O Teatro de Vicente Pereira

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Vicente Pereira

Isto é Besteirol:
O Teatro de Vicente Pereira

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Vicente Pereira

Isto é Besteirol:
O Teatro de Vicente Pereira

Luís Francisco Wasilewski

São Paulo, 2010

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GOVERNO DO ESTADO
DE SÃO PAULO

Governador Alberto Goldman

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo


Diretor-presidente Hubert Alquéres

Coleção Aplauso
Coordenador Geral Rubens Ewald Filho

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No Passado Está a História do Futuro

A Imprensa Oficial muito tem contribuído com


a sociedade no papel que lhe cabe: a democra-
tização de conhecimento por meio da leitura.
A Coleção Aplauso, lançada em 2004, é um
exemplo bem-sucedido desse intento. Os temas
nela abordados, como biografias de atores, di-
retores e dramaturgos, são garantia de que um
fragmento da memória cultural do país será pre-
servado. Por meio de conversas informais com
jornalistas, a história dos artistas é transcrita em
primeira pessoa, o que confere grande fluidez
ao texto, conquistando mais e mais leitores.
Assim, muitas dessas figuras que tiveram impor-
tância fundamental para as artes cênicas brasilei-
ras têm sido resgatadas do esquecimento. Mesmo
o nome daqueles que já partiram são frequente-
mente evocados pela voz de seus companheiros
de palco ou de seus biógrafos. Ou seja, nessas
histórias que se cruzam, verdadeiros mitos são
redescobertos e imortalizados.
E não só o público tem reconhecido a impor-
tância e a qualidade da Aplauso. Em 2008, a
Coleção foi laureada com o mais importante
prêmio da área editorial do Brasil: o Jabuti.
Concedido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL),
a edição especial sobre Raul Cortez ganhou na
categoria biografia.

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Mas o que começou modestamente tomou vulto
e novos temas passaram a integrar a Coleção
ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso inclui
inúmeros outros temas correlatos como a his-
tória das pioneiras TVs brasileiras, companhias
de dança, roteiros de filmes, peças de teatro e
uma parte dedicada à música, com biografias de
compositores, cantores, maestros, etc.

Para o final deste ano de 2010, está previsto o


lançamento de 80 títulos, que se juntarão aos
220 já lançados até aqui. Destes, a maioria foi
disponibilizada em acervo digital que pode
ser acessado pela internet gratuitamente. Sem
dúvida, essa ação constitui grande passo para
difusão da nossa cultura entre estudantes, pes-
quisadores e leitores simplesmente interessados
nas histórias.

Com tudo isso, a Coleção Aplauso passa a fazer


parte ela própria de uma história na qual perso-
nagens ficcionais se misturam à daqueles que os
criaram, e que por sua vez compõe algumas pá-
ginas de outra muito maior: a história do Brasil.

Boa leitura.
Alberto Goldman
Governador do Estado de São Paulo

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Coleção Aplauso
O que lembro, tenho.
Guimarães Rosa

A Coleção Aplauso, concebida pela Imprensa


Ofi cial, visa resgatar a memória da cultura
nacional, biografando atores, atrizes e diretores
que compõem a cena brasileira nas áreas de
cinema, teatro e televisão. Foram selecionados
escritores com largo currículo em jornalismo
cultural para esse trabalho em que a história cênica
e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituída
de maneira singular. Em entrevistas e encontros
sucessivos estreita-se o contato entre biógrafos e
biografados. Arquivos de documentos e imagens
são pesquisados, e o universo que se recons-
titui a partir do cotidiano e do fazer dessas
personalidades permite reconstruir sua trajetória.

A decisão sobre o depoimento de cada um na pri-


meira pessoa mantém o aspecto de tradição oral
dos relatos, tornando o texto coloquial, como
se o biografado falasse diretamente ao leitor.

Um aspecto importante da Coleção é que os resul-


tados obtidos ultrapassam simples registros bio-
gráficos, revelando ao leitor facetas que também
caracterizam o artista e seu ofício. Biógrafo e bio-
grafado se colocaram em reflexões que se esten-
deram sobre a formação intelectual e ideológica
do artista, contextualizada na história brasileira.

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São inúmeros os artistas a apontar o importante
papel que tiveram os livros e a leitura em sua
vida, deixando transparecer a firmeza do pen-
samento crítico ou denunciando preconceitos
seculares que atrasaram e continuam atrasando
nosso país. Muitos mostraram a importância para
a sua formação terem atuado tanto no teatro
quanto no cinema e na televisão, adquirindo,
linguagens diferenciadas – analisando-as com
suas particularidades.

Muitos títulos exploram o universo íntimo e


psicológico do artista, revelando as circunstâncias
que o conduziram à arte, como se abrigasse
em si mesmo desde sempre, a complexidade
dos personagens.

São livros que, além de atrair o grande público,


interessarão igualmente aos estudiosos das artes
cênicas, pois na Coleção Aplauso foi discutido
o processo de criação que concerne ao teatro,
ao cinema e à televisão. Foram abordadas a
construção dos personagens, a análise, a história,
a importância e a atualidade de alguns deles.
Também foram examinados o relacionamento dos
artistas com seus pares e diretores, os processos e
as possibilidades de correção de erros no exercício
do teatro e do cinema, a diferença entre esses
veículos e a expressão de suas linguagens.

Se algum fator específico conduziu ao sucesso


da Coleção Aplauso – e merece ser destacado –,

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é o interesse do leitor brasileiro em conhecer o
percurso cultural de seu país.

À Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um


bom time de jornalistas, organizar com eficácia
a pesquisa documental e iconográfica e contar
com a disposição e o empenho dos artistas,
diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a
Coleção em curso, configurada e com identida-
de consolidada, constatamos que os sortilégios
que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filma-
gem, textos, imagens e palavras conjugados, e
todos esses seres especiais – que neste universo
transitam, transmutam e vivem – também nos
tomaram e sensibilizaram.

É esse material cultural e de reflexão que pode


ser agora compartilhado com os leitores de
todo o Brasil.

Hubert Alquéres
Diretor-presidente
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

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À memória de
André Valli
Duse Nacaratti
Felipe Pinheiro
Mauro Rasi
Miguel Magno
Vicente Pereira, com quem aprendi
o valor do riso.

Dedico aos meus pais, Henrique e Terezinha,


meus irmãos, Luís Gustavo e Luís Henrique,
Jaques Beck, Marcus Alvisi e Miguel Falabella,
que ajudaram a tornar concreto este sonho.

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Eu nunca soube, de nós duas, qual era a mais
feliz. Se aquela que crê no que vê ou se aquela
que crê no que diz. Que engraçado. Eu acho
que gosto tanto do teatro porque ali moram
os que creem e os que dizem.

Maria Carmem Barbosa e Miguel Falabella –


Síndromes, loucos como nós

Não é que eu só admita a comédia, mas juntar


muitas pessoas num teatro e não ouvir um úni-
co riso? Isto me parece um desperdício de vida.

Vicente Pereira. dito para Maria Padilha

... e ah como quero abraçar Vicente Pereira.

Caio Fernando Abreu –


Segunda carta para além dos muros.

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Capítulo I

O Teatro Besteirol: Como Ele Surgiu e o


que Foi Escrito Sobre Ele

A primeira vez que tive um contato com a obra


de Vicente Pereira foi quando assisti à histórica
encenação de Sereias da Zona Sul, com Miguel
Falabella e Guilherme Karam. Foi em 1989.
Eu tinha 10 anos. Nunca tinha ouvido falar na
expressão Besteirol. No entanto, quando vi Se-
reias, fiquei fascinado por aquele humor ferino,
aquela transgressão dos costumes, onde o traves-
timento feminino era utilizado em abundância.
15
Acredito que Falabella e Karam provocaram
um encantamento em mim, tal qual Oscarito
e Grande Otelo fizeram nas crianças de outros
tempos. Não é por acaso que a dupla das chan-
chadas cinematográficas será lembrada neste
livro. A estética do besteirol herdou muito do
humor deles, e também, como eles, foi vítima
de preconceito.

Há muitos anos eu quis contar, com minúcias,


como foi este período do nosso teatro. Vamos
à sua história.

O autor do rótulo Besteirol foi o crítico teatral


Macksen Luiz que, na edição da revista Isto É de

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setembro de 1980, assim escreveu sobre a peça
As 1001 Encarnações de Pompeu Loredo, de
Mauro Rasi e Vicente Pereira: A melhor definição
para a peça pode ser resumida num neologismo
carioca, gíria de praia, que significa exatamente
aquilo que a palavra resume: besteirol. Essa di-
vertida bobagem deve conseguir grande sucesso
de público. Esta é considerada a primeira vez que
a expressão é escrita na imprensa.

Mas quando começou esta forma teatral?

Alguns grupos e um espetáculo que teve o tex-


to assinado por Mauro Rasi são considerados
precursores do gênero. Vicente Pereira, que
16
iniciou sua carreira no centro do país fazendo o
visagismo dos shows do grupo Secos & Molhados,
protagoniza em 1974 um texto de Mauro Rasi in-
titulado Ladies na Madrugada, que foi também
a estreia no palco do ator e figurinista Patrício
Bisso. Ladies já trazia algumas características do
que viria a ser o besteirol, entre as quais, atores
vestidos de mulher – é importante lembrar que
na época o travestimento estava presente em
diversas manifestações artísticas, tais como os
próprios Secos & Molhados e o grupo de teatro-
dança Dzi Croquettes, isso sem falar no glam rock
de David Bowie. Luiz Carlos Góes, que atuava
no espetáculo, lembrou o processo que resultou
em Ladies. Luiz Carlos conta que o grupo que

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havia se formado em torno do espetáculo vivia
em constante aperto financeiro. Todo o dinheiro
que era arrecadado servia para as drogas que
eles usavam. No meio disso tudo, cada um ia
tendo uma ideia e Mauro ia colocando no papel.
Mauro juntou tudo e criou o espetáculo. Ele lem-
bra, também, do dia em que um menino chegou
durante um ensaio da peça no Teatro Treze de
Maio. Góes relembra que por causa da paranoia
constante em que eles viviam em função da di-
tadura militar, chegaram a pensar que o invasor
do ensaio era um agente do Dops disfarçado. Só
que no dia seguinte, o mesmo menino voltou
travestido. E entrou no teatro vestido de mulher,
daquele jeito que ele ficou conhecido. Vestido 17

como uma estrela hollywoodiana da década de


1940. Esse menino era o Patrício Bisso. Na época,
Bisso era menor de idade. Tinha vindo ao Brasil,
exilado da Argentina. A carência afetiva dele era
tão grande que ele passou a chamar o Góes de
Pai e o Rubens de Araújo (que, também, era do
elenco de Ladies) de Mãe.

Patrício Bisso tornou-se uma personalidade sig-


nificativa na cultura brasileira, especialmente na
década de 1980. Foi figurinista de filmes como
O Beijo da Mulher Aranha e Brasa Adormecida;
como ator, atuou em Além da Paixão, de Bruno
Barreto; e sua personagem, Olga del Volga, sexó-

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loga russa foi tão marcante nos palcos brasileiros
que se tornou personagem da novela Um Sonho
a Mais, de Daniel Más. Em diversas ocasiões,
Bisso assumiu que fugiu da Argentina porque a
repressão sexual lá era mais forte que no Brasil.

Há os que consideram um dos precursores do


Besteirol o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombo-
ne, de Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Luiz
Fernando Guimarães, entre outros. Realmente,
existiam ligações entre os dois. Vicente Pereira
morou com integrantes da trupe carioca no
final da década de 1970, e convivia muito com
o grupo. Já Mauro Rasi enxergava diferenças
18
entre o Besteirol e o Asdrúbal: Achava ingênuo
aquilo. Era muito para consumo. Eu era mais
maldito e com um pé no universo gay. O Asdrú-
bal não tinha nada disso, era mais rock e acho
que éramos mais críticos e ferinos, comentou o
dramaturgo para o livro Quem tem um sonho
não dança: Cultura jovem brasileira nos anos
1980, de Guilherme Bryan.

No entanto, é certo que havia uma proximidade


afetiva entre o Asdrúbal e o pessoal do Besteirol.
A atriz Stela Freitas lembra que conheceu Vicen-
te Pereira na casa da atriz Regina Casé. Stela ti-
nha ido morar no Rio de Janeiro, quando passou
a integrar o elenco do programa televisivo Sítio
do Picapau Amarelo, dirigido por Geraldo Casé

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(pai de Regina). Geraldo, então, propôs que Stela
morasse com Regina. E nesta casa aconteciam,
frequentemente, os cafés da manhã que reunia
o elenco do Asdrúbal e Vicente. Stela relembra
que Vicente estava sempre cercado do grupo que
formava o Asdrúbal. E a atriz acabou selando
uma amizade e uma parceria com o dramaturgo.
Ela participou do seriado Tamanho Família, na
TV Manchete e das peças escritas por Vicente,
Pedra, a Tragédia e Com Minha Mãe Estarei.

Um outro ponto que aproxima o Asdrúbal do


besteirol é uma comunicação direta que eles
mantinham com o público jovem. Outro tema
que será abordado neste livro é o misticismo, 19
algo frequente nos textos de Vicente. O es-
petáculo que fez surgir o rótulo Besteirol, As
1001 Encarnações de Pompeu Loredo, mostra a
busca de um funcionário público desiludido da
vida, planejando o suicídio. Pompeu é socorri-
do pela doutora Neme Maluf, que mantém um
consultório onde pratica terapias alternativas
não bem explicitadas na peça. Neme, que teve
seu registro de terapeuta cassado pela Ordem
dos Psicanalistas, faz Pompeu participar de uma
sessão de regressão, em que ele descobre ter sido
uma falsa deusa no Egito antigo, um vampiro
faminto na Transilvânia e um cardeal corrupto
na Itália renascentista. Há momentos em que

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a peça mostra o contexto da ditadura militar.
Vejamos um diálogo de Neme e Pompeu:
Pompeu (Preocupado) – A senhora está proibida
de clinicar?
Doutora Neme – Sim. Veja que petulância das
autoridades. Acho que o governo errou ao me
condenar.
Pompeu (Preocupado) – Mas, proibida por quê?
(Levanta-se, pronto para sair) O que foi que a
senhora fez?
Doutora Neme (Tranquilamente fazendo-o
sentar-se novamente) – E é preciso fazer alguma
coisa para ser punida num regime autoritário?

20

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Capítulo II

O Besteirol: Seus Detratores e Entusiastas

É certo que a recepção da expressão pelos repre-


sentantes do gênero nunca foi tão fácil assim.
No livro Quem tem medo de besteirol?, Flávio
Marinho lembra como este rótulo foi encarado:
Aquele nome caiu como uma bomba no meio.
Lembrava remédio, alguma coisa ligada ao
Atenol e parecia depreciar a bobagem, o que
para muita gente é como a Sessão da Tarde: a
única verdade da vida. Miguel Falabella, um dos
papas do movimento, numa entrevista dada ao
Globo em 1987, ainda estava inconsolado com 21

o termo. – Jamais gostei desse nome. Acho um


papel triste. Mas agora Inês é morta. É inegável
que conquistamos um espaço, um público, essa
coisa toda.

É importante lembrar que a expressão Besteirol,


nos dias de hoje, tem um sentido que extrapola
o universo teatral. Qualquer coisa vista como
idiota, estúpida até, recebe o título de Besteirol.
Até filmes norte-americanos quando traduzidos
para o português, em cartaz no Brasil, recebem
essa denominação. Um exemplo está no filme
Não é Mais um Besteirol Americano, cujo título
original era Not Another Teen Movies.

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Em tom debochado, Felipe Pinheiro, que, junta-
mente com seu colega de cena Pedro Cardoso,
foi inserido no Besteirol, disse que: No mínimo,
besteirol era remédio homeopático que ia se
tomando devagarzinho para virar besta e, por
fim, crítico teatral. A frase de Felipe está no livro
de Guilherme Bryan.

Para o livro Besteirol e carnavalização: O teatro


de Mauro Rasi, Miguel Falabella e Vicente Perei-
ra, escrito por Alanderson Machado e Marcelo
Bruno, Macksen Luiz, ao fazer um balanço do
gênero, polemiza mais o assunto: O Besteirol é
um vômito (...) de uma geração que foi gerada
22 numa época repressiva e então resolveu romper,
de alguma forma, com esta repressão, sendo um
pouco iconoclasta, demolidora (...) eles ganha-
ram uma voz para serem um pouco críticos. Era
uma crítica represada, digamos assim. Mas uma
crítica sempre partindo do banal, do cotidiano,
não querendo aprofundar nada, nenhuma se-
riedade.

Miguel Falabella relembra o começo do movi-


mento e também os preconceitos críticos sofridos
por ele: O Teatro Besteirol precisava ser feito
naquele momento, para tirar o ranço da proi-
bição dos anos de chumbo, a de que o riso era
uma coisa proibida, – diz Miguel.

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Segundo ele, a alegria é sempre discriminada. E
principalmente, no momento em que surgiram
os autores do besteirol. Falabella rememora
que eles surgiram num momento de transição
de um mundo violento, por causa do regime
militar. Comenta que nos primeiros anos em que
atuava num grupo teatral (no caso, O Pessoal de
Despertar ao lado de nomes como Daniel Dantas
e Maria Padilha), ele se sentia tal qual um alie-
nígena. Ou mesmo até, um débil mental. Tudo
isso porque gostava de rir, gostava de comédia.

Miguel também compara o movimento do


besteirol (é importante frisar que ele, como a
maioria dos artistas que faziam esse teatro na- 23
quela época, têm ojeriza a esse nome) a outros
movimentos artísticos importantes na década de
1980, em outros países. Ele cita como exemplo A
Ridiculous Theatrical Company, nos Estados Uni-
dos, que trouxe à cena a obra teatral de Charles
Ludlam, autor de um dos espetáculos de maior
sucesso na história do teatro brasileiro, a saber, O
Mistério de Irma Vap, que foi interpretado pela
dupla Marco Nanini e Ney Latorraca, sob a dire-
ção de Marília Pêra. Outro movimento citado por
Miguel na entrevista foi La Movida Madrileña,
na Espanha, que revelou nomes como o cineasta
Pedro Almodóvar. E Miguel Falabella enxerga,
qual Mauro Rasi, um forte componente gay nas

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peças do Teatro Besteirol, presente também
naqueles movimentos. Para Falabella, o começo
do besteirol estava nos espetáculos do grupo de
teatro-dança Dzi Croquettes. Os Dzi Croquettes
marcaram a cena artística mundial na década de
1970. A estreia deles aconteceu no Restaurante
Pujol, na Ipanema carioca do começo dos anos
1970. O grupo era comandado pelo coreógrafo
Lennie Dale e tinha como fonte de inspiração o
grupo norte-americano The Cockettes e o movi-
mento gay off-Broadway. A equipe original do
grupo, além de Lennie, contava com os bailarinos
Ciro Barcelos, Cláudio Gaya, Reginaldo de Poli,
Rogério de Poli, Cláudio Tovar, Paulo Bacellar
24 (que posteriormente adotaria o nome Paulette e
se tornaria figura conhecida da televisão nos hu-
morísticos de Chico Anysio), Carlinhos Machado,
Benedictus Lacerda, Eloy Simões, Roberto Rodri-
gues e Bayard Tonelli. Junto com Lennie, outra
figura importante na criação dos Dzi era o ator
e autor Wagner Ribeiro. Wagner era o respon-
sável pelos roteiros dos espetáculos do grupo.
Além disso, ele foi o autor de uma das canções
mais famosas das Frenéticas, Vingativa. A atriz
Duse Nacaratti lembrava que os Dzi tinham 13
integrantes. O sucesso do grupo na França foi
tamanho que eles tiveram como madrinha a
cantora Liza Minnelli. Era a androginia em cena.
Os Dzi tinham como princípio fazer em cena a

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união da força do macho e a graça da fêmea.
E foi no grupo que surgiu a expressão tiete. Al-
guns dos integrantes do grupo conviveram, por
intermédio de Duse, com uma mulher chamada
Tiete. A partir desse convívio e por causa das ati-
tudes de Tiete foi criada a expressão que, hoje,
é designativa de fã. Agora, em 2009, surgiu um
excelente documentário dirigido por Tatiana
Issa e Raphael Alvarez que registra a trajetória
do Dzi Croquettes.

E a aproximação entre Falabella e Almodóvar


onde está? Os depoimentos que virão, agora,
mostram que há sim uma relação entre a obra
do louro brasileiro com a do moreno espanhol. 25

Em depoimento para o livro Besteirol e Carnava-


lização, Falabella fala sobre o material que ele,
Vicente Pereira e Mauro Rasi utilizavam para
criar as peças do gênero: Eu, Mauro e Vicente
pegamos essas lembranças, de cinema antigo,
de bailes de debutantes, essas coisas kitsch que
chamam de lixo cultural e os aproveitamos no
texto. O público, jovem ou menos jovem, tem
se identificado com essas memórias afetivas. A
gente põe várias citações de filmes, por exemplo,
nos esquetes e todo mundo saca.

Pedro Almodóvar no livro Conversas com Almo-


dóvar de Frederic Strauss, comenta algo seme-

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Vicente e Cláudio Gaya

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lhante sobre o processo criativo de um dos seus
primeiros filmes, Labirinto das paixões: Naquele
tempo eu gostava muito de ler revistas femininas
porque encontrava nelas coisas muito cômicas
para o meu gosto, em particular nas cartas das
leitoras, que escrevem porque roem unhas ou
porque têm gases, e perguntam o que fazer para
resolver o problema. No filme encontramos essas
figuras femininas. Também me inspirei em filmes
históricos muito kitsch, como Sissi, a imperatriz.

A crítica teatral Barbara Heliodora sempre foi


uma exceção entre os ensaístas brasileiros a
tratarem do tema besteirol. Quando Barbara
começou a colaborar como crítica teatral para 27
a Revista Visão, escreveu o artigo Onde canta o
besteirol?, onde dizia: O Besteirol não passa de
enésimo avatar de um tipo de humor, de crítica
alegre, de caricatura redutiva e pouco ferina,
que sempre identificamos como o estado de
espírito que define o carioca. O esquete do fi-
nado Teatro de Revista, a piada que nasce após
o evento significativo. (...) São variantes da mes-
ma têmpera alegre e amiga que sempre levou
os preconceituosos a deduzir, daí, uma falta de
seriedade geral para o Rio de Janeiro.

Quando o besteirol comemorou os 20 anos do


surgimento, em 2000, Barbara escreveu para o
Jornal O Globo, na edição do dia 5 de abril da-

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quele ano, o artigo Um belo filho da censura,
onde ressaltava as virtudes do gênero teatral,
bem como o uso que o teatro da época fazia
dele: Não é possível falar do advento do besteirol
sem refletir sobre os anos da censura, que não
só voltou-se de forma particularmente viciosa
contra o teatro, como também durou muito (...)
Quando a censura acabou, portanto, havia um
vácuo que algumas peças proibidas pela censura
não chegaram a preencher; e foi aí que um pu-
nhado de jovens apareceu e criou o que veio a
ter o nome de besteirol. Nada poderia anunciar
tão claramente que era uma nova geração, um
outro tempo, que chegava ao teatro: no universo
28 que o gênero criava choviam as referências a
um novo modo de ver as coisas, pesava muito a
dinâmica do cinema (que os autores vivenciavam
muito mais do que o teatro), e o conteúdo crítico
tinha muito a ver com a faixa etária... Mas não
creio que teria sido possível a essa nova geração
encontrar melhor escola de dramaturgia para o
quadro brasileiro: para reconquistar um público
quase desaparecido, era preciso por um lado ter
pressa, e por outro ser atraente – e a importância
do besteirol para o que teve de ser um virtual
renascer do teatro depois da censura é inegável.
Inevitavelmente, o besteirol foi a glória de um
momento; ilusoriamente fácil de imitar, o sub-
besteirol é insuportável, mas o original nos dá,

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hoje em dia, alguns dos principais nomes da
dramaturgia brasileira – o que não é pouco.

Barbara já fala na existência do sub-besteirol.


Hoje, há uma confusão enorme que relaciona o
Teatro Besteirol com o stand-up comedy, febre
da cena teatral brasileira no presente momento.
Nesse ponto é importante lembrar que a história
do besteirol não foi feita por comediantes so-
zinhos em cena, mas por uma dupla de atores
com longa folha de serviços prestados ao teatro
brasileiro. Vamos citar alguns: Marco Nanini e
Ney Latorraca; Miguel Falabella e Guilherme Ka-
ram; Miguel Magno e Ricardo de Almeida; Felipe
Pinheiro e Pedro Cardoso, são alguns que ficaram 29
consagrados como atores do Teatro Besteirol.

Em 1985, mais precisamente no dia 22 de junho,


o Caderno B do Jornal do Brasil publicou artigos
de Gerd Bornheim e Miguel Falabella sobre o
besteirol. Gerd escreveu o artigo Cenas de Entre-
atos, em que dizia: A originalidade não é muita.
E decorre de pequenos truques e achados, de
simples jogos de palavras, da invenção de uma
boa piada, de um travestimento bem bolado, ra-
ras vezes conseguindo alçar-se ao esboço de um
núcleo mais consistente, que revele, ao menos, a
insinuação de um ponto de partida à altura de
um compromisso maior (...) a boa acolhida por
parte do público torna essa prática, aos poucos,

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um hábito. E assim se fazem presentes, quase
sempre em dupla, Pedro Cardoso e Felipe Pinhei-
ro, Miguel Falabella e Guilherme Karam e, mais
recentemente, Eduardo Dusek e Thais Portinho.
(...) Os espetáculos se apresentam de modo tão
despretensioso e inocente, tão desmemoriado e
imediatista, que parecem nem merecer conside-
ração especial (...) E, como era de esperar, tudo
aqui gira em torno da figura do ator (...) Pois,
amiúde, as interpretações se prendem demasia-
do ao exibicionismo narcisista do próprio gesto,
o que com o tempo, fatalmente levará a uma
aborrecida monotonia. Mas, prudentemente, os
espetáculos não se alongam muito.
30
O nome do artigo de Bornheim, Cenas de Entre-
atos, já mostra uma característica do besteirol
que o filósofo abordará, a saber, o fato de o
gênero ser formado, em geral, por peças curtas,
cuja duração é próxima do Entremez. Vamos
ver, rapidamente, o que era o Entremez. É um
tipo de peça curta, que surgiu no século 16, na
Espanha, e cujo expoente máximo foi Miguel de
Cervantes, autor de entremezes como A Guarda
Cuidadosa e O Velho Ciumento.

Miguel Falabella prontamente respondeu com


um artigo intitulado Uma festa de tolos. O título
do artigo do dramaturgo/autor é uma menção a
um dos rituais cômicos populares da Idade Média.

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Falabella parte para a defesa de uma geração de
autores/atores que optou pelo humor no teatro,
bem como recupera a importância de artistas
populares esquecidos de outras épocas, caso, por
exemplo, de Violeta Ferraz, que foi uma famo-
sa cômica do teatro popular brasileiro. Violeta
atuou, também, em diversas chanchadas como
É fogo na roupa. Há fumaça no ar (...) adjetivos
andam à espreita, atacando jovens membros da
cena carioca. Guilherme Karam foi atropelado
por um descartável, ficando de cama três dias,
sofrendo de aguda crise de identidade. Vicente
Pereira viu-se face a face com um temível bes-
teirol e só conseguiu escapar graças à pronta
intervenção de populares que atacaram o mons- 31
tro (...) do meio desta balbúrdia, uma verdade
parece saltar aos olhos: os tempos mudaram e
exigem uma nova dramaturgia. Os últimos 20
anos não foram apenas a história da ditadura
militar, de seus arbítrios, de suas torturas. Fo-
ram também marcados pelo poder cada vez
mais avassalador da televisão, pela sedutora
decupagem das histórias em quadrinhos (...)
Não sabíamos da guerrilha do Araguaia, mas
conhecíamos o milagre econômico, os sonhos
de ascensão social da classe média. (...) Nós so-
mos Doris Day e Grande Otelo, sabemos de cor
as canções de Cole Porter e nos emocionamos
com o talento cômico de Violeta Ferraz (...)

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alienados seríamos se não refletíssemos sobre
a frenética sociedade de consumo em que nos
transformamos. Alienados seríamos se ficásse-
mos restritos aos clássicos, aos grandes autores,
em montagens bem-comportadas, para ganhar o
beneplácito dos senhores da cultura (...) Levamos
a chanchada e a paródia à cena, sim. Com muito
prazer. Porque estamos cada vez mais atentos à
realidade à nossa volta.

Quando Miguel diz: Alienados seríamos se ficás-


semos restritos aos clássicos, aos grandes autores,
em montagens bem-comportadas, para ganhar
o beneplácito dos senhores da cultura está, de
32 uma certa forma, respondendo aos críticos e
teóricos teatrais que esperavam dele uma ou-
tra trajetória. Afinal, até o momento em que
Miguel formou a dupla com Guilherme Karam,
mantinha uma carreira digamos esteticamente
correta do ponto de vista teatral. Havia traba-
lhado como ator em O Despertar de Primavera,
de Wedekind, Happy End, de Brecht e Weill, e
A Tempestade, de Shakespeare. E no ano do seu
Miguel Falabella e Guilherme Karam, finalmen-
te juntos e finalmente ao vivo, Miguel obteve
um grande reconhecimento como encenador
ao dirigir Emily, de William Luce, monólogo
interpretado por Beatriz Segall sobre a vida da
autora inglesa Emily Dickinson – espetáculo que

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deu a Miguel os troféus Molière e Mambembe
de Melhor Diretor. O próprio Bornheim em seu
artigo fala de uma veia TBC que Miguel Falabella
tinha. Diz Gerd citando o espetáculo Emily: É,
ao menos, gratificante constatar, por exemplo,
que um dos principais representantes deste te-
atro de entreatos, Miguel Falabella, soube com
muita competência, mostrar que não se precisa
ter medo de Virginia Wolff. Falabella dirigiu
Beatriz Segall, em Emily, e atingiu o nível da
melhor tradição do TBC.

Em sua biografia Beatriz Segall, Além das Apa-


rências, escrita por Nilu Lebert, e editada pela
Coleção Aplauso, a atriz Beatriz Segall relata 33
sua experiência de trabalho com Falabella: O
primeiro diretor jovem com quem eu trabalhei
foi o Miguel Falabella, em Emily (de William
Luce). (...) quando ele chegou à minha casa com
o texto, fez duas coisas que me conquistaram: a
primeira foi quando ele disse: Olha, eu trouxe
pra você uma tradução da peça que eu mesmo
fiz, de modo que a tradução precisa ser refeita
por alguém que entenda do assunto, por um
bom poeta capaz de traduzir as poesias da Emily
Dickinson. Isso já me deu uma segurança muito
grande, ele estava disposto a refazer alguma
coisa já bem-feita, e a peça finalmente acabou
sendo traduzida pela Maria Julieta Drummond

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de Andrade, ajudada pelo pai, Carlos Drummond
de Andrade. Logo em seguida, Miguel me des-
creveu a peça como ele a via. Estava tudo pronto
na cabeça dele: a luz, as músicas, ele já tinha
uma ideia definida de cenário, ele sabia tudo. Eu
fiquei tão confiante que o aceitei como diretor
e, na verdade, foi uma maravilha de trabalho,
um sucesso muito grande, verdadeiro, merecido,
porque ele fez uma direção que era uma joia.

A discussão entre Gerd e Miguel expõe ideias te-


atrais distintas. Um mérito do besteirol deve ser
lembrado: foi responsável por uma renovação
da plateia teatral na década de 1980. Ricardo
34 de Almeida, em uma entrevista dada ao Jornal
O Globo, assim lembra o público de Quem Tem
Medo de Itália Fausta?, espetáculo paulista que
para muitos, representou o início do besteirol:
Seja como for, nossos espetáculos levam muito
público ao teatro, principalmente uma faixa – a
garotada – que estava meio sem opção teatral,
diante das montagens mais acadêmicas e dos
vaudevilles. Ricardo concedeu esse depoimento
ao jornal O Globo, em 1987, época da última
temporada de Quem Tem Medo de Itália Faus-
ta? no Rio de Janeiro. Importante lembrar que
os vaudevilles citados pelo ator/autor estavam
ganhando grande espaço na cena teatral do
eixo Rio/São Paulo. Um exemplo estava nas

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montagens dos textos da dupla Roy Coney e
John Chapman, que a partir do final da década
de 1970 chegavam ao Brasil, interpretados por
Marcos Caruso. O primeiro a obter um grande
êxito com ao público foi Camas Redondas,
Casais Quadrados. Nos anos 1980, Roy Coney
e John Chapman tiveram encenadas no Brasil
peças como Mulher, Melhor Investimento e O
Vison Voador, a última adaptada por Marcos
Caruso. E o próprio Caruso fez uso da fórmula
do vaudeville em seu histórico Trair e Coçar é
só Começar, que estreou em 1986, permane-
cendo ininterruptamente até os dias de hoje
em cartaz. Outro bom exemplo de vaudeville
escrito por Caruso, dessa vez em parceria com 35
Jandira Martini, foi Sua Excelência, o Candidato.
Em crítica à recente montagem da peça, feita
para o Jornal o Globo, Barbara Heliodora disse:
Caruso e Martini foram os melhores alunos de
Feydeau no Brasil. Outro dramaturgo brasileiro
que utilizou as técnicas do vaudeville foi Juca
de Oliveira. Um bom exemplo está em sua peça
Motel Paradiso, escrita em 1980 e encenada
em 1982 por Maria Della Costa. Aqui cabe uma
pausa para que se explique o que é o vaudeville.
Sua origem no século 15 era de um espetáculo
de canções, acrobacias e monólogos. Tal carac-
terística durou até o início do século 18. A partir
do século 19 o vaudeville passa a ser a definição

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de um tipo de comédia sustentada na intriga,
uma comédia ligeira sem pretensão intelectual.

Retomando o texto de Bornheim, há que se


destacar um ponto positivo em seu artigo, que
é o valor do virtuosismo de um ator em um
espetáculo do besteirol. Se pensarmos o teatro
como basicamente a arte do ator, o besteirol foi
responsável pela formação de atores que hoje,
30 anos depois, encontram-se entre os melhores
do Brasil, como Diogo Vilela, Louise Cardoso,
Marco Nanini, Pedro Cardoso e Regina Casé.
Isso sem falar em atores já consagrados, que en-
traram para o besteirol. Como exemplo, temos:
36
Analu Prestes, Antônio Pedro, Duse Nacaratti,
Jacqueline Laurence e Thelma Reston.

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Capítulo III
A Encenação de Ladies na Madrugada

Para se compreender como se deu a criação do


espetáculo Ladies na Madrugada na São Paulo
de 1974, é necessário, antes de tudo, examinar
a relação próxima que Ney Matogrosso (o pro-
dutor de Ladies) mantinha com Vicente Pereira,
um dos atores da peça e que também contribuiu
com a criação do texto da peça. Ney e Vicente se
conheceram em Brasília. No início um antipatiza-
va com o outro. Chegavam a evitar um possível
encontro. Até que numa noite ambos andando
pela W3, viram que era inevitável. Quando cami- 37
nhavam houve um acidente violento entre dois
carros. A partir desse momento o destino selou
uma amizade profunda entre Ney e Vicente.
Quando Ney foi para São Paulo e aconteceu o
estouro do grupo musical Secos & Molhados,
decidiu chamar dois amigos de Brasília para
virem até a capital paulista. Eram eles Vicente e
Márcio Oberlander. Ney acabou produzindo o
que ficou sendo um dos espetáculos precursores
do besteirol, a saber, Ladies na Madrugada.

Ladies na Madrugada estreou em São Paulo no


Teatro Treze de Maio. A versão final do texto era
de Mauro Rasi. O enredo da peça se passava em

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um navio chamado S.S. Mussolini, que transpor-
tava uma cantora brasileira de muito sucesso nos
Estados Unidos, papel que era desempenhado
por Duse Nacaratti. Iam juntos no navio Dana de
Teffé (a milionária tcheca assassinada misterio-
samente no ano de 1959, cujo corpo nunca foi
encontrado), personagem de Rubens de Araújo,
a cantora argentina Libertad Lamarque e sua
criada (papel de Patricio Bisso). Patricio Bisso,
durante a temporada de Ladies, acabou sendo
promovido e recebeu o papel de Eva Perón, a
famosa política da Argentina. O elenco tinha,
ainda, Vicente Pereira (interpretando um sheik),
Luiz Carlos Góes e Davi Pinheiro, que repre-
38 sentava o capitão do navio. Em cena, também
estava Mauro tocando piano. Por sinal, Mauro,
assumidamente, tentou uma carreira como pia-
nista. Mauro passou a adolescência estudando
o instrumento. E foi morar no exterior com o
pretexto de aperfeiçoar os seus conhecimentos
musicais. Em uma de suas peças notoriamente
autobiográficas, Pérola, há o diálogo do seu al-
ter ego, Emílio, com a mãe, a personagem título
da peça em que é comentado esse episódio de
sua vida:
Emílio – Quero que saiba quem eu sou.
Pérola – Ué, você não é o Emílio?
Emílio – Meus amigos me conhecem melhor do
que você.

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Pérola – Duvido.
Emílio – A gente nunca conseguiu se comunicar.
Pérola – Você só me xingava, só....
Emílio – Lembra do piano? Eu cheirei ele!
Pérola – O quê?
Emílio – Vendi! Há 20 anos, pra comprar cocaína!
Sabe que eu já tentei suicídio?
Pérola – Você sempre escolhe os piores momen-
tos para... vê se agora é hora de tocar nesse
assunto.

Sobre a entrada de Patricio Bisso no elenco, há a


versão já citada no livro de Luiz Carlos Góes. Já
Rubens de Araújo afirma que Patricio começou
a assistir os ensaios levado por Marco Antonio 39
de Lacerda, jornalista importante da imprensa
paulistana naquela época. Duse lembrava que
nos ensaios de Ladies havia um entra e sai inten-
so, e que uma vez, enquanto ela ensaiava, viu
aquele menino vestido de mulher. Perguntou
aos colegas de elenco: Quem é essa pessoa?

Rubens lembra que, para pagar o anúncio de


Ladies no Jornal da Tarde, ele ia com a roupa de
Dana de Teffé, acompanhado de Bisso, também
travestido, e faziam um show na boate gay Me-
dieval, que se localizava na Rua Augusta. Nessa
mesma boate, Patricio Bisso encenou um dos
seus primeiros shows, intitulado Uma Noite com
Patricio Bisso. O show de Rubens e Patricio para

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angariar fundos para a Ladies era estruturado
com base em fragmentos do texto de Síndica,
Qual é a Tua?, de Luiz Carlos Góes.

Aqui, cabe um parêntese e uma rápida volta


no tempo: Rubens e Luiz Carlos mantiveram no
começo da década de 1970 um apartamento
na Rua Farme de Amoedo, no Rio de Janeiro.
A efervescência artística que acontecia nesse
espaço foi registrada nas páginas de um dos
livros de memórias do dramaturgo Antônio Bi-
var, Longe Daqui, Aqui Mesmo. O próprio Bivar
morou um período lá junto com o dramaturgo
José Vicente. Voltando a tratar da encenação de
40 Ladies na Madrugada.

Ladies na Madrugada, é notório que o texto fa-


zia uma grande homenagem às chanchadas da
Atlântida. E, aliás, todos os artistas do besteirol,
assumidamente, adoravam esse gênero cinema-
tográfico. A ideia de um navio que transportava
uma cantora já havia sido apresentada no filme
De Vento em Popa, rodado no ano de 1957,
com direção de Carlos Manga. Outra chancha-
da, cuja ação se passava num transatlântico, foi
Aviso aos Navegantes, de Watson Macedo. Essa
predileção das chanchadas pelo cenário de um
transatlântico advinha de uma influência das
comédias norte-americanas.

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Continuando com a montagem de Ladies, esta
começou sendo um grande fracasso de público.
Foi então que o grupo chamou Amir Haddad,
que estava em São Paulo, para montar a já citada
peça Síndica, Qual é a Tua?, que seria encenada
por Ruth Escobar, para rever alguns aspectos
do espetáculo. Em entrevista dada para a revis-
ta Interview, em outubro de 1994. Mauro Rasi
lembra dessa mudança de direção ocorrida em
Ladies e da admiração que sentia pelo trabalho
de Haddad: Quando montei Ladies na Madruga-
da, que foi um grande fracasso, a gente pediu ao
Amir para dirigir o texto, antes dirigido por mim.
Eu bebia suas palavras e até hoje, como diretor
de teatro, aplico tudo aquilo que aprendi com 41
ele. Amir foi meu grande professor.

Amir Haddad relembra de suas afinidades eleti-


vas com a turma do besteirol. Para Amir o bes-
teirol representou uma salvação na dramaturgia
brasileira dos anos 1980. O encenador também
acredita que a dramaturgia de Vicente Pereira e
Luiz Carlos Góes ainda não recebeu uma leitura
atenta e encenações que ressaltassem o valor
desse teatro. Ele considera que Vicente Pereira
e Luiz Carlos Góes são autores com um olhar
crítico e ferino sobre a sociedade.

Amir faz uma aproximação das peças do bes-


teirol com o teatro de Brecht. Ele diz que só foi

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ver na prática, no teatro brasileiro, as ideias de
Brecht nas peças do besteirol. E Amir tornou-se
supervisor de todos os espetáculos teatrais da
dupla Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro.

Em uma entrevista ao programa Jô Soares Onze


e Meia, no dia 12 de junho de 1990, Pedro Car-
doso e Felipe Pinheiro, que estavam divulgando
o que acabou sendo o último trabalho da dupla,
A Macaca, falaram da dificuldade que tinham
em relação à imprensa e a ligação de Brecht
com o teatro que eles faziam. Reproduzo aqui
um trecho da entrevista:
Pedro – A gente tem um relacionamento com a
42
imprensa muito ruim. Porque falam a toda hora
que a gente é aquele negócio do besteirol.
Felipe – Toda a hora é isso. Um humor que não
leva a nada, inconsequente, capenga, mas eles
são o máximo. A gente fica horas em entrevista
com o jornalista: Pois é, o nosso teatro voltado
para o popular, tentando quebrar a quarta pa-
rede, entrando em contato com a platéia, que-
rendo buscar os cabarés do começo do século e
o tal do Karl Valentin. E o Brecht.

Convém lembrar que a formação da dupla Felipe


Pinheiro e Pedro Cardoso aconteceu quando eles
atuavam no espetáculo Cabaré Valentin, uma
direção de Buza Ferraz que também gerou um
novo grupo, O Pessoal do Cabaré. Karl Valentin

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era um autor de comédias alemãs, que era ido-
latrado por Bertolt Brecht. Karl é considerado
uma das grandes influências do Teatro Besteirol.

E Amir Haddad pautou a sua trajetória como


encenador sempre procurando romper com
a quarta parede em suas montagens, ou seja,
provocando a interação do ator com o público.
Algumas encenações recentes assinadas por
Amir, como A Alma Imoral, baseada no livro do
rabino Nilton Bonder, e Os Ignorantes, monó-
logo escrito e interpretado por Pedro Cardoso,
trabalham com esse recurso do rompimento da
quarta parede na cena.

Duse Nacaratti relembrou que, após a entrada 43


de Amir em Ladies, o grupo começou a ensaiar
o espetáculo de forma disciplinada. Os ensaios
diários começavam às 19 horas, sempre se esten-
dendo até a manhã seguinte.

Luiz Carlos Góes relata que ele e Vicente criavam


diálogos e situações que, então, eram transfor-
mados em texto por Mauro. Há uma passagem
do texto que denota bem a participação de Vi-
cente na escrita da peça. Trata-se de uma dança
entre as personagens Dana de Teffé e Mohamed,
em que eles dizem:
Mohamed – Vamos parar. Esse bolero está fican-
do muito perigoso.
Dana – Segure o turbante e sinta o ritmo.

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Segura o turbante, meu bem, e sinta o ritmo
era uma frase de Vicente Pereira muito citada
por seu ilustre amigo, o escritor gaúcho Caio
Fernando Abreu. Na peça de Caio O Homem e a
Mancha, há uma passagem em que ela é citada.
Vejamos:
Quixote – Dulcinéia, minha estrela da manhã.
(Recita Manuel Bandeira) Pura ou degradada até
a última baixeza eu quero a estrela da manhã!
Ator (Citando Vicente Pereira) – Sempre quando
tiveres mais de três pessoas reunidas e for falado
o nome de Deus, eu estarei entre eles. Mas sem-
pre com um decote bem profundo (Noutro tom)
Segura o turbante, meu bem, e sente o ritmo.
44
Gilberto Gawronski, amigo íntimo de Caio e
responsável por diversas montagens de textos
do autor, me relatou que a personagem Nostra-
damus Pereira da peça Zona Contaminada, de
Caio foi uma homenagem do escritor a Vicente
Pereira. Gilberto assinou a primeira encenação
de Zona no Rio de Janeiro. Estavam no elenco
dessa montagem o cantor Fausto Fawcett e a
atriz e jornalista Scarlet Moon de Chevalier.
Nostradamus e suas profecias eram algo muito
importante na vida mística de Vicente Perei-
ra, como revela a atriz e escritora Maria Lúcia
Dahl em uma crônica que se encontra em seu
livro O Quebra-cabeças, editado pela Coleção

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Aplauso: Vicente Pereira já tinha falado dela:
a grande onda que acabaria com a Terra entre
2000, segundo Nostradamus, e 2012, segundo
o calendário maia. Ele até escreveu uma peça
sobre ela, A Onda, que chegou em plena noite
do Oscar quando uma família fútil da Barra
curtia a cerimônia transmitida pela televisão. A
família continuava torcendo, grudada no vídeo,
esperando ansiosa a abertura dos envelopes en-
quanto o apresentador lia E o Oscar de melhor
ator vai para... enquanto o mundo acabava lá
fora. Era uma ideia primorosa. Eu fazia a amiga
da dona de casa que entrava dizendo: Só vim
para dizer que não venho..., mas aí o mundo
acaba e ela, a personagem, tinha de ficar. 45

Ladies na Madrugada, o espetáculo, após a entra-


da de Amir, transformou-se em um sucesso. No
entanto, como Ney Matogrosso já havia gastado
muito dinheiro na produção do espetáculo não
foi possível a prorrogação da temporada. E isso
acabou terminando o ciclo da dupla Mauro Rasi
e Vicente Pereira na capital paulista. Ainda nos
anos 1970, a dupla se muda para o Rio de Janeiro.

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Capítulo IV
Mauro e Vicente no Rio de Janeiro:
O Tempo do Cosme Velho

Mauro e Vicente passam a morar juntos em um


apartamento no bairro Cosme Velho. Por sinal,
um pouco antes de sua morte, Rasi confessou
para Marcus Alvisi: Vivi com o Vicente os dias
mais felizes da minha vida. Vivi ao seu lado,
durante oito anos, um arrebatamento sem fim.
Logo após a morte de Vicente, Mauro falou na
já citada entrevista para a revista Interview: De
uma certa maneira, o Vicente me trouxe para
47
o Rio. Ele era um espírito mais livre do que eu.
Era melhor do que eu. Eu pensava muito e não
realizava nada, então ficava muito à mercê dele
porque eu o admirava! (...) O Vicente foi uma
pessoa muito importante na minha vida durante
muitos anos (...) Por um momento, duas almas
profundamente diferentes se cruzaram e encon-
traram o mesmo caminho.

O tempo do Cosme Velho foi também um perí-


odo em que a dupla passava, constantemente,
por dificuldades financeiras. Mauro e Vicente re-
cebiam mesadas dos pais e também trabalhavam
nos mais diversos biscates culturais. Mauro, por
exemplo, foi um dos roteiristas de Gente Fina é

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Outra Coisa, filme dirigido por Antonio Calmon,
em 1978. Nessa época, Vicente trabalhava como
operador de luz nos shows de Ney Matogrosso.

A partir do livro Besteirol e Carnavalização, de


Alanderson Machado e Marcelo Bruno, e do de-
poimento da jornalista Marina Pereira, sobrinha
de Vicente é possível se fazer uma rápida bio-
grafia de Vicente Pereira e ver o momento em
que as vidas de Vicente e Mauro se encontram.

Vicente nasceu em Uberlândia, em 1950. Aos dois


anos de idade, mudou-se para Goiânia, onde vi-
veu até os 11 anos. Mudou-se para Brasília, onde
passou por uma adolescência conflituosa. Nessa
48
época a família de Pereira morava em uma casa
de madeira no alto de uma pedreira na Estrada
de Sobradinho.

Foi um menino bastante solitário. Não conseguia


se adaptar nos colégios em que estudava, o que
fez com que ele não conseguisse concluir o equi-
valente hoje ao ensino fundamental. É na escola
que Vicente começa a experimentar as drogas,
entre elas o LSD e a maconha. Por causa de pro-
blemas pessoais tentou algumas vezes o suicídio.
Aos 18 anos começou a fazer teatro como ator
na peça Cristo Versus Bomba, de Silvia Orthoff.
No início da década de 1970, Vicente morou na
Europa em países como Alemanha e Holanda.

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49

Cristo versus Bomba, em Brasília, 1968

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Lá trabalhou nos mais diferentes biscates, entre
eles, o de lavador de pratos.

1972 foi o ano em que ele conheceu Mauro Rasi.


Vicente comentava a respeito de sua parceria
com Mauro: Ele tinha acesso à informação que
eu não tinha e uniu sua inteligência particular
à minha inteligência selvagem.

Thaís Portinho, atriz que encenou diversas pe-


ças de Vicente e amiga pessoal dele, conta que
o pai de Vicente trabalhou na construção de
Brasília. No romance inacabado de Pereira, inti-
tulado Memórias de um Sodomita Esotérico, o
segundo capítulo da obra, chamado de Arizona
50
Nunca Mais, traz como epígrafe uma frase de
Juscelino Kubitschek no discurso inaugural de
Brasília: Deste planalto central, desta solidão,
lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do
país e antevejo. Esse capítulo da obra é onde,
justamente, o autor faz reminiscências sobre o
período em que viveu na nova capital federal.
Há uma passagem em que ele fala sobre a sua
relação com Brasília: Se existe circunstância ela
se chama Brasília. Se há algum lugar que é maior
que os destinos particulares, é Brasília. Uma es-
pécie de decifra-me ou te devoro em concreto
armado. No Arizona, Centro-Oeste. Não era uma
cidade. Era uma sucessão de porquês. Por que
existo? Por que sou assim? Por que me desqui-

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tei? Por que me candidatei? Por que vim parar
nessa merda de lugar? Por que essa arquitetura
é tão desconfortável? Por que é tão linda? Por
que de longe parece um colar de marcassita
imitando o céu? Contato de terceiro grau? Por
que essa paisagem é tão maior, tão maior? Por
que é invisível pra tanta gente? Quase ninguém
te percebe? Ninguém te quer? Pois aqui está seu
único amante. Tao. Tao te ama. Eu te amo.

Thaís conheceu Vicente na praia. Na praia, mes-


mo. Era o Posto 9 em Ipanema, praia que todos li-
gados ao universo artístico frequentavam no Rio
de Janeiro da década de 1970. Quem apresentou
Pereira a Thaís foi o ator brasiliense Luiz Carlos 51
Buruca. Logo, Thaís e Vicente se aproximaram. A
atriz tinha cursado a Faculdade Brasileira de Te-
atro, onde foi aluna de Dulcina de Morais. Após
a faculdade, atuou como atriz em peças como
O Cunhado do Presidente, de Aurimar Rocha, e
a remontagem de O Avarento, de Molière, com
Procópio Ferreira e Isolda Cresta. O encontro de
Thaís e Vicente selou uma profunda amizade
entre os dois e o desejo de trabalharem juntos.

Data dessa época a tentativa de encenação de


A Estrela Dalva. O texto recebeu em seu título o
nome de uma canção, traço característico que,
veremos depois, é fundamental na dramaturgia
do escritor mineiro. A peça também se carac-

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Vicente em 1983

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teriza por conter severas críticas à instituição
familiar. Ela mostra o confronto entre uma mãe
repressora e uma filha de rosto deformado que
deseja ser atriz. A mãe, para impedir a carreira
da filha, queima o rosto dela com ácido. A peça
chegou a ser ensaiada, seria dirigida por Ary
Coslov e teria no elenco Thelma Reston no papel
da mãe e Thaís Portinho fazendo a filha, Dalva.
O ator Heleno Prestes representaria Zoltán, o
empresário de Dalva. Thaís lembra que Vicente
escolheu o nome Zoba por causa de um evento
pitoresco: a atriz Jayne Mansfield teve um filho
que foi atacado por um bicho no zoológico e o
filho da atriz se chanava Zoltán. A peça foi es-
crita em 1975, mas como houve uma dificuldade 53

em se conseguir uma sala de espetáculos para a


encenação, não ocorreu.

Foi também no Posto 9 que a atriz e escritora


Maria Lúcia Dahl conheceu Vicente. A praia do
Posto 9 tinha uma frequência muito grande dos
cineastas e dos diretores da TV Globo, isso era
um dos motivos que faziam as atrizes irem tanto
para lá. Em plena praia, elas conseguiam traba-
lhos nos filmes, novelas e espetáculos teatrais
que estavam sendo produzidos. Dahl relembra o
lugar como uma mistura cultural legal. E algumas
frequentadoras do local aderiram à prática do
topless. O topless no Posto 9 chegou a ser tema-

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tizado na novela Água Viva, de Gilberto Braga,
em 1980. Um grupo de mulheres interpretadas
pelas atrizes Tônia Carrero, Maria Padilha e
Maria Zilda Bethlem decide fazer topless na praia
de Ipanema.

Mais tarde, Dahl passaria a encontrar Vicente em


casa de Ronaldo Resedá. O Ronaldo que morava
na Rua Resedá, como disse-me a atriz. O céle-
bre bailarino e cantor, que eternizou a música
Marrom Glacê e que trabalhou em encenações
como Pippin, ao lado de Marco Nanini e Marília
Pêra, chegou a escrever um show infantil com
Pereira chamado Terra dos Gigantes.
54
O ator e escritor Luis Sérgio Lima e Silva que,
posteriormente, interpretou o papel de Pompeu
Loredo, lembra que conheceu a dupla Mauro/
Vicente no tempo do Cosme Velho. Quem apre-
sentou Luís Sérgio aos dois foi a atriz e escritora
Denise Bandeira, que morou em Brasília desde
a sua fundação. Luís Sérgio colaborou com as
primeiras tentativas de montagem das peças
escritas pela dupla. Levou-as até Jorge Ayer,
produtor de teatro que estava restaurando o
velho Teatro Mesbla e que incluía no repertório
da casa de espetáculos, produções de bom nível,
geralmente comédias, escritas por autores bra-
sileiros. Foi realizada a leitura de uma das peças
da dupla. No entanto, o humor cáustico aliado

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ao conteúdo de desbunde assustou, um pouco,
o produtor.

Em 1976, Vicente escreveu Stella by Starlight. A


peça mostra o conflito entre uma mãe castradora
e uma filha rebelde. Ali é esboçado um conflito
de gerações: a mãe condena o comportamento
da filha pelo fato de que ela namora todos os
rapazes da vizinhança. A mãe, que sobrevive
vendendo salgadinhos, acaba sendo assassinada
pela filha no final da peça. Esta passa então a
ocupar o posto da mãe, o de fazer quitutes para
fora, e encerra a peça com uma fala grotesca ao
dizer que o corpo da mãe servirá como recheio
para os próximos pastéis que fará. 55

Em 1977, Mauro, Vicente e Luiz Carlos Góes


(os três que estavam em Ladies na Madrugada)
conceberam uma reunião de esquetes que o
trio batizou de Cabe Tudo. O espetáculo teria
músicas de Eduardo Dussek, que na entrevista
que me concedeu, relembrou da criação da peça
e de suas afinidades com o teatro de Vicente,
Mauro e Góes. Dussek diz que o trio de autores
fazia no teatro o mesmo que ele (Dussek) fazia
na música. Para o cantor e compositor, após o
final da Tropicália a cultura brasileira andava
muito sisuda só tratando de temas referentes à
ditadura militar. Então, ele topou participar de
Cabe Tudo, cuja ideia partiu do encenador Ary

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Coslov. Dussek lembra que atrizes como Marieta
Severo, Renata Sorrah, Thelma Reston e Regina
Rodrigues já estavam acertadas no elenco. Por
falta de produção, acabou não acontecendo.

Dussek também comenta que os autores do bes-


teirol levavam ao palco temas que estavam um
pouco esquecidos pela dramaturgia brasileira.
Ele cita como exemplo os textos de Góes Marilda,
a Oprimida e Síndica, Qual é a Tua?

Importante lembrar que um dos dramaturgos


que trouxe o tema da liberação feminina ao
teatro brasileiro no final da década de 1960,
Antônio Bivar, autor de Alzira Power, também
56
se considerava muito próximo ao teatro feito
pelos autores do besteirol.

Em Cabe Tudo, algumas características do que o


trio escreverá para as peças do besteirol já são
enxergadas. Uma é a estrutura em esquetes e
a outra é a referência ao consumo de drogas.
As drogas eram um tema em voga no chamado
desbunde dos anos 1970. No primeiro esquete de
Cabe Tudo, intitulado A Sobrevivente, escrito por
Vicente, a personagem Oriana Gabriela entrevista
uma sobrevivente do Triângulo das Bermudas.

Oriana – Srta. Tostes, a senhora não disse o que


aconteceu depois da tempestade.

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Sobrevivente – Bom, depois, estranhamente,
tudo voltou a ser como era: o céu, o mar, meus
amigos, eu, que com exceção das joias que me
foram arrancadas, estava ilesa. Ficamos eufóri-
cos por termos escapado. Levantamos mais que
rapidamente, um brinde em homenagem ao
Triângulo, fizemos uma grande festa a caráter
no convés, todos vestidos de bermudas, e tudo
teve seu ápice quando avistamos as luzes de
Miami. Estouramos mais champagne, batemos
umas fileiras. E cá estou Oriana, com vocês.

Na já citada entrevista de Rasi para a Interview,


o dramaturgo fala de sua relação com as drogas
na década de 1970: Tomava tudo! Ácidos, chá de 57
cogumelo, rabo-de-galo, uísque, cocaína... aque-
las coisas da época, só perda de tempo mesmo.
A década de 1970 foi muito ruim. Viu como foi
triste o Revival de Woodstock? Dá para montar
Hair de novo? Com peruca? Sem a guerra do
Vietnã? Não tem mais sentido nada disso.

Outras características do besteirol já podem ser


vistas em Cabe Tudo: uma delas é tratar de te-
mas da atualidade. Na época em que a peça foi
escrita, o Triângulo das Bermudas era um tema
que provocava discussões na mídia. O Triângulo
das Bermudas é uma área de aproximadamente
1,1 milhão de km2, situada no Oceano Atlântico
entre as ilhas Bermudas, Porto Rico e Fort Lau-

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derdale (Flórida). Sua fama aconteceu porque lá
ocorreram diversos desaparecimentos de aviões,
barcos de passeio e navios. Tais sumiços nunca
foram bem explicados, todas as explicações
para os acontecimentos utilizavam-se do sobre-
natural. E o sobrenatural e o misticismo eram
algo importante pra Vicente. Além disso, tanto
Vicente quanto Mauro, Góes e Miguel Falabella
gostavam de abordar em suas obras o universo
da dita alta sociedade. Esse ponto é um dos moti-
vos que fez o besteirol ser considerado algo fútil
e descartável por uma parcela da crítica teatral.

Um dos esquetes de Cabe Tudo, por exemplo,


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mostra os bastidores de um desfile de moda. Isso
muito antes da febre do São Paulo Fashion Week
e seus similares, que tanto assolam a mídia nos
dias de hoje. Trata-se do Desfile da boutique
Bôdaco, de Luiz Carlos Góes. No esquete, um
homem e uma mulher começam a apresentar o
desfile utilizando os mais variados clichês sobre
moda. O desfile começa, as manequins tropeçam
e tudo se encaminha a um final desastroso.

Em 1978, Mauro escreveu para Thaís Portinho o


monólogo Se Minha Empregada Falasse. Flávio
Marinho em seu livro Quem tem Medo de Bes-
teirol? resume a obra: A peça conta a história de
Ema (Thaís Portinho), uma personagem média
classe média (sic), solteirona e solitária. Mora

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num mínimo conjugado de um enorme espigão
de grande cidade e se dá ao luxo de ter uma em-
pregada, Delizeth (Sônia Cláudia), três vezes por
semana. Esta personagem só aparece uma única
vez (de esparadrapo na boca e estendendo a sua
carteira de trabalho para a patroa assinar), mas é
– e este foi o artifício encontrado pelo autor para
Ema não ficar falando para as paredes – como
se estivesse sempre em cena: Ema passa quase
todo o monólogo dirigindo-se a ela, reclamando
dela, dando-lhe ordens.

Em Se Minha Empregada Falasse, Vicente tra-


balhou diversas vezes como operador de som. A
peça teve uma carreira razoavelmente exitosa. 59
Além do Rio de Janeiro, esteve em cartaz no
Teatro de Arena em São Paulo e fez uma turnê
pelo Centro-Oeste e Nordeste do país.

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Capítulo V

Vicente Pereira: Religião e Teatro

Em 1980, a dupla Rasi e Pereira escreveu duas


comédias para os palcos cariocas. Uma é As 1001
Encarnações de Pompeu Loredo, a peça que
provocou a criação do nome besteirol. A outra
era À Direita do Presidente, uma sátira política
que se passava em Brasília no dia de uma posse
presidencial. O texto trazia muito da memória
de Vicente, da cidade. Apesar de ter nascido em
Minas Gerais, foi na nova capital federal que ele
passou sua infância e adolescência. Foi lá tam-
61
bém que ele conheceu Ney Matogrosso, o que
modificou completamente a sua vida, visto que
foi o cantor que o levou para São Paulo, onde
Vicente começou a trabalhar como figurinista
e cenógrafo do grupo Secos & Molhados. É na
Brasília de 1968, época em que trabalhava como
ator, sob a direção de Sílvia Orthof, que Vicente
conhece, na casa do ator Sérgio Mauro, aquela
que será sua musa e melhor amiga: a atriz Duse
Nacaratti. Duse lembra do amigo como alguém
generoso, crítico, sem ser pedante. Diz também
que: Vicente era uma luz em nossa vida. Há uma
passagem de À Direita do Presidente em que
Leda e Fúlvio recordam Brasília no seu começo.

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Leda – De repente, tive uma noção exata de
como as coisas mudam e a gente não sente.
Vai ficando tudo pra trás. (Pausa) Me lembrei
quando eu vim pra cá. Faz tanto tempo... Tô aqui
desde a inauguração. Nem tinha a Esplanada dos
Ministérios. E hoje ele está engarrafado (sic),
compreende? É tempinho bom... Morava lá na
cidade livre. Aquelas casinhas todas de madeira.
Só tinha homem... Parecia filme de Bang – bang.
Era raro ver uma mulher. (Estremece novamen-
te) Que coisa estranha... estou lembrando com
tanta precisão...
Fúlvio – Eu também morei lá. Velhacap. Vila Pla-
nalto... vou te contar uma verdade. Foi o melhor
62 período da minha vida. Eu me sentia como na
Califórnia durante a corrida do ouro.

Em uma outra passagem, as personagens recor-


dam o discurso de Juscelino na posse presidencial,
o mesmo fragmento que Vicente escolheu como
epígrafe de um dos capítulos do seu romance:
Fúlvio – Pelo menos aqui se vê o horizonte em
qualquer lugar.

Leda (Levantando-se como se estivesse possuída,


diz de memória um trecho do célebre discurso
de JK) – Deste Planalto Central... desta solidão,
se transformará em breve no centro de decisões
deste país. Antevejo o futuro desta nação..., etc.
(Senta e começa a chorar)

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Outro lugar do Distrito Federal que é citado em
À Direita do Presidente é o Vale do Amanhecer.
Tal referência encontra-se no final da peça.
Quando o presidente toma posse, realiza-se
no vale um ritual de energização para o novo
mandatário da nação. Vicente tinha uma liga-
ção muito profunda com o Vale do Amanhecer,
templo esotérico fundado em Brasília pela Tia
Neiva, uma migrante nordestina. Entre outras
coisas, Neiva foi a primeira mulher a ter uma
autorização de caminhoneira no Brasil e, quando
Brasília estava em construção, começou a funda-
ção desse espaço místico que hoje é conhecido
mundialmente. Amir Haddad contou-me que
uma das passagens mais importantes de sua 63
vida foi quando Vicente o levou até o Vale e o
apresentou a Tia Neiva, em 1983. Vejamos em
À Direita do Presidente, o desfecho da peça
onde aparece um ritual do Vale do Amanhecer
narrado por um locutor de televisão:
Locutor – Desde as sete horas da manhã se ou-
vem os atabaques, os cânticos e as saudações
para o povo da nação aqui no Vale do Ama-
nhecer. Vai, aí, ó Jader, a imagem dessa imensa
falange, como diz Tia Neiva, vestidos de branco,
acendendo vela, e emitindo vibrações para essa
nova era que desponta. (...)
Meira – Jader, daqui do Vale do Amanhecer o
início dos rituais, Tia Neiva se encaminha para

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o centro da cerimônia. Os atabaques estão em
fila começando a cerimônia.
Voz de mulher – Nós, da falange do Vale do
Amanhecer, aqui reunidos nesta ponte de for-
ça, mandamos as nossas energias para saudar
o novo chefe da nação. (Som de atabaques e
aplausos) Salve a linha da Umbanda. (Atabaques)
(Aplausos e vozes) Salve a linha de Umbanda.
(Atabaques, aplausos, cânticos): Caboclo, pegue
o seu bodoque, pegue a sua flecha, o galo já
cantou, pois o dia já raiou lá na Aruanda, Oxalá
me chama para a sua banda.

Vicente era muito conhecido pelo sincretismo


64 religioso. Vale do Amanhecer, Santo Daime
(prática para a qual conduziu amigos, entre os
quais, Ney Matogrosso, Eduardo Dussek, Duse
Nacaratti, Caio Fernando Abreu, Carlos Augusto
Strazzer e Rubens de Araújo), Teosofia, Seita
do Abraço, Terapia Fischer Hoffmann, Rajneesh
(ou Osho) foram algumas das práticas místicas e
esotéricas que ele experimentou e frequentou.
Mauro Rasi, em uma crônica para o jornal O Glo-
bo chamada O que dizem as pessoas, lembrou
da procura mística de seu amigo e de toda uma
turma que tinha Vicente como guru: Esse assunto
me lembra o querido e saudoso Vicente Pereira
que já antevia o fim dos tempos na década de
1970. Praticava todas as religiões. Ora era o

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abraço, ora o Daime, ora a Madame Blavatsk
(sic)....de tudo um pouco. Era uma corrida atrás
dos gurus da época. As religiões eram lançadas
como coleções de grandes costureiros. Havia
o Passini, fundador da seita do abraço. Era o
Gaultier-esotérico da época(...) Sem falar no Rá,
claro. Quem não comia com talheres entortados
pelo Thomas Green Morton era um pária. Tinha
os adeptos do Trigueirinho, que afirmava que os
extraterrestres vinham do Triângulo das Bermu-
das, um dos acessos ao centro da Terra – o outro,
naturalmente estava em Brasília. Já na Chapada
dos Guimarães havia uma saída de emergência,
atrás da cachoeira do véu da noiva. Sem falar na
Fraternidade Branca, nos Sete Raios, etc. Cada 65

dia era uma novidade. Diziam que o mundo ia


acabar em 1987, que o Ney, a Simone e o Gil já
tinham comprado um terreno perto do Vale do
Amanhecer, porque Brasília seria o único lugar
no mundo que sobreviveria ao Apocalipse. E logo
Brasília, hein, com aquela carga toda! Aí tinha
gente que vendia tudo e ia pra lá, esperar o fim
do mundo... Isso até surgir outra moda.

O ator Mário Borges lembra de um chá no apar-


tamento de Vicente, onde estavam Vicente,
Mário e Analu Prestes. Vicente resolveu jogar
o seu famoso tarô e naquela tarde, ao jogar,
dizia quais foram as vidas passadas de Mário e

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Analu. Mário disse-me que Vicente falou para
ele que em outra encarnação, ele havia sido um
médico russo.

Chamar Vicente de guru de uma geração, se-


gundo disseram, Eduardo Dussek e Maria Lúcia
Dahl, não é um exagero. Os dois atravessaram
juntos com o escritor pela busca mística. Dahl,
por exemplo, estudou o Rajneesh influenciada
por Vicente.

E a atriz também foi uma a participar da Seita


do Abraço do guru Carlos Passini (ou Pacini, há
registros com as duas grafias) citada na crônica
de Mauro Rasi. O ator Rubens de Araújo relem-
bra o começo da terapia do abraço. Ele conta que
Passini era goiano e chegou ao Rio de Janeiro se
dizendo a encarnação de Buda, Maomé e Jesus
Cristo. Os primeiros encontros para o abraço
terapêutico aconteceram nas residências da es-
critora Regina Braga (homônima da atriz), uma
das autoras do remake da novela Selva de Pedra.
Outra sessão do Abraço aconteceu em casa da
atriz Lucélia Santos. Maria Lúcia Dahl também
relembra ter cedido a sua casa para um ritual
do abraço. Depois, Passini criou um local onde
se desenvolvia o princípio da seita. Havia os que
adquiriram o direito de dar o abraço ao público
que comparecia. Entre os que transmitiam esse
abraço estavam Carlos Augusto Strazzer, Ney

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Vicente com Passini e o abraço

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Matogrosso, Vicente Pereira e Rubens de Araújo.
Passini sumiu, a última notícia que tiveram dele,
pelo que me falou Rubens de Araújo, foi a de
que ele estaria nos Estados Unidos compondo
músicas de estilo new age.

Em relação ao Daime, Vicente funcionou como


uma espécie de sacerdote. O escritor Caio Fer-
nando Abreu brincava com o amigo dizendo
que Vicente era A sacerdotisa do Daime. Dussek
lembra que o Santo Daime havia sido levado até
o Rio de Janeiro por nomes como Alex Polari,
poeta que esteve envolvido com a resistência
ao regime militar no Brasil. Polari, é importante
68
lembrar, esteve na mesma prisão que o filho da
estilista Zuzu Angel, Stuart, que foi assassinado
pelos militares.

Foi no ano de 1996 que Mauro Rasi escreveu A


Dama do Cerrado, na verdade uma reprodução
de uma grande parte de À Direita do Presidente.
Mauro apenas trocou uma personagem secun-
dária, mas a ideia e a trama eram iguais. Como
ele não deu o devido crédito a Vicente Pereira
(àquela altura já falecido), a situação provocou
uma revolta entre os amigos de Pereira, espe-
cialmente Ney Matogrosso. Em sua biografia
intitulada Nunca Fui Anjo, a atriz Aracy Balaba-
nian, protagonista de À Direita do Presidente,
comenta o episódio: A primeira peça que eu fiz

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aqui no Rio de Janeiro foi À Direita do Presiden-
te, do Mauro Rasi e do Vicente Pereira, com o
Gracindo Jr. (...) Anos depois, o Mauro Rasi tirou
o nome do Vicente e estreou a peça com outro
nome, A Dama do Cerrado, com a Suzana Vieira.
O Ney Matogrosso me ligou para falar que estava
chateado, porque os pais do Vicente estavam
velhinhos e não iam receber nada pela peça. Eu
pedi para algumas pessoas verem, por que seria
estranho se aparecesse. A Louise Cardoso, que
havia gostado muito de mim no espetáculo, me
garantiu que era igualzinho. Quando a Louise
saiu do teatro, Mauro avisou: Se você achar al-
guma semelhança, é mera coincidência.
69
Foi também entre o final dos anos 1970 e o iní-
cio dos 1980 que a dupla escreveu Espelho de
Carne, drama psicológico sobre um casal cujo
marido adquire em leilão o espelho que per-
tencia a um prostíbulo. A partir do momento
em que colocam o espelho na casa, ocorre uma
mudança comportamental nos dois, assim como
em mais três personagens que circulam pelo
ambiente: um casal mais velho e uma vizinha.
O espelho faz com que todos vivenciem relações
sexuais diversas (incluindo o homossexualismo),
além de experimentarem drogas, especialmente
poppers, a grande novidade da época, advinda
dos Estados Unidos, e que por muito tempo foi

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a moda nas boates. O texto nunca foi encenado,
porém durante um tempo, Amir Haddad deteve
os direitos da obra. Era sua intenção encená-la
com o seu grupo Tá Na Rua, no entanto, ele
demorou muito tempo para conseguir levar o
texto ao palco. Disse-me Amir que quando esta-
va concretizando a montagem, Vicente já havia
cedido os direitos do texto ao cineasta Antônio
Carlos da Fontoura, que ao ler a peça viu ali um
grande filme. Fontoura transformou Espelho
de Carne em um filme que foi rodado em 1984,
tendo no elenco Daniel Filho, Dênis Carvalho,
Hileana Menezes, Maria Zilda Bethlem e Joana
Fomm. Desde a sua estreia no Festival de Gra-
70
mado de 1985, a película causa um rebuliço que
envolve a crítica e os seus participantes. Marcus
Alvisi lembra que Vicente ficou descontente com
o resultado de sua peça na tela. Achou que o
sexo tornou-se o eixo da obra. Para Vicente, o
sexo na história não era o elemento principal.
Alguns críticos destruíram o filme na época de
seu lançamento. E comenta-se que Daniel Filho
se arrependeu de ter trabalhado nele, já que na
película há uma cena de relação homossexual
entre o seu personagem e o de Dênis Carvalho.
No entanto, o filme mantém uma legião de fãs
até hoje, o que faz com que, frequentemente,
seja exibido no Canal Brasil.

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Em 1981, Rasi, Pereira e Alcione Araújo escreve-
ram Doce Deleite. Marco Nanini, que protagoni-
zou a peça durante quatro anos, em entrevista
a Simon Khoury, na série Bastidores, lembrou
como foi o processo de criação da peça: Na
verdade, tinha pensado em fazer Doce Deleite
enquanto fazia Os Filhos de Kennedy. Queria
fazer um espetáculo que reunisse dois atores,
um homem e uma mulher, e os mostrasse no
camarim, se preparando para entrar em cena, e
depois no palco. Essa era a ideia. Cheguei a falar
com Irene Ravache sobre isso, chegamos a nos
reunir uma duas ou três vezes, mas o projeto não
foi adiante. Quando estávamos fazendo O Brasil
da Censura à Abertura, comentei com Marília 71

aquela minha ideia, e ela achou interessante.


Então começamos a nos encontrar na casa dela
com diversos autores, e daí nasceu Doce Deleite.
Pedimos a muita gente que bolasse esquetes
para nós. O John Neschling nos deu uma ópera, e
o Alcione Araújo – que dirigiu o espetáculo – es-
creveu, a nosso pedido, um quadro sobre velhos.
Fomos juntando fragmentos, textos, piadas, e a
coisa aconteceu.

Alguns críticos teatrais da época compararam a


escrita de Mauro e Vicente em Doce Deleite às
cenas cômicas da televisão. Será em 1984 que
Vicente começará sua trajetória como redator

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de programas humorísticos da televisão brasilei-
ra. Vicente escreve para os programas de Chico
Anysio. Criou para o humorista uma personagem
marcante, O Profeta, que encerrava os progra-
mas de Chico.

Além de Vicente, Mauro Rasi teve também uma


profícua carreira como roteirista de TV. Mauro e
Vicente fizeram parte da equipe de redatores do
seriado Tamanho Família para a TV Manchete.
Na Rede Globo integraram a equipe de redato-
res da Armação Ilimitada e foram criadores da
TV Pirata.

Mauro e Vicente escreviam juntos da seguinte


72
forma: Vicente só escrevia a mão, não sabia
escrever a máquina. Portanto, era Mauro o
encarregado de datilografar as peças. Assim,
nesse processo colaborativo Mauro e Vicente
viveram e criaram juntos durante oito anos em
um apartamento no Bairro do Cosme Velho, no
Rio de Janeiro.

Em 1982, a dupla Rasi e Pereira se desfaz; passam


a escrever individualmente.

Em 1985, a dupla, junto com Leopoldo Serran


e Geraldo Carneiro e, um pouco depois, Miguel
Falabella integraram a equipe de roteiristas do
seriado Tamanho Família, da Rede Manchete.

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Tamanho Família foi uma criação do dramatur-
go e novelista Bráulio Pedroso, autor de uma
das mais importantes telenovelas brasileiras,
O Rebu. Integravam o elenco do seriado Suely
Franco, Ivan Cândido, Diogo Vilela, Zezé Polessa,
Stela Freitas, Nildo Parente, Elizabeth Henreid e,
estreando na televisão, Caio Junqueira.

Em Tamanho Família, os autores fizeram largo


uso da paródia cinematográfica.

É só examinar os títulos de alguns episódios: Nos-


ferata, A Vampira da Caatinga, A Rosa Púrpura
do Crato e Cinderela do Crato.
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Capítulo VI

Vicente Pereira: O Ciclo Pepe e o Fascínio


Pelo Cinema

Quando se separa de Mauro Rasi, Vicente inau-


gura o que ele mesmo chamava de O Ciclo da
Pepe. Trata-se da época em que passa a morar
com Carlos Augusto Strazzer, na Travessa Pepe,
em Botafogo, tendo como vizinhos a amiga/
musa Duse Nacaratti, Miguel Falabella e, duran-
te um período, Eduardo Dussek, Diogo Vilela,
Marcus Alvisi e Cláudio Gaya. É lá na Pepe que
Vicente conhecerá o seu novo parceiro na dra-
75
maturgia, Miguel Falabella.

Miguel Falabella lembra de uma adaptação que


o amigo fez do poema intitulado Ilusões de Vida,
de Francisco Otaviano:

Quem passou pela vida em branca nuvem


E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem – não foi homem,
Só passou pela vida – não viveu.

Vicente recriou o texto de Otaviano concebendo


a seguinte versão:

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Quem passou pela Pepe em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela Pepe e não sofreu,
Foi espectro de homem – não foi homem,
Só passou pela Pepe – não viveu.

No ano de 1982, Vicente parte para uma carreira


solo como dramaturgo. Data dessa época a escrita
e a encenação de A Noite do Oscar, definida pelo
autor como uma comédia hedionda. Com A Noite
do Oscar, Vicente pôde tratar de um dos univer-
sos que mais o fascinava, a saber, o cinema. Na
epígrafe da peça, Vicente diz: A vida é um filme,
76
citação que o dramaturgo atribui a um autor por
ele criado chamado Alfredinho Planhanhã.

A Noite do Oscar mostra o encontro de uma


dona de casa e o seu marido, uma ex-miss Brasil,
uma anciã e um diplomata, que se reúnem para
assistir à cerimônia de entrega dos prêmios da
Academia de Artes e Ciências Cinematográficas
dos Estados Unidos. Vicente Pereira escreveu no
programa da peça sobre a sua estética teatral e a
escrita do texto: A Noite do Oscar surgiu de um
disco antigo (pasmem!) com músicas de filmes
do pianista cafona Liberace. Junte isto à minha
formação esotérica, minha adolescência em Bra-
sília – antes de saber o que era realidade social,
eu já sabia o que era passe magnético – e minha

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convicção de que uma grande transformação
genética espiritual, mística e social se aproxima.
Antevejo um lindo futuro para a humanidade,
depois do caos. Se não concordam, não se abor-
reçam, não me levem tão a sério. Sou tão descar-
tável quanto um aparelho de barbear. Abro mão
com a maior facilidade de tudo o que é sério e
profundo. Só não me privem, por favor, de rir e
fazer os outros rirem. Quero, descaradamente,
ser a Rita Lee da dramaturgia. Vinde a mim as
criancinhas. Paz a todos os seres.

Interessante notar a posição que Vicente assume


no programa da peça. Ele mesmo já se classifica
como um autor descartável. Também, assume 77
como profissão de fé o fazer rir no teatro. E
cria uma frase de efeito para tanto: Quero ser a
Rita Lee da dramaturgia. Além de uma citação
bíblica: Vinde a mim as criancinhas. Vicente ado-
rava criar frases de efeito a partir da bíblia. Um
outro exemplo que já apareceu neste livro é a
adaptação da frase: Onde dois ou mais estiverem
reunidos em meu nome, ali eu estarei. Vicente
dizia: Sempre quando tiveres mais de três pes-
soas reunidas e for falado o nome de Deus, eu
estarei entre eles. Mas sempre com um decote
bem profundo.

A encenação do texto A Noite do Oscar coube


a Luiz Carlos Ripper, na época um dos maiores

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cenógrafos do teatro brasileiro. Ripper foi res-
ponsável pela ambientação visual da mítica mon-
tagem de Hoje é Dia de Rock, de José Vicente,
encenada por Rubens Corrêa no Teatro Ipanema.
O nome de Ripper também esteve vinculado ao
cinema, um exemplo é Xica da Silva, de Cacá Die-
gues. O cenógrafo imprimiu ao texto de Vicente
um caráter espetacular. O cenário (também uma
criação de Ripper) tinha uma tela de neon. No
alto do palco estava escrito em neon A vida é um
filme. A obra faz constantes citações ao mundo
cinematográfico. Um exemplo está na terceira
cena do drama em que a personagem Lílian, a
dona de casa, recebe Vera, a ex-miss Brasil, em
78 seu apartamento. A rubrica diz:

Prefixo de cinema ou introdução de alguma


música de musical famoso. Lílian se entusiasma,
entrega-se ao clima de glamour.
Lílian – My name is Lolita... but you can call
me… Lili.
Ergue os braços mexendo nos cabelos numa
clássica pose de alguma estrela qualquer. A cam-
painha toca. Lílian, a contragosto, vai atender.
Entra uma mulher de capa de chuva, bastante
molhada.
Vera – Que susto! Pensei que fosse a Jean Harlow.

A estrutura dramática da peça é arquitetada com


diálogos que sempre remetem o espectador ao

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universo cinematográfico. Vicente considerava a
peça A Noite do Oscar o seu melhor texto. O dra-
maturgo na peça, além de prestar um tributo ao
cinema, intenta fazer uma crítica aos costumes
de uma classe média decadente, uma temática
que sempre motivou a considerada Santíssima
Trindade dos autores do besteirol: Mauro Rasi,
Vicente Pereira e Miguel Falabella. Na peça de
Vicente, aparece em vários momentos um con-
fronto entre o ser e o parecer. Um exemplo está
na discussão do casal anfitrião.
Lílian – Não desconverse, Nelson. Quero a sua
situação. Você pagou as contas de luz?
Nelson – Não. Você usou todo o dinheiro e
mais o da prestação do freezer para comprar 79

os camarões...
Lílian – Peça à tia Clarissa. Estamos com duas
contas atrasadas.
Nelson – Ela já me deu, mas vou usá-lo para as
mensalidades do clube. Da última vez quase
fui barrado.

O casal Lílian e Nelson, para fugir da bancarrota


financeira, é ajudado pela tia de Lílian, Clarissa.
Há uma passagem em que a personagem Lílian,
para manter a aparência, em relação aos dois
visitantes, comenta o porquê da presença da tia
na recepção:
Vera – Coitada, tão lúcida!

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Lílian – A velhice é muito triste. A gente esquece
tudo o que se passa. Coitada, ninguém quis ficar
com ela. Sabe como é, cuidar de velho ninguém
quer; é complicado. Fiquei com pena e resolve-
mos cuidar dela.
Vera – É muito importante fazer caridade.
Jofre – Garantir o nosso lugar no céu. (Ergue o
copo) À nossa!
As duas – À nossa!

Thaís Portinho, Nildo Parente e Mário Borges,


que integravam o elenco de A Noite do Oscar,
desde a encenação de 1982 passaram a cultivar
uma tradição. Todos os anos, os três mais o
diretor Ary Coslov se encontram para assistir a
80 entrega dos prêmios da Academia.

E é justamente o universo cinematográfico o


tema que provocou a primeira união como
dramaturgos de Mauro Rasi, Vicente Pereira e
Miguel Falabella. Trata-se do espetáculo Miguel
Falabella e Guilherme Karam, finalmente juntos
e finalmente ao vivo – foi também a peça que
lançou a dupla Falabella e Karam. A estreia
foi no Teatro Candido Mendes em dezembro
de 1984. Foi também um momento em que o
besteirol escolheu a sua estação de ano dileta
para estreia das peças: o verão. É importante
lembrar que as chanchadas da Atlântida, um dos
precursores do gênero, também programavam
a estreia dos seus filmes para o verão.

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No livro Besteirol e Carnavalização, é feita
uma síntese de Miguel Falabella e Guilherme
Karam, finalmente juntos e finalmente ao vivo:
Dois atores que trabalharam juntos, e que se
odeiam mortalmente, pela primeira vez serão
vistos em público, entregando um Oscar à me-
lhor atriz. A partir daí, desenvolve-se todo o
espetáculo, composto de cinco quadros (que
mostram as atuações dos dois), intercalados de
entrevistas que a repórter, Scarlet Sun, faz pela
TV, enquanto espera imagens diretas de Los
Angeles. A reportagem e filmes indicados para
a premiação são apresentados em vídeo. Os qua-
dros, onde Falabella e Karam dão um show de
versatilidade e interpretação, são os seguintes: 81
Avenida Pôr do Sol (sátira ao filme Sunset Bou-
levard, Crepúsculo dos Deuses de Billy Wilder);
O rouxinol de Hollywood (sátira ao filme O Que
Terá Acontecido a Baby Jane? de Robert Aldri-
ch – traz a dupla em cadeiras de rodas tratando
da rivalidade de grandes estrelas envelhecidas);
O retrato de Doris Day (sátira ao filme Gunga
Din de Howard Hawks, que na verdade é uma
espécie de Indiana Jones às voltas com um hindu
que discute o pagamento do Karma); Eu viverei
amanhã. Destacam-se dois vídeos: Karam como
Scarlet Sun e na apresentação dos filmes, Fa-
labella como Esther Williams, em Tubarão. Os
dois contracenam ainda em Julia, Momento de

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Decisão e Mamãezinha Querida. Toda a parte
em que é feita a paródia da noite dos prêmios
Oscar, com os monitores apresentando as outras
paródias, gravadas com a dupla, citadas acima,
é falada em inglês. Este espetáculo onde são
reverenciados os artistas/ídolos do cinema dos
três autores, é considerado um dos pontos altos
do gênero besteirol.

Para este espetáculo, Vicente escreveu o esquete


Eu viverei amanhã, título que parodia o filme
Eu chorarei amanhã, de Daniel Mann. O autor
definiu seu texto como um drama existencial.

O esquete de Vicente faz uma reverência à Nou-


82
velle Vague. Na rubrica inicial, Vicente indica que
a trilha sonora do esquete seja Juliette Greco,
justamente uma das cantoras que foi musa do
movimento existencialista francês. O texto é
composto por diversas citações que são ditas
pela dupla Falabella e Karam. O dramaturgo
cita Lao-Tsé, Proust, Antonioni, Bergman. O
constante uso do recurso da citação no Teatro
Besteirol vem ao encontro do que Miguel Fala-
bella disse-me sobre o gênero: O besteirol era
muito sofisticado. Se você não soubesse quem
era Oscar Wilde e Dorian Gray você perdia a
piada. Se você não soubesse o que era nouvelle
vague, o estilo de interpretação de Delphine
Seyrig em O Ano Passado em Marienbad, você

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não fruía a piada. Há também no esquete Eu
viverei amanhã a citação de um diálogo que
Vicente havia tido com a sua mãe:
Miguel – Vou mandar reformar os móveis, pintar
as paredes... Vou mudar tudo. Vou fazer um loft.
Aquela parede eu vou empurrar para lá... Aquela
vou puxar pra cá... Aquela...
Karam – Você pensa que parede tem roda?

Segundo, a atriz Thaís Portinho, originalmente o


diálogo aconteceu quando a mãe de Vicente foi
visitá-lo no apartamento que ele tinha comprado
na Avenida Niemeyer, no Rio de Janeiro. O apar-
tamento dele era ao lado do Hotel Sheraton, e
a sua mãe teria dito: Filho desloca esta parede 83
para cá. Assim, você tem outra visão da praia e
do hotel. Vicente, então, respondeu: Mãe, você
pensa que parede tem roda?. Ressalte-se que
Mauro Rasi aproveitou o mesmo diálogo em sua
famosa Pérola:
Norma – Sua mãe não para de aumentar essa
frente...
Pérola – Acabar com essa casa em formato de
funil, só sobra esse quintal pra gente poder res-
pirar. Tô pensando em trazer aquela parede pra
cá, empurrar aquela outra pra lá...
Emilio – Mamãe, você pensa que parede tem roda?

Nas peças de Pereira, a paródia podia aparecer já


no título da obra como, por exemplo, As Plumas

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de Avalon, escrita em 1988 para o espetáculo
Sereias da Zona Sul.

O autor se valeu de um dos best sellers dos anos


1980 As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer
Bradley, para contar a história da iniciação
esotérica de um homossexual. Aliás, Vicente
adorava criar títulos de impacto. Thaís Porti-
nho lembra que uma vez o amigo escreveu na
agenda o título de uma peça que iria criar: O
Bidê de Rosemary. Thaís perguntou-lhe qual
seria o tema da peça. Ele respondeu que seria
um bidê que jorrava sangue, mas acabou não
escrevendo o texto.
84
Classificados Desclassificados foi uma obra
coletiva que surgiu a partir de um gosto inusi-
tado de Vicente Pereira, como lembra em de-
poimento para este estudo a diretora da peça,
Jacqueline Laurence. A atriz francesa comentou
que Vicente tinha como hábito ler o jornal de
classificados carioca O Balcão. Lá ele via coisas
absurdas do tipo troco um papagaio por um
acordeom. Então, Thaís Portinho pensou em
encenar um espetáculo sobre o tema. Vicente
não queria escrever sozinho, Miguel Falabella
se interessou e escreveu um esquete e depois,
da mesma forma, apareceram Luiz Carlos Góes
e Maria Lúcia Dahl, que completaram o time de
autores do espetáculo.

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Classificados Desclassificados estreou no Teatro
Candido Mendes. Reunia uma nova dupla do
besteirol: Eduardo Dussek e Thaís Portinho.
Inicialmente a peça foi ensaiada com Thaís
e Caíque Ferreira. Os ensaios ocorriam neste
mesmo teatro, durante a temporada de Miguel
Falabella e Guilherme Karam, finalmente juntos
e finalmente ao vivo. A atriz relembra que, nos
ensaios, Falabella e Karam faziam performances
privadas para ela, Jacqueline e Caíque. Em uma
delas, por exemplo, os dois fingiam ser duas mis-
ses de países absurdos. Dentro desse processo de
criação de Classificados Desclassificados, Caíque
desistiu de fazer o espetáculo por não se consi-
derar pronto para a estreia. Thaís lembra o que 85
comentou com ele: Caíque, o Miguel Falabella
ensaiou 32 dias Miguel Falabella e Guilherme
Karam, finalmente juntos e finalmente ao vivo.
Caíque retrucou: Thaís, o Miguel ensaia isso há
32 anos. Numa iniciativa de Vicente Pereira e Luiz
Carlos Góes, foi escolhido como substituto de Ca-
íque, Eduardo Dussek, na época um dos grandes
cantores de sucesso da música brasileira. Dussek
já havia trabalhado como ator na emblemática
montagem de As Desgraças de uma Criança, de
Martins Pena, realizada em 1973, quando divi-
diu o palco com Marieta Severo, Marco Nanini
e Antônio Pedro. Classificados Desclassificados
tinha programado uma temporada de cinco se-

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manas no Candido Mendes. Acabou sendo um
grande sucesso, e Dussek foi indicado ao Troféu
Mambembe de Melhor Ator por esse trabalho.
Como Dussek tinha uma carreira musical intensa
na época, Classificados Desclassificados iniciou
uma nova temporada no Teatro Ipanema, nas
quartas e quintas-feiras. No mesmo local, de
sextas-feiras a domingos, o cantor fazia o show
com a sua banda.

Thaís lembra que entre um esquete e outro era


projetado um slide (ainda não havia o recurso do
computador) com o nome do classificado. Thaís
lembra que cada esquete concebido para o espe-
86
táculo era baseado em anúncios reais existentes
nos jornais cariocas. Detetive Santos, o esquete
de Vicente, era inspirado em um homem que se
identificava como Detetive Santos para oferecer
os seus préstimos nos jornais do Rio de Janeiro.

Para Classificados Desclassificados, Vicente uti-


lizou a paródia na representação determinada
por meio das suas rubricas. Um exemplo é o já
citado esquete Detetive Santos. A rubrica do
esquete diz assim: Música de filme policial dos
anos 40. Ator canta tema de Casablanca. Tudo
é branco e preto. A luz é climática como nos
filmes. Os atores representam com pausas, poses
e climas de suspense. Muito cigarro, fumaças e
acordes musicais bombásticos. As luzes vão se

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acendendo revelando o detetive andando de
um lado para outro, fumando. Uma mesa (se
possível uma escrivaninha) e uma cadeira. Músi-
ca sobe quando entra a cliente. É elegantíssima
de tailleur, luvas, carteira e chapéu desabado
cobrindo-lhe uma parte do rosto. Ele está de
colarinho aberto e a gravata está afrouxada. O
paletó está nas costas da cadeira. Clima Hum-
phrey Bogart em O Falcão Maltês.

Vicente se utiliza da ambientação do cinema


policial dos anos 1940 e 1950 para criar um texto
cômico em que uma cliente contrata um detetive
com o intuito de descobrir a traição do marido.
No final, ela descobre que o marido a traía com 87
o detetive.

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Capítulo VII

A Música em Vicente Pereira e a Volta de


Mauro Rasi ao Besteirol

Entre os autores do besteirol, Vicente se destaca


por ter na citação musical outra característica
para criar as suas peças. No esquete Tristonho
Sindicato, que integrava Pedra, a Tragédia, es-
petáculo que tinha no elenco as atrizes Analu
Prestes, Stela Freitas e Thelma Reston, Vicente
criou o título a partir de um verso de uma anti-
ga canção de Haroldo Barbosa (pai da escritora
Maria Carmem Barbosa) intitulada Bar da Noite. 89
São justamente trechos dessa canção as primeiras
falas da peça.
Neusa (Cantando depois de um gole) – Garçom,
apague esta luz, que eu quero ficar sozinha...

Vicente utiliza o recurso da citação musical de


uma forma cômica e ao mesmo tempo patética
em seu esquete. O texto apresenta três mulheres
solitárias que se encontram em um karaokê e,
enquanto entoam antigas canções, como Balada
Triste e Ninguém me Ama, falam de suas des-
ditas amorosas. Na rubrica em que descreve as
características das personagens da peça, Vicente
mais uma vez faz referência ao cinema:

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Entrada surge Elvira, uma outra senhora, tam-
bém de um outro velho tempo (os personagens
desse esquete, são tipos antigos, como Le Bal).

A citação ao filme O Baile, de Ettore Scola, é


recorrente na obra de Vicente. Aparece também
no esquete Aula de Dança, de Classificados Des-
classificados. O filme franco-italiano foi baseado
em uma encenação assinada por Jean Claude
Penchenat. No filme de Scola, as primeiras per-
sonagens que entram no salão são justamente
mulheres vestidas de uma forma extravagante.
Cada uma das personagens femininas que en-
tram no salão faz gestos cômicos como: ajeitar
90
a peruca, limpar os dentes em frente da câmera,
tirar o sapato de salto alto da bolsa para calçá-lo.
Quando Ary Coslov dirigiu para o Centro Cultural
Candido Mendes o vídeo de Pedra, a Tragédia,
reproduziu no esquete de Vicente o ambiente
e os figurinos de O Baile.

Para Pedra, a Tragédia, Mauro Rasi escreveu o


esquete Ifigênia em Sodoma, que conta a histó-
ria de uma atriz trágica, Eleonora Cazarré, cujo
desejo é encenar sozinha uma tragédia com 60
personagens. Na representação, Eleonora entra
em confronto com a crítica teatral Vânia Leão.
Esse esquete de Mauro é até hoje representado
pela Cia. Baiana de Patifaria (naturalmente, com
as devidas modificações que o grupo coloca nos

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textos). A escolha do nome Eleonora para atriz
nos remete, e o esquete comprovará isso, à fa-
mosa atriz italiana Eleonora Duse.

Há também no esquete diversas citações ao univer-


so teatral, o que mostra uma grande erudição por
parte do dramaturgo. Vejamos essas passagens:
Eleonora – Desde que eu comecei a fazer teatro,
em... (Cala-se)
Vânia [Massageando o pé ferido] – ... Em? Quan-
do, Eleonora, quando?
Eleonora – ... Sonhava um dia vir montar essa
tragédia.
Vânia – Sabia que ela não ia ter coragem de
confessar a idade. Ela é do tempo da Chiquinha 91
Gonzaga, do Chianca de Garcia...

Em outra passagem, Mauro faz referência à


famosa briga de Paulo Francis, quando este era
crítico teatral, e o ator Paulo Autran. É quando
Vânia e Eleonora começam um embate físico:
Eleonora – Eu vou te dar uma surra pior da que
o Paulo Autran deu no Paulo Francis.

A briga de Paulo Autran com Paulo Francis


aconteceu na década de 1950. Francis era crítico
teatral e escreveu um texto agressivo contra a
atriz Tônia Carrero, uma das melhores amigas
de Autran. Este prometeu, então, que quando
encontrasse o crítico cuspiria na cara dele. Tal

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agressão acabou acontecendo e se tornou uma
das mais célebres histórias da cultura brasileira
sobre o conflito entre críticos e artistas.

Há também no esquete de Rasi referências a ou-


tros confrontos entre atores e críticos, na história
do teatro brasileiro. Como vemos na ameaça que
Vânia faz a Eleonora: Vânia: Eu vou te destruir,
Eleonora! Vou te destruir mais do que a Barbara
Heliodora destruiu a Cacilda Becker em A Visita
da Velha Senhora. Mais do que a Maria Helena
Dutra destruiu a Zezé Mota no Canecão, mais do
que as minhas amigas destruíram a Tereza Rachel
em Um Bonde Chamado Desejo; mais do que...
92
Há uma passagem em que a crítica Vânia e sua
esposa, Dirce, falam do gênero besteirol. Trata-
se do momento em que elas são convidadas a
interagirem com Eleonora.
Vânia – Não tenha medo, é besteirol.
Dirce – Temos de ficar atentas, Vânia. Ouvi falar
de que esse tal de besteirol, é feito, todo em
cima de citações.

E é esse, por sinal, o texto que dá por encerrada


a participação do autor no besteirol, na década
de 1980. Logo em seguida, Mauro partiu para a
sua dramaturgia memorialista em textos como:
A Cerimônia do Adeus, A Estrela do Lar e Pérola.

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Por um bom tempo, o dramaturgo assumiu uma
posição de negação do seu passado como Pai do
besteirol. Chegou, inclusive, a proibir montagens
dos seus textos da época do besteirol. Na já cita-
da entrevista do autor para a Interview, Mauro
é indagado a respeito e comenta: Você não per-
mite que suas peças da época do besteirol sejam
encenadas de novo. Ainda renega essas peças?
Mauro – Não é renegar. Elas não têm importân-
cia alguma. Afinal de contas, a gente não pode
ser genial o tempo todo. Foram feitas às pressas,
sem nenhum acabamento, e serviam para o ime-
diatismo da época: pagar aluguel e sobreviver.

Mauro durante algum tempo não queria que 93


A Bofetada trouxesse o seu nome nos créditos
autorais, nem fazia questão de receber a sua
porcentagem como autor. Mudou de atitude
em relação às duas coisas. Podemos dizer que
o escritor se reaproximou do besteirol quando
começou a escrever esquetes para o espetáculo 5
X Comédia, cujo título original era 5 X Besteirol.
5 X Besteirol foi idealizado para uma comemo-
ração no Centro Cultural Banco do Brasil, em
outubro de 1994. Mauro começou escrevendo
Oh! Que Delícia de Língua, que primeiramen-
te era interpretado por Débora Bloch e, com
as mudanças de elenco da peça, passou a ser
representado por Fernanda Torres. O esquete

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satirizava os comercias de TV da época pelos
quais eram vendidos cursos de língua em que
as pessoas aprendiam dormindo. Depois Mauro
escreveu para Luiz Fernando Guimarães o es-
quete Gucci e o Pavão, onde a sátira voltava-se
às pessoas compulsivas em consumirem roupas
de grife. No entanto, é importante lembrar que,
nesse período em que renegou o besteirol, Mau-
ro ainda mantinha a mesma veia humorística
em outra atividade que desenvolvia. Ele atuava
como roteirista da TV Pirata que, de uma certa
forma, trouxe o gênero besteirol para a TV, visto
que seu elenco contava com um time de atores
cuja formação se deu no besteirol ou que, de
94 alguma maneira, em algum momento de suas
trajetórias artísticas, se vincularam a ele. Nomes
como Diogo Vilela, Cristina Pereira, Guilherme
Karam, Marco Nanini, Ney Latorraca, Regina
Casé e Louise Cardoso atuaram nas peças do
gênero. E a grande maioria dos dramaturgos
do besteirol integrou o grupo de roteiristas do
programa. Além de Mauro, escreviam para o
programa Vicente Pereira, Felipe Pinheiro, Pedro
Cardoso e Miguel Falabella.

A estreia de 5 X Comédia aconteceu em setem-


bro de 1995, no Theatro São Pedro, em Porto
Alegre. Integravam o elenco dessa encenação
Débora Bloch, Diogo Vilela, Fernanda Torres,

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Luiz Fernando Guimarães e Miguel Magno.
Além de Oh! Que Delícia de Língua, de Rasi, fa-
ziam parte da peça: Os Monólogos para Atriz e
Ponto, de Miguel Magno e Ricardo de Almeida,
Peloponeso e Leblon de Hamilton Vaz Pereira e
Não se Fuma em Cingapura, de Vicente Pereira.

Não se Fuma em Cingapura era uma adaptação


que o diretor Marcus Alvisi fez de uma parte do
romance inacabado de Vicente Memórias de um
Sodomita Esotérico. Editar esse romance era um
sonho acalentado pelo dramaturgo conforme
matéria escrita por Alethea Muniz, publicada
no Correio Brasiliense em novembro de 2000.
95
Nelson de Sá escreveu sobre 5 X Comédia. A
crítica de Nelson está no livro Diversidade: Um
guia para o teatro dos anos 90: 5 X Comédia é
uma homenagem ao besteirol, comandada pelo
diretor e mestre de cerimônias Hamilton Vaz
Pereira, e também, uma antologia, os melhores
– momentos – de. É uma oportunidade talvez
única de vislumbrar o que foi, o que ficou e o
que pode vir a ser o besteirol, o mais execrado
dos gêneros brasileiros de teatro (...) Estão lá,
inteiras, três cenas de Quem Tem Medo de Itália
Fausta?, um dos sucessos mais emblemáticos do
besteirol propriamente dito. Está lá a geração
da TV Pirata, que tomou a televisão na virada
dos anos 1990 com o humor nascido no palco,

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com o besteirol ou no entorno. E está lá o que
pode vir a ser o besteirol, se é que dá para falar
assim, amadurecido. (...) Das cinco comédias, é
inevitável isolar uma preferida. A do crítico é
Não se Fuma em Cingapura, de Vicente Perei-
ra com adaptação / direção de Marcus Alvisi e
interpretação de Diogo Vilela. Muito diversa
do espetáculo anterior dos mesmos, Solidão, a
Comédia, a cena ou quadro está no limite mais
confuso, mais indefinido, entre a comédia e a
tragédia, ou talvez entre a farsa e a tragédia.
É como se o besteirol, levado ao extremo, ter-
minasse em morte (...) Diogo Vilela venceu um
primeiro momento em que deixou o besteirol
96 por uma espécie de melodrama cômico, anos
atrás, e em Não se Fuma chega a assustar, com
um humor que se compõe com a morte – como
em sua interpretação de Navalha na Carne, de
Plínio Marcos. Talvez a melhor amostra esteja
em duas frases seguidas: Desisti de me matar.
Quem é que garante que a coisa não continua.
(...) Por outro lado, 5X Comédia tem o besteirol
puro. Miguel Magno, nos Exercícios para Atriz
e Ponto que escreveu com Ricardo de Almeida,
é engraçado como sempre foi, talvez até mais,
agora, o papel da atriz da velha guarda, de ranço
português, que briga com o ponto.

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Capítulo VIII

O Sucesso Sereias da Zona Sul

E vamos tratar, agora, de um dos espetáculos


mais bem-sucedidos na história do besteirol.
Falo de Sereias da Zona Sul que estreou no Te-
atro Clara Nunes, no Rio de Janeiro, em janeiro
de 1988. Em relação às produções anteriores do
besteirol, tinha o diferencial de ter abandonado
os teatros pequenos para a encenação. É impor-
tante lembrar que o espaço cênico símbolo do
besteirol carioca é o pequeno Teatro Candido
Mendes, que fica em Ipanema. Lá estrearam
Classificados Desclassificados; Pedra, a Tragédia; 97

Bar, Doce Bar; e Miguel Falabella e Guilherme


Karam finalmente juntos e finalmente ao vivo.
No Candido Mendes Quem tem Medo de Itália
Fausta? teve a sua mais bem-sucedida tempora-
da carioca. Foram seis meses de casa lotada com
sete ou oito sessões semanais. Mais recentemen-
te, em 2001, o Candido Mendes foi o palco da
estreia de Cócegas, da dupla Heloisa Périssé e
Ingrid Guimarães.

Para Sereias da Zona Sul, Vicente escreveu o es-


quete Cristal Japonês. O texto da peça apresenta
uma citação retirada do romance Duas Damas
Bem Comportadas, da escritora norte-americana

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Jane Bowles, que diz: Ainda não gostei de
nenhum dia, mas não desisto de encontrar a
felicidade. Bowles escreveu contos, uma peça
teatral e este romance. Era admirada pelo es-
critor Truman Capote.

Em Cristal Japonês, Vicente extrai o riso na des-


crição das personagens Ticiano e Rildo. Eles são
assim descritos pelo dramaturgo:

Ticiano – um senhor. Híbrido. Não se sabe sua


idade. Usa terno sépia, gravata sépia, meias sé-
pia... Austero. De uma elegância clássica que o
situa em algum país europeu, mas que também
não destoa dos tipos híbridos de Copacabana,
98
Leblon, ou qualquer outro lugar cosmopolita.
Tem obsessão pela correção. Fala tudo muito
corretamente pronunciado, o que lhe dá o toque
verdadeiro, aliás, anacrônico.

Rildo – outro produto da hibridez e do anacro-


nismo. Mas, só reparamos com uma segunda
olhada. A princípio parece uma pessoa normal,
mas se começarmos a reparar em seu topete,
suas estranhas sobrancelhas, sua gola rolê exa-
gerada, sua pesada valise, misto de frasqueira e
pasta 007, saberemos que estamos na frente de
um anormal. Também de idade indefinida. Algo
de mórbido, transgressor, emana sutilmente de
sua aparente normalidade.

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As características dos figurinos das duas persona-
gens são recursos de comicidade utilizados pelo
dramaturgo. Em Cristal Japonês, Vicente mostra
o encontro de dois amigos de infância que se
tornaram adultos fracassados, com uma com-
posição ridícula a começar pela sua vestimenta.
A melancolia está em todo o esquete. Rildo é
um arquiteto malsucedido que vende muamba,
enquanto Ticiano tornou-se um vendedor de
enciclopédias. Os dois são solitários e amargura-
dos. No final do esquete, Ticiano lembra que é
o dia do seu aniversário, e Rildo saca de dentro
de sua sacola um panetone velho para que eles
celebrem a ocasião: 99

Rildo – Olha só o que eu tenho para você. To guar-


dando esse panetone (sic) na maleta, desde o Natal
passado. Sabia que um dia eu ia precisar dele.
Ticiano – Não vá dizer que anda com um pane-
tone (sic) na mala?
Rildo – (Colocando o pacote em cima do banco
e abrindo-o) Quando vi aquela mesa farta na
minha frente, pensei: Vou levar esse panetone
(sic). Pode ser que um dia me falte alguma coisa...
aí... senta aqui. Vamos cantar parabéns.
Ticiano – Rildo, você reparou o absurdo dessa
situação? Nós dois no meio da praça cantando
parabéns prum panetone (sic) dormido?

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Além de Cristal Japonês, integravam Sereias
da Zona Sul os seguintes esquetes: A Sauna e
Sereias da Zona Sul, de Miguel Falabella, e As
Plumas de Avalon, de Vicente Pereira. A Sauna
tinha como foco central o universo das socialites.
Miguel mostrava o encontro de duas madames
em uma sauna. Lá elas diziam horrores de to-
dos. Um exemplo estava no deboche que elas
faziam da campanha Eu amo Goiânia, surgida
após o acidente radioativo com a substância
Césio 137, ocorrido em 1987. Guilherme Karam
incluiu também uma sátira à música We are the
World. Tudo que soasse politicamente correto
era alvo da metralhadora giratória das figuras
100 do besteirol. Como lembra Jacqueline Laurence,
os politicamente corretos pegavam no pé do
besteirol. O segundo esquete, que dava nome ao
espetáculo, tinha como ideia inicial que Miguel e
Guilherme estivessem vestidos de maiô na beira
da orla carioca e começassem a serem vítimas
dos tiroteios que já assolavam o Rio de Janeiro.
Por uma questão de produção, essa ideia foi
esquecida e Sereias da Zona Sul transformou-se
em um esquete onde duas vizinhas, Nezi e Dar-
lene, de temperamentos opostos, brigam em um
condomínio carioca. Outro dado importante no
depoimento de Jacqueline diz respeito à questão
do travestimento em Sereias da Zona Sul. Como
já foi dito, as peças do besteirol faziam largo uso

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do travestimento feminino. Jacqueline comenta
que a composição feminina criada por Falabella e
Karam para o espetáculo era próxima ao grotes-
co, visto que eles usavam roupas femininas, mas
ao mesmo tempo, deixavam aparecer braços e
pernas peludas. Portanto, não havia a busca do
retrato feminino, algo que outras encenações
que se valeram do travestimento feminino ten-
taram – um exemplo é a peça Tango, Bolero e
cha-cha-cha, de Eloy Araújo, um grande sucesso
do final da década de 1990, dirigido por Bibi
Ferreira, em que Edwin Luisi, o protagonista da
peça, fazia uma composição que o assemelhava
muito a uma mulher de verdade. Jacqueline
chama o travestimento no espetáculo de Fala- 101
bella/Karam de um aspecto de estranheza que
o besteirol tinha. Essa forma de travestimento
estava presente nos espetáculos do Dzi Croquet-
tes e também foi um recurso utilizado em Quem
Tem Medo de Itália Fausta? Por sinal, o uso do
travestimento feminino reforçou a ideia de se
considerar a peça da dupla Miguel Magno e Ri-
cardo de Almeida como o espetáculo precursor
do besteirol. No entanto, o travestimento foi
recurso amplamente utilizado por atores brasi-
leiros das mais diferentes épocas. Talvez, o mais
célebre deles tenha sido Oscarito, que fez uso
do recurso tanto no teatro quanto no cinema.
Há a antológica cena de Oscarito na chanchada

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Os Dois Ladrões, dirigida por Carlos Manga, na
qual o cômico está vestido igual à atriz Eva To-
dor, fazendo com ela uma impagável simulação
de um espelho.

As Plumas de Avalon, que infelizmente é um


texto perdido, não encontrável nos acervos
da Funarte, Sbat, nem nos acervos pessoais de
Jacqueline Laurence ou da família de Vicen-
te Pereira, mostrava duas amigas, Alcione e
Cassandra (que pode também ser Honório), se
encontrando na casa de uma delas. São ambas
esotéricas, ligadas a deuses egípcios, astrologia,
tarô e outras ciências ocultas, nas quais Cassan-
102
dra é uma sacerdotisa, preocupada em fazer a
amiga iniciante transcender a simples Alcione
Maria. Armam um ritual para a chegada do Ar-
canjo Maribel, vestindo-se em trajes adequados
e começam a entoar um mantra, embora Alcione
só consiga pensar em prazeres simples e querer
simplesmente um homem. Acontece o ritual, e
surge um sarcófago egípcio, no qual, sempre
seguindo o ritual, Alcione deverá entrar. Levada
pela fala hipnótica da outra, vai atravessar um
túnel, ver uma luz, galáxias, estrelas, o poder
supremo, a quem agora pode fazer seu pedido.

Barbara Heliodora escreveu sobre a montagem


de Sereias da Zona Sul para a Revista Visão, em
1988, o seguinte: Sendo besteirolistas históricos,

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que dominam toda a tecnologia de ponta deste
novo avatar do humor carioca, Miguel Falabella
e Guilherme Karam atuam em As Sereias da Zona
Sul com o prazer de quem gratifica sua loucura
favorita. O espetáculo em cartaz no Teatro Clara
Nunes é composto por quatro peças curtas: A
Sauna e As Sereias da Zona Sul, de Miguel Fala-
bella, e Cristal Japonês e As Plumas de Avalon,
de Vicente Pereira, com textos de introdução e
ligação também de Falabella. E, com exceção da
terceira (que abandona o divertido tom crítico
dos outros textos e envereda por um tom senti-
mentalóide e radionovelesco que faz cair o ren-
dimento tanto do diálogo quanto da interpreta-
ção), constituem o programa mais desopilante 103
da praça. (...) Método na Loucura. O segredo
do sucesso da dupla Falabella – Karam está no
fato de terem perfeita consciência de que não
há brincadeira, palhaçada, piada, flechada que
funcione se não for disciplinada pela forma; que
a liberdade não pode descambar para a bagunça;
que um público pagante vai ao teatro para se
divertir e não para ser esquecido enquanto os
atores se divertem. Sendo Falabella mais ator e
Karam mais showman e cantor, eles apresentam
no espetáculo um equilíbrio de forças, com cada
um respeitando o pedaço do outro e conse-
guindo um jogo cênico justo e medido, mesmo
quando sugere – e apenas sugere – os maiores

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desatinos. A troca de fofocas e de confidências
em A Sauna, cujo clima vai se alterando com
grande rapidez, deixa bem clara a presença dessa
consciência, bem como da segurança da direção:
O talento dos dois intérpretes fica sempre canali-
zado no sentido de seu melhor aproveitamento.
O segundo texto, que dá título ao espetáculo,
explora outros níveis de comicidade e crítica,
além de aproveitar, também, novas áreas da
possibilidade dos dois intérpretes. Em Cristal Ja-
ponês o nível baixa um pouco, talvez por entrar
em conflito com a essência do besteirol, mas em
As Plumas de Avalon Vicente Pereira mostra que
sabe dominar brilhantemente o gênero; é neste
104
texto que os mais extremos limites da crítica pela
loucura são atingidos.

Após oito meses de temporada, Cristal Japonês


foi retirado do espetáculo. Jaqueline Laurence
lembra que todos comentavam que o texto de
Vicente era demasiado triste, o que provocava
uma quebra no humor do conjunto da peça.
Barbara Heliodora em sua crítica o classificou de
melodramático. Nos outros oito meses da tempo-
rada carioca, assim como na bem-sucedida turnê
que o espetáculo fez durante oito meses pelas
diversas capitais brasileiras, Sereias da Zona Sul
contava com A Sauna e Sereias da Zona Sul, de
Miguel Falabella, sendo encerrado por As Plumas
de Avalon, de Vicente.

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Brasil, a Peça foi o último espetáculo do besteirol
na década de 1980. Estreou em 1989, ano em que
o Brasil voltava a ter eleições diretas para presi-
dente. A peça reunia o mesmo time de autores
que havia trabalhado na criação de Classificados
Desclassificados, a saber, Miguel Falabella, Luiz
Carlos Góes, Maria Lúcia Dahl e Vicente Pereira.
A direção de Brasil, a Peça também coube a Jac-
queline Laurence, mesma diretora de Classifica-
dos Desclassificados. O espetáculo foi concebido
para a inauguração do Teatro do Posto 6, sala de
espetáculos de propriedade de Thaís Portinho, a
protagonista da peça. Há um episódio curioso,
que foi a tentativa de cancelamento da estreia
de Brasil, a Peça, pois a sala não havia ainda 105

conseguido o alvará definitivo para o seu fun-


cionamento. Thaís e Jacqueline tiveram que ir
até a delegacia para conseguir uma autorização
que colocasse o teatro em atividade.

No livro Besteirol e Carnavalização, Alanderson


Machado e Marcelo Bruno fazem uma síntese da
peça: Através de quatro textos curtos, os autores
brincam com os diversos graus de insatisfação
em relação ao país, calcados em nossos mais
marcantes momentos históricos. Em Paraguassu
Got Married – escrito por Falabella – temos o
encontro de uma índia e um colonizador portu-
guês que, à deriva no mar, decidem fundar por

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aqui uma colônia que, já pelo nome, percebe-se
que não dará certo. Luis Carlos Góes é o autor
de As Escravas do Brasil onde se revelam os ver-
dadeiros motivos pelos quais a Princesa Isabel
aboliu a escravidão – a paixão por um crioulo
chamado Nilson. Escrito por Maria Lúcia Dahl,
1964 apresenta um casal namorando dentro de
um Gordini, surpreendidos pelo rádio do carro
que anuncia o golpe militar. E por último, Ame-o
ou Deixe-o, de Vicente Pereira descreve o encon-
tro, num aeroporto, de um casal de malandros
– um cantor assassino e uma mulher que vive de
expedientes – prestes a abandonar o país. Há
ainda uma paródia sobre a conversa das duas
106 esculturas existentes em frente ao Palácio do
Planalto, que ocorria entre um quadro e outro,
para que desse tempo dos atores trocarem de
roupa / personagem.

O esquete As Estátuas era uma criação de Vicente


que servia, como já foi comentado, como um elo
entre os outros esquetes. As Estátuas continha
muito da memória do autor em relação a Brasí-
lia. Há uma passagem, por exemplo, em que as
estátuas começam a cantar de forma saudosista
o Peixe-Vivo, a música símbolo do presidente
Juscelino Kubitschek de Oliveira.

A luz vai levantando. As vozes são das duas está-


tuas do Palácio da Alvorada: As famosas mulheres

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penteando os cabelos que estão no lago na frente
do Palácio. A luz vai subindo pelos pés delas re-
velando os 2 atores nos lugares das cabeças das
estátuas que estão pintadas no telão. A posição
das estátuas continua a mesma, só mudando as
cabecinhas com as mãos puxando os cabelos.
As Duas – (Cantando) Como pode o peixe vivo
viver fora da água fria? Como poderei viver?
Como poderei viver? (Calam-se)
2ª (Saudosista) – Não podemos viver sem a sua
companhia... (Suspira) Aquilo sim era país.

O último esquete de ligação para o espetáculo,


criado por Vicente chama-se As Banhistas. Elas
aparecem comentando as reformas que Marly 107
Sarney, esposa do então presidente da Repú-
blica, José Sarney, está realizando em Brasília.
Vicente nesse esquete retoma frases que já havia
utilizado em outros textos:
2ª (Tentando encarar com naturalidade) – Ela tá
certa. Pra mudar tem que derrubar. Como é que
ela ia empurrar as colunas até ali?
1ª – É... coluna não tem roda.

No final do esquete, quando elas descobrem


que serão demolidas, uma delas cita o discurso
de Juscelino Kubitschek de Oliveira:
1ª (Em lágrimas / Declamando) – Deste planalto
central, desta solidão... lanço os olhos mais uma
vez para o amanhã do meu país.

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O esquete Ame-o ou Deixe-o já apresenta um
traço de comicidade no título. Vicente se utilizou
de uma célebre frase do ex-presidente Emílio
Garrastazu Médici, presidente do Brasil entre os
anos de 1969 e 1974. Emílio foi o responsável pe-
los chamados anos de chumbo da ditadura, o que
significou uma maior repressão e perseguição a
quem se opunha ao regime militar. Médici ficou
conhecido também pelos slogans publicitários
como Brasil, Ame-o ou Deixe-o.

O texto de Vicente passa-se no Aeroporto do Ga-


leão, no Rio de Janeiro. Mostra o encontro entre
uma mulher e um cantor que assassinou a espo-
108 sa e está fugindo do país devido à repercussão
pública que o crime teve. O nome do cantor, no
texto de Vicente, é Lindomar Sampaio e nasceu
em Goiás. É notória a referência do dramaturgo
a Lindomar Castilho, cantor de muito sucesso,
nascido em Goiás, que assassinou a esposa,
Eliana de Gramont, no ano de 1981. Lindomar
voltou ao reconhecimento artístico quando a sua
canção Você é doida demais tornou-se abertura
do seriado Os Normais. Outro recurso cômico
de Vicente nesse esquete é a participação da
voz de Íris Lettieri, a locutora de voz sensual,
que foi jurada do programa televisivo de Flávio
Cavalcanti. Íris é responsável pelas locuções dos
mais importantes aeroportos brasileiros. Há

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cerca de 30 anos ela trabalha para o Aeroporto
do Galeão. Inicialmente, Vicente queria que a
própria Íris participasse do espetáculo, mas como
não houve um acordo, a locução na peça coube
a Guilherme Karam imitando a voz de Íris.

Há no esquete um caráter que o torna, hoje em


dia, atualíssimo. O aeroporto vive um caos aé-
reo. Há atrasos e cancelamentos de partidas. Em
uma passagem, a personagem Teodora dialoga
com Íris:
Íris (Off / Impessoal) – A senhora deseja alguma
coisa?
Teodora – Quero entender o que está se passando.
Estou há horas nesse aeroporto e não estou vendo 109
nenhum avião levantar vôo na hora marcada.
Íris (Off) – Prá onde está indo?
Teodora – Adelaide. Austrália.
Íris (Off) – Está atrasado. Aproximadamente
trinta e duas horas e cinquenta e cinco minutos.
Teodora – Mais cinquenta e cinco minutos?
Íris (Off) – Os aeroviários ainda não entraram
em acordo. E a neblina persiste. Continuamos
sem teto.

Ame ou Deixe-o é composto por falas que locali-


zam o leitor/espectador sobre a época em que se
passa a ação da peça. Em um desabafo, Teodora
comenta a morte de Tancredo Neves e dos su-
cessivos pacotes econômicos do governo federal:

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Teodora – O que acaba com o povo brasileiro é
a esperança. Esperar o que? Alguma coisa que se
esperou, cumpriu-se? Algum pacote econômico
de qualquer governo, cumpriu-se? (Tom Tristo-
nho). Nossa última esperança foi com o velhinho
(Suspira). Chorei tanto quando ele morreu... me
senti tão desamparada, tão destruída, parecia
que era alguém da minha família. Cheguei a
passar um telegrama pra dona Rizoleta (sic).
(Tom) Rizoleta não bebi do seu vinho, não comi
de seu pão. Mas bebo do vinagre que lhe coube.

Velhinho era a maneira carinhosa com a qual as


pessoas chamavam Tancredo Neves.
110
No ano de 2000 Thaís Portinho remontou Brasil,
a Peça com o título de Brasil, a Comédia. A mon-
tagem não obteve o mesmo êxito da encenação
de 1989.

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Capítulo IX

Vicente Pereira Volta aos Palcos como Ator

A primeira montagem de Solidão, a Comédia


aconteceu de forma intimista no Teatro do Posto
6, no Rio de Janeiro, com o próprio Vicente Perei-
ra interpretando os quatro monólogos da peça.
O ano era 1990. Um período turbulento para o
teatro brasileiro, visto que era o primeiro ano
do governo de Fernando Collor de Mello. Com
os cortes impostos à cultura por Collor, inclusive
com a extinção da pasta que tratava do assunto,
bem como da Embrafilme, o ano de 1990 é sem-
pre uma triste lembrança para os que trabalham 111
com arte no Brasil. Com o teatro a coisa não
foi diferente. Uma diretriz que se impôs pela
escassez de recursos foi a criação de espetáculos
com 1 ou 2 atores no elenco. Se relembrarmos
as encenações de sucesso daquele ano, temos,
por exemplo, Fica Comigo esta Noite, texto de
Flávio de Souza com a dupla Débora Bloch e Luiz
Fernando Guimarães e Nardja Zulpério, monó-
logo de Hamilton Vaz Pereira com Regina Casé.
Ou seja, produções com poucos atores e que
traziam nomes que estavam se projetando na
TV Pirata, que estava encerrando uma trajetória
de quase três anos, em seu formato original, na
Rede Globo.

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Vicente como ator de Solidão, a Comédia, 1990

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Como já foi dito neste estudo, Vicente inte-
grou a equipe de redatores da TV Pirata. No
programa, ele mais Miguel Falabella e Patrícia
Travassos formaram um trio de roteiristas que
se autointitulava Tora!, Tora!, Tora!. Tora! Tora!
Tora! é o título de um filme de 1970 que retrata
o ataque a Pearl Harbor em 1941, fato que for-
çou a entrada dos Estados Unidos na 2ª Guerra
Mundial. Juntos, os três criaram para o progra-
ma séries como A Maldição de Patty, história de
uma boneca de estimação que leva uma família
à ruína, e À Sombra das Superquadras em Flor.
Esse período de criação do trio foi relembrado
por Miguel Falabella na entrevista que ele me
concedeu para este estudo. Miguel diz que viveu 113
tardes inesquecíveis em seu apartamento, ao
lado de Vicente e Patrícia. A carreira artística
de Vicente na segunda metade da década de
1980 foi, essencialmente, como escritor. E seu
trabalho como ator era realizado de uma forma
bissexta. Teve o começo em Brasília, junto com
Silvia Orthoff, a passagem por Ladies na Madru-
gada e por A Receita de Sucesso, textos escritos
por Mauro Rasi respectivamente em 1974 e
1981. Depois, em 1982, ele trabalhou como ator
fazendo uma substituição na montagem de A
Tempestade, de William Shakespeare, realizada
pelo grupo Pessoal do Despertar, que revelou
nomes importantes para o teatro brasileiro

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Vicente com Duse Nacaratti em Receita de Sucesso, 1981

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como Daniel Dantas, Maria Padilha e Miguel
Falabella. Em 1983, Vicente atuou ao lado de
Diogo Vilela, Maria Helena Dias e Louise Cardo-
so em uma encenação de Cloud Nine, da inglesa
Caryl Churchill, montagem rebatizada de Cloud
Nine – Numa Nice. Portanto, quando Vicente
estreou Solidão, a Comédia, como intérprete, de
certa forma era um retorno que ele fazia ao seu
ofício de ator. Em entrevista para este trabalho,
Stela Freitas lembra de encontrar o amigo em
uma manhã carioca muito feliz porque ia ensaiar
Solidão, a Comédia.

Segundo Miguel Falabella, o texto de Solidão,


a Comédia surgiu de uma encomenda que ele 115
havia feito a Vicente. Miguel havia assistido nos
Estados Unidos ao monólogo interpretado pela
atriz Lily Tomlin, The Search for Signs of Intelli-
gent Life in the Universe (A Busca por Sinais de
Vida Inteligente no Universo), e pediu que o
amigo escrevesse um monólogo em que Miguel
fizesse vários papéis diferentes. Como a estrutu-
ra criada pelo autor em Solidão, a Comédia é a
de vários esquetes, ele acabou por não levá-la à
cena. No entanto, a peça de Lily serviu de inspira-
ção para que Miguel escrevesse e interpretasse,
Louro, Alto, Solteiro Procura..., que estreou em
1994 e que foi um dos maiores sucessos teatrais
da trajetória artística de Falabella.

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Cloud Nine – Numa Nice, com Louise Cardoso, 1983

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117

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E Miguel também comentou na entrevista
sobre a dramaturgia de Vicente, dizendo que
da tríade de autores formada por Miguel Fala-
bella, Vicente Pereira e Mauro Rasi, Vicente foi
o único que não modificava a sua escrita por
causa do público. Em seu depoimento para este
estudo, Miguel Falabella disse que Vicente em
relação aos outros escritores do besteirol, foi o
único que nunca fez uma concessão ao público.
Para Miguel, isso gerou o fato de o dramatur-
go mineiro nunca ter conseguido um grande
sucesso de bilheteria. Falabella considera que
o teatro de Vicente sempre passou longe da
pequena burguesia.
118
Esse depoimento de Falabella é importante
para se entender o começo da dramaturgia de
Vicente. Em peças como Stella by Starlight e A
Estrela Dalva, escritas nos anos 1970, temos um
autor extremamente crítico em relação à peque-
na burguesia. As duas peças citadas abordam as
relações familiares e mostram finais grotescos
em que a figura da mãe assume uma posição
de carrasca.

Solidão, a Comédia é o texto de Vicente Pereira


em que ele mais rompe com os limites entre o
cômico e o patético. Começa pelo título: o autor
já deixa claro que vai tratar de um sentimento
que, grosso modo, está ligado à tristeza e à

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melancolia. Ao fazer a união de solidão com
comédia, Vicente demonstra que mais uma vez
provocará uma aproximação do dramático e do
risível em uma peça, e que está propondo ao
leitor/espectador um título irônico.

Geralmente as peças de Vicente trabalham com


limite muito tênue entre o dramático e o cômico.
Ary Coslov, que dirigiu Pedra, a Tragédia, definiu
o espetáculo como um Pós-besteirol, atentando
principalmente para a profundidade que havia
no esquete de Vicente. O depoimento de Ary está
no livro de Flávio Marinho sobre o Teatro Bes-
teirol: Principalmente o texto do Vicente Pereira,
Tristonho Sindicato, me parece ser o que mais 119
dá um passo à frente no besteirol. Grosso modo,
ele aborda a mulher em relação ao amor. São
três mulheres completamente diferentes umas
das outras que, por acaso, se encontram num
determinado lugar e tentam um relacionamen-
to entre elas. Sei que é meio vago. Mas a forma
como Vicente abordou o tema, embora mante-
nha o humor do besteirol, difere, um pouco, das
outras peças do gênero na medida em que ele
aprofunda a observação do comportamento hu-
mano. Ela tem um toque tchekhoviano. Porque
a alma das personagens aparece de forma muito
verdadeira. Não existe apenas a brincadeira de
jogos de palavras e das citações.

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Em depoimento para esse estudo, Marcus Alvisi,
diretor de Solidão, a Comédia, lembra a melan-
colia presente na personalidade do amigo. Alvisi
disse-me que Vicente no fundo, no seu mais
íntimo, era uma pessoa triste. A morte precoce
de um irmão que ele amava muito foi definiti-
va na sua percepção sobre o mundo e nunca o
abandonou. Ele sempre confessava para Marcus
que aquela experiência traumática vivida na
infância, a de ter perdido alguém tão especial,
sempre esteve presente em sua vida.

Eduardo Dussek traça uma análise do besteirol,


em especial dos textos de Vicente, entenden-
120
do que esse tipo de teatro era capaz de rir da
própria desgraça. Dussek ilustra essa afirmação
relatando uma experiência que vivenciou com
o amigo no Daime. Os dois juntos passaram
pela peia, que, segundo os daimistas, é aquele
momento em que eles expiam a culpa pelo que
fizeram de errado. Vicente e Dussek haviam
passado por uma semana atribulada e, juntos,
viveram a tal peia. Só que durante ela os dois
tiveram um acesso incontrolável de riso. E Dussek
vê isso nas peças de Vicente: uma ligação muito
grande entre o riso e a dor.

É importante lembrar que, como disse Thaís


Portinho, ele era um autor afeito aos títulos de
impacto. Alguns anos antes, Vicente havia par-

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ticipado ao lado de Miguel Falabella e Mauro
Rasi da escrita de Pedra, a Tragédia, um título
que parodiava Fedra, que em 1985 havia rece-
bido uma montagem grandiosa protagonizada
por Fernanda Montenegro, sob a direção de
Augusto Boal. Essa paródia dos títulos de obras
clássicas é uma herança que o besteirol recebeu
do Teatro de Revista e das Chanchadas Cinema-
tográficas. Dois exemplos de paródias praticadas
pelas chanchadas foram: Matar ou Correr, filme
de Carlos Manga, paródia de Matar ou Morrer,
de Fred Zinnemann; e Nem Sansão Nem Dalila,
também de Carlos Manga, paródia de Sansão e
Dalila, de Cecil B. DeMille.
121
Solidão, a Comédia também trazia à cena um
dramaturgo que queria fugir do rótulo besteirol.
Em matéria realizada pelo Correio Brasiliense
no ano de 2000, chamada De Alma Lavada, é
reproduzida uma declaração de Vicente em que
ele dizia: Estou preocupado em buscar temas
mais universais. O teatro de referência fecha as
possibilidades, e mesmo na comédia, eu não faria
mais isso. Na entrevista que realizei com Eduar-
do Dussek, disse-me que: Solidão é a peça onde
Vicente mais exercitou o rir da própria desgra-
ça. E a escolha do tema solidão para a sua peça
representava um percurso natural na trajetória
do escritor, que já havia tratado do assunto nos

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esquetes de Pedra, A Tragédia e Sereias da Zona
Sul. E, ao mesmo tempo, o autor não concebia a
ideia de escrever uma peça em que o público não
risse. A atriz Maria Padilha lembra até hoje, de
uma frase de Vicente: Não é que eu só admita a
comédia, mas juntar muitas pessoas num teatro
e não ouvir um único riso? Isto me parece um
desperdício de vida.

E foi Vicente quem batizou Maria Padilha de A


Isabelle Huppert da Chanchada, fato que acon-
teceu quando Vicente e Maria contracenaram
em A Tempestade. Ele achava Maria muito
parecida com a atriz francesa. Vicente tentou
122
encenar O Colar de Diamantes com Maria no
papel da protagonista. Foi no ano de 1992. A
peça seria dirigida por Neyde Veneziano e teria
no elenco, também, Carlos Augusto Strazzer.
Acabou não acontecendo.

Há duas versões do texto Solidão, a Comédia:


uma que foi publicada na Revista da Sbat apre-
senta quatro esquetes, sendo que o último,
Vamos Falar Francamente?, apresenta a per-
sonagem Lucy, que conversa com uma amiga
moribunda. Esta versão, tendo como último
esquete Lucy, foi a que Vicente encenou como
ator em 1990, no Teatro do Posto 6. A segun-
da versão do texto foi cedida pelo ator Carlos
Paixão. Apresenta cinco esquetes, sendo que

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Vamos Falar Francamente? traz a personagem
masculina Figueroa, que conversa com o seu
amigo adoentado. Trata-se da versão do texto
mais conhecida, visto que foi com ela que Diogo
Vilela ficou quatro anos em cartaz.

Tal acontecimento, o da peça ter duas encena-


ções com dois atores distintos em curto espaço
de tempo, é visto por Flávio Marinho como um
fato raríssimo na história do teatro brasileiro.
Diz ele: Era tudo muito diferente. A de Vicente
/ Jorginho era meio marginal e bem alternativa,
não só no horário como no espírito quase punk,
com um ator de técnica limitada, mas que tinha,
como ninguém, a embocadura do besteirol. A de 123
Diogo / Alvisi tinha um caráter, digamos, mais
nobre, de um teatro mais estabelecido e bem-
acabado, com um ator que é um virtuose, talvez
o melhor de sua geração.

Quem assinou a cenografia da montagem conce-


bida por Jorge Fernando foi Luiz Carlos Ripper,
que, com este trabalho, voltava a efetuar uma par-
ceria com Vicente Pereira após A Noite do Oscar.

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Vicente

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Capítulo X
A Solidão Cinematográfica de Vicente
Pereira

O primeiro esquete da peça chama-se A Sétima


Arte e faz uma homenagem a algo que era muito
importante para Vicente, a saber, o universo ci-
nematográfico. Na rubrica de apresentação de A
Sétima Arte, o autor diz: Sempre quis representar
alguma coisa que se passasse dentro de um velho
cinema, desses que não existem mais. Importante
lembrar que o dramaturgo escreveu o texto em
1990, uma época em que os chamados cinemas
125
de calçada começavam a perder espaço. Com a
falta de segurança nas cidades e o advento dos
shopping centers, a arquitetura das cidades foi
se transformando, colocando o chamado padrão
de sala de cinema de calçada em extinção.

Na rubrica em que apresenta a personagem


desse monólogo, o autor deixa explícito que,
qual havia feito em Cristal Japonês, lançará seu
olhar sobre os gauches, as figuras estranhas e,
por conseguinte, patéticas e risíveis da socieda-
de. Diz Vicente na primeira rubrica: Música. A
resistência sobe, revelando o espectador senta-
do, assistindo ao filme, de frente para a plateia.
As luzes da tela são projetadas sobre ele como

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sombras animadas. O espectador é um tipo an-
tigo. Anacrônico.

O enredo de A Sétima Arte nos apresenta uma


personagem identificada somente como especta-
dor. Ele marcou um encontro com Aline em uma
sessão de cinema. Enquanto assiste ao filme, vai
percebendo que Aline não aparecerá. Uma das
primeiras falas do esquete é, segundo o depoi-
mento de Duse Nacaratti, mais uma das frases
da mãe de Vicente levadas à cena: Espectador
– Se eu soubesse que ia ter que prestar atenção,
que era filme de prestar atenção, tinha ido pra
aquela comédia americana. Nesse ponto deve ser
126 ressaltado que Odete Pereira, a mãe de Vicente,
exerceu uma grande influência na vida e obra
do autor. O mesmo aconteceu com Pérola Rasi,
a mãe de Mauro Rasi que se tornou personagem
de quatro peças escritas por Mauro. A última,
Pérola, foi o grande sucesso da trajetória teatral
de Mauro e, fato raro no teatro brasileiro, foi um
êxito tanto de público como de crítica. Um pouco
antes da sua morte, atendendo a um pedido de
uma publicação do jornal Folha de S. Paulo, que
encomendou a diversos escritores brasileiros tex-
tos ficcionais sobre a alegria, Mauro escreveu Ida
a Tupã, que falava da alegria constante em que
sua mãe vivia. Não havia rancor nem amargura.
Era uma lama limpa, uma lama do bem. Quando

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cantarolava a vergonha é a herança maior que
meu pai me deixou, parecia até que o pai havia
deixado um seguro de um milhão de dólares e
não algo do que pudesse se envergonhar.

Seu repertório era praticamente de fossa, que ela


metamorfoseava. As músicas entravam lagartas e
saíam borboletas. Ela sempre via o lado positivo
das coisas, depressão lá em casa não se criava,
era sinônimo de chilique ou faniquito.

Miguel Falabella lembra com precisão o Natal


que passou com Pérola Rasi. A mãe de Mauro
ao preparar a ceia natalina, decidiu servir salada
127
de batatas sem maionese, porque segundo ela
A maionese havia saído de moda.

A mãe de Vicente também alimentou o teatro


do filho com suas histórias. Quando Vicente
fez Solidão, a Comédia como ator, nas passa-
gens dos esquetes, contava diversas histórias
de Odete Pereira. Uma delas foi quando dona
Odete contemplava pela primeira vez a vista do
apartamento do filho no bairro de São Conrado,
no Rio. Vicente olhou a mãe e pensou: Ela está
meditando. Depois de olhar o mar, Odete per-
gunta a Vicente: Você sabe quanto está o preço
de Bom-Bril no Rio de Janeiro?

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Na Itália, com os pais

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129

Na Itália, com os pais, 06 de novembro de 1982

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Na Itália, com os pais, 1982

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Logo nas primeiras falas de A Sétima Arte, o es-
pectador traz o cômico à sua situação de espera
ao se referir a um problema físico de sua amada:
Espectador – Não vou poder ficar guardando o
lugar dela a vida toda. (Olha pra trás). Se bem
que o cinema esteja vazio. Mas eu conheço ela.
É míope. Não enxerga nada no claro, inda mais
no escuro. É bem capaz de sentar do lado de
outro, namorá-lo, comer da pipoca dele, chupar
a jujuba do outro...

A partir do momento em que começa a assistir à


película, a personagem começa a meditar sobre
a sua vida, sempre estabelecendo uma ligação
dela com o cinema.
131
O esquete A Sétima Arte é cheio de citações a
filmes, atores e diretores.
Espectador – O nome dela é... (Olha no relógio).
Nem sinal de Aline. Ela costuma chegar durante
o curta, até agora nada (Pasmo com o que vê
na tela). Rita Hayworth nunca contracenou com
Charles Bronson! Ou aquele não é o Charles
Bronson, vestido com aquela armadura.

Diversos gêneros cinematográficos são citados


pela personagem:
Espectador – Não é um épico. É até intimista.
(...) O melodrama é o mais boçal de todos os
gêneros. Uma imitação grotesca das nossas vidas.
Imitação da vida.

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Imitação da Vida é também o nome de um filme
dirigido por Douglas Sirk e que tinha Lana Turner
como protagonista. Na película, realizada em
1959, Lana interpreta uma atriz envolvida em
uma trama cheia dos recursos do melodrama,
onde são discutidas questões como o precon-
ceito racial e os dramas da profissão de artista.
Douglas Sirk é considerado um dos pais do melo-
drama hollywoodiano. Os autores de telenovela,
no Brasil, enxergam em Douglas Sirk o modelo
de um cineasta que não tem pudor algum em
realizar tramas melodramáticas.

Em uma das primeiras análises críticas de Solidão,


132 a Comédia interpretada por Diogo, Jefferson Del
Rios escreve para o Jornal O Estado de S. Paulo,
falando do aspecto melodramático da peça (ele
também a classifica como uma tragicomédia) e
utiliza a expressão besteirol tardio. Jefferson é
um dos poucos críticos que enxergam uma certa
densidade na obra de Pereira, comparando-o
com autores do Teatro do Absurdo: A peça
– espetáculo Solidão, a Comédia, de Vicente
Pereira já definida como besteirol tardio, tem
uma proposta – ou melhor, um conteúdo – que
transcende o mero humor anárquico que fun-
ciona pela inércia dos jogos de palavras. Vicente
Pereira tem mais densidade. Uma consistência
de quem soube equilibrar o doce e o amargo,

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o contundente e o arredondado. Uma forma
branda de tragicomédia otimista, por assim di-
zer (...) Vicente Pereira ao abandonar o humor
mecânico e palavroso – acelerado do besteirol
puro, refinou a linguagem, abrindo mão das
avalanches de gírias e palavrões, em favor de
um certo requinte de linguagem (...) E, ao sair
do monólogo infanto-juvenil da primeira cena
para o diálogo cruel dos velhos, ele vai criar um
parentesco qualquer com o Teatro do Absurdo.
Se Beckett sempre foi o pastor da depressão,
Ionesco (e aquela sua carinha redonda não es-
conde) tem um pé na comédia. Vicente Pereira
deu o braço ao velhote romeno e faz de Solidão
um instante de absurdo com os transborda- 133
mentos tropicais a que tem direito. Toda essa
engenhosidade está nas mãos e a serviço de
Diogo Vilela (...) Na composição das mulheres há
um vôo brilhante de quem interpreta sem cair
no artifício banal do travesti. Há finalmente o
grande e belo solo dos velhos. Dentro do cená-
rio abstrato de Gringo Cardia (boa solução para
todas as sequências), Diogo Vilela vai buscar na
memória, ou no puro instinto, todos os Paulo
Gracindo e todos os Procópio Ferreira (Deus lhe
Pague) que provavelmente nem assistiu e vai
fundo na arte de representar. Melodrama, tal-
vez, super-representação, talvez mais intencional
e competente. E um final inesperado e otimista.

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Repleto de senso comum, vá lá. O público se
deixou conquistar e Diogo Vilela sorri feliz no
papel de sedutor.

Se Jefferson viu na obra de Vicente um leve


parentesco com o Teatro do Absurdo, no mes-
mo dia Nelson de Sá escrevia para a Folha de
S. Paulo uma crítica sobre Solidão, a Comédia
classificando-a como um besteirol com culpa: O
besteirol apodreceu. Solidão, a Comédia mostra
cinco quadros com um ator engraçado tentan-
do não ser engraçado. Diogo Vilela tira risos
da plateia e, em seguida, chora. É o besteirol
com culpa. Já não basta atacar todo mundo e
134
levar o espectador a rir. É preciso fazer com que
ele pense – como se ele não pensasse quando
estava rindo. A peça não poupa o espectador
sequer de uma compenetrada e pretensiosa
moral da história.

Nelson prossegue seu ataque chamando o espe-


táculo de um pedido de desculpas. E fornece uma
informação equivocada: a de que o humorístico
TV Pirata tinha baixos índices de audiência: De-
pois de TV Pirata o espetáculo é quase um pedido
de desculpas. O programa na Globo deixou uma
imagem negativa para o teatro besteirol: deveria
escrachar com a TV e virou justificação da TV.
Foram três anos de baixa audiência e elevado
aliciamento. As piadas nunca ultrapassaram os

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limites conhecidos (...) A grosseria e o desrespei-
to, as maiores qualidades do besteirol, passaram
longe da emissora. O TV Pirata mais e mais
pasteurizado, virou uma espécie de Armação
Ilimitada mais engraçado. Solidão, a Comédia é
uma tentativa – como são quase todas no eterno
retorno de atores de telenovela ao teatro – de
recobrar alguma credibilidade.

Em seu livro Quem tem um Sonho não Dança:


Cultura jovem brasileira nos anos 1980, Guilher-
me Bryan fala do sucesso de audiência que foi
a TV Pirata: Em pouco tempo, TV Pirata atingiu
42 pontos no Ibope em São Paulo e no Rio, sem
apelar para piadas machistas ou relacionadas 135
com homossexuais.

Nelson faz uma comparação entre Solidão, a


Comédia e as peças que ele classifica como re-
presentantes do besteirol sem culpa, a saber, A
Bofetada, da Cia. Baiana de Patifaria, e A Ma-
caca, de Felipe Pinheiro e Pedro Cardoso: Longe
do besteirol com culpa, o besteirol sem culpa
sobrevive. Estão em cartaz no Rio duas peças
que não caem nas armadilhas da maturidade
equivocada de Vilela e Pereira. A Bofetada e A
Macaca não admitem o rótulo besteirol – nin-
guém jamais admitiu – mas são exemplos perfei-
tos do gênero, um gênero que São Paulo ainda
está para ver. Uma comparação evidencia um

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passo em falso de Solidão. Para comparação, o
melhor é A Bofetada. Montada pela Cia. Baiana
de Patifaria, a peça tem vários trechos idênticos
a Solidão, a Comédia. Um é a repetição de é a
minha cara, um grito de guerra do gênero. Em
A Bofetada, a frase derruba a plateia na terceira
vez que é usada, e segue derrubando até o final.
Em Solidão, a Comédia, Diogo Vilela usa a frase
e espera a reação. Ninguém ri.

Outro equívoco de Nelson foi dizer que a frase


é a minha cara é um grito de guerra do gênero
besteirol. É a minha cara foi, na verdade, um
bordão criado pela Cia. Baiana de Patifaria, no
esquete da conferência das professoras Fanta
136 Maria e Pandora, cuja inspiração para os artistas
baianos era o texto de Quem tem Medo de Itália
Fausta?, de Miguel Magno e Ricardo de Almeida.

Em outra passagem de A Sétima Arte a persona-


gem citará outro ícone feminino do cinema de
Hollywood, Judy Garland:

Entra Over the rainbow (A música do filme). O


Bonequinho estremece de emoção. Lágrimas
rolam pelo seu rosto.
Espectador (Arrebatado de júbilo) – Minha santa
Judy Garland, me ajuda! Me leva... me leva...

Essa reverência às divas do cinema norte-


americano é outro ponto de ligação da obra

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de Vicente com a de Caio Fernando Abreu. No
conto Saudades de Audrey Hepburn do livro Os
Dragões não Conhecem o Paraíso, a persona-
gem, um homem solitário – por sinal a solidão
é um tema também recorrente na obra de Caio
Fernando Abreu – diz: Maxilares agudos, Au-
drey, olhos enormes, constantemente arrega-
lados, uma gazela de pescoço longo, pés finos
e muito compridos, delicadamente calçados em
sapatinhos Chanel, e tailleur, sempre tailleur
bege-clarinho, verde-água, mãos de dedos sem
fim, unhas sem pintura. Anastásia, a princesa
esquecida. Nas matinês do cinema Imperial.

Miguel Falabella é outro que em sua literatura 137


assume o fascínio por Audrey. Como fica explici-
tado em uma crônica publicada em seu primei-
ro livro, Pequenas Alegrias, uma coletânea de
crônicas que ele escreveu para jornais cariocas:
Eu tive algumas paixões por protagonistas, em-
bora não fossem muito habituais. Mas lembrei
de Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo, e
dou a minha mão à palmatória. Assisti a todas
as sessões do filme e, durante um período de
minha vida, cheguei a decorar alguns diálogos.

Quando Solidão, a Comédia começou a sua


temporada carioca com Diogo Vilela interpre-
tando os cinco papéis, o crítico Armindo Blanco
comentou em matéria para o jornal O Dia que

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Vicente Pereira estava devendo uma obra teatral
madura, o que, segundo ele, já tinha sido feito
por Mauro Rasi e Miguel Falabella. Armindo
fala também das afinidades eletivas de Vicente
e Caio Fernando Abreu: Da turma do besteirol /
Seco, Miguel Falabella com A Partilha e Mauro
Rasi com Baile de Máscaras já chegaram perto da
obra-prima. Vicente Pereira ainda está devendo.
Mas tudo indica que acabará chegando lá, tão
logo supere o que poderíamos chamar de período
oriental, a fixação em gurus e modismos esotéri-
cos que ditavam o espírito das suas exortações a
amigos fiéis, como Caio Fernando Abreu: Segura
o turbante, meu bem, e sente o ritmo. Quem se
138 lembra, exceto se puxar muito pela memória, de
peças como A Noite do Oscar e Falcão Peregrino?
Ou de As 1001 Encarnações de Pompeu Loredo?
Ou, para não ir mais longe, de Artigo de Luxo,
essa fútil excursão à amizade feminina que se con-
funde com a intimidade possessiva, devastadora,
mexeriqueira? Quem seria capaz de distinguir a
marca de Vicente Pereira em qualquer dos qua-
dros da TV Pirata, todos tão semelhantes que,
sendo de autores diversos, pareciam da mesma
lavra? (...) Em Solidão, a Comédia, ele consolida,
com um humor mais cândido que vitriólico, o seu
besteirol/densidade. Quase deitou tudo a perder
quando resolveu pegar o bom bocado, esse que
os autores oferecem aos atores, ou seja, o texto

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e ser seu próprio intérprete. Mas ator, não é; au-
tor, sim. Claro: ainda em transes de maturação,
mas trilhando, ao contrário de Bob Dylan, o lado
luminoso do caminho, a fantasia que resgata a
inocência perdida.

Em A Sétima Arte, Vicente cita novamente o


cineasta italiano Michelangelo Antonioni:
Espectador – (Colocando um pouco de pipoca na
boca, pondera) – Não consigo deixar de pensar que
está faltando alguma coisa. Uma espécie de vazio.
Como se eu estivesse num filme de Antonioni.

O cineasta sempre foi citado na obra do dramatur-


go. Há citações a Antonioni nos textos de Vicente
139
Eu Viverei Amanhã e Não se Fuma em Cingapura.

A partir do momento em que reconhece que


a sua amada Aline não virá, o espectador se
envolve com as cenas eróticas exibidas na tela e
começa a se masturbar na sala de cinema. Após
praticar o ato, ele revisa a maneira com que trata
o amor e diz em uma fala três nomes de filmes:
Espectador – (Limpando-se, disfarçadamente) É...
Eu não devia gostar tanto assim. Me identificar
tanto assim. Amar assim, dessa maneira. Sem fu-
turo. (Olha pra trás pela última vez. Suspira). Do
Mundo Nada se Leva. Amar Foi a Minha Ruína.
Assim Caminha a Humanidade...

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Capítulo XI
Coração Santo e a Fogueira das Vaidades

O segundo esquete de Solidão, a Comédia cha-


ma-se Coração Santo. Importante lembrar que
analiso os textos de Solidão na ordem em que
eles apareciam na encenação de Marcus Alvisi.
Coração Santo não consta na versão de Solidão,
a Comédia editada pela Sbat.

O título do esquete traz um aspecto importante


na vida e obra de Vicente, a saber, a religiosi-
dade. Já foi abordado nesta pesquisa o quão
fundamental era o sincretismo religioso para o 141
autor. Coração Santo é o nome de uma música
que faz parte da liturgia católica. Uma das úl-
timas peças escritas por Vicente foi Com Minha
Mãe Estarei, cujo título também foi retirado do
repertório musical das missas.

O enredo de Coração Santo apresenta Solange,


uma prostituta veterana, sem clientes e esque-
cida. O esquete flagra Solange numa tentativa
desesperada de encontrar seus antigos clientes.
A rubrica que desenha a cena diz:

Solange anda de um lado para o outro como


se ajeitasse o quarto. Pega um Spray e dando
rodopios perfuma o ambiente. Então, senta-se,

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põe um óculos que destoa de sua aparência
Vamp, desarmando-a, pega a caneta e abre uma
agenda. Folheia, mexe nos óculos, tentando
focalizar melhor, como se enxergasse pouco,
mesmo com eles.

A rubrica já demonstra um aspecto risível da


personagem. Veste-se qual uma vamp, mas a
inevitável mudança de idade aparece quando
ela é obrigada a colocar um óculos que quebra
a imagem construída de vamp.

O autor concebeu Solange como uma espécie


de prostituta professora. Na primeira rubrica do
142 texto ele diz: Solange é uma professora: digo
uma prostituta, ou melhor: uma professora.
Bem... pelo menos a melhor escola é um bordel.

Solange é uma prostituta veterana que resolve


ir atrás dos seus clientes antigos. O primeiro
que ela procura chama-se Izidoro. Quando liga
para o telefone que tinha dele, descobre que
Izidoro morreu. Ela lamenta e, em um jogo
malicioso do autor, fala da intimidade sexual
do seu falecido cliente:
Solange – Não adianta chorar pelo leite derrama-
do. E se houve alguém que derramou leite foi o
Izidoro. Parecia que eu estava numa fábrica de
laticínios. Ou num curral. Porque Izidoro.

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(Fala isso pra plateia, como se fosse uma confi-
dência, mas cala-se e leva a mão à boca como se
fosse cometer uma heresia).

Solange continua a sua busca frenética por um


cliente. No meio do esquete começam a aparecer
os sinais de que seus clientes estão em extinção.
Um deles, Ernesto, casou-se e não quer ter mais
relações com uma prostituta. O escritor coloca
então, na fala de Solange, uma metáfora teatral
para se referir ao amor:
Solange – Apaixonou-se? Nessa idade, Ernesto?
Aos 52 anos, Ernesto? Sei.... e ela te convenceu
que você nunca tinha amado antes. Ouça-me,
Ernesto: cada novo amor parece ser diferente. 143
Mas é igual, Ernesto. É a mesma peça. Só muda
o enredo.

Miguel Falabella no esquete Sereias da Zona Sul


construiu uma imagem semelhante: a de com-
parar a vida com uma peça de teatro:
Darlene – Deus é um grande diretor de teatro,
mas escolhe mal o elenco.
Nezi – Isso é verdade. Eu nunca tive talento
pra vida.

Há momentos em que o autor chega à melan-


colia absoluta da personagem, aquele traço
identificado por Marcus Alvisi nas peças de
Vicente Pereira:

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Solange – Minha casa anda tão vazia... tão va-
zia...

Levanta-se tristemente. Ombros exageradamente


caídos e caminha na direção do aparelho de som.
Solange – ... que eu fico pensando se não seria
melhor ter qualquer bagulho humano aqui
dentro, falando qualquer coisa, qualquer vul-
garidade, só pra me fazer companhia.

Em determinado momento ela se imagina como


uma professora abandonada pelos alunos. Essa
passagem do esquete de Vicente Pereira tornou-
se célebre na interpretação de Miguel Falabella
144 no programa humorístico Sai de Baixo. O sucesso
foi tamanho que o ator transformou o monólogo
da professora em um bordão de sua persona-
gem, Caco Antibes:
Solange – Sabe aquela professora que de tão
ruim, tão ruim, os alunos abandonaram? Ela e
o quadro-negro. Sozinha na sala de aula. Ela e
a lousa. A lousa e ela.
Patética. Representando.
Solange – Na mão um único giz, pois a escola
não tem recursos. Então... ela, sozinha, aban-
donada por todos os seus alunos, olhando pras
cadeiras vazias.

Representa tudo que descreve.

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Solange – Encaminha-se para aquele quadro
que mais parece um buraco negro que, até ele,
recusa-se a tragá-la e escreve...

Ela faz o gesto escrevendo no ar.


Solange – Estou só. Pelo amor de Deus, salvem
a professora.

Recentemente na rede de relacionamentos


Twitter foi lançada uma campanha para que Mi-
guel Falabella ressuscitasse o bordão Por favor,
salvem a professorinha. Depois, quando a perso-
nagem está chegando próxima à desilusão total,
ela canta a música que deu nome ao esquete.
145
Volta para a agenda. Folheia com calma passan-
do as folhas secamente. Canta compenetrada
olhando para a agenda:
Solange – Coração Santo, tu reinarás... etc., etc.

No esquete A Fogueira das Vaidades, título que


Vicente retirou do romance de Tom Wolfe, que
depois foi filmado, sob a direção de Brian de
Palma, o autor lançou o seu olhar crítico sobre
os yuppies, figuras representativas da década de
1980. Os yuppies incentivarão um culto à moda
e uma excessiva preocupação com a aparência
que, modernamente, encontramos nas figuras
dos mauricinhos. Marcus Alvisi conta para este
trabalho que o modelo de Vicente, para criar

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a personagem que vai à festa em casa dos Du-
brugas era o socialite Chiquinho Scarpa, que
naquela época era o que poderíamos chamar de
arroz de festa, tanto nas festas da alta sociedade,
como em programas televisivos.

Nesse monólogo Vicente se utilizará de uma


linguagem própria das colunas sociais e dos edi-
toriais de moda. A preocupação da personagem
Tony é somente com a sua aparência estética.
Logo na primeira fala ele diz:
Tony – (...) Onde estão as abotoaduras? Você
disse que combinava com essa lapela ligeira-
mente estampada.
146
A falta das abotoaduras é a grande motivação
de Tony. Ele diz:
Tony – Ah, lembrei. A abotoadura de rubi.
Acho rubi uma pedra demodée, mas as de
lápis-lazúli, definitivamente não combinam com
este smoking.

O dramaturgo, nesse esquete, utiliza vários


jargões pertencentes ao universo da moda e
da decoração. Um é o já citado démodée. Em
seguida ele falará na decoração clean da sua
casa. Decoração clean foi algo que se tornou si-
nônimo de elegância a partir do final da década
de 1980. Trata-se de uma época em que começa
no Brasil uma busca desenfreada da classe média

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alta por decoradores e similares. Também é um
período em que eventos sobre decoração como
a Casa Cor ganham legiões de frequentadores.
Tony fala:
Tony – Não sei onde coloquei aquelas abotoadu-
ras. (Olha pro ambiente assuntando). Impossível
que elas tenham se extraviado. Não é nem pelo
valor das abotoaduras que, diga-se de passagem,
são caríssimas, absolutamente. É que optamos
por essa decoração clean, justamente para que
abotoaduras não se perdessem. Nem tem muito
onde procurar. Não foi difícil achar aquele alfi-
nete, lembra? Essa coisa de tudo na mesma cor,
é extremamente prática, absolutamente prática.
Isso, também, de poucas coisas. Poucos móveis, 147
alguns quadros, grandes espaços vazios...

Um comportamento masculino atual já será


tratado por Vicente no esquete. Trata-se dos
metrossexuais, homens muito vaidosos, que
se permitem rituais de beleza, que em outros
tempos eram exclusivamente femininos. A per-
sonagem Tony, por exemplo, se maquia:
Tony – Vamos chegar tarde ao jantar de Dubru-
gas. Você sabe como eu demoro a me maquiar.

Dá alguns passos sem convicção. Pára.


Tony – (Seco) Você acha estranho que eu me
maquie, Suélen? (Sorri) Eu sei que você vai me
responder com aquele teu jeito extremamente

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genial, que o prêmio de se morar em megalópole
é poder fazer de tudo. E que é absolutamente,
extremamente natural e charmoso, que um ho-
mem moderno se maquie. Mas eu te confesso,
Suélen, o motivo porque me maquio (Amargo).
Não gosto do contorno dos meus lábios. Minhas
sobrancelhas não são tão arqueadas como gos-
taria. Meus poros são dilatados e o implante
capilar não foi tão bem feito assim.

Na crítica de Barbara Heliodora, à Solidão cha-


mada: Diogo Vilela supera obviedades, publi-
cada no Jornal O Globo, a crítica considera A
Fogueira das Vaidades o mais fraco dos esquetes
148
do espetáculo. Ela volta a atacar o que considera
uma tendência do teatro de Vicente Pereira a de
criar textos que apelam para o melodramático
e o patético. Barbara já havia visto tal traço na
análise de Cristal Japonês, esquete que fazia
parte de Sereias da Zona Sul:

A maior prova de que os atores – em cena – cur-


tem uma solidão é a frequência com que eles se
apresentam em monólogos: grandes desafia-
dores do talento de cada um, eles sem dúvida
gratificam os que com sucesso prescindem de
interlocutores e, na precaríssima economia do
teatro nacional, têm a maravilhosa vantagem de
serem facilmente transportáveis e, consequen-
temente, altamente rentáveis.

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Barbara, neste parágrafo, descreve um fenôme-
no que aconteceu na cena brasileira na década
de 1990. Eram muitos os monólogos em cartaz
com atores de renome no teatro brasileiro quan-
do ela escreveu a crítica em janeiro de 1992:
Regina Casé estava em Nardja Zulpério, de Ha-
milton Vaz Pereira; Renata Sorrah fazia Shirley
Valentine, de Willy Russel, Rubens Corrêa ainda
representava o seu Artaud.

Barbara prossegue a crítica fazendo uma com-


paração entre a montagem representada por
Diogo Vilela e a que tinha Vicente Pereira in-
terpretando os papéis: No teatro Tereza Rachel,
depois de um sucesso de quase um ano em 149
São Paulo, Diogo Vilela veio ao Rio de Janeiro
passear o seu talento pela maratona dos cinco
personagens de Solidão, a Comédia, de Vicente
Pereira (...) Os cinco monólogos que compõem
Solidão, a Comédia procuram cobrir uma gama
consideravelmente variada de emoções, dado
importante para um espetáculo que como este,
é essencialmente o veículo para um ator exibir
o maior número possível de facetas de domínio
de seu ofício; revisitando o texto, permanece a
impressão de que Vicente Pereira é regularmen-
te prejudicado por sua forte tendência para o
melodramático e patético. Dos cinco textos, os
melhores são os dois primeiros, o do rapaz no

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cinema a se identificar com tudo o que vê, e o de
Solange (este, novo para o espetáculo de Vilela),
a prostituta em final de carreira, pois em ambos
o humor predomina com inteligência.

Barbara prossegue a sua crítica desaprovando a


cenografia e a iluminação do espetáculo: A ceno-
grafia de Gringo Cardia é ambiciosa mas, a não ser
pelo monólogo do cinema, insatisfatória e inex-
pressiva: a imensa TV do monólogo de Solange é
muito pitoresca mas não tem literalmente qual-
quer ligação com o episódio ou seu personagem.
As paredes que ficam à mostra o tempo todo são
feias e pesadas, e tudo poderia ter sido resolvido
150
com maior simplicidade e eficácia. Os figurinos
de Conrado Segreto são adequados ao clima da
direção e só incomoda realmente o desastrado
smoking rosa schoking do terceiro episódio. A
iluminação de Aurélio de Simoni é totalmente
arbitrária em vários momentos.

A cenografia de Gringo Cardia para a encenação


causou uma certa celeuma. Segundo Marcus
Alvisi, a ideia de uma cenografia que se valia de
objetos grandes, como, por exemplo, a enorme TV
que havia em Coração Santo e os grandes espe-
lhos de A Fogueira das Vaidades, tinha o objetivo
de deixar pequena a figura de Diogo em cena, o
que para o diretor acentuava o clima opressivo
e angustiante que aquelas personagens viviam.

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Barbara encerra a sua crítica reconhecendo o
mérito interpretativo de Diogo Vilela, mas faz
algumas ressalvas: Diogo Vilela, já sabemos, é
muito bom ator, e tem talento de sobra para a
gama variada, porém, nunca profunda dos mo-
nólogos de Solidão, a Comédia; fica a impressão
de que se a direção não lhe facilitasse tanto a
vida ele poderia fazer um trabalho bem melhor,
sem tantas obviedades e exageros. Mas o que ele
faz se comunica com o público de modo claro e
eficiente, e seus momentos de comicidade inte-
ligente são os pontos altos.

151

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Vicente em dezembro de 1983

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Capítulo XII
Uma Paris em Chamas e um Grande
Figurinista

Paris em Chamas é o esquete em que Vicente


apresenta Geneviève, uma mulher que marca um
encontro às escuras. Isso, numa época quando
ainda não proliferavam os chats de encontros,
um fenômeno que surgiu com a Internet. Deve-
se considerar esse mérito no texto de Solidão,
a Comédia: Vicente retratou comportamentos
que, com o passar do tempo, se tornaram cada
vez mais atuais. O universo dos novos ricos des-
lumbrados de A Fogueira das Vaidades, a mulher 153

que marca um encontro com um desconhecido


em Paris em Chamas e a solidão da velhice em
Vamos Falar Francamente? são males que per-
manecem sem o vislumbre de uma solução na
sociedade contemporânea. Para a montagem
em que Vicente trabalhou como ator, em 1990,
o esquete em vez de Paris em Chamas chamava-
se Dama da Noite. Dama da Noite, também, é
o nome de um conto de Caio Fernando Abreu
que faz parte do livro Os Dragões não Conhe-
cem o Paraíso. A situação apresentada por Caio
é muito semelhante ao esquete de Pereira: uma
personagem, sentada a uma mesa de bar, que
fala para um interlocutor identificado apenas

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por boy. O fato desse conto de Caio ser um
quase monólogo teatral fez com que o ator e
diretor Gilberto Gawronski transformasse a obra
em um monólogo interpretado e dirigido pelo
próprio Gilberto em diversas ocasiões. Houve
uma montagem em 1988, ano de lançamento
de Os Dragões não Conhecem o Paraíso, e uma
remontagem em 1997 que deu a Gilberto o Prê-
mio Sharp de Melhor Diretor no Rio de Janeiro.

O começo de Paris em Chamas mostra Geneviève


conversando com o seu pretendente sobre as
cores que vestiriam no encontro:
Geneviève – (Simpática, sorrindo para ele). Isto
154 não é verde-veronese. (Sorri, encabulada) Não
estou te cobrando nada. Só constatando. Não
posso te cobrar nada, porque isso que estou
usando, também, não é azul sulfídrico marinho
profundo, (Joga, sorrindo, os cabelos pra trás).
Você tinha dito que ia estar vestindo uma camisa
verde- veronese e calça em tons cadmos médios.
Sua calça é mesmo em tons cadmos, mas não
médios. Isto é cadmo alaranjado intenso, não é
(Levanta a mão impedindo a resposta) Não preci-
sa responder. Conheço as cores. Profundamente.
E depois... (Sorri envergonhada, abaixando os
olhos) Notou que também não estou de azul
sulfídrico conforme combinamos? Esse tailleur é
violeta prussiano real ... intenso (Tom) Desculpe,

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corri o risco de nunca nos encontrarmos, já que
tínhamos combinado esse código: o de virmos
com cores facilmente reconhecíveis.

Essa referência a diferentes cores foi fundamen-


tal para o trabalho de criação dos figurinos do
espetáculo pelo estilista e figurinista Conrado
Segreto. Conrado foi um dos mais importantes
nomes da moda brasileira na década de 1980.
Juntamente com Paulo Borges (o criador da São
Paulo Fashion Week), ele organizou desfiles céle-
bres em São Paulo. São dignos de nota os desfiles
com caráter espetacular que os dois organizaram
na FAAP, no Museu do Ipiranga e na Casa da
Manchete. Em 1992, desenhou o guarda-roupa 155
dos 10 anos de comercialização da Barbie no
Brasil. Na matéria que a Folha de S. Paulo fez
para a estreia de Solidão, a Comédia, assinada
por Erika Palomino com o título Diogo Vilela e
o besteirol atingem a maturidade em Solidão, a
Comédia, Conrado falou sobre a elaboração dos
figurinos do espetáculo: Os personagens foram-
se delineando e a concepção dos figurinos surgiu
junto, paralelamente à criação dos cenários de
Gringo Cardia. Percebe-se à primeira vista que
tudo foi cuidadosamente pensado, produzido
mesmo. Até porque o texto de Vicente Pereira
faz diversas menções às roupas que cada tipo
está vestindo e ao lugar onde se passa a cena.

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Por exemplo, o yuppie do quadro A Fogueira das
Vaidades fala de seu terno cor de rosa e de sua
casa em estilo clean, concebida de forma que
ele não pudesse perder pelo chão suas aboto-
aduras. Já Geneviève marca um encontro com
um homem por telefone e combina com ele a
cor de roupa que estará usando. Quase na hora
de sair de casa ela decide que não está bem e
resolve trocar de roupa. E se ele não a reconhe-
cer? Ela resolve esse problema com um vestido
que reúne todas as cores. A ideia foi fazer uma
mulher que fosse uma cartela de cores, conta
Segreto. Ainda mais que ela fica meio perdida,
tentando definir as tonalidades. Não bastasse
156 o tailleur, Geneviève porta uma capa multicor
em chenile (o mesmo material dos ursinhos da
Lionella, explica o estilista) e um sapato idem.

O Jornal da Tarde fez a matéria assinada por


Débora Chaves com o nome O estilo de Conrado
Segreto volta ao teatro, debochando da moda:
O estilista Conrado Segreto está radiante com
sua terceira incursão no mundo das artes e es-
petáculos, fazendo os figurinos para Solidão, a
Comédia. Antes ele assinou o guarda-roupa do
musical Emoções Baratas e da ópera Suor Angé-
lica e agora faz recriações bem-humoradas dos
clássicos da moda como o smoking, o vestido
trapézio, o tailleur e até mesmo da estampa Puc-

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ci. Tirei um sarro da moda, diz Segreto, um dos
nomes mais badalados do prêt-à-porter feminino
em São Paulo. Quem levou a melhor foram as
mulheres que Diogo Vilela interpreta. A prosti-
tuta Solange, por exemplo, usa um négligée de
musselina francesa com estampas de onça e plu-
mas multicoloridas no decote que é um luxo. Sua
babouche dourada nos pés faz lembrar os bons
tempos do teatro rebolado, apesar das coxas
magrelas do ator. Eu tinha imaginado a Solange
enrolada numa toalha coberta de lantejoulas e
com um turbante na cabeça, mas acabou dando
outra leitura. Por isso, resolvi investir num look
mais tradicional, como o do négligée, explica o
estilista. Já a solitária Geneviève, uma obcecada 157
por cores, aparece em cena com um tailleur acin-
turado e coloridíssimo em cetim de seda (...) Os
personagens masculinos – um velho, um yuppie e
um rapaz – estão corretos, porém, sem tanto gla-
mour. São figuras mais realistas, especialmente
o velho Figueroa, que Conrado compôs a partir
de um casaco de lã que pertenceu a seu pai. Tem
toda uma relação de afeto nesse processo de
criação, diz. É muito gratificante porque, além
de me levar a conhecer pessoas fora do mundi-
nho da moda, me obriga a conviver com o feio,
diz Conrado, referindo-se à roupa de Figueroa,
que se compõe de um chinelo franciscano, uma
calça de tergal mal ajambrada e o casaco amar-

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fanhado. Os outros dois personagens masculinos,
o yuppie Toni e o cara do cinema, têm um visual
mais elaborado. O smoking rosa choque com um
galão de fios dourados na lateral, acompanhado
de um singelo sapato forrado de cetim róseo,
faz de Toni uma Cinderela às avessas. O cara
do cinema, único personagem sem nome, dá
um show de elegância. Seu traje: um costume
ultragráfico em pied-de-poule, um chapéu-coco
e um sobretudo de lã.

Quando Geneviève encontra o seu pretendente,


os dois começam uma dança, que, pelas rubricas e
falas do texto, apresenta-se como um fato risível:
158
Geneviève – Não se preocupe. Eu te guio. Olha
só...

(Começa a dançar ensaiando uns passinhos ridí-


culos, apalermados e esdrúxulos, não só dificul-
tados pelos saltos, como também pela bebida)
Geneviève – (Animada) Foi num boogiewoogie
que eu descobri que a terra era redonda.

(Dá um rodopio. Não consegue parar. Vai rodo-


piando, grita. Acaba caindo, depois de um claus-
trofóbico giro na extremidade oposta do palco)
Geneviève – (Esborrachada no chão): Ai, acode...

(Tenta se reerguer. Cai novamente)

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Geneviève – É labirintite. Antes que você me
pergunte eu já vou logo dizendo: É labirintite. E
das bravas. É bom que isso aconteça. É bom que
a gente se conheça assim. Que você veja logo o
meu outro lado. Que veja logo que existe outro
lado na nossa relação. É importantíssimo o fator
realidade no amor (Cai de novo) Ai, meu Deus,
será que foi minha derradeira queda? Que eu
não vou mais conseguir me levantar.

Pela passagem acima, vemos que o autor pega


uma situação dramática, a de uma mulher soli-
tária que procura um amor, e utilizando-se de
recursos da comédia, como o de mostrar uma
dança desengonçada entre ela e seu parceiro, 159
acaba criando uma cena cômica. De uma comi-
cidade que vem do físico da personagem.

Durante a dança Geneviève decide se mostrar


verdadeira e faz diversas revelações ao seu par-
ceiro. Trata-se de uma sucessão de desgraças que
acometem a mente e o físico da personagem e
tornam-se risíveis para o leitor/espectador.
Geneviève – Pois bem, lá vai: Tive câncer ósseo
na canela. Tenho prurido anal crônico, há mais
de 25 anos. Tenho uma insônia desesperadora,
tomo dois valiuns por dia. Penso em sexo 24
horas por dia. Como que nem uma porca. Uma
leitoa é o que eu sou. E mais. Não sei se você
reparou: Sou alcoólatra. (Desafiadora) Tudo

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bem? Não me lembro de outros detalhes, mas
na convivência diária você vai notar, com esse
seu jeito hediondo de perceber tudo o que o
ser humano tem de pior, você vai perceber que
rôo as unhas, que escondo dinheiro debaixo
do colchão, tenho unha encravada, que ranjo
os dentes dormindo, meu cabelo é alisado com
Henné, tenho cecê.

Vicente na Polaróide

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Capítulo XIII

Vamos Falar Francamente

O último esquete de Solidão, a Comédia trata


do tema da morte. Quando Vicente o escreveu
para a encenação em que trabalhou como ator
no Teatro do Posto 6, apresentou Vamos Falar
Francamente? com uma personagem feminina
que está junto de uma amiga, no leito de morte.
O autor apresentou o esquete como Inspirado
livremente em A Visita da Verdade, de Dorothy
Parker. O conto da escritora norte-americana
mostra uma mulher que acompanha a sua amiga
enferma. É fácil encontrar semelhanças entre o 161
conto norte-americano e o esquete brasileiro.
Na obra de Dorothy há a seguinte passagem:
Vou só puxar esta cadeira e... desculpe, querida,
não queria empurrar a cama... e botá-la aqui,
onde você pode me ver. Pronto. Mas deixe-me
afofar-lhe os travesseiros antes de me instalar.
Eles devem estar superdesconfortáveis, do jeito
que você os está puxando e torcendo nos últimos
minutos. Olhe aqui, meu bem, deixe me ajudá-la
a levantar-se, bem de-va-ga-ri-nho. Ora, é claro
que você consegue levantar-se sozinha, querida.
Ninguém disse o contrário. Nem pensei nisso.
Pronto, seus travesseiros estão macios e fresqui-
nhos de novo, e você está deitadinha como um

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anjo, sem se machucar. Não está melhor assim?
Está bem, pensei que estivesse!

No texto de Vicente é Lucy quem cuida de sua


amiga adoentada, Marluce. Logo no começo do
esquete, Lucy comenta do travesseiro:
Lucy – Isso é jeito de se deitar num travesseiro?
Todo embolado! Que horror! Por isso que eu tava
reparando que você tava ficando meio corcunda.
Não, não chegava a ser uma corcunda, porque
era meio de lado, assim, perto do pescoço. Assim,
ó... Você tava ficando meio corcunda, parecia um
teleférico. De tanto dormir com esse travesseiro
embolado, amassado. Parece um monturo.
162
Meu travesseiro eu embolo até virar um mon-
turo. Marcus Alvisi, que conviveu diariamente
durante 15 anos com Vicente, lembra dele re-
petindo essa frase diversas vezes.

Lucy permanece falando com Marluce, até que


a amiga acamada resolve urinar:
Lucy – Se eu fosse como você, caía de cama, ado-
entada. Ficaria só no bem-bom, no suavezinho.
Deitada. Não levantaria nem pra fazer pipi. Faria
tudo na comadre. (Olha para a outra. Como se
ela tivesse falado alguma coisa)
Lucy – Fui dar a deixa...
(Levanta-se e pega a comadre. Aproxima-se da
outra e espera ela fazer xixi)

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Lucy – Sei que essa comadre é complicada, é
própria pra homens. Sei que é incômodo pra
mulher. Nem sei como você consegue nessas
condições, essa facilidade para o contorcionismo
e consegue...
(Cala-se Arrasada)
Lucy (Murchando) – Não consegue
(Afasta-se com a comadre na mão. Põe no chão)
Lucy – Você tem outra camisola pra trocar? Não?
Como? E agora? Você não pode ficar assim toda
molhada...
(Começa a tirar a roupa)
Lucy – Das virtudes de se usar combinação.
(Tira a combinação. Vai até a cama e começa a
trocar a roupa da amiga) 163

Lucy – Se não sou eu... (Tom) Você precisa parar


de comer beterraba. (Tom) Não comeu? Ah...
(Coloca as roupas molhadas num canto)
Lucy – É purificação. Limpeza. Quer dizer que
você está purificando. Colocando tudo pra fora.
Descarregando.

Quando Marcus Alvisi preparou a encenação de


Solidão, a Comédia com Diogo, pediu a Vicente
para trocar a personagem feminina por uma
personagem masculina. O motivo era o tênue
limite que havia naquela história entre vida
real e ficção. O esquete que mostrava Lucy cui-
dando de sua adoentada amiga, Marluce, era a

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recriação para a cena da experiência que Vicente
tinha à época, quando cuidava do ator Carlos
Augusto Strazzer que, então, começava a sofrer
as consequências físicas por ser portador do HIV.
Miguel Magno dizia ter assistido a Vicente repre-
sentando a personagem no Teatro do Posto 6,
sentado, como espectador, ao lado de Strazzer,
e de sentir presentes, naquele momento vida e
ficção entrelaçadas.

Em depoimento para Flávio Marinho, Marcus


Alvisi fala da escolha em mudar o sexo da perso-
nagem: Achei que tinha mais a ver. Como aquilo
era inspirado numa vivência real do Vicente, ao
164 pé do leito de morte do Carlos Augusto Strazzer,
por que escamotear isso? Eu não via nenhum
sentido. Tinha muito mais a ver, ficou muito mais
forte ter um velho – e não uma velha – chama-
do Figuerôa como acompanhante. A reação da
plateia era imediata. Certa vez, uma senhora,
em São Paulo, começou, neste esquete, a ter
um ataque de riso; depois, teve um ataque de
choro, emendou com uma crise histérica e teve
que ser retirada do teatro pelo segurança. Eu
estava vendo a hora em que o Diogo ia parar o
espetáculo. Num outro dia, ela foi nos procurar
e disse que nunca, nada havia mexido tanto com
ela. E que, por causa daquela reação, ela havia
passado a fazer análise.

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Quando reescreveu Vamos Falar Francamente?,
Vicente colocou uma rubrica, na qual pedia uma
trilha sonora para o texto, que é a música Casi-
nha Pequenina. O amigo de Figuerôa chama-se
Mário Lúcio. O conteúdo dessa versão do esquete
é praticamente o mesmo que a escrita com a
personagem feminina. Figuerôa comenta o fato
de Mário Lúcio nunca ter se casado, diz que sente
um pouco de inveja pela total liberdade que o
amigo vive, porque ele não precisa se preocupar
com os problemas cotidianos.

Vamos Falar Francamente? prossegue trazendo


uma das características marcantes do teatro de
Vicente, que é a citação musical. Já foi comen- 165
tado neste livro o quão importante era para o
escritor a música. O autor tinha uma especial
adoração por músicas antigas e tristíssimas,
elemento este que ele utilizava para acentuar
ainda mais o aspecto melancólico da sua obra.
Figuerôa diz a Mário Lúcio:
Figuerôa – Logo você que tinha uma voz tão
linda. Cantava tão bonito. Tão bem (Ri). Pegava
no acordeom e soltava a voz (Ri). A gente pedia:
Mário Lúcio, toca Syborney, toca Tenderly. E você
só tocava a Perpétua. Eu dizia: – toca Balada
Triste, Casinha Pequenina. E lá vinha você com
a Perpétua ... (Canta) Se a Perpétua cheirasse,
seria a rainha das flores, mas como a Perpétua

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não cheira, nem fede, não é a rainha das flores
... (Ri) E não parava mais. Fosse o que fosse que
a gente te pedisse lá vinha a Perpétua.

Um diálogo semelhante a esse é encontrado no


texto de Vicente O Espelho de Carne:
Helena – A Mirinha, lembra, Álvaro? Aquela que
tocava acordeom. Ela tocava (Cantarola) Se a
Perpétua cheirasse... seria a rainha das flores...
Ana – (Cantarolando, completando) – ... Mas
como a Perpétua não cheira nem fede.
Jairo (Olhando para a Esposa) – ... Não é a Rainha
das Flores!
Ana estremecendo sutilmente. Desce uma Carta.
166
Helena – A gente vivia dizendo: Mirinha, toca
Siboney Vereda Tropical ... Ela fazia que ia tocar,
e lá vinha com a Perpétua.

E seguindo o estilo Vicente tão bem identificado


por Eduardo Dussek, que é o de rir da própria
desgraça, o acordeom de Mario Lúcio foi vendido
para pagar as despesas hospitalares:
Figuerôa – Onde está o seu acordeom? (Tom)
Vendeu? Pra pagar o hospital? Não chora! Não
chora! Não precisa chorar. Fez muito bem em
vendê-lo. Melhor impossível. Vendeu o acorde-
om para pagar uma parte da conta do hospital.
(Baixinho). A outra parte paguei eu. (Tom)

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O esquete encerra-se com a morte de Mário
Lúcio e Figuerôa diz ironicamente: Sabe de uma
coisa, Mário Lúcio? Te invejo. Em geral, as perso-
nagens do dramaturgo encontram-se no limite
da desesperança total.

Marcus Alvisi, ao criar a encenação de Solidão,


a Comédia, achou que o espetáculo deveria ter
um epílogo. Então, pediu a Vicente que con-
tasse a história do seu avô tomando sopa. A
partir desse mote, o autor criou um monólogo
reflexivo sobre a existência e o valor que damos
à vida. Ele era dito por Diogo Vilela, enquanto
ia tirando a indumentária do velho à vista do
público. Esse epílogo foi muito mal visto pela 167
crítica. Nelson de Sá o classificou de uma mo-
ral da história. E Macksen Luiz em sua crítica
Brincando nos campos da solidão, publicada no
Jornal do Brasil, do dia 18 de janeiro de 1992,
fez uma aproximação da obra de Vicente Pe-
reira com o melodrama e a cultura-popular: A
solidão, como de resto qualquer sentimento, é
passível de fazer rir. Vicente Pereira sabe disso
e explora em Solidão, a Comédia, em cena no
Teatro Tereza Rachel, as possibilidades do amor
em que circunstâncias, aparentemente banais,
ganham a dimensão cáustica e cruel das emoções
mais profundas. Mas o autor não se desprende
do compromisso com a brincadeira e com a co-

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micidade superficial que se inspira a mitologia
do cinema e na ambiguidade dos papéis sociais
diante de uma visão ácida da existência. Vicen-
te Pereira está impregnado, ainda, por formas
narrativas que confundem o melodrama com
a comédia popular. Nas cinco peças curtas que
compõem Solidão, a Comédia, Vicente Pereira
brinca com a condição solitária, mas não deixa
que o ar de seriedade tome conta das histórias
de personagens banais (...) Vicente Pereira se
torna mais atraente como escritor, quanto mais
consegue exercer a sua acuidade e o seu olhar
sobre o comportamento dos personagens. Mas
Solidão, a Comédia é, acima de tudo, a oportuni-
168
dade para que um ator experimente a extensão
de sua técnica e exercite seu estilo. Diogo Vilela
sabe aproveitar essas sugestões dos textos. As
interpretações simples, nem sempre são fáceis.
Na verdade, sua atuação é muito comunicativa,
resultante de um trabalho até requintado. O
ator investe no humor e no aspecto patético
das situações. Sensível em A Sétima Arte, cai
numa certa facilidade em Coração Santo. Como
o yuppie de A Fogueira das Vaidades estabelece
sintonia com o humor crítico. Mas é em Paris em
Chamas que demonstra, por meio de elaborada
composição vocal e corporal, os seus melhores
recursos de ator. Em Vamos Falar Francamente?
a sua composição é inteligente, apesar de se
identificar com o melodrama do texto.

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Solidão, a Comédia sob a direção de Marcus
Alvisi manteve-se 4 anos em cartaz e foi um dos
trabalhos que elevou Diogo Vilela ao time dos
grandes atores.

Diogo e Alvisi relembram que os ensaios de Soli-


dão, a Comédia começaram no porão do Centro
Cultural São Paulo, no final de 1990. Como ainda
se vivia sob o confisco do governo Collor, a pro-
dução do espetáculo, na época orçada em U$
80 mil só pôde ser paga porque Diogo investiu
todo o cachê que havia recebido por uma série
de comerciais que ele havia feito para a rede
de supermercados Casas da Banha na produção
do espetáculo. Logo que Solidão estreou, Diogo 169
passou por outro impasse econômico: a então
ministra da Economia Zélia Cardoso de Melo
tinha congelado o valor do ingresso para os
espetáculos teatrais. O ator mandou uma carta
para a ministra pedindo que ela revisse a sua
situação, o que acabou acontecendo.

O espetáculo estreou no dia 15 de janeiro de


1991 na sala Gil Vicente do Teatro Ruth Escobar.
Era a época em que o mundo vivia a Guerra do
Golfo. Alvisi chegou a pensar que o espetáculo
não teria público por causa da guerra. O que
felizmente, foi um engano, pois a encenação
manteve-se um ano em cartaz com sessões de
quarta a domingo, lotadas.

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Críticos como Alberto Guzik enalteceram o tra-
balho interpretativo de Diogo. Guzik escreveu
para o Jornal da Tarde o artigo Solidão com
Diogo Vilela, um prazer: Ele não economiza
talento nos cinco personagens de Solidão, a
Comédia, um grande show de interpretação. O
texto é do tipo feito sob encomenda para um
intérprete com suas características. São cinco
cenas com personagens desenhados de forma
quase caricatural, que permitem ao ator uma
série de excelentes composições. (...) Todas elas
foram lapidadas com carinho e precisão pelo
intérprete. E, embora tenham sido concebidas
pelo dramaturgo em linha melancolicamente
170 caricatural, Diogo Vilela evita todo excesso. E
consegue dar a cada personagem uma composi-
ção de grande força. A comunicação que o ator
estabelece com a plateia atinge altas voltagens.
Um perfeccionista, Diogo Vilela brilha em cena.
Para seu próprio prazer e para o prazer de quem
lhe assiste.(...) E a direção de Marcus Alvisi revela
sensibilidade e competência, orquestrando com
inteligência os diversos elementos da monta-
gem para realçar o brilho do astro. É tão bom o
resultado de Solidão que o espectador tende a
deixar de lado o único problema do espetáculo:
o texto de Vicente Pereira (...) As figuras bem
desenhadas indicam a capacidade do escritor
ao registrar tipos humanos. E cada quadro tem

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momentos interessantes e divertidos. Mas o
dramaturgo alonga-se além do necessário. (...) E
Solidão, a Comédia dispensaria tranquilamente
o final, que aspira a transmitir uma reflexão
com mensagem. Tudo que poderia ser dito nesse
sentido já foi colocado de forma melhor na boca
das personagens.

Se vida e obra já haviam se imbricado tão inten-


samente na primeira montagem de Solidão, a
Comédia com a doença de Carlos Augusto Stra-
zzer servindo de inspiração para o último quadro
da peça, o mesmo aconteceu com a encenação
de Solidão, a Comédia por Marcus Alvisi. Durante
a bem-sucedida trajetória do espetáculo, quem 171
adoeceu foi Vicente Pereira, também vitimado
pelo HIV. Diogo lembra que antes de decidir
morar em Brasília, Vicente pegou uma mala
com as suas coisas e decidiu que viveria tal qual
São Francisco, indo morar de amigo em amigo.
Foi, então, que Diogo acolheu Vicente em seu
apartamento. Um pouco desse período Diogo
relata em sua entrevista para a série Bastidores,
de Simon Khoury: Diogo – Lembro que quando o
Vicente Pereira, autor da peça Solidão, morreu...
Era um grande amigo meu. Cuidei dele – ele
teve Aids e ficou neste apartamento –, depois
uma amiga nossa assumiu essa tarefa, e fiquei
muito envolvido por tudo isso... No teatro, na

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peça dele, eu fazia aquele quadro do ancião
que perde um grande amigo, e achei que a vida
imitou a arte, porque não chorei, ri – a peça é
uma comédia –, só que eu ri querendo chorar.
Não foi duro fazer a peça dele, foi patético,
tal como era nosso relacionamento na vida. O
Vicente tinha morrido, e eu não acreditava que
ele podia ter feito isso – sabe aquelas pessoas
que morrem tipo Elis Regina e em cuja morte
a gente não acredita? Ele era cheio de vida, a
última pessoa que eu imaginava que fosse mor-
rer. Simon – Quando você começou a ensaiar a
peça, sabia que ele estava doente? Diogo – Não.
Simon – E você não teve medo de se contami-
172
nar? Diogo – Não. Não tive medo de nada. Tive
medo de não poder dar a ele o amor de que ele
necessitava. O Vicente não ficou desamparado,
era uma pessoa muito adulta, emocionalmente,
em relação à doença... não sei... Eu acordava de
manhã e, como ele sentia muita dor na barriga,
ficava muito tempo fazendo massagens no seu
ventre. Quando saía de short e tênis pra correr
na praia, no calçadão da Avenida Atlântica, sen-
tia nele um olhar de frustração por nunca mais
poder fazer o mesmo, mas ele ficava satisfeito
quando eu voltava e lhe trazia água de coco. Às
tardes eu dormia de mãos dadas com ele... não
tive medo, não. Ele morreu na casa dos pais.

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A sobrinha de Vicente, Marina Pereira, em de-
poimento a este estudo, lembra este período
da vida do seu tio, quando ele decide voltar a
morar em Brasília. Ela conta que quando Vicente
decidiu retornar à capital federal foi um período
muito difícil para todos na família, pois a irmã
de Pereira e mãe de Marina, Videte, tinha desco-
berto que estava com um câncer terminal. Mais
ou menos nesse mesmo período, Vicente teve o
diagnóstico de ser HIV positivo. A irmã do autor
morreu um ano antes dele e Marina acha que
isso foi até bom, porque Videte sofreria muito
ao vê-lo adoecer. Quando Videte esteve no
hospital, Vicente a acompanhava. Segundo ela,
ele era o melhor enfermeiro, não tinha nojo de 173
nada e sempre estava contando piadas. Marina
relembra que o tio não quis tomar AZT e por isso
morreu relativamente rápido. Ela lembra tam-
bém, que os seus avós, Vitor e Odete, cuidaram
dele até o último momento. Em decorrência da
doença Vicente teve leptospirose e ficou meio
cego. No final houve um sofrimento muito gran-
de porque ele estava lúcido, mas não tinha con-
trole sobre os seus movimentos. A sobrinha do
escritor conta que não quis ver o tio no hospital
de base, onde ele morreu. Não teve coragem de
subir para se despedir do tio que adorava. Ela
pediu desculpas ao avô que mesmo com 80 anos,
não arredou o pé e cuidou do filho, como já ha-
via feito com Videte até o último suspiro dela.

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Vicente e a sobrinha Marina

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Marina lembra que quando Solidão, a Comédia
com Diogo Vilela estava em cartaz em Brasília,
Vicente estava internado no hospital. Ela então
lembrou assistindo a peça com Diogo, como o tio
sempre foi capaz de rir até mesmo da maior dor.

Na matéria realizada pelo Correio Brasiliense, De


alma lavada, na época em que foi encenada a
peça O Colar de Diamantes, é relatada a manei-
ra como o escritor lidou com a doença: Vicente
voltou para Brasília quando adoeceu, em 1992.
Nunca lutou contra a Aids e, depois da morte, a
família descobriu remédios escondidos, intocados.
Ele me disse que não adiantava lutar contra o que
não tinha jeito, lembra Ney Matogrosso. Passou
os últimos dias ali, na mesma casa onde, na in- 175
fância, juntava as cadeiras numa espécie de palco
e contava histórias para a meninada da quadra.
Começava assim: Era uma vez o rei e a rainha...
Hoje o corpo repousa no Campo da Esperança. E
o riso volta ao teatro na narrativa sobre o tempo
em que o país fechou as portas para a corte.

A recusa em tomar os medicamentos contra


o vírus HIV foi presenciada pelos amigos mais
próximos do escritor. Duse Nacaratti e Marcus
Alvisi, no último encontro que tiveram com ele,
lembram de Vicente se negando a tomar os
comprimidos de AZT. Duse chegou a pedir a ele
que tomasse os remédios. Como resposta ouviu
um sonoro: Cala a Boca!

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Vicente com Betty Faria, Duse Nacaratti e Roger Levy

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Vicente Pereira faleceu no dia 19 de setembro
de 1993. Diogo Vilela representou Solidão, a
Comédia até junho de 1994. Em 1993 estava em
cartaz também Com minha Mãe Estarei, texto do
autor dirigido por Jorge Fernando e que tinha
no elenco Yoná Magalhães, Stela Freitas, Wanda
Kosmos e Tuca Andrada. No dia 26 de setembro,
Miguel Falabella escreveu a crônica Meu amigo
Vicente para o Jornal O Globo: Como era mesmo
o pesadelo que Kim Novak tinha em Melodia
Imortal? Alguma coisa a ver com o vento. Acho
que ela sonhava que um vento forte a separava de
Tyrone Power. Ela lutava, gritava seu nome, mas a
distância ia aumentando, inexoravelmente. Acho
que era isso. Um pesadelo feito de vento. Semana 177
passada, o vento soprou nos corações de grande
parte da classe teatral carioca. Vicente Pereira se
foi e o pesadelo de sua partida ainda assola as
noites de todos nós. Poucas vezes em minha vida
senti uma tristeza tão profunda. Nas palavras de
Karen Blixen, foi como se um animal selvagem
tivesse sacudido o meu corpo e o arrastado para
longe. Quando a notícia chegou, ainda pela
manhã, foi como se o sol, cansado dos tempos,
tivesse se apagado. E, sem dúvida alguma, para
aqueles que o amavam e que conviviam com sua
alegria e generosidade, o sol deixou de brilhar
um pouco. Tudo ficou enevoado e distante. Eu
sentei na bicicleta ergométrica e pedalei, pedalei,

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tentando igualar a dor física ao sofrimento da
alma. Não consegui, é claro. De modo que te-
nho atravessado esses dias com aquela sensação
estranha de alguém que se observa de longe,
cauteloso com a própria dor. Mas enquanto eu
pedalava, as lembranças de seu riso contagiante,
de sua extrema alegria e de sua busca espiritual
incessante foram se misturando à dor, como um
afago, como um bilhete de seu próprio punho,
lembrando-me que ninguém mais do que ele ti-
nha se preparado para a grande travessia. E, como
sempre acontece nas fatalidades, começamos a
nos telefonar, uns para os outros, buscando afeto
e reinventando a vida com as saudades dele. Eu
178 o conheci na Travessa Pepe, uma ruazinha em
Botafogo, num prédio de quatro andares, com
um santo ladrilhado na fachada. Foi ali, no quintal
cimentado de Duse Nacarati, que o seu sorriso
brilhou para mim, pela primeira vez, há muitos
anos. Por causa de Duse, ele também me chamou
de príncipe e – segundo ele – a intimidade foi
imediata porque já nos conhecíamos de outros
carnavais, perdidos nos mistérios do tempo. Eu
devo muito a Vicente Pereira. Na verdade, toda
uma geração de autores, atores e espectadores
devem muito a ele. De certa forma, foi ele quem
ensinou o teatro brasileiro a rir novamente,
depois dos anos de chumbo. Um riso amargo,
afetuoso, pontilhava seus diálogos e havia um

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olhar generoso que envolvia suas personagens,
porque em última análise, Vicente Pereira gostava
de gente. Gostava muito. Foi ele quem abriu cami-
nho para que pudéssemos resolver nossa própria
sucata com carinho. Certa vez ele disse a Maria
Padilha: Não é que eu só admita a comédia, mas
juntar muitas pessoas num teatro e não ouvir um
único riso? Isto me parece um desperdício de vida!
Vicente Pereira era um menino. Um menino que
buscava Deus. E que descobriu, em sua imensa
sabedoria, que Deus está muito mais próximo do
riso do que do pranto. Que a raiz de toda e qual-
quer religiosidade é a celebração. E é celebrando
que lembro dele. Na plateia do teatro, assistin-
do ao meu primeiro espetáculo com Guilherme 179
Karan, espelhando sua gargalhada gostosa; nos
restaurantes, comendo com a voracidade e um
prazer de lobo. Durante uma década, ele esteve
ao meu lado, nos melhores momentos, daqueles
de guardar na gavetinha... Agora, ele não está
mais aqui. Isso sim me parece um desperdício de
vida. Não mais voltar a ouvir sua voz na secretária
eletrônica, um chamado alegre, esparramado,
que enchia o escritório: Príncipe, tá na espreita?
Nunca mais as tardes com Patrícia Travassos, es-
crevendo loucuras, dançando como alucinados
um mantra qualquer, celebrando a amizade e o
prazer de estarmos juntos. Nunca mais. Ou para
sempre, se preferirem. Vicente foi amigo, foi
mestre, foi um pouco pai espiritual de todos nós.

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Metia-se em tudo. Foi sacerdote, discípulo, usou
túnicas, fardas, era uma explosão de alaranjados,
vermelhos e amarelo ouro. A chegada dele, em
qualquer lugar, era um nascer do sol. Sua última
peça, originalmente, chama-se Com Minha Mãe
Estarei. Acho o título lindo. Uma beleza! Todos
estaremos com ela, mais cedo ou mais tarde. Ele
sabia disso. Com a mãe. O grande M. O mar, o
mistério que nos deixou órfãos de seu amor. Esta
crônica, no fundo, é só para agradecer. Com aque-
la entonação tão própria dele, saboreando cada
palavra, cada naco de vida. Vicente, obrigado.
Muito obrigado. Até um dia.

Diogo Vilela estava em Brasília quando Vicente


180 partiu. Coube a ele a tarefa de vestir o amigo morto.

E como Vicente venerava o cinema, nada melhor do


que encerrar esta história homenageando-o com
um The End, tal qual o cinema norte-americano.

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Carteira do Sindicato

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Capítulo XIV

Encenações de Peças de Vicente Pereira

1995
• 5x Comédia
Autores: Mauro Rasi, Vicente Pereira, Miguel
Falabella, Miguel Magno, Ricardo de Almeida,
Hamilton Vaz Pereira, Patrícia Travassos, Pedro
Cardoso e Felipe Pinheiro
Direção: Hamilton Vaz Pereira
Elenco: Miguel Magno, Diogo Vilela, Débora Blo-
ch, Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães.
Posteriormente, integraram o elenco: Patrícia
183
Travassos, Cláudia Raia, Evandro Mesquita e
Totia Meireles
Estreou no Teatro São Pedro, em Porto Alegre,
em setembro de 1995

1993
• Com Minha Mãe Estarei
Autor: Vicente Pereira
Direção: Jorge Fernando
Elenco: Yoná Magalhães, Stela Freitas, Wanda
Kosmos (depois substituída por Ida Gomes) e
Tuca Andrada
Estreou no Teatro Cultura Artística – Sala Rubens
Sverner, São Paulo, 1993.

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1991
• Solidão, a Comédia
Autor: Vicente Pereira
Direção: Marcus Alvisi
Cenografia: Gringo Cardia
Figurinos: Conrado Segreto
Iluminação: Aurélio de Simoni
Elenco: Diogo Vilela
Estreou no Teatro Ruth Escobar – Sala Gil Vicen-
te, São Paulo, em janeiro de 1991.

• Artigo de Luxo
Autor: Vicente Pereira
Direção: Ítalo Rossi
Elenco: Maria Zilda Bethlem e Scarlet Moon de
184 Chevalier
Estreou no Teatro Clara Nunes, Rio de Janeiro,
em março de 1991.

1990
• Solidão, a Comédia
Autor: Vicente Pereira
Direção: Jorge Fernando
Cenografia: Luiz Carlos Ripper
Elenco: Vicente Pereira
Estreou no Teatro do Posto 6, Rio de Janeiro,
em 1990.

1989
• Brasil, a Peça
Autores: Vicente Pereira, Luiz Carlos Góes, Maria

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Lúcia Dahl e Miguel Falabella.
Direção: Jacqueline Laurence
Elenco: Edwin Luisi, Thais Portinho
Estreou no Teatro do Posto 6, Rio de Janeiro, em
janeiro de 1989.

1988
• Sereias da Zona Sul
Autores: Miguel Falabella e Vicente Pereira
Direção: Jacqueline Laurence
Cenografia: Guilherme Karam
Figurino: Lessa de Lacerda
Iluminação: Aurélio de Simoni
Elenco: Miguel Falabella e Guilherme Karam
Estreou no Teatro Clara Nunes, Rio de Janeiro, 185
em janeiro de 1988

1986
• Pedra, a Tragédia
Autores: Mauro Rasi, Vicente Pereira e Miguel
Falabella
Direção: Ary Coslov.
Cenografia: Tadeu Burgos.
Figurino: Biza Viana.
Música: Tim Rescala.
Elenco: Thelma Reston, Analu Prestes e Stella
Freitas.
Estreou no Teatro Candido Mendes, Rio de Ja-
neiro, em março de 1986.

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• A Divina Chanchada
Autor: Vicente Pereira.
Direção Jorge Fernando.
Músicas: Paulino Machado.
Coreografia: Tânia, Tony e Nádia Nardini.
Cenografia: Américo Issa.
Elenco: Louise Cardoso, Cláudio Gaya, Guilherme
Karam, Duse Nacaratti, Marcus Alvisi entre outros.
Estreou no Teatro Nelson Rodrigues, Rio de Ja-
neiro, em novembro de 1986.

• O Falcão Peregrino
Autor: Vicente Pereira.
Direção: Naum Alves de Souza
186 Elenco: Yoná Magalhães, Betina Viany e Walney
Costa.
Estreou no Teatro da Galeria, Rio de Janeiro,
em 1986.

1985
• Classificados Desclassificados
Autores: Vicente Pereira, Luiz Carlos Góes, Maria
Lúcia Dahl e Miguel Falabella.
Direção: Jacqueline Laurence.
Iluminação: Maneco Quinderé.
Cenografia: Guilherme Karam.
Elenco: Eduardo Dussek e Thaís Portinho.
Estreou no Teatro Candido Mendes, Rio Janeiro,
em setembro de 1985.

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1984
• Miguel Falabella e Guilherme Karam, finalmen-
te juntos e finalmente ao vivo
Autores: Miguel Falabella, Mauro Rasi e Vicente
Pereira.
Supervisão Geral: Antônio Pedro.
Iluminação: Maneco Quinderé.
Figurinos: Sílvia Sangirardi e Guilherme Karam.
Elenco: Miguel Falabella e Guilherme Karam.
Estreou no Teatro Candido Mendes, Rio de Ja-
neiro, em dezembro de 1984.

1982
• A Noite do Oscar
Autor: Vicente Pereira.
187
Direção: Luiz Carlos Ripper.
Elenco: Duse Nacaratti, Thais Portinho, Maria
Lucia Dahl, Nildo Parente, Mário Borges.
Estreou no Teatro do BNH, Rio de Janeiro, em
março de 1982.

1981
• Doce Deleite
Autores: Mauro Rasi, Vicente Pereira, José Már-
cio Penido e Alcione Araújo.
Direção: Alcione Araújo.
Elenco: Marília Pêra e Marco Nanini. Posterior-
mente, Regina Casé, Débora Duarte e Bia Nunes
substituem Marília Pêra.
Cenografia: Márcio Colaferro.

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Músicas e Direção Musical: John Neschling.
Figurino: Marília Carneiro e Wan Dick Lorette
Iluminação: Aderbal Freire-Filho
Estreou no Teatro Vanucci, Rio de Janeiro, em
janeiro de 1981.

1980
• À Direita do Presidente
Autores: Mauro Rasi e Vicente Pereira.
Direção: Gracindo Júnior.
Elenco: Aracy Balabanian, Gracindo Júnior, An-
dré Villon e Jorge Botelho.
Estreou no Teatro Glória, Rio de Janeiro, em 1980

• As 1001 Encarnações de Pompeu Loredo


188
Autores: Mauro Rasi e Vicente Pereira.
Direção: Jorge Fernando.
Elenco: Duse Nacaratti, Ricardo Blat, Marcus
Alvisi, Stella Miranda, Diogo Vilela, Luís Sérgio
Lima e Silva, entre outros.
Figurino e Cenografia: Cláudio Tovar.
Trilha Sonora: Eduardo Dussek e Luiz Carlos Góes.
Estreou no Teatro do BNH, Rio de Janeiro, em
setembro de 1980.

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189

Vicente e Ana Miranda

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12083439 miolo Vicente.indd 190 27/9/2010 15:59:48
Bibliografia

Peças do Besteirol

ALMEIDA, Ricardo de e MAGNO, Miguel. Quem


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CARDOSO, Pedro e PINHEIRO, Felipe. A Macaca.
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Textos de Vicente Pereira

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___, Espelho de Carne. Rio de Janeiro, s.d.
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___, Piano-Bar, Rio de Janeiro, 1991.

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___, O Karma Cor de Rosa, Rio de Janeiro, 1991.
___, O Colar de Diamantes, Rio de Janeiro, 1991.
___, Não se Fuma em Cingapura, Rio de Janeiro,
1993.
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___, O Falcão Peregrino, Rio de Janeiro, 1985.
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___, Eu Viverei Amanhã, Rio de Janeiro, 1984.
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Peças de Mauro Rasi

RASI, Mauro. Ladies na Madrugada, São Paulo,


1974. Fotocópia.
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Caderno 2, p. 03, 19 de janeiro de 1991.
FALABELLA, Miguel. Meu amigo Vicente.
Jornal O Globo, Rio de janeiro, 26 de
setembro de 1993.
FISCHER, Lionel. Quando o ator rouba o show.
Jornal Tribuna da Imprensa. Rio de Janeiro,
23 de janeiro de 1992.
HELIODORA, Barbara. Já temos do que rir neste
verão. Revista Visão, São Paulo, p. 41 – 42,
3 de fevereiro de 1988.
196 ___. Onde canta o Besteirol? Revista Visão, São
Paulo, p. 66, 2 de Abril de 1986.
___.Diogo Vilela supera obviedades. Jornal O
Globo. Rio de Janeiro, 22 de Janeirode 1992.
___. Um Belo filho da Censura. Jornal O Globo.
Rio de Janeiro, Segundo Caderno, p.2, 5 de
Abril de 2000.
LUIZ, Macksen. Brincando nos campos da solidão.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Caderno B,
p. 07, 18 de janeiro de 1992.
MICHALSKI, Yan. Viajar pelo tempo cura neuro-
ses? Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Cader-
no B, 6 de setembro de 1980.
____. Doces metamorfoses. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, 29 jan. 1981.

12083439 miolo Vicente.indd 196 27/9/2010 15:59:48


MUNIZ, Alethea. De alma lavada. Correio Bra-
siliense, Brasília, 12 de novembro de 2000.
ORSINI, Elisabeth. Vicente Pereira – Longe da lua
e perto das flores. Jornal do Brasil. Rio de
Janeiro, Caderno B, Perfil do Consumidor,
10 janeiro de 1992.
PRIAMI, Elda. Novela, jamais! Entrevista de Mau-
ro Rasi. Interview, São Paulo, nº 178, p. 78,
outubro de 1994.
RIBEIRO, Alfredo. De Bauru para o mundo. Jornal
do Brasil, Rio de Janeiro, p. 26 – 27, 27 de
outubro de 1985.
SÁ, Nelson de. Vilela faz besteirol com culpa
em Solidão. Folha de S. Paulo, São Paulo,
197
Caderno Ilustrada, 19 de janeiro de 1991.
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Mauro Rasi, a in-
teligente voz do besteirol. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Caderno B, página 12, 3 de
novembro de 1985.

Bibliografia Geral

ABREU, Caio Fernando. Onde andará Dulce Vei-


ga? São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
___, Os dragões não conhecem o paraíso. São
Paulo: Cia. das Letras. 1988.
___, Ovelhas Negras. Porto Alegre: Sulina, 1995.
ASSIS, Wagner de. Agildo Ribeiro: O Capitão do

12083439 miolo Vicente.indd 197 27/9/2010 15:59:48


Riso. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2007.
BARBOSA, Maria Carmem e Falllabela, Miguel.
Querido mundo e outras peças. Rio de Ja-
neiro: Lacerda Editores, 2003.
BIVAR, Antônio. Longe daqui aqui mesmo. São
Paulo: Editora Best Seller, 1995.
CALLEGARI, Jeanne. Caio Fernando Abreu: in-
ventário de um escritor irremediável. São
Paulo: Seoman, 2008.
CARVALHO, Tânia. Pedro Paulo Rangel: O samba
e o fado. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2006.
DAHL, Maria Lúcia. Quem não ouve o seu papai,
198
um dia ... balança e cai. Rio de Janeiro:
Editora Codecri, 1983.
JESUS, Maria Ângela de. Eva Todor: O teatro da
minha vida. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2007.
KHOURY, Simon. Bastidores III. Rio de Janeiro:
Leviatã, 1994.
LEBERT, Nilu. Beatriz Segall, além das aparências.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2007.
LUDLAM, Charles. Ridiculous Theatre. New York:
Theatre Communicatio, 1992.
MARINHO, Flávio. Oscarito o riso e o siso. São
Paulo: Record, 2007.

12083439 miolo Vicente.indd 198 27/9/2010 15:59:48


MARTINI, Jandira. CARUSO, Marcos. Comédias
de Jandira Martini e Marcos Caruso. São
Paulo: Panda Books, 2005.
ORICCHIO, Luiz Zanin. Guilherme de Almeida
Prado: Um cineasta cinéfilo. São Paulo: Im-
prensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005.
PARKER, Dorothy. Big loira e outras histórias de
Nova York. São Paulo: Cia. das Letras, 1990.
PEREIRA, Hamilton Vaz. Trate-me leão. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2004.
PIMENTA, Daniele. Antenor Pimenta: Circo e
Poesia. A vida do autor de .... E o céu uniu
dois corações. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2005.
199
ROCHA, Eliana. Marcos Caruso – Um obstinado.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2007.
STERNHEIM, Alfredo. Suely Franco – A alegria de
representar. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2005.
STRAUSS, Frederic. Conversas com Almodóvar:
Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 2008.
VENEZIANO, Neyde. O Teatro de Revista no Bra-
sil. dramaturgia e convenções. Campinas:
Pontes / Editora da Unicamp, 1991.
___ Não adianta chorar. Teatro de Revista Bra-
sileiro ... Oba! Campinas: Editora da Uni-
camp, 1996.

12083439 miolo Vicente.indd 199 27/9/2010 15:59:48


___ De pernas para o ar: Teatro de Revista em
São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2006.
VENTURA, Zuenir. 1968 o ano que não termi-
nou – A aventura de uma geração. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 4ª Ed, 1988.

Vicente e Moacyr Deriquém

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Entrevistas realizadas para o livro

Amir Haddad – Realizada no dia 4 de novembro


de 2007.
Diogo Vilela – Realizada no dia 9 de agosto de
2008.
Duse Nacaratti – Realizada no dia 26 de fevereiro
de 2008.
Eduardo Dussek – Realizada no dia 29 de feve-
reiro e 25 de maio de 2008.
Gilberto Gawronski – Realizada no dia 12 de
setembro de 2008.
201
Jacqueline Laurence – Realizada no dia 29 de
outubro de 2006.
Luís Sérgio de Lima e Silva – Realizada no dia 25
de janeiro de 2009.
Luiz Carlos Góes – Realizada no dia 21 de Se-
tembro de 2006.
Marcus Alvisi – Realizada no dia 23 de maio de
2006 e no dia 9 de agosto de 2008.
Maria Lúcia Dahl – Realizada no dia 1º de março
de 2008.
Maria Padilha – Realizada no dia 10 de agosto
de 2008.

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Marina Pereira – Realizada no dia 4 de novembro
de 2008.
Mario Borges – Realizada no dia 12 de setembro
de 2007.
Miguel Falabella – Realizada no dia 16 de outu-
bro de 2008.
Miguel Magno – Realizada no dia 27 de março
de 2006.
Rubens de Araújo – Realizada no dia 9 de agosto
de 2008 e 17 de outubro de 2008.
Stella Freitas – Realizada no dia 23 de fevereiro
de 2008.
202 Thais Portinho – Realizada no dia 29 de fevereiro
de 2008.

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Vicente e Bia Nunes

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Agradecimentos

João Roberto Faria, Neyde Veneziano, Júlia


Lemmertz, Flávio Marinho, Sérgio Fonta, André
Amaro, Carlos Paixão, Maria Helena Kuhner, Rosi
Campos, Guilherme Bryan, Pia Manfroni, Alcides
Nogueira, Michel Fernandes, Tuna Dwek, Eloína
Ferraz, Estanislava Wasilewski, Israel de Castro,
Hélio Barcellos Jr., Lauro Ramalho, Leandro
Zanetti Lara, Luiz Jacintho Pilla, Mauro Soares,
Maria do Carmo Campos, Mariana Bertolucci,
Miriam Benigna, Rubens Ewald Filho, Vitor Perei-
ra. Este livro não seria possível sem as preciosas
entrevistas que realizei com Amir Haddad, Diogo
Vilela, Duse Nacaratti, Eduardo Dussek, Gilberto 205
Gawronski, Jacqueline Laurence, Luís Sérgio de
Lima e Silva, Luiz Carlos Góes, Marcus Alvisi,
Maria Lúcia Dahl, Maria Padilha, Marina Pereira,
Miguel Falabella, Rubens de Araújo, Stela Freitas
e Thaís Portinho. A eles, minha gratidão.

Luís Francisco Wasilewski

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Índice
No Passado Está a História
do Futuro – Alberto Goldman 5
Coleção Aplauso – Hubert Alquéres 7
O Teatro Besteirol: Como Ele Surgiu
e o que Foi Escrito Sobre Ele 15
O Besteirol: Seus Detratores e Entusiastas 21
A Encenação de Ladies na Madrugada 37
Mauro e Vicente no Rio de Janeiro:
O Tempo do Cosme Velho 47
Vicente Pereira: Religião e Teatro 61
Vicente Pereira: O Ciclo Pepe e o
Fascínio Pelo Cinema 75
A Música em Vicente Pereira e a
Volta de Mauro Rasi ao Besteirol 89
O Sucesso Sereias da Zona Sul 97
Vicente Pereira Volta aos Palcos como Ator 111
A Solidão Cinematográfica de
Vicente Pereira 125
Coração Santo e a Fogueira das Vaidades 141
Uma Paris em Chamas e um
Grande Figurinista 153
Vamos Falar Francamente 161
Encenações de Peças de Vicente Pereira 183
Bibliografia 191
Entrevistas realizadas para o livro 201
Agradecimentos – Luís Francisco Wasilewski 205

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Crédito das Fotografias
Fernanda Mayrink 124
Ivan Luna 200
Gilda Vianna 112
Guga Melgar 114
Paulo Afonso Mattos 116, 117
Demais fotografias pertencem ao acervo de
Vicente Pereira

A despeito dos esforços de pesquisa empreendidos pela Editora para


identificar a autoria das fotos expostas nesta obra, parte delas não é
de autoria conhecida de seus organizadores.
Agradecemos o envio ou comunicação de toda informação relativa
à autoria e/ou a outros dados que porventura estejam incompletos,
para que sejam devidamente creditados.

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Coleção Aplauso
Série Cinema Brasil
Alain Fresnot – Um Cineasta sem Alma
Alain Fresnot
Agostinho Martins Pereira – Um Idealista
Máximo Barro
Alfredo Sternheim – Um Insólito Destino
Alfredo Sternheim
O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
Roteiro de Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert
e Cao Hamburger
Anselmo Duarte – O Homem da Palma de Ouro
Luiz Carlos Merten
Antonio Carlos da Fontoura – Espelho da Alma
Rodrigo Murat
Ary Fernandes – Sua Fascinante História
Antônio Leão da Silva Neto
O Bandido da Luz Vermelha
Roteiro de Rogério Sganzerla
Batismo de Sangue
Roteiro de Dani Patarra e Helvécio Ratton
Bens Confiscados
Roteiro comentado pelos seus autores Daniel Chaia e Carlos
Reichenbach
Braz Chediak – Fragmentos de uma Vida
Sérgio Rodrigo Reis
Cabra-Cega
Roteiro de Di Moretti, comentado por Toni Venturi e Ricardo
Kauffman

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O Caçador de Diamantes
Roteiro de Vittorio Capellaro, comentado por Máximo Barro
Carlos Coimbra – Um Homem Raro
Luiz Carlos Merten
Carlos Reichenbach – O Cinema Como Razão de Viver
Marcelo Lyra
A Cartomante
Roteiro comentado por seu autor Wagner de Assis
Casa de Meninas
Romance original e roteiro de Inácio Araújo
O Caso dos Irmãos Naves
Roteiro de Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person
O Céu de Suely
Roteiro de Karim Aïnouz, Felipe Bragança e Maurício Zacharias
Chega de Saudade
Roteiro de Luiz Bolognesi
Cidade dos Homens
Roteiro de Elena Soárez
Como Fazer um Filme de Amor
Roteiro escrito e comentado por Luiz Moura e José
Roberto Torero
O Contador de Histórias
Roteiro de Luiz Villaça, Mariana Veríssimo, Maurício Arruda e
José Roberto Torero
Críticas de B.J. Duarte – Paixão, Polêmica e
Generosidade
Luiz Antonio Souza Lima de Macedo
Críticas de Edmar Pereira – Razão e Sensibilidade
Org. Luiz Carlos Merten

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Críticas de Jairo Ferreira – Críticas de invenção:
Os Anos do São Paulo Shimbun
Org. Alessandro Gamo
Críticas de Luiz Geraldo de Miranda Leão –
Analisando Cinema: Críticas de LG
Org. Aurora Miranda Leão
Críticas de Ruben Biáfora – A Coragem de Ser
Org. Carlos M. Motta e José Júlio Spiewak
De Passagem
Roteiro de Cláudio Yosida e Direção de Ricardo Elias
Desmundo
Roteiro de Alain Fresnot, Anna Muylaert e Sabina Anzuategui
Djalma Limongi Batista – Livre Pensador
Marcel Nadale
Dogma Feijoada: O Cinema Negro Brasileiro
Jeferson De
Dois Córregos
Roteiro de Carlos Reichenbach
A Dona da História
Roteiro de João Falcão, João Emanuel Carneiro e Daniel Filho
Os 12 Trabalhos
Roteiro de Cláudio Yosida e Ricardo Elias
Estômago
Roteiro de Lusa Silvestre, Marcos Jorge e Cláudia da Natividade
Feliz Natal
Roteiro de Selton Mello e Marcelo Vindicatto
Fernando Meirelles – Biografia Prematura
Maria do Rosário Caetano

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Fim da Linha
Roteiro de Gustavo Steinberg e Guilherme Werneck; Storyboards
de Fábio Moon e Gabriel Bá
Fome de Bola – Cinema e Futebol no Brasil
Luiz Zanin Oricchio
Francisco Ramalho Jr. – Éramos Apenas Paulistas
Celso Sabadin
Geraldo Moraes – O Cineasta do Interior
Klecius Henrique
Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta
Cinéfilo
Luiz Zanin Oricchio
Helvécio Ratton – O Cinema Além das Montanhas
Pablo Villaça
O Homem que Virou Suco
Roteiro de João Batista de Andrade, organização de Ariane
Abdallah e Newton Cannito
Ivan Cardoso – O Mestre do Terrir
Remier
João Batista de Andrade – Alguma Solidão
e Muitas Histórias
Maria do Rosário Caetano
Jorge Bodanzky – O Homem com a Câmera
Carlos Alberto Mattos
José Antonio Garcia – Em Busca da Alma Feminina
Marcel Nadale
José Carlos Burle – Drama na Chanchada
Máximo Barro
Liberdade de Imprensa – O Cinema de Intervenção
Renata Fortes e João Batista de Andrade

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Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema
Alfredo Sternheim
Maurice Capovilla – A Imagem Crítica
Carlos Alberto Mattos
Mauro Alice – Um Operário do Filme
Sheila Schvarzman
Máximo Barro – Talento e Altruísmo
Alfredo Sternheim
Miguel Borges – Um Lobisomem Sai da Sombra
Antônio Leão da Silva Neto
Não por Acaso
Roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski
e Eugênio Puppo
Narradores de Javé
Roteiro de Eliane Caffé e Luís Alberto de Abreu
Olhos Azuis
Argumento de José Joffily e Jorge Duran
Roteiro de Jorge Duran e Melanie Dimantas
Onde Andará Dulce Veiga
Roteiro de Guilherme de Almeida Prado
Orlando Senna – O Homem da Montanha
Hermes Leal
Pedro Jorge de Castro – O Calor da Tela
Rogério Menezes
Quanto Vale ou É por Quilo
Roteiro de Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi
Ricardo Pinto e Silva – Rir ou Chorar
Rodrigo Capella
Rodolfo Nanni – Um Realizador Persistente
Neusa Barbosa

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Salve Geral
Roteiro de Sergio Rezende e Patrícia Andrade
O Signo da Cidade
Roteiro de Bruna Lombardi
Ugo Giorgetti – O Sonho Intacto
Rosane Pavam
Viva-Voz
Roteiro de Márcio Alemão
Vladimir Carvalho – Pedras na Lua e Pelejas no
Planalto
Carlos Alberto Mattos
Vlado – 30 Anos Depois
Roteiro de João Batista de Andrade
Zuzu Angel
Roteiro de Marcos Bernstein e Sergio Rezende

Série Cinema
Bastidores – Um Outro Lado do Cinema
Elaine Guerini

Série Ciência & Tecnologia


Cinema Digital – Um Novo Começo?
Luiz Gonzaga Assis de Luca
A Hora do Cinema Digital – Democratização
e Globalização do Audiovisual
Luiz Gonzaga Assis De Luca

Série Crônicas
Crônicas de Maria Lúcia Dahl – O Quebra-cabeças
Maria Lúcia Dahl

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Série Dança
Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo – Dança Universal
Sérgio Rodrigo Reis

Série Música
Maestro Diogo Pacheco – Um Maestro para Todos
Alfredo Sternheim
Rogério Duprat – Ecletismo Musical
Máximo Barro
Sérgio Ricardo – Canto Vadio
Eliana Pace
Wagner Tiso – Som, Imagem, Ação
Beatriz Coelho Silva

Série Teatro Brasil


Alcides Nogueira – Alma de Cetim
Tuna Dwek
Antenor Pimenta – Circo e Poesia
Danielle Pimenta
Cia de Teatro Os Satyros – Um Palco Visceral
Alberto Guzik
Críticas de Clóvis Garcia – A Crítica Como Oficio
Org. Carmelinda Guimarães
Críticas de Maria Lucia Candeias – Duas Tábuas e
Uma Paixão
Org. José Simões de Almeida Júnior
Federico Garcia Lorca – Pequeno Poema Infinito
Antonio Gilberto e José Mauro Brant
Ilo Krugli – Poesia Rasgada
Ieda de Abreu

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João Bethencourt – O Locatário da Comédia
Rodrigo Murat
José Renato – Energia Eterna
Hersch Basbaum
Leilah Assumpção – A Consciência da Mulher
Eliana Pace
Luís Alberto de Abreu – Até a Última Sílaba
Adélia Nicolete
Maurice Vaneau – Artista Múltiplo
Leila Corrêa
Renata Palottini – Cumprimenta e Pede Passagem
Rita Ribeiro Guimarães
Teatro Brasileiro de Comédia – Eu Vivi o TBC
Nydia Licia
O Teatro de Abílio Pereira de Almeida
Abílio Pereira de Almeida
O Teatro de Aimar Labaki
Aimar Labaki
O Teatro de Alberto Guzik
Alberto Guzik
O Teatro de Antonio Rocco
Antonio Rocco
O Teatro de Cordel de Chico de Assis
Chico de Assis
O Teatro de Emílio Boechat
Emílio Boechat
O Teatro de Germano Pereira – Reescrevendo
Clássicos
Germano Pereira

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O Teatro de José Saffioti Filho
José Saffioti Filho
O Teatro de Alcides Nogueira – Trilogia: Ópera
Joyce – Gertrude Stein, Alice Toklas & Pablo Picasso –
Pólvora e Poesia
Alcides Nogueira
O Teatro de Ivam Cabral – Quatro textos para um tea-
tro veloz: Faz de Conta que tem Sol lá Fora – Os Cantos
de Maldoror – De Profundis – A Herança do Teatro
Ivam Cabral
O Teatro de Noemi Marinho: Fulaninha e Dona
Coisa, Homeless, Cor de Chá, Plantonista Vilma
Noemi Marinho
Teatro de Revista em São Paulo – De Pernas para o Ar
Neyde Veneziano
O Teatro de Samir Yazbek: A Entrevista –
O Fingidor – A Terra Prometida
Samir Yazbek
O Teatro de Sérgio Roveri
Sérgio Roveri
Teresa Aguiar e o Grupo Rotunda – Quatro Décadas
em Cena
Ariane Porto

Série Perfil
Analy Alvarez – De Corpo e Alma
Nicolau Radamés Creti
Aracy Balabanian – Nunca Fui Anjo
Tania Carvalho
Arllete Montenegro – Fé, Amor e Emoção
Alfredo Sternheim

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Ary Fontoura – Entre Rios e Janeiros
Rogério Menezes
Berta Zemel – A Alma das Pedras
Rodrigo Antunes Corrêa
Bete Mendes – O Cão e a Rosa
Rogério Menezes
Betty Faria – Rebelde por Natureza
Tania Carvalho
Carla Camurati – Luz Natural
Carlos Alberto Mattos
Cecil Thiré – Mestre do seu Ofício
Tania Carvalho
Celso Nunes – Sem Amarras
Eliana Rocha
Cleyde Yaconis – Dama Discreta
Vilmar Ledesma
David Cardoso – Persistência e Paixão
Alfredo Sternheim
Débora Duarte – Filha da Televisão
Laura Malin
Denise Del Vecchio – Memórias da Lua
Tuna Dwek
Elisabeth Hartmann – A Sarah dos Pampas
Reinaldo Braga
Emiliano Queiroz – Na Sobremesa da Vida
Maria Leticia
Emilio Di Biasi – O Tempo e a Vida de um Aprendiz
Erika Riedel
Etty Fraser – Virada Pra Lua
Vilmar Ledesma

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Ewerton de Castro – Minha Vida na Arte:
Memória e Poética
Reni Cardoso
Fernanda Montenegro – A Defesa do Mistério
Neusa Barbosa
Fernando Peixoto – Em Cena Aberta
Marília Balbi
Geórgia Gomide – Uma Atriz Brasileira
Eliana Pace
Gianfrancesco Guarnieri – Um Grito Solto no Ar
Sérgio Roveri
Glauco Mirko Laurelli – Um Artesão do Cinema
Maria Angela de Jesus
Ilka Soares – A Bela da Tela
Wagner de Assis
Irene Ravache – Caçadora de Emoções
Tania Carvalho
Irene Stefania – Arte e Psicoterapia
Germano Pereira
Isabel Ribeiro – Iluminada
Luis Sergio Lima e Silva
Isolda Cresta – Zozô Vulcão
Luis Sérgio Lima e Silva
Joana Fomm – Momento de Decisão
Vilmar Ledesma
John Herbert – Um Gentleman no Palco e na Vida
Neusa Barbosa
Jonas Bloch – O Ofício de uma Paixão
Nilu Lebert

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Jorge Loredo – O Perigote do Brasil
Cláudio Fragata
José Dumont – Do Cordel às Telas
Klecius Henrique
Leonardo Villar – Garra e Paixão
Nydia Licia
Lília Cabral – Descobrindo Lília Cabral
Analu Ribeiro
Lolita Rodrigues – De Carne e Osso
Eliana Castro
Louise Cardoso – A Mulher do Barbosa
Vilmar Ledesma
Marcos Caruso – Um Obstinado
Eliana Rocha
Maria Adelaide Amaral – A Emoção Libertária
Tuna Dwek
Marisa Prado – A Estrela, O Mistério
Luiz Carlos Lisboa
Mauro Mendonça – Em Busca da Perfeição
Renato Sérgio
Miriam Mehler – Sensibilidade e Paixão
Vilmar Ledesma
Naum Alves de Souza: Imagem, Cena, Palavra
Alberto Guzik
Nicette Bruno e Paulo Goulart – Tudo em Família
Elaine Guerrini
Nívea Maria – Uma Atriz Real
Mauro Alencar e Eliana Pace
Niza de Castro Tank – Niza, Apesar das Outras
Sara Lopes

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Paulo Betti – Na Carreira de um Sonhador
Teté Ribeiro
Paulo José – Memórias Substantivas
Tania Carvalho
Paulo Hesse – A Vida Fez de Mim um Livro
e Eu Não Sei Ler
Eliana Pace
Pedro Paulo Rangel – O Samba e o Fado
Tania Carvalho
Regina Braga – Talento é um Aprendizado
Marta Góes
Reginaldo Faria – O Solo de Um Inquieto
Wagner de Assis
Renata Fronzi – Chorar de Rir
Wagner de Assis
Renato Borghi – Borghi em Revista
Élcio Nogueira Seixas
Renato Consorte – Contestador por Índole
Eliana Pace
Rolando Boldrin – Palco Brasil
Ieda de Abreu
Rosamaria Murtinho – Simples Magia
Tania Carvalho
Rubens de Falco – Um Internacional Ator Brasileiro
Nydia Licia
Ruth de Souza – Estrela Negra
Maria Ângela de Jesus
Sérgio Hingst – Um Ator de Cinema
Máximo Barro

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Sérgio Viotti – O Cavalheiro das Artes
Nilu Lebert
Silnei Siqueira – A Palavra em Cena
Ieda de Abreu
Silvio de Abreu – Um Homem de Sorte
Vilmar Ledesma
Sônia Guedes – Chá das Cinco
Adélia Nicolete
Sonia Maria Dorce – A Queridinha do meu Bairro
Sonia Maria Dorce Armonia
Sonia Oiticica – Uma Atriz Rodriguiana?
Maria Thereza Vargas
Stênio Garcia – Força da Natureza
Wagner Assis
Suely Franco – A Alegria de Representar
Alfredo Sternheim
Tatiana Belinky – ... E Quem Quiser Que Conte Outra
Sérgio Roveri
Theresa Amayo – Ficção e Realidade
Theresa Amayo
Tony Ramos – No Tempo da Delicadeza
Tania Carvalho
Umberto Magnani – Um Rio de Memórias
Adélia Nicolete
Vera Holtz – O Gosto da Vera
Analu Ribeiro
Vera Nunes – Raro Talento
Eliana Pace
Walderez de Barros – Voz e Silêncios
Rogério Menezes

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Walter George Durst – Doce Guerreiro
Nilu Lebert
Zezé Motta – Muito Prazer
Rodrigo Murat

Especial
Agildo Ribeiro – O Capitão do Riso
Wagner de Assis
Av. Paulista, 900 – a História da TV Gazeta
Elmo Francfort
Beatriz Segall – Além das Aparências
Nilu Lebert
Carlos Zara – Paixão em Quatro Atos
Tania Carvalho
Célia Helena – Uma Atriz Visceral
Nydia Licia
Charles Möeller e Claudio Botelho – Os Reis dos
Musicais
Tania Carvalho
Cinema da Boca – Dicionário de Diretores
Alfredo Sternheim
Dina Sfat – Retratos de uma Guerreira
Antonio Gilberto
Eva Todor – O Teatro de Minha Vida
Maria Angela de Jesus
Eva Wilma – Arte e Vida
Edla van Steen
Gloria in Excelsior – Ascensão, Apogeu e Queda do
Maior Sucesso da Televisão Brasileira
Álvaro Moya

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Lembranças de Hollywood
Dulce Damasceno de Britto, organizado por Alfredo Sternheim
Maria Della Costa – Seu Teatro, Sua Vida
Warde Marx
Mazzaropi – Uma Antologia de Risos
Paulo Duarte
Ney Latorraca – Uma Celebração
Tania Carvalho
Odorico Paraguaçu: O Bem-amado de Dias
Gomes – História de um Personagem Larapista e
Maquiavelento
José Dias
Raul Cortez – Sem Medo de se Expor
Nydia Licia
Rede Manchete – Aconteceu, Virou História
Elmo Francfort
Sérgio Cardoso – Imagens de Sua Arte
Nydia Licia
Tônia Carrero – Movida pela Paixão
Tania Carvalho
TV Tupi – Uma Linda História de Amor
Vida Alves
Victor Berbara – O Homem das Mil Faces
Tania Carvalho
Walmor Chagas – Ensaio Aberto para Um Homem
Indignado
Djalma Limongi Batista

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© 2010

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Wasilewski, Luís Francisco


Isto é besteirol : O teatro de Vicente Pereira / Luís Francisco
Wasilewski – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2010.
232p. il. – (Coleção aplauso. Série Teatro Brasil /
Coordenador geral Rubens Ewald Filho).

ISBN 978- 85-7060-869-7

1. Teatro brasileiro (Comédia) – Século XX – História e


Crítica 2. Teatro – Rio de Janeiro (RJ) – Século XX 3. Pereira,
Vicente, 1949-1992 I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III.Série.

CDD 792.098 1

Índices para catálogo sistemático:


1. Teatro : Brasil : História e crítica 792.0981

Proibida reprodução total ou parcial sem autorização


prévia do autor ou dos editores
Lei nº 9.610 de 19/02/1998

Foi feito o depósito legal


Lei nº 10.994, de 14/12/2004

Impresso no Brasil / 2010

Todos os direitos reservados.

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo


Rua da Mooca, 1921 Mooca
03103-902 São Paulo SP
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SAC 0800 01234 01
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Coleção Aplauso Série Teatro Brasil

Coordenador Geral Rubens Ewald Filho


Coordenador Operacional
e Pesquisa Iconográfica Marcelo Pestana
Projeto Gráfico Carlos Cirne
Editor Assistente Claudio Erlichman
Assistente Karina Vernizzi
Editoração Ana Lúcia Charnyai
Tratamento de Imagens José Carlos da Silva
Revisão Benedito Amancio do Vale

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Formato: 12 x 18 cm

Tipologia: Frutiger

Papel miolo: Offset LD 90 g/m2

Papel capa: Triplex 250 g/m2

Número de páginas: 232

Editoração, CTP, impressão e acabamento:


Imprensa Oficial do Estado de São Paulo

Nesta edição, respeitou-se o novo


Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

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Coleção Aplauso | em todas as livrarias e no site
www.imprensaoficial.com.br/livraria

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