Acórdão Bolsonaro X Maria Do Rosário

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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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21/06/2016 PRIMEIRA TURMA

INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : JAIR MESSIAS BOLSONARO
ADV.(A/S) : LYGIA REGINA DE OLIVEIRA MARTAN

EMENTA: PENAL. DENÚNCIA E QUEIXA-CRIME. INCITAÇÃO


AO CRIME, INJÚRIA E CALÚNIA. TRANSAÇÃO PENAL. NÃO
OFERECIMENTO. MANIFESTAÇÃO DE DESINTERESSE PELO
ACUSADO. IMUNIDADE PARLAMENTAR. INCIDÊNCIA QUANTO
ÀS PALAVRAS PROFERIDAS NO RECINTO DA CÂMARA DOS
DEPUTADOS. ENTREVISTA. AUSENTE CONEXÃO COM O
DESEMPENHO DA FUNÇÃO LEGISLATIVA. INAPLICABILIDADE
DO ART. 53 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREENCHIMENTO
DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
QUANTO AOS DELITOS DE INCITAÇÃO AO CRIME E DE
INJÚRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E REJEIÇÃO PARCIAL
DA QUEIXA-CRIME, QUANTO AO CRIME DE CALÚNIA.
1. Os Tratados de proteção à vida, à integridade física e à dignidade
da mulher, com destaque para a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - “Convenção de
Belém do Pará” (1994); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher – “Carta Internacional dos
Direitos da Mulher” (1979); além das conferências internacionais sobre a
mulher realizadas pela ONU – devem conduzir os pronunciamentos do
Poder Judiciário na análise de atos potencialmente violadores de direitos
previstos em nossa Constituição e que o Brasil se obrigou
internacionalmente a proteger.
2. Os direitos humanos, na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, são analisados sob o enfoque de que “em matéria de direitos
humanos, a interpretação jurídica há de considerar, necessariamente, as regras e
cláusulas do direito interno e do direito internacional, cujas prescrições tutelares

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se revelam – na interconexão normativa que se estabelece entre tais ordens


jurídicas – elementos de proteção vocacionados a reforçar a imperatividade do
direito constitucionalmente garantido” (HC 82.424, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Moreira Alves, rel. para Acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 17/09/2003, DJ
19/03/2004).
3. A Lei Maria da Penha inaugurou o novel paradigma que
culminou, recentemente, no estabelecimento de pena mais grave o
Feminicídio, não admite que se ignore o pano de fundo aterrador que
levou à edição dessas normas, voltadas a coibir as cotidianas mortes,
lesões e imposições de sofrimento físico e psicológico à mulher. Não é por
outro motivo que o art. 6º da Lei 11.340/2006 estabelece que “A violência
doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos
direitos humanos” e que, em seu art. 7º, o mesmo diploma preveja a
proteção da mulher contra “a violência psicológica, entendida como qualquer
conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar
suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante,
perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e
limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação”.
4. Discursos que relativizam a gravidade e a abjeção do crime sexual
contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo
estupro, porquanto a característica principal do sistema processual penal
é um profundo desinteresse pela vítima. Deveras, conforme pesquisa de
Claire Sherman Thomas, a defesa do criminoso sexual tende a justificar a
conduta violenta por meio da atribuição de culpa à própria vítima.
5. A violência sexual deve ser lida como um processo consciente de
intimidação pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres em
estado de medo, sendo certo que o estupro é um crime não de luxúria,
mas sim de exercício de violência e poder, conforme conceituação de
aceitação internacional formulada por Susan Brownmiller.
6. O direito exerce importante papel na construção social das

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diversas e variadas subjetividades, donde decorre a necessidade de os


operadores jurídicos considerarem a realidade das relações sociais, com o
fim de consolidar um olhar distinto diante da discriminação e da
violência que caracterizam as relações de gênero no país.
7. A incitação ao crime, enquanto delito contra a paz pública, traduz
afronta a bem jurídico diverso daquele que é ofendido pela prática efetiva
do crime objeto da instigação.
8. A incitação ao crime abrange tanto a influência psíquica, com o
objetivo de fazer surgir no indivíduo (determinação ou induzimento) o
propósito criminoso antes inexistente, quanto a instigação propriamente
dita, que reforça eventual propósito existente. Consectariamente, o tipo
penal do art. 286 do Código Penal alcança qualquer conduta apta a
provocar ou a reforçar a intenção da prática criminosa. Na valiosa lição
de Nelson Hungria, incita a prática do crime aquele que atira a primeira
pedra contra a mulher adúltera.
9. In casu,
(i) o parlamentar é acusado de incitação ao crime de estupro, ao
afirmar que não estupraria uma Deputada Federal porque ela “não
merece”;
(ii) o emprego do vocábulo “merece”, no sentido e contexto
presentes no caso sub judice, teve por fim conferir a este gravíssimo delito,
que é o estupro, o atributo de um prêmio, um favor, uma benesse à
mulher, revelando interpretação de que o homem estaria em posição de
avaliar qual mulher “poderia” ou “mereceria” ser estuprada.
10. A relativização do valor do bem jurídico protegido – a honra, a
integridade psíquica e a liberdade sexual da mulher – pode gerar,
naqueles que não respeitam as normas penais, a tendência a considerar
mulheres que, por seus dotes físicos ou por outras razões, aos olhos de
potenciais criminosos, “mereceriam” ser vítimas de estupro.
11. O desprezo demonstrado pelo bem jurídico protegido (dignidade
sexual) reforça e incentiva a perpetuação dos traços de uma cultura que
ainda subjuga a mulher, com potencial de instigar variados grupos a
lançarem sobre a própria vítima a culpa por ser alvo de criminosos

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sexuais, deixando, a depender da situação, de reprovar a violação sexual,


como seria exigível mercê da expectativa normativa.
12. As recentes notícias de estupros coletivos reforçam a necessidade
de preocupação com discursos que intensifiquem a vulnerabilidade das
mulheres.
13. In casu,
(i) a entrevista concedida a veículo de imprensa não atrai a
imunidade parlamentar, porquanto as manifestações se revelam
estranhas ao exercício do mandato legislativo, ao afirmar que “não
estupraria” Deputada Federal porque ela “não merece”;
(ii) o fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em
que concedeu a entrevista é fato meramente acidental, já que não foi ali
que se tornaram públicas as ofensas, mas sim através da imprensa e da
internet;
(iii) a campanha “#eu não mereço ser estuprada”, iniciada na internet
em seguida à divulgação das declarações do Acusado, pretendeu expor o
que se considerou uma ofensa grave contra as mulheres do país,
distinguindo-se da conduta narrada na denúncia, em que o vocábulo
“merece” foi empregado em aparente desprezo à dignidade sexual da
mulher.
14. (i) A incitação ao crime, por consubstanciar crime formal, de
perigo abstrato, independe da produção de resultado naturalístico.
(ii) A idoneidade da incitação para provocar a prática de crimes de
estupro e outras violências, físicas ou psíquicas, contra as mulheres, é
matéria a ser analisada no curso da ação penal.
(iii) As declarações narradas na denúncia revelam, em tese, o
potencial de reforçar eventual propósito existente em parte daqueles que
ouviram ou leram as declarações, no sentido da prática de violência física
e psíquica contra a mulher, inclusive novos crimes contra a honra de
mulheres em geral.
(iv) Conclusão contrária significaria tolerar a reprodução do discurso
narrado na inicial e, consequentemente, fragilizar a proteção das
mulheres perante o ordenamento jurídico, ampliando sua vitimização.

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15. (i) A imunidade parlamentar incide quando as palavras tenham


sido proferidas do recinto da Câmara dos Deputados: “Despiciendo,
nesse caso, perquirir sobre a pertinência entre o teor das afirmações
supostamente contumeliosas e o exercício do mandato parlamentar”
(Inq. 3814, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, unânime, j. 07/10/2014,
DJE 21/10/2014).
(ii) Os atos praticados em local distinto escapam à proteção da
imunidade, quando as manifestações não guardem pertinência, por um
nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato
parlamentar.
16. A incitação ao crime, mercê da pena máxima de seis meses
prevista no art. 286 do Código Penal, se enquadra no conceito de crime de
menor potencial ofensivo, à luz do art. 61 da Lei 9.099/95.
17. Os benefícios previstos nos arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/95 não
podem ser concedidos pelo Poder Judiciário sem que o titular da ação
penal tenha oferecido a proposta (Inq. 3438, Primeira Turma, Rel. Min.
Rosa Weber, unânime, DJE 10/02/2015). Consecteriamente, abre-se a fase
de análise da viabilidade da denúncia, máxime quando o acusado
manifesta desinteresse na transação penal.
18. O concurso formal, in foco, justifica o julgamento conjunto da
queixa-crime oferecida por crimes de injúria e calúnia.
19. À luz das premissas teóricas anteriormente estabelecidas na
análise do tipo penal do art. 286 do Código Penal, verifica-se a adequação
da conduta ao tipo penal objetivo do crime de injúria, diante da exposição
da imagem da Querelante à humilhação pública, preenchendo, ainda, o
elemento subjetivo do art. 140 do Código Penal, concretizado no animus
injuriandi e no animus offendendi.
20. A dúvida razoável sobre ter sido a resposta proporcional a
eventuais ofensas sofridas não restou comprovada, porquanto não foi
mencionada expressamente qualquer provocação pessoal, direta e
censurável da Querelante ao Querelado, na data dos fatos narrados na
Inicial da Queixa-Crime.
21. O crime de calúnia somente se configura quando seja atribuída à

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vítima a prática de fato criminoso específico, com intenção de ofender sua


reputação (INQ 2084, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
09/09/2005), por isso que, no caso sub examine, a inicial da Queixa-Crime
deve ser parcialmente rejeitada, porquanto não narra de que maneira a
afirmação do Deputado, de que teria sido chamado de “estuprador” pela
Querelante, poderia ter ofendido a honra da Deputada Federal.
22. Ex positis, à luz dos requisitos do art. 41 do Código de Processo
Penal, recebo a denúncia pela prática, em tese, de incitação ao crime; e
recebo parcialmente a queixa-crime, apenas quanto ao delito de injúria.
Rejeito a Queixa-Crime quanto à imputação do crime de calúnia.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da


Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do
Senhor Ministro Luís Roberto Barroso, na conformidade da ata de
julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em receber a
denúncia e, parcialmente, a queixa-crime apenas quanto ao delito de
injúria, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco
Aurélio.
Brasília, 21 de junho de 2016.
LUIZ FUX – RELATOR
Documento assinado digitalmente

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INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. LUIZ FUX


AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : JAIR MESSIAS BOLSONARO
ADV.(A/S) : LYGIA REGINA DE OLIVEIRA MARTAN

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trago a julgamento


conjunto o Inq 3932 e a Pet 5243, ambos ajuizados em face de JAIR
MESSIAS BOLSONARO, tendo em vista manifestações do parlamentar
proferidas no dia 09/12/2014, no Congresso Nacional e, posteriormente,
no dia 10/12/2014, em entrevista concedida ao jornal Zero Hora.

No Inq. 3932, o Ministério Público Federal oferece denúncia,


imputando ao parlamentar a prática do crime definido no art. 286 do
Código Penal (incitação ao crime).

Segundo se extrai da reportagem juntada aos autos (fls. 13/16), o


parlamentar afirmou publicamente que não estupraria a Deputada
Federal Maria do Rosário porque ela não merece. Indagado sobre o
motivo, respondeu: “Não merece porque ela é muito ruim, porque ela é
muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador,
mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece” (fls. 14).

A Procuradora-Geral da República em exercício, Dra. Ela Wiecko,


destacou o seguinte, na denúncia ora em julgamento, verbis:

“Ao afirmar o estupro como prática possível, só obstado para a


Deputada Maria do Rosário, ‘porque ela é muito feia’, o Denunciado
abalou a sensação coletiva de segurança e tranquilidade pela ordem

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jurídica a todas as mulheres, de que não serão vítimas de estupro


porque tal prática é coibida pela legislação penal. Ao dizer que não
estupraria a Deputada porque ela não ‘merece’, o Denunciado
instigou, com suas palavras, que um homem pode estuprar uma
mulher que escolha e que ele entenda ser merecedora do estupro.
Após tais declarações, a Deputada Federal Maria do Rosário
passou a receber várias mensagens de que poderia ser vítima de
estupro, como foto de cartaz postada nas redes sociais, contendo os
seguintes dizeres:
‘Eu estupraria Mª do Rosário... mas c/ os dedos, porque c/
aquela cara, #nemcomviagranaveia’ (notícia em anexo).
Dessa forma, Jair Bolsonaro, de forma livre e consciente, incitou,
publicamente, a prática do crime de estupro, estando incurso nas
penas do art. 286 do Código Penal”.

Em cota à denúncia, a Procuradora-Geral da República em exercício


salientou que “Embora o crime seja de menor potencial ofensivo, deixa de
apresentar proposta de transação penal, tendo em vista o disposto no art. 76, §2º,
III, parte final, da Lei n. 9.099/95, por ser insuficiente a adoção da medida,
considerando os motivos, as circunstâncias e a repercussão do crime”.

Em resposta à denúncia (fls. 60/70), a defesa sustentou,


preliminarmente, que os fatos encontram-se ao abrigo da imunidade
parlamentar material prevista no art. 53 da Constituição Federal.
Argumenta que “não há como desassociar o fato da função atribuída ao
denunciado”, acrescentando que “a entrevista ao jornal Zero Hora foi dada
pelo denunciado em seu Gabinete parlamentar, sito no prédio da Câmara dos
Deputados” e que “o assunto estava diretamente relacionado a outro fato
ocorrido em Plenário daquela Casa Legislativa”. Invoca jurisprudência
segundo a qual “Tratando-se de ofensas irrogadas no recinto do Parlamentar, a
imunidade material do art. 53, caput, da Constituição da República é absoluta”.

No mérito, a defesa alega, inicialmente, que, por se tratar de acusado


que nunca sofreu condenação penal, seria aplicável a proposta de
transação penal – ainda que o imputado não desejasse se beneficiar do

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instituto.

Quanto à classificação típica da conduta, afirma que não estão


presentes os elementos do tipo penal do art. 286 do Código Penal,
argumentando que não teria sido narrada, na denúncia, a instigação de
“pessoas determinadas ou indeterminadas da coletividade a praticar crimes
específicos”.

Defende que “Não há condições de interpretar, na fala do denunciado,


pretensões que denotem qualquer tipo de incentivo à prática de estupro,
tampouco instigação ou encorajamento”.

Salienta, ainda, que “o posicionamento do denunciado acerca do tema


‘estupro’ sempre foi claro e preciso, o que se comprova pela apresentação do
Projeto de Lei nº 5398/2013 (cópia anexa), que aumenta a pena para os crimes de
estupro e estupro de vulnerável, exige que o condenado por esses crimes conclua
tratamento químico voluntário para inibição do desejo sexual como requisito para
obtenção de livramento condicional e progressão de regime” (fls. 66).

Considera que “Se tal tese fosse acatada, por silogismo, poder-se-ia
afirmar que a jornalista Nana Queiroz, idealizadora de um protesto virtual, ao
postar uma foto em rede social em que aparece sem camiseta e com a frase ‘EU
NÃO MEREÇO SER ESTUPRADA’, escrita no corpo (foto anexa), também
estaria instigando que outras mulheres merecessem e incitando, assim, a prática
de estupro” (fls. 67).

Aduz que “Igualmente, frase também costumeiramente utilizada em


campanhas e pronunciamentos de que nenhuma mulher merece ser estuprada
poderia levar ao entendimento de que homens mereçam, o que não condiz com o
pensamento da totalidade das pessoas de bem”.

A defesa conclui que “Os esclarecimentos visavam restabelecer a


verdadeira versão do que tinha ocorrido, ou seja, a Deputada Maria do Rosário,

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que antecedeu o denunciado em discurso na sessão da Câmara dos Deputados,


como sempre faz, ofendeu de forma grosseira as forças Armadas, apesar de saber
que seu sucessor é publicamente o defensor dessas Instituições”, razão pela qual
“enquanto o denunciado ocupava o púlpito para rebater as ofensas, a Deputada
Maria do Rosário abandonou, apressadamente, o plenário, tendo motivado a
reação já descrita na denúncia da PGR".

Por fim, esclarece que sindicância instaurada pela Corregedoria da


Câmara dos Deputados concluiu pela inexistência de ilicitude nas
declarações, “firmando-se entendimento de que se tratou de mera discussão com
opiniões divergentes”.

Tendo em vista a juntada de documentação pela defesa, o Ministério


Público Federal fez juntar nova petição aos autos, na qual justificou a
impossibilidade de oferecimento da transação penal no caso e pugnou
pelo recebimento da denúncia (fls. 171/180).

Por seu turno, a Petição 5243 cuida de Queixa-Crime ajuizada por


Maria do Rosário Nunes, Deputada Federal, em face de Jair Messias
Bolsonaro, imputando-lhe a prática dos crimes de calúnia e injúria, em
discurso no plenário da Câmara dos Deputados no dia 09/12/2014, e novo
crime de injúria, por ocasião da entrevista concedida ao Jornal Zero Hora
no dia 10/12/2014 (art. 138, caput e §1º, e art. 140, c/c art. 141, caput e
incisos II e III; c/c artigo, 70, parágrafo único, todos do Código Penal).

Nos termos da inicial, os crimes de calúnia e injúria teriam se


consumado no momento em que o Querelado, fazendo referência a fatos
ocorridos onze anos antes (em novembro de 2003), afirmou o seguinte em
discurso realizado no plenário da Câmara dos Deputados: “Há poucos dias
você me chamou de estuprador no Salão Verde e eu falei que eu não estuprava
você porque você não merece. Fique aqui para ouvir”; adiante, disse: “Maria do
Rosário, por que não falou sobre sequestro, tortura, execução do Prefeito Celso
Daniel do PT? Nunca ninguém falou nada sobre isso aqui e estão tão

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preocupados com os direitos humanos... Vá catar coquinho! Mentirosa deslavada


e covarde” (fls. 04/05).

A Querelante argumenta que jamais utilizou a palavra estuprador


para se referir ao Deputado Jair Bolsonaro.

Afirma que, na ocasião referida pelo Querelado, a qual ocorreu “na


data de 11 de novembro de 2003, a Deputada Federal Maria do Rosário concedia
entrevista para uma emissora de televisão no Salão Verde da Câmara dos
Deputados, o então Deputado Federal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),
Jair Bolsonaro – agressor contumaz dos defensores de direitos humanos -, faz
diversas provocações à parlamentar, que acabara por declarar que, com sua
postura, o Deputado Jair Bolsonaro ‘promove essas violências’”, momento em
que o próprio Deputado pergunta “eu sou o estuprador agora?”.

Por tal motivo, sustenta que “o Deputado Federal do PP, Jair Bolsonaro,
fez afirmações de teor ameaçador, incitador de violência contra a dignidade
sexual, as quais ostentam, a um só tempo, configuração criminal de opinião
caluniosa e injuriosa, que, induvidosamente, destinam-se a ofender a dignidade
sexual, a honra e a cidadania da ora Querelante” (fls. 06).

Além disso, a inicial imputa ao Querelado novo crime de injúria,


configurado pela entrevista concedida ao Jornal Zero Hora, em que
afirmou que “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia.
Não faz meu gênero. Jamais a estupraria”.

Salienta que, em razão dessas declarações do Querelado, seguiram-


se manifestações de leitores e internautas nos seguintes termos (conforme
documentos juntados à inicial):

“Mas aí essa puta naum defende bandido que que tem ele dá
uma estupradinha nela?”;
“Eu estupraria Maria do Rosário, mas com os dedos, porque
com aquela cara nem com Viagra”.

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Acrescenta, ainda, que “o Deputado postou, na mesma data do fato, 09 de


dezembro, em sua página oficial no canal youtube, um vídeo editado com o
título ‘Bolsonaro escova Maria do Rosário’. O vídeo entremeia o discurso em
plenário da Deputada com fotos de manifestações pró-ditadura, então, aparece a
fala injuriosa do Deputado em plenário, entremeada ainda com a discussão
ocorrida há 11 anos. O vídeo já foi visto por 290.004 pessoas. Mais uma vez,
resta clara a intenção injuriosa do Deputado, seu desprezo para com as
instituições e sua certeza de impunidade” (fls. 08).

Argumenta que não incidiria, no caso, a imunidade parlamentar,


porquanto “a imunidade material prevista na Carta Magna não é absoluta, pois
somente se verifica nos casos em que a conduta possa ter alguma relação com o
exercício do mandato parlamentar”.

Intimado, o Querelado apresentou Resposta Preliminar às fls. 54/66.

Preliminarmente, sustenta que os fatos estão abarcados pela


imunidade parlamentar assegurada na Constituição.

Salienta que “não há como desassociar o fato da função atribuída ao


querelado” e que “a entrevista ao jornal Zero Hora foi dada pelo querelado em
seu Gabinete parlamentar, sito no prédio da Câmara dos Deputados, e não como
falsamente afirma a querelante à fl. 7, que tal ato foi praticado fora do ambiente
daquela Casa Legislativa. O entrevistador sempre a ele se dirige nominando-o,
em todas as oportunidades, de Deputado e o assunto estava diretamente
relacionado a outro fato ocorrido em Plenário da Câmara daquela Casa
Legislativa”.

No mérito, diz que no episódio ocorrido em 2003, quem concedia


entrevista no Salão Verde era o Querelado, e não a Querelante, que “se
aproximou e tumultuou a sua fala” (fls. 57). E complementa alegando que
suas afirmações teriam se dado em legítima resposta à ofensa então

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recebida, in verbis (fls. 58):

“7. Encerrando a entrevista que concedida, a convite, à Rede TV,


em função do ato bárbaro praticado pelo então menor conhecido como
‘Champinha’, que por 5 dias estuprou e executou uma jovem de 16
anos, episódio de ampla repercussão nacional, concluiu que só
acreditaria naqueles que fossem contra a redução da maioridade penal
(caso da querelante, que assistia à entrevista enquanto aguardava sua
vez de falar) se esses empregassem em sua residência o menor em
questão.
8. A querelante, que era e continua sendo contra a redução da
maioridade penal e que deveria estar emocionalmente abalada por ter
tomado conhecimento que um cunhado havia sido preso por
exploração sexual de menores (duas meninas com 11 e 15 anos),
ocorrido dias antes (30/10/2003), passou a responsabilizar o querelado
pelos crimes que estavam acontecendo, dentre eles os de estupro.
[...]
10. Em resumo, naquela oportunidade, é possível atestar o
seguinte diálogo:
Maria do Rosário: O senhor é responsável por essas mortes
todas... por estupro, por essa violência.
Jair Bolsonaro: Estupro?
Maria do Rosário: É. O senhor é que promove sim.
Jair Bolsonaro: Grava aí. Grava aí. Eu sou estuprador agora. Eu
sou estuprador.
Maria do Rosário: É. É sim.
Jair Bolsonaro: Olha. Jamais iria estuprar você porque você não
merece.
Maria do Rosário: Eu lhe dou uma bofetada na cara.
Jair Bolsonaro: Dá que eu lhe dou outra.
Seguem-se ofensas.
11. Ora, a querelante afirma que jamais utilizou a palavra
‘estuprador’ para se referir à pessoa do querelado. Mas nem precisava.
Sua concordância se deu de forma fria, calculista e pausada, ao
responder uma pergunta motivada por suas insinuações de atribuições
de responsabilidade por diversos crimes ao seu interlocutor.

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Relatório

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INQ 3932 / DF

12. Se a reação do querelado, à época, não foi polida, é


inquestionável que foi desproporcional, para menos, à ofensa recebida.
Não há como mensurar acusações de prática de diversos crimes, dentre
eles o de estuprador, com reação de ofensa pessoal”.

Quanto aos fatos ocorridos em dezembro de 2014, diz que teria


apenas respondido ao discurso da Querelante, que o antecedeu no
púlpito, sustentando que “com tom provocativo, a querelante ofendeu
grosseiramente as Forças Armadas brasileiras, conforme se verifica com as notas
taquigráficas anexas, talvez por saber que o querelado, que iria discursar em
seguida, seja membro, com muito orgulho, de uma delas” (fls. 59).

Sublinha que, “Após a saída da querelante, o querelado não trouxe ao


mundo dos fatos declarações novas, que pudessem ser interpretadas e
enquadradas como tipos penais caracterizadores de crimes contra a honra, tendo,
apenas, feito alusão ao fato ocorrido em 2003”.

Ressalta que a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados “concluiu


pela inexistência de ilicitude, firmando-se entendimento de que se tratou de mera
discussão com opiniões divergentes”.

Quanto à entrevista concedida ao Jornal Zero Hora, afirma que


“tinha como objetivo esclarecer os fatos ocorridos no dia anterior” e que, por
isso, guardou identidade com a atuação do querelado como Deputado
Federal.

Considera que “os termos ‘ruim’, ‘muito feia’ e ‘não faz meu gênero’ não
podem ser considerados ofensivos, ou será que temos que achar que todos são
bons, bonitos e que fazem nosso gênero?” (fls. 61).

Quanto às manifestações de leitores e postagens nas redes sociais,


diz que se cuida de consequência característica quando o fato envolve
pessoas públicas e que, “em virtude de manifestações agressivas ao querelado,
inclusive por parte da querelante, este também é vítima de ofensas graves e

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Relatório

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INQ 3932 / DF

ameaçadoras em diversas redes sociais”.

Quanto à configuração típica dos fatos, argumenta que não estão


presentes, na hipótese, o animus caluniandi ou animus diffamandi, pois
“Não há como considerar expressões eventualmente insultuosas, proferidas em
clima de debate e no exercício do direito de crítica ou censura profissional, ainda
que veementes, como determinantes para caracterização de crimes contra a
honra”. E acrescenta, relativamente ao crime de calúnia, que, para sua
caracterização, “o agente tem de fazer, ao menos, referência ao lugar ou ao
tempo, a fim de que a imputação não se configure como mero insulto, e sim como
calúnia” (fls. 65).

Por fim, sustenta que “na realidade, a querelante, por birra e em virtude
das posições políticas contrárias do querelado, traz ao Poder Judiciário problema
que poderia ser resolvido na esfera do próprio Legislativo”.

Ouvida, a Procuradora-Geral da República em exercício opinou pelo


prosseguimento da ação penal apenas quanto ao crime de injúria, em
parecer assim ementado (fls. 156/161):

“PENAL. PROCESSO PENAL. QUEIXA-CRIME. CRIME


CONTRA A HONRA. DEPUTADO FEDERAL.
A imunidade parlamentar, nos âmbitos civil e penal, pressupõe
nexo de causalidade com o exercício do mandato, quer as declarações
tenham sido prestadas dentro ou fora da Casa Legislativa.
Declarações que não constituem imputação da prática de fato
determinado como crime, mas atentatórias à honra.
Parecer pelo prosseguimento da ação penal”.

É o relatório.

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 52

21/06/2016 PRIMEIRA TURMA

INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

ANTECIPAÇÃO AO VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) - Senhor


Presidente, egrégia Turma, ilustre Representante do Ministério Público,
Senhores Advogados.
Eu, preliminarmente, Senhor Presidente, gostaria de destacar a
desenvoltura e a profundidade com que ambos os Advogados
sustentaram as suas razões da tribuna.
Eu gostaria de fazer, apenas, algumas observações que estão um
pouco fora do voto e da apreciação do tema que é objeto da nossa
deliberação, porquanto foram, digamos assim, suscitados aqui da tribuna.
Em primeiro lugar, eu gostaria de esclarecer aos Colegas que nós não
vamos apreciar o fato pretérito de 2003, que aqui foi mencionado, até
porque isso já estaria consumido pelo lapso prescricional, esse embate
ideológico que ambos os Advogados esclareceram.
Em segundo lugar, muito embora cada um dos autores tenha uma
posição ideológica em relação aos direitos humanos, eu gostaria de
relembrar a todos aqui que, tendo em vista a qualidade profissional de
um dos protagonistas do feito, o Supremo Tribunal Federal tem sido
extremamente deferente com o regime de hierarquia e disciplina do
Exército brasileiro e tem adotado na sua jurisprudência a contemplação
da diferença das prerrogativas que ocorrem no processo penal militar e
no processo penal comum, exatamente, em razão desse respeito às regras
constitucionais que caracterizam a instituição como uma instituição que
deve se pautar pela hierarquia e pela disciplina. Os nossos acórdãos são
nesse sentido.
Então, também, não está aqui em julgamento a instituição do nobre
Exército brasileiro.
Por fim, também, nós não nos incumbiríamos de dedicar à tarefa
jurisdicional a aferição da antijuridicidade de um juízo de valor sobre a
beleza humana. Não é isso que está em jogo. Se a deputada ostentava ou

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Antecipação ao Voto

Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 52

INQ 3932 / DF

não uma figura bela ou não, não é essa a hipótese dos autos.
Feitas essas observações, então, passo ao voto que, como se trata de
uma questão delicada, eu peço vênia aos Colegas para fazer a leitura
daquilo que eu reputo essencial para que possam, eventualmente,
especular junto comigo sobre a proposta de voto que eu trago.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 52

21/06/2016 PRIMEIRA TURMA

INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Conforme relatado, o


Deputado Federal JAIR MESSIAS BOLSONARO é acusado da prática de
incitação ao crime, injúria e calúnia, tendo em vista declarações
proferidas da tribuna da Câmara dos Deputados e, no dia seguinte,
divulgada em entrevista concedida pelo acusado ao Jornal Zero Hora,
quando afirmou que a Deputada Federal Maria do Rosário “não merece”
ser estuprada, por ser muito ruim, muito feia, não fazer seu gênero,
acrescentando que, se fosse estuprador, não iria estuprá-la porque ela não
merece.

O concurso formal, in foco, justifica o julgamento conjunto da


denúncia e da queixa-crime oferecidas.

I
Transação penal: não formalização da proposta pelo Ministério Público
e desinteresse do acusado quanto ao benefício

Preliminarmente, anoto que não foi formalizada proposta de


transação penal no caso concreto, embora se cuide de crime de menor
potencial ofensivo.

In casu, o Ministério Público Federal entendeu incabível o benefício,


ao fundamento de que “a escolha da agressão ligada à dignidade sexual de
uma mulher [...], associada ao seu discurso complementar de defesa da
desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, demonstram a
intenção do denunciado em atingir não só a Deputada Federal, mas todas as
mulheres”.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 52

INQ 3932 / DF

Além disso, assinala que “a conduta foi praticada por pessoa que, como
menciona a própria defesa, tem imagem pública. Assim, suas declarações têm o
condão de atingir muitas pessoas, razão pela qual a incitação do crime, no caso
dos autos, ganhou ainda mais projeção”.

Os casos de descabimento da proposta de transação estão


disciplinados no art. 76, §2º, da Lei 9.099/95, cujo inciso III estabelece o
seguinte, verbis:

“Art. 76. §2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:


III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a
personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser
necessária e suficiente a adoção da medida”.

É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal a respeito


da impossibilidade de o Poder Judiciário conceder os benefícios previstos
no art. 76 e 89 da Lei nº 9.099/95 sem que o titular da ação penal tenha
oferecido a proposta (Inq. 3438, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber,
unânime, DJE 10/02/2015).

Ademais, in casu, o próprio acusado esclareceu que, embora cabível,


não aceitaria transação penal.

Como é cediço, à luz do art. 77 da Lei 9.099/95, a solução é única: (1)


tanto em caso de não oferecimento da transação penal, por ausência dos
requisitos legais, (2) quanto em caso de não aceitação da proposta pelo
acusado, impõe-se o oferecimento da denúncia, verbis: “Na ação penal de
iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor
do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o
Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não
houver necessidade de diligências imprescindíveis”.

Portanto, inexiste litígio a ser resolvido sobre a matéria, devendo ser


analisado o mérito da imputação narrada na inicial acusatória.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 52

INQ 3932 / DF

II
Imunidade Parlamentar: não incidência quanto à entrevista concedida
ao Jornal Zero Hora

A defesa sustentou que os fatos narrados na denúncia foram


praticados no exercício de atividade parlamentar e nas dependências do
Congresso Nacional, a impedir responsabilização cível ou penal,
considerado o manto da imunidade material estabelecida no art. 53 da
Constituição Federal.

Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a


garantia constitucional da imunidade material protege o parlamentar,
qualquer que seja o âmbito espacial (locus) em que exerça a liberdade de
opinião, sempre que suas manifestações guardem conexão com o
desempenho da função legislativa ou tenham sido proferidas em razão
dela (prática in officio e propter officium, respectivamente). Neste
sentido, vejam-se os seguintes acórdãos:

“CRIME CONTRA A HONRA. PARLAMENTAR.


OFENSAS IRROGADAS QUE NÃO GUARDAM NEXO
COM O EXERCÍCIO DO MANDATO. CONSEQUENTE
INAPLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 53 DA CF.
CRIME DE INJÚRIA PRATICADO CONTRA FUNCIONÁRIO
PÚBLICO EM RAZÃO DE SUAS FUNÇÕES. LEGITIMIDADE
CONCORRENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SÚMULA 714
DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPRESENTAÇÃO.
ATO QUE DISPENSA MAIORES FORMALIDADES.
TRANSAÇÃO PENAL. IMPOSIBILIDADE DE O PODER
JUDICIÁRIO CONCEDER O BENEFÍCIO SEM A PROPOSTA
DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. FORO POR
PRERROGATIVA DE FUNÇÃO QUE ABRANGE TAMBÉM A
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. NULIDADE DE
DEPOIMENTOS COLHIDOS POR AUTORIDADE
INCOMPETENTE. INQUÉRITO PARA APURAR CRIME

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 52

INQ 3932 / DF

IMPUTADO A DEPUTADO FEDERAL. SUPERVISÃO QUE


COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DENÚNCIA
QUE, MESMO EXCLUÍDAS AS PROVAS PRODUZIDAS POR
AUTORIDADE INCOMPETENTE, ESTÁ LASTREADA EM
INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTES
PARA SEU RECEBIMENTO.
1. A inviolabilidade dos Deputados Federais e
Senadores, por opiniões palavras e votos, prevista no art. 53
da Constituição da Republica, é inaplicável a crimes contra a
honra cometidos em situação que não guarda liame com o
exercício do mandato.
2. O Ministério Público tem legitimidade ativa concorrente
para propor ação penal pública condicionada à representação
quando o crime contra a honra é praticado contra funcionário
público em razão de suas funções. Nessa hipótese, para que se
reconheça a legitimação do Ministério Público exige-se
contemporaneidade entre as ofensas irrogadas e o exercício das
funções, mas não contemporaneidade entre o exercício do cargo
e a propositura da ação penal.
3. A representação, nos crimes de ação penal pública
condicionada, é ato que dispensa maiores formalidades,
bastando a inequívoca manifestação de vontade da vítima, ou
de quem tenha qualidade para representá-la, no sentido de ver
apurados os fatos acoimados de criminosos.
4. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal
Federal a respeito da impossibilidade de o Poder Judiciário
conceder os benefícios previstos no art. 76 e 89 da Lei nº
9.099/95 sem que o titular da ação penal tenha oferecido a
proposta.
5. A competência originária do Supremo Tribunal Federal
para processar e julgar parlamentar federal alcança a
supervisão de investigação criminal. Atos investigatórios
praticados sem a supervisão do STF são nulos.
6. Denúncia que descreve fato típico e que está lastreada
em indícios suficientes de autoria e materialidade, ainda que
desconsiderados os colhidos por autoridade incompetente.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 52

INQ 3932 / DF

7. Denúncia recebida” (Inq. 3438, Primeira Turma, Rel.


Min. Rosa Weber, DJE 10/02/2015).

“DENÚNCIA. CRIME CONTRA A HONRA.


DECADÊNCIA DO DIREITO À REPRESENTAÇÃO. PRAZO.
SEIS MESES A CONTAR DA DATA EM QUE A VÍTIMA
TOMOU CIÊNCIA DOS FATOS OU DE QUEM É SEU AUTOR.
ALEGAÇÃO DE INÉPCIA IMPROCEDENTE.
PARLAMENTAR. OFENSAS IRROGADAS QUE NÃO
GUARDAM NEXO COM O EXERCÍCIO DO MANDATO.
CONSEQUENTE INAPLICABILIDADE DA REGRA DO ART.
53 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DOLO. ANÁLISE
QUE, EM PRINCÍPIO, DEMANDA INSTRUÇÃO
PROBATÓRIA.
1. Nos crimes de ação penal pública condicionada, a
decadência do direito à representação conta-se da data em que
a vítima tomou conhecimento dos fatos ou de quem é o autor
do crime. Hipótese em que, à míngua de elementos probatórios
que a infirme, deve ser tida por verídica a afirmação da vítima
de que somente tomou conhecimento dos fatos decorridos
alguns meses.
2. Não é inepta a denúncia que descreve fatos típicos
ainda que de forma sucinta, cumprindo os requisitos do art. 41
do Código de Processo Penal.
3. A inviolabilidade dos Deputados Federais e
Senadores por opiniões palavras e votos, consagrada no art. 53
da Constituição da Republica, é inaplicável a crimes contra a
honra cometidos em situação que não guarde liame com o
exercício do mandato.
4. Não impede o recebimento da denúncia a alegação de
ausência de dolo, a qual demanda instrução probatória para
maior esclarecimento.
5. Denúncia recebida” (Inq. 3672, Primeira Turma, Rel.
Min. Rosa Weber, DJE 21/11/2014).

“CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 52

INQ 3932 / DF

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE


PARLAMENTAR MATERIAL. ENTREVISTA
JORNALÍSTICA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A
MANIFESTAÇÃO E O EXERCÍCIO DO MANDATO.
INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DE DEVER DE REPARAÇÃO
CIVIL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A imunidade parlamentar material, que confere
inviolabilidade, na esfera civil e penal, a opiniões, palavras e
votos manifestados pelo congressista (CF, art. 53, caput), incide
de forma absoluta quanto às declarações proferidas no recinto
do Parlamento.
2. Os atos praticados em local distinto escapam à
proteção absoluta da imunidade, que abarca apenas
manifestações que guardem pertinência, por um nexo de
causalidade, com o desempenho das funções do mandato
parlamentar.
3. Sob esse enfoque, irretorquível o entendimento
esposado no Inquérito 1.024-QO, Relator o Ministro Celso de
Mello, DJ de 04/03/05, verbis: “E M E N T A: IMUNIDADE
PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL
(INVIOLABILIDADE) - SUPERVENIÊNCIA DA EC 35/2001 -
ÂMBITO DE INCIDÊNCIA - NECESSIDADE DE QUE OS
‘DELITOS DE OPINIÃO’ TENHAM SIDO COMETIDOS NO
EXERCÍCIO DO MANDATO LEGISLATIVO OU EM RAZÃO
DELE -INDISPENSABILIDADE DA EXISTÊNCIA DESSE
NEXO DE IMPLICAÇÃO RECÍPROCA - AUSÊNCIA, NA
ESPÉCIE, DESSE VÍNCULO CAUSAL - OCORRÊNCIA DA
SUPOSTA PRÁTICA DELITUOSA, PELO DENUNCIADO, EM
MOMENTO ANTERIOR AO DE SUA INVESTIDURA NO
MANDATO PARLAMENTAR - CONSEQÜENTE
INAPLICABILIDADE, AO CONGRESSISTA, DA GARANTIA
DA IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL - QUESTÃO DE
ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DE REJEITAR A
OCORRÊNCIA DA ‘ABOLITIO CRIMINIS’ E DE ORDENAR A
CITAÇÃO DO CONGRESSISTA DENUNCIADO. - A garantia
constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF,

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 52

INQ 3932 / DF

art. 53, ‘caput’) - que representa um instrumento vital destinado a


viabilizar o exercício independente do mandato representativo -
somente protege o membro do Congresso Nacional, qualquer que seja o
âmbito espacial (‘locus’) em que este exerça a liberdade de opinião
(ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa), nas hipóteses
específicas em que as suas manifestações guardem conexão com o
desempenho da função legislativa (prática ‘in officio’) ou tenham sido
proferidas em razão dela (prática ‘propter officium’), eis que a
superveniente promulgação da EC 35/2001 não ampliou, em sede
penal, a abrangência tutelar da cláusula da inviolabilidade. - A
prerrogativa indisponível da imunidade material - que
constitui garantia inerente ao desempenho da função
parlamentar (não traduzindo, por isso mesmo, qualquer
privilégio de ordem pessoal) - não se estende a palavras, nem a
manifestações do congressista, que se revelem estranhas ao
exercício, por ele, do mandato legislativo. - A cláusula
constitucional da inviolabilidade (CF, art. 53, ‘caput’), para
legitimamente proteger o parlamentar, supõe a existência do
necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações
moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao
ofício congressional, de outro. Doutrina. Precedentes. - A
situação registrada nos presentes autos indica que a data da suposta
prática delituosa ocorreu em momento no qual o ora denunciado ainda
não se encontrava investido na titularidade de mandato legislativo.
Conseqüente inaplicabilidade, a ele, da garantia da imunidade
parlamentar material”.
4. In casu, não há como visualizar a ocorrência de nexo
de causalidade entre as manifestações da agravante e as
funções parlamentares por ela exercidas, já que os
comentários acerca da vida privada do agravado em entrevista
jornalística, atribuindo-lhe a prática de agressões físicas
contra a esposa e vinculando o irmão deste a condutas
fraudulentas, em nada se relacionam com o exercício do
mandato. A hipótese não se encarta na imunidade
parlamentar material, por isso que viável a pretensão de
reparação civil decorrente da entrevista concedida.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 52

INQ 3932 / DF

5. Agravo regimental desprovido” (RE 299.109-AgR,


Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 01/06/2011).

Para que as afirmações feitas pelo parlamentar possam ser


relacionadas ao exercício do mandato, elas devem revelar teor
minimamente político, referido a fatos que estejam sob debate público,
sob investigação do Congresso Nacional (CPI) ou dos órgãos de
persecução penal ou, ainda, sobre qualquer tema que seja de interesse de
setores da sociedade, do eleitorado, organizações ou quaisquer grupos
representados no parlamento ou com pretensão à representação
democrática.

Consequentemente, não há como relacionar ao desempenho da


função legislativa (prática in officio), ou de atos praticados em razão do
exercício de mandato parlamentar (prática propter officium), as palavras e
opiniões meramente pessoais, sem relação com o debate democrático de
fatos ou ideias e, portanto, sem vínculo com o exercício das funções
cometidas a um Parlamentar.

In casu, cuida-se de declarações que, a toda evidência, não guardam


qualquer relação com o exercício do mandato.

Vale anotar que as primeiras declarações foram reverberadas da


tribuna da Câmara dos Deputados, aproveitando-se de momento em que
o parlamentar manifestaria suas críticas à comemoração do Dia
Internacional dos Direitos Humanos.

Deveras, não obstante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal


tenha entendimento no sentido da impossibilidade de responsabilização
do parlamentar quando as palavras tenham sido proferidas no recinto da
Câmara dos Deputados, in casu as declarações foram proferidas em
entrevista a veículo de imprensa, não incidindo, assim, a imunidade.

Com efeito, o denunciado decidiu, ainda, conceder uma entrevista a

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 52

INQ 3932 / DF

diário de circulação nacional (Jornal Zero Hora). Na entrevista, o acusado


voltou a registrar que a Deputada Federal Maria do Rosário não merecia
ser estuprada, por ser uma mulher cujos dotes físicos ou intelectuais não
o atraiam.

O fato de o parlamentar estar em seu gabinete no momento em que


concedeu a entrevista é fato meramente acidental, já que não foi ali que se
tornaram públicas as ofensas, mas sim através da imprensa e da internet.

Portanto, cuidando-se de declarações firmadas em entrevista


concedida a veículo de grande circulação, cujo conteúdo não se relaciona
à garantia do exercício da função parlamentar, não incide a imunidade
prevista no art. 53 da Constituição Federal.

III
Mérito: art. 41 do Código de Processo Penal

Passo à análise da viabilidade da acusação e do início da ação penal


quanto ao fato imputado ao parlamentar.

A defesa sustenta a atipicidade da conduta de incitação ao crime


atribuída ao parlamentar, alegando que não houve incitação à prática do
crime e que afirmações genéricas não são suficientes para o
preenchimento das elementares típicas do art. 286 do Código Penal.

A título de premissa teórica, registro que o tipo penal do art. 286 do


Código Penal está inserido no Título dos crimes contra a paz pública,
denominação que busca dar ênfase “ao aspecto subjetivo da ordem pública,
que seria o sentimento de paz e tranquilidade social”, denominação
empregada também pelos códigos penais francês, suíço e uruguaio
(BITENCOURT, C. R. Tratado de direito penal – parte especial. Vol. 3. 3ª
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 211).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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INQ 3932 / DF

A incitação ao crime encontra-se assim tipificada em nosso Código


Penal:
“Incitação ao crime
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa”.

O bem jurídico tutelado é, na lição de Magalhães Noronha, diverso


“daquele que é ofendido pelo crime objeto da instigação, v. g.,
linchamento, assalto etc.” (MAGALHÃES NORONHA, E. Direito Penal,
v. 4. 10ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1978, p. 88).

Deveras, “Sebastian Soler já reconhecia que não se trata da proteção


direta de bens jurídicos primários, mas de formas de proteção mediata
daqueles, como se fora uma espécie de bens jurídicos secundários, pois se
enfrenta uma das condições favoráveis à prática de graves danos para a ordem e a
perturbação sociais” (BITENCOURT, 2009, p. 214).

Assim, a incitação ao crime não envolve um ataque concreto ao bem


jurídico protegido, mas sim destina-se a proteger o valor desse bem
jurídico do crime objeto de incitação.

Pode-se afirmar, portanto, no caso de incitação do crime de estupro,


que a conduta estará preenchida quando o valor do bem jurídico
protegido pelo crime de estupro for diminuído, o que,
consequentemente, incitaria a sua prática.

De acordo com a doutrina especializada, “O conceito de incitação


abrange tanto a influência psíquica, com o objetivo de fazer surgir no indivíduo
(determinação ou induzimento) o propósito criminoso antes inexistente, quanto a
instigação propriamente dita, que reforça eventual propósito existente. De
qualquer sorte, é fundamental que a ação do agente se limite a esse ‘estímulo’,
sem a efetiva e direta intervenção na deliberação concreta do agir do incitado, sob
pena de aquele transformar-se em verdadeiro e comum partícipe do crime
incitado” (BITENCOURT, 2009, p. 217).

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Voto - MIN. LUIZ FUX

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INQ 3932 / DF

Noutro passo, a interpretação das normas jurídicas deve conferir


máxima eficácia aos direitos humanos e fundamentais, à luz do direito
interno e das Convenções e Tratados Internacionais internalizados em
nosso ordenamento.

Os Tratados de proteção à vida, à integridade física e à dignidade da


mulher, com destaque para a Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - “Convenção de Belém do
Pará” (1994); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher – “Carta Internacional dos Direitos da
Mulher” (1979); além das conferências internacionais sobre a mulher
realizadas pela ONU – devem conduzir os pronunciamentos do Poder
Judiciário na análise de atos potencialmente violadores de direitos
previstos em nossa Constituição e que o Brasil se obrigou
internacionalmente a proteger.

Releva, portanto, reportarmo-nos ao paradigma legal inaugurado


com a Lei Maria da Penha1 e que culminou, recentemente, no
estabelecimento de pena mais grave o Feminicídio2.

1 Lei 11.340/2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de
Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
2 Código Penal
Art. 121. [...]
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
[...]
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
[...]
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

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INQ 3932 / DF

Ademais, cuida-se de normas legais exsurgidas de um pano de


fundo aterrador, de cotidianas mortes, lesões e imposição de sofrimento
físico e psicológico à mulher em nosso país.

Não é por outro motivo que o art. 6º da Lei 11.340/2006 estabelece


que “A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas
de violação dos direitos humanos”.

Por seu turno, o art. 7º da Lei Maria da Penha prevê:

“Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a


mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que
ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta
que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões,
mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à
saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a
induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta
que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;

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V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que


configure calúnia, difamação ou injúria”.

In casu, vejam-se as manifestações postadas nas redes sociais na


Internet logo depois da entrevista concedida pelo acusado:

Eu estupraria Mª do Rosário... mas c/ os dedos, porque c/ aquela


cara, #nemcomviagranaveia (notícia em anexo).

Mas aí essa puta naum defende bandido que que tem ele dá uma
estupradinha nela? ;

Eu estupraria Maria do Rosário, mas com os dedos, porque com


aquela cara nem com Viagra .

Nota-se que, ao menos em tese, a manifestação do Acusado tem o


potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade e à
violência, física, sexual, psicológica, inclusive novos crimes contra a honra
da vítima e de mulheres em geral – porquanto praticado por um
Parlamentar, que não pode desconhecer os tipos penais de lei oriunda da
Casa Legislativa onde exerce seu munus público.

Ora, para empregar as palavras do eminente Ministro Celso de


Mello, “em matéria de direitos humanos, a interpretação jurídica há de
considerar, necessariamente, as regras e cláusulas do direito interno e do direito
internacional, cujas prescrições tutelares se revelam – na interconexão normativa
que se estabelece entre tais ordens jurídicas – elementos de proteção vocacionados
a reforçar a imperatividade do direito constitucionalmente garantido” (HC
82.424, Plenário).

No tema da proteção a ser conferida à mulher tanto pelas leis quanto


pelo segmento jurídico, merece destaque a obra de Susan Brownmiller,
Against Our Will: Men, Women and Rape 3, de 1975, que estabeleceu um

3 Em tradução livre: “Contra a nossa vontade: homens, mulheres e estupro”.

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INQ 3932 / DF

novo paradigma para a compreensão pública e o debate sobre crimes


sexuais.

Internacionalmente, considera-se que a publicação desse estudo


influenciou a definição legal do crime de estupro nos Estados Unidos e no
mundo, especialmente a partir da concepção desenvolvida pela autora de
que a violência sexual deve ser lida como “um processo consciente de
intimidação pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres em estado de
medo”4, com ênfase para a seguinte constatação: “O estupro é um crime não
de luxúria, mas sim de [exercício de] violência e poder”5 (BROWNMILLER,
Susan. Against our will: men, women and rape. New York: Simon &
Schuster, 1975, p. 15). A partir da tese de Susan Brownmiller,
compreende-se que a ameaça perene do estupro mantém todas as
mulheres em situação de subordinação.

Conforme observação de Flávia Piovesan, o tema dos direitos


sexuais ainda é cercado de silêncio, invisibilidade e tabu (in Cadernos
Themis Gênero e Direito - Direitos Sexuais, Ano III, nº 3 (dez. 2002).
Porto Alegre: Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, 2002, p. 7).

À sombra de uma sociedade que vive um “estado de coisas”


inconstitucional, com a banalização desse mal maior contra a liberdade
da mulher, discursos que relativizam a gravidade e a abjeção do crime
sexual contribuem para agravar a vitimização secundária produzida pelo
estupro, porquanto, no dizer da especialista Rúbia Abs da Cruz, “hoje, a
característica principal do sistema processual penal, quando está em julgamento
a violência sexual, é um profundo desinteresse pela vítima” (CRUZ, Rúbia
Abs da. “Os crimes sexuais e a prova material”. In Cadernos Themis Gênero
e Direito - Direitos Sexuais, Ano III, nº 3 (dez. 2002). Porto Alegre:
Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, 2002, p. 79). E assevera,
in verbis:
4 Tradução nossa. No original: “a conscious process of intimidation by which all men keep
all women in a state of fear”.
5 Tradução nossa. No original: “rape is a crime not of lust, but of violence and power”.

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“A lei, apesar de proteger a liberdade sexual, não contempla o


fenômeno como um todo. São atribuídos significados culturais à
violência sexual que não se encontram circunscritos no Código Penal,
na Constituição Federal e nas Convenções Internacionais, ou seja,
estão fora da ordem que rege os direitos e tipifica os atos criminosos.
[...]
‘Nem sempre é absoluta, coerente e linear a relação que existe
entre a norma positiva, a norma aplicada aos casos e os valores
presentes na sociedade. Fica patente que o momento de aplicação
do Direito é muito mais do que momento de mecânica subsunção do
fato à norma positiva jurídica. É o momento supremo do direito
em que ressaltam muito mais os valores do que fatos sociais.
Contudo, os valores sociais, por vezes travestidos em
estereótipos e preconceitos discriminatórios, atuam sub-
repticiamente, inconscientemente nas argumentações dos
operadores do Direito, impedindo-os de desempenharem suas
funções tendo em vista o respeito, a dignidade e a justiça’.
A mensagem veiculada por estes agentes, muitas vezes,
reforça a ideia de que, nos crimes sexuais, a vítima tem que
provar que não é culpada e que, portanto, não concorreu para a
ocorrência do delito”(CRUZ, 2002, p. 80).

É merecedor de destaque artigo do professor e magistrado Roger


Raupp Rios, sobre o julgamento do HC 81.288, Rel. Min. Ellen Gracie, no
qual se debatia a subsunção do delito estupro ao regime dos crimes
hediondos. O jurista destacou o papel do direito na construção social das
diversas e variadas subjetividades e “a necessidade dos operadores
jurídicos considerarem a realidade das relações de gênero nos mais
diversos âmbitos em que estas se apresentam ao Poder Judiciário e à
prática jurídica”, de modo a que se consolide “um outro olhar diante da
discriminação e da violência que caracterizam as relações de gênero”
(RIOS, Roger Raupp. “Por uma perspectiva feminista no debate jurídico:
anotações a partir do julgamento do habeas corpus 81.228-1 – SC pelo Supremo
Tribunal Federal”. In Cadernos Themis Gênero e Direito - Direitos
Sexuais, Ano III, nº 3 (dez. 2002). Porto Alegre: Themis Assessoria

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INQ 3932 / DF

Jurídica e Estudos de Gênero, 2002, p. 177).

In casu, o parlamentar é acusado de incitação ao crime de estupro, ao


afirmar que a não estupraria a Deputada Federal Maria do Rosário
porque ela “não merece”. Uma observação a latere: nos campos de
concentração, a “banalização do mal” era tão superior que, em
Auschwitz, por exemplo, havia uma placa com o dizer: “A cada um o que
merece”.

Em primeiro lugar, o emprego do vocábulo “merece”, no sentido e


contexto presentes no caso sub judice, teve por fim conferir a este
gravíssimo delito que é o estupro o atributo de prêmio, favor, benesse à
mulher. As palavras do parlamentar podem ser interpretadas com o
sentido de que uma mulher “não merece” ser estuprada quando ela é feia
ou não faz o gênero do agressor.

Neste sentido, as afirmações do parlamentar denunciado dão a


entender que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher
“poderia” ou “mereceria” ser estuprada.

Cuida-se de expressão que não apenas menospreza a dignidade da


mulher como atribui às vítimas o merecimento dos sofrimentos que lhe
sejam infligidos.

In casu, percebe-se, na postura externada pelo Acusado, desprezo


quanto às “graves consequências para a construção da subjetividade feminina
decorrentes do estupro” e aos “desdobramentos dramáticos da profunda
violência” (RIOS, 2002, p. 176), ao menos em relação a mulheres que
“mereceriam” ser estupradas.

Vivemos numa sociedade desigual e que, em alguns aspectos, a


depender dos valores locais, ainda tolera e até incentiva a prática de
atitudes machistas e defende a “naturalidade” de uma posição superior

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INQ 3932 / DF

do homem, nas mais diversas atividades.

Num país de dimensões continentais como o Brasil, não se podem


subestimar os efeitos de discursos que reproduzem o rebaixamento da
dignidade sexual da mulher, os quais, per se, podem gerar perigosas
consequências sobre a forma como muitos irão considerar esta hedionda
prática criminosa que é o crime de estupro, podendo, efetivamente,
encorajar a sua prática.

Não é desconhecido de ninguém o fato de que, em pleno século XXI,


ainda registramos casos cotidianos de graves violências praticadas
contra a mulher. O país apresenta índices elevadíssimos de violência
contra a mulher e, num ranking comparado de 84 países, aparece em 7º
lugar em número de homicídios de mulheres a cada 100 mil habitantes
(cfr. Mapa da Violência 2012, do Instituto Sangari).

Segundo dados divulgados no sítio do Senado Federal na internet, “A


cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. A cada duas horas, uma é
assassinada. Nas últimas três décadas, 92 mil brasileiras perderam a vida de
forma violenta”6.

Contribui para esse quadro o fato de que a legislação, até não muito
tempo atrás, estabelecia “os costumes” como bem jurídico protegido
dessa criminalização e, ainda mais grave, que considerava apenas a
“mulher honesta” como possível vítima – quiçá, até 1940, se entendesse
que as demais mulheres “mereciam” a violência.

Todo esse contexto retira das mulheres espaços importantes de


exercício de suas liberdades públicas, seja nas grandes urbes ou no
grande interior do país; no âmbito familiar ou no meio social, acadêmico,
profissional.
6 Disponível em:
http://www12.senado.leg.br/jornal/edicoes/especiais/2013/07/04/criada-em-2006-lei-maria-
da-penha-protege-mulher-de-espancamento-e-assassinato.

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INQ 3932 / DF

Negar-lhes o exercício da liberdade, através do reforço do medo e da


ameaça que sentem de serem vítimas de violência, é fato que abala o
pleno desenvolvimento da personalidade e de todas as potencialidades
das mulheres em nosso país, mantendo-as em permanente estado de
intimidação.

Nesse passo, a relativização do valor do bem jurídico protegido – a


honra, a integridade psíquica e a liberdade sexual da mulher – pode
gerar, naqueles que não respeitam as normas penais, a tendência a
considerar mulheres que, por seus dotes físicos ou por outras razões,
aos olhos de potenciais criminosos, “mereceriam” ser vítimas de
estupro.

Assim, o desprezo demonstrado pelo bem jurídico protegido


(dignidade sexual) reforça e incentiva a perpetuação dos traços de uma
cultura que ainda subjuga a mulher, com potencial de instigar variados
grupos a lançarem sobre a própria vítima a culpa por ser alvo de
criminosos sexuais, deixando, a depender da situação, de reprovar a
violação sexual, como seria exigível mercê da expectativa normativa.

Não se pode olvidar o momento atual vivenciado no Brasil, em que


se multiplicam casos de estupros coletivos.

In casu, nota-se, a partir dos documentos juntados com a denúncia,


que a fala do Parlamentar provocou a prática de novos crimes contra a
honra da Deputada Federal, insultos que também podem se reproduzir e
vir a atingir outras mulheres.

Valiosa, no caso, a exemplificação de Nelson Hungria, segundo o


qual incita a prática do crime aquele que atira a primeira pedra contra a
mulher adúltera (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal.
Vol. IX. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1959).

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INQ 3932 / DF

É dizer: não é necessário que se apregoe, verbal e literalmente, a


prática de determinado crime. O tipo penal do art. 286 do Código Penal
abrange qualquer conduta apta a provocar ou a reforçar a intenção da
prática criminosa em terceiros.

Noutro plano, a defesa alega que, se as palavras do parlamentar


forem consideradas incitação ao estupro, então também teriam praticado
o delito as mulheres que aderiram ao movimento iniciado na internet,
afirmando “#eu não mereço ser estuprada”.

O argumento não procede.

In casu, cuidou-se de uma campanha de crítica e repúdio às


declarações do parlamentar, na qual os manifestantes pretenderam expor
o que consideraram uma ofensa grave contra as mulheres do país.

O sentido conferido, na referida campanha, ao vocábulo “merece”


revela-se oposto ao empregado pelo Acusado nas manifestações que
externou publicamente.

De fato, as mensagens que afirmam que nenhuma mulher merece ser


estuprada buscaram restabelecer o sentimento social de que o estupro é
uma crueldade intolerável e que jamais pode ser praticada contra
qualquer mulher.

Ademais, as situações são completamente distintas: o parlamentar


não disse “eu não mereço ser estuprado”, mas sim que uma mulher que não
considera atraente “não merece” ser estuprada.

Quanto à idoneidade da instigação, cuida-se de matéria a ser


analisada no curso da ação penal.

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De toda sorte, a doutrina é uníssona quanto à desnecessidade de


demonstração da situação de risco corrida pelo bem juridicamente
protegido, porquanto se cuida de crime formal, de perigo abstrato, que,
por isso, independe da produção de qualquer resultado.

Além disso, não se exige fim especial de agir, exigindo-se apenas o


dolo genérico, consistente na consciência de que seu comportamento
instigará outros a praticar crimes.

In casu, em princípio, os documentos juntados pelo Ministério


Público Federal com a denúncia, anteriormente referidos, revelam que as
declarações do Acusado se seguiram de algumas manifestações em que
jovens e adultos efetivamente consideram a possibilidade da prática de
violência sexual, a depender da aparência da vítima. Parece, portanto,
que a frase do parlamentar tem potencial para estimular a perspectiva da
superioridade masculina e a intimidação da mulher pela ameaça de uso
da força, inclusive da violência.

Demonstrações de desprezo e desqualificação quanto a possíveis


vítimas do crime de estupro, além de prejudicarem a compreensão geral
quanto às graves consequências produzidas pela postura androcêntrica
na sociedade, também incrementam a cultura de violência e
consubstanciam mais um ingrediente deste quadro deplorável da
desintegração do tecido social em que vivemos. A prática de crime contra
a liberdade sexual, qualquer que seja a vítima, é sempre de gerar
indignação e reprovação, não se podendo tolerar declarações destinadas a
estimular o desrespeito à dignidade sexual da mulher.

Assim, concluo que a afirmação pública do imputado tem, em tese,


o potencial de reforçar eventual propósito existente em parte daqueles
que ouviram ou leram as declarações, no sentido da prática de violência
física e psíquica contra a mulher, inclusive novos crimes contra a honra
da vítima e de mulheres em geral, exemplo disso são os reflexos nas redes

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sociais.

Conclusão contrária poderia conduzir à compreensão de que a


reprodução do discurso narrado na inicial é tolerável, o que poderia
tornar menos intensa e, consequentemente, mais frágil a proteção das
mulheres perante o ordenamento jurídico, ampliando sua situação de
vulnerabilidade.

Por todo o exposto, atendidos os requisitos do art. 41 do Código de


Processo Penal, recebo a denúncia.

QUEIXA-CRIME

Passo à análise das imputações constantes da Queixa-Crime (PET


5243). A Querelante imputou a prática de crimes de calúnia e injúria ao
parlamentar Querelado.

Inicio pela imputação do crime de injúria, que faz referência às


mesmas declarações já antes analisadas, que teriam atingido a honra
subjetiva da Querelante.

A defesa sustenta a inadequação das declarações do Querelado ao


tipo penal objetivo; a ausência de animus injuriandi e, ainda, sustenta que
houve mera resposta a agressões verbais irrogadas a ele pela Querelante.

Sobre o tipo penal objetivo e subjetivo descrito no art. 140 do Código


Penal, bem como sobre a possibilidade de perdão judicial à injúria tendo
em vista a provocação da vítima, destaco a seguinte lição da doutrina:

“Injuriar é ofender a dignidade ou o decoro de alguém. A


injúria, que é a expressão da opinião ou conceito do sujeito ativo,
traduz sempre desprezo ou menoscabo pelo injuriado. É
essencialmente uma manifestação de desprezo e de desrespeito
suficientemente idônea para ofender a honra da vítima no seu aspecto

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interno.
Na injúria, ao contrário da calúnia e difamação, não há
imputação de fatos, mas emissão de conceitos negativos sobre a vítima,
que atingem esses atributos pessoais, a estima própria, o juízo positivo
que cada um tem de si mesmo.
[...] o elemento subjetivo do crime de injúria é o dolo de dano,
constituído pela vontade livre e consciente de injuriar o ofendido,
atribuindo-lhe um juízo depreciativo.
Mas além do dolo, faz-se necessário o elemento subjetivo especial
do tipo, representado pelo especial fim de injuriar, de denegrir, de
macular, de atingir a honra do ofendido. [...] a existência de qualquer
outro animus distinto do animus offendendi exclui o crime contra a
honra.
[...]
Reconhecendo que a injúria foi assacada em momento de
irritação, com alteração emocional, causada pelo ofendido,
irrefletidamente, o legislador reconhece o beneplácito do perdão
judicial. No entanto, a provocação deve ser direta e pessoal, ou
seja, deve ser praticada na presença do ofensor, caso contrário não será
admitida a isenção da pena, pois o ofensor terá tempo para refletir e
pensar em outra solução, de acordo com os cânones do Direito.
Na hipótese de provocação, não há exigência de
proporcionalidade absoluta, embora não seja tolerável uma absoluta
desproporcionalidade entre a provocação e a injúria proferida, pois a
complacência do legislador não pode servir de oportunidade para
aproveitadores, insensíveis e difamadores vingarem-se ou
simplesmente exteriorizarem o mal que encerram dentro de si, quando
algum ingênuo ou inculto indivíduo, por exemplo, com sua ação
temerária, oportunize essa benevolência legal.
A provocação deve ser pessoal e direta, além, é claro, de
censurável, ao passo que, como veremos, a retorsão deve ser imediata,
pressupondo, nos dois casos, necessidade da presença dos
protagonistas para possibilitar a reação” (BITENCOURT, C. R.
Tratado de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 2. 11ª Ed. São
Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 348/355).

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 52

INQ 3932 / DF

À luz das premissas teóricas anteriormente estabelecidas na análise


do tipo penal do art. 286 do Código Penal, considero que o tipo penal
objetivo do crime de injúria está configurado.

Com efeito, o delito encontra-se assim definido no art. 140 do


Código Penal:
“Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o
decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa”.

In casu, considero que as palavras atribuídas ao Querelado atingem a


honra subjetiva da Querelante.

Ao afirmar em entrevista que não a estupraria porque “ela não


merece”, as declarações revelam, efetivamente, potencial de rebaixar a
dignidade moral da Querelante, ofendendo-a em sua condição de mulher
e expondo sua imagem à humilhação pública, além de associar as
características da mulher à possibilidade de ser vítima estupro.

Noutro prisma, o elemento subjetivo especial do tipo - animus


offendendi – também me parece, em princípio, bem caracterizado, pois
não se vislumbra outro animus distinto que possa afastar sua incidência.

Embora a defesa afirme que o Querelado apenas respondeu,


proporcionalmente, às ofensas sofridas, não é possível, nesta fase da
ação penal, concluir no sentido da configuração de retorsão imediata ou
reação a injusta provocação.

Inicialmente, apenas se colhem supostas ofensas recíprocas no ano


de 2003, quase 11 anos antes dos fatos narrados na Queixa-Crime,
atingidas pela prescrição.

Deveras, no episódio narrado na Inicial, consubstanciado em

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 52

INQ 3932 / DF

entrevista concedida ao Jornal Zero Hora dezembro de 2014, não há


menção, pela defesa, à suposta ofensa que teria sido irrogada ao
Parlamentar pela Querelante nesta última ocasião.

Assim, a dúvida razoável sobre ter sido a resposta proporcional a


eventuais ofensas sofridas não restou comprovada, porquanto não foi
mencionada expressamente qualquer provocação pessoal, direta e
censurável da Querelante ao Querelado, na data dos fatos narrados na
Inicial da Queixa-Crime

Verificados os pressupostos do art. 41 quanto ao crime de injúria, a


Queixa-Crime deve ser recebida, no ponto.

A Queixa-Crime atribui, ainda, a prática do crime de calúnia ao


Querelado Jair Bolsonaro, por ter este falsamente afirmado que a
Querelante o chamou de estuprador.

Na disciplina do Código Penal, o crime de calúnia possui o seguinte


enquadramento típico:

“Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato
definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa”.

O crime de calúnia somente se configura quando o agente atribui à


vítima a prática de fato criminoso específico, tendo por finalidade última
ofender a reputação do caluniado (INQ 2084, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Carlos Velloso, DJ 09/09/2005).

No caso sub examine, a inicial da Queixa-Crime deve ser


parcialmente rejeitada, porquanto não narra de que maneira a afirmação
do Deputado, de que teria sido chamado de “estuprador” pela
Querelante, teve por fim específico ofender a honra da Deputada Federal.

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Voto - MIN. LUIZ FUX

Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 52

INQ 3932 / DF

Ex positis, atendidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo


Penal, recebo a denúncia pela prática, em tese, de incitação ao crime; e
recebo parcialmente a queixa-crime, apenas quanto ao delito de injúria,
rejeitando-a quanto à imputação do crime de calúnia.

É como voto.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 43 de 52

21/06/2016 PRIMEIRA TURMA

INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

VOTO

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhor Presidente,


eminentes Pares, Senhor Subprocurador-Geral da República Doutor
Paulo Gonet Branco, permito-me, inicialmente, saudar e enaltecer o voto
de Sua Excelência o Ministro Luiz Fux, que, com sua habitual
sensibilidade e agudeza técnica, examinou a matéria em relação à
denúncia e à queixa-crime. Também me permito saudar ambos os
advogados que ocuparam a tribuna, que, com o devido zelo, procuraram
explicitar as razões de seus respectivos constituintes.
Senhor Presidente, ao cumprimentar o eminente Relator, saliento,
desde logo, que estou acompanhando integralmente Sua Excelência.
Também entendo que a hipótese é de recebimento da denúncia tal como
formulada pelo Ministério Público Federal e ainda o recebimento da
queixa-crime.
No que diz respeito ao recebimento da queixa-crime, o eminente
Ministro-Relator fez uma separação entre o cometimento em tese do
delito de injúria e aquele da calúnia, recebendo pela injúria à ausência de
fato que desse substrato específico à imputação em tese de calúnia.
É certo que, na inicial da queixa-crime, a Deputada Maria do Rosário
Nunes, no item I dos fatos, procura explicitar essa circunstância à qual se
referiu o Relator, e ali alude a que este fato específico teria transcorrido
mais de onze anos até o momento em que se deram as circunstâncias
agora veiculadas nessa queixa-crime. Portanto, como se trata de um
exame em tese, em princípio se poderia até tender pelo recebimento
integral da queixa-crime para a apuração eventualmente ou não dessa
circunstância ou desse fato.
Todavia me parece que o eminente Relator bem posicionou o tema e,
ao receber pelo cometimento em tese da injúria a queixa-crime, creio que
indicou na direção que o Direito responde nessa altura do procedimento
aos fatos.

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Voto - MIN. EDSON FACHIN

Inteiro Teor do Acórdão - Página 44 de 52

INQ 3932 / DF

E por último, Senhor Presidente, nessa brevíssima declaração de


voto, eis que os fundamentos constantes do voto de Sua Excelência o
Ministro Fux são, em meu modo de ver, mais que suficientes para estribar
a conclusão a que chegou, apenas indico também que a denominada
inviolabilidade ou imunidade parlamentar não tem, na jurisprudência
desta Corte, um sentido absoluto. E também não o tem na própria
Constituição. Se o caput do artigo 53 assevera que os parlamentares são
invioláveis por opiniões, palavras e votos, o caput deste dispositivo o faz
precisamente para o resguardo do exercício próprio da atividade
parlamentar, mas, no § 1º deste mesmo dispositivo, estabelece regra
segundo a qual os parlamentares serão julgados precisamente por
prerrogativa de foro em face da função por esta Corte, o que significa,
numa interpretação elementar de lógica sistemática, que há ações ou
omissões que podem ser investigadas, convertidas na respectiva ação
penal e, ao final, apreciadas por esta Corte.
Por estas razões, Senhor Presidente, e subscrevendo os fundamentos
lúcidos e lógicos constantes do sensível e, como não poderia deixar de ser,
correto voto proferido também neste caso concreto pelo eminente
Ministro Luiz Fux, acompanho integralmente o voto de Sua Excelência.

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 52

21/06/2016 PRIMEIRA TURMA

INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente,


Senhores Ministros, Doutor Paulo, Subprocurador Geral da República,
Senhores Advogados, eu estava aqui ouvindo o belo voto do Ministro
Luiz Fux e lembrando de um filme argentino que vi há alguns dias
chamado "Paulina", cuja personagem principal é uma advogada, a cursar
um doutorado, e que, para desespero do seu pai, um juiz, no filme, opta
por lecionar numa escola rural e, em função de fatos bem interessantes,
termina sendo estuprada. E, quando vai fazer o registro da ocorrência,
uma das perguntas do policial a ela dirigida é a seguinte: - "Como a
senhora estava vestida?"
Ou seja, Ministro Fux, a pergunta objetivava saber se a roupa que ela
usava a tornaria merecedora do estupro. E ela responde: -"Eu estava de
jeans, de camiseta e de tênis, mas isso é totalmente irrelevante." E isso de
fato é totalmente irrelevante! O policial se desculpa e diz que era uma
pergunta de rotina.
Por outro lado, Senhor Presidente, também ouvindo as competentes
sustentações orais - cumprimento ambos os procuradores -, fiquei aqui a
pensar como a perspectiva histórica, de um lado, nos dá alento, porque
verificamos um verdadeiro avanço civilizatório, mas, por outro lado
também causa tristeza, quando evidencia quão lenta é esta marcha! Basta
relembrarmos aquele episódio terrível de 2003, envolvendo um casal, em
que a vítima mulher ainda sofreu a violência sexual de forma repetida,
com a maior perversidade, antes de ser morta, e agora em 2016 temos
esses fatos novos todos vindo a lume , com reiterados estupros coletivos,
treze anos depois, no mesmo país!
Mas, de qualquer sorte, Senhor Presidente, até peço escusas, o tema
incentiva o debate, quero fazer o registro de que esse instituto da
imunidade do parlamentar, no caso específico da imunidade material, na
verdade tem uma função altamente nobre; ele, em última análise, é uma

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Voto - MIN. ROSA WEBER

Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 52

INQ 3932 / DF

garantia da própria democracia, porque visa a assegurar o exercício


independente do mandato parlamentar. Em absoluto, contudo, até pela
sua nobre função, pode servir, para salvaguarda à violência de gênero,
pelo menos ao incentivo à violência de gênero, aqui mediante agressões
verbais vinculadas, na desqualificação, à condição feminina. Daí a ofensa
a valores assegurados pela nossa Constituição.
Lembro que a Ministra Cármen Lúcia, em um voto brilhante,
destacou, com muita propriedade, que imunidade não significa
impunidade. Então temos, sim, que verificar quais os valores protegidos e
quais os valores ofendidos ao exame da própria imunidade, instituto de
tamanho relevo na democracia.
De qualquer sorte, Senhor Presidente, estamos em fase de
recebimento da denúncia e da queixa-crime. Louvando mais uma vez o
belo voto do Ministro Fux, acompanho Sua Excelência em todos os
aspectos e recebo a queixa-crime apenas quanto à injúria, tal como sua
Excelência, e recebo a denúncia nos moldes em que proposta.

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Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 52

21/06/2016 PRIMEIRA TURMA

INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, durma


com esse barulho, com preconceito invertido. Não posso partir dele para
chegar a este ou àquele entendimento. Devo atuar segundo os fatos que
estão colocados e concluir se há o envolvimento da imunidade
parlamentar para, em passo seguinte, afastada, assentar a ocorrência,
quanto à queixa-crime, do tipo injúria, e, quanto à denúncia, o crime de
incitação, de provocação, de açular a prática delituosa.
Estamos diante de desavença entre parlamentares, com a
peculiaridade de ter-se o envolvimento dos dois gêneros – parlamentar
homem e parlamentar mulher –, que se reporta ao ano de 2003. É
importante considerar-se, em termos de fato – não estou pegando o
trecho de certa entrevista dupla –, para concluir-se, quer no tocante à
tipificação do artigo 286 do Código Penal, quer no tocante à tipificação do
crime contra a honra, a origem dos lamentáveis acontecimentos.
O que houve no recinto da Câmara dos Deputados em termos de
entrevista?

“Deputada Maria do Rosário: O senhor é responsável por


essas mortes todas, por estupro, por essa violência.
Maria do Rosário, ainda: É, o senhor é que promove essa
violência.
Jair Bolsonaro: Eu que promovo o estupro?
Maria do Rosário: É, o senhor promove, sim.
Jair Bolsonaro: Grava aí, grava aí! Eu sou estuprador,
agora. Eu sou estuprador.
Maria do Rosário: É. É, sim.
Jair Bolsonaro: Olha, jamais iria estuprar você” – isso, após
ser apontado como estuprador. E, aí, a calúnia partiria de Maria
do Rosário, tendo como destinatário o Bolsonaro – “Olha,
jamais iria estuprar você, porque você não merece.
Maria do Rosário: Eu lhe dou uma bofetada na cara.
Jair Bolsonaro: Dá, que lhe dou outra.”

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 52

INQ 3932 / DF

É lastimável que o Supremo perca tempo apreciando situação


jurídica como a presente, gastando praticamente uma sessão para aferir a
matéria e decidir a respeito, sob o ângulo da sequência da queixa-crime e
do recebimento da denúncia.
Quanto à queixa-crime e à incitação, deve-se levar em conta o fato de
que o veiculado o foi no Plenário, com repercussão posterior junto à
imprensa. Mas foi, de início, no Plenário da Câmara, quando Jair
Bolsonaro, em 9 de dezembro de 2014, afirmou – e deve ter havido
discussão anterior entre os dois deputados:

Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí, fique aí, Maria
do Rosário. Há poucos dias você me chamou de estuprador no
Salão Verde e eu falei que eu não estuprava você porque você
não merece. Fique aí para ouvir, Maria do Rosário, por que não
falou sobre sequestro, tortura, execução do Prefeito Celso
Daniel, do PT? Nunca ninguém falou nada sobre isso aqui, e
estão tão preocupados com os direitos humanos. Vá catar
coquinho. Mentirosa, deslavada e covarde. Parabéns aos
vagabundos do Brasil que estão sob o guarda-chuva da
Comissão de Direitos Humanos.

Presidente, relativamente à queixa-crime, pode ter ocorrido certo


desconforto – não subscrevo as palavras de Bolsonaro na alusão à feiura
da deputada Maria do Rosário. Mas admitir-se a queixa, abandonando-se
o instituto da imunidade parlamentar, surge passo demasiadamente
largo. Não recebo a queixa-crime.
Resta a denúncia ofertada pelo Ministério Público. É preciso
considerar o contexto. Inicialmente, apontou-se que Bolsonaro seria
estuprador. Ele, tão somente, defendeu-se, estarrecido de ser enquadrado
como tal, e acrescentou que não a estupraria.
Teria incitado à prática desse delito, que não é novo, no Brasil, o de
estupro? Teria incidido na glosa do excepcional – para mim, excepcional –
artigo 286 do Código Penal? Em situação, talvez, mais favorável, ilustre

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. MARCO AURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 52

INQ 3932 / DF

Subprocurador-Geral da República, Doutor Paulo Gonet, que nos assiste,


este Tribunal afastou a possibilidade de concluir-se pela incitação a crime.
Refiro-me à "Marcha da Maconha". Assentaremos, para efeito de cumprir
esse estágio embrionário da ação penal, que, ante as peculiaridades do
caso e a origem da utilização do vocábulo "estuprar", buscou o Deputado
Federal incitar os homens à prática delituosa? Onde está o elemento
subjetivo do tipo, o dolo? Reconheço tratar-se de crime formal, mas não
posso considerar as brincadeiras feitas em redes sociais aqui citadas, nem
os comentários desairosos lançados pelos cidadãos que perderam tempo
com isso. Houve um arroubo de retórica, a utilização de metáfora,
quando o denunciado – e não o estou colocando em divã para, realmente,
como profissional da área, saber a intenção – disse que não a estupraria
por ela ser feia – já afirmei não concordar, tenho-a como uma moça
bonita. Quis dizer que não manteria relações com ela, mesmo se, apartada
a questão ideológica, ela assim o desejasse.
O Supremo, ao receber a denúncia e dar continuidade à queixa-
crime, não estará contribuindo para o tratamento igualitário, presentes os
gêneros masculino e feminino. A meu ver, acirrará os ânimos e adentrará
– como falei com desassombro – o campo do preconceito invertido.
Peço vênia à maioria já formada para, aqui, sim – e não o fiz no
episódio apontado pela ilustre advogada da tribuna, no que o senador
Romário assacou vocábulos contra dirigente da Confederação Brasileira
de Futebol, e votei pelo recebimento da queixa-crime –, dizer que não
tenho como desprezar, sob pena de esvaziar totalmente o instituto, a
imunidade parlamentar. Ambos atuaram na defesa dos respectivos perfis.
Concluindo, pedindo excusas por ter me alongado um pouco sobre a
matéria – não recaindo sobre mim qualquer suspeita de machismo, já
que, há pouco, recebi prêmio, antes apenas outorgado a mulheres, e foi
necessária a alteração do regimento para ocorrer a outorga, Bertha Lutz –,
não dou sequência à queixa-crime e não recebo a denúncia.
É como voto.

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Supremo Tribunal Federal
Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 52

21/06/2016 PRIMEIRA TURMA

INQUÉRITO 3.932 DISTRITO FEDERAL

VOTO
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO
(PRESIDENTE) - Eu também ouvi com muita atenção e interesse o voto
profundo e sensível do Ministro Luiz Fux, e penso, caros Colegas, que
todas as pessoas nessa vida merecem respeito e consideração, as
mulheres, inclusive. Portanto, penso também que ninguém deve achar
que a incivilidade, a grosseria, a depreciação do outro são formas naturais
de viver a vida.
Eu acho que o instituto da imunidade parlamentar é um instituto
muitíssimo importante que assegurou o avanço da democracia
representativa no mundo. E, mesmo no Brasil, ele é uma conquista
relativamente recente. Porém, não acho que ninguém possa se escudar na
imunidade material parlamentar para chamar alguém de "nego safado",
para chamar alguém de "gay pervertido". A imunidade parlamentar não
permite essa violação à dignidade das pessoas.
Nós vivemos no Brasil, eu penso, um momento extremamente
importante, um momento emblemático. Nós estamos tentando mudar de
patamar como país, tanto em matéria de renda - queremos deixar de ser
intermediários -, quanto também queremos mudar de patamar ético. Nós
estamos em busca de igualdade racial; nós estamos em busca de
igualdade para as pessoas independentemente da sua identidade sexual,
independentemente da sua orientação sexual. Evidentemente, nós
queremos respeito em relação à mulher e queremos proteção da mulher
contra essa cultura de violência, contra essa cultura de covardia contra a
mulher e essa cultura de estupro que se criou no Brasil.
Afirmar que não estupraria uma mulher porque ela não merece é
uma ofensa à pessoa atacada, mas é uma ofensa também à condição
feminina de uma maneira geral. Eu acho que é a naturalização do
desprezo, do desapreço, da hierarquização; a naturalização da violência
contra a mulher.

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Voto - MIN. ROBERTO BARROSO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 52

INQ 3932 / DF

Portanto, eu penso que é impossível não acreditar que esse tipo de


atitude não contribua para uma cultura de violência, não contribua para
uma cultura de estupro, que infelizmente ainda é recorrente no Brasil.
Nós estamos no momento do recebimento da denúncia e do
recebimento da queixa-crime e, portanto, não é um julgamento definitivo.
Mas, pelo menos, o ônus de responder ao processo e o dever de vir a
público, perante o Poder Judiciário, justificar por que acha que algumas
mulheres merecem e algumas outras não merecem ser estupradas, com
todas as vênias de quem pensa diferentemente, eu acho que esse é ônus
que se pode e se deve exigir.
Portanto, não se trata de uma condenação, porque nós estamos
apenas recebendo a denúncia e a queixa-crime; mas acho que é o ônus de
se exigir uma defesa, uma explicação e, quem sabe, uma retratação, que
possa, de alguma forma, impedir que um membro do parlamento
brasileiro contribua para que o País fique pior, em vez de contribuir para
que o País fique melhor.
De modo que, respeitando todas as posições contrárias, mesmo
reconhecendo que as pessoas podem se equivocar na vida e se retratarem,
eu penso que o caso é sim o de recebimento nos termos do voto lançado
pelo Ministro Luiz Fux.
Detestaria passar a mensagem errada para a sociedade brasileira em
uma questão delicada como essa. Por essa razão, estou acompanhando o
Ministro Luiz Fux no recebimento da denúncia e no recebimento da
queixa-crime, também em relação apenas à questão da injúria, uma vez
mais cumprimentando Sua Excelência pela sensibilidade de tirar essa
matéria do "bolo" da imunidade parlamentar e reconhecer que ela
representa uma mudança de paradigma no Brasil em relação à condição
feminina.
Pedindo todas as vênias ao Ministro Marco Aurélio, cuja posição eu
entendo e respeito pela transparência e eloquência com que a apresentou,
mas, neste caso, eu penso que nós estamos diante de uma situação
extraordinária.

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Extrato de Ata - 21/06/2016

Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 52

PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA

INQUÉRITO 3.932
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : JAIR MESSIAS BOLSONARO
ADV.(A/S) : LYGIA REGINA DE OLIVEIRA MARTAN (0171611/RJ)

Decisão: Por maioria de votos, a Turma recebeu a denúncia e,


parcialmente, a queixa-crime apenas quanto ao delito de injúria,
nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco
Aurélio. Falou a Dra. Lygia Regina de Oliveira Martan, pelo
Investigado. Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso.
1ª Turma, 21.6.2016.

Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. Presentes


à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber
e Edson Fachin.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo Gustavo Gonet


Branco.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Secretária da Primeira Turma

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