Dayane Mirelly
Dayane Mirelly
Dayane Mirelly
Campina Grande
2023
LEI 14.443/22: UM EXAME CRÍTICO SOBRE A AUTONOMIA SEXUAL E
REPRODUTIVA DAS MULHERES CISGÊNERO DO SERTÃO
PARAIBANO
Campina Grande
2023
LINHA DE PESQUISA: Cultura e Identidades
ORIENTADOR (A) PROVÁVEL: Profa. Dra. Elizabeth Christina de Andrade Lima
RESUMO
Este estudo busca analisar as implicações práticas da Lei 14.443/22 na autonomia sexual e
reprodutiva das mulheres cisgênero, considerando as particularidades socioculturais do
Sertão Paraibano destacando-se a opressão histórica enfrentada pelas mulheres no Brasil,
refletida na imposição de papéis de gênero. O debate sobre direitos reprodutivos tem
raízes nos movimentos feministas e influenciou a legislação brasileira, incluindo a Lei
14.443/22, que alterou a idade mínima e retirou a necessidade de consentimento do
cônjuge. O referencial teórico abrange o desejo de controle reprodutivo, o histórico global
e brasileiro, e a análise crítica da Lei 14.443/22. A abordagem metodológica que será
adotada é a fenomenológica. A amostra será composta por mulheres em idade reprodutiva
que expressam ou expressaram o desejo de realizar a esterilização voluntária. Para coleta
de dados serão utilizadas entrevistas semiestruturadas, as quais serão analisadas por meio
da análise de conteúdo. Dessa forma, pretende-se compreender como a Lei 14.443/22
permeia as escolhas e decisões das mulheres na região, considerando representações de
gênero e possíveis lacunas na garantia da autonomia reprodutiva e sexual. O estudo
contribuirá para a compreensão da efetividade da legislação na autonomia reprodutiva das
mulheres cisgênero no Sertão Paraibano, identificando avanços e contradições na sua
execução. Por fim, a pesquisa se destaca por ser um tema da atualidade que necessita de
aprofundamento teórico e científico, considerando a interseccionalidade de gênero, classe
social, e cultura, proporcionando uma base para estudos futuros e reflexões sobre direitos
reprodutivos e de gênero.
1
"O Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir, 1949, é uma obra fundamental do feminismo moderno,
abordando a condição da mulher na sociedade. Dividido em dois volumes, o livro examina mitos culturais,
opressão histórica e a construção social da feminilidade no primeiro volume. No segundo volume,
Beauvoir explora a subjetividade feminina, discutindo temas como sexualidade, maternidade, trabalho e
autonomia, desafiando as concepções tradicionais sobre as mulheres e contribuindo significativamente para
o pensamento feminista.
2
Os direitos humanos fundamentais são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de
raça, etnia, nacionalidade, sexo, orientação sexual, religião ou qualquer outra condição. Esses direitos são
considerados fundamentais porque são essenciais para a dignidade, liberdade e igualdade de todos.No Brasil,
a Constituição de 1988 garente esses direitos com base na dignidade da pessoa humana e estão vinculados ao
direito da saúde da mulher (Souza, 2023)
responsabilidade pelo percurso do planejamento familiar cabe a nós mulheres. Isso
siginifica que a tomada de decisão sobre gravidez, saúde sexual e educação dos filhos é
feita pela ausência do homem3 na co-responsabilização da reprodução, como apontam
Goulart e Ribeiro (2023):
São as mulheres que, maciçamente, suportam as consequências
de sustentar unidades familiares compostas apenas por si e seus
filhos, decorrentes do vertiginoso índice de abandono parental
pelo cônjuge masculino (p. 24).
Da colonização à modernidade a sociedade brasileira promoveu intensamente a
opressão das mulheres, gerando um ambiente marcado por ódio, repulsa e desprezo a
quem se intitula - e é intitulada desde o nascimento – mulher4. Essa dinâmica se
manifestou na imposição de papéis específicos de gênero atribuídos, como a expectativa
de que as mulheres devem estar vinculadas ao lar e, de forma obrigatória, gestar (Duarte;
Roming, 2022). Assim se configura a colonialidade de gênero, onde há uma expressa
barreira entre as escolhas relativas a vida em sociedade, as escolhas sexuais e
reprodutivas e o protagonismo das mulheres na efetivação dos seus direitos mais básicos
(Souza, 2023).
O desenvolvimento histórico global e brasileiro, aliado ao progresso e à
diversidade das correntes feministas5, desempenhou um papel fundamental na condução
das discussões sobre os direitos reprodutivos das mulheres (Duarte; Roming, 2022).
Portanto, neste primeiro ponto, observa-se que o direito reprodutivo feminino esteve
intrinsecamente ligado a alguns dos movimentos históricos6, fruto de reinvidicações
feministas que influenciaram diretamente a sociedade e impactaram a legislação
brasileira – consequentemente na lei da esterelização voluntária, âmago do presente
estudo.
3
Aqui aplica-se o conceito de homem ao sujeito cisgênero e heteronormativo que usufrui das estruturas de
poder e opressão compulsórias do patriarcado.
4
Aqui aplica-se o conceito de mulher em sua pluralidade: abarca tanto a cisgeneridade quanto a
transgeneridade e reconhece a diversidade de experiências das mulheres, independentemente da identidade
de gênero, orientação sexual e cor de pele que possuam.
5
O movimento feminista é diverso e composto por várias correntes que abordam questões de gênero a partir
de perspectivas diferentes. Cada corrente tem suas próprias ênfases, teorias e estratégias para alcançar a
igualdade de gênero.
6
Segundo Rodrigues (2021) (...) “O termo Direitos Reprodutivos surgiu em 1979, com a criação da Rede
Mundial pela Defesa dos Direitos Reprodutivos das Mulheres. A partir do século XX, intensificaram-se os
debates e lutas feministas em torno dos direitos individuais no que tange a Reprodução Humana, desde
1968, na I Conferência Mundial de Direitos Reprodutivos, ocorrida em Teerã, foi reconhecido que os
indivíduos têm direito de escolha sobre as questões de reprodução.” Além disso, Conferências
Internacionais de Direitos Humanos no século XX, em especial a Conferência Internacional de Cairo
(1994), que unificou os eixos de Direitos Reprodutivos e Direitos Sexuais.
Fruto das discussões entre profissionais de saúde, juristas, lideranças
parlamentares, movimento feminista e sociedade, a Lei 14.443 foi aprovada em 2022
como alteração da Lei nº 9.263/1996. Agora a idade mínima para realização da
esterelização voluntária é de 21 anos – não mais 25 – entre homens e mulheres com plena
capacidade civil. Além disso, não há mais a obrigatoriedade do conscentimento expresso
do conjugê para a realização do procedimento (Brasil, 2022).
Refletir sobre como – e se - a nova legislação marca um avanço significativo
nos direitos reprodutivos das mulheres é um dos motivos para o desenvolvimento desse
estudo. Além disso, se faz necessário entender o resultado da aplicabilidade dessa lei em
contextos socio-culturais invisibilizados historicamente, como o sertão da Paraíba, e
conhecer os atravessamentos que permeam as mulheres paraibanas, dentre elas: a
necessidade de controle sobre seus corpos, que restringe e limita o poder de suas
escolhas, da sua autonomia e da sua manifestação livre da vontade, através das diversas
violências de gênero sofridas ao longo do tempo (Duarte; Roming, 2022).
Assim, tem-se como objetivo geral realizar uma análise das implicações práticas
da Lei 14.443/22 na autonomia sexual e reprodutiva das mulheres cisgênero,
considerando as particularidades socioculturais do Sertão Paraibano. Para tanto, serão
apresentados os resultados qualitativos da pesquisa, afim de elucidar os fenômenos
sociais e culturais que permeam as decisões sobre reprodução e sexualidade.
Ademais, buscar-se-à avaliar o nível de conhecimento e acesso das mulheres
cisgênero do Sertão Paraibano às informações e serviços relacionados à saúde sexual e
reprodutiva e entender os pontos favoráveis e as fragilidades que a implementação da Lei
fomentou à autonomia reprodutiva e sexual das mulheres.
Os dados da pesquisa serão coletados através de entrevista semiestruturada com
o objetivo de colher as informações de uma maneira mais aprofundada e adaptada a
realidade sociocultural. Aproposta de pesquisa situa-se, portanto, no campo de estudos
dedicados aos estudos de gênero, sexualidade e cultura, tecendo conexões entre as
representações de gênero, o impacto na saúde sexual da mulher e e os atravessamentos
culturais.
PROBLEMA
(...) eles (os direitos) não são efetivamente exercidos por todas as
mulheres e muitas vezes são violados, por razões vinculadas ao
gênero e suas interseccionalidades como cor, classe social e
deficiência, por exemplo (p. 89-90).
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Sertão Paraibano.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
7
Davis (2016) ressalta em seu texto que as reinvidicações sobre a autonomia do corpo só pode ser firmada
com a mobilização coletiv em defesa da igualdade política das mulheres: (...)“Embora as mulheres
provavelmente sempre tenham sonhado com métodos infalíveis de contracepção, os direitos reprodutivos só
puderam emergir como uma reivindicação legítima depois que os direitos das mulheres, em sua totalidade,
tornaram-se o foco de um movimento organizado” (cap. 12).
8
A maternidade voluntária é resultado de uma decisão consciente tomada pela mulher (ou pelo casal). No
exercício de sua autonomia, guiada por seus desejos, ela escolhe, de forma deliberada, ser mãe. Ela está
pautada nos direitos fundamentais a pessoa humana (Mattar; Diniz, 2012).
desvantagem das mulheres na família e no mercado de trabalho, a presença da cultura
patriarcal, a mercantilização da saúde e as políticas demográficas.
Ao mesmo tempo, caberá a contribução das autoras Sonia Corrêa e Rosalind
Petchesky (1996). Elas argumentam que considerar os direitos sexuais e reprodutivos
como meras liberdades individuais ou escolhas carece de sentido, especialmente para os
grupos sociais mais desfavorecidos e desprovidos de direitos, que enfrentam condições
concretas que impedem o pleno exercício desses direitos.
É no cenário político de debates sobre a construção de direitos fundamentais no
Brasil que surge a Lei de Planejamento Familiar9 que garante a regulamentação a nível
nacional da esterilização voluntária, tanto feminina quanto masculina, sendo
disponibilizada pelo sistema público de saúde como parte integrante de uma abordagem
mais abrangente de educação sexual e planejamento familiar (Alves, 2017). A lei
representou um avanço significativo na discussão em torno dos direitos reprodutivos das
mulheres, especialmente no contexto das normas estabelecidas no Brasil. O texto legal
aborda diretamente a questão do controle sobre a autonomia do corpo feminino e a
liberdade de escolha em relação à reprodução. Além de alinhar-se a alguns princípios
constitucionais, a lei de esterilização voluntária incorpora o direito à contracepção, à
autodeterminação e à escolha livre sobre os corpos, assim como o direito à informação
clara sobre os procedimentos disponíveis e a serem realizados10, entre outros (Duarte;
Roming, 2022).
Porém, desde a sua implementação a lei foi alvo de duras críticas devido as
diversas ressalvas para a garantia da sua execução, principalmente no que fiz respeito a
idade mínima, número de filhos vivos e necessidade de autorização conjugal para a
realização do procedimento cirúrgico. Como apontam Yamamoto (2011), Duarte e
Roaming (2022) e Goulart e Ribeiro (2023) as mulheres são as maiores responsáves pelo
plajamento familiar e muitas delas vivem relacionamentos abusivos, nos quais seus
parceiros, frequentemente seus próprios cônjuges, cometem diversos atos de violência
contra sua dignidade, intimidade, liberdade, integridade, entre outros, incluindo a recusa
injustificada do procedimento de esterilização voluntária.
Os diálogos que surgiram após a implementação da lei estiveram pautados nas
diversas violências que as mulheres que desejassem realizar a esterelização voluntária
9
A Lei 9.263 de 12 de janeiro de 1996 (BRASIL, 1996) foi criada com a finalidade de regulamentar o §7°
do art. 226 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e é conhecida popularmente como sendo a “lei da
esterilização voluntária” ou a “lei da laqueadura”, e, portanto, torna-se objeto essencial e fundamental ao
presente estudo.
10
Carta das Mulheres para a Constituinte.
estariam submetidas. O que culminou na alteração da referida lei, sendo substituída pela
lei 14.443/22 que traz como uma das maioes propostas a revogação da autorização
conjugal, que, por um lado, concedeu decisão integral sobre o que fazer com seu corpo e,
por outro lado, trouxe indagações sobre as limitações na autonomia reprodutiva das
mulheres, como elucida Goulart e Ribeiro (2023):
Embora a lei tenha avançado no princípio de igualdade por retirar
a permissão do cônjuge, o princípio da autonomia reprodutiva
somente será perfectibilizado quando tiver informações seguras,
claras e sem tendências para sustentar um suposto controle de
natalidade. A redação “com vistas a desencorajar a esterilização
precoce” abre brechas para que a autonomia dos corpos que
gestam não seja, de fato, respeitada. A expressão
“aconselhamento” carrega uma posição moralista e coloca as
pessoas com útero como objetos da proposição legal e não como
sujeitos de direitos que, com base nas informações prestadas e seu
contexto de vida, irá decidir sobre a sua vida sexual e reprodutiva
(pag, 26).
METODOLOGIA
TIPO DE PESQUISA
POPULAÇÃO E AMOSTRA
ASPECTOS ÉTICOS
RISCOS E BENEFÍCIOS
De acordo com a resolução 510/16 sobre ética em pesquisas nas ciências humanas
e sociais, a possibilidade de danos ao pesquisado e pesquisadora são mínimas, podendo
ocorrer como, por exemplo, constrangimento ou desconforto no decorrer da entrevista,
porém tais riscos podem ser minorados pela pesquisadora, a partir do momento que se
admite a questão da recusa em responder qualquer pergunta, bem como a postura ética
adotada pela pesquisadora em disponibilizar meios de contato para possíveis dúvidas.
Ratifica-se que a participação nesta pesquisa não traz complicações legais, uma
vez que os procedimentos adotados na construção do questionário e em sua aplicação
obedecem aos critérios da ética em Pesquisa com Seres Humanos, não oferecendo risco a
sua dignidade.
CRONOGRAMA
Exame de Proficiência x
Revisão da Literatura x x x
Coleta de Dados x
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMÂNCIO, L. O género no discurso das Ciências Sociais. Análise Social, n. 168, p. 687-
714, 2003.
BEAUVOIR, S. O Segundo Sexo: Fatos e Mitos. 12º. ed. Rio de Janeiro: Editora. Nova
Fronteira, 1949.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1995.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, [S.
l.], v. 20, n. 2, 2017. Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: 15 nov.
2023.