênus negra de Baudelaire quanto o do espelho "água
fria, pelo tédio na sua moldura conge lada" de Mallarmé, já que colocou aí as
experiências sociológicas do grupo de pessoas de cor (7). Onde o francês
busca um aumento do pecado, numa confusão mística entre a cor negra e o
demoníaco, o brasileiro vai descobrir, ao contrário, uma espiritualização do
amor e uma sublimação da sensua- lidade. Certamente, há também uma
refração das correntes literárias atra- vés dos temperamentos individuais,
ninguém menos do que nós poderá esquecer-se disto; porém, mesmo aqui, as
variações se fazem no interior de uma mentalidade ou de um comportamento
de grupo. À primeira vista, não há nada em comum, por exemplo, entre os
romances do mestiço Machado de Assis e os do também mestiço Lima Barreto;
em todo caso, ambos exprimem o naturalismo em arte como "símbolo" da
classe média de cor, porém Machado de Assis foi perfeitamente bem-sucedido
em sua ascensão social, o que não ocorreu com Lima Barreto; daí a diferença
de tom e de estilo.
(3) BASTIDE (R.). "Le problème noir en Amérique latine", Bul. int. des sciences
sociales , IV, 3, 1952.