O Homem Do Terno Preto - Sylvain Reynard

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Todos os direitos reservados

Copyright © 2021 by AllBook Editora.

Direção Editorial: Beatriz Soares


Tradução: Clara Taveira
Preparação e Revisão: Raphael Pelosi Pellegrini e AllBook Editora
Projeto Gráfico e Diagramação: Cristiane Saavedra | Saavedra Edições
Capa original: Heather Carrier Designs
Adaptação da Capa: >Cristiane Saavedra | Saavedra Edições

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro,
sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais
forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os
direitos morais do autor foram declarados.

Esta obra literária é ficção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes são produto da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, eventos ou
estabelecimentos é mera coincidência.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


(Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
CIP - BRASIL. C P
S N E L , RJ
M G R S -B - CRB-7/6439

R353h
Reynard, Sylvain
O homem do terno preto [recurso eletrônico] / Sylvain Reynard ; tradução
Clara Taveira. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Allbook, 2021.

Tradução de: The man in the black suit


Modo de acesso: word wide web

ISBN: 978-65-86624-55-7 (recurso eletrônico)

1. Romance canadense. I. Taveira, Clara. II. Título.


21-73937
CDD: 819.13
CDU: 82-31(71)

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À ALLBOOK EDITORA


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SUMÁRIO

Capa

Créditos

Prólogo

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Cena Bônus

Agradecimentos

Sobre o autor

AllBook Editora
— Para de me atormentar — reclamou a curadora do museu. Ela sorria ao
telefone. — Estou quase acabando.
Ela tomou o cuidado de não se lamuriar ao olhar para as pastas cobrindo
sua mesa de trabalho. O escritório estava escuro, iluminado apenas pela antiga
luminária de banqueiro sobre a mesa. Mas era assim que preferia. Luzes
uorescentes davam dor de cabeça.
— Estou indo te buscar. — A voz de seu irmão mais novo no outro lado da
linha tinha uma nota de exasperação. — Estamos esperando há uma hora.
— Estamos? — Todos os pensamentos sobre pastas e seus conteúdos
evaporaram. A curadora se ajeitou na cadeira, em alerta, as vértebras da coluna
se alinhando.
O irmão fez uma pausa, e ela teve a impressão de ouvir o som de passos
enquanto ele caminhava para uma área mais reservada.
— Tem alguém que quero te apresentar.
A curadora sorriu.
— Levou alguém para casa? Apresentou-a para a maman e o papa?
— Sim, e teria apresentado para você também se tivesse ido para casa na hora
combinada. — Ele bufou. — O sistema de segurança está ligado?
— Eu sempre deixo ligado depois de uma determinada hora. ierry está
aqui fazendo a ronda. — Ela olhou para a mesa mais uma vez. — Assim que
eu desligar, saio daqui.
— Até mais. Dirija com cuidado.
Ela conseguiu ouvir o sorriso nas últimas palavras do irmão e deu uma
risadinha ao desligar. Ele trabalhava em Londres, enquanto ela fazia a curadoria
da coleção de arte da família em Cologny. Obviamente ele havia conhecido
alguém especial.
Ela cou feliz por ele.
Arrumou a mesa e organizou as pastas em três pilhas certinhas. Chamou
ierry, o segurança, e pediu que a acompanhasse até seu carro, fora do museu.
Depois de olhar para a mesa uma última vez, pegou a bolsa e o casaco. Dez
minutos depois, olhou para o relógio. ierry ainda não havia aparecido.
Ligou para o seu ramal novamente, mas não foi atendida.
Sabendo que o irmão e a namorada, cujo relacionamento era
evidentemente sério, estavam esperando, desligou rapidamente a luminária
sobre a mesa, caminhou até a porta e saiu para o corredor. ierry ainda não
havia aparecido.
Ela testou a maçaneta para ter certeza de que o escritório estava trancado e
seguiu pelo corredor escuro. A iluminação do museu era sempre reduzida para
preservar a coleção. Peças individuais recebiam luz direta especial durante o
expediente, mas eram deixadas na escuridão depois disso.
— Durmam bem, velhos amigos — murmurou ao passar por uma das salas
de exposição.
Os saltos ressoavam no assoalho enquanto ela vestia o casaco e ajeitava a
bolsa. Quando se aproximou da principal sala de exposição, jogou o cabelo
longo e ruivo por cima da gola.
Alguma coisa cintilou na periferia de seu campo de visão. Assustada, a
curadora virou a cabeça.
Raios de luz cortavam a escuridão do salão. Ela conseguiu enxergar as
silhuetas — algumas segurando lanternas, enquanto outras arrancavam obras
de arte das paredes.
Vestiam roupas escuras e usavam máscaras de esqui. Um raio de luz cintilou
em uma faca quando um invasor cortou uma tela de sua moldura, dani cando
a obra de arte de maneira irreparável.
A curadora gritou diante do ataque. Cobriu a boca com a mão, aterrorizada
ao ouvir o som escapar de seus lábios.
Uma das silhuetas se virou e apontou a lanterna para os olhos dela.
Ofuscada, a mulher recuou, se desequilibrando sobre os saltos.
Passos altos ecoaram quando o invasor correu em sua direção. Ela tentou
recuperar o equilíbrio e se virou, se preparando para correr.
O homem a agarrou pelo cabelo e a puxou para trás.
— Não! — Ela soltou a bolsa, agitou os braços e tentou se libertar. Gritou e
tentou acertar as costelas dele com o cotovelo.
Ele se esquivou e a agrediu com a lanterna. A curadora continuou gritando
e agarrou a mão dele, lutando violentamente.
O homem levantou a lanterna e a usou para bater em sua cabeça.
As mãos perderam a força quando ela desabou contra o homem. Ela se
sentiu caindo no chão.
Tudo escureceu.
O homem de terno preto saiu da limusine na frente do Hotel Victoire, na bela
avenue George V, próxima à Champs-Élysées.
Óculos escuros protegiam os olhos do homem. Ele estudou a área enquanto
abotoava o paletó antes de começar a caminhar acompanhado pelo guarda-
costas. O celular do homem vibrava enquanto ele entrava no hotel.
Tirou os óculos escuros e olhou para a tela. Seus passos cessaram, como os
do guarda-costas, que se manteve em alerta.
O homem deslizou o polegar pela tela, examinando uma série de
fotogra as. Sua expressão se tornou sombria. Pressionou um dedo no celular e
o levou à orelha.
— Congele as contas da Silke e troque as fechaduras do apartamento dela.
— Falava em alemão, em um tom baixo e autoritário. — Não, não a noti que.
Ela violou os termos do acordo do jeito mais absurdo possível. Ela sabe o que
fez.
O homem encerrou a ligação e continuou andando até o balcão de
recepção. Movia-se com o tipo de uidez e domínio que atraía olhares —
como se fosse um atleta pro ssional.
Era muito alto, tinha cabelo escuro, olhos grandes e escuros, porte esguio e
atlético. Com exceção de uma óbvia de ciência, podia ser considerado
atraente, até bonito.
Céline, uma das funcionárias da recepção, sorriu para ele.
— Bem-vindo de volta ao Hotel Victoire, monsieur Breckman. — Ela
falava em francês, tomando o cuidado de olhar diretamente nos olhos dele. —
Preparamos sua suíte habitual.
O homem assentiu.
Céline olhou para trás e notou a presença do grande e forte guarda-costas.
— Mademoiselle Rainier virá mais tarde?
— Mademoiselle Rainier não virá. — O hóspede direcionou a ela um olhar
rígido. — Pode tirar o nome dela da reserva.
Ele se virou, e seus sapatos de couro feitos à mão ressoaram no piso de
mármore a caminho da mesa da concierge. A funcionária o acompanhou com
um olhar chocado.
Sentado na cadeira ornamentada na frente da mesa da concierge, o homem
deslizou o dedo pela tela do celular.
— Preciso falar com Marcel.
— Lamento, Marcel não veio hoje — respondeu a concierge. — Meu
nome é Acacia. Posso ajudá-lo?
O homem ergueu os olhos escuros para ela. Estava descontente.
— Falei com Marcel ontem. Ele estava organizando uma reunião.
— É claro. Qual é seu nome?
O homem bufou, impaciente.
— Pierre Breckman.
A mulher olhou para o notebook e pressionou algumas teclas, buscando a
informação na tela com seus olhos castanhos.
— Lamento, monsieur Breckman. Não há nenhuma reunião marcada em
seu registro. Quer que eu reserve uma de nossas salas?
— Não, quero que chame o Marcel. — Ele a encarou com hostilidade .
Os olhos de Acacia observaram o lado esquerdo do rosto do homem.
Uma longa cicatriz atravessava a face em uma curva e se estendia em
direção à boca. Era branca, em contraste com a pele bronzeada, e muito
profunda, como se alguém tivesse tentado cortar o rosto em dois. Era um
homem elegante em todos os outros aspectos, o que tornava a cicatriz ainda
mais impressionante.
Seus olhos escuros se estreitaram.
— Localize Marcel. Agora.
Acacia sobressaltou-se, levou a mão instintivamente aos cachos do lado
direito de seu rosto e olhou para ele, pesarosa.
— Sinto muito.
O homem se inclinou para frente.
— Foque no meu registro. Tenho certeza de que não vai achar que ele é
repulsivo.
Acacia olhou para o guarda-costas parado ao lado de sua mesa. Ele era
ainda mais alto que monsieur Breckman, devia ter quase dois metros e uns
cento e vinte quilos. A cabeça estava raspada, e os olhos eram azuis.
Ela consultou o notebook.
— Marcel reservou sua mesa habitual no Guy Savoy’s para hoje, às vinte
horas. Vai precisar de um carro?
— Não. — O homem se encostou na cadeira. Como se fosse uma vingança
por ela o ter examinado tão atentamente, olhou descaradamente para os
inteligentes olhos cor de avelã, a pele bronzeada e perfeita e o cabelo preto e
cacheado que ela mantinha em um corte Chanel. Seu lábio superior se
contraiu. — Marcel disse que estaria trabalhando hoje.
— Sim, monsieur. Fui chamada para substituí-lo.
— Por quê?
— Sou membro do Les Clefs d’Or. — Os dedos passaram pela echarpe que
usava no pescoço e tocaram as chaves douradas presas à lapela. — Marcel é
meu colega, mas posso ajudá-lo com tudo o que precisar.
— Não preciso de sua ajuda. Eu preciso do Marcel. — O homem digitou
na tela do celular com movimentos precisos e rápidos. Quando a ligação
iniciou, logo caiu na caixa-postal. — Ele não atende o celular. Ligue para a casa
dele.
— Receio que Marcel esteja inacessível. — A voz de Acacia estava tensa.
Ela tentou disfarçar o desconforto consultando o computador. — Ele
providenciou champanhe e frutas em sua suíte e informou sobre sua alergia a
morangos. Devo pedir seu café da manhã habitual para amanhã?
— Pergunto sobre Marcel e você responde sobre morangos. — As
sobrancelhas do hóspede se aproximaram em uma reação irritada. — Marcel
saiu do país?
Acacia o tou, surpresa.
— Não, monsieur.
— Morreu?
— Com certeza, não!
— Se Marcel não saiu do país e não morreu, por que não está aqui?
Acacia forçou um sorriso.
— Monsieur Breckman, eu terei um grande prazer em…
O homem se levantou de repente e voltou à recepção, onde se dirigiu a
Céline.
— Diga ao gerente para localizar Marcel e mandá-lo à minha suíte. A
concierge em serviço parece ter di culdade para atender às solicitações mais
simples. Solicitei a presença de Marcel ao menos quatro vezes, e ela se recusou
a me atender.
O homem caminhou para os elevadores acompanhado pelo guarda-costas,
com passos que ecoaram raivosos pelo saguão.

***
Céline olhou para Acacia com ar presunçoso.
Acacia levantou-se de seu lugar e tentou disfarçar o aborrecimento.
Apertando o maxilar, viu Céline telefonar para o gerente do hotel e relatar as
palavras do hóspede. Paul, o outro funcionário do balcão de recepção e
reservas, nem tentou disfarçar enquanto ouvia a conversa. Ele parecia estar se
divertindo.
Acacia era concierge no Hotel Victoire havia poucos meses. Trabalhava
duro para oferecer um serviço de excelência sem chamar atenção indevida,
escondida atrás do uniforme azul-marinho e da mesa de trabalho. Muitos
hóspedes a tratavam da mesma maneira que à mobília: com indiferença
benigna. Monsieur Breckman havia chegado ao hotel há menos de quinze
minutos e já a colocara em situação de destaque.
Ela endireitou o blazer azul, sentou-se e ignorou os funcionários da
recepção e suas reações. Era superior a eles na hierarquia do hotel, mas sempre
os tratava com respeito.
E agora eles estavam se divertindo à custa de seu constrangimento.
Acacia virou o rosto para o escritório do gerente e se preparou para vê-lo.
Estava encrencada, sabia. Só não sabia o quanto.
Acacia viu Jacques Roy, gerente do hotel, aproximar-se de sua mesa com uma
sequência de passos pesados, agourentos. Ele usava um terno azul caro e uma
gravata com estampa de caxemira que contrastava com o tom violeta da camisa
social.
Acacia achou que ele estava parecendo um mirtilo.
Monsieur Roy esperou até estar su cientemente próximo para falar com ela
sem atrair a atenção dos hóspedes.
— O que houve com monsieur Breckman?
Acacia se levantou. Media um metro e oitenta, calçava os saltos de cinco
centímetros e olhava de cima para o supervisor, de um metro e sessenta e três.
— Ele insistia em falar com Marcel. Quando expliquei que Marcel não
estava disponível, ele ordenou que Céline entrasse em contato com você.
Os traços de monsieur Roy endureceram.
— Você explicou que Marcel está no hospital?
— Não, monsieur. Você nos orientou a não responder a perguntas incô-
modas sobre o paradeiro dele.
O gerente bufou.
— Aprecio sua discrição, mas nada é mais incômodo que aborrecer um
hóspede de grande importância. Você poderia ter dito a ele que Marcel sofreu um
acidente.
Acacia engoliu uma resposta rude.
— Sim, monsieur.
O gerente ajeitou a rosa vermelha que usava presa à lapela.
— Vou falar com monsieur Breckman. Você vai pedir desculpas e convencê-
lo de que pode prestar o serviço com o mesmo nível de Marcel. Trate de
ignorar a cicatriz.
Ela engoliu em seco. Tarde demais, pensou.
Monsieur Roy se estendeu até sua altura máxima.
— Essa é a segunda vez que você tem um con ito com um hóspede
importante. Tinha muita esperança em relação a você, Acacia, mas não vai
permanecer no Victoire se mantiver esse padrão de comportamento.
O gerente se afastou como um pavão baixinho e corpulento, enquanto
Acacia tentava não soltar seu palavrão favorito em português.

***
Depois de visitar a cobertura, monsieur Roy voltou à mesa da concierge e
acompanhou Acacia na subida até os andares superiores. Ela se sentia como se
fosse uma criminosa esperando pela sentença.
Monsieur Breckman tinha reservado a suíte da cobertura, uma das melhores
do hotel. A suíte tinha um terraço com vista panorâmica de Paris. Ao
entardecer, era possível relaxar ao ar livre e ver a Torre Ei el se iluminar.
O guarda-costas careca e dispendioso de Monsieur Breckman atendeu à
porta. Ao longe, era possível ouvir o hóspede em uma conversa tensa.
— Perdemos nosso intermediário. Substitua-o ou encontre outro
comprador. Não vou arriscar…
Sem dizer nada, o guarda-costas fechou a porta na cara de monsieur Roy.
O gerente passou a mão no rosto. Respirou fundo e bateu de novo.
Um momento depois, o guarda-costas abriu a porta novamente. Monsieur
Breckman estava ao lado dele e olhou de cima, irritado.
— Sim?
— Acacia quer falar com o senhor. — O gerente olhou para ela pelo canto
do olho.
Acacia apertou a agenda de capa de couro que segurava em uma das mãos.
— Peço desculpas por não ter revelado a situação de Marcel, monsieur.
O hóspede franziu a testa.
— A hospitalização dele não é segredo de estado.
Acacia levantou o queixo.
— Não queria assustá-lo.
— A informação sobre o ataque sofrido por Marcel poderia ser crucial para
a segurança de seu hóspede. Para a minha segurança, mademoiselle.
— Peço desculpas — ela repetiu.
O homem olhou com desgosto para o gerente muito mais baixo.
— E você, Jacques? Por que não informou meus seguranças sobre o ataque
contra Marcel a poucos passos do hotel? Eu deveria ter sido noti cado antes de
chegar aqui.
O gerente pareceu surpreso. Levantou as mãos em um gesto conciliador.
— Queremos garantir que tenha toda informação que precisar. Mas como
Acacia mencionou, não queríamos alarmá-lo.
— É claro que não, isso seria ruim para os negócios. Eu poderia ter ido me
hospedar no Ritz. — Breckman olhou torto para o gerente. — Então, trouxe a
mademoiselle ao meu quarto para ela se desculpar pelas suas escolhas?
— Monsieur — Acacia interveio. — Agora que sabe sobre a situação de
Marcel, espero que me permita auxiliá-lo durante sua estadia.
O hóspede a encarou.
— Você é corajosa. — E olhou para o gerente. — Mais do que você.
O gerente começou a gaguejar, mas monsieur Breckman o interrompeu
acenando com a cabeça para Acacia.
— Estou ouvindo, mademoiselle.
— Estudei na Sorbonne e falo seis idiomas. Tenho contatos na cidade toda
e me orgulho de abrir portas para nossos hóspedes. Como disse antes, sou
membro do Les Clefs d’Or.
Imediatamente a expressão do homem se tornou menos severa.
— Sorbonne?
— Sim, monsieur. — Acacia resistiu à tentação de olhar para a cicatriz.
O hóspede a encarava atentamente.
— Talvez tenha algo em que possa me ajudar.
— Excelente. — O gerente estendeu a mão para o hóspede, que a apertou.
— Bem-vindo de volta ao Hotel Victoire.
O gerente dirigiu à Acacia um olhar de alerta e se afastou pelo corredor.
Monsieur Breckman permaneceu ao lado de seu enorme guarda-costas.
Nenhum dos dois fez menção de convidá-la a entrar ou dispensá-la.
— Como posso ajudá-lo? — Acacia perguntou.
O homem falou em inglês com o guarda-costas, com um sotaque de
Oxbridge.
— Está tudo bem, Rick. Duvido que mademoiselle seja uma ameaça.
Rick abriu mais a porta e permitiu que Acacia entrasse. Depois de fechá-la,
posicionou-se entre a jovem e o chefe.
O chefe se virou de repente e se afastou.
Acacia o seguiu com os olhos. Os passos sem pressa e os ombros largos
sugeriam con ança e controle. Quando ele desapareceu de vista, ela voltou a
prestar atenção no guarda-costas.
A aparência de Rick não lhe dizia nada, ele apenas a olhava com uma
expressão indiferente. Acacia pôs a mão na maçaneta, pensando em escapar.
— Rick, acompanhe mademoiselle Santos à sala de estar. — A voz de
Monsieur Breckman atravessou o corredor.
Acacia se assustou, surpresa ao constatar que o hóspede sabia seu
sobrenome. Monsieur Roy certamente não a havia chamado por ele.
Rick acenou com o queixo na direção em que o chefe tinha seguido.
Ela caminhou com nervosismo para a sala de estar. Não tinha ideia do que
o hóspede diria ou faria a seguir.
A sala de estar da cobertura era decorada com elegância, em brocado
dourado e tons de azul-claro, com cortinas de seda branca e mobília majestosa.
Grandes arranjos de ores frescas haviam sido colocados em diversos locais, e
livros de arte formavam pilhas imperiosas sobre a mesa na frente do sofá.
Monsieur Breckman estava no bar, onde havia uma boa variedade de
bebidas sobre um móvel antigo de madeira. Ele cochichou brevemente com
Rick, que desapareceu na saleta vizinha e deixou a porta de ligação entreaberta.
A saída de Rick chamou a atenção de Acacia para as janelas panorâmicas,
cujas cortinas estavam abertas. Era possível ver a varanda e, além dela, a Torre
Ei el.
Acacia colocou a agenda de concierge embaixo do braço. Queria entender
como Monsieur Breckman tinha descoberto a verdade sobre a ausência de
Marcel.
Ele deve ter fontes na polícia.
O hóspede pôs cubos de gelo em um copo alto. Serviu uma dose de vodca
Grey Goose e mexeu a bebida antes de acrescentar água tônica e uma fatia de
limão.
Ele levou o copo aos lábios e parou, intrigado com o espelho elegante
pendurado sobre o bar.
Acacia o viu mudar de posição discretamente, de forma a não poder mais
ver a própria cicatriz.
Ela olhou para o chão, constrangida por ter testemunhado um momento
tão íntimo.
— Decidi aumentar meu efetivo de segurança — ele anunciou. — Quando
a equipe chegar, quero que seja acompanhada até aqui. De agora em diante,
vou usar a entrada dos fundos do hotel.
— É claro — Acacia respondeu. — Suponho que sua equipe de segurança
queira conversar com a segurança do hotel. Posso marcar uma reunião.
— De jeito nenhum. A segurança do hotel falhou com Marcel.
Acacia conteve a irritação.
— Posso garantir que camos todos muito abalados com o que aconteceu.
A gerência está tomando providências para cuidar da situação.
— Perdoe-me se não con o na gerência. — O homem se apoiou no bar, de
costas para o espelho. — Estou curioso. Quando soube sobre o ataque?
Acacia hesitou.
O homem levantou uma sobrancelha.
Ela engoliu em seco.
— Ontem à noite. Monsieur Roy telefonou para minha casa.
— Marcel tinha inimigos? Uma amante ressentida? Alguém que pudesse
desejar seu mal?
— Não sei nada da vida pessoal dele. Alguns de nossos hóspedes são…
desa antes. — Acacia tomava cuidado para evitar encarar o hóspede nesse
momento. — Mas Marcel é respeitado. A polícia disse que foi um assalto.
— Então a polícia mentiu. Assalto é um crime de oportunidade,
normalmente conduzido rapidamente e com violência mínima. Marcel sofreu
várias fraturas e um ferimento na cabeça. Foi atacado pouco depois do m de
seu turno e arrastado para um canto, fora do alcance do porteiro do hotel. Isso
parece premeditado, não uma questão de oportunidade.
Acacia arregalou os olhos.
— Como sabe?
O homem levou o copo aos lábios.
— Pesquisa.
— Por que a polícia mentiria?
— Falou com eles diretamente?
— Um o cial me interrogou quando cheguei hoje de manhã, mas não me
disse nada. Foi monsieur Roy quem falou com a equipe. — Acacia aproximou-
se um passo. — Por que alguém desejaria machucar Marcel?
— Essa é uma boa pergunta. — O hóspede girou o conteúdo do copo.
— Alguém precisa falar com a polícia. Marcel ainda pode estar em perigo.
— A polícia parisiense não é boba. Eles sabem sem que alguém precise
avisar.
Acacia re etiu sobre suas palavras. Tinha um contato na Brigade de
Répression du Banditisme, mas não gostava da ideia de procurá-lo. Que contatos
tinha monsieur Breckman?
Ela inclinou a cabeça na direção do corredor.
— Preciso voltar à minha mesa para poder receber seu efetivo de segurança.
O hóspede dirigiu-se ao sofá. Sentou-se e esticou as longas pernas.
— Nasceu em Portugal, mademoiselle?
— Brasil. Monsieur, sua reserva no Guy Savoy’s está marcada para as vinte
horas. Imagino que queira relaxar antes do jantar. Se não precisa de mais nada,
lhe desejo uma boa noite. — Ela forçou um sorriso e se virou para sair.
— Há quanto tempo mora em Paris?
Acacia parou. Evitava compartilhar detalhes de sua vida pessoal com os
hóspedes, mas não havia esquecido a ameaça do gerente. Monsieur Breckman
era um hóspede de grande importância.
Ela o encarou.
— Vim a Paris como estudante.
— Estudou idiomas?
Ela examinou sua expressão. Se o hóspede ngia interesse, era um ator
excelente.
— Entre outras coisas — respondeu.
— Por exemplo? — Seus olhos escuros a imobilizavam.
— Estudei arte. — Sua postura cou tensa.
O homem levantou as sobrancelhas.
— Qual período?
— Impressionismo.
Breckman apontou para uma gravura de Edgar Degas, A Aula de Dança,
pendurada na parede do outro lado.
— Você é a responsável por aquilo?
Ela sorriu para si mesma.
— Não, o hotel tem um designer de interiores que é responsável pela
decoração.
— Sinto que Degas não é seu favorito.
— Pre ro Monet.
— Monet é muito popular.
— Pode-se dizer que Degas é ainda mais, se levarmos em consideração o
número de obras dele que foram roubadas.
— Roubadas? — o hóspede repetiu, os olhos repentinamente atentos.
— Houve o roubo ao Gardiner Museum nos Estados Unidos. E o Musée
d’Orsay perdeu seu As Coristas, roubado quando estava emprestado em
Marseilles.
— Sim, mas As Coristas foi recuperado. Infelizmente as obras do Gardiner
nunca foram encontradas. — O hóspede terminou de beber seu drinque. — O
que acha de Matisse?
Acacia franziu o cenho.
— Matisse é pós-impressionista.
Os cantos da boca do hóspede se voltaram para cima.
— Sério?
Acacia cou ainda mais séria.
— Estou brincando — disse o homem com suavidade.
Quando a expressão severa de Acacia não se modi cou, o sorriso dele
desapareceu.
— Posso lhe oferecer uma bebida? — perguntou, a caminho do bar.
Acacia piscou.
— Obrigada, mas estou trabalhando.
— É claro. Esqueci. — E preparou mais uma vodca com tônica. —
Monsieur Roy implementou novos protocolos para a saída da equipe nos turnos
da noite?
— Não. Ele contou a todos nós o que aconteceu com Marcel. Aceitamos
colaborar com a investigação da polícia.
— Ele não sugeriu escolta para ninguém?
— Não. — Acacia mudou a agenda de mão. — Acha que corremos perigo?
O homem a encarou pelo espelho.
— O que acha?
— Não consigo imaginar que tipo de criminoso atacaria um concierge. —
Ela tocou os broches na lapela. — Nosso trabalho é ajudar pessoas.
O homem se virou.
— Usa o metrô para vir ao hotel e ir embora?
— Normalmente não.
— Tem carro?
— Dirijo uma motocicleta.
— Motocicleta? — Suas sobrancelhas subiram quase ao ponto de
encostarem na linha do cabelo.
Ela conteve um sorriso.
— Sim.
— Espero que use capacete. Os motoristas em Paris são doidos.
— Sim, monsieur. — Ela adotou um tom sério. — Sempre uso capacete.
Seus olhos escuros se encontraram com os dela.
— Quando sair hoje à noite, peça a um dos porteiros para acompanhá-la
até sua motocicleta. E insista para que ele que com você até que tenha partido
em segurança.
Acacia alternou o peso do corpo entre um pé e outro, surpresa com a
demonstração de cuidado do hóspede.
— Ficarei mais atenta ao chegar e sair do hotel. Mas estamos em uma área
segura da cidade.
— A falta de consideração do gerente com sua equipe é realmente
chocante. — Ele olhou para a bebida. — A menos que…
Quando o hóspede não prosseguiu, Acacia o incentivou:
— Monsieur?
Ele deixou o copo sobre o bar e desapareceu no interior do quarto,
deixando Acácia confusa para trás.
Um momento depois, o homem voltou carregando uma caixa vermelha
com detalhes em ouro. Olhava para ela com ar solene.
— Hoje não foi o melhor dia de todos.
— Lamento, monsieur.
— Não tanto quanto eu. Receio ter sido um idiota, e agora me dou conta
disso. — Ele suspirou. — Consegue ser discreta?
— Certamente. Para uma concierge, discrição é essencial.
— Marcel fez alguns… arranjos que devem ser desfeitos. — Ele entregou a
caixa para ela. — Pode devolver isso a Cartier pessoalmente?
— Sim. — Ela pegou a caixa e não esboçou reação. Talvez estivesse
segurando um anel de noivado.
Acacia sentiu certa compaixão pelo hóspede. Tinha visto em seu registro
que ele deveria ter vindo com uma acompanhante. Talvez sua impaciência
estivesse relacionada a assuntos sentimentais.
Ela passou a ver monsieur Breckman com outros olhos.
— Há algo mais que eu possa fazer?
— Há outros objetos. — Ele inclinou a cabeça na direção do quarto. —
Que devem ser devolvidos.
— É claro. Devo levá-los agora?
Ele assentiu.
Acacia passou por ele a caminho do quarto e viu três grandes sacolas de
compras sobre a cama, cada uma com um logo, Chanel, Louis Vuitton e a grife
de lingerie Modiste.
O hóspede gastou muito dinheiro com presentes caros, e, possivelmente,
um anel de noivado, e agora pedia a uma desconhecida para devolver tudo.
Acacia apertou os lábios para evitar um comentário. Sabia que o hóspede não
apreciaria sua compaixão.
Ela pegou as sacolas com as duas mãos, equilibrando a caixa da Cartier e
sua agenda, antes de voltar à sala.
— Algo mais?
— Não. — Ele pôs as mãos nos bolsos.
— Espero que aproveite a noite no Guy Savoy’s. A sopa de alcachofras com
trufas negras é muito recomendada.
Monsieur Breckman pegou o copo do bar. Depois virou e a encarou.
— Obrigado.
— Por nada. — Acacia arriscou um sorrisinho antes de sair.
Modiste não aceitava devoluções de lingerie feitas por encomenda. O gosto de
monsieur Breckman era impecável. Ele havia escolhido um corselete de cetim
azul-claro, com acabamento de renda preta e dois jogos de calcinha e sutiã em
vermelho e preto. As peças foram feitas para uma mulher alta e magra com
seios pequenos.
Monsieur Breckman teria que car com a lingerie. Acacia esperava que ele
gostasse das peças.
Ela devolveu todos os outros itens, inclusive um invejável par de brincos de
diamantes da Cartier. Em cada butique que visitava, fazia questão de se
apresentar ao gerente; com alguns, estabeleceu contato prévio por telefone. O
sucesso de Acacia como concierge estava relacionado a sua atitude: ela encarava
as tarefas não como um fardo, mas como oportunidades, cultivando amizades e
sendo sempre educada e pro ssional.
No m de seu horário de trabalho, havia trocado o uniforme por jeans,
jaqueta de couro e botas de motociclista. Yusuf, um dos porteiros, teve a
gentileza de acompanhá-la até a moto e esperar que fosse embora. Ela con ava
na capacidade de cuidar de si mesma, e sua con ança se pautava em sabedoria.
Ter um acompanhante poderia deter um possível atacante.
Era verão em Paris. O clima estava quente, e o sol ainda brilhava quando
ela acelerou pela avenue George V e virou à direita na Champs-Élysées,
seguindo na direção oposta à do Arco do Triunfo. Acacia ia desviando do
trânsito pela avenida de várias faixas.
Poderia ter evitado o tráfego carregado da Champs e escolhido uma rota
mais e ciente, mas não o fez. Ela gostava da paisagem ao longo da avenida e
encarava o trânsito por isso.
O vento batia em seu rosto e fazia dançar os cachos que haviam escapado
do resistente capacete. Olhando brevemente ao redor algumas vezes,
apreciando a vista, passou pelo Grande Palais, Petit Palais e aproximou-se da
Place de la Concorde, antes de seguir para o sul, rumo ao rio Sena.
Acacia tinha de se esforçar para manter os olhos longe do rio e no trânsito
diante de si. O Sena era fascinante. Passava horas andando pelas margens e
pontes, às vezes com amigos, às vezes sozinha.
Barcos transportando turistas subiam e desciam o rio. Mas o Sena estava
alto este verão, graças a duas semanas de chuva forte. Quando se aproximava
da Pont des Arts, uma de suas pontes favoritas, Acacia viu um barco de turistas
manobrando. A ponte era baixa demais para ele.
Ela olhou para o Louvre à esquerda, antes de continuar para a Pont Notre-
Dame, atravessar a Île de la Cité e seguir para a Rive Gauche.
Antes de deixar a ilha, Acacia fez um desvio pela Catedral de Notre-Dame,
diminuindo a velocidade a um nível quase inaceitável. A estrutura do século
XIII era menor do que se podia esperar, especialmente para quem a tinha visto
em lmes. Mas era muito impressionante, com suas torres gêmeas e portais
entalhados na fachada ocidental.
Acacia não era cristã, mas decidiu que iria à missa na Catedral na próxima
vez que tivesse tempo. A experiência estética alimentava a alma, e ela não
conseguia admirar os vitrais estando em sua moto.
Ela se afastou da Notre-Dame e seguiu para o norte, a m de passar pela
casa histórica de Héloïse e Abélard. Não gostava da história deles. Em sua
opinião, Abélard era manipulador e controlador, e Héloïse foi ingênua e
carente. Mas Acacia respeitava o amor entre eles, mesmo sem conseguir
compreendê-lo. Então, com uma das mãos sobre o coração, homenageou os
amantes mortos no século XII.
Depois fez o retorno para voltar à Petit Pont e atravessar para o Quartier
Latin, onde morava. Sorriu ao ver alguns prédios da Sorbonne, sua antiga
universidade, antes de entrar na Rue Sou ot e estacionar a motocicleta.
Acacia morava em um pequeno estúdio no terceiro andar de um edifício
antigo, mas bonito, na esquina da Rue Saint-Jacques com a Rue Sou ot. Os
pais de uma amiga eram proprietários do estúdio e cobravam um aluguel
razoável graças à amizade que mantinha com a lha deles. Acacia morava no
apartamento desde que era estudante.
Não tinha elevador, mas poucos prédios antigos tinham. Ela subiu a escada
carregando sua mochila.
— Ei — Kate, sua vizinha americana, a cumprimentou em inglês ao se
aproximar.
— Oi. — Acacia parou enquanto Kate trancava a porta do apartamento
que dividia com uma amiga, Violaine.
— O que aconteceu? — Kate jogou para trás a confusão de cabelos
vermelhos que emolduravam seu rosto. — Faz tempo que não te vejo.
— Estava trabalhando. Como você está?
— Cansada. A faculdade está me metendo a porrada. — Kate ajeitou a
mochila sobre um ombro. — Bernard vai dar uma festa no sábado à noite.
Você podia ir.
— Adoraria. — O sorriso de Acacia era cuidadosamente neutro.
— Sério? A última vez que disse que iria você não apareceu. — Kate fez
uma careta.
— Me chamaram no trabalho. Vou tentar aparecer dessa vez.
— Ótimo. As festas do Bernard são as melhores, e ele vai car feliz se você
for. — Kate afagou o braço de Acacia ao passar por ela. — Dá um abraço no
Claude por mim.
Acacia riu e balançou a cabeça. Kate era animada e generosa com os
amigos, e eles eram muitos. Ela até chegou a tentar juntar Acacia e Bernard,
que era jornalista do Le Monde.
As festas de Bernard eram as melhores, isso era verdade. Ele gostava de boa
comida e bom vinho, e sempre reunia um grupo interessante e variado de
convidados. Mas Acacia não sentia nenhuma atração por ele, e envolver-se com
um jornalista era tudo, menos seguro.
Ela entrou no apartamento. Claude a cumprimentou com um miado e se
esfregou em suas pernas até ela o pegar para um abraço de verdade. Os olhos
do gato eram grandes, amarelos, e o pelo era preto e macio. Ela o havia
encontrado em sua porta numa noite molhada e chuvosa. Com exceção de
Acacia e Kate, o gato odiava todo mundo.
— Olá, fofo — ela falou em português antes de alimentá-lo e ir abrir a
correspondência.
Depois de um jantar simples e uma generosa taça de vinho branco,
debruçou-se sobre uma cópia impressa do per l de hóspede de monsieur
Breckman, que tinha levado para casa dentro da mochila. Talvez ele estivesse
constrangido por ter pedido para Acacia devolver os presentes que comprara
para a namorada, por isso preferia ser atendido por Marcel. Mas alguma coisa
nessa hipótese não a convencia.
— Marcel devia ter marcado uma reunião. — Acacia falava com Claude,
que estava encolhido em seu colo desde que ela se sentou à mesa da cozinha.
— Mas não tinha nenhum compromisso extra na reserva. Marcel não costuma
esquecer nada.
Claude piscou os olhos amarelos, como se concordasse.
— A menos que ele tenha tentado marcar a reunião e não tenha
conseguido — Acacia pensou em voz alta. — Mas ele não teria avisado
Breckman antes de sua chegada?
Marcel era o concierge sênior, e o homem se orgulhava muito de seu
trabalho. Não teria esquecido uma tarefa para um hóspede importante. E tinha
a questão do ataque sofrido. Acacia estava propensa a acreditar mais na polícia
do que em monsieur Breckman, mas a avaliação dele também fazia sentido.
Marcel tinha sido espancado, o que não era típico de um assalto comum.
Talvez monsieur Breckman passasse muito tempo assistindo a séries de
drama policial americanas. Ele parecia ter uma curiosa compreensão da mente
criminosa.
De acordo com o arquivo contrabandeado, Pierre Breckman era um
empresário de Mônaco. A natureza de seus negócios não era revelada. Ele tinha
uma classi cação de quatro estrelas e meia no hotel, o que Acacia achava
surpreendente. Cinco estrelas eram reservadas para realeza e chefes de estado.
Quatro estrelas eram dadas a celebridades de algum tipo. Pierre Breckman não
era nada disso, mas evidentemente — como a gerência enfatizara — era um
hóspede de grande importância.
Tinha trinta e oito anos, gostava de jazz e restaurantes com estrelas
Michelin, visitava Paris várias vezes ao ano. De acordo com as anotações de
Marcel, não era incomum Breckman socializar com a elite do mundo. Ele
também gostava de eventos esportivos, como futebol europeu e o torneio de
Roland Garros.
Durante as estadias no Hotel Victoire, três acompanhantes diferentes, todas
bem mais novas do que ele, o haviam acompanhado nos últimos cinco anos.
Monsieur Breckman não era considerado difícil ou problemático, o que tornava
seu comportamento nesse dia, mais cedo, intrigante. Compreensivelmente, ele
era sensível quanto à cicatriz. Mas seu prontuário não mencionava
comportamento explosivo ou sem limites.
Silke Rainier, uma modelo suíça, era a última parceira de monsieur
Breckman. A separação devia ser recente, considerando que Marcel a havia
incluído nos comentários da reserva atual.
Acacia deixou de lado as páginas impressas. Sabia que os funcionários das
reservas e o pessoal da governança poderiam ter informado muito mais do que
estava registrado no prontuário. Mas não era amiga da governança, e não
queria despertar suspeitas do pessoal da recepção e reserva, uma equipe
conhecida pelo gosto por fofoca.
Ela abriu o notebook e pesquisou Pierre Breckman no Google, só encontrou
informação su ciente para con rmar o que estava descrito no arquivo.
Estranhamente nenhuma das ocorrências incluía fotogra as.
Pesquisar Silke gerou centenas de ocorrências. Embora Acacia não a
reconhecesse, havia fotos de mademoiselle Rainier espalhadas pela internet,
inclusive imagens recentes dela fazendo topless no deque de um iate com um
astro do cinema americano. O jeito como acariciava o rosto sem marcas de seu
novo parceiro parecia calculado, talvez uma forma de punição para monsieur
Breckman, que sem dúvida veria as fotos.
— Que ostentação cruel — cochichou Acacia.
Claude respondeu esfregando a cabeça em sua barriga, como se
concordasse.
Enquanto monsieur Breckman estava ocupado comprando presentes para a
namorada, ela fazia topless com outro homem. Acacia fechou o navegador.
Monsieur Breckman não era o tipo de homem que lidava bem com piedade.
Ficou bravo quando ela se desculpou por olhar para a cicatriz. É claro, devia ter
visto as fotos da ex-namorada. Por isso estava tão irritado.
Mas o interesse de monsieur Breckman pelo ataque a Marcel tinha parecido
pessoal, assim como as perguntas sobre os contatos de Marcel. Mais uma vez,
ela estudou as anotações na reserva em busca de informações sobre uma
reunião, mas não encontrou nada.
Acacia tratava com grande seriedade sua associação ao Les Clefs d’Or, e
nunca desonraria a organização participando de nada ilegal. Nem todos os
concierges eram escrupulosos assim. Nunca surpreendeu Marcel cometendo
uma infração, mas como ele era seu superior e extremamente discreto, era bem
possível que acordos tivessem passado despercebidos.
Acacia en ou a mão na gola da camiseta e puxou o amuleto hamsá que
sempre usava. Nunca tirava seu pingente de proteção. No entanto, por causa
da hostilidade quanto a símbolos religiosos na França, tomava o cuidado de
manter o colar escondido.
Muito mais tarde, ela estava na cama com Claude encolhido nos
cobertores, perto dos pés. Sonolenta, olhava para uma gravura de uma de suas
telas favoritas, Crepúsculo em Veneza, de Monet, na parede em frente à sua
cama.
O Museu de Arte Bridgestone em Tóquio tinha a pintura original. Embora
nunca a tivesse visto pessoalmente, Acacia se apaixonou por ela quando
começou a estudar o movimento impressionista.
A pintura mostrava a igreja de San Giorgio Maggiore, uma ilha paradisíaca
cercada por água e céu. Monet tinha usado tons de laranja e rosa para retratar a
luz do sol poente, escurecendo para azuis e verdes nas beiradas da pintura. A
igreja parecia uma cidade utuante, escura e sombria contra a luz quente.
Ela estudava as pinceladas, admirando como Monet usava as linhas
onduladas aqui e ali para dar a impressão de ondas em suave movimento. Se
prestasse muita atenção, podia esquecer tudo à sua volta e desaparecer na
pintura. Podia sentir a luz do sol desaparecendo, dançando em sua pele. Podia
sentir o cheiro do mar.
Acacia não era uma idealista. Os ideais que poderia ter morreram anos atrás
em Amã. É claro, ninguém que era parte de sua vida atualmente, sabia disso.
Estava determinada a manter as coisas assim, por isso se escondia atrás de um
uniforme azul-marinho, atendendo a uma clientela transitória, sem nunca
deixar ninguém se aproximar muito – nem mesmo Luc, seu ex-namorado.
Acacia fechou os olhos. Não gostava de pensar em Luc e em como tudo
entre eles tinha terminado. Não gostava de pensar em car deitada ao lado dele
nessa mesma cama, sentindo a mão acariciar sua pele nua e ouvindo seus
sussurros. Não teve outro amante depois dele.
Por mais que tentasse negar, Acacia era uma pessoa solitária. Raramente
admitia isso, e ainda mais raramente lidava com a situação. Mas, como muitas
pessoas, desejava ter amor e companhia. Desejava honestidade e intimidade,
embora tivesse vivido por anos sem isso tudo.
Acacia abriu os olhos e virou de lado. Claude miou sua reclamação por ter
de sair do lugar.
O trabalho no hotel era bem remunerado, recebia milhares de euros em
grati cações além do salário, o que permitia que sustentasse a mãe em Recife.
Além disso, aos poucos ia construindo suas economias — sua estratégia de
saída — e esperava um dia poder trabalhar em uma galeria.
Por acaso, os olhos encontraram a agenda de trabalho sobre a mesinha de
cabeceira.
Todo concierge bem-treinado mantinha um registro das solicitações feitas
pelos hóspedes do hotel. Ela carregava sua agenda o tempo todo, e era por isso
que a deixava sobre a mesa de cabeceira. Os contatos e comentários dentro dela
eram con denciais demais para serem deixados na mesa de concierge ou em
seu armário no hotel.
Se monsieur Breckman tivesse pedido para Marcel marcar uma reunião,
Marcel teria registrado os detalhes. De fato, qualquer trabalho que ele tivesse
feito para Breckman teria sido anotado, com uma possível exceção para
atividades ilegais. Sem dúvida, Marcel carregava sua agenda quando foi
atacado, o que signi cava que ela poderia ter cado na rua perto do hotel.
Talvez a polícia não a tivesse visto.
Acacia resolveu procurar a agenda antes de ir trabalhar no dia seguinte.
Pierre Breckman se sentou no incrível terraço de sua suíte e olhou para a Torre
Ei el iluminada. Bebia vodca sem tônica e tentava entender como todos os
seus planos foram por água abaixo.
Silke tinha terminado com ele de um jeito muito público. Sua pressão
sanguínea aumentava quando lembrava das fotogra as dela com o novo
amante. A mulher não merecia nem seu desprezo por uma exibição tão
narcisista, mas ainda estava furioso. Silke feriu seu orgulho, embora odiasse
admitir. Não foi a primeira vez.
Ele caminhou até a grade da varanda e se debruçou. Podia ouvir o
substituto de Rick para o turno da noite andando lá fora, simplesmente para
car de olho nele. Depois pensou na brasileira alta, com impressionantes olhos
cor de avelã. Ela havia estado em sua suíte e discutido as qualidades de Monet.
Havia nela uma franqueza que provocava seu interesse. Era pro ssional e
honesta, ou parecia ser. Considerando o caráter dos colegas dela, tinha suas
dúvidas. Pierre bebeu um gole do drinque. Corrupção podia ser induzida e
exposta com algumas sugestões bem pensadas.
Quando a raiva diminuía, ele percebia os efeitos enfraquecedores da fúria.
Tornava as pessoas impetuosas. Tolas. Havia jurado nunca mais ser nada disso.
A Torre Ei el piscava para ele, convidando-o a uma visita. Para isso,
precisava de uma companhia digna de um lugar tão lindo e romântico.
Às vezes, era como se estivesse cercado de cobras. Não havia em nenhum
lugar uma mulher digna da Torre Ei el.
Ele deu as costas para a torre e entrou na suíte.
Na manhã seguinte, Acacia visitou o dojô muito mais cedo que de costume,
para que pudesse ter tempo para procurar a agenda de Marcel. Mantinha
segredo sobre se dedicar às artes marciais. Luc sabia, é claro. Quando estavam
juntos, suas visitas diárias ao local coincidiam com o horário em que ele estava
na academia.
A mãe a havia matriculado em aulas de jiu-jitsu quando era criança,
esperando que pudesse se defender sozinha. Realmente, as aulas se provaram
muito úteis. Quando se mudou para a França, trocou para o caratê. Acacia
gostava tanto da con ança silenciosa que as artes marciais davam a ela, quanto
da força que conferiam ao seu corpo.
Ela chegou ao hotel quarenta e cinco minutos antes do horário e estacionou
a motocicleta perto de uma das entradas para pedestres para o estacionamento
subterrâneo do Victoire, na frente do hotel, do outro lado da rua.
Antes de desligar o motor da moto, tomou o cuidado de olhar em volta. A
avenue George V era sempre movimentada — carros estacionados aqui e ali,
tráfego se movendo pela rua de maneira constante e pedestres ocupando as
calçadas. Foi com cuidado que ela se aproximou da motocicleta de Marcel,
estacionada ali perto.
A avenida atravessava um bairro onde havia butiques de luxo, inclusive
Hermès, Bulgari, Givenchy e Saint Laurent. A rua tinha duas vias à sombra de
árvores antigas. Prédios altos se sucediam nos dois lados. Devido ao número de
carros e vans estacionados, havia muitos lugares onde se esconder.
Havia outras motocicletas ao lado da de Marcel. Restos da ta de
isolamento usada pela polícia ainda podiam ser vistos grudados na moto, mas a
área tinha sido limpa.
Acacia olhou embaixo das motocicletas e vespas procurando o diário.
Olhou na rua e na calçada e examinou os bueiros próximos ao meio- o. Espiou
até em uma lata de lixo próxima. A agenda não estava em lugar nenhum.
Enquanto veri cava a área, se deu conta de que havia algo estranho no local
escolhido pelo atacante, do outro lado da rua do hotel. Era uma rua agitada, o
ataque devia ter sido testemunhado. Mas nenhuma testemunha se apresentou,
exceto uma pessoa que tropeçou no corpo ensanguentado de Marcel e chamou
a polícia.
Em alguns aspectos, ser concierge era como ser detetive. Era preciso
resolver problemas, encontrar coisas e, de vez em quando, localizar pessoas.
Acacia se perguntava se Marcel havia encontrado alguma coisa que o pusera em
risco.
Ela percorreu a breve distância até a entrada de serviço do hotel e trocou de
roupa na sala dos funcionários, ajeitando orgulhosamente os broches de
concierge na lapela do uniforme azul-marinho. No começo do plantão, se
sentou atrás da mesa de concierge e colocou sua agenda ao lado do notebook
do hotel. Olhou os compromissos do dia e procurou sua caneta. Tinha sumido.
Pensando que a havia deixado cair, empurrou a cadeira para trás e olhou
embaixo da mesa. A caneta estava no chão, à direita, embaixo das gavetas. Ela
estendeu a mão para pegá-la, e quando a recuperou, a mão encostou na gaveta.
Mas em vez da solidez da madeira, encostou em outra coisa. Confusa,
tateou o fundo. Alguém havia prendido alguma coisa parecida com um livro na
parte de baixo.
— Preciso da concierge. — A voz imperiosa soou acima dela.
Acacia ergueu o corpo e puxou a cadeira para mais perto da mesa. Depois
sorriu para a mulher idosa e bem-vestida.
— Sim, madame.
Pelo canto do olho, ela viu monsieur Breckman entrar no saguão vestindo
outro terno preto, cercado por uma equipe de segurança que agora era
composta por seis homens.
Acacia se perguntou se ele sempre usava ternos pretos. Também se
perguntou se a Terra deixaria de girar em torno de seu eixo se ele usasse,
digamos, azul-marinho.
Monsieur Breckman se dirigia ao balcão de reservas. Quando a viu, mudou
de direção, levando toda a equipe de segurança que o seguia como um bando
de patinhos de terno escuro atrás da mãe.
A mulher idosa bufou, como se a momentânea distração de Acacia fosse
um desperdício de seu valioso tempo.
Acacia alargou o sorriso e apontou para uma das cadeiras.
— Eu sou a concierge, senhora. Como posso ajudá-la?
A mulher se recusou a fazer contato visual e ajeitou a jaqueta Chanel.
— Não quero falar com alguém da Espanha. Quero um concierge francês.
Acacia manteve o sorriso rme.
— Sou brasileira, mas moro aqui em Paris. Será um prazer ajudá-la.
— Vá chamar um concierge francês. — A mulher se acomodou em uma
das cadeiras, sem se dar o trabalho de olhar na direção de Acacia.
— Bom dia, mademoiselle — Monsieur Breckman cumprimentou Acacia ao
se aproximar da mesa. Ele olhou de cima para a mulher idosa. — Quando
terminar seu assunto com a concierge, preciso falar com ela.
— Não trato com estrangeiros — a mulher disse de forma afetada. —
Estou aguardando para falar com um concierge francês.
O homem se apoiou nos calcanhares, e suas sobrancelhas se uniram.
— Estrangeiros? E de onde você é, senhora?
A mulher deslizou os dedos pela logo dourada de sua bolsa Chanel.
— Sou de Lyon.
— É mesmo? — Os olhos de Breckman brilharam debochados. — Então
deve conhecer a história de Lyon.
— Certamente. Passei toda minha vida lá.
— Então é quase certo que a senhora também seja uma imigrante. — O
homem examinou o teto como se estivesse pensando. — Se me lembro bem da
história de Lyon, imigrantes romanos chegaram de Viena no primeiro século.
Estava lá nessa época?
A mulher gaguejou, mas monsieur Breckman continuou.
— E quanto aos refugiados borgonheses que fugiram dos Hunos no século
cinco? Certamente se lembra deles, levando em conta há quanto tempo vive
em Lyon, não?
— Como se atreve? — Ultrajada, a mulher cou vermelha.
— Como se atreve, senhora. — O homem a encarou. — Como a
revolução nos ensinou, ser francês é se dedicar aos princípios de liberté, egalité e
fraternité. Como a senhora abandonou esses princípios, a senhora deixou de ser
francesa.
Acacia levantou-se atrás da mesa e interrompeu.
— Madame, posso chamar um de meus colegas, se preferir.
— Fascismo e xenofobia não têm lugar na França — continuou o hóspede,
e seus olhos castanhos brilharam. — Não têm lugar no mundo, embora pareça,
infelizmente, que se instalaram em Lyon.
— Vou conversar com o gerente sobre essa conversa absurda. — A mulher
idosa olhava para monsieur Breckman como se o esfaqueasse com os olhos. —
Nunca fui tão insultada em toda a minha vida.
O homem se inclinou.
— Por favor, mande lembranças minhas a monsieur Roy. Ele sabe onde me
encontrar.
A mulher o tou com arrogância e seguiu Acacia para o balcão de reservas,
onde foi apresentada à Céline, cujos olhos eram azuis, e os cabelos, loiros.
Quando Acacia voltou, monsieur Breckman já estava sentado na cadeira
diante da mesa dela. Sua equipe de segurança tinha recuado, com exceção de
Rick, que permanecia ao seu lado.
Ela se sentou e abriu a agenda.
O hóspede inclinou a cabeça na direção do balcão de reservas.
— Isso acontece com frequência?
— Monsieur, eu…
— Mademoiselle? — Os olhos encontraram os dela, o tom era mais de
autoridade que de solicitação.
Ela deu de ombros, consciente de que o saguão estava cheio de hóspedes e
outros funcionários.
— Como foi sua noite?
O homem ignorou a pergunta enquanto estudava os outros hóspedes.
— O sentimento anti-imigração está em alta na Europa. Não esperava
encontrá-lo aqui.
— Paris é um mundo inteiro. — Acacia tentou encerrar a situação com
humor.
— É o que dizem — ele respondeu, olhando nos olhos da mulher. — É
mais controlada do que eu.
— Uma concierge presta serviço por intermédio da simpatia.
— Simpatia com uma pessoa xenófoba? Acho improvável.
— Não podemos escolher nossos hóspedes, mas podemos escolher como
reagimos. — Acacia olhou para o balcão, onde a mulher de Lyon parecia estar
dando trabalho para Céline.
Depois ela olhou novamente para o homem sentado à sua frente.
— Se alguém me dirige ódio e eu respondo da mesma forma, tudo que faço
é reforçar seu ódio. Se respondo com gentileza, mudo o rumo da conversa.
Talvez, ao receber gentileza, a pessoa que me odeia perceba que há um modo
melhor, mais pací co, de fazer as coisas.
Monsieur Breckman fez um barulho que se aproximava perigosamente de
uma risada sufocada.
— Está me censurando por ter posto a mulher no lugar dela?
— Não, monsieur.
O hóspede a encarou com um olhar duro.
Acacia levantou a caneta num gesto determinado.
— Como foi o café da manhã? Tudo de acordo com seu gosto?
— Agora que estou pensando nisso, não há muita diversidade na equipe do
hotel. — Ele olhou de novo para Céline.
— Garanto que há diversidade, sim. — Acacia olhou para a mesa. Estava
a ita para pegar o objeto misterioso preso à gaveta, mas não na frente de
monsieur Breckman.
— Estou atrapalhando alguma coisa? — Os olhos do hóspede passaram do
rosto dela para a mesa.
— Não, monsieur. — Ela corou. — Como foi o jantar no Guy Savoy’s
ontem à noite?
— Uma obra de arte. O próprio chef cumprimentou os clientes. Você o
conhece?
Ela sorriu melancólica.
— Não tive esse prazer.
— Sério? — Monsieur Breckman parecia surpreso. — Soube que sugere o
restaurante a hóspedes regularmente.
— É verdade.
— E nunca jantou lá?
— Visitei o restaurante uma vez. Fiquei impressionada com a localização.
Aquele prédio já abrigou a French Mint.
Ele a analisou.
— Deve ser horrível organizar todas essas experiências luxuosas para seus
hóspedes, mas nunca viver nenhuma delas.
— Pre ro pensar nisso como uma oportunidade. — Ela folheou a agenda
para rever os registros do dia anterior. — Em relação aos objetos que me
entregou ontem, consegui devolver todos, exceto os presentes da Modiste.
Sinto muito, mas eles não aceitam devolução de itens feitos sob medida.
— Droga. — Ele olhou para Acacia. — Esses produtos não têm utilidade
para mim.
Ela mordeu a parte interna da bochecha para não fazer um comentário
impertinente.
— Posso fazer uma sugestão?
— Certamente.
— Como os produtos não foram usados, podem ser doados para alguma
obra de caridade. Existe uma organização local, a Vision du Monde, que
leiloaria os itens, de forma discreta, e direcionaria o valor arrecadado para
crianças carentes.
— Essa é uma proposta interessante. — Ele coçou o queixo. — Tudo bem.
— Vou providenciar a entrega dos itens com uma breve explicação. O
recibo será emitido em seu nome.
— De jeito nenhum.
— Prefere que seja uma doação anônima?
Ele direcionou um olhar que era por si só a resposta.
— Muito bem. — Acacia anotou a conversa na agenda, ignorando a
sensação dos olhos cravados nela.
— Não havia pensado em doar esses itens para caridade. Você incentiva os
hóspedes a fazerem doações?
— Muitos de nossos hóspedes já praticam a lantropia. Às vezes, quando
estou resolvendo um problema para um hóspede, surge uma oportunidade para
colaborar com alguma obra de caridade. Cabe ao hóspede decidir, é claro. Eu
só apresento algumas soluções.
— Entendo. É óbvio que a clientela aqui pode se dar ao luxo de ser
generosa. Mas aqueles que têm essa possibilidade raramente são generosos, pelo
que já presenciei.
— Um doador precisa ser motivado o su ciente para tal. — Acacia sorriu.
— Precisa ver o valor e o propósito de doar para caridade.
— Está desperdiçando sua vocação. Devia ter se dedicado à lantropia.
O sorriso de Acacia se alargou.
— Todo mundo pode fazer sua parte para ajudar os outros, seja qual for
sua ocupação.
O hóspede franziu a testa.
— Algum problema, monsieur?
— Você é muito diferente dos concierges que lido habitualmente. Ontem
mencionou que fala vários idiomas. Quantos?
— Seis.
Monsieur Breckman parecia impressionado.
— Quais?
— Francês, português, inglês, espanhol, russo e árabe.
— Árabe? Por que árabe?
A resposta de Acacia foi um re exo.
— Árabe é importante no ramo de prestação de serviço em Paris.
— Você estudou arte na Sorbonne?
— Sim. — Acacia não pretendia dar mais detalhes.
Por um momento, pensou em mencionar a agenda de Marcel. Ela podia
conter coisas privadas e pouco lisonjeiras relacionadas a monsieur Breckman e
outros hóspedes. Se o conteúdo da agenda fosse publicado, poderia ser
constrangedor para ele.
Mas então ele falou:
— Quantos anos você tem?
Ela olhou para o notebook e pressionou algumas teclas.
— Monsieur, acho que não…
Ele a interrompeu.
— Posso descobrir por outros meios, mas estou fazendo a cortesia de
perguntar diretamente. Quantos anos tem?
— Trinta e cinco. — Acacia foi concisa. Inspirou pelo nariz e conteve o
impulso de se mover.
— Trinta e cinco — ele repetiu, como se o número fosse uma revelação. —
Então não esteve na Sorbonne na mesma época que… — Ele se ajeitou na
cadeira. — Decidi prolongar minha estadia. Como Marcel não está disponível,
pensei em me valer dos seus serviços.
— Como posso ajudá-lo? — Acacia posicionou a caneta sobre a agenda
aberta.
O homem consultou o caro relógio de pulso.
— Quero um novo terno sob medida.
— Gostaria de ir visitar o alfaiate ou prefere recebê-lo em sua suíte?
— Traga-o aqui. Diga a ele que estou interessado em um terno preto, e
quero tê-lo pronto para meu compromisso de hoje à noite.
Acacia segurou o riso e resistiu ao impulso de comentar que ele já era dono
de pelo menos dois ternos pretos, de acordo com o que vira.
— Lamento, mas um alfaiate parisiense respeitável vai pedir duas provas,
pelo menos, e um mínimo de setenta e duas horas de trabalho. Alguns alfaiates
pedem mais que isso.
— É mesmo? — O homem tentou se mostrar surpreso, mas não
conseguiu. — Monsieur Roy me deu a impressão de que você opera milagres.
— Sou uma concierge, não uma santa.
Os olhos do hóspede ganharam uma nova intensidade.
— Tampouco eu sou, mademoiselle, garanto.
Acacia sentiu alguma coisa se acender entre eles — uma centelha de atração
ou de alerta, não tinha certeza de qual dos dois.
Ela baixou o olhar.
— Posso recomendar dois alfaiates da Rue de la Paix, e o senhor pode
escolher, ou prefere que eu escolha?
— Você escolhe, mas que seja o melhor. Preciso de duas camisas sob
medida e uma gravata nova também. Gostaria que o alfaiate começasse o mais
cedo possível. Não sei por quanto tempo estarei em Paris.
Acacia registrou as solicitações na agenda.
— Farei o meu melhor, monsieur.
— Tenho certeza. — Ele parecia estar resistindo à vontade de sorrir.
— Algo mais? Precisa de reservas para o jantar? Ou ingressos para um
espetáculo, um museu?
O hóspede cou pensativo.
— Talvez haja mais uma ou outra coisa.
— Será um prazer.
O homem cou sério.
— Não sei como isso pode dar prazer a alguém. Você fala seis idiomas e
estudou arte na Sorbonne. Não estaria melhor trabalhando no mercado de
arte? Sem precisar sofrer com racistas? — Ele apontou o uniforme. — Ou ser
conduzida por aí como subalterna do gerente? Não entendo como alguém com
a sua inteligência e educação poderia se contentar com um emprego nesse
ambiente.
O discurso a atingiu. Uma raiva quente e violenta queimou em seu peito.
Uma torrente de palavras feias permaneceu presa no fundo da garganta. Ele
não sabia, não fazia ideia do porquê fazia tudo aquilo. Ou de que Acacia tinha
uma estratégia de saída.
Segurava a caneta com tanta força, que temia quebrá-la.
Os olhos do homem pararam na caneta, sua expressão passou do desprazer
para alguma outra coisa.
Acacia concentrou-se em sua respiração, uma técnica que aprendeu no
treinamento de artes marciais, e descansou a mão no colo. Enquanto respirava,
notou que monsieur Roy havia acabado de entrar no saguão. Sentia-se grata por
não ter expressado a raiva que tentava escapar por sua boca selada.
O gerente cumprimentou monsieur Breckman, que respondeu ao aceno, e
desapareceu rumo ao pátio de mármore, aparentemente sem perceber o
descontentamento de Acacia.
— Falei sem pensar. — A voz do hóspede era baixa.
Acacia manteve a mão e a caneta no colo. Evitava os olhos dele.
— Algo mais?
— Mademoiselle.
— Monsieur? — Ela respirou fundo.
O hóspede apoiou a mão sobre a mesa, ao lado da agenda aberta.
— Acacia, eu peço desculpas.
Ela visualizou a raiva como uma onda, visualizou seu afastamento com a
maré. Sentiu o corpo começar a relaxar. Levantou a caneta sobre a agenda. E
esperou.
Pelo canto do olho, viu o hóspede mover a mão, passando pela cicatriz para
massagear a testa.
— Tudo nessa visita foi um desastre. Primeiro Silke. Depois Marcel.
Agora os olhos de Acacia buscaram os dele.
— Peço desculpas — ele repetiu com rmeza. — Você tem sido muito
pro ssional diante de todos esses eventos horríveis, mademoiselle. Lamento ter
contribuído nestes eventos. Não sou assim.
Havia algo de verdadeiro em sua expressão, o homem parecia estar com
remorso.
Acacia olhou para Rick, que não se importou em fazer contato visual.
Perguntou-se o que faria se falasse diretamente com ele. Perguntou-se o que ele
diria se ousasse criticar seu patrão.
— O Victoire tem muita sorte de ter você — o hóspede continuou. —
Duvido que percebam precisamente quanta sorte.
Acacia ignorou o elogio.
— Vou tomar as providências com o alfaiate. Se não precisa de mais
nada…
— Uma rodada de bebidas para toda a equipe, com os meus
cumprimentos.
Acacia arregalou os olhos.
— Isso não é necessário.
— É, sim. — O tom de monsieur Breckman era rme.
Acacia decidiu não discutir. Bebidas de graça para os funcionários
certamente elevaria o moral depois do ataque contra Marcel.
— Vou tomar as providências com o bar.
— Obrigado. — O hóspede ajeitou a gravata de seda. — Só por
curiosidade, já recebeu algum pedido que não conseguiu satisfazer?
— Uma vez, um hóspede me pediu um terno sob medida para ser entregue
em algumas horas.
Ele sorriu, e o sorriso quase encobriu a cicatriz.
— Touché.
— O senhor mencionou que tem um jantar hoje à noite. Vai precisar de
uma mesa aqui no hotel ou quer que eu faça reserva em outro lugar?
— Acho que meu contato já providenciou tudo. — Ele a encarou,
pensativo. — Tem algo mais com o qual gostaria de ter sua ajuda.
— Sim?
— Em minhas viagens, tenho procurado uma relíquia de Santa Teresa
d’Ávila. Queria que adquirisse uma para mim.
Acacia estava boquiaberta.
Ela fechou a boca depressa e registrou a solicitação, decidindo que não
mencionaria a agenda perdida de Marcel.
— Pode me ajudar? — Os olhos de monsieur Breckman eram inquisitivos.
Acacia manteve a expressão neutra.
— Vou pesquisar sobre o assunto e trazer as opções ao senhor.
O rosto dele exibia sinais de admiração.
— Obrigado. Isso é tudo, por enquanto.
Ele se levantou e abotoou o paletó.
Acacia o encarou.
— Monsieur, como mencionei ontem, não consegui encontrar nenhuma
anotação de Marcel sobre sua reunião.
Ele olhou por cima do ombro rapidamente, tão rapidamente, que se virou
para Acacia antes mesmo que ela percebesse seus movimentos.
Ele pôs as mãos sobre a mesa de concierge e se inclinou na direção dela.
— Esqueça a reunião — disse em voz baixa, mas rme. — Não volte a falar
dela com ninguém.
Acacia empurrou a cadeira para trás, para fora do alcance dos braços longos
do hóspede.
Rick segurou o patrão pelo cotovelo.
Evidentemente o contato foi su ciente para chamar a atenção do hóspede.
Ele recuou imediatamente.
Monsieur Breckman ajeitou o cabelo para trás e arrumou as mangas do
terno. Atravessou o saguão em direção ao fundo do hotel, cercado pela equipe
de segurança, que formava uma parede impenetrável à sua volta.
Rick olhou para trás, por cima do ombro, os olhos xos em Acacia.
Ela estava paralisada. Nunca um hóspede a havia ameaçado. Não havia
como deixar de entender seu tom de voz ou olhar. O fato de Rick ter que
interferir tornou a situação ainda mais ameaçadora.
Acacia não perdeu tempo. Depois de ter certeza de que ninguém a
observava, se abaixou para pegar o item embaixo da mesa. Teve de tentar várias
vezes até conseguir soltar o objeto preso à gaveta com ta adesiva larga.
Acacia pôs o objeto em uma pasta, protegida de olhos curiosos. Levou a
pasta para a sala dos funcionários e se trancou no banheiro. Só aí pôde
examinar o conteúdo.
Era uma agenda de capa de couro, muito parecida com a dela. Soltou o
fecho da capa e a abriu. Na página de identi cação, na caligra a de Marcel,
havia o nome completo dele e suas informações de contato.
Ela pensou no colega inconsciente no hospital.
Acacia folheou a agenda até a última página. Havia um registro que incluía
a data do dia atual e as seguintes palavras:
Breckman, 22 h. Importante. V.
Acacia olhou os registros anteriores e procurou alguma referência a Pierre
Breckman. Ele era citado, como Silke Rainier, mas não havia nada de
incomum nas anotações de Marcel — só comentários sobre preferências para o
café da manhã, uma alergia a morangos, os presentes que Marcel tinha sido
incumbido de comprar para Silke e uma reserva de jantar no Guy Savoy’s.
Não havia indicação sobre quem Breckman deveria encontrar naquela
noite, às dez da noite, a menos que a inicial do nome da pessoa fosse um V.
O que Marcel estava fazendo? E por que ele foi atacado?
Monsieur Breckman podia ter ameaçado Acacia, mas não podia controlar os
pensamentos da mulher. E, naquele momento, ela pensava que a ligação entre
ele e Marcel era meio sinistra.
O Victoire era um hotel cinco estrelas que desfrutava de excelente reputação e
atraía uma clientela rica. No entanto, alguns de seus hóspedes sentiam prazer
em testar os concierges com pedidos ridículos, simplesmente para se divertir. O
pedido de monsieur Breckman de uma relíquia de Santa Teresa parecia ser uma
dessas solicitações.
Acacia não estava disposta a dedicar tempo e atenção a atendê-lo,
principalmente depois de ele a ter ameaçado. Em vez disso, passou a maior
parte do dia atendendo a hóspedes com necessidades autênticas.
Nos intervalos, se escondia na sala dos funcionários e estudava a agenda de
Marcel. Para sua frustração, não encontrou nada fora do comum. Muitos
registros eram feitos de maneira muito resumida, com a omissão de nomes
completos e detalhes. Como ela não sabia o que estava procurando, a busca
parecia inútil.
No m do dia, voltou sua atenção às relíquias.
Algumas relíquias de Santa Teresa estavam em Ávila e outras cavam na
cidade de Alba de Tormes. A Igreja nunca venderia as relíquias de primeira
categoria. Porém podia-se adquirir uma relíquia de terceira categoria — um
pedaço de tecido que havia sido tocado por uma relíquia de primeira categoria
— com certa facilidade. Mas Acacia sabia que um pedaço de tecido não era o
que monsieur Breckman tinha em mente.
No m de seu expediente, trocou o uniforme pelas roupas comuns e foi
para o bar do hotel, suntuosamente decorado, com paredes revestidas de
madeira brilhante, onde havia reservado uma mesa para a equipe, por conta de
monsieur Breckman. Como na maioria das noites, o bar era povoado por
hóspedes do hotel. Com exceção do bartender, Acacia era a única funcionária
presente ali.
— Boa noite, Carlos — ela cumprimentou o bartender em espanhol e
sentou-se à ponta do balcão. — Cadê todo mundo?
Carlos a cumprimentou com um sorriso largo e respondeu em espanhol.
— Todos do horário diurno já passaram por aqui. Tenho algo especial para
você.
Ela olhou brevemente para as leiras de garrafas.
— O que é?
— Champanhe. — Carlos pegou uma garrafa de Louis Roederer Cristal do
balde de gelo e mostrou a ela.
Acacia arregalou os olhos ao ver o rótulo.
— Tem certeza?
— O hóspede escolheu a safra pessoalmente. E ele me disse para te dar a
garrafa. — Carlos deu uma piscadela.
Ela balançou a cabeça diante da extravagância, mas não ia recusar o
presente.
— Vamos dividir.
— Estou trabalhando. — Ele olhou em volta.
Ela levou um dedo aos lábios.
Carlos abriu a garrafa e serviu uma taça para Acacia. Depois escondeu a
garrafa embaixo do balcão e serviu meia taça para ele mesmo.
Acacia levantou seu champanhe.
— Saúde.
— Saúde, linda.
Acacia fechou os olhos quando as pequenas bolhas encheram sua boca. O
sabor era quase mágico — havia fruta e especiarias, e algo quase oral. Era uma
delícia inesperada.
Acacia abriu os olhos e suspirou.
— É muito bom.
— Pelo preço que custa, deveria ser mesmo. — Carlos virou de costas para
o salão e bebeu o champanhe discretamente. — É bom — disse ao virar
novamente. Depois deixou a taça embaixo do balcão e entregou a ela uma
sacolinha de presente. — Para você.
— Para mim? Por quê?
— É do hóspede. — Carlos empurrou a sacolinha na direção dela.
Acacia pôs a mão dentro da embalagem. Pegou um brioche muito
so sticado embrulhado em celofane e amarrado com uma ta. Uma etiqueta
indicava que a iguaria tinha vindo do restaurante Guy Savoy’s.
— Tem algum bilhete? — Ela olhou a sacola vazia.
— Não, mas monsieur Breckman a entregou pessoalmente quando escolheu
seu champanhe. — Carlos sorriu e foi para a outra ponta do balcão atender ao
pedido de uma garçonete.
Acacia pensou na conversa que teve com o hóspede e na surpresa dele ao
saber que ela nunca havia estado no restaurante de Guy Savoy. Foi muita
delicadeza trazer uma iguaria do famoso chef.
Então ela pensou nas palavras ofensivas sobre sua pro ssão e em como ele a
havia ameaçado.
Ela devolveu o brioche de volta à sacolinha.
Não era psicóloga. Não era sua obrigação tentar analisar hóspedes e seu
comportamento. As atitudes recentes de Breckman não combinavam com a
maneira como ele era descrito no prontuário de hóspedes. Evidentemente
brioche e bebidas caras eram sua maneira de se redimir. Mas nenhum presente,
por mais generoso que fosse, era su ciente para fazê-la esquecer o que ele havia
dito.
Ela passou um tempo bebendo o no champanhe e conversando com
Carlos, antes de ir atrás de um porteiro que a acompanhasse, junto de sua
garrafa de champanhe cuidadosamente escondida, até sua motocicleta.

***
No m do expediente, na noite seguinte, Acacia foi até a cobertura. Dois
guarda-costas anqueavam a entrada. Ela se apresentou, e um deles repetiu a
informação por um comunicador dentro da manga.
Rick abriu a porta, carrancudo e antipático como sempre.
Ela o encarou com as sobrancelhas levantadas.
Sem dizer nada, ele a conduziu pelo corredor até a sala de estar.
Monsieur Breckman estava em pé na frente de uma mesa redonda de vidro.
Havia uma pintura sem moldura sobre o vidro. Ele segurava o que parecia ser
um lençol branco, que tremulava em suas mãos como uma nuvem, e o
repousou nas costas das cadeiras, que haviam sido empurradas para junto da
mesa.
O lençol caiu sobre o encosto das cadeiras, escondendo a pintura sem
entrar em contato com ela.
Antes de ele a cobrir, Acacia conseguiu ver rapidamente a obra. Parecia
familiar. Ela deu um passo à frente.
O hóspede se virou e impediu sua passagem.
— Mademoiselle?
A expressão Pierre Breckman a inquietava. Suas sobrancelhas escuras
estavam mais juntas, e os olhos a examinavam com atenção.
Por cima de seu ombro, ela viu dois guarda-costas na varanda. Os homens
tinham tirado o paletó, o que fazia com que as armas nos coldres de ombro
cassem visíveis.
Seu coração acelerou. O hóspede radiava tensão e ainda a observava. Ela
começou a sentir como se tivesse invadido alguma coisa perigosa.
Instintivamente relaxou o corpo e exionou as mãos. Olhou em volta e
identi cou todas as possíveis saídas, caso precisasse fugir.
— Queria falar comigo? — O hóspede removeu as luvas brancas e as
guardou no bolso do paletó.
— Sim, monsieur. — Ela desviou o olhar da porta da varanda. — Como
vão as coisas com o alfaiate?
O hóspede cruzou os braços.
— Estão indo bem. Infelizmente tive de abreviar minha visita. Voltarei a
encontrá-lo na próxima vez.
— Por favor, avise-me se eu puder ajudar em algo mais quanto a isso. Tive
di culdades para localizar a relíquia que pediu — ela continuou. — As de
terceira categoria são fáceis de obter, mas de acordo com minha pesquisa, a
Igreja é dona de todas as relíquias de primeira categoria de Santa Teresa. Elas
não estão à venda.
— Talvez — monsieur Breckman disse lentamente. — Talvez não tenha
procurado no lugar certo.
Ela cou confusa com a reação contida. O hóspede não parecia surpreso
com seu relato. Em vez disso, era como se esperasse por algo. Acacia tinha a
sensação de estar participando de uma peça de teatro cujas falas havia
esquecido.
O hóspede a encarava, e ela sustentava seu olhar. Não olhava para a cicatriz.
De fato, havia quase esquecido que a marca existia. Mas seus olhos foram
atraídos pelas luvas, que estavam penduradas no bolso.
Ela pôs a agenda de concierge embaixo do braço.
— Seria um prazer obter uma relíquia de terceira categoria para o senhor.
— Quero uma relíquia de primeira categoria. E é claro que não espero que
a obtenha com a Igreja. — O hóspede esfregou o polegar no queixo. — Desde
que haja um comprador, há sempre um mercado e um meio de aquisição. Isso
se aplica a tudo, mademoiselle. Tudo.
— Com todo respeito, discordo. A Igreja é dona das relíquias, e eles têm
uma política, pode-se dizer até uma teologia, que proíbe vendê-las.
— Novamente, mademoiselle, está olhando na direção errada. — O
hóspede a encarou com um olhar signi cativo. — Marcel era extremamente
criativo na resolução de problemas. Talvez possa ser igualmente criativa, não?
Acacia resistiu ao impulso de responder com sarcasmo. A criatividade de
Marcel provavelmente o havia mandado para o hospital. Não cometeria o
mesmo erro.
— Lamento, monsieur. Como eu disse, relíquias de terceira categoria são
fáceis de se adquirir, mas as de primeira categoria pertencem à Igreja. Se quiser,
posso entrar em contato com autoridades da Igreja.
— Não há sentido em fazer isso. — O hóspede continuava a examinando.
A atenção de Acacia foi atraída pela pintura embaixo da cobertura. Ela a
visualizou mentalmente. As pinceladas eram quase impressionistas.
Que obra do impressionismo monsieur Breckman poderia ter em seu poder?
Ele se moveu depressa e obstruiu seu campo de visão.
— Obrigado, mademoiselle. É só isso.
Ele sorriu, e quando falou novamente, sua voz era suave como seda.
— Vou embora amanhã. Fique tranquila, pois você será bem tratada.
Acacia reconheceu a linguagem cifrada da última frase do hóspede; ele
deixaria uma cortesia.
— Meu colega François está trabalhando agora. Se precisar de alguma
coisa, ele o ajudará. Aproveite a noite e tenha uma boa viagem.
Ela se virou para o corredor e deu um passo. Então, por alguma razão
desconhecida, olhou para a pintura.
Pensou no Musée d’Art Moderne. Um ladrão solitário tinha invadido o
museu alguns anos atrás e roubado cinco pinturas de valor inestimável. Uma
delas era de Henri Matisse.
Monsieur Breckman não havia mencionado Matisse dois dias atrás?
Os olhos de Acacia se estreitaram, e ela visualizou as pinceladas escondidas
pelo lençol.
Monsieur Breckman colocou-se imediatamente diante dela com os braços
estendidos.
— Obrigado, mademoiselle. Rick a levará até a porta.
Acacia obrigou-se a fazer contato visual, com a mente em um turbilhão de
pensamentos.
O hóspede parecia estudar seus olhos.
— Se não me engano, você disse que se orgulhava de ser discreta.
— Sim, monsieur — respondeu.
Ele se inclinou para frente.
— Sua discrição será recompensada.
Rick apareceu ao lado da mulher. Ele não a tocou, mas começou a conduzi-
la para a porta.
Acacia olhou uma vez para o hóspede e dirigiu a atenção ao carpete diante
dela. Ignorou a presença dos outros guarda-costas ao entrar no corredor e
andar rapidamente para o elevador. Apertou o botão e olhou para trás.
Rick permanecia na porta, observando-a.
Acacia entrou no elevador e apertou o botão do térreo. Os pensamentos
corriam.
Monsieur Breckman é um empresário rico, cujas fotos não estão na internet. Ele
deveria comparecer a uma reunião arranjada por Marcel, possivelmente com
alguém chamado V. Antes de a reunião acontecer, Marcel foi atacado.
Breckman me pediu para localizar uma relíquia e disse que eu deveria ser
criativa. Ele estava me pedindo para encontrar alguém que roubasse a relíquia?
Ele tem uma grande equipe de segurança e uma pintura que pode ter sido
roubada. E quer me pagar para eu car de boca fechada.
Assim que a porta do elevador abriu, Acacia se apoiou à parede do fundo e
cobriu a boca com a mão.
Monsieur Breckman parecia estar de posse de uma das mais famosas obras
de arte roubadas da história da França. E estava se preparando para deixar o
hotel com ela.
Acacia era cautelosa. Temia cometer erros e chamar atenção para si. Monsieur
Roy já a havia prevenido para tomar cuidado com hóspedes de grande
importância, o que indicava que seu emprego no hotel não era totalmente
estável.
Por essas razões, era a imagem do decoro quando desejou boa noite aos
colegas e entrou na sala onde cavam os armários dos funcionários. Trocou o
uniforme por roupas casuais e se obrigou a agir como se não houvesse nada de
errado.
Por dentro, o estômago se retorcia.
Acacia examinou sua mochila e respirou aliviada ao constatar que a agenda
de Marcel continuava escondida. Levando a mochila sobre um ombro, saiu
pelo corredor dos fundos, passou pela cozinha, a caminho das portas de carga e
descarga. Passou por elas para o beco onde caminhões e vans entregavam
suprimentos. Precisava de privacidade para pensar e, como esperado, o beco
estava vazio.
Ela usou o celular para procurar informação sobre o famoso roubo do
Musée d’Art Moderne. Alguns cliques em seu navegador e estava olhando para
o Pastoral de Matisse, uma das obras-primas roubadas. Tinha conseguido ver
apenas um lampejo da pintura na suíte de Breckman. Mas a memória parecia
corresponder à imagem em seu celular.
Mesmo assim, continuou pesquisando, procurando notícias sobre a
recuperação das pinturas roubadas. Essas notícias não existiam. De fato,
nenhuma das pinturas roubadas do Musée naquela noite fatídica havia sido
recuperada.
Ela guardou o telefone no bolso e abraçou a mochila.
Reconheceu a pintura. A obra de arte tinha sido roubada. Foi isso que a
criatividade de Marcel obteve para monsieur Breckman? Por isso fora atacado?
Ela conferiu seu relógio à luz fraca que brilhava sobre a porta de serviço.
Monsieur Breckman partiria de manhã, se não mudasse de ideia e fosse
embora mais cedo. Voltaria para Mônaco, presumivelmente com a pintura.
Sou concierge, não policial.
Acacia considerou o pensamento com todo o cuidado, mas o descartou.
Ainda tinha um passaporte brasileiro, mas a França era seu lar, e ela a amava. O
roubo das pinturas do Musée tinha sido um escândalo nacional. Não permitiria
que um empresário rico deixasse o país com um de seus tesouros. Só precisava
encontrar um jeito de denunciá-lo sem se comprometer.
Você precisa falar com monsieur Roy.
Essa ideia era válida. Mas e se estivesse errada? O gerente do hotel não a
perdoaria por acusar de roubo um hóspede de grande importância,
especialmente depois de o ter irritado com informações vagas sobre Marcel.
Se a pintura fosse uma reprodução, monsieur Breckman teria dito? Por que
usaria luvas brancas para tocar no quadro?
Um estrondo alto ecoou atrás de Acacia.
Ela se virou com as mãos erguidas, os pés plantados no chão em uma
postura de combate.
— Desculpa. — Um funcionário da cozinha levantou as mãos. Ele
segurava um maço de cigarros e um isqueiro. — Vim só fumar um cigarro.
Acacia relaxou e olhou para o homem com um sorriso tenso.
— Vou voltar para dentro. — Passou por ele e entrou, olhando para trás
quando o homem manteve a porta aberta com um caixote.
O funcionário se sentou, acendeu um cigarro e inspirou profundamente.
Depois soprou a fumaça para cima, e os ombros relaxaram.
Acacia o invejava.
Ela reorganizou os pensamentos e deduziu que precisava fazer alguma coisa
em relação à pintura, mesmo que fosse apenas compartilhar suas suspeitas com
alguém. Infelizmente a última pessoa com quem queria falar era justamente
aquela para quem precisava ligar.
Ela percorreu o corredor vazio para se afastar da porta aberta. Tomou o
cuidado de não chegar muito perto da cozinha para não ser ouvida.
Ela digitou um número e esperou a ligação.
— Ma belle — o homem respondeu no segundo toque, sua voz era como
uma carícia.
— Luc. — Acacia olhou em volta para ter certeza de que ainda estava
sozinha.
— Que foi? O que aconteceu? — O tom de Luc mudou imediatamente.
— Eu… — Acacia parou de falar e recuou para um canto.
— Caci? Está machucada?
Ela fechou os olhos. O som de seu antigo apelido naquele tom franco,
preocupado, fez seu corpo se contorcer por dentro.
— Acabei de sair do trabalho e pensei… — Ela parou, insegura. — Pode
não ser nada. Eu nem devia ter te incomodado.
Passos soaram do outro lado da linha, junto com um baque de uma porta
sendo fechada.
— Está no Victoire?
— Sim. — Ela franziu a testa. — Como sabe onde eu trabalho?
— Yves e Véronique beberam comigo uma noite dessas. O que “pode não ser
nada”?
Acacia cou constrangida ao pensar que tinha sido assunto de uma
conversa entre amigos e seu ex-namorado, mas deixou essa preocupação de
lado. Tinha coisas mais importantes para se preocupar.
— Acho que um dos hóspedes tem uma obra de arte roubada em seu
quarto.
Os passos cessaram.
— Roubada de onde?
— Do Musée d’Art Moderne.
A voz de Luc cou mais abafada.
— Por que acha que é roubada?
— Parece o Matisse.
— Nenhuma daquelas pinturas foi encontrada. Tem certeza?
— Não. Não, não tenho. Só vi a tela por um momento, antes de o hóspede
a cobrir. Não estava emoldurada; era só a tela em cima da mesa. Mas ele a
manuseava com luvas brancas.
— As pinturas do Musée foram cortadas das molduras. Como é o nome do
hóspede?
— Pierre Breckman, de Mônaco. É hóspede recorrente do hotel, mas eu
não o conhecia.
Luc grunhiu no telefone, e Acacia ouviu o ruído de teclas do outro lado.
— Conta tudo que você sabe sobre ele.
— Trinta e oito anos. Empresário rico, mas não sei de que ramo. Ele vem a
Paris várias vezes por ano e ca no Victoire. Esteve envolvido com Silke
Rainier, a modelo, até pouco tempo. Quando está no hotel, é atendido
exclusivamente por Marcel, o concierge sênior.
— O que Marcel faz por ele?
— Ingressos para jogos de futebol, reservas em restaurantes, compras. O
hóspede mencionou uma reunião que Marcel deveria ter marcado. Mas antes
da chegada desse hóspede, Marcel foi atacado.
O barulho de teclas parou.
— O quê?
Acacia olhou em volta mais uma vez.
— Marcel foi atacado há algumas noites, quando ia pegar a moto depois do
trabalho. Ele está em coma.
O barulho de uma cadeira sendo arrastada contra o chão ecoou nos ouvidos
de Acacia.
— Podia ter me ligado. — O tom de Luc era de censura.
— Por que eu ligaria? A polícia disse que Marcel foi assaltado.
Luc bufou.
— Trabalho na BRB.
— Por isso estou te ligando para falar sobre a pintura. — Acacia resistiu ao
impulso de revirar os olhos.
A Brigade de Répression du Banditisme, ou BRB, era uma unidade especial
de aplicação da lei sob o comando do Ministério do Interior, superior à polícia
de Paris. Roubos de arte eram parte de sua jurisdição.
— A BRB também lida com assalto à mão armada, Caci. A maioria dos
assaltos não resulta em comas.
Acacia ouviu o som de passos rápidos do outro lado da linha.
— Não sou mais nada seu para te trazer problemas — ela disse.
Luc ignorou o comentário.
— Disse que o assalto aconteceu pouco antes da chegada do hóspede e sua
pintura?
— Sim.
— Quando viu a pintura no quarto do hóspede, como ele reagiu?
— Ele a cobriu. Disse que minha discrição seria recompensada. Depois
pediu a um de seus guarda-costas para me acompanhar até o corredor.
Luc falou um palavrão.
— Eles tocaram em você?
— Não.
— Ameaçaram você?
— Não, mas ele insinuou que devo car de boca fechada.
O som sugeria passos mais rápidos.
— Está na mesa de concierge?
— Não, meu expediente acabou. Estou escondida no corredor dos fundos,
perto da cozinha.
— Está sozinha?
— Sim.
— Vai para o bar. Senta ao balcão e pede uma bebida. Não ca sozinha.
— Preciso contar ao gerente do hotel o que está acontecendo.
— Tudo bem. — A voz de Luc estava tensa. — Diga ao gerente que agentes
estão a caminho. Ninguém deve abordar o hóspede ou ir à suíte, a menos que ele
tente deixar o hotel.
— Está mandando agentes? — Acacia olhou em volta, a ita. — Só queria
perguntar sobre a pintura.
— Tenho que relatar tudo isso. Você forneceu uma pista para um de nossos casos
mais importantes, e estou preocupado com sua segurança. Ladrões de arte, como
assaltantes, costumam ser oportunistas baratos; compradores de arte roubada são
muito mais perigosos.
Foi a vez de Acacia soltar um palavrão.
Luc a interrompeu.
— Diga ao gerente que o hóspede provavelmente vai tentar levar embora a
pintura, se já não o fez. Quando o viu pela última vez?
— Há uns vinte minutos. — Acacia mantinha o telefone na orelha
enquanto seguia pelo corredor, a caminho do saguão.
— Talvez seja tarde demais. Está vendo outras pessoas agora?
— Sim, estou entrando no saguão. Vou ao escritório do gerente da noite.
— Ela virou em outro corredor e ajeitou a mochila sobre o ombro.
— Mais alguém ligado ao hotel foi vítima de crime recentemente? Ou sofreu
um acidente?
— Não que eu saiba. Monsieur Breckman tem uma grande equipe de
segurança. Homens armados.
— Quantos homens? — A voz de Luz cou um pouco mais alta, e Acacia
ouviu uma porta fechar.
— Seis.
— Que tipo de armas?
— Não sei… pistolas.
— Fique com o gerente ou vá para o bar. Aja como se não houvesse nada de
errado. Se o hóspede ou um de seus homens se aproximar de você, ligue para mim.
Estou a caminho.
— Não precisa…
— Fica aí — ele ordenou. — Estou no carro.
Ele desligou, e Acacia olhou para o celular, se perguntando o que tinha
acabado de fazer.
Acacia foi até o bar e se sentou em um local em que pudesse observar a porta.
Sabia que não devia envolver Luc em suas suspeitas, mas foi lá e fez isso
mesmo assim. Agora ele estava a caminho acompanhado de agentes.
Ela pediu mais uma bebida, temendo ter destruído seu anonimato em um
momento de descuido. Torcendo as mãos, olhou em volta.
Luc apareceu na porta.
Com um metro e oitenta de altura, ela era apenas cinco centímetros mais
baixa que ele. Seu cabelo era castanho-claro, precisava de um corte, e o rosto
bonito tinha uma sombra de barba. Ele era atraente quando estudante, e estava
ainda mais naquele momento, de calça escura, camisa azul e jaqueta de couro
preto. Parecia mais um ator do que um policial, embora antes de entrar tenha
feito uma varredura no saguão com seus olhos atentos.
— Caci — ele murmurou ao se aproximar da mulher. Beijou seu rosto dos
dois lados.
O cumprimento era inofensivo. Amigos se cumprimentavam assim o
tempo todo. Mas Acacia sentiu uma onda de nostalgia, que se tornou ainda
mais intensa quando ele recuou rapidamente.
Ela sentiu o rosto queimar.
— Luc, eu…
— Aqui, não — ele interrompeu, focando os olhos azuis nos dela.
Depois pôs a mão no bolso, pegou algumas notas de euro e as deixou ao
lado do copo meio vazio. Acenou com a cabeça para o bartender e pegou a
mochila de Acacia do chão.
Assim que ela se levantou, ele a guiou até a porta. A mão pairava perto da
parte inferior de suas costas, mas ele não a tocava.
Acacia apreciava o pro ssionalismo, mas sentia uma tristeza persistente.
Tinha desistido dele, embora o amasse. Teve motivos para isso, e esses motivos
ainda existiam. Ela precisava se lembrar deles.
— Tem um lugar onde possamos conversar com privacidade? — Ele
mantinha a voz baixa enquanto caminhavam para o saguão.
— Podemos ir à área dos funcionários. — Acacia olhou em volta. — Mas
você não pode car lá.
— Só preciso de um minuto. — Luc estava no modo policial e não se
deixava deter.
Quando se aproximaram da sala dos funcionários, Luc entrou primeiro,
para ver se tinha alguém lá dentro. Depois de constatar que a sala estava vazia,
chamou Acacia.
Ela entrou e fechou a porta.
— Telefonei para você sobre a pintura porque tive medo de que fosse
roubada. Não esperava que viesse.
— Você é uma testemunha. — Ele devolveu sua mochila. — Queria ver
pessoalmente se você está bem.
Agitada, Acacia esfregou a testa.
— Estou muito encrencada. Você não tem ideia de quanto isso pode me
custar.
Os olhos azuis de Luc encontraram os dela.
— O investigador-chefe do roubo ao Musée está a caminho. Meus colegas
já estão no prédio, e você está comigo.
Os olhos dela cintilaram.
— O hotel vai ser invadido por agentes. O gerente da noite cou furioso
quando falei com ele. Meu supervisor vai surtar.
— Você fez o que era certo. — Luc falou com rmeza. — O gerente da
noite está sendo interrogado nesse momento. Não posso fazer parte da
investigação por causa da minha relação com você, mas tive que reportar o que
me falou.
Ela cruzou os braços.
— E agora?
— O investigador-chefe, Philippe, virá te interrogar. Vou falar com ele
sobre designar alguém para car de olho em você, por via das dúvidas. Duvido
que seu interrogatório seja muito demorado, mas ele talvez queira que você vá
ao número trinta e seis do Quai des Orfèvres para dar um depoimento formal.
Um dos o ciais a levará para casa depois.
— Eu tenho minha moto.
— Arriscado demais.
Acacia passou a mão no cabelo, o puxando.
— Isso não é bom. Isso não é nem um pouco bom. Eu devia ter falado com
meu supervisor antes de ligar para você. Isso vai aparecer em todos os jornais!
A expressão de Luc se tornou sombria.
— Estamos falando da posse de uma obra-prima, não de um caso de
toalhas furtadas. Se recuperarmos a tela, você será uma heroína.
— Não quero ser heroína! — Acacia gesticulava muito. — Não quero
minha identidade divulgada. Tem ideia do que isso signi ca?
Luc se aproximou um passo.
— Não vamos divulgar o nome da principal testemunha. Já falei com
Philippe que você é minha amiga. Ele vai te tratar bem.
— Sei — ela resmungou, cética.
— Sem dúvida — Luc respondeu com rmeza. — Se nos ajudar a encerrar
esse caso, vai ter a gratidão da BRB.
Ele estendeu a mão, mas parou de repente. Em seguida, en ou as mãos nos
bolsos.
— Vou providenciar para que todo mundo entenda que você não quer seu
nome na mídia. — A expressão suavizou. — Sei que é uma péssima hora para
dizer isso, mas é bom te ver.
Acacia abaixou a cabeça.

É
— É bom te ver. Como está a Simone?
Luc massageou a nuca.
— Foi embora de casa. Por isso saí para beber com Yves e Véronique. Eles
queriam saber a história em detalhes.
Acacia levantou a cabeça.
— Sinto muito.
— As coisas não estavam dando certo. — Luc abriu um meio sorriso. — E
você? Está saindo com alguém?
Ela pendurou a mochila no ombro.
— Trabalho muito. Mas gosto do meu trabalho, e é por isso que espero que
monsieur Roy compreenda a presença da BRB no hotel.
Luc pigarreou.
— Deixa isso com a gente. Agora vou te levar até o Philippe. — Ele fez um
gesto para que ela se encaminhasse rumo à porta.
Acacia cou parada.
— Sei que as coisas entre nós não acabaram muito bem. Agradeço por ter
vindo me ajudar.
A expressão de Luc cou tensa, e ele assentiu.
Por um momento, Acacia pensou em entregar a agenda de Marcel. Quanto
mais tempo passasse com ela, mais corria o risco de estar sonegando evidências.
Mas a polícia de Paris estava encarregada de investigar o ataque contra Marcel.
Era para a BRB que Acacia precisava entregar a agenda.
Com os dentes cerrados, ela saiu da sala, e Luc a seguiu.
Quando se aproximaram do saguão, ela viu que o belo espaço estava repleto
de agentes da BRB.
Foi como se todo o ar deixasse seus pulmões. Luc não conhecia a origem de
seu medo mais profundo, ou que suas ações podiam ter posto em risco a vida
dela e de sua mãe.
Mas era tarde demais.
Acacia não dormiu bem.
Tarde da noite, um agente da BRB a levou de volta ao apartamento. Ela
então passou uma hora olhando para o teto, deitada na cama, re etindo acerca
dos eventos no hotel. Finalmente desistiu de dormir e decidiu preparar pão de
queijo.
Pouco depois do nascer do sol, voltou para a cama, exausta, e dormiu por
algumas horas. Tinha acabado de fazer café quando alguém bateu na porta.
Claude miou.
Ignorando a reação do gato, espiou pelo olho mágico. Luc estava parado do
outro lado da porta, com as mãos nos bolsos da jaqueta de couro e o rosto
sério.
Acacia pegou Claude e abriu a porta.
— Bom dia — Luc sorriu, tenso.
Ela franziu a testa.
— São sete e meia.
— É importante. — Luc olhou para além dela, em direção ao interior do
apartamento. — Posso entrar?
Claude miou, infeliz, e começou a se debater. Quando Acacia o soltou, ele
saiu correndo pela sala e se en ou embaixo da cama.
Acacia abriu a porta e convidou Luc a entrar. Ele a beijou dos dois lados, e
dessa vez a mão demorou em seu ombro.
— O que aconteceu? — ela perguntou.
— Falou com alguém do hotel? — Ele passou os dedos pelo cabelo, que
parecia não ter sido penteado antes de sair de casa.
— Não. Meu expediente começa às nove. Estava tomando café. — E
apontou para a mesinha com duas cadeiras na pequena cozinha.
Luc se sentou, e ela serviu café da prensa em uma xícara para ele.
— Você ainda usa seu amuleto da sorte. — Ele apontou para o pingente de
hamsá.
— Nunca deixo de usar. — Acacia fechou o robe ao se sentar na frente
dele. — Seu colega Philippe não foi agradável.
— Philippe é um bom detetive, mas está sob forte pressão do Ministro do
Interior para resolver o caso do Musée. — Luc tomou um gole de seu café.
Ela ofereceu o prato de pão de queijo.
— Senti falta disso. — Luc sorriu e devorou um pãozinho.
— Fiz hoje de manhã. — Acacia segurou sua xícara com as duas mãos.
— Senti falta de muitas coisas.
Ela bebeu o café, tentando não entrar nesse assunto.
— Como vai sua mãe? — ele a encarou.
— Está bem, obrigada.
— Mande lembranças minhas.
Acacia assentiu, tensa.
Luc examinou sua postura, parecia abalado.
— Fui tão ruim assim?
— Não — ela sussurrou.
— Eu te amei. — A voz dele era suave. — Te tratei bem. Eu fui el.
— Sim.
— Se estivesse comprometida, eu respeitaria isso. Mas tantos anos depois,
continua sozinha. Eu me preocupo com você, Caci.
Ela endireitou a postura ao ouvir essas palavras.
— Eu sei cuidar de mim mesma.
— Eu sei disso. — Luc a mirou nos olhos. — Acho que nunca precisou de
ninguém. Mas por que car sozinha? Você é uma mulher inteligente, bonita,
com um coração bom.
— Não é fácil ser imigrante neste país. — Sustentou o olhar com uma
expressão severa. — Não é fácil car entre dois mundos e nunca se encaixar.
Por enquanto, meu foco é minha carreira e o sustento de minha família.
Ele passou a mão no rosto não barbeado.
— Tenho medo de uma reação contra a imigração neste país. Cada vez que
acontece um ataque terrorista no mundo os grupos anti-imigração lançam suas
campanhas.
— Eu sei. Outro dia uma hóspede no hotel me disse que não falaria
comigo porque não sou uma concierge francesa. Ela era de Lyon.
Luc praguejou.
— Sinto muito, Caci. Ainda está mandando dinheiro para o Brasil?
Acacia assentiu.
— Você é uma boa lha. — E olhou na direção da cama. — Não acredito
que ainda mora nesse apartamento minúsculo. O colchão é desigual, e a cama
range. Pode pagar por coisa melhor.
— Gosto daqui. Gosto da vizinhança e gosto dos proprietários.
— Esqueci dos pais de Anouk. São boas pessoas. — Uma expressão infeliz
dominou o rosto do homem. — Philippe liberou Breckman uma hora atrás.
Ele me ligou e me contou. Por isso estou aqui.
Acacia largou a xícara de café sobre a mesa com um baque alto.
— Por que o liberaram?
— Especialistas do Musée examinaram a pintura e disseram que é uma
reprodução.
— Por que não estava emoldurada? Por que ele usava luvas e estava tão
misterioso?
— Eles examinaram a pintura que encontraram no hotel — Luc esclareceu.
— É possível que ele tenha removido a original depois que você a viu.
Acacia cou imóvel.
— Ele virá atrás de mim?
— Ele deve deixar Paris hoje. Ninguém informou que você é a testemunha,
mas ele deve ter deduzido. Deixaremos alguém na sua cola nos próximos dias,
por precaução. E estou a um telefonema de distância.
Ela tocou o pingente, parecendo ausente.
— E a imprensa?
— Está por fora. Eles sabem que aconteceu alguma coisa no hotel, mas
foram informados apenas de que a BRB estava indo atrás de uma pista.
Ninguém vai mencionar seu nome. — Ele estendeu a mão sobre a mesa, e
Acacia a apertou. — Breckman cooperou. Mas você tem que tomar cuidado. O
ataque ao outro concierge é suspeito, e de acordo com um contato meu na
força policial de Paris, eles não têm suspeitos.
— Acho que estamos perdendo algum detalhe importante.
Luc cutucou o braço da mulher.
— Chega de Comissário Maigret, Caci.
Ela riu ao ouvir o nome de seu detetive francês favorito.
— Por mim, tudo bem. — E ofereceu a ele mais pão de queijo.
— Obrigado. — Luc pegou mais um. — Concordo, há algo que estamos
perdendo. Por isso olhei a cha de Breckman.
— O que encontrou?
— Você precisa manter segredo sobre essa conversa. Philippe sabe que
estou aqui e que vim contar que Breckman foi liberado. Eu não devia olhar a
cha dele, e tenho certeza de que não deveria vir falar sobre isso com você.
Acacia franziu a testa.
— Eu sei guardar segredo, você sabe.
Ele riu com tristeza.
— Por isso estou correndo o risco. Não encontrei nada incomum na cha
de Breckman, mas você viu a equipe de segurança desse homem. Por que um
empresário legítimo precisaria de tantos homens? Por que ele esconderia uma
reprodução de uma pintura roubada e diria que sua discrição seria
recompensada? — Luc balançou a cabeça. — O crime organizado é conhecido
por usar obras de arte como pagamento ou como seguro. Quanto mais
poderoso o chefe do crime, menores são as pistas deixadas. Ele pode custear o
trabalho sujo feito por outras pessoas.
— Monsieur Breckman não parece ser um chefão do crime, mas acho que
deve ser possível que seja. — Acacia afastou o cabelo da frente do rosto. — O
que eu devo fazer?
O celular dela tocou, interrompendo a resposta de Luc.
— Com licença. — Acacia foi buscar o telefone em cima da bancada e
atendeu a ligação. — Alô?
— Aqui é a Céline, do Victoire. Monsieur Roy está pedindo para você
encontrá-lo no escritório dele às oito e meia.
Acacia pigarreou.
— Ele mencionou o motivo?
— Não. — O tom de Céline era afetado. — É só isso.
— Até logo, então. — Acacia desligou e deixou o celular em cima da
bancada.
Luc cou em pé.
— Trabalho?
— O gerente quer me ver antes do meu turno começar.
Luc penteou os cabelos com os dedos.
— Eu te levo.
— Posso pegar um táxi. Minha moto cou no hotel.
Luc pôs as mãos no quadril.
— Não vou deixar você entrar lá sozinha. Vou te levar ao hotel e depois
vou dar uma olhada por lá.
— Obrigada, mas não. Sou capaz de ir sozinha para o trabalho.
— Breckman ainda está lá. Se eu te levar e mostrar que estou por perto,
envio um recado.
— Quantas pessoas sabem sobre mim? — Acacia apertou as mãos.
— Só as diretamente envolvidas na investigação, além de mim. — Luc pôs
as mãos nos bolsos. — Quer ir para outro lugar por uns dias? Pode pedir para
Yves e Véronique.
— Não. Eles moram muito longe do hotel.
Ele deu de ombros casualmente.
— Pode car na minha casa.
— De jeito nenhum.
— Você nem pensou na possibilidade. — Luc franziu a testa. — Não estou
com nenhuma doença contagiosa.
— É muito gentil de sua parte, mas nós dois sabemos que é uma péssima
ideia. — Ela soltou as mãos.
— Certo. Se notar alguma coisa suspeita, ligue para o Philippe ou para
mim. Ele te deu um cartão?
— Sugeriu que eu salvasse o número dele no meu celular. Fiz isso ontem à
noite.
Luc limpou a garganta.
— Meu número ainda está salvo no seu celular?
Uma longa pausa se fez presente entre eles dois.
Acacia se virou e desapareceu no banheiro.
Luc insistiu em estacionar ilegalmente seu Renault na frente do hotel. Ele abriu
a porta do lado de Acacia, a ajudou a sair do carro e a levou até a porta da
frente.
Acacia olhou para o porteiro antes de cochichar:
— Eu devo entrar pela entrada de serviço.
— Hoje você vai pela porta da frente. — Luc mostrou sua identi cação
para o porteiro, que se apressou a abrir a porta.
Quando Luc e Acacia entraram no saguão, a agente de reservas os recebeu
de cara feia.
— Não perca tempo vestindo seu uniforme — disse Céline, ignorando
Luc. — Monsieur Roy quer ver você imediatamente.
— E você, quem é? — Luc aproximou sua identi cação do rosto dela e
começou a fazer uma série de perguntas diretas.
Acacia nem disfarçou o sorriso quando virou para o outro lado.
Nesse momento, monsieur Breckman saiu do elevador com sua equipe de
segurança. Mais uma vez, usava um terno preto e caro combinado com camisa
branca e gravata de seda preta. Um homem que Acacia não reconheceu o
acompanhava, falando em voz baixa e de um jeito muito insistente.
Luc abandonou o interrogatório e se posicionou na frente de Acacia.
O olhar de monsieur Breckman encontrou o de Luc, e suas sobrancelhas se
ergueram. Ele não fez nenhum esforço para se aproximar de Acacia, mas os
olhos buscaram os dela.
Ele a encarou enquanto o homem ao seu lado continuou falando.
Breckman não parecia estar ouvindo.
Não parecia vitorioso ou arrogante. Parecia estar preocupado.
Olhou para Luc e lançou um olhar muito infeliz na direção de Acacia.
Depois, ele e sua comitiva seguiram para a porta dos fundos do hotel.
Assim que desapareceram, Luc tocou o braço de Acacia.
— Eu vou seguir todos eles.
Acacia resmungou um agradecimento, antes de seguir para o escritório de
monsieur Roy e bater na porta.
— Entre, Acacia. — O gerente não se levantou de trás da mesa quando ela
entrou.
— Bom dia. — Acacia esperou que monsieur Roy a convidasse a sentar. Ele
não a convidou. Em vez disso, se encostou na cadeira e a encarou com seus
olhos pequenos, redondos.
— Passei a última noite ao telefone explicando para os meus superiores por
qual motivo o hotel foi invadido por agentes da BRB.
— Lamento, monsieur. Tenho certeza de que foi desagradável. — Acacia
adotou seu tom mais solidário.
— Desagradável? — O rosto normalmente pálido de monsieur Roy cou
vermelho. — Conhece o manual do empregado?
— Sim, monsieur.
— Parece que não. Se conhecesse o manual, saberia que sua
responsabilidade é me informar sobre qualquer suspeita de atividade ilegal no
hotel.
— Eu informei ao gerente da noite.
— O gerente da noite não sou eu! — Ele bateu com a mão na mesa. —
Você chamou a BRB. Podia ter acionado uma unidade antiterrorismo. Os
hóspedes caram em pânico, abalados.
— Sinto muito, monsieur. Procurei um amigo que, por acaso, trabalha para
a BRB, mas só queria perguntar sobre a pintura que vi na suíte de Monsieur
Breckman. A BRB reconheceu a pintura que descrevi e veio para cá esperando
recuperá-la.
— E conseguiram? — O tom do gerente era debochado. — Não, não
conseguiram. Eles incomodaram um hóspede de grande importância, não
seguiram o procedimento correto e causaram extremo constrangimento, não só
para a empresa proprietária do hotel, como para mim. E você fez tudo isso por
causa de uma reprodução!
Acacia apertou as mãos.
— Monsieur, lamento pelo inconveniente e pedirei desculpas a todos os
hóspedes afetados. Mas o tempo era crucial. Tive medo de que a pintura fosse
autêntica e nunca mais fosse vista.
— Essa não é a primeira vez que você causa um problema. — Ele a
encarou. — Estou cansado de sua postura e de sua insubordinação. Vá para
casa. Você vai receber pelo dia de hoje, mas a partir de amanhã, vai trabalhar
no horário noturno. Decidi trocar seu horário com o de François. Ele passa a
trabalhar de dia, na ausência de Marcel.
Acacia arquejou.
— Mas eu sempre trabalhei de dia. Está me rebaixando?
O gerente sorriu.
— É claro que não, isso seria ilegal. Você ainda será concierge; só vai
trabalhar no horário noturno. E receberá uma advertência formal escrita. Na
próxima vez que cometer uma infração, será demitida.
— Demitida? — Acacia deu um passo à frente. — Monsieur, não pode me
punir por cumprir meu dever cívico.
— Talvez não. Mas você pode ser advertida por não seguir os
procedimentos. Sou eu quem decide se é necessário entrar em contato com as
autoridades. Não você — ele disse, bufando. — Diante do ocorrido, talvez
queira procurar outro emprego. Creio que seu visto de trabalho esteja
vinculado ao seu contrato aqui, não?
— Sim. — Acacia engoliu em seco. — Por favor, monsieur. Isso foi um
mal-entendido.
— Eu sei precisamente o que houve. Apresente-se para o turno da noite
amanhã. — O gerente abriu uma pasta sobre a mesa e começou a escrever com
uma caligra a forte, raivosa. — Vá para casa.
Acacia cou tão abalada com a conversa com monsieur Roy, que aceitou passar
a manhã com Luc. Ele a levou à Notre-Dame e andou pela grande catedral, um
passatempo que ela adorava fazer quando eram um casal. Luc até a
acompanhou à casa de Héloïse e Abélard. Depois a levou para fazer uma
refeição em um de seus cafés favoritos no Quartier Latin.
Luc a levou de carro ao prédio onde ela morava e a acompanhou até a
porta.
— Posso car — ofereceu. O brilho em seus olhos mostrava uma franca
esperança.
Acacia balançou a cabeça.
— Estou bem.
Devagar, ah, muito devagar, ele se inclinou para frente e segurou o rosto de
Acacia com gentileza.
— Você é meu maior arrependimento.
Ela sorriu.
— Por que se arrependeria por minha causa?
— Eu me arrependo de não ter lutado por nós.
Acacia fechou os olhos. Não queria falar disso. Já se sentia desgastada
depois de tudo o que aconteceu. Seu emprego e possivelmente seu visto de
permanência estavam em perigo. Não queria acrescentar Luc ao pacote.
Ele alisou a curva de sua bochecha e a beijou de leve. Tristeza e saudade a
invadiram. Acacia se esforçou para manter o controle, não queria que Luc visse
o que sentia.
— Me liga. — Ele tocou seu rosto, esperando que ela abrisse os olhos.
Quando ela os abriu, Luc sorriu e voltou para o carro. Ergueu o queixo
para o colega da BRB, que estava em um carro comum perto dali.
Luc entrou no Renault e foi embora.
Uma lágrima solitária correu pelo rosto de Acacia. Tinha feito o que era
preciso no passado. Não se arrependeria agora. Não hoje, pelo menos.
Ela levou a mão ao peito, tentando diminuir a dor. Depois destrancou a
porta do prédio e começou a subir a escada. Seus pensamentos se voltaram para
os acontecimentos do dia. Praticamente encerrara sua carreira com um ato de
dever cívico. Só restava torcer para a raiva de monsieur Roy passar e ela
conseguir reconquistar suas boas graças.
Luc cou furioso quando Acacia o levou para fora do saguão e explicou em
voz baixa o que tinha acontecido. Quis falar com monsieur Roy pessoalmente,
mas a concierge o dissuadiu. Devia travar as próprias batalhas. E não queria
perder a possibilidade de ter boas referências para novos empregos.
Espero que monsieur Roy não me demita.
Estava tão distraída com os próprios pensamentos, que quase não ouviu a
voz atrás de si.
— Mademoiselle.
Acacia assustou-se e segurou o corrimão de metal da escada.
— Cuidado. — Monsieur Breckman subiu rapidamente vários degraus. —
Vai acabar caindo.
— Pare! — Acacia ergueu a voz. — Não se aproxime de mim.
O homem parou, com Rick ao seu lado. Ele franziu a testa.
— Não precisa car alarmada.
Acacia tirou o celular do bolso.
— Saia ou vou chamar a polícia. Tem um agente da BRB lá fora.
— Sim, eu sei. Com um agente por perto, você está perfeitamente segura.
— Monsieur Breckman olhou para o guarda-costas e falou com ele em inglês.
— Rick, espere lá embaixo, por favor.
O guarda-costas se moveu, o olhar sempre na direção de Acacia.
— Não sei como entrou sem ser visto pelo agente. — Acacia cou olhando
pelo vão do corrimão Rick se afastar.
— Rick tem muitas habilidades — Breckman respondeu com tom seco. Ele
pigarreou. — Esperava falar com você no hotel. Quando fui procurá-la,
disseram que tinha sido dispensada por hoje.
Acacia esperou Rick desaparecer de vista, e então olhou para o homem que
havia sido hóspede do hotel.
— Tinha esperança de que me demitissem?
— É claro que não. — O homem examinou seus traços. — Queria que
tivéssemos uma chance de conversar.
Ela cou eriçada por um momento.
— Não quero conversar com você. O que está fazendo aqui?
— Não quero prejudicá-la. — Sua voz era gentil. — Lamento o que
aconteceu.
Acacia apertou o celular, pronta para fazer uma ligação.
— Foi detido por minha causa e está se desculpando?
— Não fui detido. — O homem fungou. — Fui interrogado, só isso.
— Só isso. — Acacia respirou fundo. — Fui dispensada por hoje e
rebaixada para o plantão da noite. Monsieur Roy está ameaçando me demitir.
— Por isso estou aqui. — O homem subiu um degrau. — Eu te defendi.
Acacia fez um ruído de desdém.
— Por quê?
— Tivemos um mal-entendido. — O homem pôs a mão no bolso do
casaco. — Eu devia ter dito que a pintura era uma reprodução. De qualquer
maneira, você fez o que qualquer pessoa decente teria feito. E eu a admiro por
isso.
— Não acredito em você.
Ele a tou com admiração.
— Sua natureza descon ada vai ser muito útil.
Acacia recuou um passo, ainda segurando o celular.
— Quero que vá embora.
O homem levantou as mãos.
— Vou deixar Paris, mas antes de ir queria incentivá-la a enfrentar seu
patrão. Concierges devem reportar atividades ilegais às autoridades. Roy sabe
disso.
— Eu o constrangi. Ele já foi procurado pela corporação proprietária do
hotel. Eles não estão felizes.
— Estariam ainda menos se alguém alertasse a imprensa sobre suas práticas
de contratação. Você é a única minoria óbvia no hotel com um cargo superior
ao de bartender.
Acacia comprimiu os lábios.
— Por que alguém falaria com a imprensa sobre isso?
— Porque “injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os
lugares”.
Acacia franziu a testa.
— Seu compromisso com a justiça, se for autêntico, é admirável. Continua
sendo impróprio e ameaçador você aparecer aqui no meu prédio.
— Não tiro sua razão. Como mencionei, esperava conversar com você no
hotel. Mas foi dispensada. — O homem abriu o sobretudo e pegou um
envelope, que ofereceu a ela.
— O que é isso?
— Sua grati cação.
— Não, obrigada.
O homem abriu o envelope e mostrou o dinheiro.
— Pensei que poderia acalmar Roy. Não pude. Ele pretende te demitir,
mesmo sem ter meios legais. Use o dinheiro para contratar um advogado.
— Se ele me demitir, vai ser tarde demais para advogados. É difícil
conseguir um emprego de concierge, especialmente em Paris.
— Então peça demissão e use esse dinheiro para se manter até arrumar
outro emprego. — O homem ofereceu o envelope de novo.
— Não — ela recusou com rmeza. — Não quero seu dinheiro.

É
— Não é meu dinheiro — Breckman protestou. — É seu. Você fez por
merecer.
— Não vou aceitar. — Acacia subiu a escada com o celular na mão.
Manteve o olhar atento ao antigo hóspede.
Ele abaixou o braço.
— Só a estou recompensando como sempre z com Marcel. Deixe de ser
teimosa.
— Pare de me seguir. — Acacia começou a digitar no telefone.
— Para quem está ligando? Seu namorado na BRB? — Pingava desdém de
seu tom.
Acacia o ignorou.
— Espere. — Breckman fez uma pausa, depois falou um palavrão. — A
polícia de Paris ainda não descobriu quem atacou Marcel. É possível que você
esteja correndo perigo.
Acacia levantou a cabeça.
— Por quê?
Breckman estava incomodado.
— Você é a substituta de Marcel.
— Não sei nada sobre as atividades dele. O único hóspede suspeito com
quem tive que lidar foi você.
Um músculo se contraiu na mandíbula do homem.
— Se eu quisesse te fazer algum mal, não avisaria antes.
— Não, só me assediaria no meu prédio e faria ameaças.
Ele deixou o envelope em um dos degraus.
— Sou muitas coisas, mademoiselle, mas tenho honra. Não sou bandido, e
certamente não sou ladrão. — Ele apontou para o dinheiro. — O dinheiro é
seu.
O polegar de Acacia pairava sobre a tela do celular.
— Leve o dinheiro.
Breckman cou parado.
— Acredite se quiser, eu não queria que você fosse rebaixada. Pelo
contrário.
— Vá embora. — Acacia completou a ligação e correu escada acima. Olhou
para trás, para ver se o homem a tinha seguido.
Ela podia ouvir passos rápidos e os palavrões de Breckman.
Acacia se debruçou no corrimão e viu o homem e seu guarda-costas saindo
pela porta dos fundos no térreo.
Quando Luc atendeu à ligação, ela correu para dentro do apartamento e
trancou a porta.
— Concordo. Essa é a melhor ponte de Paris. — Kate sorriu e se debruçou na
grade da Pont des Arts. Seu cabelo longo e ruivo estava preso em uma trança
que caía sobre as costas. Ela usava camiseta e jeans, os pés calçados em
sandálias.
Acacia olhou para a ponte movimentada através dos óculos escuros.
— Mas hoje tem muita gente.
Kate gemeu, ainda debruçada na grade.
— Esquece os cadeados, os amantes e os turistas tirando sel es. Foca no
Sena.
Acacia seguiu seu olhar. O rio corria lá embaixo, salpicado de barcos aqui e
ali. Como a água ainda estava muito alta, muitos barcos se aproximavam da
ponte lentamente, antes de fazer o retorno e se afastar.
— Pessoas vêm e vão. O rio ui. — Kate suspirou e apoiou o queixo na
mão.
Acacia tirou os óculos escuros.
— Por que está tão melancólica?
A brisa soprou uma mecha de cabelo ruivo para dentro da boca de Kate, e
ela a removeu.
— Estou com saudade de casa, mas não posso ir. Tenho que ganhar
dinheiro e tenho que ir à caça na biblioteca para fazer pesquisas para minha
tese.
Acacia pôs os óculos de novo.
— Só vou para casa no Natal. E, mesmo assim, Recife nem parece mais
minha casa. É engraçado. Sinto saudades do Brasil, mas cada vez que volto, lá
não é mais como me lembro.
— Sim, acontece a mesma coisa com Boston. Sinto saudade da minha mãe
e do meu irmão, só isso. — Kate virou de costas para a grade e estreitou os
olhos contra o sol forte. — Como vai indo a busca pelo emprego novo?
— Nada bem. — Acacia continuou olhando para o Sena. — Mandei
currículo para vários lugares, mas só dois para vagas de concierge. Recebi
respostas negativas quase imediatamente.
— Por quê?
Ela ergueu um ombro.
— Pode ser porque não trabalho no Victoire há muito tempo. Pode ser
porque meu gerente está me sabotando.
— Se ele quisesse te demitir, não estaria te ajudando a arrumar outro
emprego? — Kate fez uma expressão como se pedisse desculpas. — Sem
ofensa.
— Não conquistei o respeito dele, por isso ele não vai me recomendar. Sua
opinião conta muito, e infelizmente o mundo da hospedagem é
surpreendentemente pequeno.
— Eu sinto muito por você. — Ela dirigiu a Acacia um olhar pesaroso. —
Como é o horário da noite?
— É tranquilo. — Acacia fechou os olhos atrás dos óculos, se sentindo
repentinamente cansada. — Embora eu não fosse concierge sênior, sempre
trabalhei no horário diurno. Dependendo do dia ou da época do ano, às vezes
trabalhava com outros concierges, às vezes trabalhava sozinha. — Acacia abriu
os olhos. — O concierge da noite sempre trabalha sozinho, e a carga de
trabalho é menor, o que signi ca que muitas vezes é tedioso… Até que, de
repente, deixa de ser. Os pedidos que tenho recebido dos hóspedes são bem…
exóticos. E não me re ro a ingressos para Le Crazy Horse ou para o Moulin
Rouge.
As duas trocaram um olhar.
— Estou no horário noturno há duas semanas e ainda não consegui me
adaptar. Dormir de dia, trabalhar à noite… Eu me sinto uma vampira.
— Existe vampiro brasileiro?
— Alguns dos vampiros mais perigosos são brasileiros. — Acacia a encarou
com solenidade antes de rir.
— O que vai fazer?
Ela se juntou a Kate perto da grade.
— Espero encontrar outro emprego antes de o gerente me demitir.
— Pensei que fosse quase impossível demitir alguém na França.
— E é, se for uma demissão feita de forma legal. No meu caso, o gerente
sabe que meu visto de permanência está associado ao meu emprego. Tenho que
arrumar outro emprego para conseguir outro visto. Isso põe em risco minha
residência na França e me coloca em desvantagem em relação a outros
empregadores. Eles teriam que pedir uma autorização para mim.
— Não foi isso que aconteceu antes?
— Sim, mas quando comecei no Le Méridien Etoile, tinha visto de
estudante. Eles pediram um visto de trabalho para mim pouco antes de eu me
formar. Quando o Victoire me recrutou, eles modi caram minha autorização
de trabalho. Nunca quei desempregada antes, e sempre tive status legal de
imigrante.
— Meu irmão é advogado em Boston. Quer que eu pergunte se a rma
dele pode recomendar alguém aqui?
Acacia balançou a cabeça.
— Pre ro ser deportada a ir atrás de um advogado, e meu gerente sabe
disso. Ele só está ganhando tempo até poder encontrar um motivo plausível
para o setor de recursos humanos me demitir, mesmo que isso não seja
inteiramente legal.
Os olhos verdes de Kate brilharam.
— E o departamento de recursos humanos não vai interferir?
Acacia se debruçou sobre a grade.
— Agora sou só a concierge da noite. E nem todo mundo é solidário à
causa dos imigrantes.
— Isso é ridículo. Somos todos imigrantes ou descendentes de imigrantes.
As pessoas agem como se países surgissem do nada com as fronteiras intactas.
— Kate olhou novamente para o rio. — E se você voltar para a Sorbonne?
Pode mudar para o visto de estudante.
— Posso, mas acho que teria que voltar ao Brasil enquanto o pedido é
analisado. Teria que entregar o meu apartamento. — Acacia sacudiu a cabeça.
— Adoro aquele apartamento. Não quero perdê-lo.
— E o gostoso do agente da BRB que tem aparecido por lá? Não pode
ajudar?
— Ele é meu ex.
Kate levou a mão ao coração.
— O agente gostoso da BRB é seu ex? Está brincando?
— Namoramos quando éramos estudantes. — Acacia olhava para um
barco de passeio que passava sob a ponte.
— Não acredito que tem um ex com esse nível de gostosura — Kate ngiu
se abanar. — Por que ex? Ele é um babaca?
Acacia esfregou a ponta do sapato na grade.
— Não. E, sim, ele é gostoso. Mas é agente da BRB.
— Eu também não ia querer namorar alguém da polícia. Mas quando o
cara é gostoso o su ciente para gerar energia para a cidade de Paris inteira, acho
que faria uma exceção. Caramba.
Acacia sufocou o riso, e Kate protegeu os olhos com a mão.
— Tem uma história aí, mas precisamos de muito chocolate e uma garrafa
de vinho para eu extrair tudo de você. — Ela vasculhou os bolsos e encontrou
algumas moedas de euro. — Qual é o nome do policial?
— Luc.
— Como ele é seu ex, vou dar o apelido de Agente Que-Vergonha, porque
aquele nível de gostosura devia ser ilegal.
— Posso te apresentar — Acacia falou em voz baixa.
— De jeito nenhum. Você é minha amiga. — Kate fechou a mão com as
moedas e a levou perto dos lábios, soprando-as antes de murmurar algumas
palavras em inglês. Depois jogou as moedas de cima da ponte, quase acertando
uma balsa.
— Você vai ser presa. — Acacia olhou para trás e observou ao redor. —
Não pode jogar coisas no Sena.
— Ninguém viu. Se alguém aparecer, somos turistas e não falamos francês.
Ou podemos pedir ao Agente Que-Vergonha para pagar nossa ança. — Kate
deu uma piscadela. — Fiz só um pedido. Pedi para o rio te ajudar.
Acacia lutou para conter um sorriso.
— Acha que o Sena vai arrumar outro emprego para mim?
— Sim.
— Está confundindo com a Fonte Trevi, em Roma. Você joga moedas nela
e faz um pedido.
— Fonte, rio, tanto faz. Fiz uma doação aos deuses do rio e pedi ajuda.
Tenho certeza de que vão fazer alguma coisa ou vão ter que reembolsar meu
dinheiro.
Acacia riu.
— Agradeço o gesto.
— Estou aqui para ajudar. — Kate fez conchas com a mão e levou à boca.
— Vai, Sena. Não me decepciona.
Mesmo dando risada, Acacia pôde ouvir o celular tocando.
Em seguida, olhou para a tela.
— Desculpa, Kate, preciso atender. Pode ser sobre algum emprego.
Kate acenou para ela atender e continuou apoiada na grade.
— Alô? — Acacia se afastou alguns metros.
— Boa tarde — disse uma voz de mulher madura. — Posso falar com
Acacia Santos, por favor?
— Sou eu.
— Aqui é madame Bishop da KLH. Representamos várias corporações e as
ajudamos a encontrar empregados excepcionais.
A mera sugestão de esperança fez a garganta de Acacia se contrair. Ela
afastou o celular do rosto e tossiu rapidamente.
— Sim, madame. Posso perguntar como conseguiu meu nome e meu
número?
— Somos uma empresa de recrutamento executivo e temos contatos na
área de hospedagem. No momento, estamos trabalhando para vários clientes
que pretendem recrutar pessoas com experiência de concierge. Soube que
atualmente você é concierge no Victoire, certo?
— Sim, madame.
— Tem interesse em fazer uma entrevista conosco? Não se trata de uma
oferta de emprego. Mas se sua entrevista for positiva, podemos tentar
apresentá-la a uma cliente. Nossa lista de clientes inclui corporações
multinacionais, bem como empresas francesas, e todas oferecem remuneração
generosa e pacotes de benefícios.
Acacia fechou os olhos com força e tentou controlar a empolgação.
— Sim, gostaria de fazer a entrevista. Obrigada.
— Pode vir na sexta à tarde, vejamos, às duas horas?
— Sim, posso.
— Excelente. Estamos no distrito nanceiro de La Défense. Quando
chegar, diga à recepção que tem um horário marcado comigo. Aguardo você às
duas em ponto.
— É claro. Obrigada, madame.
— Até lá, sugiro que dê uma olhada em nosso site e conheça as diretrizes
para possíveis empregados. Por favor, mande seu currículo e uma carta de
apresentação para o e-mail da minha assistente, e qualquer documento que
comprove as informações. — Madame em seguida disse o e-mail de sua
assistente administrativa.
— Sim, madame. Mais uma vez, obrigada.
Acacia encerrou a ligação e apoiou o celular embaixo do queixo. Seu
coração batia depressa, e ela notou que estava sorrindo.
Não valia a pena ser excessivamente otimista. Um emprego no mundo
corporativo seria diferente da área de hospedagem. Mesmo assim, era uma
oportunidade boa demais para ser recusada.
Acacia revirou os bolsos da calça jeans e pegou um punhado de moedas.
Depois se aproximou de Kate e jogou as moedas no rio.
— Por que fez isso? — Kate perguntou, vendo os euros mergulharem na
água.
— Estou demonstrando minha gratidão aos deuses do rio. — Acacia
levantou as mãos. — Acho que minha sorte mudou.
Apesar do sopro de esperança, Acacia continuava ansiosa.
Temia que sua identidade fosse vazada à mídia depois da visita da BRB ao
Hotel Victoire. Havia criado um alerta no Google para qualquer menção ao
seu nome ou, que Deus não permitisse, fotogra a sua. O medo a invadia cada
vez que veri cava o e-mail.
Não tinha falado sobre a situação com a mãe, e trocou os telefonemas
semanais por e-mails. Era impossível esconder o nervosismo na voz. Se Acacia
perdesse o emprego, não conseguiria sustentar a mãe. Mas não queria
preocupá-la desnecessariamente.
Na sexta-feira, Acacia estava mais do que ansiosa para deixar o hotel.
Monsieur Roy tinha recrutado outro funcionário para vigiá-la, ansioso por
qualquer deslize ou sugestão de insatisfação de um hóspede. Acacia sabia que
era só uma questão de tempo até ele encontrar alguma coisa que pudesse
manipular e transformar em infração digna de demissão, e por isso ela havia
adiado a entrega da agenda de Marcel à polícia de Paris.
Havia pesquisado sobre a KLH e descoberto que era uma empresa de
recrutamento muito respeitada. Não sabia como conseguiu chamar a atenção
deles, mas estava grata por isso.
Acacia precisou dormir menos na sexta-feira, a m de se preparar para a
entrevista. Naquela manhã, dedicou mais cuidado à aparência. Tinha sorte por
sua pele bronzeada não precisar de muita maquiagem. Os pais a haviam dotado
de beleza e um porte atraente que fazia com que as roupas caíssem bem nela.
Precisou tirar o casaco e os sapatos quando passou pela segurança, ao entrar
no prédio, um arranha-céu moderno no distrito nanceiro. Sua instalação
concorria com a do aeroporto.
Enquanto esperava do lado de fora do escritório de madame Bishop,
ajustou a saia preta com todo cuidado. Vestia tailleur e broches de lapela, e o
estilo do cabelo e das roupas era propositalmente conservador.
— Madame aguarda a senhorita. — A assistente administrativa aproximou-
se de Acacia e a levou a uma sala ampla, de canto, com janelas panorâmicas.
Uma mulher pequenina com cabelos pretos presos em um coque austero na
nuca e óculos grandes de armação vermelha se levantou atrás da mesa.
— Mademoiselle. — Ela estendeu a mão.
Acacia a apertou e se sentou na cadeira oferecida a ela.
Madame Bishop voltou ao seu lugar e pegou uma pasta.
— Revi seu currículo, mademoiselle, e falei com a lial de Paris do Les Clefs
d’Or. Eles comentaram que recebeu várias avaliações positivas durante seu
período no Le Méridien Etoile.
— Sim, madame.
Ela olhou para Acacia por cima da mesa.
— Alguns de nossos clientes procuram mais que uma assistente executiva
experiente. Sei que a tradição do concierge está ligada à indústria hoteleira, mas
temos tido sucesso no recrutamento de concierges talentosos para atuar no
setor corporativo. Por exemplo, recrutamos um concierge júnior do Shangri-La
Hotel para ser concierge pessoal do CEO de uma importante empresa de
tecnologia. Tanto o cliente quanto o concierge estão satisfeitos com o arranjo.
Teria interesse em se tornar concierge pessoal?
Acacia hesitou, mas só por um momento.
— Sim, madame, creio que as competências são transferíveis para o
atendimento a um cliente individual.
Madame Bishop abriu a pasta e tirou a tampa de uma caneta. Ela fez
algumas anotações.
É
— É possível que o cargo exija viagens. O que faria para manter um
elevado nível de serviço fora de Paris?
— Em meus dois empregos, trabalhei com concierges de hotéis em outros
países para auxiliar hóspedes, então já tenho uma rede internacional. Seria
ótimo cultivar essa rede. Creio que minha facilidade com idiomas também
seria de muito valor.
— Já viajou muito?
Acacia balançou a cabeça, mas forçou um sorriso.
— Não, madame. Mas a possibilidade me deixa entusiasmada. Gosto de
aprender sobre outras culturas.
— De acordo com sua documentação, é cidadã brasileira e possui um visto
com permissão de trabalho associado ao seu emprego no Victoire. Por que quer
sair de lá? — Os olhos azuis de Madame eram incisivos como uma lâmina
a ada.
Acacia pensou muito depressa, mantendo o sorriso.
— O Victoire é um hotel excelente. Mas o concierge sênior tem posto xo,
e pelo menos em breve, não existe possibilidade de promoção. Quero expandir
minha experiência para poder me candidatar a cargos de concierge sênior
algum dia.
— Então não considera ser concierge pessoal a longo prazo?
— Isso dependeria das condições do trabalho.
— Entendo. — A mulher olhou para ela com intensidade. — Você possui
outros talentos que não estejam em seu currículo?
— Gosto de esportes e tento me manter em boa forma física. Estudei
história da arte.
— Mais alguma coisa? — insistiu.
Acacia tinha a impressão de que madame Bishop esperava algo especí co,
mas ela não sabia o que poderia ser.
— Acho que isso é tudo. — Ela forçou mais um sorriso.
— Como é comum a qualquer empregado em potencial, temos que fazer
uma veri cação de histórico. Além disso, precisamos da sua assinatura em um
acordo de con dencialidade. Nossos clientes esperam sigilo para qualquer
informação a que possa ter acesso no exercício de suas funções, inclusive em
relação ao processo de entrevista.
O sorriso de Acacia se manteve.
— Como concierge, sou comprometida com a con dencialidade.
— Excelente. — Madame pegou um jogo de páginas grampeadas. — Por
favor, dedique um tempo para ler esse acordo. Se concordar com tudo, assine
na linha pontilhada no nal e coloque a data de hoje. Posso ver seu passaporte?
Vou pedir à minha assistente para fazer uma cópia.
Acacia pegou da pasta o passaporte brasileiro e a permissão de trabalho e os
entregou à entrevistadora.
A mulher pediu licença e saiu do escritório enquanto Acacia lia o
formulário.
O acordo de con dencialidade parecia ser padrão, embora houvesse a
exigência de sigilo para nomes e identidades de quaisquer possíveis contratantes
que pudesse conhecer. Ela leu o contrato duas vezes, depois o assinou e datou.
No m, Acacia cou sem saber como a entrevista tinha sido. Certamente
era muito diferente das outras que já havia feito.
Sabia que uma pesquisa de seu passaporte ou impressões digitais não
revelaria nada incriminatório. Mesmo que a KLH conseguisse obter sua
certidão de nascimento no Brasil, não seria um problema. Mesmo assim, vivia
com medo de um dia alguém descobrir quem ela realmente era, e ele a
encontrar.
A porta do escritório se abriu, e madame retornou.
— Assinou o formulário? — Ela devolveu o passaporte de Acacia e sua
permissão de trabalho.
— Sim. — Acacia pôs o acordo assinado sobre a mesa dela.
— Muito bem. Um de nossos clientes está no escritório hoje e manifestou
interesse em conhecê-la. Você se oporia a uma segunda entrevista?
Acacia se virou na cadeira.
— De jeito nenhum.
— Por aqui, por favor. — Madame esperou Acacia pegar a pasta e a
conduziu pelo corredor até uma sala de reuniões.
Ela abriu a porta.
— Monsieur Nicholas Cassirer, quero que conheça mademoiselle Acacia
Santos, do Hotel Victoire. Mademoiselle, monsieur Cassirer tem algumas
perguntas para você.
Madame conduziu Acacia à sala de reuniões.
— Pode chamar minha assistente pelo interfone quando terminar,
monsieur.
— Obrigado. — A voz profunda soou do outro lado da sala.
Madame fechou a porta.
— Bonjour, monsieur. — Acacia cumprimentou as costas largas do homem
alto, que estava parado diante de uma das janelas, olhando para o distrito
nanceiro com as mãos nos bolsos.
— Bonjour, mademoiselle. — Ele virou.
Acacia levou a mão aos lábios ao perceber que o homem diante dela era
ninguém menos que monsieur Breckman.
Acacia recuou e levou a mão à maçaneta da porta.
— Peço somente um minuto do seu tempo. — Monsieur Breckman
permaneceu perto da janela.
— Você está me perseguindo. — Ela o encarou com ar de acusação.
— Longe disso. — Apontou uma cadeira, mas Acacia se recusou a sentar.
— Quem é você?
— Nicholas Cassirer. — Ele se aproximou com a mão estendida.
Acacia a ignorou.
— Começamos com o pé esquerdo. — Nicholas baixou a voz. — Lamento
por isso.
— Mudou de nome. E de aparência. — Ela apontou para o rosto, agora
com barba. A cicatriz tinha sido coberta, provavelmente com alguma prótese
que se misturava à barba. O cabelo escuro estava penteado diferente.
— Ainda tenho a cicatriz. — Ele a encarou com frieza. — Só pre ro cobri-
la de vez em quando.
Acacia teve de resistir ao impulso de cobrir a têmpora, cuja pele era
marcada, mas estava sempre escondida.
— Por que a mudança de nome?
— Vou explicar em um minuto. Cometi vários deslizes que pretendo
corrigir. A grati cação não pretendia ser um suborno, mas uma recompensa
por seu excelente serviço.
— Erros não podem ser reti cados com dinheiro.
— Concordo. — O tom de Nicholas era sincero. — Não estou aqui para te
dar sua grati cação. Estou aqui para dar uma explicação.
Ele apontou novamente para uma das cadeiras.
— Obrigada, pre ro car em pé.
— Muito bem. — Ele pôs as mãos nos bolsos de novo. — Minha família é
dona de várias corporações diferentes. Estou envolvido na administração dessas
empresas. Há alguns anos, comecei a dedicar boa parte de meu tempo à
recuperação de arte roubada.
Os olhos de Acacia se tornaram mais atentos.
Nicholas sorriu.
— Sabia que isso despertaria sua curiosidade. Por causa da natureza do
mercado ilegal, assumi diferentes identidades. Tenho o apoio de vários
governos e, às vezes, viajo com passaportes diplomáticos.
— Por que um governo o apoiaria?
— Meu objetivo é devolver arte roubada a seus legítimos donos. Os
governos me consideram um aliado.
Acacia o encarava, curiosa.
— Você é um espião?
Os olhos escuros de Nicholas cintilaram.
— Frequento o mundo corporativo, mas tenho acesso ao mercado ilegal de
arte e antiguidades. — Ele estendeu os braços. — Digamos que sou um Robin
Hood de terno.
— Houve um roubo no U zi em Florença há alguns anos; alguém roubou
uma coleção de ilustrações d’A Divina Comédia de Dante. Mais tarde, elas
foram recuperadas. Foi você?
— Não. — Ele baixou os braços. — Mas você soube desse assunto.
— Estava em todos os jornais.
— Conheço os Emerson, o atual proprietário e a esposa dele, porque
minha família vendeu as ilustrações para eles. Mas não fui o Robin Hood que
as devolveu.
— Robin Hood foi capturado pelo xerife de Nottingham.
— Tenho amigos poderosos que me ajudam a evitar a captura.
Ela semicerrou os olhos.
— Por isso a BRB o liberou?
— Eles me liberaram porque eu estava seguindo pistas de uma pintura
roubada. Estava disfarçado, por isso não pude me explicar a você. Marcel foi o
intermediário entre mim e um negociante de arte. Infelizmente ele foi atacado
antes de poder revelar o local da reunião ou o nome do negociante.
— Eu não sabia que Marcel tinha esse tipo de conexões.
— Provavelmente porque essas conexões passam pelo mercado ilegal. —
Nicholas se aproximou um passo. — Há uns dois anos, manifestei interesse em
um artefato que sabia ser ilegal adquirir. De início, Marcel se recusou a me
ajudar. Mais tarde, ele disse que podia ter uma fonte que talvez me ajudasse.
Desde então, usei os serviços de Marcel.
— Pediu uma relíquia para ele?
Nicholas deu uma risada.
— Não.
Acacia esperou que Nicholas falasse algo mais, mas ele cou em silêncio.
Ela abraçou a pasta.
— Marcel ainda está em coma.
— Estou tentando descobrir quem o atacou. Precisa saber, mademoiselle,
que Marcel providencia bens e serviços ilegais para seus clientes há anos. Estou
convencido de que monsieur Roy tem conhecimento dessas atividades e
provavelmente ganha uma comissão. A animosidade dele por você sugere que a
considera uma ameaça.
— Não sou uma ameaça para ninguém.
Nicholas direcionou a Acacia um olhar direto.
— É uma pessoa íntegra que tem um amigo na BRB. Roy não quer a
atenção deles. Precisa se livrar de você, ou corre o risco de ser exposto.
Os ombros de Acacia caíram.
— Então não há nada que eu possa fazer para preservar meu emprego.
Nicholas a guiou até uma cadeira, e ela nalmente se sentou. Depois se
aproximou da mesa de conferências e abriu uma garrafa de água com gás.
Serviu um pouco em um copo e deu a ela.
— Obrigada. — Acacia bebeu, os pensamentos estavam acelerados. — Eu
não sabia de nada disso.
— Foi o que pensei.
— Se agências legais investigassem o Victoire e efetuassem prisões, minha
reputação seria manchada. Nenhum outro hotel ia querer me contratar.
— Por isso estou aqui.
Acacia bebeu mais água.
— Não preciso de resgate.
A expressão de Nicholas cou tensa. Ele puxou uma cadeira e se sentou de
frente para Acacia.
— Minha assistente executiva não pode viajar. Preciso de alguém que possa
me acompanhar em viagens de negócios e me ajudar com arranjos locais.
Também preciso de uma intérprete.
— Tenho certeza de que há muitos assistentes executivos que podem
ocupar essa vaga.
— Não quero nenhum deles. Quero você.
Acacia arqueou uma sobrancelha.
Nicholas se inclinou para frente e apoiou os antebraços nos joelhos.
— Você tem experiência como concierge, uência em vários idiomas e
estudou arte.
— Por que não me procurou diretamente, em vez de usar madame Bishop
para me aliciar e atrair até aqui?
Nicholas cou tenso.
— Não foi aliciamento. A KLH é uma empresa de recrutamento respeitada.
Pedi a madame Bishop para mediar nosso contrato porque queria ser franco e
ter um contato às claras. Ela vai cuidar da papelada e pode ajudá-la a entrar em
contato com minhas fontes de referências.
— Quem são suas referências?
— O Ministro do Interior, por exemplo.
Acacia conteve uma risada.
— O Ministro do Interior o recomendaria?
— Sim. — Os olhos escuros se focaram nela. — Em uma de nossas
conversas, você mencionou o roubo de um Degas que estava emprestado em
Marselha. Você provavelmente sabe que a tela foi recuperada.
Acacia assentiu.
Nicholas sorriu.
— Eu participei da recuperação. Posso contratá-la por intermédio de um
dos meus escritórios em Paris. Vai receber um excelente salário e benefícios,
que madame Bishop dirá quais são. O contrato seria por um ano apenas.
Depois disso, minha atual assistente executiva deve poder viajar.
— Se eu sair do Victoire, perco minha permissão para trabalhar.
— Como eu disse, o Ministro do Interior é meu amigo. Posso providenciar
uma permissão temporária de trabalho e entrar com um pedido de blue card da
União Europeia.
— Um blue card? — Acacia não conseguiu disfarçar o anseio em sua voz.
— Sim. Normalmente o blue card só pode ser concedido depois de um
ano, mas tenho conexões que podem tentar acelerar o processo. Quando tiver o
blue card, você vai poder viver e trabalhar na União Europeia inde nidamente.
A KLH pode ser uma referência e pode ajudá-la a encontrar trabalho como
concierge depois que cumprir seu trabalho comigo.
— Isso tudo é muito generoso, mas ainda não entendo por que está me
oferecendo um emprego. Tivemos pouco contato no hotel, e a maior parte foi
desagradável.
— Peço desculpas pelo meu desagrado. — Os olhos de Nicholas ganharam
uma nova intensidade. — Mesmo diante dessas di culdades, você revelou
várias qualidades que admiro.
— Por exemplo?
— Honestidade. Integridade. Dever cívico.
Acacia se sentiu tentada a reagir com sarcasmo, mas a expressão de monsieur
Cassirer era franca.
— Fez pelo menos duas solicitações absurdas no hotel. Um terno sob
medida em horas? Uma relíquia? Não sei se estou animada em trabalhar para
alguém que trata sua equipe desse jeito.
— Eu não sabia se podia con ar em você.
— As solicitações foram um teste?
— Conheci poucas pessoas na vida em quem posso con ar. Conside- rando
as atividades de Marcel, era bem provável que você também estivesse envolvida.
Eu precisava ter certeza.
Acacia se levantou com as mãos trêmulas e deixou o copo vazio sobre a
mesa.
— Não gosto de ser um objeto de testes.
— Eu me sentiria assim também. Mas você telefonou para a BRB. — Ele
sorriu. — Fiquei impressionado.
Acacia fez uma expressão de desagrado.
— Por isso me ameaçou quando mencionei a reunião que Marcel estava
organizando? Por ter me achado impressionante?
O sorriso de Nicholas desapareceu, e o homem se levantou.
— Tive receio de que alguém zesse mal a você.
— Até agora, só duas pessoas me ameaçaram: você e monsieur Roy.
— Roy é uma cobra. — Nicholas fechou a mão direita em punho. — Você
é uma pessoa íntegra em um local de trabalho repleto de víboras. Estou lhe
oferecendo uma saída. Mais, estou lhe oferecendo uma oportunidade de
trabalhar comigo para devolver arte roubada a grandes galerias da Europa. É
uma tremenda oportunidade.
— E se eu não gostar de trabalhar para você?
— É só se demitir. Não é escravidão, mademoiselle. Pode se demitir quando
quiser, desde que cumpra o aviso prévio. Mas creio que vamos trabalhar bem
juntos. Com certeza, trabalhar para mim vai ser mais seguro que trabalhar para
o hotel.
— Não seria trocar seis por meia dúzia? Ainda não sei ao certo quem é de
verdade, monsieur Cassirer, se é que esse é seu nome de verdade. E seu trabalho
é perigoso.
— Não corro riscos desnecessários e não sou um ladrão. O dinheiro
normalmente troca de mãos nessas transações, por isso tenho tido sucesso.
Tenho uma excelente equipe de segurança, que também a protegeria.
Acacia ainda não estava convencida.
Nicholas estudou seu rosto.
— Tudo tem algum risco, Acacia. Nesse momento, você tem a
possibilidade de escolher o que acontece com sua vida, antes que alguém como
Roy tire essa escolha das suas mãos.
Acacia pegou a pasta.
— Obrigada pela oferta, mas não posso aceitá-la.
Nicholas pôs as mãos na cintura, abrindo o paletó do terno.
— Prefere continuar no Victoire a trabalhar para mim?
— Já me testou para sua diversão, e o resultado desse teste é que fui
rebaixada e minha carreira está em risco. Preciso encontrar outro emprego o
mais depressa possível, de preferência em algum lugar no qual meu patrão não
trate seus empregados como ratos de laboratório.
Alguma coisa cintilou nos olhos de Nicholas. Ele cou em silêncio por um
momento.
— Não se esqueça que assinou um acordo de con dencialidade, o que
signi ca que não pode falar sobre nada do que foi discutido aqui.
— Eu entendo. — Acacia pegou a pasta. — Até logo.
Nicholas não respondeu.
Acacia se dirigiu à porta, sentindo que ele a seguia com os olhos.
A noite estava tranquila em seu turno.
Acacia cumpriu sua lista de tarefas e fez anotações para o concierge do
horário diurno. Depois se sentou atrás de sua mesa e mergulhou nos próprios
pensamentos.
Madame Bishop cou surpresa quando ela recusou a oferta de trabalho de
monsieur Cassirer. Ela havia revelado o salário e explicado o prestígio associado
ao cargo. Diplomaticamente, Acacia explicou que não era adequada à função.
Madame Bishop não disfarçou sua opinião de que Acacia estava sendo tola pela
recusa, mas aceitou sua decisão.
Sentada à mesa no saguão vazio do Hotel Victoire, Acacia pensava se a nova
identidade de monsieur Cassirer não era uma invenção. Era possível que
madame Bishop estivesse agindo em conluio com ele para enganá-la. Talvez ele
ainda estivesse ressentido com sua detenção e quisesse vingança.
Acacia decidiu pesquisá-lo no Google.
O nome Nicholas Cassirer forneceu resultados muito diferentes daqueles
que encontrara ao pesquisar Pierre Breckman. Havia páginas e páginas de
ocorrências centradas na família de Nicholas e em seu vasto império
econômico. A família Cassirer estava envolvida em uma variedade de
empreitadas lantrópicas e de caridade.
Acacia encontrou várias fotogra as de Nicholas mais jovem, sem a cicatriz,
em ocasiões formais, inclusive algumas imagens do homem com uma loira
delicada que era identi cada como sua namorada. E em fotogra as mais
recentes, a loira tinha desaparecido, e o rosto do homem estava coberto por
uma barba que escondia a cicatriz.
Acacia não entendia por que Nicholas tinha se apresentado sem barba e
com o rosto marcado ao assumir a identidade de Pierre Breckman. Pelo que
disse durante a reunião na KLH, a cicatriz era verdadeira. Ele parecia ter feito
um grande esforço para escondê-la quando aparecia em público como Nicholas
Cassirer.
Acacia clicou em uma notícia de 2007. O artigo fazia referência ao roubo
de várias obras de arte da Fundação Museu Cassirer em Cologny, Suíça. Acacia
leu rapidamente a história e se ateve a três linhas:
“A curadora do museu, mlle. Riva Cassirer, foi atacada durante o roubo e
morreu em consequência dos ferimentos. O bisavô de mlle. Cassirer, Édouard
J. Cassirer, fundou o museu. Ela deixa os pais, Armand e Hélène, e o irmão,
Nicholas.”
Acacia cou olhando para o texto com horror crescente. A irmã de
Nicholas foi assassinada. A foto que acompanhava o artigo de jornal mostrava
uma ruiva jovem e sorridente com olhos castanhos vibrantes. O artigo fazia
referência à sua educação na Sorbonne, bem como sua devoção à educação
pública em artes e ao uso da arteterapia. Ela foi responsável pela criação de
diversas bolsas de estudo e abertura das portas do museu para crianças de vários
programas.
Naquele momento, a cruzada de Nicholas para recuperar arte roubada
assumiu um novo signi cado. Roubar arte era um crime que quase nunca
envolvia violência. O assassinato de Riva Cassirer era chocante, sua vida e sua
obra desprezadas.
Acacia procurou mais informações na internet, mas um artigo recente em
um jornal de Genebra con rmava que os itens roubados, que incluíam um
Degas e um Monet, nunca foram recuperados. O assassinato de Riva seguia
sem solução.
Acacia fechou o notebook. Agora que tinha visto o rosto sorridente de Riva
Cassirer e descoberto sobre sua morte trágica, a imagem a atormentaria.
Pensou no quanto aquilo não atormentava a família Cassirer.
O trabalho de Nicholas provavelmente foi provocado pela perda da irmã.
Talvez ele visse as atividades como uma homenagem a ela, ou, no mínimo,
uma tentativa de reparar um dos males causados à sua família. Acacia se
perguntava até onde ele iria em sua busca. De qualquer maneira, Nicholas
provavelmente nem pensava em vingar a morte da irmã. Tinha uma missão
muito mais importante, muito mais perigosa.
Seu encontro com monsieur Cassirer tinha sido uma revelação. Não só
descobriu seu verdadeiro nome, como soube a verdade sobre os bastidores do
Hotel Victoire. Marcel tinha organizado uma reunião que, de acordo com
Nicholas, era relacionada a uma pintura roubada. Então Marcel foi
violentamente atacado. Acacia não era especialista em crimes, mas era óbvio
que tanto o ataque contra Marcel quanto o ataque contra a irmã de Nicholas
eram atípicos no mundo da arte. Nicholas era o elo comum aos dois crimes.
Acacia re etiu sobre como ele reagiu intensamente quando mencionou a
reunião organizada por Marcel. Podia ter alguma compaixão por Nicholas,
considerando a perda que o homem sofreu. E entendia agora por qual motivo
ele viajava com uma equipe de segurança tão numerosa. Por qual motivo
insistia tanto para Acacia se demitir do hotel.
Quando seu expediente terminou na manhã seguinte, ainda pensava sobre
Riva Cassirer e o irmão dela. Trocou suas roupas para jeans e botas de
motociclismo e saiu pela porta de serviço nos fundos do hotel.
Passava das sete da manhã, e o sol já havia nascido. Tinha estacionado a
moto em um lugar proibido atrás de uma das caçambas, depois de convencer o
segurança do hotel a ngir que não tinha visto. Nicholas a havia prevenido
para tomar cuidado quando chegasse ao hotel e saísse dele, mas os avisos eram
desnecessários. Ela não queria acabar como Marcel, e faria tudo o que pudesse
para evitar esse m.
Acacia não contou a Luc sobre a entrevista com monsieur Cassirer, mas ele
manteve a proteção da BRB na ida e volta do hotel. Enquanto se dirigia às
caçambas, ela procurou o carro sem identi cação que estava estacionado na
viela na noite anterior, quando chegou ao trabalho.
O carro tinha desaparecido.
Acacia olhou para a rua, esperando ver o substituto do carro anterior. Mas
tanto a viela, quanto o que podia ver da rua estavam vazias.
Ela parou, confusa.
Sem nenhum aviso, alguém a agarrou por trás. Uma das mãos segurou seu
pescoço, enquanto a outra apertava sua barriga.
Acacia cou tensa enquanto seus piores medos se realizavam.
— Cadê o caderno? — o homem sussurrou em francês.
O alívio a invadiu quando ela ouviu o idioma conhecido. O atacante não
era quem ela temia que fosse.
Acacia soltou a mochila e o capacete e en ou o cotovelo nas costelas do
homem. Deu em seguida um chute na rótula e resvalou a sola da bota pela
canela, antes de pisar com força nos dedos do homem. Ele a soltou, uivando
palavrões em um idioma que ela não entendia.
Acacia se moveu e deu um soco na garganta do homem, que caiu de
joelhos, segurando o pescoço.
— Sobe na sua moto e some daqui! — gritou uma voz em inglês.
Acacia se virou e viu Rick, o guarda-costas de Nicholas, correndo em sua
direção. Alguns passos à frente dele havia outro homem grande e com um
porte poderoso.
Acacia olhou para Rick, boquiaberta, depois pegou a mochila e montou na
moto. Mantinha os olhos nos dois homens enquanto ligava o veículo.
Rick derrubou o homem por trás antes de o sujeito alcançar Acacia.
Acelerando, ela deu a volta nas caçambas, correu para a rua e se misturou
no trânsito enquanto a adrenalina inundava seu organismo.
Estava na metade do caminho para casa, quando percebeu que tinha
esquecido o capacete.
Acacia estacionou a motocicleta na frente do prédio e correu para dentro; subiu
as escadas até o apartamento como se o diabo a perseguisse. O celular tocou
dentro do casaco.
Ela o ignorou.
Uma vez trancada e segura dentro do apartamento, se sentou no chão com
o corpo trêmulo. Cobriu o peito com a mão e respirou fundo, tentando fazer o
coração desacelerar. Ninguém a seguiu do hotel até o apartamento. Não havia
nenhum carro sem identi cação parado perto da porta do edifício. Estava
completamente desprotegida.
Claude a cumprimentou miando e esfregou a orelha em sua perna. Ela
beijou a cabeça do gato e o pegou no colo.
Quando o celular tocou de novo, e um número desconhecido apareceu na
tela, Acacia torceu para ser Luc.
— Alô?
Acacia ouviu o movimento do outro lado da linha — o eco de passos e
depois uma voz baixa, grave.
— O Rick me ligou. Onde você está?
O coração de Acacia disparou.
— Como conseguiu meu número?
— Está no seu currículo. Você se machucou? — O tom de Nicholas era
direto.
— Não.
— Que bom. — Ele deixou escapar um suspiro. — Rick falhou. Ninguém
devia ter conseguido se aproximar o su ciente para tocar em você. Mas ele
disse que você se defendeu bem.
— O que Rick estava fazendo fora do hotel?
— Pedi para ele car de olho em você quando a BRB suspendeu a
vigilância.
— Eles suspenderam a vigilância? Ninguém me avisou.
— Provavelmente porque a pessoa que cuidava da vigilância foi subornada.
— Por quê? — Acacia respirou fundo.
O homem fez uma pausa.
— Você sabe por quê.
Acacia fechou os olhos.
— Você armou tudo isso? É algum tipo de jogo?
— Não sou um bandido, mademoiselle — Nicholas se irritou.
Acacia pôs Claude no chão, cou em pé e veri cou novamente as trancas
da porta. Depois espiou pelo olho mágico. O corredor estava vazio.
— Obrigada por sua preocupação, mas estou bem. Até logo.
— Espera!
Os passos pararam do outro lado, e Acacia ouviu um som abafado, como se
Nicholas estivesse cobrindo o celular com a mão.
Alguns segundos depois, ele voltou.
— Você não está segura em seu apartamento. O homem que a atacou pode
ter seguido você até aí. Rick está a caminho.
Acacia espiou pelo olho mágico outra vez.
— Acha que eles virão aqui?
— Um de seus atacantes escapou. Se ele conhece seus horários de trabalho,
provavelmente sabe onde você mora.
— O que eles querem?
A voz de Nicholas amansou.
— Eles querem resolver um problema. Lamento dizer, mas parece que esse
problema é você. Rick esperava que a segurança do hotel interferisse, porque
havia câmeras cobrindo os fundos do prédio. Ninguém apareceu e ninguém
chamou a polícia. O homem com quem Rick lutou tinha uma arma.
— Eles estavam armados? — Acacia se deixou cair contra a porta.
— Sim.
Ela soltou um ruído no fundo da garganta.
— Falei com um dos guardas de segurança antes de começar meu
expediente. Ele me deixou estacionar a motocicleta atrás das caçambas, mesmo
sendo contra as regras.
— Exatamente.
— Ele contou para eles. — Acacia levou a mão à testa. — Disse onde eu
tinha estacionado, depois se afastou e cou observando.
— Você precisa sair de Paris. — O tom de Nicholas se tornou urgente. —
Rick vai acompanhar você até o aeroporto, e um dos meus homens vai com
você para Genebra. Lá estará segura.
— Foi isso que aconteceu com Marcel? O segurança do hotel contou a
alguém quando Marcel saía e onde a moto estava estacionada?
— Não sei. — Nicholas respirou fundo ruidosamente. — É possível.
— Se eu for trabalhar hoje à noite, vou acabar como Marcel. — Acacia
levou a mão ao cabelo e o puxou. — Se eu não for, perco o emprego e minha
permissão de trabalho.
Monsieur Cassirer fez um barulho exasperado.
— Posso designar uma equipe de segurança para você, mas Roy vai banir os
homens do hotel, e você vai car desprotegida. Hoje de manhã eles
subestimaram você; não vão repetir esse erro.
— Quer me ajudar a sair de Paris?
— Sim.
— Por quê?
Nicholas baixou a voz.
— Não quero minha consciência pesada por seu sangue derramado.
Acacia sentiu um arrepio descer pelas costas ao lembrar o que aconteceu
com Riva Cassirer. Ela ouviu passos do outro lado da linha. Uma pausa, e eles
recomeçaram. Nicholas andava de um lado para o outro.
— O hotel não é seguro. Se a segurança viu Rick hoje de manhã, eles vão
descobrir essa ligação com Pierre Breckman. Quem está atrás de você vai
começar a me procurar. Não vou car esperando até ser encontrado.
— Acha que vão atrás de você?
— Não sei o que eles querem. Mas se você se demitir do hotel, eles podem
desistir de você.
É a agenda, Acacia pensou. Só tem um caderno que esses homens podem
querer, e é a agenda do Marcel. As câmeras de segurança no saguão devem ter
registrado quando a peguei.
Acacia não revelou sua conclusão a Nicholas. Ficou ouvindo os passos e a
respiração agitada. Ele não ia desistir.
Claude olhou para ela e miou.
— O que é isso? — Nicholas quase latiu.
— Meu gato.
— Ela tem um gato — murmurou. — É claro que tem.
Nicholas pigarreou.
— Pode tentar a sorte no hotel, mas como não pode contar com a
segurança deles, vai ser um risco. Pode ir à polícia, mas é só uma questão de
tempo até as pessoas que estão atrás de você despistarem a polícia. Talvez já
tenham subornado a BRB.
Acacia pegou Claude.
— Se está preocupado com a possibilidade de irem atrás de você, temos um
inimigo em comum.
— Mais uma razão para trabalharmos juntos.
Acacia enterrou o rosto no pelo de Claude.
A fadiga começou a dominá-la quando a adrenalina se esgotou. Podia ligar
para Luc, mas ele envolveria a BRB. A essa altura, não podia con ar neles. A
Brigada a deixou desprotegida justamente quando foi atacada.
Uma lembrança ruim passou por sua cabeça. Acacia se lembrou de um
ataque anterior que quase havia sido bem-sucedido. Tinha escapado e fugido
do Rio para Recife.
Paris deveria ser segura.
Se quisesse continuar morando e trabalhando na França, tinha de evitar
tanto os atacantes quanto a polícia. Permanecer no Hotel Victoire e envolver
Luc colocaria tudo isso em risco. E havia um detalhe: ela ainda estava em posse
da agenda de Marcel. Podia ser acusada de obstrução e mandada de volta ao
Brasil.
O inimigo do meu inimigo é meu amigo, ela pensou. Pelo menos por
enquanto.
— Certo. — Acacia fechou os olhos, resignada.
O som dos passos de Nicholas cessou.
— Rick logo vai chegar ao seu apartamento. Encontro você em Genebra.
Me liga se houver algum problema.
— Tudo bem. — Acacia estava furiosa, não gostava de se sentir impotente.
— E Acacia. — O tom de Nicholas estava sério. — Remova do seu
apartamento tudo que for importante. Se decidirem te procurar aí, eles não vão
ser cuidadosos.
Ela concordou com um sussurro e encerrou a ligação.
Claude miou de novo, e Acacia o abraçou com força.
O que foi que eu z?
Pouco tempo depois, Acacia bateu na porta de Kate, com Rick ao seu lado. Ele
parecia meio avariado, com cortes e arranhões nas mãos e no rosto. Usava
óculos escuros e um fone de ouvido e tinha aparecido na porta de Acacia
segurando seu capacete.
Com exceção de Claude e seus itens, Acacia tinha guardado tudo que
considerava importante em uma mala de rodinhas e em uma valise, inclusive a
agenda de Marcel. Claude miou protestando dentro de sua caixa de transporte,
arranhando as paredes.
Kate abriu a porta do apartamento vestindo só um roupão. Ela esfregou os
olhos ao abrir a porta.
— Que horas são?
— Cedo. Preciso de um favor. — Acacia falava em francês, em parte
porque só ouvira Rick falar em inglês e esperava que seu francês fosse ruim.
— Opa. — Kate se assustou e deu um passo para trás ao ver Rick. — O
que é isso?
Acacia se dirigiu ao grandalhão em inglês.
— Preciso de um minuto.
Ele grunhiu.
— Não vai sair do meu alcance.
— Certo. Não vou conversar no corredor. — Acacia passou por ele e
entrou no apartamento de Kate. Rick a seguiu e fechou a porta.
Kate olhou feio para o segurança.
— Quem é o gigante? — cochichou em francês.
Acacia virou as costas para Rick.
— Ele é um segurança. Houve um incidente no hotel. Vou sair da cidade
por alguns dias.
Kate parecia horrorizada.
— O que aconteceu?
— Alguém me atacou. — Acacia apontou para Rick por cima do ombro.
— Ele é segurança particular de um dos hóspedes, veio para me ajudar. A
segurança do hotel ignorou o incidente, por isso não vou voltar ao trabalho.
Pode cuidar de Claude por mim?
Kate estudou Acacia mais atentamente.
— Alguém te atacou? Você está bem?
— Só com alguns hematomas. — Acacia deixou a caixa de transporte do
gato no chão. — Desculpa, Kate. Não tenho muito tempo. Pode cuidar do
Claude enquanto co fora?
Kate olhou para a caixa de transporte.
— É claro. — Ela piscou, confusa. — Por que a segurança do hotel te
ignorou? Você ligou para a polícia?
— Está acontecendo alguma coisa no hotel. — Acacia entregou a Kate uma
sacola com brinquedos e comida para gato. — Vou me afastar até pensar no
que fazer.
Kate deixou a sacola de lado e encarou a amiga.
— Isso é ridículo. Você precisa ligar para o Luc.
Acacia balançou a cabeça e olhou para Rick, que franziu a testa.
— Tenho que ir. Estamos indo para o aeroporto.
Kate segurou a mão de Acacia.
— Me dá o número do Luc. Eu ligo para ele.
— Vou falar com ele depois que sair da cidade. — O tom de Acacia era
rme. — Eu mando uma mensagem para você.
— Se está fazendo isso contra sua vontade, pisca — Kate sussurrou.
Acacia a encarou sem piscar.
— Ok. — Kate olhou para Rick. — Acho bom mandar notícias todo dia
ou vou atrás do Luc.
— Se eu não mandar notícias, diz para o Luc falar com madame Bishop na
KLH. É a empresa que me entrevistou há alguns dias. — Acacia olhou para
trás, para a porta. — Os homens que foram atrás de mim podem vir aqui.
Tome cuidado quando entrar e sair do prédio. Por favor, que com o Claude.
— Vou car. — Kate olhou para Rick de novo. — Espero que saiba o que
está fazendo.
— Temos que ir — Rick anunciou e caminhou para a porta.
Acacia abraçou a amiga e parou para se despedir de Claude antes de sair do
apartamento com sua bagagem.
Acacia não era boba; sabia que estava assumindo um risco.
No caminho para o aeroporto, mandou o nome e o codinome de Nicholas
para Kate, junto com uma explicação breve sobre a KLH e madame Bishop.
Acacia também mandou o número de Luc, pedindo a Kate para alertá-lo se por
alguma razão ela deixasse de manter contato.
Kate respondeu imediatamente:

Ok. Toma cuidado.

Assim que Acacia leu a mensagem de Kate, outra chegou. Era de Luc.

Onde você está?

Acacia encostou-se no assento. Obviamente quem deveria ter cuidado de


sua proteção havia procurado Luc para dizer que a perdera de vista. Sabia que
Luc não faria mal nenhum a ela, mas não con ava nos colegas dele.
Acacia ignorou a mensagem.
Alguns minutos mais tarde, quando Luc telefonou, deixou a ligação ir para
a caixa postal.
Acacia não tinha muita certeza de que estava tomando a decisão certa. Mas
Rick viera ajudar, e Nicholas também. Se queriam prejudicá-la, eles tiveram
um trabalho extraordinário para tal. Em sua opinião, eles eram o menor de
dois males — o maior deles era o risco de voltar ao hotel.
Rick a acompanhou ao interior do Aeroporto Charles de Gaulle, onde a
apresentou a Kurt, um de seus colegas.
Quando ela perguntou a Rick por que ele caria em Paris, o segurança
resmungou alguma coisa sobre trabalho. Acacia esperava que isso signi casse ir
atrás de quem a havia atacado.
Acacia e Kurt viajaram na classe executiva da Air France para Genebra —
um voo bem curto — e foram recebidos no portão por outro segurança e um
agente do aeroporto. Eles passaram rapidamente pela alfândega e foram
acompanhados para fora do aeroporto de Genebra, onde uma limusine os
esperava.
Kurt abriu a porta para Acacia. Ela entrou no veículo.
— Bom dia. — A voz suave de monsieur Cassirer a cumprimentou.
Acacia se assustou.
Kurt passou por ela e se sentou na frente do patrão, deixando Acacia ao
lado de Nicholas.
Monsieur Cassirer vestia um de seus costumeiros ternos pretos. A gravata
roxa pendia frouxa do pescoço, só um tom mais escuro que o roxo da camisa
social. O cabelo estava penteado com cuidado e o rosto, barbeado; a cicatriz
estava milagrosamente invisível.
Acacia baixou o olhar para o cinto de segurança. Pensou na cicatriz
desaparecida e por que ele a havia exibido como Pierre Breckman, mas a
cobrira todas as outras vezes em que o encontrou.
— Espero que o voo tenha sido confortável.
— Sim. Obrigada.
Nicholas entregou a ela uma garrafa de água com gás.
— Parece cansada.
Acacia aceitou a garrafa, agradecida.
— E estou.
Estava exausta demais para re etir sobre a jaqueta jeans e a calça branca ou
o estado de seu cabelo. Tinha trabalhado no horário da noite no hotel, antes
dos acontecimentos terríveis daquela manhã. No voo curto de Paris para
Genebra, só havia conseguido dormir por alguns minutos.
Ela abriu a garrafa e bebeu, seu olhar foi atraído pela paisagem do lado de
fora do carro.
— Para onde está me levando?
— Só um momento. — Nicholas levantou a mão quando o motorista saiu
do aeroporto e seguiu por uma pequena rua lateral.
O motorista parou o carro no acostamento, atrás de uma pequena van
preta. A porta da van se abriu, e um homem asiático saiu de dentro.
— O que é isso? — Acacia perguntou.
— Está tudo bem — Nicholas falou com um tom tranquilo. — Ele faz
parte da minha equipe de segurança. Vai revistar você para ver se tem alguma
escuta.
— Isso é necessário?
Nicholas estava sério.
— É para sua segurança, assim como para a minha.
Acacia pensou nos acontecimentos no Victoire naquela manhã. Certa-
mente não queria ver seus agressores novamente.
— Tudo bem. — Ela endireitou os ombros e seguiu Kurt e Nicholas para
fora da limusine.
O homem asiático parecia ter quase trinta anos. Era esguio, com cabelos e
olhos escuros. Segurava uma maleta prateada e o que parecia ser um detector
de metais portátil.
Ele sorriu para Acacia.
— Olá — cumprimentou em inglês. — Isso vai levar só um minuto.
Acacia cou quieta enquanto o homem a escaneava minuciosamente com o
bastão. Depois ele repetiu o procedimento com Kurt e Nicholas.
Acacia olhava atentamente para o homem. Quando ele terminou, assentiu
para Nicholas e voltou à van.
Nicholas conduziu Acacia à limusine.
— Esse é o Wen. Ele é parte da equipe de segurança. Agora que já fomos
averiguados, podemos conversar.
— Não me lembro de ter sido revistada desse jeito antes de você falar
comigo no escritório de madame Bishop.
Nicholas sorriu, paciente.
— Não se lembra de ter passado pela segurança quando entrou no prédio?
Acacia piscou.
— E no Victoire? Ninguém me revistou lá.
— Minha equipe de segurança averiguou a suíte antes de eu chegar,
mantiveram o procedimento à medida que pessoas entravam e saíam. —
Nicholas a encarou, pensativo. — Você não tinha escutas.
Acacia endireitou as costas.
— Não sabia que tinha uma equipe de segurança avançada durante sua
hospedagem no Victoire.
— A segurança do hotel sabia, seu gerente também. — Nicholas apertou os
lábios ao mencionar o antigo supervisor de Acacia. — Você não foi revistada
pessoalmente porque tive receio de que comentasse com outras pessoas sobre
minhas práticas de proteção.
Acacia franziu a testa.
— Sua equipe alguma vez encontrou alguma coisa?
— Sempre encontra. Em minha última visita, havia seis dispositivos na
suíte da cobertura.
Acacia bebeu um pouco de água da garrafa.
— Por que alguém ia querer ouvir suas conversas?
— Não eram só escutas. Alguns equipamentos gravavam vídeos também.
Quem os instalou podia estar interessado em material para chantagem, assim
como em informações sobre os meus negócios.
— Quem faria isso?
Nicholas ergueu os ombros.
— Todo mundo tem seus inimigos.
Acacia resmungou um palavrão.
— Agora que fomos revistados, para onde está me levando?
— Para a casa dos meus pais. Minha equipe está investigando os homens
que atacaram você. Espero descobrir em breve para quem eles trabalham.
— Seus pais? — Acacia virou a cabeça para encará-lo.
Nicholas interrompeu o contato visual e olhou para frente.
— Eles não estão em casa. Passam a maior parte do tempo fora do país.
— Eles moram perto do aeroporto?
— Têm uma casa em Cologny, com uma equipe completa de empregados e
excelente segurança.
Acacia soltou o ar rapidamente.
— Você nem me conhece.
— Assumo a responsabilidade por meus atos, mademoiselle. Está em perigo
por minha causa. — Nicholas levantou o queixo. — Posso não gostar do que
vejo, mas pelo menos consigo me olhar no espelho.
Acacia examinou seu per l.
— Como isso aconteceu?
Nicholas ignorou a pergunta.
Não podia criticá-lo. Seja lá o que tivesse causado a cicatriz, certamente
havia sido traumático.
Acacia decidiu mudar de assunto.
— Quanto tempo vai demorar para descobrir quem me atacou?
— Não muito. Tenho minhas suspeitas, só preciso de con rmação.
— E quais são as suas suspeitas?
— Crime organizado. Provavelmente estão comandando as coisas no hotel,
usando Marcel e monsieur Roy. É possível que o ataque atrás do hotel tenha
sido planejado só para assustar você. Mas levando em conta o que aconteceu
com Marcel… — Nicholas não concluiu a frase.
— Estão se empenhando muito para se livrar de mim. Parece uma resposta
desproporcional.
— Conhece o princípio do iceberg?
Ela balançou a cabeça.
— Quando você vê um iceberg, está vendo só um décimo dele. O restante
ca abaixo da superfície. Só estamos vendo um décimo do que acontece no
hotel.
Acacia estremeceu.
— Tenho que avisar a monsieur Roy que não vou trabalhar hoje à noite.
— Tem Wi-Fi na casa. O que vai dizer?
— Não sei. Não tenho pressa de me demitir, mas pre ro não ser demitida,
para não prejudicar minha reputação. — Ela alisou uma ruga na frente da calça
jeans branca. — Acho que posso dizer que estou doente.
— Parece uma boa ideia. — Nicholas a tou, pensativo. — Além de mim,
teve alguma interação peculiar com algum hóspede?
Acacia balançou a cabeça.
— Não, nada incomum.
— Nenhum outro funcionário com alguma conversa suspeita?
— Não. Por isso é tão estranho.
Nicholas olhou além dela, pela janela.
— Estamos quase chegando.
Alguns minutos depois, eles pararam diante de um portão de ferro. O
motorista falou rapidamente com um guarda, e o portão foi aberto.
Eles seguiram por uma longa estrada sinuosa e se aproximaram de uma
elegante mansão de três andares, com janelas protegidas e telhado inclinado.
Ao lado da mansão havia uma garagem de dois andares com grandes janelas
circulares nos dois andares.
Do carro, Acacia podia ver que o terreno e os jardins tinham manutenção
impecável, com gramado, arbustos aparados e roseiras e vasos de ores
perfeitamente cuidados.
O motorista estacionou a limusine na entrada da frente e abriu a porta de
Acacia. Ele retirou a bagagem de Acacia do porta-malas e seguiu Nicholas, que
a conduziu para a porta da frente.
Uma mulher madura vestida com um tailleur verde os esperava na entrada.
Seus olhos eram azuis e vivos, e os cabelos, grisalhos e com mechas lisas que
desciam até a altura do queixo.
— Bom dia, Juliet — Nicholas a cumprimentou em francês. Ele a beijou
dos dois lados do rosto. — Há quanto tempo.
— Muito tempo. — A mulher segurou a mão dele entre as dela.
Nicholas recuou um passo.
— Esta é mademoiselle Santos. Ela vai car aqui por alguns dias. Acacia,
essa é Juliet. Ela é a governanta da casa desde que eu era criança.
— Bem-vinda, mademoiselle. — Juliet inclinou a cabeça.
— Obrigada, Juliet. — Acacia retribuiu o sorriso e tentou não car
boquiaberta.
O hall de entrada se abria em um espaço amplo com assoalho de madeira
coberto por tapetes persas. As paredes revestidas de madeira eram enfeitadas
por pinturas a óleo em pesadas molduras ornamentadas. Um grande e
elaborado lustre de cristal pendia do centro do teto alto.
Juliet apontou para uma escada de madeira no centro do hall.
— Permita-me mostrar seu quarto. O café da manhã será servido na sala de
jantar.
Acacia olhou para Nicholas antes de balançar a cabeça.
— Desculpe. Passei a noite toda acordada. O que eu mais gostaria agora era
dormir.
— É claro. Vou pedir ao chef para mandar uma bandeja. — Juliet olhou
para uma moça parada perto de uma porta. A jovem assentiu e desapareceu. —
Aquela é a Gretle. Ela a ajudará com tudo o que precisar — Juliet explicou
enquanto levava Acacia para a escada.
Nicholas pigarreou.
— Tenho negócios a resolver. Podemos nos encontrar para jantar, às sete?
Acacia estava incomodada. Queria participar da investigação, mas estava
exausta.
— Sim, vejo você às sete — conseguiu dizer. — Antes de ir, quero saber
mais sobre a segurança desta propriedade.
— Guardas armados e acompanhados por cães patrulham o terreno.
Câmeras cobrem cada centímetro do perímetro, junto com sensores de
movimento. À noite, a casa é trancada e alarmes e sensores de movimento
adicionais são ativados em todas as janelas e entradas. Há túneis sob a
propriedade que permitem a evacuação em caso de emergência. — Nicholas
parou, notando seu desconforto persistente, e deu um passo na direção da
mulher. — Aqui você está segura.
— E os túneis? Alguém pode entrar por eles?
Os olhos de Nicholas brilharam.
— Podem tentar. Mas teriam que usar uma grande quantidade de
explosivos para abrir as portas. Qualquer invasor se delataria antes de ter acesso
aos túneis.
— Obrigada. — Acacia inclinou a cabeça para que ele não visse a emoção
em seus olhos. Depois subiu com Juliet as escadas.
O quarto de Acacia cava no segundo andar e tinha uma varanda com vista
para a piscina e as quadras de tênis. Havia uma excepcional vista dos Alpes
pelas janelas.
Juliet puxou as cortinas e abriu a porta da varanda, deixando entrar uma
refrescante brisa de verão. Ela abriu uma cômoda para bagagem e gesticulou
para Gretle colocar a mala de Acacia em cima.
— Obrigada, Gretle.
Ela acenou com a cabeça e se retirou. Julie acendeu um abajur que cava
sobre uma mesa ao lado da grande cama.
— Gretle vai trazer o café da manhã e desfazer suas malas.
— Não é necessário. Eu não trouxe muita coisa. — Acacia sorriu para Juliet
e colocou sua valise sobre uma mesa perto das janelas panorâmicas. A vista de
Mont Blanc era de tirar o fôlego.
— Muito bem. — Juliet abriu a porta à esquerda da cama. — Este é o
closet. Se precisar lavar ou passar alguma roupa, fale com Gretle, por favor.
Juliet se aproximou da mesa e encostou no telefone.
— A linha um é interna e toca no andar inferior. A linha dois é externa. A
senha do Wi-Fi está anotada aqui. — Ela apontou para um pedaço de papel
sobre a mesa.
— Obrigada — murmurou Acacia.
— A sala de jantar ca no andar inferior, e o jantar será servido às sete da
noite. Tem alguma restrição alimentar?
— Não.
Juliet apontou para uma maçaneta que parecia presa à parede perto da
cama.
— O banheiro ca atrás daquela parede. É só girar a maçaneta. Tenha um
bom descanso.
Acacia agradeceu novamente e observou Juliet sair e fechar a porta sem
fazer barulho. Ela soltou um suspiro profundo de alívio; não estava acostumada
a ser servida dessa maneira.
Acacia tirou a jaqueta e foi para a varanda. Uma treliça coberta de heras
escalava a parte externa da varanda. Ela testou sua resistência. Não sabia se
sustentaria seu peso, mas era a maneira mais simples de escapar, caso fosse
necessário.
Estudou a área externa antes de entrar e fechar a porta. Trancou-a e fechou
a cortina. Era uma pena bloquear essa paisagem, mas precisava da escuridão
para dormir.
O quarto era muito grande, com paredes bege e pesadas cortinas de
damasco azul. Um tapete caro, combinando com os revestimentos das janelas,
cobria os tacos do chão.
A mobília parecia ser antiga. A cama tinha uma cabeceira alta, estofada em
veludo azul. Algo que parecia uma coroa sustentava sobre a cama cortinas de
damasco azul que desciam até o chão em duas grandes porções de tecido.
A colcha da cama era de seda azul, e aos pés da cama havia um pequeno
divã sem encosto com braços curvos, estofado em veludo da mesma cor.
Acacia admirava um antigo relógio de ouro sobre o console de mármore da
lareira quando alguém bateu na porta.
— Entre — ela disse.
Gretle, que parecia ter vinte e poucos anos, entrou no quarto carregando
uma bandeja de café da manhã cheia.
Acacia a recebeu com um sorriso.
— Obrigada. Se puder deixar sobre a mesa, agradeço.
Gretle assentiu, acanhada, e concluiu a tarefa antes de se retirar.
Finalmente sozinha, Acacia bocejou. Estava exausta, mas não cansada o
bastante para deixar de veri car a segurança do quarto. Examinou todas as
janelas para garantir que estavam trancadas e trancou a porta do quarto,
encaixando uma cadeira sob a maçaneta.
Satisfeita com a certeza de que qualquer invasor encontraria di culdades
para entrar, abriu o notebook e o conectou a rede Wi-Fi. Digitou um breve e
educado e-mail para monsieur Roy, com cópia para o departamento de recursos
humanos, informando que estava doente e não iria trabalhar naquela noite.
Tentou imaginar que tipo de reação isso provocaria.
Depois mandou uma mensagem para Kate e informou que estava em
Cologny, fornecendo o número de telefone de onde estava.
Luc tinha deixado alguns recados. Em cada um, a voz ia cando mais
alarmada. Acacia se sentiu um pouco culpada por preocupá-lo, só um pouco.
Sua segurança era mais importante que tudo.
Acacia digitou uma mensagem e mandou para ele.

Preciso de um tempo de tudo.


Saí de Paris por uns dias.

Acacia sabia que Luc telefonaria assim que recebesse a mensagem, então
desligou o celular.
Ela voltou sua atenção para o café da manhã. Havia ovos, torradas, frutas
frescas, chocolate e uma garrafa de café. Acacia pulou o café e bebeu um pouco
de suco de laranja, mas só experimentou a comida. Poderia acontecer, ela
re etiu, de algo ter sido adicionado aos alimentos.
Em seguida, começou a desfazer as malas. Pegou a agenda de Marcel na
valise e olhou em volta, procurando um esconderijo. No m, levantou o
colchão e colocou a agenda sobre o estrado da cama. O colchão esconderia a
agenda su cientemente bem.
Precisava de um banho.
No Brasil, era comum tomar vários banhos por dia. Acacia acreditava que
os brasileiros eram provavelmente as pessoas mais limpas da Terra.
Girou a maçaneta, que cedeu facilmente, e abriu a porta. Acacia entrou em
um banheiro iluminado, de mármore branco, onde havia uma espaçosa e
moderna área de banho.
— Paraíso — sussurrou.
Por enquanto, pelo menos, estava segura.
Faltando dez minutos para as sete da noite, Acacia saiu de seu quarto.
Imaginava que Nicholas se vestisse formalmente para jantar, mas não se
sentiu capaz de fazer o mesmo. O conteúdo de sua mala havia sido reunido às
pressas, e as peças eram completamente aleatórias. Tinha calcinhas, mas só um
sutiã, o que estava vestindo; cosméticos, sim, mas nenhum xampu. Para o
jantar, ela escolheu jeans e camiseta pretos, já que combinavam.
Não havia dormido bem. Nos sonhos, era perseguida pelas ruas de Paris e
se escondia em um canto escuro da Notre-Dame. Seus atacantes a encontravam
e a arrastavam para a rua. Ela acordou apenas para dormir em seguida e
mergulhar em uma variação do mesmo sonho — homens sem rosto a
perseguindo a pé pelo Quartier Latin de Paris.
Acacia estava no meio da escadaria quando percebeu que tinha esquecido a
bolsa e o celular. Ela voltou rapidamente ao quarto.
Abriu a porta e entrou no ambiente. A luz brilhava pelas enormes janelas
que se abriam para a varanda, as cortinas estavam abertas. Ela demorou um
instante para perceber que aquele não era o seu quarto.
O quarto era maior e cava no canto do segundo andar. Havia uma grande
cama de dossel, uma mesa e cadeira, um sofá e um cavalete perto da porta da
varanda.
Acacia aproximou-se do cavalete. Uma aquarela inacabada do Mont Blanc
repousava sobre o apoio. Paletas de tintas e uma coleção de pincéis tinham sido
cuidadosamente organizados em uma mesa próxima.
O quarto estava limpo, e a cama, feita. Havia livros abertos sobre a mesa, e
diversos Post-Its estavam espalhados pelo tampo de madeira. Havia uma
fotogra a emoldurada de dois adolescentes, uma menina e um menino,
vestidos com uniformes brancos de tênis. O menino era alto e desengonçado e
mantinha um braço sobre os ombros da menina. Acacia reconheceu o rosto
sem cicatriz.
Ela deu um passo para trás, a ita, percebendo que estava no quarto de
Riva. Havia um retrato dela na parede sobre a lareira — uma mulher
sorridente de cabelo ruivo-escuro e olhos castanhos.
Um pigarro soou no quarto.
Juliet estava parada na porta, sua expressão era severa.
— Com licença, mademoiselle. Este é um dos aposentos da família.
— É claro. — Acacia aproximou-se da governanta com o rosto corado de
vergonha. — Abri a porta errada por engano. Sinto muito.
Juliet esperou Acacia sair e fechou a porta com rmeza.
— Preciso pegar minha bolsa. — Ela olhou para o corredor, confusa. Não
sabia qual quarto era o seu.
Juliet passou por ela e abriu uma porta.
— Nicholas solicitou que o jantar fosse servido no pátio. Posso
acompanhá-la. — Seu rosto era decididamente antipático.
— É claro. Um momento. — Acacia entrou no quarto e ligou o celular
antes de colocá-lo na bolsa. — Obrigada por esperar — disse ao voltar ao
corredor e fechar a porta do quarto.
— Por aqui, por favor. — A governanta apontou para a escada, e elas
começaram a descer.
Por cima do corrimão, Acacia viu Gretle carregando uma grande bandeja. A
jovem parou diante de uma porta fechada e equilibrou a bandeja, tentando em
vão alcançar a maçaneta.
— Espere. — Os passos longos de Nicholas atravessaram o hall cavernoso.
Ele abriu a porta e a segurou para Gretle passar.
Acacia assistia à cena com interesse. Como monsieur Breckman, Nicholas
era brusco e exigente. Já agora…
Como se tivesse ouvido seus pensamentos, ele olhou para cima. Endireitou
as costas e dirigiu a Acacia um olhar apreciativo. Ele havia removido a gravata e
vestia a camisa roxa e o terno preto. Aproximou-se de Acacia ao pé da escada e
estendeu a mão.
— Conseguiu descansar?
— Sim, obrigada. — Acacia aceitou sua ajuda para terminar de descer os
degraus. Olhou para Juliet, torcendo para que ela não mencionasse seu erro
com os quartos.
Nicholas assentiu para Juliet.
— Eu acompanho mademoiselle ao pátio.
— Muito bem. — Juliet se virou e desapareceu por outra porta.
Os ombros de Acacia relaxaram.
Ela olhou para Nicholas e cochichou em tom conspirador:
— Você sempre usa ternos pretos?
Nicholas levantou uma sobrancelha.
— Não, nem sempre. Mas, em minha opinião, ternos cinza ou azuis
parecem de má qualidade.
Acacia balançou a cabeça.
Ele apontou para a porta por onde Gretle tinha entrado e a abriu. Acacia o
acompanhou por uma elegante sala de estar e em seguida uma sala de jantar
antes de saírem por portas de vidro.
O pátio cava logo abaixo da varanda do quarto dela. Reconhecia a treliça
coberta com a trepadeira de hera.
Do pátio era possível ver um amplo gramado que terminava em um
bosque. Acima da área orestada, os alpes cobertos de neve eram visíveis,
inclusive o fascinante Mont Blanc.
Que belo lugar para passar a infância, pensou Acacia.
Uma longa mesa tinha sido posta para duas pessoas. Em um bar perto da
porta, havia uma garrafa de pastis e uma jarra de prata com água.
Nicholas puxou uma cadeira para Acacia.
— Espero que não se incomode de jantar ao ar livre. A noite está quente, e
a vista aqui é incomparável.
— Não me incomodo.
— Pedi ao chef para criar algo especial: uma homenagem a Guy Savoy,
porque lembrei que você não teve oportunidade de visitar o restaurante dele.
Temos assuntos pesados para discutir, mas ao menos podemos desfrutar de
uma refeição agradável. — Nicholas se dirigiu ao bar. — Posso lhe oferecer um
drinque?
— Por favor.
Ele serviu pastis em um copo alto e acrescentou água antes de entregar a
Acacia. Era costume saborear a bebida misturada com água gelada em dias
muito quentes.
Gretle apareceu com outra bandeja. Quando viu Nicholas no bar, cou
agitada.
— Desculpe, monsieur.
— Decidi me servir, Gretle. Não se preocupe. — Ele sorriu para a jovem e
encheu o próprio copo.
Quando voltou à mesa, levantou sua bebida.
— Às alianças.
Acacia também levantou seu copo.
— À segurança.
Pastis tinha um sabor diferente, mas Acacia gostou. Ela bebeu seu drinque e
percebeu que havia no bar várias garrafas de vinho.
— Meus pais têm uma adega invejável. — A voz de Nicholas invadiu seus
pensamentos.
— Tem certeza de que eles não se incomodam?
Nicholas cou quieto enquanto Gretle servia o amuse-bouche e esperou que
ela saísse do pátio antes de responder:
— Meus pais raramente cam aqui. Os funcionários não estão
acostumados com a casa ocupada.
— É uma linda casa. Sua família morou aqui por muito tempo?
— A casa foi construída no século XIX por um de meus ancestrais. A
família Cassirer mora aqui desde então.
O chef apareceu, com seu chapéu e dólmã brancos. Ele se apresentou e
disse algumas palavras sobre o cardápio da noite antes de desejar aos dois bon
appétit.
Depois que ele saiu, Acacia olhou para seu an trião.
— Sou grata por sua hospitalidade, mas tenho perguntas a fazer.
— Faça. — A resposta direta a surpreendeu.
— Cassirer é um nome alemão.
— Alguém aqui fez pesquisas. — Um canto de sua boca se levantou. —
Somos parentes do ramo mais famoso da família, mas meu ancestral saiu da
Alemanha na década de 1860 e se instalou aqui. Meu pai nasceu nesta casa.
— Você não mora aqui?
— Moro em Zurique.
— Por que não me levou para lá?
— Alguém que estivesse atrás de nós dois teria revirado Mônaco de cabeça
para baixo em busca de Pierre Breckman. Se descobriram a ligação entre mim e
Breckman, teriam ido a Zurique. Estamos pelo menos dois passos na frente
deles por ter vindo para cá, e a segurança aqui é melhor. Além disso… —
Parou, interrompendo o contato visual. — Aqui há uma acompanhante para
você não car sozinha comigo.
Acacia sentiu uma repentina vontade de rir, mas conteve-se.
Os olhos dele encontraram com os seus.
— Talvez eu seja antiquado.
— É muita consideração de sua parte — Acacia reconheceu. — Obrigada.
— Como você está se sentindo?
— Trabalhar à noite tem seu preço. Acho difícil dormir de dia.
— Você é forte, Acacia. Mas tenho ciência de que sua experiência hoje de
manhã no hotel foi traumática. Devia ter perguntado se precisava de um
médico.
Acacia estava perplexa. Não esperava esse nível de consideração. Seus
pensamentos viajaram para Luc. Ela se contorceu brevemente.
— Não, não preciso de um médico. O homem que me atacou me assustou,
mas não estou machucada.

É
— É um alívio saber disso. — O tom de Nicholas era sincero. — Se estiver
disposta, gostaria de mostrar a coleção de arte de minha família depois do
jantar.
Ela sorriu.
— Eu adoraria, monsieur.
— Acho que já ultrapassamos o estágio da formalidade e dos títulos.
— Muito bem, Nicholas.
— Rick me contou que você é treinada em artes marciais.
Acacia provou o amuse-bouche e o adorou. Evitava o olhar de Nicholas.
Ele foi persistente.
— Que formas de artes marciais estudou?
— Comecei com jiu-jitsu brasileiro. Quando me mudei para a França,
passei para o caratê.
Nicholas fez um “hm” antes de comentar:
— Comecei a estudar artes marciais alguns anos atrás.
Acacia levantou a cabeça. Seu an trião era um homem com diversas
características.
— Quero saber mais sobre a reunião que Marcel estava organizando.
Nicholas coçou o queixo.
— Creio que já respondi a essa pergunta. Marcel marcou uma reunião
entre mim e um dos contatos que estava interessado em vender um quadro.
— Que quadro?
Ele terminou seu amuse-bouche e limpou a boca com o guardanapo.
— Os detalhes não foram revelados. Ninguém anuncia que tem um quadro
roubado para vender; se anuncia que uma obra rara está disponível e se aguarda
até encontrar um comprador apropriado. Por isso usamos intermediários:
alguém tem que recomendar as duas partes. Nomes raramente são divulgados.
— Descobriu quem me atacou no hotel?
— Dois bósnios.
Acacia assentiu. O homem que a atacou devia ter resmungado em bósnio,
por isso não o havia entendido.
— Para quem eles trabalhavam?
— Ainda estou investigando. — Nicholas fez um gesto na direção do prato
vazio. — O que achou?
— Estava delicioso. — Acacia bebeu o drinque quando Gretle apareceu
para levar os pratos usados.
Gretle serviu os aperitivos e apresentou uma garrafa de xerez a Nicholas,
que examinou o rótulo e assentiu. Ela abriu a garrafa e serviu uma taça para
cada comensal, depois deixou a garrafa sobre uma mesa próxima.
Acacia esperou até Gretle se afastar antes de perguntar:
— Isso é xerez?
— Sim. O chefe recomendou para harmonizar com o gaspacho. —
Nicholas ergueu a pequena taça.
Acacia imitou seu gesto. Era um teatro do absurdo estar sentada em um
lugar tão bonito, bebendo e comendo iguarias caras, enquanto seus atacantes
continuavam livres. Ou talvez Nicholas soubesse mais do que havia revelado.
— Tenho uma teoria sobre por que Rick continuou em Paris.
— Ah, é mesmo?
— Quando deixei o hotel hoje de manhã, Rick mantinha um dos meus
atacantes no chão. Duvido que ele o tenha liberado.
— Não nego a a rmação. — Nicholas se dedicou ao seu gaspacho.
— Ele entregou o homem à polícia?
— Não.
Acacia apoiou a colher na beirada da tigela.
— Por que não?
— Porque ordenei a liberação.
— Meu Deus, por quê? — Acacia uniu as mãos.
— Para ele levar um recado aos superiores. Os homens que te atacaram
estão apenas em um degrau baixo em uma escadaria. Queremos que a
mensagem suba mais alto nessa escada.
— E qual é a mensagem?
— Que qualquer um que tente foder com você vai se foder comigo.
Acacia arregalou os olhos. A repentina e pesada profanidade a surpreendeu.
Além de um olhar que trocou com Acacia, Nicholas se manteve
imperturbado e continuou tomando sua sopa com gosto.
Ela se segurou na beirada da mesa.
— Pensei que usasse codinomes, a m de evitar ser detectado.
— Assim que Rick fosse visto no hotel, monsieur Roy orientaria os
atacantes na direção de Breckman. Achei que era importante mandar uma
mensagem.
— Assim que eu voltar a Paris estarei em perigo novamente.
— Você não sabe de nada que possa ser prejudicial. Contanto que que
longe do Victoire, eu creio que será esquecida.
Acacia pensou na agenda escondida embaixo do colchão lá em cima. As
pessoas que a queriam não iam desistir tão cedo.
— Podem esquecer de mim, mas não vão esquecer de Breckman.
Nicholas levantou um ombro.
— Se forem mais a fundo, vão descobrir que Breckman vende armas. Isso
deve fazê-los parar.
Acacia cou subitamente imóvel.
Nicholas continuou saboreando o gaspacho, sem notar sua reação.
— A BRB deve ter investigado você. — Ela manteve a voz rme.
— Seu namorado contou o que descobriram?
Acacia abriu a boca para corrigi-lo, mas pensou melhor.
— O agente que me interrogou pareceu ser muito minucioso.
— Sim, mas as evidências de que Breckman é um tra cante de armas foram
plantadas hoje, depois que você foi atacada.
Acacia o encarou.
— Isso não vai arruinar seu disfarce?
— Silke já o arruinou quando se fez presente nos tabloides. — Seu tom era
contido.
— Sinto muito.
Ele a tou nos olhos.
— Não sinta.
— Vi as fotogra as. O que ela fez foi desagradável e cruel.
Nicholas desviou o olhar.
— Não tínhamos um relacionamento tradicional. Sem dúvida eu chocaria
você se descrevesse o que tínhamos.
— Não co chocada com facilidade.
Nesse momento, o celular de Acacia emitiu um som de noti cação. Ela
sorriu, se desculpando.
— É uma mensagem. Eu deveria ver do que se trata.
O celular apitou mais três vezes em sequência.
— Vá em frente. Vou avisar ao chef para segurar o próximo prato. —
Nicholas se levantou e saiu da varanda, deixando-a sozinha.
Acacia pegou o celular e viu que havia duas mensagens de voz de Luc. Ela
as ignorou.
Kate também havia mandado várias mensagens.

Seu apartamento foi arrombado.

Eu sinto tanto. Não sei o que aconteceu. Não ouvi nada.

A porta está completamente aberta. Tudo no chão.

Chamo a polícia/Luc?

Acacia encostou-se na cadeira.


Uma nova mensagem chegou com fotos do apartamento. Roupas reviradas,
gavetas jogadas no chão. Até o colchão foi cortado e virado.
Cada armário e gaveta da cozinha foram abertos; copos e travessas estavam
no chão aos cacos.
Acacia conteve um arfar.
Passos soaram atrás da mulher.
— O que houve? — Nicholas perguntou por cima do ombro de Acacia.
Sem dizer nada, ela levantou o telefone.
Ele o pegou e examinou as imagens.
— É o seu apartamento?
Ela assentiu.
Nicholas resmungou um palavrão e devolveu o celular.
— Alguém se machucou?
— Não. Minha vizinha está cuidando do meu gato. Ela não ouviu nada,
mas viu que minha porta estava aberta.
Ele passou a mão sobre a boca.
— Alguém não levou minha mensagem a sério.
— Como assim? — ela sussurrou.
— Já disse, Acacia, qualquer um que queira foder com você vai se foder
comigo. — Sua expressão endureceu. — Vamos fazer essa gente pagar. Juro.
— Não — Acacia disse, decidida.
Nicholas olhou para baixo, buscando seus olhos.
— O quê?
— Não quero que paguem, porque não quero que isso continue crescendo.
— Ela pegou o telefone e mandou uma mensagem rápida para Kate.
Nicholas se dirigiu ao bar. Pegou uma garrafa de vinho e mostrou o rótulo
a ela. Acacia assentiu, e ele a abriu, servindo o Cabernet Sauvignon
generosamente.
Acacia aceitou o vinho agradecida.
— Obrigada. — E girou a taça. Sua cabeça estava confusa.
— Do que tem medo? — Nicholas perguntou.
Os olhos encontraram os dela. Havia preocupação em seus traços fortes.
— Sei o que aconteceu com sua irmã. — Acacia tentou ser o mais gentil
que conseguia. — Sinto muito.
Um lampejo de dor passou pelo rosto de Nicholas.
— Sua situação é completamente diferente.
— Até sabermos quem está por trás disso, não sabemos que tipo de
situação é essa.
Nicholas ergueu a taça e sorveu um longo gole.
— Quer ligar para o seu namorado?
Ela balançou a cabeça.
— Mandei uma mensagem para Kate e pedi para ela não avisar a ninguém
ainda.
Nicholas parecia surpreso.
— E a polícia de Paris?
— Não.
— Por que não?
Acacia forçou a voz para permanecer neutra.
— Se eu quiser continuar no ramo hoteleiro, tenho que me manter fora da
mídia. Já vai ser bem difícil encontrar outro emprego depois que Roy me
demitir. — Ela cobriu a boca com a mão por um instante. — Esqueci dos
proprietários do apartamento. Eles vão precisar de um boletim de ocorrência
para o seguro, e eu também vou. Preciso ir para casa.
Ele se apoiou no bar e a encarou.
— Saiu de Paris para car segura.
— Você viu as fotos. É um prejuízo de milhares de euros.
Nicholas olhou o líquido cor de groselha em sua taça.
— Não entendo por que não quer ligar para o seu namorado.
— Não é da sua conta. — Acacia se irritou.
Nicholas levantou a cabeça, e seus olhos escuros brilharam. Depois
assentiu, como se a rmasse alguma coisa para si mesmo.
Algo também se fez nítido na cabeça de Acacia.
— Você sabia — ela murmurou.
— O que disse?
Ela empurrou a cadeira para trás e se levantou.
— Quando falamos por telefone, quando estava me convencendo a sair de
Paris, você me avisou para tirar do apartamento tudo que fosse valioso.
— Sim. — Nicholas não se abalou. — O homem que atacou você escapou.
No lugar dele, eu a teria seguido até seu apartamento. Você me contou que
tinha um gato, Acacia. Homens que atacam uma mulher não hesitariam em
atacar um gato.
Ela o encarou, incrédula.
— Estava protegendo meu gato?
Nicholas franziu a testa.
— Não só seu gato. Eles teriam tomado qualquer item de valor, qualquer
coisa que você não poderia perder.
Acacia gesticulou com movimentos amplos, os pensamentos acelerados.
— Armou tudo isso?
— Acacia — ele falou gentilmente. Esperou pelo contato visual antes de
continuar. — Não tenho motivo para atacar você ou vasculhar seu
apartamento. Fiquei preocupado, achei que poderia acontecer alguma cosia,
por isso mandei Rick car de olho em você. Que bom que z isso, já que a
BRB desapareceu hoje de manhã.
Ela pegou o celular.
— Depois que Rick me deixou no aeroporto, ele voltou ao meu
apartamento?
— É claro que não. — Nicholas direcionou um olhar severo a Acacia. — Já
que tocamos no assunto, o que acha que aqueles homens foram procurar?
— Por que acha que eles estavam procurando alguma coisa?
— A revista em seu quarto pareceu ter um objetivo.
Acacia levantou o queixo.
— Talvez estivessem procurando por você.
Nicholas abriu os braços.
— Não estou no seu apartamento.
— Esteve no prédio.
— Eles podiam ter ido atrás de mim nessa ocasião. Não foram.
— Porque você tinha uma grande equipe de segurança armada, e eu estava
sob a proteção da BRB. — Acacia cou imóvel. — Foi uma distração.
— Perdão?
— Você queria que eu visse a pintura na sua suíte e chamasse a BRB.
Queria a distração.
Nicholas balançou a cabeça.
— Eu estava sob um disfarce. Por que atrairia atenção?
— Por causa da reunião marcada por Marcel. Você disse que nomes nunca
são divulgados. E se o comerciante de arte descobriu seu nome antes de você
chegar? Ele descobriu que você recupera arte roubada para vários governos e
mandou alguém atacar Marcel para que não houvesse a reunião.
— Essa ideia me ocorreu — disse Nicholas. — Isso não explica por que ele
mandaria alguém atrás de você; presumindo que os homens que a atacaram
sejam os mesmos que atacaram Marcel.
— Vou embora. — Acacia pegou a bolsa do encosto da cadeira, onde a
havia pendurado.
Nicholas se colocou entre ela e a porta.
— Kurt pode levar você até o aeroporto, mas você vai voltar para o olho do
furacão. Aqui está mais segura.
Com seu um metro e noventa centímetros, Nicholas era mais alto que
Acacia. Mas os anos de treinamento haviam garantido a ela força e coragem.
Acacia cou frente a frente com ele e o encarou, furiosa.
— Se eles sabem quem você é, saberão quem são seus pais. E isso os trará
até aqui.
Ele cou muito, muito quieto.
— Mesmo que tenham descoberto a identidade de Breckman, não vão
necessariamente relacioná-lo a mim.
— Mas eles sabem meu nome. Podem rastrear meu passaporte. Podem
encontrar meus dados na relação de passageiros do voo.
— Poderiam, se eles estivessem lá.
— Como assim, o que quer dizer?
— Minha equipe de segurança apagou seu nome da relação.
— Isso é ilegal.
— Um erro de computação. — Nicholas apontou para a porta. — Pode
partir quando quiser. Mas se quer evitar a polícia e a imprensa, deve car. Na
próxima vez que a encontrarem, esses homens serão ainda mais violentos do
que foram.
Ela parou; os argumentos tinham lógica.
Nicholas fechou a mão em punho. Os músculos do braço caram salientes
sob a manga do paletó.
— Você sabe o que aconteceu com Riva. O que não sabe é que ela é o
motivo para eu ter me envolvido no mercado ilegal. Tudo que faço é por causa
dela. Tudo que faço é uma tentativa de corrigir aqueles erros. Não sou o
inimigo, Acacia. Sou seu aliado. Seja minha também.
Acacia o encarou.
— Está sonegando informação.
— Você também. — Ele fez um gesto na direção da mesa de jantar, mas
Acacia cruzou os braços. Ele suspirou, impaciente. — Para uma aliança
funcionar, é necessário que as informações venham de ambos os lados. O que
esses homens foram procurar no seu apartamento?
— Ah, desculpe. — A voz de Gretle interrompeu a conversa. Ela estava
próxima, com uma grande bandeja em mãos.
— Tudo bem, Gretle. — Nicholas olhou novamente para a hóspede. —
Vai car para o prato principal? O chef preparou chateaubriand.
Acacia olhou de Nicholas para Gretle e voltou a atenção para ele. Se
voltasse a Paris, teria de recorrer a Luc. Ele era o único que poderia protegê-la.
Mas os colegas de Luc falharam. Eles a deixaram desprotegida porque
foram subornados ou por alguma outra razão. Talvez ele acabasse encrencado
com a BRB se ela fosse pedir sua ajuda.
Também havia a questão de sua relação com o ex-namorado. Recorrer a
Luc signi caria voltar atrás na decisão mais difícil que já precisou tomar.
Não podia fazer isso.
Acacia se sentou e encarou seu an trião. No momento, pelo menos,
Nicholas parecia ser sua melhor opção.
Gretle serviu o prato principal e completou as taças de vinho.
— Vou car, por enquanto. Mas quero respostas. — Acacia levantou o
garfo.
— Eu também quero. — Nicholas espetou o lé com um movimento
agressivo. — Já revelei parte do que sei. Agora é sua vez.
— Como vou saber que o que me disse é verdade?
— Fui franco com você, Acacia. Meu codinome aparece nos registros do
hotel. O Ministro do Interior sabe quem eu sou, como madame Bishop da
KLH. Alguém que quisesse te enganar deixaria esse rastro todo?
Acacia se ajeitou na cadeira. Ele tinha razão.
— Eu trouxe você até aqui, à casa dos meus pais, onde você estaria segura e
teria uma acompanhante feminina. Pense bem, por que alguém que quer lhe
prejudicar envolveria tantas possíveis testemunhas? Você foi agredida. — A voz
de Nicholas cou mais suave. — Sua casa foi invadida e seus bens foram
destruídos. Mas eu posso te ajudar.
Acacia brincou com a comida no prato.
A mão grande deslizou pela toalha de mesa e parou pouco antes de encostar
na dela.
— Vou mandar uma equipe para reparar o dano e limpar a bagunça. Vou
pedir para fazerem um inventário, assim você ca sabendo tudo o que foi
dani cado e o que sumiu. Não vai precisar acionar o seguro. Eu substituo o
que for necessário.
— Por quê?
— Se o comerciante de arte roubada estiver por trás disso, eu sou o alvo de
verdade. Sinto-me responsável pelo que aconteceu com você. — Nicholas a
encarou com rmeza.
Acacia afastou o cabelo da frente da testa.
— A síndica vai ver o estrago. Ela vai ligar para os proprietários.
— Então eu devo fazer uma ligação agora mesmo. — Ele afastou a cadeira
da mesa.
— O expediente já acabou. Não vai conseguir contratar ninguém à noite.
Nicholas abriu um meio sorriso.
— E se eu fosse um hóspede no Victoire? Você conseguiria encontrar
alguém que trabalhasse para mim à noite?
Ela balançou a cabeça.
— Eu encontraria alguém para se apresentar amanhã de manhã, mas hoje à
noite, não.
— Vamos ver o que consigo fazer.
Ela pensou na oferta e na agenda escondida lá em cima. Não tinha
trancado o quarto. Era possível que alguém já houvesse procurado e
encontrado a agenda.
Se os homens que a atacaram sabiam que estava com a agenda, talvez
Nicholas também soubesse.
— Muito bem. — Acacia pigarreou. — Vou contar o que os homens
estavam procurando. Rick não fala francês, não é?
— Não.
Acacia segurou a haste da taça e brincou com ela.
— Quando o homem me atacou no hotel, ele falou comigo em francês.
Pediu pelo caderno.
Nicholas se inclinou para frente.
— Qual caderno?
Ela suspirou.
— A agenda de Marcel.
— Está com você? — O tom era interessado.
Acacia o observou por um momento.
— Sabe alguma coisa sobre a agenda?
— Notei que Marcel tinha uma agenda, em visitas anteriores, mas não
pensei muito nisso. Só me lembrei dela depois que vi você fazendo anotações
em um caderno parecido.
Acacia sentiu os pulmões se contraírem. Talvez ele a tivesse levado até a casa
dos pais na esperança de arrancar a agenda dela.
Mas Rick poderia ter deixado o homem machucá-la no hotel. Ou poderia
ter ido ao apartamento dela e exigido a agenda. Nicholas não precisava ter
levado Acacia para Genebra.
A agenda não tinha utilidade para ela. Era evidência relacionada a um
crime, e estava ansiosa para se livrar do objeto.
— Encontrei a agenda de Marcel no hotel. Ele a havia escondido no
saguão.
— Contou isso a alguém?
Acacia hesitou.
— Não. Pretendia entregá-la para a polícia de Paris, mas não tive
oportunidade.
— Seu namorado não sabe disso então?
— Não.
— A agenda está com você?
Ela assentiu.
— Vou dar um telefonema para resolver o problema do seu apartamento.
— Nicholas se levantou. — Com licença.
Acacia o viu sair e mandou uma mensagem para Kate.

Se não tiver nenhuma notícia minha nas próximas horas,


telefone para Luc e passe para ele a informação que te dei.
Nicholas estava quieto quando voltou ao jantar. Ele retomou a refeição e não
mencionou a agenda.
Acacia achou o comportamento estranho. Esperava que ele exigisse o objeto
imediatamente.
— Não está com fome? — Nicholas perguntou depois que Acacia
organizou a comida no prato duas vezes.
— Perdi o apetite.
— Lamento. Há funcionários a caminho do seu apartamento. — Ele
voltou sua atenção para a comida novamente.
— Como é possível?
— Meus pais têm um apartamento em Paris. Juliet tinha o contato do
empreiteiro que fez uma reforma no imóvel recentemente. Ele aceitou
inspecionar seu apartamento hoje, como um favor.
— Obrigada. — Acacia engoliu um nó na garganta. — Por favor, agradeça
a Juliet também.
— O que tem de tão interessante na agenda de Marcel?
— Não sei. — Acacia empurrou o prato para o lado. Enquanto Nicholas
prestava atenção à comida, ela pôs a bolsa sobre a faca de carne. — Li cada
página mais de uma vez. Marcel abreviava as anotações. O registro da sua
reunião tinha a letra V anotada.
Nicholas também empurrou o prato vazio e acenou para Gretle tirar a
louça.
Acacia tinha segundos para decidir se roubava a faca de carne e a escondia
na bolsa ou se deixava Gretle tirá-la.
Seria bom ter uma arma, pensou, olhando para Nicholas.
Mas o treinamento de artes marciais evitava o uso de armas. Ela era a arma,
dizia seu sensei. Tinha que ter con ança no treinamento e em seus instintos,
ou nenhuma arma poderia ajudá-la.
Sem se alterar, Acacia tirou a bolsa de cima da mesa e a pôs no colo,
abandonando a ideia da faca.
— Prefere sobremesa ou queijo? Ou os dois? — perguntou Nicholas.
— Nenhum dos dois, obrigada. — Ela pegou o guardanapo e limpou os
lábios.
— Café ou chá?
— Café, por favor. Puro.
Nicholas acenou com a cabeça para Gretle, que limpou a mesa e foi buscar
a próxima etapa da refeição.
Ele brincou com o guardanapo.
— Tem certeza de que era a letra V?
— Sim. Posso pegar a agenda para você. — Acacia fez menção de se
levantar.
— Depois do jantar.
Ela estudou sua expressão. Esperava uma reação mais enfática, mas
Nicholas estava quase relaxado.
— Imagino que V pode ser de Victoire — sugeriu. — Talvez Marcel tivesse
a intenção de apresentá-lo ao comerciante de arte no hotel.
— Pouco provável. Essas reuniões geralmente são marcadas em território
neutro, com muito tempo para as duas equipes de segurança inspecionarem a
área.
— Então V é uma pessoa?
— Ou um número.
É
— É claro, o número cinco. — Ela suspirou. — Queria poder perguntar a
Marcel sobre as pessoas que o atacaram.
— Tenho contatos acompanhando o estado dele. Vão me ligar se for
necessário.
— Tem certeza de que realmente não é um tra cante de armas? Tem mais
contatos que um concierge.
Nicholas riu.
Era a primeira vez que ela o ouvia rir; o som era profundo e feliz.
Nicholas abriu um sorriso largo, e por um momento Acacia percebeu o
quanto o homem era bonito. Tinha uma testa larga, maçãs do rosto altas,
queixo anguloso e boca expressiva. O sorriso iluminava o rosto inteiro.
— Duvido que tra cantes de armas se apresentariam como tal. Mas só para
constar, não, não sou. — Ele deu uma risada, como se a ideia fosse
incrivelmente divertida.
Gretle apareceu com café expresso, um prato de queijo e frutas e uma
baguete fatiada.
Apesar de ter recusado a sobremesa, Acacia se serviu de queijo e pão.
— Ainda está interessada em ver a coleção de arte? — O tom de Nicholas
era casual.
Acacia bebeu o expresso.
— É claro.
— Ótimo. Posso te levar para uma visita particular à galeria.
— Galeria? — Ela piscou algumas vezes. — Pensei que a coleção estivesse
dentro da casa.
Os cantos da boca de Nicholas se elevaram.
— Prepare-se para se impressionar.

***
Depois do jantar, os dois saíram do pátio e seguiram por um caminho que
passava pelos fundos da casa, dando em uma entrada de automóveis na lateral.
Havia dois carros pretos estacionados ali.
— Normalmente não viajo sem seguranças. — Nicholas apontou para o
Range Rover. Kurt e outro homem estavam ao lado do veículo. — Mas meu
pai não gosta de ninguém dirigindo o carro dele além de mim. — Ele a levou
até a porta do passageiro de um Porsche 911 Turbo S e abriu a porta.
Acacia entrou no carro. Nicholas fechou a porta do passageiro.
— Onde ca a galeria? — perguntou quando ele se acomodou ao volante.
— A algumas ruas daqui. Kurt vai nos seguir, e a segurança vai nos deixar
entrar quando chegarmos.
O motor do Porsche foi ligado.
Acacia se parabenizou por ter mandado a mensagem para Kate. Se, por
alguma razão, Nicholas e seus capangas decidissem fazer algum mal a ela, faria
o que pudesse para enfrentá-los. Se falhasse e não conseguisse mandar outra
mensagem para Kate, a amiga ligaria para Luc.
O fato de você ser uma pessoa paranoica não signi ca que eles não estejam atrás
de você, pensou Acacia, canalizando Joseph Heller.
Sempre havia pensado que a paranoia era útil.
Eles passaram pelos portões e viraram à esquerda, depois seguiram por uma
rua arborizada ocupada por outras grandes propriedades.
Nicholas olhou em sua direção.
— Você prefere voltar?
Acacia desviou o olhar da janela.
— Por que pergunta?
Com a mão direita, ele apontou para o colo dela, onde Acacia apertava a
bolsa com as duas mãos.
A mulher forçou um sorriso.
— Está dirigindo um pouco rápido demais.
— Olha a motorista parisiense falando. — Ele sorriu.
Nicholas tirou o pé do acelerador e reduziu a velocidade.
— Em Paris você tem que acompanhar o uxo do tráfego ou acaba se
metendo em um acidente. — Ela olhou para trás e viu que o Range Rover
também tinha reduzido a velocidade. — Estamos em uma área residencial.
Nicholas abriu um sorriso amplo.
— Queria que me levasse para dar uma volta na sua motocicleta.
— Sério?
— Rick diz que você pilota bem. — Nicholas reduziu um pouco mais a
velocidade quando eles se aproximaram de uma rotatória. Pegou a primeira
saída e seguiu por outra rua residencial, depois subiu uma ladeira. Mais duas
esquinas, e entraram em uma estrada particular.
O telefone de Acacia vibrou, anunciando uma mensagem.
Ela tirou o aparelho da bolsa e olhou para a tela. A mensagem era de Kate.

Está me assustando. Vou ligar para o Luc agora.

Nicholas olhou para Acacia.


— Algo importante?
Discretamente, ela escondeu a tela.
— Só minha vizinha reclamando do estrago no meu apartamento. Vou
avisar que as providências já foram tomadas.
Acacia respondeu para Kate, mantendo a tela fora do alcance do olhar
curioso de Nicholas.

Não ligue para o Luc a menos que não tenha


notícias minhas por várias horas. Estou bem.

— Pensei que sua vizinha fosse sua amiga — Nicholas comentou.


— Ela é minha amiga, mas se preocupa muito.
— Então é uma boa amiga.
— Sim. — O celular de Acacia vibrou de novo.

Ok. Mas toma cuidado.

Acacia quase não conseguiu conter o suspiro de alívio ao ouvir a resposta de


Kate. Ela silenciou o telefone para não ser incomodada.
Nicholas parou o Porsche na frente de um portão alto de ferro. O portão se
abriu, e eles entraram.
A galeria era, na verdade, uma pequena propriedade com vista para o Lago
Genebra. Havia vários edifícios, todos conectados, com uma fonte grande e
detalhada no quadrilátero de jardins bem-cuidados.
— É aqui que sua família mantém a coleção de arte? — Acacia perguntou,
perplexa.
Nicholas estacionou o carro perto da fonte.
— Sim. Ela foi aberta ao público em 1951.
Acacia notou que algumas das grandes janelas nos prédios estavam
fechadas, provavelmente por questões de preservação das obras.
Nicholas a ajudou a sair do carro e a acompanhou ao prédio central.
— Eu disse ao curador que queríamos ver a coleção sozinhos. Ou prefere
que ele seja nosso guia?
— Não é necessário. — Ao entrar no prédio, Acacia notou que a
iluminação interior estava bastante reduzida. As vitrines e áreas de exposição,
porém, eram muito iluminadas.
Eles trocaram apertos de mão com o curador, que deu as boas-vindas e fez
alguns comentários sobre a coleção.
Nicholas e Acacia viraram em um corredor e entraram na primeira
exposição.
Acacia parou tão de repente, que Nicholas bateu nas suas costas.
— Peço desculpas. — Ele a segurou pelos braços, amparando-a. Depois
deu um passo largo para trás.
Acacia mal registrou a colisão. Não sabia o que falar.
— Isso é…? — Deu um passo adiante. Diante dela havia um famoso
retrato de Dante Alighieri. Era uma imagem que tinha visto centenas de vezes
na capa de sua edição de A Divina Comédia.
Nicholas passou por ela.
— Chegue mais perto.
Ela se aproximou da tela fascinada.
— Não sabia que era sua.
— Um dos meus ancestrais tinha muito interesse em Florença. Eu contei
que tínhamos um conjunto de ilustrações d’A Divina Comédia que eram
cópias das de Botticelli. Essa é original, pintada por Botticelli por volta de
1495. É claro, Dante morreu em 1321, mas a semelhança é considerada muito
adequada.
— Incrível. — Ela examinou as cores de perto, viu como Botticelli
espalhava a têmpera sobre a tela.
— Sempre gostei dessa pintura — ele murmurou, seguindo o olhar de
Acacia.
— Eu também — ela admitiu.
— Pensei que gostasse dos impressionistas.
— Gosto. — Ela olhou com acanhamento para Nicholas. — Botticelli
sempre mexeu comigo.
Nicholas estudou os olhos de Acacia.
— Olhe pelo tempo que quiser. Temos toda a galeria à nossa disposição.
Ele se afastou e deixou Acacia admirar a obra.
Alguns minutos depois, a concierge se juntou a ele.
— Foi uma grande surpresa encontrar essa pintura aqui. Pensei que ela
pertencesse ao U zi.
— Não, temos essa obra há gerações. Não divulgamos nossas principais
obras de arte. Ao menos não desde o roubo.
Acacia pigarreou.
— Você se incomoda se eu perguntar sobre as pinturas roubadas?
Os ombros de Nicholas caram tensos.
— A Família Mante, obra em pastel de Degas. Ice Floes on the Seine near
Bennecourt, de Monet. Também perdemos um Renoir, Baile no Moulin de la
Galette.
Acacia cou chocada e cobriu a boca brevemente.
— Sinto muito. Não estou familiarizada com o Degas, mas conheço o
Monet. É lindo. Mas o Renoir… — Ela balançou a cabeça. — É uma obra
muito famosa. Não sabia que pertence à sua família.
— Pertencia — Nicholas disse, amargurado.
De repente, ele recuou.
— Além das obras de arte, a galeria tem uma biblioteca. Tem uma coleção
extensa de papiros, manuscritos, livros antigos e cartas. Gostaria de ver alguns
deles?
Acacia moveu a cabeça assentindo. A perda da família Cassirer era trágica
em muitos níveis. Ela queria saber como Nicholas era capaz de entrar no
museu que lhe causava tanto pesar.
Ele a levou por salas e mais salas escuras e apontou alguns dos objetos mais
importantes. A coleção de papiros era valiosíssima. Acacia não conseguia
acreditar que havia ali obras tão impressionantes. E uma só família era dona de
tudo.
Ela parou diante de um belo manuscrito do Alcorão. Sem pensar, tocou no
pingente de hamsá.
O manuscrito estava aberto no quinto sura. Acacia leu em voz alta, em
árabe.
— “Auxiliai-vos na justiça e na piedade. Não vos auxilieis no pecado na
hostilidade…”
— Além de falar, você também lê em árabe. — A voz de Nicholas
interrompeu sua leitura.
— Sim. — Ela evitou seu olhar.
— O que diz aí?
Ela traduziu a linha, e Nicholas assentiu.
— Há diferenças signi cantes entre islã, judaísmo e cristianismo. Mas
sempre me impressiono em como as tradições espelham umas às outras.
— É verdade.
Quando Acacia terminou de admirar o manuscrito, Nicholas a levou para
outra vitrine. De acordo com o cartão impresso, o papiro era a cópia mais
antiga do Evangelho segundo São João. Datava do século II.
Acacia estudou as letras gregas, maravilhada.
— Como sua família adquiriu esses tesouros?
— Meus ancestrais tinham muito interesse em livros. A maior parte da
família era judia, embora houvesse alguns convertidos ao cristianismo aqui e
ali. Acho que essa obra foi adquirida por um dos que se converteram.
Acacia olhou para ele com interesse.
— E sua família?
— Judia. — Ele estudou seu rosto como se esperasse uma reação.
Acacia não demonstrou nenhuma.
Os ombros de Nicholas relaxaram um pouco.
— Minha família fez parte do movimento de Reforma do judaísmo no
século XIX. Mas, hoje em dia, comemoramos as grandes datas, e só.
Acacia assentiu e o seguiu até outra vitrine.
— Esse é um manuscrito medieval do Zohar. Você lê em hebraico? —
Nicholas a tou, esperançoso.
— Não. — Ela se aproximou da vitrine para poder admirar a escrita. — Os
livros estão em harmonia. — Acacia apontou as vitrines com obras islâmicas,
cristãs e judaicas lado a lado.
— Às vezes co me perguntando se eles conversam uns com os outros
quando o museu é fechado, se compartilham seus segredos entre si. —
Nicholas sorriu.
Sua re exão excêntrica surpreendeu Acacia. Também a agradou.
— Talvez eles compartilhem seus segredos conosco.
— Quem dera. — Nicholas piscou.
Acacia girou ao redor de si mesma e analisou a sala de exposição.
— É uma coleção incrível.
— Você pode notar que a galeria inteira é acessível a cadeirantes. Temos
rampas em todas as entradas e um elevador para os andares mais altos. — O
orgulho de Nicholas era evidente.
Ele apontou uma placa em Braille ao lado de uma vitrine que continha Le
Terze Rime, uma primeira edição das obras de Dante, que datava de 1502.
— Os de cientes visuais podem ler as placas ao lado de cada item.
Também temos um livro guia com ilustrações em alto-relevo, para que eles
possam experimentar as obras com as mãos.
— Isso é incrível. — Acacia passou a ponta dos dedos sobre a placa em
Braille. — Tem ilustrações em alto-relevo de cada obra?
— Pelo menos parte de cada obra, sim.
— Queria que mais museus e galerias acomodassem visitantes com
necessidades especiais. — Acacia tocou a mensagem em Braille novamente. —
A arte deveria ser acessível a todo mundo.
O sorriso de Nicholas se apagou.
— Minha irmã pensava assim também. Ela era muito apaixonada pela ideia
de ampliar o acesso à arte. Criou vários programas educativos para muitos
grupos, inclusive crianças.
Nicholas guiou Acacia pelo corredor.
— Conte mais sobre esses programas. — Ela olhou para Nicholas.
— Nós os mantivemos em memória à minha irmã e os expandimos. Os
programas para pessoas com demência ou Alzheimer são especialmente bem-
sucedidos. Cuidadores e pacientes vêm ao museu uma vez por mês e são
acomodados em lugares confortáveis para se sentar e admirar as obras de arte.
Tocamos música pelo sistema de som ou trazemos músicos para se
apresentarem ao vivo, às vezes. A atmosfera é muito relaxante e… — Nicholas
parou como se não conseguisse pensar na palavra certa. — Alegre. Os pacientes
e os curadores parecem se alegrar bastante.
Ele cou sério quando se aproximaram de uma grande porta aberta.
— Houve um tempo em que questionamos se algum dia voltaria a haver
alguma alegria entre essas paredes. Os programas de minha irmã garantiram
que sim.
Seus sapatos pretos pararam antes da entrada.
— Essa é a sala de exposição central.
Acacia entrou na sala, mas se virou ao perceber que Nicholas não a
acompanhava. Acacia levantou as sobrancelhas.
Ele balançou a cabeça.
Confusa, Acacia olhou para a sala. As paredes estavam vazias, com exceção
de um único quadro. Uma luz suave descia do alto e pelas paredes de tijolos
vermelhos. Molduras vazias cobriam o chão, espalhadas aleatoriamente.
Acacia não entendia o que via. Era muito estranho ter uma instalação de
arte tão vanguardista no que parecia ser uma galeria tradicional. Seu olhar foi
atraído pela pintura. Ela não conteve uma exclamação de espanto.
Olhou para trás, procurando Nicholas. Ele continuava perto da porta, o
corpo imóvel.
— Deixamos a sala como foi encontrada — ele sussurrou.
O retrato pintado de Riva Cassirer adornava a parede do fundo —
pendurado alto demais para o senso estético de Acacia. Era como se a ex-
curadora olhasse de cima para a destruição. Ela não sorria, embora seu rosto
fosse altivo e bonito.
Acacia contou três molduras vazias no chão, três obras de arte que foram
roubadas e nunca recuperadas. Pedaços das telas ainda eram visíveis no interior
das molduras. As obras haviam sido cortadas e removidas antes de serem
roubadas.
Seu estômago revirou.
Acacia saiu da sala, os passos ecoando pelos ambientes. Estendeu a mão
para Nicholas, mas não o tocou.
Ele olhou por cima do ombro de Acacia.
— Meus pais encomendaram o retrato. Queriam que a presença dela fosse
o foco.
— É uma bela pintura.
Nicholas contraiu os lábios.
— Eu odeio. Riva estava sempre sorrindo, especialmente aqui, na galeria. É
claro que ela não poderia sorrir para o que houve.
Acacia retraiu a mão.
— Está perto de encontrar os ladrões?
O corpo inteiro de Nicholas cou tenso.
— Perto. Longe. Quem sabe?
Ela percebeu a reação e se aproximou do homem.
— É melhor irmos embora.
Nicholas demorou um instante para prestar atenção nela, e quando a
encarou, parecia confuso.
— Você ainda não viu a coleção inteira.
— Você está chateado.
— Quer desistir de ver o restante da galeria porque eu estou chateado? —
Ele parecia incrédulo.
— Sim.
Seu olhar se intensi cou.
— Você é altruísta.
— Não, sou só humana.
Nicholas acomodou o peso do corpo sobre os calcanhares.
— Isso é inesperado, mademoiselle.
Acacia o tou com tristeza.
— Lamento que o mundo seja tão sombrio a ponto de um pouco de
humanidade causar choque e surpresa.
— Não sei por que sigo me surpreendendo com você. Já demonstrou várias
vezes ter um caráter admirável.
Acacia baixou o olhar.
— Obrigada.
— Ficaria surpresa se eu dissesse que não me lembro da última vez em que
alguém desistiu de alguma coisa em meu benefício?
— Precisa de amigos novos. — Acacia se arrependeu pelo comentário. —
Peço desculpas. Isso foi indelicado de minha parte.
— Sua a rmação está correta.
O reconhecimento de Nicholas não exigia resposta, por isso Acacia se
conteve.
— O sofrimento é um excelente educador — ele observou e olhou
novamente para a sala de exibição.
— Concordo. Pela empatia podemos tentar ter uma compreensão melhor
de nossos semelhantes.
— Riva teria concordado com você. — Ele encarou Acacia. — Você e ela
teriam muito o que conversar.
— Ela fazia um excelente trabalho com a galeria.
— Sim. Riva encontrou objetos na casa de meus pais que nós não notamos,
inclusive o Degas, que foi roubado.
Acacia arregalou os olhos.
— Não sabiam que o quadro estava lá?
— Ficou pendurado no banheiro principal por décadas. Ninguém sabia
que era de Degas. É pastel, não é uma pintura a óleo. Quem o emoldurou
cobriu a assinatura.
— Sua irmã reconheceu a obra?
— Descon ou. Quando removeu o trabalho da moldura, ela encontrou a
assinatura. — Ele olhou para Acacia com solenidade. — Vamos continuar.
Nicholas fez um gesto na direção do m do corredor.
Durante a hora seguinte, os dois viram mais da coleção Cassirer, até Acacia
não conseguir mais disfarçar o cansaço.
Nicholas consultou o relógio de pulso.
— Já passa da meia-noite. Peço desculpas por ter mantido você acordada
até tão tarde.
— Obrigada por me trazer.
Ele inclinou a cabeça em uma reverência.
— Nunca venho aqui. Para mim, o lugar é uma tumba. Mas eu sabia que
você apreciaria as obras de arte.
Nicholas a acompanhou até a entrada, onde mais uma vez foram recebidos
pelo curador. Kurt e seu colega estavam parados do lado de fora dos veículos.
Nicholas abriu a porta do carro para Acacia, mas esperou até se sentar no
banco do motorista para falar com a mulher. Ele apontou com o queixo na
direção da galeria.
— Eu estava na casa dos meus pais quando aconteceu. Estávamos tomando
um drinque, esperando que ela chegasse em casa.
— Sinto muito — Acacia sussurrou.
Nicholas segurou o volante.
— Mesmo que tenha tentado, na época não tinha condições de fazer nada
em relação ao que aconteceu. Desde então, tenho levado uma vida ctícia,
adquirindo informações e fazendo contatos discretamente.
Ele virou a cabeça e a encarou, seus olhos nos dela.
— Não sou mais a caça. Sou o caçador.
Nicholas ligou o motor do Porsche, e eles saíram da propriedade.
Acacia tinha passado a maior parte do dia dormindo, por isso a insônia não era
surpreendente. Queria dormir. Sentia falta da bem-aventurança do sono, mas
ele a evitava.
Havia mandado uma mensagem para Kate depois da visita à galeria
avisando que estava bem. Virou de um lado para o outro no quarto escuro por
muito tempo depois de se despedir de Nicholas e deixar a agenda de Marcel
com ele.
Nicholas agradeceu com uma expressão de triunfo. Depois pôs uma de suas
mãos grandes sobre o ombro dela e desejou bom descanso.
Mas seu descanso não foi bom.
Às três da manhã, Acacia se cansou de tentar dormir. Jogou as cobertas
longe, vestiu-se rapidamente e ligou o computador. Pesquisou no Google sobre
o Degas que foi roubado na noite em que Riva Cassirer foi assassinada.
Não era uma obra especialmente impressionante, embora gostasse dela.
Mostrava uma jovem bailarina cuja mãe arrumava seu cabelo. Outra jovem
parada ao lado da dupla segurava uma bolsa.
Os temas das obras roubadas da família Cassirer eram todos diferentes. Não
havia um elo que conectasse os três, exceto que Degas, Monet e Renoir eram
impressionistas.
Por que os ladrões não roubaram o retrato de Dante de Botticelli? Ou o Livro
dos Mortos egípcio? Ou o manuscrito do Evangelho de São João?
Tinha a impressão de que os ladrões haviam ignorado as peças mais valiosas
da coleção em favor dos impressionistas. Talvez a demanda por obras
impressionistas fosse maior no mercado ilegal. Talvez as vitrines que protegiam
os manuscritos fossem difíceis ou demoradas demais para se violar.
Acacia não tinha respostas para suas dúvidas, mas ao visitar a galeria com
Nicholas tinha vislumbrado a perda que o transformou no que era agora: um
homem em busca da justiça.
Ela deixou o computador de lado. Precisava de ar e de uma distração ou
passaria a noite toda andando de um lado para o outro.
Nicholas a tinha avisado para não sair da casa, lembrando sobre os guardas
e cães que patrulhavam a propriedade. Mas Acacia foi tomada pelo impulso de
dar um mergulho ao luar.
Fora do quarto, o corredor estava vazio e escuro. Ela se dirigiu à escada e
desceu em silêncio. Passou por uma série de aposentos antes de sair para o
pátio.
A noite estava fria e quieta. Ela percorreu todo o comprimento da varanda
até onde os degraus desciam à piscina. A piscina não era fechada. Iluminação
fraca incidia por todo o terreno e iluminava a área de paisagismo e uma série de
espreguiçadeiras.
Acacia não tinha trazido roupa de banho. Mas era noite, e não havia
ninguém ali. Não acreditava que os guardas a incomodariam.
Ela se despiu rapidamente, mantendo apenas o sutiã e a calcinha, ambos
pretos, e entrou na água aquecida. Ficou surpresa ao descobrir que a piscina era
de água salgada. Acacia nadou de uma ponta a outra, tomando cuidado para
não fazer muito barulho, sentindo prazer com o movimento dos músculos.
Flutuou de costas no meio da piscina e observou o céu nublado.
Sabia muito sobre tragédia e perda. Entendia a busca por justiça. Mas
começava a questionar a obsessão de Nicholas e até onde ele iria para punir os
responsáveis pela morte da irmã.
Não tinha importância. Tinha entregado a ele a agenda. Ele cuidava dos
reparos em seu apartamento. Acacia poderia voltar a Paris em um ou dois dias e
tentaria arrumar outro emprego. Ela nunca mais veria Nicholas.
Quando se sentiu su cientemente exausta, saiu da piscina e encontrou uma
toalha ao lado das suas roupas. Olhou em volta.
Não viu ninguém.
Acacia pegou a toalha e começou a se enxugar. Apertando os cabelos
cacheados, tirou o excesso de água dos os tentando secá-los.
Uma mão encostou em seu ombro.
Sem hesitar, soltou a toalha e segurou a mão do atacante com as duas mãos.
Depois a entortou para trás até ouvir um lamento. O atacante girou o corpo e
deslizou para trás de seu corpo, libertou o pulso e encaixou o antebraço sob seu
queixo.
Ela bateu com o quadril no dele e usou o movimento para impulsionar seu
peso e jogá-lo por cima do ombro.
O atacante rmou os pés no chão e a ergueu.
— Rick estava certo. Você sabe se cuidar.
Nicholas a pôs no chão e deu um passo para trás.
Acacia se virou e o viu sorrindo.
— Estou cansada de você me testando. — Acacia pôs as mãos no quadril.
— Como é possível, se é aprovada em todos eles? — Nicholas balançou o
pulso com uma careta. — Você quase o quebrou.
— Você quase mereceu.
O olhar de Nicholas passeou pelo corpo de Acacia — os seios altos no sutiã
preto, a calcinha que emoldurava as coxas torneadas e o traseiro redondo e o
pingente em seu pescoço.
Ela balançou a cabeça e usou a toalha para se proteger da avaliação.
— Não pode criticar um colecionador de arte por apreciar a beleza — ele a
censurou com tom brando.
— Não tenho interesse em fazer parte de uma coleção.
— Se um homem tivesse a sorte de conquistar você, desistiria de suas obras.
— Nicholas virou a cabeça para dar privacidade.
Acacia se envolveu com a toalha e tirou as roupas íntimas. Ela as deixou no
chão ao lado da piscina. Depois se vestiu e embrulhou as peças molhadas na
toalha.
— Estou vestida adequadamente.
Nicholas virou-se com as mãos nos bolsos.
Acacia percebeu que ele ainda estava vestido.
— Não conseguiu dormir?
— Durmo só algumas horas por noite.
— Planejava vir nadar?
— Trabalhar. — Sua expressão mudou. Ficou tensa.
— Obrigada pela toalha.
— De nada. — Nicholas olhou em volta. — Quer dar uma caminhada?
— Não, vim nadar para car cansada. Agora estou pronta para dormir.
— Eu te acompanho.
Sem dizer mais nada, Nicholas a conduziu ao interior da casa.
— Devo levar suas roupas para a secadora? — Ele apontou a toalha com as
peças molhadas.
— Não, vou pendurar tudo. — Ela parou ao pé da escada e esperou ele
dizer alguma coisa. Nicholas era pelo menos quinze centímetros mais alto que
Acacia e tinha ombros largos e olhos penetrantes.
Ela olhou para a boca — para o lábio inferior carnudo e o queixo forte,
coberto pela sombra de barba. E depois, como se os olhos tivessem decidido
sabotá-la, procurou o local da cicatriz.
Nicholas se virou e foi embora.
— Preciso ir para a Grécia amanhã.
Acacia ergueu os olhos do café da manhã, a colher parada a meio caminho
da boca.
— Perdão?
Nicholas puxou a cadeira ao lado dela e se sentou. Pôs um guardanapo no
colo.
— Preciso viajar para a Grécia a negócios. Queria que você fosse comigo.
Acacia balançou a cabeça.
— Vou para casa.
— Seu apartamento não está habitável.
— Eu me hospedo na casa de uma amiga.
A irritação passou pelo rosto de Nicholas.
— Tem gente atrás de você. Até identi carmos e neutralizarmos a ameaça,
você corre perigo.
— E a agenda de Marcel? Não serviu para nada?
— Receio que não. Está sendo analisada, mas Marcel fez os registros em
taquigra a.
— Então por que aqueles homens queriam tanto recuperá-la?
— Espero descobrir. — Nicholas pigarreou. — Pode car aqui, se quiser.
Mas sua ajuda seria bem-vinda.
— Que tipo de ajuda?
— Como eu disse quando nos encontramos na sede da KLH, minha
assistente executiva não pode mais viajar. Preciso de olhos e ouvidos extras. E
posso precisar de você como intérprete. Vai ser uma viagem curta, só alguns
dias e algumas reuniões. Mas vai te dar uma chance de ver o que eu faço.
— Ainda quer que eu seja sua assistente?
Nicholas franziu a testa.
— É claro.
Acacia abaixou a colher.
— Não creio que seja uma boa ideia trabalharmos juntos.
Ele pareceu muito aborrecido.
— Pensei que fôssemos aliados.
— Somos. Mas preciso me concentrar em arrumar um emprego a longo
prazo.
— Acabei de oferecer um. — Havia irritação em sua voz.
Teimosa, Acacia continuou comendo.
Nicholas se inclinou para frente.
— Você sabe que é melhor para o seu currículo se pedir demissão em vez de
ser demitida.
— Sim, eu sei.
— Vai receber um bom pagamento. Minha equipe de segurança vai viajar
conosco. Você terá acomodações separadas, e provavelmente terá um tempo
para conhecer o lugar enquanto eu participo das reuniões.
Foi a vez de Acacia franzir a testa.
— Não quero parecer ingrata, mas sabe quando meu apartamento vai car
pronto?
— Vai demorar uns dias. Eles vão precisar reparar as paredes e o dano feito
na cozinha. Podemos ligar para o empreiteiro depois do café, e você pode
conversar diretamente com ele.
— Obrigada.
Nicholas se encostou na cadeira e se serviu de uma xícara de café de uma
prensa francesa. Ele olhou para o líquido cor de mocha na xícara de Acacia.
— Pensei que tomasse café puro.
— Não no café da manhã.
— Ah. — Nicholas pegou um brioche e o preparou com manteiga e geleia
de damasco.
Acacia levantou a xícara de café.
— Não creio que eu possa voltar ao Victoire depois de tudo que aconteceu.
Nicholas mastigou o brioche enquanto pensava. Engoliu o pão em seguida.
— Creio que seja sensato pensar dessa maneira.
— Provavelmente não devo abusar da sorte dizendo que estou doente hoje
de novo, então isso signi ca que vou ter que mandar minha carta de demissão.
— Diga a eles que recebeu uma proposta melhor do CI Paris e vai começar
imediatamente.
— CI Paris?
— A lial de Paris de uma de nossas empresas de administração. Seu
contrato será realizado com eles. Vou pedir ao diretor para solicitar sua
permissão de trabalho temporário, além de um blue card da União Europeia.
Acacia olhou para o horizonte, onde os Alpes eram visíveis acima das
árvores. Montanhas majestosas cobertas de neve se erguiam contra um céu
azul, com apos de nuvens utuando sobre eles.
Montanhas não precisavam se preocupar com emprego, sustento da mãe ou
empresários suíços insistentes, com uma evidente fraqueza por brioche e geleia
de damasco.
— Você tem uma oferta de emprego — Nicholas continuou em voz baixa.
— Trabalhar comigo vai nos dar tempo para descobrir quem está atrás da
agenda. E ontem à noite você disse que eu preciso de amigos novos.
Acacia o encarou.
— Seja minha amiga, Acacia.
— Você é amigo de suas assistentes?
— A atual está comigo há quase dez anos. Vou ser padrinho do primeiro
lho dela no m deste ano.
— Não tem jeito de padrinho.
Ele ergueu um braço acima da cabeça.
— Não sou su cientemente alto?
Acacia riu. Não conseguiu evitar. Com um metro e noventa de altura,
Nicholas era alto. Mas não era alto demais, na avaliação da mulher.
— Vamos formar uma boa equipe, Acacia.
Ela suspirou.
— Você me ajudou quando eu precisei. Vou retribuir. Mas depois da
Grécia, quero ir para casa.
— Eu a levarei pessoalmente a Paris.
— Assino o contrato, mas vamos estabelecer que a Grécia é um período de
experiência. Não vou aceitar nenhum dinheiro, e assim veremos se isso é viável
a longo prazo.
— Isso é ridículo. Como vai…?
— Não é ridículo — ela o interrompeu. — Podemos descobrir que não
trabalhamos bem juntos.
— Duvido.
— Como pode ter tanta certeza?
— Já vi sua ética de trabalho e passei um tempo com você. Sou um bom
juiz de caráter, Acacia. Avaliei você quase imediatamente.
Ela deixou a xícara sobre o pires com um ruído alto.
— Você me avaliou e solicitou Marcel.
— Porque ele era meu contato. — Nicholas jogou o guardanapo sobre a
mesa. — Você sugeriu que eu doasse aquelas coisas ridículas que comprei para
Silke em prol de crianças com fome.
— E foi o que aconteceu. Recebi um e-mail da organização contando que
eles angariaram milhares de euros só com a sua doação.
— Exatamente. Não percebe? Já trabalhamos bem juntos.
— E sua assistente atual?
Nicholas esfregou os olhos.
— Está de repouso até o bebê nascer. Ela passou por um susto, precisou ir
para o hospital.
— Sinto muito. — Acacia se mexeu na cadeira. — Eu assino um contrato,
mas não vou aceitar salário antes de voltarmos da Grécia. Preciso de um
período de experiência.
— Certo — Nicholas concordou, carrancudo. — Vou pedir para madame
Bishop mandar o contrato. Juliet tem o telefone do empreiteiro em Paris. Você
pode falar com ele sobre o progresso da obra. Depois disso, sua primeira tarefa
o cial é montar um guarda-roupa para uma assistente pessoal. Vai precisar de
roupas formais, além de trajes pro ssionais.
Seus olhos se estreitaram.
— Essa é uma tarefa comum?
— No começo, sim. Minha assistente atual recebeu ajuda de custo para
vestuário quando começou. Temos que causar uma certa impressão, mas é uma
impressão que nancio com prazer.
— É mesmo?
— Pensei que fosse concierge, Acacia. — Os cantos de seus lábios se
torceram. — Não deve ser uma proposta tão difícil, deve?
— Concierges não costumam ser personal shoppers para eles mesmos.
Os olhos de Nicholas brilharam.
— Pense nisso como uma oportunidade para adquirir um novo conjunto
de competências. Tenho linha de crédito em várias butiques em Genebra. Juliet
vai lhe dar a lista, e ela pode ir com você. Kurt também. Tenho de voltar a
Zurique agora de manhã. Só retorno tarde da noite. Partimos para Santorini
amanhã.
Acacia sentiu uma onda repentina de… alguma coisa, ao pensar em andar
pela grande propriedade sem Nicholas. Disfarçou com um sorriso contido.
— Você disse Santorini?
— Disse. Não esqueça de incluir trajes esportivos, caso haja uma ida à
praia.
— Praia? Você faz negócios na praia?
Nicholas deu uma risada.
— Se eu tiver sorte, sim.
— Enquanto você estiver fora, há algum lugar aqui onde posso praticar
minhas artes marciais.
— Quer se exercitar, mademoiselle?
Ela encolheu os ombros.
— Eu tento treinar todos os dias. Você não?
— Faz sentido. Tem um pequeno ginásio que deve servir para o que deseja.
Juliet vai mostrar onde ca.
— Obrigada.
Nicholas se levantou e tocou no ombro dela.
— Estou ansioso para trabalhar com você.
Acacia se virou na cadeira para ver seu novo e atraente patrão se afastar.
Naquela noite, Nicholas estava no corredor da casa dos pais, do lado de fora de
seu quarto.
Era tarde. Ele havia acabado de voltar de Zurique.
Tinha ido visitar a piscina primeiro, esperando ter a companhia de Acacia
para um mergulho. Infelizmente, ela parecia ter se recolhido aos seus
aposentos.
Ele foi até o quarto dela e parou do lado de fora da porta. Não se ouvia
nada. Nicholas suspirou, aliviado. Esperava que Acacia estivesse conseguindo
descansar.
Provavelmente ela era a mulher mais forte que já havia conhecido, com
exceção de sua irmã.
Nicholas olhou para o quarto ao lado.
O quarto de Riva era vizinho ao de Acacia. Não entrava no local havia
anos. Mas, de alguma forma, de repente se viu caminhando até o cômodo e
abrindo a porta.
Ele acendeu a luz.
A limpeza do ambiente o surpreendeu. Juliet e sua equipe mantinham
todos os quartos impecáveis, e o de Riva não era exceção. Mas não haviam
guardado suas coisas. Suas obras de arte continuavam nos lugares, como se
esperassem por ela.
Nicholas carregava vários fardos, e alguns foram impostos por outras
pessoas. Outros, havia assumido por conta própria. O sentimento de
responsabilidade pela irmã era algo que sentia desde a noite em que ela foi
assassinada.
Se não a tivesse apressado porque estava ansioso para que conhecesse sua
noiva, talvez ainda estivesse viva. Talvez os ladrões tivessem ido embora sem
que ela os notasse.
ierry, o segurança, sobreviveu ao ataque. Riva não teve a mesma sorte.
Pelo menos ierry trouxe informações sobre os bandidos.
Nicholas evitava olhar para o retrato de Riva na parede do quarto dela. A
culpa o fez desviar o olhar quando passou pela porta.
Havia jurado vingar a morte da irmã, e enquanto não cumprisse a
promessa, não olharia nos olhos daquela imagem.
Ele apagou a luz, fechou a porta e passou pelo quarto de Acacia a caminho
do dele, arrancando a gravata do pescoço com movimentos frustrados.
Uma silhueta alta e esguia subia pela escada como se utuasse.
Nicholas parou de repente. Olhou confuso para o ambiente quase tomado
pela escuridão.
Maman?
Na manhã seguinte, Acacia acordou cedo. Ela se dirigiu à piscina vestida com a
roupa de banho nova e nadou por trinta minutos. Era um dia quente,
ensolarado, e com os alpes no horizonte, Acacia apreciou muito a experiência.
Ela voltou para o quarto para tomar banho e fazer as malas bem antes de
qualquer um acordar. Vestiu-se com simplicidade para o voo para Santorini —
calça branca, camisa amarela de mangas curtas e sandálias cor de bronze. Para
dar mais cor, torceu um lenço colorido e encaixou nos passantes da calça.
Quando se aproximou da sala de jantar, ouviu vozes na varanda. Pela porta
aberta, viu Nicholas à mesa do café da manhã. Hoje ele não estava sentado à
cabeceira. Acacia achou a mudança curiosa.
Assim que pisou no pátio, percebeu que Nicholas não estava sozinho.
— Acacia. — Ele se levantou com um sorriso contido.
Sentada ao lado dele havia uma mulher mais velha e muito atraente, com
cabelos de comprimento médio e re exos loiros. Ela olhou para Acacia com a
curiosidade estampada nos olhos azuis.
Nicholas se aproximou de Acacia e puxou a cadeira para a mulher se sentar.
— Maman, essa é Acacia Santos. Acacia, minha mãe, Hélène Cassirer.
Assim que registrou a importância da apresentação, Acacia sorriu com
cortesia.
— É um prazer conhecê-la, madame.
— O prazer é meu, mademoiselle. — Madame Cassirer retribuiu o sorriso.
Acacia olhou para Nicholas.
— Lamento ter interrompido. Eu posso… — Ela fez um gesto na direção
da casa.
— Estávamos esperando você. — Madame Cassirer apontou a cadeira que
Nicholas havia puxado. — Meu marido ainda está dormindo. Chegamos do
Taiti tarde ontem à noite.
Acacia olhou para a cadeira vazia na ponta da mesa, onde um lugar estava
posto. Os pais de Nicholas estavam em casa.
Ela se sentia uma invasora.
Acacia se sentou e desdobrou o guardanapo com cuidado, colocando-o no
colo. Quando levantou a cabeça, madame Cassirer olhava para ela. Era um
olhar curioso.
Nicholas sentou-se novamente ao lado da mãe, e no mesmo instante Gretle
apareceu. Ela serviu café e suco de laranja, além de champanhe.
— Não vejo meu lho há algum tempo, por isso insisti em um drinque
comemorativo — explicou madame.
Acacia ergueu a taça e brindou com eles.
— Vamos adiar nossa partida até amanhã — Nicholas anunciou. Ele olhou
para Acacia como se pedisse desculpas.
Acacia se dirigiu à mãe de Nicholas.
— Como foi a viagem?
— Longa. O Taiti é um lugar mágico, mas ir e voltar de lá é outra história.
— Ela bebeu champanhe.
— Obrigada por sua hospitalidade. Sua casa é linda.
A expressão de madame se iluminou.
— Cada vez que saio, me esqueço de como tudo aqui é encantador. A casa
normalmente ca vazia, com exceção dos empregados. É bom ter companhia
de novo.
O silêncio pairou sobre a mesa enquanto eles tomavam café, sendo
interrompido de vez em quando pela conversa educada.
Nicholas lançava olhares discretos para Acacia, tentando atrair sua atenção.
Acacia não queria ter uma conversa silenciosa na frente da mãe dele, por
isso evitava seu olhar.
Fazia um grande esforço para manter o tom tranquilo, mas sentia-se
incrivelmente tensa. Não gostava de surpresas.
Quando eles terminaram a refeição, madame Cassirer olhou para ela.
— Gostaria de me acompanhar em uma caminhada?
Acacia tentou disfarçar o susto.
— Sim, é claro.
— Que bom. — Madame se levantou, e Nicholas também cou em pé
para puxar a cadeira para ela.
Ela tocou o lado do rosto do lho sem cicatriz e o beijou dos dois lados.
— Vejo você mais tarde.
Nicholas contornou a mesa para ajudar Acacia com a cadeira.
— Eu não sabia que eles viriam — cochichou.
Acacia sabia que não podia responder sob o olhar atento de madame.
Assentiu discretamente.
— Vejo você mais tarde? — A expressão de Nicholas era esperançosa.
— Sim. — Ela sorriu. Não tinha o direito de se sentir incomodada com a
volta dos Cassirers para a casa deles. Não queria que Nicholas confundisse seu
desconforto com mesquinharia.
Ela virou a cabeça e viu que madame os observava com um sorriso.
Nicholas cou parado enquanto elas atravessavam o pátio e desciam a
escada.
Madame Cassirer era mais alta que Acacia. Tinha pernas longas, era magra
e estava elegante em um vestido azul-marinho simples e um colar de pérolas.
— E suas sandálias? — madame perguntou, parando para inspecionar o
calçado de Acacia. — Elas são confortáveis?
— Sim. — Acacia olhou para o sapato azul-marinho e branco de salto
baixo com as letras C douradas e entrelaçadas na ponta. Não eram exatamente
apropriados para caminhadas, mas eram espetaculares.
— Há um passeio. Não precisamos nos preocupar em afundar na grama.
— Madame voltou a andar em direção a uma trilha sinuosa coberta de
cascalhos do tamanho de ervilhas. Seus sapatos caros faziam barulho ao pisar.
Acacia a seguia e tentava pensar em assuntos apropriados e seguros.
— Como conheceu meu lho? — Madame esperou Acacia alcançá-la para
continuar andando.
— Foi no hotel em Paris. Eu era a concierge. — Não tinha motivo para
esconder a verdade.
— Ah. Que hotel?
— Hotel Victoire.
— É um hotel encantador. Temos um apartamento ali na região. —
Madame olhou para ela. — Sempre achei que concierges são extremamente
bem-educados. Estudou em Paris?
— Sim, na Sorbonne.
Uma expressão triste passou pelo rosto de madame.
— Minha lha estudou lá. Acho que não a conheceu, certo?
Acacia balançou a cabeça.
— Ela era mais velha que Nicholas, então provavelmente se formou antes
de você entrar. — Seu rosto ganhou um ar melancólico.
— Nicholas me levou à galeria ontem à noite. Deve se orgulhar muito do
trabalho de sua lha.
Madame virou para encará-la.
— Nicholas levou você à galeria?
— Sim.
Ela tocou o colar de pérolas e moveu o o de um lado para o outro.
— Ele não pisa na galeria há anos. Nenhum de nós o faz.
Acacia não sabia o que fazer com essa informação.
Madame soltou as pérolas.
— Não estive em Paris recentemente, embora sempre aprecie minhas
visitas. Você mora na cidade?
— Sim, no quinto arrondissement.
Madame sorriu.

É
— Quartier Latin e Sorbonne. Gosto daquela parte da cidade. É muito
interessante.
Elas seguiram em silêncio pelo caminho que atravessava uma área
arborizada. Logo não conseguiriam mais ver a casa.
— Há quanto tempo está saindo com meu lho?
Acacia cou vermelha.
— Não estamos saindo.
Madame a encarou com ar crítico.
— Mas são amigos.
Acacia não sabia o que dizer. Não tinha ideia sobre o que Nicholas tinha
dito à mãe a respeito de sua situação. Aparentemente, madame Cassirer tirou a
conclusão errada.
— Eu tive alguns problemas, e Nicholas teve a gentileza de me trazer para
cá enquanto eu resolvo tudo — ela admitiu.
— Que bom — madame respondeu suavemente. — Parece que meu lho
voltou para o rumo certo.
Quanto a mãe sabia sobre as diversas atividades do lho? Devia ter algum
conhecimento sobre elas.
Um poste de luz apareceu no caminho. Quando elas se aproximaram,
Acacia percebeu que era uma lâmpada a gás antiga, feita de ferro e vidro.
Quando se aproximaram do poste, madame parou.
— Tenho uma con ssão a fazer.
Acacia se preparou.
— Quando Nicholas me contou que tinha trazido alguém para casa, quei
curiosa. Quando os criados me informaram que esse alguém era uma jovem
atraente, peguei um voo imediatamente. Nicholas não traz ninguém para casa
há muito tempo. — Ela sorriu. — E você é ainda mais encantadora do que eu
imaginava.
Acacia cou agitada.
— Bondade sua. Mas preciso dizer que não existe nada romântico entre
mim e Nicholas. Ele me pediu para prestar serviços de concierge durante a
viagem a Santorini, e eu concordei. Nossa relação é pro ssional.
— Ele não teria levado você à galeria se fossem só colegas — madame
respondeu de pronto. — A galeria representa muita tristeza e perda. Já era hora
de Nicholas fazer amizade com uma mulher com essência. Estou satisfeita, e
nada vai me convencer do contrário.
Acacia era educada demais para discutir. Havia gostado da mãe de
Nicholas. Não podia deixar de comparar seu comportamento com o da
hóspede de Lyon. Certamente madame Cassirer era muito mais acolhedora e
graciosa.
Ela apontou para o poste de luz.
— O que acha disso?
Acacia olhou para cima. O poste não combinava com as árvores que o
cercavam, como se alguém o tivesse plantado no meio de uma oresta por puro
capricho.
— O poste me faz lembrar uma história infantil.
— É mesmo? Qual?
— O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa.
— Exato. — Madame olhou para o poste, pensativa. — Minha lha
gostava desse livro quando era criança. Ela costumava vir aqui procurar Aslan.
Há muitos anos, havia uma estrada para carros. Quando os pais de meu
marido mudaram o lugar dessa passagem, soterraram a via anterior e plantaram
grama. Deixaram o poste.
— Sinto muito, madame, por sua perda — Acacia disse com gentileza.
Madame virou a cabeça. Seu rosto se contraiu. Mas com uma tremenda
força de vontade, recuperou a expressão serena.
— Nicholas contou a você sobre Riva?
— Um pouco. Fiquei muito impressionada em como a coleção da galeria é
acessível para pessoas com diversas necessidades.
— Deve ser coisa do Nicholas — ela sussurrou.
— Parte de cada exposição é reproduzida em Braille, de forma que os
portadores de de ciência visual possam experimentar a obra de arte. E uma vez
por mês, a galeria recebe pacientes com demência ou Alzheimer e seus
cuidadores. A galeria toca música e os convida a sentar e apreciar as exposições.
Madame fechou os olhos por um instante.
— Eu não sabia. — Ela abriu os olhos. — Quando se perde um lho, abre-
se um buraco que nunca será fechado. No nosso caso, lamento dizer que boa
parte de nossa vida gira em torno de Riva… da ausência dela. Eu evito a
galeria. — Levantou a cabeça, decidida. — Preciso visitá-la. Que grata surpresa
você é, minha querida.
— Estudei arte — Acacia contou.
— É mesmo? Que período?
— Impressionismo.
— Ah, sim, também é o meu favorito. Tínhamos um Degas encantador,
mas… — Ela fechou a boca.
Acacia assentiu.
— Nicholas me contou.
Madame a olhou com um ar curioso.
— Ele falou sobre as obras de arte roubadas?
— Sim.
— Houve um tempo em que pensei que nunca conseguiríamos falar sobre
o que aconteceu. Nicholas deve con ar em você ou não compartilharia essas
informações. — Madame chegou mais perto. Tocou o rosto de Acacia de um
jeito maternal. — Você é uma boa menina. Aceita tomar chá comigo hoje à
tarde? Faz tempo que não tenho companhia para o chá.
Acacia sorriu.
— Será um prazer.
— Que bom. — Madame Cassirer também sorriu, e elas voltaram para
casa.

***
Naquela noite, depois que todos se recolheram, Nicholas e Acacia foram se
sentar à beira da piscina.
A pedido dos pais dele, tinham se vestido especialmente para o jantar.
Nicholas usou um de seus ternos pretos, depois o retirou e cou com camisa e
calça, a gravata azul frouxa e torta no pescoço. Ele havia tirado os sapatos e as
meias e mergulhou os pés descalços na água salgada.
Acacia estava sentada ao seu lado, com um vestido leve cor de pêssego. Os
saltos foram abandonados ao lado dos sapatos de Nicholas, e ela também
mergulhou os pés na água.
O céu estava limpo, estrelado, e Acacia o observava com um fascínio que
lhe tirava o ar. Nunca poderia ter imaginado que um dia a vida a traria a um
lugar tão bonito. Nunca poderia ter imaginado uma noite tão agradável com os
pais de outra pessoa.
Perto deles, um balde de prata continha uma garrafa de champanhe.
Nicholas enchia as taças de tempos em tempos, e eles bebiam sem pressa.
Finalmente, Nicholas rompeu o silêncio.
— Eu não sabia que eles viriam.
A brisa levantou uma mecha de cabelo de Acacia e a soprou sobre sua boca,
onde grudou no batom. Nicholas pegou essa mecha entre os dedos e a prendeu
atrás da orelha dela.
— Obrigada. — Ela o saudou com a taça de champanhe.
— Obrigado você, Acacia. Você tem sido muito paciente e muito amável,
apesar de ter sido surpreendida por meus pais.
— Eles são encantadores. Gostei de conhecê-los.
— Obrigado por alegrar minha mãe. Ela sente falta de Riva. — Os olhos
de Nicholas encontraram os da mulher. Estavam cheios de gratidão.
— Não foi nenhum sacrifício. Não tomo chá da tarde há anos. Sabia que
sua mãe me emprestou um chapéu? Uma peça enorme e elegante que ela usou
em Ascot, na Inglaterra.
— O chapéu, a caminhada, a decoração de seu apartamento em Paris…
Essas eram coisas que ela teria feito com minha irmã.
— Eu sei. — Seu tom mostrava empatia. — Sua mãe sente falta dela.
— Não sei como conversar com minha mãe. — Nicholas levantou o pé da
água e o abaixou de novo, o que provocou respingos. — Como é sua mãe?
— Dura. Séria, mas me ama com ferocidade.
— Ferocidade. — Nicholas sorriu. — Gosto disso. Minha mãe também é
conhecida por ser feroz. Ela é uma Rottweiler de Chanel.
Acacia inclinou a cabeça para trás e riu. Comparar a elegante e re nada
madame Cassirer com um Rottweiler era absolutamente ridículo.
— Mas que belo som… — Nicholas sussurrou.
— Que som?
— Sua risada.
Acacia alisou a saia do vestido e tomou cuidado para que a bainha não
caísse na água.
— Não cabe a mim dizer isso, mas acho que sua mãe sente sua falta.
Nicholas levantou a taça.
— Ela sabe onde me encontrar.
— Você também sabe onde encontrá-la. Ela voltou para casa correndo
porque você estava aqui.
— Nós dois sabemos por que ela voltou para casa correndo — Nicholas
comentou com tom seco.
— Quando dançou com sua mãe depois do jantar, percebi que ela estava
feliz com sua companhia. Ela estava sorrindo.
Nicholas a olhou pelo canto dos olhos.
— Você não quis dançar comigo.
Acacia cou tensa.
— Já expliquei a seus pais que trabalho para você. Não teria sido
pro ssional de nossa parte uma dança.
— Talvez não. — Ele a cutucou com o cotovelo levemente. — Mas amigos
dançam.
— Não somos amigos de verdade, Nicholas. — Acacia mantinha a voz
baixa para não soar ofensiva.
Ele abaixou o olhar para os pés e os balançou dentro da água.
— Certo.
Acacia o cutucou com o cotovelo em resposta.
— Até segunda ordem, eu posso ter uma lista enorme de defeitos.
— Duvido. — Nicholas encheu as taças.
— Sua mãe falou que não sabia sobre as mudanças de acessibilidade na
galeria.
— Paramos de falar sobre a galeria depois do que aconteceu. Continuei
envolvido com o espaço, mas meus pais se afastaram.
— Devia se orgulhar do que fez.
Nicholas assentiu balançando a cabeça.
Como não respondeu, Acacia continuou:
— Arte é para todo mundo, mas se não houver acesso, se torna elitista.
— Era o que minha irmã costumava dizer. Ela achava que arte era uma
necessidade, não um luxo. Instituiu uma política de entrada livre um dia por
mês. Nós mantivemos essa decisão. Um dia por mês, a entrada é gratuita para
todos.
— Queria que outros museus e galerias fossem tão abertos. — Acacia
deixou a taça de champanhe no chão e uniu as mãos sobre as pernas. — Não
entendo o que é perder uma irmã. Você tem toda a minha compaixão.
Nicholas virou de lado para a olhar.
— Obrigado.
— Uma perda como essa não pode ser reparada ou esquecida. Sempre
haverá uma ausência. Mas percebo que muita gente encontra signi cado e
propósito para a vida se dedicando ao legado da pessoa amada, garantindo que
ela não seja esquecida. Mesmo que sua mãe não saiba, você tem construído o
legado de sua irmã. Expandiu os programas que ela se comprometeu e criou
outros como uma homenagem a ela. Dedicou-se a encontrar obras de arte
roubadas. Seus pais não estavam aptos a fazer essas coisas, então você fez. Devia
se orgulhar não só de sua família e de sua irmã, mas de você. Sua dedicação e o
trabalho duro que faz são muito nobres, Nicholas.
Ele franziu levemente o cenho.
Quando a tou, seus olhos estavam atormentados.
— Eu falhei.
— Como assim?
— Não encontrei a obra de arte. Não levei os assassinos dela à justiça.
Acacia suspirou e olhou para o céu novamente. Ficou quieta por um
momento.
— Conhece a história de Sísifo?
— Li Camus na universidade.
Acacia sorriu.
— Não essa versão. O mito antigo na Odisseia de Homero.
— Não, não conheço.
— Acho que os pontos relevantes são os mesmos. Sísifo é condenado a
rolar uma pedra montanha acima. Zeus faz a pedra cair até a base da encosta
no exato momento em que Sísifo chega ao topo. Repetidas vezes, Sísifo se
esforça para empurrar a pedra encosta acima, só para repetir a atividade de
novo, e de novo, por toda eternidade.
— Peço desculpas por não compreender como isso se aplica à nossa
conversa.
— É o esforço que é digno de louvor. É a perseverança e a resiliência de
Sísifo que admiramos. Acho que vemos algo de corajoso e nobre na
determinação dos outros e na nossa. — Ela olhou para Nicholas. — Espero
que sua cruzada por justiça seja bem-sucedida. Mas ainda que não seja, há algo
de corajoso na busca em si. Eu admiro isso.
— Pelo amor de Deus, não me transforme em Sísifo. — Nicholas esvaziou
a taça de champanhe com um gole só.
— Não posso te transformar em nada… — Acacia sussurrou. — Mas
reconheço nobreza e coragem quando as vejo.
Ele soltou um suspiro pesado e abaixou a cabeça.
— Nicholas, você só fracassa quando desiste. Cada vez que Sísifo apoia o
ombro na pedra e a empurra colina acima, é uma vitória dele sobre os deuses.
Eles não conseguem derrotá-lo. Nessa missão de encontrar as obras de arte de
sua família, você honra seus pais e sua irmã por não desistir. E essa é uma
vitória nobre.
Nicholas assentiu.
— Amigos? — Ela aproximou a taça de champanhe da dele.
Ele a olhou nos olhos.
— Amigos.
Os dois brindaram e beberam.
— Obrigado — Nicholas murmurou.
— Não há de quê.
— Com seu conhecimento de Homero, imagino que deva ter ido à Grécia,
não? — A voz de Nicholas interrompeu a re exão de Acacia.
— Nunca. — Ela olhou pelo corredor do jato particular para seu novo
amigo e empregador. A cicatriz estava visível, por isso Acacia tomou cuidado
para o olhar somente nos olhos.
Nicholas não removeu a prótese até que embarcassem no avião. Acacia se
perguntava se ele sempre escondia a cicatriz quando estava perto dos pais. Eles
sabiam de sua existência, certamente.
Madame e monsieur Cassirer tomaram café com eles, antes de Nicholas e ela
partirem para o aeroporto. Aparentemente tinham decidido passar mais um
tempo em Cologny.
Durante a tarde anterior, madame havia oferecido seus serviços de designer
para o apartamento de Acacia, e ela aceitara a oferta com gratidão. Madame
havia criado um projeto impressionante e sugerido tecidos e tintas, para a
alegria de Acacia.
Não esperava ser tratada com tanta bondade e generosidade pelos pais de
Nicholas. A abertura com que a acolheram quase a fazia se envergonhar de
como havia descon ado do homem.
Mas a con ança foi conquistada. Acacia ainda tentava se proteger, mas
começava a con ar um pouco nele. Nicholas tinha enviado Rick para cuidar de
sua segurança quando a proteção da BRB foi comprometida. Ele a havia
prevenido para tirar do apartamento tudo que fosse de valor, o que a
possibilitou deixar Claude com Kate. E a havia levado para a segurança da
propriedade dos pais e oferecido um emprego.
Não tinha feito nada para conquistar todos esses favores, o que a levava a
crer que ele realmente era motivado por um sentimento de responsabilidade
por tudo o que havia acontecido no Victoire.
As longas pernas de Nicholas estavam esticadas para frente, e ele bebia
vodca com tônica. Era a imagem do relaxamento, apesar de usar um de seus
muitos ternos pretos restritivos.
— Estamos sobrevoando Santorini. Preparem-se para o pouso. — O piloto
os lembrou de a velar os cintos de segurança, e o avião começou a
aterrissagem.
Nicholas se inclinou para o corredor.
— Você já pode ver a ilha agora.
Acacia olhou pela janela para a vasta extensão de mar azul. Ao longe, viu a
ilha em forma de lua crescente salpicada de prédios brancos.
O avião ajustou a velocidade e continuou a descida.
Acacia fechou o notebook e o colocou ao lado de sua nova bolsa Chanel —
uma bolsa que relutara em comprar. Juliet, porém, havia insistido na
necessidade de um item assim para as viagens.
Acacia acabara cedendo, mais uma vez tomando consciência de como havia
escolhido aleatoriamente as coisas postas na cama no dia em que deixara Paris.
Não tinha roupas su cientes ou apropriadas para compromissos pro ssionais, e
como representava Nicholas…
Mas havia um motivo mais sigiloso para ter aceitado a bolsa de grife. Ela
valia milhares de euros, o que a transformava em uma fonte de dinheiro
rápido, caso fosse necessário. Acacia nunca deixava de ter uma estratégia de
fuga. Con ar ou não em Nicholas era irrelevante, considerando todos os
perigos à espreita.
Acacia esfregou os olhos.
Tinha enviado um e-mail de demissão breve, porém educado, para o
departamento de recursos humanos do Hotel Victoire, informando que
aceitara outra proposta de emprego. Tinha oferecido duas semanas de aviso
prévio, mas o departamento respondeu que o desligamento seria feito
imediatamente. Pagariam o salário referente às duas semanas seguintes, mas sua
presença não era mais necessária.
A rapidez com que aceitaram sua demissão foi dolorosa. Mas Acacia não
havia progredido na vida lambendo suas feridas.
Alguma coisa encostou em seu braço.
— Pode me lembrar da agenda de hoje?
Ela se voltou para Nicholas.
— Agentes da alfândega vão nos receber. Um carro estará esperando na
pista do aeroporto para nos levar à villa. Você vai poder descansar um pouco
antes do jantar com Constantine Zervas.
— Rick? — Nicholas virou para o homem sentado atrás dele e falou em
inglês. — Precisamos rever o itinerário?
— Negativo. — A resposta do guarda-costas foi mais um grunhido.
Acacia notou a expressão neutra de Rick, idêntica à de Kurt, sentado ao
lado do segurança.
Rick agora era seu protetor, mas ela o via com ceticismo. Ele havia
capturado um de seus agressores, o interrogara e depois o libertara, seguindo
ordens de Nicholas. Isso a deixava inquieta.
Acacia apertou o cinto de segurança enquanto o avião continuava a descida.
Ouvia o ruído do trem de pouso. Alguns minutos mais tarde, aterrissaram em
uma pequena pista e taxiaram em direção a um Range Rover prateado.
Acacia envolveu a cabeça em uma echarpe de seda e jogou as pontas para
trás por cima dos ombros.
Uma risada soou à sua esquerda.
Ela virou e viu Nicholas olhando para ela, sorrindo com ar divertido.
— Não precisa cobrir a cabeça na Grécia, exceto no interior das igrejas.
— Eu sei. Minhas pesquisas indicaram que Santorini é um lugar de ventos
fortes, especialmente sobre os penhascos.
— Fez um bom uso do notebook durante o voo.
— Levo meu trabalho a sério.
Nicholas inclinou a cabeça, e os olhos encontraram os dela.
— Eu sei.
Ele a estudou antes de olhar novamente em seus olhos.
— A echarpe é muito bonita. Mas duvido que vento algum possa
atrapalhar de alguma forma sua beleza.
Acacia arregalou os olhos. Antes que pudesse pensar em uma resposta, a
aeronave parou.
Nicholas olhou para a janela por cima do ombro de Acacia.
— Só para lembrar, Constantine é um parceiro de negócios, não um
amigo. Ele me conhece como Pierre Breckman.
Acacia assentiu. Tinham estudado todos os detalhes logo depois da
decolagem. Nicholas entregara a ela um passaporte suíço criado recentemente
em nome de Andarta Silva.
— Globalização — ele comentou com uma piscada. — Você faz parte de
uma nova onda brasileira de imigração para a Suíça.
Acacia esperava não esquecer seu novo nome.
Sentiu sua pele se aquecer enquanto repetia mentalmente o elogio de
Nicholas. A pele era mais escura que as das mulheres nórdicas que ele parecia
preferir. Acacia deixou de lado os pensamentos impróprios. Nicholas era seu
amigo e seu empregador.
Ela ligou o celular e leu as mensagens que tinha mandado e recebido de
Kate. Conforme prometido, o empreiteiro e sua equipe começaram a trabalhar
no apartamento. Madame Cassirer tinha entrado em contato com um designer
em Paris que punha em prática o projeto que ela e Acacia haviam aprovado.
Kate a manteve atualizada, inclusive com as mensagens:

Cacete. Não tinha percebido o tamanho do estrago.

Eu sinto muito por você…


Claude mandou um MIAU, acho que isso significa que ele está com saudade.

Luc está te procurando.

— Andarta? — Nicholas chamou. Rick estava em pé ao lado da porta


aberta, esperando.
Ela guardou o telefone na bolsa e pegou seus pertences.
Rick saiu do avião antes de todos e avaliou a área antes de autorizar a saída
de Acacia. Ela desceu a escada com Nicholas atrás, próximo.
Os agentes da alfândega grega pareciam se lembrar dele. Apertaram sua
mão antes de veri car o passaporte. Mal olharam para o de Acacia. Logo todos
estavam sentados confortavelmente no Range Rover, se afastando do aeroporto
por estradas sinuosas que levavam à villa.
Nicholas mostrava alguns lugares interessantes quando o telefone de Acacia
tocou. Ela pegou o objeto na bolsa. Era o nome de Luc na tela. Consciente do
olhar de Nicholas, recusou a chamada, que foi desviada para a caixa postal.
— Algum problema? — Sua voz retumbou.
— Nenhum. — Acacia devolveu o telefone à bolsa.
Nicholas a estudou por um longo instante, antes de voltar a olhar para a
paisagem.
As estradas de Santorini eram estreitas e cheias de curvas, desa ando a
largura do Range Rover na subida da encosta. Acacia agarrou o apoio de braço
várias vezes quando carros passavam perto demais.
Finalmente o carro chegou ao topo do penhasco e se aproximou de um
portão fechado. Guardas armados protegiam a entrada e acenaram autorizando
a passagem.
— A villa é construída na lateral do penhasco, com vista para o mar. Só
parte dela é visível. — Nicholas apontou a construção branca de um andar só
diante deles.
O motorista estacionou e, e ciente, abriu a porta para Nicholas, enquanto
Rick ajudava Acacia a descer.
Ela reconheceu Wen quando ele saiu da villa. Mais uma vez, o jovem a
cumprimentou com animação e a revistou em busca de escutas. Depois foi a
vez de Nicholas, dos guarda-costas e do motorista. Felizmente ele não
encontrou nada digno de alarme.
Quando entraram na villa, um trio de empregados da casa os recebeu. Uma
mulher mais velha se adiantou para entregar a Nicholas um bilhete, que ele leu
rapidamente.
— Preciso dar um telefonema. — Ele sorriu para Acacia. — Fique à
vontade; vá nadar um pouco. Encontro você mais tarde.
Acacia assentiu e seguiu o rapaz que carregava sua bagagem para o fundo da
villa.
A construção tinha paredes caiadas de branco e janelas com vista para o
mar. Eles desceram uma escada de metal e passaram por uma piscina de borda
in nita e uma hidromassagem a caminho do quarto de Acacia.
O rapaz deixou a bagagem no closet e depois mostrou o telefone da casa.
Disse que era só discar zero se precisasse de alguma coisa. Em seguida, apontou
para um pedaço de papel onde a senha do Wi-Fi estava anotada.
O quarto a fez pensar em uma caverna. Tinha sido cavado na rocha e
revestido com gesso pintado de branco. Seus pés pisavam em ladrilhos de
assoalho de um tom claro de cinza. Havia uma mesa e uma cadeira, um closet e
uma cama ampla, protegida por um mosquiteiro, além de um banheiro.
Acacia removeu a echarpe e a deixou ao lado do notebook em cima da
mesa. Depois pegou a bolsa e saiu, pensando em conhecer os arredores.
Uma barreira de acrílico transparente separava o deque da piscina do
precipício além dela. Acacia se debruçou sobre a barreira para ver se havia
saliências e pontos de apoio, mas não havia nada. Ninguém podia escalar
aquela parede, exceto um montanhista experiente e bem-equipado. De forma
similar, mesmo que alguém quisesse descer por ali, o único destino seria o mar.
Havia mais três portas em torno da área da piscina, e ela presumiu que
todas levavam a outros quartos. Provavelmente o quarto de Nicholas é o maior, e
Rick e Kurt vão ocupar os outros dois.
Ela subiu a escada e visitou a sala de estar, a sala de jantar e a cozinha. A
sala de jantar se abria para um espaçoso deque superior, protegido do sol por
um grande toldo de lona. O deque tinha uma mesa de jantar já preparada para
uma refeição.
Saindo da cozinha, no m do corredor, ela encontrou uma sala de cinema,
uma biblioteca, uma lavanderia e um grande banheiro com uma sauna
adjacente.
Acacia percebeu que várias janelas do andar superior podiam ser usadas
para fuga, mas ainda era necessário escalar a cerca alta de ferro que margeava a
propriedade. Ela parou na porta da frente, olhando para o portão e observando
os guardas de segurança. Teria de veri car a área depois do anoitecer para ver se
era iluminada.
Ainda carregando a bolsa Chanel, Acacia voltou ao quarto. Tinha seu
passaporte brasileiro, além do passaporte suíço que Nicholas havia
providenciado, e mil euros que havia sacado da conta poupança enquanto fazia
compras em Genebra, além de um novo celular pré-pago que já havia
programado com todos os seus contatos.
Deixar a ilha sem ser vista em caso de emergência não seria fácil. Mas pelo
menos tinha um plano de fuga. Contanto que houvesse um plano, podia
relaxar.
Acacia abriu todas as janelas do quarto e do banheiro, deixando entrar a
brisa da ilha. Depois se sentou na cama e pegou o antigo celular.
A mensagem de Luc era breve e direta.

Caci, cadê você? Por que está ignorando


as minhas mensagens? Liga para mim.

Acacia se reclinou na cama e olhou para o teto branco. Não queria falar
com Luc, e certamente não queria dizer a ele onde estava nem com quem. Mas
se não respondesse, sabia que Luc começaria a investigar, e era exatamente o
que não queria, para o bem tanto dele quanto dela. Era bem possível que quem
removeu a segurança da BRB que a protegia também estivesse vigiando Luc.
Ela suspirou e digitou uma mensagem.

Estou bem. As coisas no hotel ficaram horríveis, e eu


me demiti. Tirei uns dias para visitar amigos. Volto logo.
Um vento leve entrou pela porta e acariciou seu rosto. Acacia esperava que
a mensagem fosse su ciente.

***
Uma hora mais tarde, Acacia relaxava na hidromassagem.
Tinha passado meia hora nadando na piscina, se esforçando até chegar ao
seu limite. Depois havia posto os óculos escuros, retocado o ltro solar e
entrado na hidromassagem aquecida.
A hidromassagem cava perto da barreira de vidro, por onde era possível
ver os penhascos que se estendiam dos dois lados e o mar. Estava tentando
imaginar como seria ver o sol descer lentamente abaixo do horizonte. Devia ser
de tirar o fôlego.
— Achei você. — Nicholas se aproximou por trás. Tinha trocado o terno
preto por uma camisa branca de linho e calça cáqui. Estava descalço, com o
cabelo levemente bagunçado e de óculos modelo aviador.
— Trouxe uma bebida para você. — Nicholas entregou para ela uma taça
de vinho branco. — É de uma vinícola local.
Eles brindaram com suas taças.
— Não está vestido de preto. — Mentalmente, Acacia registrou que as
roupas mais casuais combinavam muito com ele.
— Está calor demais para roupas pretas, e no momento estou com um
humor muito melhor. — E apontou para uma cadeira no deque. — Se
importa se eu car com você?
— Claro que não.
Nicholas largou o corpo na cadeira e quase derrubou a bebida.
— Obrigada. — Acacia bebeu o vinho refrescante.
— Não há de quê. Desculpe pela demora. Constantine nos convidou para
jantar hoje em sua villa em Oia. É o melhor lugar da ilha para ver o pôr do sol.
— Quer que eu vá com você?
Ele franziu o cenho.
— É claro.
Acacia coçou o pescoço.
— Concierges normalmente não frequentam jantares como esses.
— Você é mais que uma concierge, e sabe disso. — Nicholas bebeu um
pouco de vinho. — Como estão as coisas em Paris?
— Tudo bem. — Acacia evitou mais perguntas apontando para a cadeira
que Nicholas tinha virado de costas para o mar. — Está olhando para o lado
errado.
— Gosto assim.
Ela balançou a cabeça.
— Você é surpreendente. Ainda não acredito que protegeu meu gato.
— Você também é surpreendente. — Nicholas baixou a voz. — Já que
vamos jantar fora, mandei os empregados para casa. Os guardas no portão e o
motorista moram aqui, mas são meus funcionários. Acho que devemos manter
nossas outras identidades durante nossa estadia aqui.
— Entendi. — Acacia se aproximou dele, e Nicholas se inclinou para ela.
— Pensei que Silke tivesse chamado muita atenção para essa identidade.
Uma onda de raiva passou pelo rosto de Nicholas.
— Preciso da ajuda de Constantine. Esse é o único modo de pedir.
Nicholas endireitou o corpo e bebeu um grande gole.
— Os empregados da casa voltam amanhã para preparar o café. Minha
equipe avançada já revistou a villa e removeu todos os equipamentos de escuta
e espionagem antes da nossa chegada. A internet foi redirecionada para o nosso
servidor de segurança, o que signi ca que seu e-mail está seguro.
— Encontraram escutas?
— Só quatro, o que é impressionante, e nenhuma no seu quarto.
Acacia deixou a taça de vinho sobre a borda da hidromassagem.
— Quem acha que está por trás disso?
— Constantine.
— Seu contato está te espionando?
— É um jogo comum. Ele me espiona; eu o espiono. Minha equipe
removeu as escutas, mas não as destruiu. Estão passando informações erradas
para Constantine, e deve ser por isso que ele incluiu você no convite para
jantar.
— Não entendi.
— Para todos os efeitos, você não faz parte da equipe. Aqui, você é minha
amante.
Acacia cou imóvel de repente.
— Isso não fazia parte do combinado.
— Não, mas estou pedindo para representar esse papel quando estivermos
em público. — Nicholas tirou os óculos. — Qualquer informação que
Constantine tiver pode ser vendida por um preço. Se as partes interessadas
pensarem que você é minha amante, e nos separarmos, ninguém vai atrás de
você. Se acharem que você faz parte da equipe, podem tentar se aproximar.
Acacia tirou os óculos para poder enxergá-lo melhor.
— Isso não faz sentido.
— Ninguém do meu mundo procurou Silke depois que ela foi embora
com aquele americano — Nicholas argumentou com tom de desdém. — A
amante de Constantine é a an triã do jantar desta noite. Ela é jordaniana.
Talvez vocês duas se deem bem.
— Por que acha que nos daríamos bem?
— Vocês duas falam árabe. Constantine, não.
Demorou um tempo para a tensão desaparecer dos ombros de Acacia. Ela
atravessou a hidromassagem e saiu da água.
Usava um biquíni cor de tangerina que, ela sabia, cava muito bem sobre
sua pele bronzeada. Mas ignorou o olhar de seu empregador.
Enquanto se enxugava com uma toalha, Nicholas se aproximou com um
roupão branco e felpudo.
— Deixe-me te ajudar.
Ela aceitou o roupão, depois virou de frente para ele.
— Pensei que fosse meu amigo.
— Eu sou. — Os olhos escuros brilhavam.
— Está me colocando em uma situação extremamente delicada sem aviso
prévio. Não é assim que amigos se tratam.
Nicholas coçou o queixo.
— Não estou pedindo para você fazer nada ilegal ou escandaloso. Só estou
pedindo para ngir por uma noite. Isso vai amenizar as suspeitas de
Constantine.
— Por que ele descon aria de mim?
— Você é nova no círculo dele. É inteligente e bonita, com um talento para
idiomas. Um olhar treinado pode perceber que pratica artes marciais.
Constantine vai deduzir que é da Interpol.
Acacia riu zombeteiramente.
— Você tem uma imaginação incrível.
— Tenho uma capacidade incrível para recrutar talentos. Meus contatos
sabem disso. Não importa o que vamos dizer, Constantine já está investigando
você. É possível que presuma que é da Interpol mesmo assim. Temos que
despistá-lo.
Acacia xingou em português.
— Ele já está me investigando?
— Sem dúvida nenhuma. Mas não vai encontrar nada, é claro.
Acacia passou a mão no cabelo.
— Você planejou isso?
— Essa reunião com Constantine foi marcada muito antes de eu te
conhecer.
— Sério? E a amante dele?
Nicholas mudou de posição.
— Como assim?
— A amante de Constantine fala árabe. Você me recrutou para que eu
possa conversar com ela?
— Não. Sua fuga de Paris foi uma decisão de última hora para garantir sua
segurança.
Acacia deu um passo à frente sem desviar os olhos dos de Nicholas.
— Não tenho treinamento para espionagem.
— Isso não é totalmente verdade.
— Ficou maluco?
— Qual é o lema do Les Clefs d’Or? Serviço por intermédio da amizade. Por
uma noite, estou pedindo para ser amigável com outra mulher que fala um
idioma que você conhece. Só isso.
Os olhos cor de amêndoa de Acacia cintilaram.
— Não tenho interesse em me tornar sua amante.
— Anotado. — Nicholas respondeu com tom seco. — Permita-me
enfatizar que isso não foi um convite para tal.
— Anotado — ela devolveu.
Nicholas sorriu.
Acacia pôs a mão na cintura.
— Por que está sorrindo?
— Você não tem medo de confronto. Admiro isso.
— Sou brasileira. Somos todos assim.
Nicholas passou a ponta do polegar pelo lábio inferior.
— O Brasil deve ser um país incrível.
Ela ignorou o elogio e amarrou o cinto do roupão um pouco mais forte.
— Quando vamos sair?
— Em uma hora e meia. É tempo su ciente?
— É, sim. Será um jantar formal?
— Não. Vou de calça social e camisa, sem paletó ou gravata. Um vestido
simples resolve.
— Certo. Combinamos que Santorini seria um período de experiência.
Como sua amiga, preciso avisar: se me colocar em uma situação como essa de
novo, vou ser obrigada a me demitir.
Acacia tentou passar por ele, mas Nicholas segurou seu braço.
Ela olhou para um rosto em con ito. Os lábios de Nicholas estavam
apertados, como se estivesse bravo. Os olhos transmitiam outra coisa
completamente diferente.
— Reconheço que quando soube que você falava árabe, tive esperança de
que pudesse descobrir mais sobre a amante de Constantine. — Ele aproximou
seu rosto do dela. — Não tinha percebido…
Nicholas soltou seu braço e abaixou as mãos.
— Peço desculpas. Agradeço por sua ajuda, como sempre.
Acacia caminhou rapidamente rumo ao quarto e fechou a porta atrás de si.
— Senhoras, se nos der licença. — Constantine falou com as mulheres em
inglês, que era o idioma da conversa naquela noite. Ele empurrou a cadeira
para longe da mesa de jantar.
Era um homem bonito, de quase sessenta anos. O cabelo escuro, grisalho
nas têmporas, tocava os ombros. Os olhos azuis cintilavam, inteligentes, e o
rosto bronzeado exibia uma barba de um dia.
Como Nicholas, Constantine usava uma camisa de cor clara e calça escura.
Mesmo com roupas casuais, ele se movia e falava com autoridade.
Ele parou atrás da cadeira de Yasmin e a puxou para trás, depois segurou a
mão dela enquanto a mulher se equilibrava sobre os saltos muito altos.
— Apreciem o pôr do sol. Vou mandar o eo trazer champanhe.
Yasmin sorriu e o beijou, enlaçando seu pescoço com os braços. Acacia
desviou o olhar da demonstração de intimidade, enquanto Nicholas puxava sua
cadeira e a ajudava a se levantar.
— Andy — ele murmurou o novo apelido, levando a mão dela aos lábios.
Não interrompeu o contato visual enquanto beijava a palma e a parte interna
do pulso. — Nos vemos em breve.
Pelo canto do olho, viu Yasmin e Constantine os observando.
Acacia tocou o rosto de Nicholas e afagou a área embaixo da cicatriz.
— Não demora muito.
Nicholas a enlaçou pela cintura e acariciou a pele exposta em suas costas
com a ponta dos dedos. Os nervos de Acacia ganharam vida sob esse toque, e
ela se arrepiou, os olhos xos nos lábios dele. Queria beijá-lo.
Nicholas provavelmente percebeu sua reação. Aproximou a boca de sua
orelha.
— Em breve.
Nicholas se afastou com os olhos escuros brilhando.
Um pouco corada, Acacia seguiu Yasmin.
Acacia usava um vestido frente única cor de anil cujo comprimento era
acima do joelho. O salto alto não teria feito diferença em relação à altura de
Nicholas, mas ela preferiu sandálias prateadas em estilo gladiadora, amarradas
até os joelhos.
Yasmin a levou ao terraço logo abaixo da sala de jantar, de onde podiam ver
o mar e o sol poente.
— Há quanto tempo está com ele? — Ela se recostou nas almofadas de
uma cadeira confortável, o vestido dourado se espalhou à sua volta como o
manto de uma rainha.
— Não muito. — Acacia sentou-se diante dela e deixou a bolsa ao lado.
Um empregado apareceu com um balde de gelo e champanhe caro. Ele
serviu a bebida antes de voltar à sala de jantar, onde era possível ouvir as vozes
baixas dos dois homens.
— Saúde. — Yasmin ergueu a taça, e Acacia retribuiu o brinde.
Yasmin parecia ser uns dez anos mais nova que Acacia, o que signi ca que
devia ter uns vinte e cinco anos, mais ou menos. Era pequena, com cabelo
longo, preto e liso e olhos grandes. Ela era muito, muito bonita.
— Não se incomoda com a cicatriz?
Assustada, Acacia quase se engasgou. Engoliu o champanhe com pressa.
— Não, por que deveria?
— Ele seria bonito sem ela. Acho que ela dá um ar de perigo, o que é de
certa forma atraente. Homens de Mônaco costumam ser playboys. — E
encarou Acacia com um olhar desa ador.
Acacia encolheu os ombros porque não sabia o que dizer.
— Toda nacionalidade tem seus detalhes — a jovem continuou. — Os
gregos são explosivos, mas sabem relaxar. Diferente dos alemães.
Acacia se preparava para fazer uma pergunta, quando Yasmin respingou
champanhe na roupa.
A mulher xingou em árabe.
Acacia se levantou e pegou o guardanapo da garrafa e entregou a Yasmin.
— Lamento pelo vestido — disse em árabe.
Yasmin a encarou chocada.
— Fala minha língua?
— Sim.
A jovem pegou o guardanapo e secou o vestido, antes de jogá-lo de lado.
— Sente-se, sente-se. Estou cansada de falar em inglês. Constantine não
fala árabe, e eu não falo grego. Você é da Jordânia?
Acacia sentou-se novamente, desviando o rosto, e ajeitou o vestido.
— Sou brasileira. Mas o homem que me ensinou árabe era jordaniano.
— Imaginei. Seu sotaque é jordaniano. É muçulmana?
Acacia piscou algumas vezes.
— Não.
Yasmin apontou para o pingente de hamsá.
— Sei que pessoas não muçulmanas usam o símbolo para atrair sorte, mas
quando vi o seu, quei em dúvida. Por que aprendeu árabe?
— Queria estudar relações internacionais — Acacia mentiu.
— E estudou?
— Sim.
— É tradutora do Pierre? — Yasmin bebeu mais champanhe.
— Não, não me envolvo com o trabalho dele. — Acacia imitou os
movimentos da mulher. — Você traduz para Constantine?
Yasmin riu.
— Nunca. Sou engenheira, e ele também não me deixa fazer nada com
isso. Mas eu me divirto de outras maneiras.
Acacia disfarçou a surpresa.
— Qual engenharia?
— Mecânica. Estudei na Alemanha. — Yasmin relaxou na cadeira e apoiou
a cabeça nas almofadas. — A maior parte das pessoas com quem Constantine
trabalha é muito chata. Todos são empresários. Pierre é legal, é claro. É o único
que não me trata como se eu fosse uma idiota. Ele esteve aqui antes com aquela
suíça. A modelo.
— Sim. — O tom de Acacia se tornou frio. Era inevitável. Falar em Silke a
deixava tensa.
A expressão de Yasmin mostrou certa curiosidade.
— Ele te trata bem?
— Muito. — Acacia sorriu.
— Quando passar para o próximo, evite os russos. — Ela esvaziou a taça e
se levantou para pegar mais champanhe. — Vamos encher a cara. Os homens
podem conversar por horas.
Ela encheu a taça de Acacia e devolveu a garrafa ao balde.
Acacia olhou para o champanhe. Não tinha nenhuma intenção de car
bêbada. Mas talvez pudesse distrair Yasmin a convencendo a falar sobre si.
— Se incomoda se eu te perguntar qual é o problema com os russos? Não
conheci nenhum até hoje, mas pre ro estar preparada.
Yasmin a encarou atentamente. Depois olhou para cima, para a sala de
jantar, onde estavam Pierre e Constantine. Eles estavam imersos em uma
conversa e bebiam o que pareceu ser uísque; Constantine fumava um charuto.
— Odeio quando ele faz isso. — Yasmin franziu o nariz. — O cheiro ca
impregnado nele. E mais tarde vai car impregnado em mim.
Ela voltou à cadeira e bebeu um grande gole de champanhe.
— Eu estava com um russo antes de Constantine. Ele sabe, mas não
falamos sobre isso.
Acacia olhou para os homens na varanda da sala de jantar.
— O russo te tratou mal?
— Digamos que sim. É claro, eu não sabia no que estava me metendo.
Conheci esse homem em uma boate em Frankfurt. — Yasmin olhou para o
pôr do sol.
Acacia cou em silêncio, tentando decidir o que dizer.
— Ele era um ignorante — comentou Yasmin. — Ganhou muito dinheiro
rápido demais. Sem cultura, sem classe. Era como viver com um bárbaro.
Acacia soltou um breve gemido para demonstrar solidariedade.
— Eu estava com ele, e ele me levava para passear. Comprava presentes.
Convidou-me para ir à casa dele na Rússia, e eu fui. E quei presa na casa dele,
fora de Moscou, no meio do inverno. Tinha muitas coisas lá, coisas valiosas
escondidas em uma sala secreta. Ele não deixava ninguém ver os objetos, nem
mesmo eu podia… bem, não de propósito. Tinha um ovo Fabergé. Sabe o que
é isso?
— Sim, mas só vi em fotos. São muito raros.
— Exatamente. É um ovo pequeno, lindo. Feito de ouro, com um grande
diamante. Ficava em um pedestal. Mas em vez de exibi-lo, ele o mantinha em
uma sala forti cada, perto de um par de presas de elefante.
— Presas de elefante?
— Sim. — Yasmin riu. — Dá para acreditar? Aquelas presas de mar m iam
do chão até quase o teto, e ali perto cava o ovo Fabergé. Ele não tinha noção
de estilo, nem ideia de como exibir obras de arte. Não sei nem se tinha noção
do que possuía. — Ela passou a mão sobre os olhos. — Do outro lado das
presas havia um desenho de uma garotinha se deixando pentear. E havia todos
os tipos de artefatos naquela sala, ele ia jogando tudo lá dentro, como alguém
que acumula bugigangas.
— Por que ele não expunha os objetos?
Yasmin levantou as mãos.
— Exatamente. Ele era dono de uma casa grande e moderna, com
decoração cara. Quando saíamos, gastava dinheiro como se fosse um rei. Mas
mantinha todos aqueles tesouros escondidos. Descobri a sala por engano um
dia, quando estava naquela parte da casa, ele havia deixado a porta aberta. O
babaca me arrancou de lá pelo cabelo e me puniu por isso.
Acacia respirou fundo.
— Sinto muito.
— Foi quando eu soube que tinha que sair de lá. Gosto de sexo, gosto de
festas, mas não admito agressão. Pena que demorei alguns meses para me
afastar dele.
— Ele não deixou você sair?
Yasmin encarou Acacia.
— Você sabe como é.
Acacia assentiu como se soubesse.
— Fui ganhando tempo, economizando todo dinheiro que conseguia pegar
e construí uma escada improvisada para poder sair pela janela do quarto.
— Não está falando sério.
— Estou. — Yasmin parecia triunfante. — Sou engenheira, sei construir
coisas. Subornei um dos empregados da cozinha para me tirar da propriedade e
me levar para Moscou. Depois saí do país. Tive sorte. Ouvi histórias sobre
outras garotas que foram pegas tentando fugir. — Ela bebeu mais champanhe.
— Ficou com medo de ele vir atrás de você?
— É claro. Por isso fui para a embaixada da Jordânia. Guardei segredo
sobre o que aconteceu, disse que era turista e tinha perdido o passaporte.
Quando voltei a Frankfurt, me envolvi com Constantine. Contei sobre o russo,
e ele prometeu me proteger. Desde então, estou com ele.
— Que bom que cou bem.
— Sim, estou bem. — Yasmin apontou a garrafa. — Vamos acabar com
essa e pedir outra.

***
Acacia sabia muito bem que não devia beber no mesmo ritmo que Yasmin.
E foi por isso que, no m da noite, quando ela e Nicholas voltaram à villa,
ainda estava sóbria.
Um agente de segurança que ela não conhecia os revistou em busca de
escutas, mas não encontrou nada. Acacia compreendeu que o mundo que
Nicholas habitava era totalmente desprovido de con ança.
Nicholas agradeceu por sua companhia no jantar, mas estava distante
quando a acompanhou até o quarto. Não perguntou sobre sua conversa com
Yasmin. Apenas desejou uma boa noite e se afastou sem olhar para trás.
Acacia deduziu que o encontro com Constantine não havia acontecido
conforme o planejado. Nicholas cou em silêncio durante todo o trajeto de
volta, quase carrancudo. Talvez a viagem toda tivesse sido inútil.
Ela tirou a maquiagem e se preparava para tomar uma ducha, quando o
estômago roncou. A ideia de um lanchinho noturno a fez pensar em ovos, que
a fez lembrar do Fabergé, o que a fez pensar na conversa com Yasmin.
O amante russo de Yasmin era um colecionador. Mas parecia colecionar
objetos, em vez de obras de arte, com exceção do desenho mencionado por ela,
uma menininha sendo penteada.
Algo na descrição cou na cabeça de Acacia.
Ela abriu o notebook e clicou em uma imagem salva, A família Mante, de
Degas. O desenho em pastel mostrava três mulheres, inclusive uma jovem
bailarina cujo cabelo era arrumado pela mãe.
Acacia fechou os olhos e reviu mentalmente a conversa daquela noite.
Yasmin descreveu a coleção do amante como um amontoado aleatório de
objetos escondidos em uma sala secreta. Mencionou um ovo Fabergé, presas de
elefante e um desenho de uma menina cujo cabelo era penteado.
Acacia tentou pensar em outro desenho famoso que se assemelhasse à
descrição de Yasmin. Não se lembrou de nenhum.
Seguindo um impulso, acessou um banco de dados online que usava na
Sorbonne acerca de objetos de arte e digitou “cabelo” na barra de busca. Filtrou
os resultados, excluindo esculturas e entalhes. Restaram alguns trabalhos, mas a
maioria retratava mulheres, não meninas. Uma pintura de Haia retratava uma
menina sendo penteada, mas de acordo com o site a pintura não estava
desaparecida.
Acacia batucou com os dedos na mesa. Devia ser coincidência. O desenho
que Yasmin descreveu podia ter sido feito por qualquer pessoa, inclusive um
amigo ou parente do russo, o que explicaria por que ele não aparecia no banco
de dados.
A irmã de Nicholas foi assassinada por causa de um desenho semelhante, e
o caso ainda não tinha sido solucionado. Com certeza, Nicholas merecia todas
as informações relativas às obras de arte, mesmo que fossem apenas
coincidências.
Acacia fechou o notebook e respirou fundo. Nicholas não estava muito
feliz. Apesar de ter mantido as aparências durante o jantar, era evidente que
estava aborrecido com alguma coisa. Não gostava da ideia de visitar a toca do
leão, mas sentia que tinha o dever moral de contar a ele o que havia
descoberto.
Estava escuro, e a luz brilhava alta no céu limpo. Via o re exo dela no mar
lá embaixo e na superfície da piscina. Um sopro de ar fez seus cabelos
dançarem, o que a fez acariciar sua pele.
Ainda com a roupa que usara no jantar, Acacia contornou a piscina e foi até
o quarto de Nicholas. Bateu na porta.
Um momento depois ele apareceu com a camisa branca desabotoada, fora
da calça, e descalço. Acacia não pôde evitar e olhou para a calça. Parecia ter
sido vestida há pouco. O zíper estava fechado, mas o botão do cós permanecia
aberto.
Acacia sentiu a boca car seca.
Nicholas apoiou a mão no batente.
— Posso te ajudar em algo?
— Sim — ela respondeu. — Ou melhor, não. — Acacia franziu o cenho.
— Na verdade, vim porque posso te ajudar.
— Adoraria uma ajuda — Nicholas provocou.
A expressão de Acacia endureceu mais ainda.
Ele se afastou do batente.
— Entre. Gostaria de uma bebida?
— Não, obrigada. Já bebi demais.
Ele riu e se dirigiu ao bar perto da parede. Encheu um copo com água
tônica e acrescentou uma fatia de limão.
— O jantar estava delicioso, não acha?
— Yasmin me contou uma coisa que você precisa saber.
Nicholas a encarou rapidamente.
— O que ela disse?
Acacia ncou as unhas nas palmas das mãos, repentinamente nervosa.
— Você estava certo; ela estava ansiosa por ter alguém com quem
conversar. Falamos em árabe, e ela me contou sobre o ex-namorado, um russo.
Nicholas deixou o copo sobre o bar, subitamente alerta.
— Prossiga.
— Ela não falou o nome desse homem, só contou que ele é dono de uma
propriedade nos arredores de Moscou. Yasmin disse que o homem é um novo
rico que enriqueceu depressa. Ele coleciona coisas, mas ela o chamou de
ignorante e disse que o homem não tem nem ideia do que possui.
— E ela tem? — Seu tom era ríspido.
— Não exatamente. Ele tem uma sala secreta na propriedade onde guarda
tudo. Ela só viu esse lugar uma vez, mas descreveu um ovo Fabergé, um par de
presas de elefante e uma obra de arte.
— Acacia, os falsários formam uma legião no mundo da arte. É muito fácil
o nouveau riche ter sido enganado ou ngir ter um original só para
impressionar.
Ela cruzou os braços.
— Ele não estava tentando impressionar; Yasmin já morava com ele. Os
objetos eram mantidos em um local secreto, escondidos até dela. Mas não é
por isso que estou aqui. Ela contou que havia um desenho de uma garotinha
sendo penteada.
Nicholas permaneceu em silêncio.
Quando ele não disse nada, Acacia cou agitada.
— Não me ocorreu perguntar sobre a obra. Só mais tarde pensei que ela
pode ter visto seu Degas. Mas fui atrás de um bando de dados de obras de arte,
busquei imagens de uma menina sendo penteada. A única obra que encontrei
foi a que roubaram de vocês.
A expressão de Nicholas enrijeceu.
— Acha que o russo a tem?
— Não sei. Yasmin não disse que a menina era uma bailarina, então talvez
seja uma obra de outro artista. Mas se o namorado dela era um colecionador, é
possível que os objetos na sala protegida sejam autênticos. É possível que ele
tenha sua obra de arte.
— Ela não mencionou o nome dele?
— Não. Disse que ele a castigou quando a encontrou em sua sala secreta.
Ela fugiu de lá pulando uma janela.
Nicholas exalou.
— É uma história e tanto.
— Achei que você devia saber dela.
— Ela pode ter mentido.
— Certamente. Mas disse que Constantine sabe que ela fugiu do russo e
que prometeu protegê-la.
Nicholas coçou o queixo.
— Ele falou alguma coisa sobre ela ter um passado conturbado.
— Yasmin é jordaniana, engenheira e trabalhou em Frankfurt. Parece que
os problemas dela começaram com o russo.
Nicholas cobriu o rosto com as mãos.
Acacia viu os ombros do homem tremendo.
Ela tocou seu braço.
— Sinto muito. Não queria te aborrecer. Só estava tentando ajudar.
Nicholas jogou a cabeça para trás e rugiu para o teto. Depois a tomou nos
braços e girou pelo quarto, gargalhando.
— Sabia que você ia me trazer sorte! Eu sabia!
Ela arquejou e se agarrou aos ombros dele.
— O que foi que eu z?
Ele parou de girar e a segurou contra o peito, ainda a mantendo no ar.
— Estive investigando o roubo de todos os ângulos. Empregados,
compradores, a obra. Sei que os funcionários eram da Bósnia, mas não sei
quem era o comprador. Como os objetos estão ligados a um assassinato, todas
as minhas pistas se esgotavam rapidamente.
Ele pôs Acacia no chão, mas a manteve entre os braços.
— Há alguns anos ouvi falar de um colecionador russo com um gosto
indiscriminado que estava comprando artefatos. Não consegui descobrir a
identidade.
— Você já sabia sobre esse homem?
— Não sei se o colecionador sobre o qual ouvi falar é o russo de Yasmin.
Tem muito dinheiro circulando na Rússia, boa parte oriundo do mercado
ilegal. O homem de quem ouvi falar é um dos mais importantes e poderosos
de lá. Esperava que minha reunião em Paris me trouxesse pistas que me
levassem ao seu paradeiro. E então Marcel foi atacado.
— O russo ordenou o ataque contra Marcel?
— Não o russo, o comerciante que eu encontraria. Ele tem negócios na
Rússia. Mas a descrição de Yasmin e suas conexões podem me levar ao homem
que estou procurando.
Ele girou Acacia de novo, sorrindo com entusiasmo.
Quando Nicholas parou, ela estava quase sem ar. E continuava em seus
braços, com os pés pairando sobre o chão.
Os olhos dele buscaram os dela. Nicholas se aproximou mais um pouco,
inclinou a cabeça.
— Acacia — murmurou.
Ela sentia o hálito de Nicholas em seu rosto.
Ele afrouxou um pouco o abraço, e ela escorregou por seu peito. Mas
mesmo quando ela pôs os pés no chão, Nicholas não a soltou.
As mãos descansavam no peito dele, a abertura da camisa revelava um físico
esculpido salpicado de pelos escuros. Sentia o cheiro da colônia, e além dela, o
aroma limpo de sabonete.
A mão esquerda de Nicholas deslizou por suas costas expostas até onde
começava a saia. Então ele exionou os dedos, e Acacia sentiu o calor do
contato subindo pela coluna.
Com a outra mão, ele afastou o cabelo de seu rosto.
— Não tive chance de dizer como você estava bonita esta noite.
Constrangida, Acacia quis desviar o olhar, mas não conseguia.
As sobrancelhas escuras de Nicholas se uniram.
— Você é muito mais que um rostinho bonito. Mas não posso elogiar sua
beleza?
Acacia não respondeu.
Nicholas segurou seu rosto.
— Você encantou Constantine e Yasmin. Seu charme é o motivo pela qual
ela con ou em você.
— Às vezes, a pessoa só quer falar a língua materna com alguém que a
entenda.
Ele sorriu.
— Acho que vai além da sua facilidade com o árabe. É você.
Acacia apoiou o rosto na mão dele.
— Acacia, existe muita corrupção no meu mundo. Mentiras, traição,
crueldade. Você não sabe como é bom estar com alguém verdadeiro e honrado.
Ela riu baixinho. Não conseguia evitar. Há muito tempo não ouvia elogios
como esse. Estava sem prática.
— Gosto de ouvir sua risada. — Nicholas a puxou contra o peito. — E
esses olhos… Um homem pode se perder em olhos como esses.
Ele abaixou a boca até quase tocar a dela. Acacia fechou os olhos.
Houve uma pausa, que pareceu se estender por uma eternidade. Então algo
quente tocou seu rosto.
Nicholas repetiu o beijo do outro lado, depois a soltou.
Confusa, Acacia abriu os olhos.
Ele tinha se afastado o su ciente para car fora de seu alcance.
— Boa noite, Acacia — disse, sério. — Durma bem.
Ela cou parada, olhando para Nicholas sem entender o que havia
acontecido.
Os olhos de Nicholas estavam inexpressivos.
Uma onda de constrangimento a invadiu, e ela saiu apressada, seu vestido
azul ondulando enquanto corria rumo ao seu quarto.
Isto não é viável.
Era uma bobagem, na verdade. De vez em quando, uma palavra ou frase se
instalava em sua cabeça, como o refrão de uma música irritante.
O que aconteceu com Nicholas na noite anterior não era viável, por isso
Acacia estava escrevendo sua carta de demissão.
A porta e as janelas do quarto que parecia uma caverna estavam abertas, e o
sol radiante invadia o espaço. Uma hora antes, um dos empregados havia
trazido uma bandeja de café da manhã. Ela estava sobre o apoio ao lado da
porta, quase vazia. Tinha sido um banquete: café, iogurte fresco com mel,
frutas, pão e queijo. Acacia acordou faminta e foi saciar a fome ao lado da
piscina.
Naquela manhã, viu Rick e Kurt, mas a porta do quarto de Nicholas
continuava fechada. Ela imaginou que ele devia estar dormindo ainda.
Acacia releu a carta de demissão e a anexou a um e-mail que deixou no
rascunho para madame Bishop, com uma cópia oculta para Nicholas. Mas não
clicou em enviar. Ainda não.
Sentia-se atraída por Nicholas; não tinha motivo para negar. Ele era bonito,
inteligente e charmoso, mas havia muito mais do que isso. Sua devoção à irmã
e à memória dela revelavam uma nobreza de alma que Acacia admirava.
Também gostava dos pais dele, e apreciava a hospitalidade e gentileza com que
a trataram.
Ela quis que Nicholas a beijasse, cou muito desapontada quando ele
escolheu beijar seu rosto. Mas Nicholas era seu chefe. Não havia nenhum
pro ssionalismo em se envolver com um superior, por isso se sentia impelida a
pedir demissão. Voltaria a Paris e torceria para madame Bishop encontrar outro
emprego para ela como assistente executiva. As esperanças de encontrar outra
posição de concierge teriam de ser postas de lado, pelo menos por ora.
Acacia se perguntou se a amizade com Nicholas sobreviveria à demissão.
Sentiu um breve incômodo, mas era um incômodo que nem deveria sentir.
Talvez Nicholas se sentisse atraído por ela. Talvez não. Ele havia se emocionado
com a possibilidade de localizar o Degas roubado. Provavelmente a emoção se
traduziu em um momentâneo lapso de julgamento. Ele continuaria a busca
pelas obras de arte da família, e ela iria para casa.
Acacia veri cou seu saldo no banco e se sentiu aliviada ao constatar que o
Victoire continuava depositando seu salário como haviam prometido. Ela
transferiu a quantia mensal regular para a conta da mãe no Brasil e mandou
um e-mail breve con rmando a transação.
Sua mãe devia ter percebido que Acacia a estava evitando. Ela não retornava
as ligações da mãe nem havia contado que não estava em Paris. Explicaria tudo
mais tarde, quando tivesse mais privacidade.
Estava no meio de uma mensagem para Kate quando alguém bateu na
porta aberta. Ela levantou a cabeça e viu Nicholas parado do lado de fora.
— Bom dia. — Seu tom era caloroso, mas os olhos o traíam demonstrando
cansaço. — Dormiu bem?
Acacia fechou o notebook.
— Sim, e você?
— O razoável, creio eu. — Nicholas tirou o cabelo da frente do rosto.
Depois olhou para a bandeja vazia. — Já tomou café.
Acacia assentiu, ainda segurando o telefone.
A atenção dele se desviou para o celular por um momento.
— Passe o dia comigo.
Acacia o encarou, surpresa.
— Perdão?
Ele entrou no quarto.
— Só vamos embora amanhã. Vamos à praia.
— Por quê?
Nicholas recuou como se tivesse sido ferido por Acacia.
Acacia cou vermelha.
— Peço desculpas. Isso foi grosseiro. Nicholas, decidi me demitir do
emprego que me ofereceu.
A expressão dele endureceu.
— Se é o que deseja…
— Acho que é o melhor a ser feito.
Nicholas cou em silêncio um momento.
— Já que está se demitindo, agora posso apreciar sua companhia.
— Como amigo? — Acacia perguntou com seriedade.
— É isso que você quer? — O tom era desa ador.
— Parece que você não consegue decidir o que deseja que eu seja.
Nicholas se aproximou um passo.
— Ah, eu já me decidi.
Acacia deixou o celular em cima da mesa e mudou de assunto.
— Conseguiu descobrir mais alguma coisa na agenda de Marcel?
— Na agenda, não.
— Em alguma outra fonte?
— Consegui descobrir o nome do homem que eu deveria ter encontrado
em Paris. Minha equipe rastreou um dos seus agressores, e ele nos levou a um
parisiense que negocia arte e que tem um monte de negócios na Rússia.
Infelizmente não posso con rmar com Marcel a identidade desse negociante.
Portanto, não posso con rmar se o homem que mandou te atacar é o mesmo
por trás do ataque a Marcel.
— Marcel continua inconsciente?
— Não. Ele morreu.
Acacia deixou escapar um gemido horrorizado.
Nicholas se aproximou mais.
— Lamento te dar essa notícia. Ele morreu ontem em consequência dos
ferimentos.
— Eles o mataram. Bateram tanto nele, que o mataram.
— Sim, sinto muito. — Nicholas tocou seu ombro. — Deseja algo para
beber? Um copo de água?
— Não. Pode informar o nome desse negociante para a BRB?
Nicholas deu um breve aperto em seu ombro e se afastou.
— Considerando que a BRB falhou quando deveria ter protegido você, não
estou muito con ante neles. Vou passar o nome para o Ministro do Interior,
mas vou avisar que alguns agentes dele na BRB podem estar comprometidos.
Acacia olhou para Nicholas.
— Esse homem não deveria escapar impune dessa.
— Não vai — Nicholas respondeu com rmeza. — Minha equipe já está
investigando os contatos do intermediário russo. Vamos comparar esses nomes
com a descrição de Yasmin e veri car se tem alguma sobreposição. Ao mesmo
tempo, vou procurar Constantine para ver se ele pode me colocar em contato
com alguém que tenha feito negócios com o ex-namorado de Yasmin.
— Pensei que a reunião com Constantine não tivesse sido boa.
— De onde tirou essa ideia?
— Você não parecia satisfeito ontem à noite. Não disse nada no carro no
caminho de volta.
— Minha cabeça estava cheia com… outros pensamentos.
Acacia lhe direcionou um olhar descon ado.
Nicholas pigarreou.
— Além disso, o contato que Constantine me forneceu ontem à noite não
vai me facilitar o caminho rumo ao meu objetivo.
— Yasmin tem medo do russo, e Constantine odeia o homem, eu imagino.
Por que não pergunta o nome dele?
— Lembre-se que Constantine me conhece como Pierre Breckman. Não
posso contar para ele que estou procurando as obras da família Cassirer. Além
do mais, nomes raramente são fornecidos.
— E se o russo for o homem que você está procurando?
— Nesse caso, vou ter que procurar outro jeito de descobrir sua identidade.
Mas Constantine pode decidir me pôr em contato com alguém que já fez
negócios com o ex de Yasmin. Assim, ele se mantém distante.
Nicholas olhou para Acacia com ar curioso.
— Não precisamos ir à praia. Tem uma galeria de arte que eu gostaria de
mostrar para você. Ou vamos à praia de manhã e visitamos a galeria depois do
almoço.
Ela massageou a testa.
— É claro que gosto de companhia, Nicholas. Mas o que seus outros
funcionários vão pensar?
Ele franziu o cenho.
— Não estou te convidando para nada absurdo. Por favor, não me culpe
por me sentir atraído por você. Isso é tão errado assim?
A voz de Nicholas e a expressão em seu rosto eram envolventes. Acacia teve
de conter a empolgação provocada pela con ssão. Talvez ele realmente quisesse
beijá-la na noite anterior.
Queria saber o que o havia impedido. Talvez, como ela, Nicholas tivesse
consciência do risco que se corria ao se cruzar uma linha de nida.
— Preciso de alguns minutos para trocar de roupa e arrumar a bolsa.
— Ótimo. Vamos de carro à Praia Vermelha, perto de Akrotiri. Ficamos
por quanto tempo você quiser, depois almoçamos e vamos visitar a galeria. —
Nicholas fez uma leve reverência. — Leve roupas para mais tarde, à noite. Vou
levar você para jantar em um restaurante nos penhascos.
Enquanto o observava se afastando, Acacia tentava analisar seus
sentimentos. Eram completamente con ituosos.

***
— Por que não vamos no Range Rover? — Acacia parou perto de um jipe
aberto em cima e nas laterais.
Nicholas usava óculos escuros, camisa de linho e calça cáqui.
— Achei que seria divertido ir com o jipe. — Ele olhou para trás. — Rick e
Kurt virão conosco.
Acacia também olhou para trás. O veículo prateado estava parado atrás
deles, pronto para partir. Acacia franziu a testa.
— Lamento. — Ele observava sua reação. — Não posso viajar sem eles.
— Depois do que aconteceu com Marcel, eu não te culpo por isso. Mas me
sinto constrangida com eles por perto.
— Vai se acostumar com eles. Eu pago uma quantidade tremenda de
dinheiro para que protejam o que valorizo. — E a encarou com uma expressão
repleta de signi cados antes de ajudá-la a entrar no jipe.
Nicholas caminhou até o banco do motorista, se acomodou ao volante e
dirigiu além dos portões rumo à estrada. Acacia pegou uma echarpe na bolsa e
a colocou sobre o cabelo. A risada de Nicholas chamou sua atenção. Ela o
olhou de canto de olho.
— Devia ser crime car tão atraente com um lenço na cabeça —
comentou. Ele encostou o cotovelo no dela ao mudar a marcha.
— Você não precisa se preocupar com cabelo. — Acacia o analisou por trás
dos óculos de sol. — O meu caria uma bagunça com todo esse vento.
— Não gosta do meu cabelo? — Nicholas o afastou da frente da testa.
Ela sorriu.
— Vaidade, teu nome é Nicholas.
— Estou longe de ser vaidoso. — Seu tom cou sério. — Como poderia
ser?
Algo em como Nicholas fez o comentário exigia uma resposta. Acacia
olhava para o lado de seu rosto enquanto falava.
— Como sua amiga, sugiro que não se preocupe com essas coisas. As
pessoas que valem a pena, as boas pessoas, vão se lembrar de suas palavras e
atitudes e de como as tratou. Com o tempo, é isso que forma nossa impressão
de beleza ou atração, não só a aparência.
Um músculo se contraiu em sua mandíbula.
— Você realmente acredita nisso?
— Sim. — Acacia se virou no banco para poder encará-lo, embora
Nicholas mantivesse os olhos na estrada. Na maior parte do tempo, pelo
menos. — Muitos hóspedes atraentes e poderosos passaram pelo Victoire. Não
sei nem dizer quão rápido o que eu achava deles mudou quando alguém foi
grosseiro ou condescendente.
— E se a pessoa pedisse desculpas e se mostrasse arrependida?
Acacia olhou para a estrada de novo. Era extremamente acidentada, e ela
precisava se segurar para não balançar muito.
— Se o pedido de desculpas fosse sincero, eu estaria inclinada a perdoar,
desde que o mau comportamento não se repetisse.
Nicholas cou em silêncio.
Acacia se sentiu induzida a romper o silêncio mais uma vez.
— Fiz coisas das quais me arrependo. Espero não ser culpada eternamente
por elas. Pensando nisso, tento ser um pouco tolerante com quem comete
erros.
— É muito bom saber disso — Nicholas respondeu.
O cotovelo de Nicholas novamente resvalou no dela, e Acacia não
conseguiu concluir se foi intencional ou não.
Ela segurou a bainha do vestido curto rosa.
— Descon o de gente que dá muita importância à aparência de alguém.
Em alguns anos farei quarenta. Sei que não terei esta aparência para sempre. As
pessoas que são importantes para mim valorizam quem eu realmente sou, não
como eu pareço ser.
Nicholas soltou o câmbio e segurou a mão de Acacia. Em seguida, a levou
aos lábios e beijou.
— Eu tenho quase quarenta. É só um número.
Ela mudou de assunto.
— Queria agradecer de novo por ter me defendido da mulher de Lyon.
Nicholas soltou a mão de Acacia para poder mudar de marcha.
— Ela foi detestável.
— Nem todo mundo gosta de brasileiros — Acacia comentou.
— Obviamente algumas pessoas não têm bom gosto.
Ela sorriu.
— Foi muito importante você ter me defendido. Quanto mais te conheço,
maior é o signi cado do que fez.
— Que bom. — Nicholas segurou o volante com força. — Você foi muito
paciente com aquela mulher, e comigo também. Controla sua raiva muito
melhor do que eu.
— Anos de prática.
— Lamento por isso. — Seu tom era sincero. — Lamento ter contribuído
para essa prática em Paris. Eu me arrependo muito de como me comportei.
— Está perdoado.
— Obrigado. — Seus olhos encontraram os dela e em seguida voltaram à
estrada. — Por que comprou tão pouco em Genebra? Juliet disse que você foi
contida.
Acacia ngiu estar interessada nas alças do vestido.
— Não queria desperdiçar seu dinheiro.
— Qualquer coisa comprada para seu prazer ou conforto não é um
desperdício. Você cou linda nesse vestido rosa, aliás. Cores vibrantes
combinam com você.
— Obrigada. — Acacia juntou as mãos no colo.
— O que acha de Yasmin e Constantine?
— Não julgo.
— Não estou pedindo uma avaliação moral.
Acacia olhou para as próprias mãos.
— Yasmin é engenheira. Mas tem que car com Constantine porque
precisa da proteção dele.
— Ele se importa com ela.
— Talvez ela se importe com ele. Mas não parecia satisfeita ou apaixonada.
— Acacia ergueu os ombros. — Isso não é da minha conta, mas não é a vida
que eu desejo.
Nicholas cou em silêncio pelo restante do trajeto.

***
Eles estacionaram o jipe no alto de uma encosta e desceram a pé até a praia,
que cava em uma pequena enseada. Altos rochedos vermelhos guardavam a
areia vulcânica e escura que se estendia para a água.
Rick e Kurt os acompanhavam entre os banhistas enquanto buscavam e
encontravam espreguiçadeiras vazias, ao lado de um guarda-sol fechado.
Nicholas se virou e estudou a posição do sol.
— Aqui está bom?
— Sim, está. — Acacia deixou a bolsa e a toalha de praia em uma das
cadeiras.
Um homem se aproximou e cobrou o valor do aluguel das cadeiras.
Nicholas pagou, e o funcionário abriu imediatamente o guarda-sol, ajustando-
o para fornecer somente o mínimo de sombra.
— Querem mais sombra? — O homem se dirigiu a Nicholas em inglês.
Nicholas olhou para Acacia querendo sua opinião.
— Não, pre ro tomar sol. — Ela estendeu a toalha com cuidado na areia.
O homem se afastou para poder atender a outros banhistas, e Rick e Kurt
se sentaram em cadeiras comuns atrás das espreguiçadeiras.
Pelo canto do olho, Acacia viu Nicholas tirar a camisa de linho, revelando o
peito e o abdômen musculosos. Depois foi a vez da calça cáqui, que usava
sobre uma sunga preta que lhe caía muito bem.
Enquanto ele espalhava ltro solar nos braços e no peito, ela tirou o vestido
e ajeitou o biquíni cor de tangerina. Muitas mulheres faziam topless, como era
comum na Grécia, mas ela manteve a parte de cima do biquíni.
Quando olhou para Nicholas, viu que ele tinha abandonado o ltro solar
para olhar para ela.
Acacia abaixou os óculos escuros.
— Algum problema?
— Nenhum. Só estava pensando se você poderia me ajudar. — E mostrou
a embalagem de ltro solar.
— Sente.
Ele se sentou de costas para ela, e Acacia parou atrás dele. Despejou um
pouco da loção na mão e a espalhou sobre seus ombros largos.
Sob seu toque, os músculos caram tensos, depois relaxaram. Era
impossível não notar a boa forma física.
— Sua vez — Nicholas avisou quando pegou a embalagem de volta.
Ele espalhou o ltro solar na pele de Acacia. Seu toque era leve, mas
concentrado. Quando os dedos chegaram à parte inferior de suas costas, ela se
arrepiou.
— Devia ter aquecido antes. Desculpe.
Acacia sentiu o hálito de Nicholas na orelha e o calor do corpo bem perto
do seu.
— Tudo bem.
Ela alisou os ombros de Acacia, em uma última carícia, antes de se sentar
novamente.
Ela agradeceu e voltou à espreguiçadeira, onde se deitou de bruços.
Um celular tocou. Nicholas resmungou um palavrão e pegou o telefone de
uma bolsa que tinha deixado na areia.
Acacia virou o rosto para o lado do homem.
— Não era dia de folga?
— Vou desligar. Vão ter que se virar sem mim por algumas horas. — E
jogou o celular de volta na bolsa. — Você tem toda a minha atenção.
Ela riu.
— Desculpe se te decepciono, mas vou tirar um cochilo. Você e seu amigo
me zeram ir dormir tarde ontem à noite.
— Hoje é você quem manda. — Nicholas pegou um jornal de Paris. — Se
precisar de alguma coisa, Andarta, qualquer coisa, estou aqui.
Ela estranhou o nome, mas se recuperou e retribuiu o sorriso.
A vida de Nicholas não era simples. Acacia se perguntou como ele
conseguia relaxar quando havia tantos perigos.
Mas não podia negar que a praia era tranquila. Logo esqueceu os guarda-
costas e cochilou sob o sol quente. O murmúrio suave das pessoas à sua volta e
o som das ondas lambendo a areia compunham um ritmo relaxante.
Ela teve a impressão de que horas haviam passado quando Nicholas tocou
seu ombro.
— Estou preocupado que você se queime demais, ma chère. Melhor mudar
de posição.
Meio atordoada de sono, Acacia apenas balançou a cabeça. Precisou de um
momento para se sentar na espreguiçadeira.
— Vou entrar na água. Quer me acompanhar? — Nicholas estendeu a
mão.
Acacia deixou os óculos na toalha e segurou a mão dele. O aperto de
Nicholas era rme. Ele afagava sua mão com o polegar enquanto caminhavam
entre os banhistas até o mar.
Quando chegou à água, ele a segurou com ainda mais rmeza. Acacia
hesitou quando as ondas tocaram seus pés. A água era fria em sua pele
aquecida.
Ela olhou para trás e viu que os guarda-costas os seguiram. Quando eles se
aproximaram, Acacia puxou Nicholas para o mar.
A água estava na altura de sua cintura quando Nicholas soltou sua mão. Ele
mergulhou e logo voltou à superfície, limpando a água do rosto.
— Muito melhor.
Gotas escorriam por seu ombro e pelo peito, brilhando ao sol como
pequenas joias. Mais abaixo, elas cintilavam no abdômen de nido e no início
de uma trilha de pelos que desaparecia além do elástico da sunga.
Acacia desviou o olhar e observou a praia cheia e os guarda-costas
próximos, mantendo os pés dentro d’água.
Havia muitas mulheres bonitas, quase todas fazendo topless, bronzeando-se
em espreguiçadeiras ou toalhas. Algumas entravam na água e pareciam sereias
quando emergiam em meio à espuma.
Nicholas permanecia de costas para as sereias, olhando xamente para
Acacia. Essa constatação provocou um novo arrepio em suas costas. Sabia que
era atraente. Sua estatura alongava as curvas, mas os seios e a parte traseira de
seu corpo eram generosos. As pernas eram longas, a cintura era na. Nicholas
parecia gostar de seu biquíni.
De repente, um arco de água veio em sua direção. Acacia gritou quando
sentiu o frio na pele.
Nicholas riu. O lho da mãe tinha jogado água nela.
Sem hesitar, Acacia usou as duas mãos para retribuir.
Nicholas levantou os braços para se defender, mas foi inútil. Com um
rugido, ele avançou, a levantou e girou.
Desorientada, Acacia se agarrou aos ombros largos e riu.
— Você é muito bonita. — Nicholas parou de girar. Estavam frente a
frente, muito próximos. — Já te vi de uniforme de concierge, de biquíni, de
vestido formal e jeans. Não importa o que veste, você sempre me deixa sem
fôlego.
O corpo quente de Nicholas estava colado ao dela, peito com peito. Os
braços a envolviam. Acacia se sentia segura, talvez pela primeira vez em anos.
Os olhos de Nicholas deslizaram até sua boca.
Ele inspirou lentamente, como se estivesse se esforçando, e a pôs em pé.
Depois soltou seus braços.
— Ri mais nos últimos dias do que em muito tempo.
— Fico feliz.
Com a mão molhada, ele afastou o cabelo de Acacia do rosto.
— Posso ser Sísifo, mas você é Eufrosina, a deusa do riso. Ela é uma das
três Graças retratadas na Primavera de Botticelli.
Acanhada, Acacia olhou para a praia.
Nicholas segurou a mão da mulher.
— É melhor voltarmos, antes que Rick e Kurt nos mostrem suas roupas de
banho. Será que eles usam sunguinhas cavadas?
Acacia caiu na gargalhada.

***
— Então você passou a infância no Brasil? — Nicholas serviu mais uma
taça de vinho tinto para Acacia.
Estavam sentados em uma taverna construída dentro do penhasco, com
vista para o mar. A mesa deles cava perto do guarda-corpo e permitia uma
vista excepcional. Mas novamente a atenção de Nicholas era toda de Acacia.
Tinham trocado de roupa para jantar. Acacia usava um vestido lilás na
altura dos joelhos com sandálias cor de bronze de salto alto. Nicholas vestia um
casaco de linho azul-marinho sobre camisa branca e jeans de lavagem escura.
— Morávamos em Recife. Quando não estava estudando, eu tentava passar
o maior tempo possível na praia. — Acacia bebeu um pouco de vinho.
— Aposto que deixava todos os rapazes malucos.
Ela balançou a cabeça.
— Como já comentei, minha mãe era severa.
— Mas seu pai não?
Acacia deixou o copo sobre a mesa para se controlar.
— Ele também era. E seus pais? Eram severos quando você era jovem?
— Não. Você os conheceu, sabe que eles dão muito valor a boas maneiras e
bom comportamento. Fora isso, tínhamos muita liberdade. Talvez demais.
— Estudou em colégio interno?
Nicholas segurou a haste da taça.
— Não, estudei em Genebra e quei em casa até ir para a universidade.
— Qual curso?
— Administração.
— Que surpresa — Acacia provocou. — Pensei que fosse especialista em
história de Lyon e existencialismo francês. Estudou na Universidade de
Zurique?
— Não, na London School of Economics.
Acacia não conseguiu disfarçar o quanto estava impressionada.
— Sempre quis ser empresário?
— Meus pais esperavam que participássemos dos negócios da família. Riva
escolheu ser curadora da galeria. Eu decidi trabalhar em uma das empresas do
meu pai em Londres. Sempre me interessei por história, mas quando era
pequeno, queria ser jogador de tênis.
— Sério?
— Sério. Sabe jogar?
— Um pouco. — Acacia abriu um meio sorriso. — Não seria uma
adversária muito boa.
— Duvido. — Nicholas provou o vinho. — Sempre quis ser concierge?
— Não, queria ser curadora e comandar uma galeria de arte.
Nicholas arregalou os olhos.
— E por que não fez isso?
— Eu trabalhava em um hotel em regime de meio período, e estavam
sempre me oferecendo mais trabalho. Era difícil arrumar emprego no mundo
da arte. No m, acabei cedendo e z algumas aulas de hotelaria.
— Por que não me contou?
— Por que contaria?
— Posso fazer apresentações para você. Sou amigo do diretor do Louvre,
pelo amor de Deus.
Ela cou séria.
— Não quero trabalhar no Louvre porque conheço alguém que é amigo do
diretor.
— Por que não?
— Porque quero merecer esse emprego.
Nicholas olhou para o pôr do sol.
Feri seu orgulho. Acacia esperou que Nicholas a encarasse de novo.
Via o lado esquerdo de seu rosto e aproveitou para estudá-lo, notando que
agora estava acostumada com a cicatriz. Ficou incomodada quando Yasmin a
mencionou, insinuando que era repulsiva. Não era. Era só parte de Nicholas,
como a cicatriz perto de sua têmpora era parte dela. Com o tempo, nem a
notaria mais.
Acacia tocou a mão dele sobre a mesa. Ele a surpreendeu segurando seus
dedos.
E a encarou com ar arrependido.
— Gostaria de mais vinho?
— Não. — Acacia afagou seus dedos. — Não quis parecer ingrata. É muita
bondade sua oferecer, mas não quero nada de você.
— Talvez por isso eu queira te dar tudo.
Acacia arrumou o guardanapo no colo, ainda segurando a mão dele.
Nicholas esperou até que ela levantasse a cabeça.
— Você é a única que nunca quis nada de mim.
Os dois se olharam por um longo instante, depois Nicholas virou o rosto
para o pôr do sol.
Eles mal tinham acabado de jantar quando vários garçons empurraram mesas
vazias para longe da parte central da área de jantar, a m de criar uma pista de
dança. De alto-falantes começou a tocar uma música. Um grupo de homens e
mulheres vestidos com trajes tradicionais surgiu, fez uma reverência e começou
uma dança folclórica de Santorini. Os clientes do restaurante aplaudiram, e
Acacia se virou na cadeira para ter um ângulo melhor de visão.
Ela relanceou na direção de Nicholas. Em vez de observar os dançarinos, ele
a observava.
Quando a primeira música terminou, os artistas se aproximaram dos
clientes e os convidaram para a próxima dança. Acacia dispensou com um
aceno o jovem que veio falar com ela.
—Você deveria ter ido dançar — sugeriu Nicholas.
— Melhor não.
— Por que não? — Nicholas olhou para os pés dela, se movendo contra o
piso. — Você não está conseguindo nem car parada.
— Eu não quero um homem que eu não conheço me tocando.
Nicholas lançou um olhar curioso para Acacia.
— Há uma alternativa.
Acacia olhou para os dançarinos e clientes formando uma la, os braços em
volta dos ombros uns dos outros.
— Eu não consigo dançar com esses sapatos.
— Isso é fácil de se resolver. — Nicholas deixou o guardanapo na mesa e se
agachou na frente de Acacia.
— O que você está fazendo? — ela perguntou.
— Tirando seus sapatos.
Discretamente, Nicholas levantou o pé de Acacia e desamarrou a alça ao
redor de seu tornozelo. Ele tirou a sandália de bronze e a colocou de lado.
Então repetiu o gesto com o outro pé.
Nicholas se levantou e ofereceu a mão a Acacia.
— Vamos.
Ela hesitou, porém a música começou, então decidiu pegar a mão
estendida. Nicholas a conduziu até a la de dançarinos e a posicionou entre ele
e uma dançarina.
Os ombros de Acacia cavam nus em seu vestido em um tom claro de roxo.
Quando Nicholas pousou o braço sobre eles, Acacia sentiu uma lufada de calor.
Em seguida, eles começaram a dançar, espelhando os passos dos pro ssionais
enquanto a música começava lentamente e aumentava o ritmo.
Acacia sabia dançar. Tinha ritmo e gostava de se conectar com a música.
Ela se divertiu ao observar Nicholas, que era mais de uma cabeça mais alto do
que todos os outros, corajosamente tentando erguer as longas pernas para não
errar os passos.
Ela sorriu, deu risadinhas e por m riu até seus olhos lacrimejarem. Foi
muito divertido. Quase todo o restaurante se juntou à celebração. Quando a
dança acabou, Acacia deu um abraço na jovem ao seu lado. Nicholas fez o
mesmo. Então ela ergueu os olhos e o olhou.
Nicholas esteve rindo em vários momentos e sorrindo em outros, mas cou
repentinamente contemplativo.
Acacia olhou para os dedos dos pés pintados com cores vivas.
— Obrigada. Você foi muito compreensivo.
Nicholas entrelaçou os dedos e a levou de volta para a mesa, onde a ajudou
com os sapatos.
— Você quer car um pouco mais?
— Não. — Ela olhou desejosamente para o mar. O sol já havia sumido no
horizonte. — Eu adoraria dar uma caminhada.
— Vou dar um jeito nisso. — Nicholas acenou para um garçom e pagou a
conta rapidamente. — Podemos caminhar ao longo dos penhascos. Há um
caminho para pedestres.
Eles subiram as escadas que levavam ao jipe, enquanto Rick e Kurt os
seguiam de perto. Antes de chegarem ao estacionamento, Nicholas virou à
esquerda.
— Como você chama isso? — Ele fez um gesto vago na direção do vestido
de Acacia.
— O quê? — Ela passou a mão no tecido da saia.
— O material na parte inferior da sua roupa.
Os dois olharam para baixo.
Acacia riu.
— Isso aqui é um babado.
— Eu gostei disso.
— É uma costura feita para ser coquete.
Nicholas ergueu as mãos unidas e beijou os nós dos dedos de Acacia.
— E você é?
— Eu sou o quê?
— Coquete?
— Quando eu quero ser.
Nicholas gemeu, como se a resposta o machucasse.
Eles caminharam lentamente e admiraram as listras em tons de laranja, rosa
e roxo que ainda iluminavam o céu. O vento começou a aumentar e fez com
que os cachos de Acacia voassem em seu rosto. Ela tentou colocá-los atrás das
orelhas sem sucesso até nalmente desistir.
Ao nal de uma escada, Nicholas parou de caminhar e se despiu do casaco
de linho azul-marinho que usara para jantar. Em seguida, cobriu os ombros
nus de Acacia com a peça.
— Pronto. — Ele puxou as lapelas, como se isso fosse oferecer calor
adicional.
Acacia sorriu para ele.
— Você percebeu que eu estava com frio.
— Eu percebo tudo que diz respeito a você. — Nicholas cou de costas
para o mar e segurou a mão dela.
Acacia olhou para a conexão entre as mãos. Era algo pequeno: dedos de um
apertando os dedos do outro. Mas era emocionante, reconfortante e
estranhamente natural, levando em conta quão pouco eles se conheciam. Era
como se suas mãos tivessem se conhecido há muito tempo e estivessem
contentes por estarem reunidas novamente.
— Pelo que você tem mais paixão no mundo? — Ela ergueu o olhar para o
rosto de Nicholas. Ele a observou atentamente.
As mãos de Nicholas a trouxeram para mais perto, ambos encostados
contra a barreira de concreto caiado na lateral do penhasco.
Acacia franziu o cenho.
— Creio que minha pergunta tenha sido íntima demais. Me desculpa.
— Não foi, não — respondeu Nicholas. —Você me surpreendeu. Eu
esperava que me zesse outra pergunta, mas, como sempre, você é
surpreendente. No bom sentido.
— Qual era a pergunta?
Nicholas deu a ela um meio sorriso.
— Se você não cogitou fazê-la, eu deixo para lá. Eu era apaixonado pelo
tênis, pelo meu trabalho, pelo meu círculo de amizades. Receio que todas essas
paixões deram lugar a preocupações familiares. — Seu sorriso desvaneceu.
— Pode me contar mais sobre sua irmã?
— Ela era inteligente e divertida. Apaixonada por arte. Sempre quis ser a
curadora da galeria, desde pequena.
— Ela devia ser muito talentosa.
Uma expressão afetuosa surgiu no rosto de Nicholas.
— Ela era. Eu tinha habilidades com números e resolução de problemas.
Ela tinha habilidades com o que há de belo. Em muitos aspectos, era mais
próxima dos meus pais do que eu sou.
Nicholas exalou lentamente e olhou para Acacia.
— Você acha que se alguém faz algo certo pelos motivos errados a ação
ainda está correta?
— Essa é do tipo de pergunta que você deve fazer para alguém como um
profeta…
— E que tal se a pessoa zer o errado pelos motivos certos? — Seus olhos
estavam focados nos de Acacia.
— Essa pergunta é mais fácil de responder. Acho que é óbvio que ações
erradas são erradas, mesmo se você tiver boas intenções.
— Por quê? — Ele deu um passo à frente.
Acacia respirou fundo.
— Porque a retórica de racistas, terroristas e todos os genocidas sempre usa
a carta das boas intenções. A mulher de Lyon disse amar a França e querer
mantê-la forte. Então ela está determinada a manter os estrangeiros longe. No
con ito de Ruanda, as facções alegaram autoproteção. Então mataram os
homens, mulheres e crianças do outro lado da fronteira.
Acacia balançou a cabeça.
— Talvez o verdadeiro problema do mundo seja o ato de iludir a si mesmo.
As pessoas possuem más intenções e acreditam que são boas.
Nicholas cou em silêncio. Ele a puxou para seu lado e colocou o braço em
volta do ombro de Acacia. Juntos, observaram as cores claras escurecerem e
desaparecerem do céu.
Nicholas dirigiu de volta para a villa, demorando ao descer as estradas
escuras e sinuosas.
Quando chegaram ao destino, ele colocou as mãos na cintura de Acacia e a
ergueu do chão. Ela encostou em seu peito para se rmar.
— Eu preciso fazer alguns telefonemas. — Havia pesar em seu rosto. —
Obrigado por hoje.
— Obrigada. Eu me diverti muito.
Nicholas ergueu a mão para afastar os cachos da frente do rosto de Acacia.
— Você não usou seu lenço no cabelo hoje.
Ela encostou no cabelo rapidamente.
— Está bagunçado?
— Não. Está lindo.
Acacia baixou o olhar.
— Vou devolver seu casaco.
Ela tentou remover a peça, mas Nicholas a impediu.
— Eu pego com você amanhã.
Ele olhou por cima do ombro. Rick e Kurt estavam na porta da villa.
Nicholas soltou um gemido descontente. Ele levou a mão à testa de Acacia,
apenas um leve toque da ponta do polegar, e deu um passo para trás.
— Sinto muito em dizer que eles vão nos averiguar em busca de escutas.
— Tudo bem.
— Boa noite, ma… — Ele cerrou os dentes e não nalizou a frase.
Antes que Acacia pudesse responder, ele se virou e se afastou.
— Boa noite — ela desejou para Nicholas, que já estava de costas.
As coisas haviam mudado.
Passar o dia com Nicholas longe das armadilhas de seu estilo de vida tinha
sido um dos melhores momentos da vida de Acacia. Ele havia sido atencioso e
amigável e, é claro, Acacia estava atraída por Nicholas. Se eles tivessem se
conhecido em circunstâncias diferentes, ela teria cado extremamente tentada a
ver o que poderia acontecer entre os dois. Mas o relacionamento estava fadado
ao insucesso por vários motivos.
Acacia se considerou sortuda por ter tido um dia tão incrível e foi se
preparar para dormir. Ela aproveitou sem pressa o banho e penteou o cabelo.
Vestiu uma camisola de seda verde-claro que cou ótima em contraste com sua
pele bronzeada. Lavou o biquíni e o pendurou no banheiro.
A solidão tomou conta dela assim que apagou as luzes.
O tempo que passou com Nicholas a lembrou de como era ter um
namorado. Sozinha em seu quarto, foi confrontada por quão longas e desoladas
as noites podiam ser.
É só o escuro. Tudo piora à noite. Amanhã o sol vai nascer, e você vai se sentir
melhor.
Acacia mentiu para si mesma porque isso a ajudaria a dormir. Mas a
verdade era que estaria sozinha no dia seguinte. E no próximo.
A solidão, ao que parecia, era a companheira constante de quem guardava
segredos. A compreensão desse fato não tornou a realidade mais fácil de se
lidar. Ela acendeu a luz do banheiro e deixou a porta entreaberta para garantir
que o quarto não casse completamente às escuras.
Uma batida soou.
A princípio, Acacia pensou que estava ouvindo coisas. Então a batida soou
novamente.
Caminhou até a porta.
Nicholas estava do lado de fora, com o cabelo molhado e cuidadosamente
penteado. Ele usava uma camisa branca, desabotoada na altura do pescoço, e
calças cáqui. Estava descalço.
O coração de Acacia bateu forte no peito.
Seus olhos escuros queimavam xos nos dela. Continham uma pergunta.
Ela se afastou.
Nicholas entrou no quarto e fechou a porta. Seu olhar viajou para o feixe
de luz que brilhava do banheiro na direção da cama. Antes que ela pudesse
soltar o fôlego, Nicholas caminhou na direção de Acacia e segurou seu rosto
entre as mãos. Havia eletricidade faiscando entre os dois. Os lábios de Nicholas
tomaram os dela com rmeza e determinação.
Ela agarrou seus bíceps e o beijou de volta. Nicholas soltou um gemido no
fundo da garganta, um som que parecia desejo puro.
Ele a beijou, forte e apaixonadamente, como se seu desespero tivesse
atingido um patamar febril. Acacia sentiu a conexão entre eles da cabeça aos
dedos dos pés. Os pensamentos sobre decoro e conduta pro ssional foram
completamente esquecidos. Havia apenas Nicholas e ela, unidos pelos lábios.
A solidão desapareceu quando colocou os braços em volta do pescoço de
Nicholas e se deleitou com a sensação de seu corpo alto e forte pressionado
contra o dela. A língua dele deslizou contra a linha de seus lábios, e Acacia os
abriu, gemendo de satisfação. Ele continuou a segurar o rosto dela, com
rmeza, mas gentilmente, enquanto ela o recebia com gosto em sua boca.
Ela cou nas pontas dos pés e esfregou a língua na dele. Sentiu gosto de
alcaçuz. Com um gemido, Nicholas se afastou para mordiscar seu lábio
inferior. Fogo e calor explodiram entre eles. Ela mal conseguia respirar quando
ele inclinou a cabeça para beijá-la mais profundamente.
Alguns instantes depois, o ritmo de Nicholas diminuiu. As mãos dele
encontraram seu cabelo, e Nicholas acariciou o couro cabeludo de Acacia.
Ela sorriu contra seus lábios.
Então as mãos dele deslizaram para os ombros de Acacia e desceram para
suas costas. Ele a segurou tão perto, que apagou todo o espaço que havia entre
os dois.
Acacia se encostou em Nicholas e traçou com as mãos a nuca e os tendões
que levavam aos ombros. Enquanto isso acontecia, as bocas e as línguas
exploravam umas às outras sem pressa alguma.
Os dedos de Nicholas deslizaram ao longo das costas nuas até onde a
bainha da calcinha deveria estar sob a camisola. Mas ela não estava lá.
Seus dedos pararam de se mover.
Havia uma pergunta em seus olhos, mas Acacia não a respondeu.
Sua expressão era feita de puro desejo enquanto examinava o rosto de
Acacia.
Ela sorriu timidamente.
Seu sorriso, ao que parecia, era o su ciente. Qualquer que fosse a
preocupação, se foi, e o rosto de Nicholas relaxou.
— Já tem um tempo que eu quero te beijar — confessou. As mãos grandes
encostaram na parte inferior das costas de Acacia, logo acima da curva de seu
traseiro. Ela sentiu a pele formigar. —Você é linda, charmosa e boa — ele
continuou.
Acacia pousou as mãos nos ombros largos de Nicholas.
— Não me coloque em um pedestal. Eu vou despencar lá de cima.
Os olhos escuros de Nicholas brilharam.
— Eu te seguro, Acacia.
Ela via o desejo nos olhos dele. O olhar pareceu queimar quando Nicholas
deslizou as mãos sob a seda da camisola para agarrar o traseiro nu. O contato
de suas mãos era rme enquanto ele a apertava. Um gemido de prazer pôde ser
ouvido por ela.
Acacia não protestou. Levantou-se para capturar a boca de Nicholas em um
beijo breve e profundo antes de os lábios dele se moverem para seu pescoço. Ele
beijou o local sem pressa alguma.
Sua coluna se ondulou em reação. Ela pegou com suavidade no pescoço de
Nicholas e o puxou contra seu corpo enquanto ele percorria a pele do pescoço
com os lábios.
Ela se ergueu para alcançar e beijar atrás da orelha de Nicholas.
— Me leva para a cama.
— Eu não vou negar seu pedido — Nicholas sussurrou contra sua pele. —
Mas eu não quero apressar nada.
Deslizou o nariz pela clavícula de Acacia até encontrar a na alça da
camisola. Nicholas a desceu e se afastou para que pudesse ver Acacia. O calor
em seu olhar amejou ao encontrar o seio exposto.
— Linda.
Os seios de Acacia eram fartos, e ela sabia disso. Mas Nicholas os encarava
como se fossem uma grande novidade.
Vagarosamente, percorreu com os lábios a pele de Acacia, do o ombro até o
topo do seio, e gemeu de prazer quando alcançou seu prêmio.
Ela puxou o cabelo de Nicholas até que a boca encontrasse seu mamilo. Ele
lambeu, e então provocou e provou antes de o colocar em sua boca.
Acacia gemeu.
Nicholas continuou a reverenciar aquele corpo e deslizou a outra alça por
cima do ombro dela. Saboreou o outro seio enquanto a camisola deslizava até
os quadris de Acacia.
Ela arquejou quando o ar frio da noite encontrou sua pele, mas a surpresa
foi logo esquecida. Era difícil se concentrar em qualquer coisa além do prazer
que sentia. Nicholas era talentoso com a boca. Lábios, língua e dentes
brincavam com seus mamilos, aumentando, alimentando o desejo.
Acacia gostou da maneira como se sentiu quando ele a segurou em suas
mãos grandes. Gostou de como ele continuou a acariciá-la, mesmo enquanto
sua boca estava ocupada com outra tarefa.
Acacia inalou o cheiro de Nicholas: uma essência que a fez pensar em
maçãs.
Quando ele endireitou a postura, os dedos dela trataram de cuidar dos
botões da camisa de Nicholas. Ele puxou a peça pela cabeça e a jogou no chão.
Antes que suas mãos pudessem alcançar o cinto, Acacia o deteve.
— Eu quero admirar você. — Ela cobriu o peitoral dele com as palmas das
mãos e beijou o espaço logo acima de seu coração.
A pele era quente e rme sobre os músculos esguios, com uma leve
cobertura de pelos escuros. Acacia não se apressou na hora de o tocar, como se
o corpo de Nicholas fosse uma terra a ser desbravada. As pontas dos dedos
percorreram os ombros, bíceps e desceram pelo peito de Nicholas até os gomos
de nidos de seu abdômen.
Acacia deslizou a mão para o cós da calça, e ele voltou a cuidar do cinto. A
calça logo caiu no chão, o que a permitiu ver mais de perto os músculos de seu
quadríceps. Nicholas era indescritivelmente bonito.
Ele olhou para a cama, e então seus olhos queimaram nos dela.
Acacia acenou com a cabeça. A ansiedade a estava deixando louca.
Nicholas a ergueu em seus braços e beijou seus lábios enquanto caminhava
para a cama. Gentilmente, ele a deixou bem no centro do colchão.
Ele olhou para Acacia, maravilhado.
— Eu não desejava alguém assim há muito tempo.
— Então somos dois. — Acacia tocou em seu rosto.
Nicholas agarrou a barra da camisola, que estava toda embolada na cintura
de Acacia.
A mão dela agarrou seu pulso.
— Você primeiro.
Nicholas tinha uma expressão de orgulho quando se levantou e levou a mão
dela à cueca boxer preta. Ele manteve os braços soltos ao lado do corpo.
Acacia cou de joelhos.
Nicholas acenou com a cabeça, e ela puxou a cueca boxer e aguardou que
ele a jogasse de lado antes de tocá-lo.
Ele cou em pé, as pernas encostando na lateral da cama, enquanto
envolvia a mão em torno da ereção cheia e dura. Nicholas fechou os olhos
enquanto ela o acariciava.
Sem enxergar nada, estendeu a mão para ela e acariciou os seios. Os
polegares logo encontraram os mamilos.
Então Nicholas a interrompeu, apoiando as mãos fechadas contra o
colchão, e capturou sua boca. Ele a deitou sobre os lençóis e se ajoelhou entre
suas pernas, para em seguida agarrar a camisola e a jogar no chão.
— Era uma peça linda — ele murmurou. Suas mãos deslizaram pelas coxas
de Acacia e pararam em seus joelhos. — Gostei da cor. Mas não atenda a porta
para mais ninguém além de mim.
Seus olhos vagaram por todo o corpo de Acacia, da cabeça aos pés.
— Você é como a reencarnação de Eufrosina. Uma deusa com um coração
puro.
A respiração cou presa na garganta de Acacia. Seu coração estava longe de
ser puro. Nicholas nunca saberia quão falsas suas palavras eram. Mas agora não
era hora para con ssões.
Nicholas era muito alto. Ela deslizou mais para cima na cama para lhe dar
mais espaço, e ele sorriu em agradecimento.
As mãos dele se moveram para trás dos joelhos de Acacia e abriram suas
pernas. Ele deixou um beijo intenso logo abaixo do umbigo. Então seu nariz
acariciou a pele macia até ele descer entre as pernas de Acacia.
Fascinada, ela olhava Nicholas se abaixar na cama, lamber, e mordiscar em
torno de suas áreas mais sensíveis. Fazia muito tempo…
Ele a tocou com a língua, nalmente saboreando o lugar onde ela mais o
queria. Acacia agarrou a cabeça de Nicholas com as duas mãos, segurando-o
contra si. Então, com uma velocidade embaraçosa, ela atingiu o orgasmo.
Nicholas continuou a lambê-la até que Acacia o puxou pelo cabelo. Ele se
sentou de joelhos, como um guerreiro musculoso e nu, com um olhar de
satisfação no rosto. Nicholas lambeu os lábios e enxugou a boca.
Ela sentiu o rosto esquentar.
— Eu… faz muito…
Ele se inclinou em direção a ela e colocou seus antebraços em cada lado de
seu torso, pairando sobre Acacia.
— Não se desculpe por estar muito excitada. Eu gosto disso. Mas eu quero
te proporcionar mais. Muito mais.
Acacia largou mão do constrangimento e puxou Nicholas para cima de seu
corpo. As línguas se entrelaçaram quando eles colidiram.
Suas mãos deslizaram pelos músculos das costas dele antes de pararem e
apertarem a carne rígida e musculosa. Os quadris se aninharam e o peitoral
dele roçou em seus seios. Ela sentiu os pelos do peito arranhando seus
mamilos.
Nicholas a tocou entre suas pernas, e ela o encorajou por mais.
— Não se apresse. — Ele se apoiou em um cotovelo. — Eu não vou a lugar
algum.
Nicholas abaixou a cabeça rumo ao seio, o provocou com a língua e, em
seguida, abocanhou o mamilo.
Acacia soltou um suspiro trêmulo e apertou seus ombros. Ela sabia que não
estava tendo muita reciprocidade ali.
— Me deixa tocar em você.
— Eu vou gozar na sua mão. — O tom era honesto. — Fique comigo e
deixe que eu te dê prazer.
Nicholas parecia se deliciar com cada carícia, cada centímetro de pele
exposta. Suas expressões alternavam entre desejo e alegria.
O mundo que eles criaram naquela cama não tinha comparação, e Acacia
sabia disso.
Ela puxou o rosto dele para que pudesse beijá-lo enquanto sua mão passava
pela cicatriz. Nicholas cou imóvel. A vulnerabilidade estava presente em seus
olhos, misturada com preocupação.
Lenta e deliberadamente, ela pousou os lábios no sulco profundo em sua
pele.
Ele aceitou a carícia, e sua respiração abandonou os pulmões rapidamente.
—Você disse esta manhã que estava atraído por mim. — Acacia aproximou
os lábios da orelha de Nicholas. — Eu também estou atraída por você. Você é
muito bonito, e gosto de olhar para você.
Nicholas ergueu a cabeça e traçou as sobrancelhas dela, mas não encontrou
seus olhos. Ele tocou na ponta do nariz dela com a ponta de seu dedo.
— Eu não sou bom com palavras, Acacia. Mas sou com ações.
Acacia sentiu a satisfação se espalhar por sua expressão. Nicholas se esticou
sobre a cama para pegar a calça. Tirou do bolso um pequeno pacote e o abriu
com os dentes.
— Você esperava por isso? — ela perguntou.
— Nada que diga respeito a você é esperado por mim. — Seus olhos
irradiavam sinceridade. — Quando eu disse que queria ser seu amigo, eu falava
sério. Mas realmente imaginei que… — Ele colocou o preservativo
rapidamente e jogou a embalagem no chão. Seus olhos se xaram nos de
Acacia enquanto ele se posicionava em sua entrada.
Por um momento, Nicholas não se mexeu. Apenas a olhou e esperou
enquanto o dedo traçava a curva de seu queixo.
Acacia o tocou nas costas. Um convite.
Ele deslizou para dentro dela e praguejou de soslaio. Apesar de Acacia estar
pronta, Nicholas não a penetrou totalmente.
Ela devolveu seu olhar intenso e reprimiu o desejo de se desculpar.
— Estou te machucando? — A voz estava rouca.
— Não, é que tem um tempo que não faço isso. — Ela ergueu os quadris.
Nicholas avançou e praguejou baixinho até que a penetrasse por completo.
Acacia inalou e segurou o fôlego.
— Incrível — ele sussurrou. — Sinta como nos encaixamos. É perfeito.
Ela exalou, e ele a beijou novamente. Então começou a se mover — em um
ritmo constante e intenso, como o balanço de um navio. Seu olhar nunca
desviou do dela.
Acacia lutou para manter os olhos abertos enquanto cada movimento lhe
causava prazer. Deixou a insegurança de lado e gemeu a cada estocada. Os
olhos de Nicholas queimavam mirando os dela, a abrindo, vendo sua alma.
Ela não podia se esconder, não da emoção que Nicholas expressava através
do olhar ou da forma como reagia à sensação de o sentir dentro de si.
— Diga meu nome. — Sua voz estava ofegante e irregular, e ele não parava
de se mover.
— Nicholas. — As unhas de Acacia cravaram nas omoplatas dele.
Suas terminações nervosas dispararam e pegaram fogo, até que a alegria
explodiu e correu por Acacia, banhando seu corpo com calor puro.
Nicholas continuou se movendo, mas seu ritmo diminuiu quando
observou a reação de Acacia. Mais algumas estocadas, e ele a penetrou
profundamente, sussurrando o nome dela enquanto chegava ao clímax.
***
Sem conseguir dizer nada, Acacia não reagiu quando Nicholas a beijou nos
lábios e saiu de dentro dela. Ele levantou as cobertas e as puxou, a cobrindo
com cuidado antes de ir nu ao banheiro.
Ele estava incrivelmente em forma — alto e atlético, com braços e pernas
fortes. Acacia cobriu a boca com a ponta do lençol, se sentindo inundada de
sensações.
Ela se perguntou o que deveria dizer. O que havia acabado de acontecer
havia sido inesperado e incrível, mas eles continuavam sendo duas pessoas que
trilharam caminhos muito diferentes na vida. Talvez fosse melhor esperar para
ouvir o que ele teria a dizer.
Acacia se inclinou sobre a cama para pegar a camisola bem quando
Nicholas voltava do banheiro.
—Você não precisa disso, mon coeur. — Ele arrancou a camisola de sua
mão e a jogou de lado.
Sua pele estava quente quando ele deslizou para perto dela sob as cobertas.
Nicholas passou um braço em volta de Acacia e a puxou contra si.
— Durma bem. — Ele bocejou e beijou seu pescoço.
Acacia aguardou em silêncio. Esperava que ele sussurrasse algo no escuro e
esclarecesse o que havia ou não acontecido. Esperava que Nicholas des zesse o
abraço e fosse embora da cama.
Mas ele não fez nada disso.
Em vez disso, Nicholas a abraçou com mais força enquanto eles faziam
uma conchinha. O hálito quente roçou no pescoço de Acacia.
Ela cou encarando a parede por um longo tempo após a respiração de
Nicholas sinalizar que ele havia adormecido.
Acacia acordou assim que o sol deu as caras no horizonte.
Nicholas estava em sua cama, o rosto relaxado e adormecido, sombreado
pela barba por fazer. Os lençóis o cobriam somente até a cintura, expondo a
parte superior do corpo. Um de seus braços estava en ado sob o travesseiro, o
que deixou o bíceps e o antebraço em destaque.
Nicholas era um amante generoso. Não era justo compará-lo com Luc, que
tinha sido o último com quem Acacia havia dormido. Ambos os homens a
trataram bem, o que a tornava uma pessoa muito afortunada.
Mas algo oculto havia sido desenterrado na noite anterior. Ela não se
lembrava de alguma vez ter experimentado um desejo tão intenso ou uma
satisfação tão grandiosa e desenfreada.
Nicholas parecia mais bonito ainda naquela manhã. Ela sentiu certa ternura
por ele, o que a fez estender a mão para tocar seu rosto. Beijou seu lábio
inferior, que estava ligeiramente projetado para frente.
A noite anterior foi incrível. Mas cou no passado.
Acacia se perguntou por que ele cou em seu quarto. Ela nunca teve uma
noite casual, mas chegou a debater o assunto com amigos. A maioria declarou
que era melhor encerrar a noite de forma amigável e desperta do que
constrangida e com sono.
Mas Nicholas tinha cado. Ele adormeceu com o braço em volta de seu
corpo, como se quisesse permanecer ali. Tampouco desapareceu depois que ela
sucumbiu ao sono.
Acacia não ousou imaginar que Nicholas pensaria em seu encontro como
qualquer outra coisa senão uma noite agradável. Um homem como ele nunca
passava vontade quanto a companhias femininas. Um homem como ele não se
envolveria com uma concierge.
Mas Nicholas era um bom amante. Não era egoísta, pelo contrário, foi
gentil e a fez se sentir especial. Homens como ele eram raros.
Quando eles se separassem em algumas horas, Acacia sorriria e o abraçaria
em despedida. Não o cobiçaria por somente uma noite. Esconderia as
memórias entre outros tesouros mentais e pensaria nelas de vez em quando.
Com um aperto inexplicável no peito, se inclinou e o beijou nos lábios
mais uma vez. Acacia passou os dedos nas sobrancelhas subitamente franzidas
de Nicholas e saiu da cama.
Seu banho demorou muito mais do que o normal, para permitir que
Nicholas tivesse tempo su ciente para se vestir e ir embora. Ela só torcia, pelo
bem de ambos, que ele não encontrasse nenhum outro funcionário no retorno
para seu quarto.
Estava amanhecendo quando ela saiu do banheiro totalmente vestida,
encontrando Nicholas ainda dormindo.
Foi uma surpresa para ela. Em Genebra, Nicholas confessou que não havia
dormido bem. No entanto, ele parecia ter dormido profundamente a noite
toda. Cogitou ir até a cozinha para tomar seu café da manhã, mas decidiu
veri car o e-mail primeiro.
Enviou uma breve mensagem para a mãe e respondeu a alguns e-mails de
colegas da Victoire que a noti caram sobre o falecimento de Marcel e a data do
funeral.
Acacia mandou uma mensagem para Luc e disse que estaria em casa em um
ou dois dias.
E leu os textos mais recentes de Kate.
Luc apareceu. De novo. Preciso usar óculos escuros para não derreter com todo aquele calor.

Tenho cuidado de sua correspondência. Algumas contas chegaram.

A decoradora veio ontem para trabalhar no seu apartamento. Ela me deixou dar uma olhada.

Você vai amar. Venha para casa.

Acacia cou aliviada. Agora nada a afastava de Paris, além de seus


problemas com o visto. A empresa de Nicholas cancelaria as inscrições que
haviam começado em seu nome agora que ela pediu demissão.
De repente, Acacia se lembrou de não ter enviado sua carta de demissão.
Ela abriu o e-mail que havia redigido para madame Bishop e Nicholas e
rapidamente o releu. Enfatizou que sua demissão entrou em vigor no dia
anterior. Então apertou em enviar.
Em algum lugar da sala, um celular tocou.
Nicholas bocejou.
Ele rolou na cama e apertou os olhos para ela.
— O que você está fazendo aí?
Acacia desconectou do e-mail e fechou o notebook.
— Estou apenas resolvendo umas questões.
Nicholas deu um tapinha na cama.
Acacia balançou a cabeça.
— Não acho que seja uma boa ideia.
Nicholas esfregou os olhos sonolentos e examinou o cabelo recém-lavado e
o vestido oral.
— Linda Acacia, por favor, venha aqui.
Ela achou o tom irresistível. A vulnerabilidade havia se in ltrado em sua
voz, como se Nicholas estivesse longe de ter certeza de que ela concordaria. Sua
franqueza naquele momento a atraiu como um ímã.
Acacia foi até ele e se sentou rigidamente na beira da cama. Nicholas a
puxou para cima dele e em seguida puxou as pernas de Acacia para que ela
casse montada sobre seu colo.
— Eu não quero…
— O quê? — Ele colocou as mãos nos quadris dela. — Você não quer o
quê?
Acacia tocou em seu peito nu e voltou o olhar para Nicholas, cujos olhos
estavam repentinamente em alerta.
Quando ela não respondeu, Nicholas deslizou a palma da mão por baixo
do vestido e a repousou em cima da coxa de Acacia. Seu polegar deslizou sobre
a junção do torso com o quadril de Acacia.
— Você está dolorida?
— Não.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Um pouco sensível — ela admitiu.
Uma expressão de algo que pode ter sido triunfo passou pelas belas feições
de Nicholas, mas foi substituído por preocupação.
— Você deveria se jogar na banheira de hidromassagem.
— Talvez mais tarde.
Nicholas mordeu o lábio inferior.
— Vou soar muito deselegante, mas vou perguntar de qualquer maneira.
Ontem à noite você disse que fazia muito tempo desde a última vez. Quanto
tempo?
Acacia se recostou e tirou as mãos do peito de Nicholas.
— Isso não é da sua conta.
— Eu sei. — Nicholas pegou a mão de Acacia e a beijou. — Mas o
neandertal que habita em mim é um animal curioso.
Ela encostou as mãos unidas contra o peito dele.
— Eu não estava exatamente sofrendo por estar sozinha. Saí em uns
encontros, mas trabalhei muito. Fiz aulas de línguas estrangeiras. Fiz cursos de
gestão de hotelaria.
— Estou feliz que você não estivesse sofrendo. — Sua voz suavizou. — Mas
todo mundo sempre encontra um tempo para fazer sexo. Como descobri
recentemente, os brasileiros são muito passionais.
Acacia passou os dedos entre os pelos nos do peito de Nicholas.
— Sou muito especí ca sobre com quem eu compartilho meu corpo.
— Pois então me sinto honrado. — Nicholas estendeu a mão para tocar o
rosto de Acacia, traçando suas sobrancelhas, maçãs do rosto e mandíbula. Ele
parecia querer dizer mais, muito mais. Mas não disse nada.
Ela se virou na direção da janela, por onde o sol estava entrando.
— A que horas vamos sair?
Nicholas baixou a mão.
— Depende. Dormi bem ontem à noite, para variar. — Ele acariciou a
coxa de Acácia com o polegar. — Que horas são?
— É cedo. — Ela tentou se afastar, mas ele continuou segurando-a.
Seus olhos brilharam.
— Eu ainda posso sentir seu gosto.
Nicholas deslizou as mãos para a calcinha de Acacia. Puxou a lateral da
peça.
— Tira isso e sobe aqui.
Ele se mexeu embaixo dela e apontou o queixo para o teto.
—Tem certeza? — Sua voz estava trêmula.
Nicholas deu a ela um sorriso arrogante.
— Eu não convidaria você se não tivesse.
Nicholas puxou a calcinha novamente. Acacia se levantou e se moveu para
o lado, para que pudesse deslizar a seda por suas pernas.
Ele tirou o vestido de Acacia por cima de sua cabeça e desabotoou o sutiã
com um movimento só dos dedos.
Agarrou o travesseiro debaixo da cabeça e jogou-o longe na cama, depois se
acomodou sem apoio no colchão. Ele acenou para ela com as duas mãos.
Trêmula de ansiedade, Acacia montou em seus ombros e se apoiou na
parede enquanto se acertava. Ela se ergueu sobre o rosto dele, e Nicholas
envolveu suas coxas com as mãos e puxou-a de encontro à sua boca
ansiosamente.
Não houve palavras. Não houve pensamentos. Os olhos de Acacia se
fecharam enquanto ela se movia para frente e para trás sobre ele, as palmas das
mãos espalmadas na parede em busca de apoio.
O constrangimento foi deixado de lado. Ela se contorcia e ofegava,
enquanto declarações e exclamações escapavam de sua garganta. Nicholas não
estava com humor para provocações. Ele era obstinado em seu foco e
implacável em seus movimentos.
O orgasmo surgiu sem controle enquanto ela cava imóvel, encostada na
parede, prendendo a respiração.
Acacia cedeu sobre ele, e Nicholas a ergueu de lado, observando enquanto
ela se deitava, voltando a car parada.
Nicholas enxugou a boca com a ponta do lençol e olhou para ela com um
sorriso largo e satisfeito.
— Eu mal consigo me mover — Acacia sussurrou e riu suavemente.
Ela pegou a mão dele e uniu os próprios dedos com os de Nicholas.
— Você tem muito talento com a língua.
— Você tem um sabor incrivelmente bom.
Ela riu de novo e balançou a cabeça.
— Eu só preciso de um minuto para recuperar o fôlego.
— Sem pressa. — Nicholas se inclinou para beijá-la. — Gosto de onde
estou agora, e muito.
Quando ela se recuperou, o empurrou de costas e estendeu a mão.
— Preservativo.
Nicholas se inclinou para pegar outro pacote. Ele o segurou na frente dela,
os olhos escuros cintilando.
Ela pegou o pacote e cuidadosamente colocou o preservativo nele.
Nicholas colocou as mãos nos quadris dela.
— Tem certeza? Você parece um pouco cansada.
— Seu arrogante. — Acacia retribuiu o sorriso e se ergueu para que pudesse
posicioná-lo corretamente.
Quando ela se sentou sobre ele, Nicholas gemeu.
— Você está bem? — Acacia se ergueu e botou as mãos em seu peito para
se equilibrar. — Você parece cansado.
— Sua atrevida. — Ele agarrou seus quadris para ajudá-la a se mover. —
Nada me impedirá de atender ao seu chamado de sereia.
Ela se moveu novamente e se sentou em um ritmo lento e uniforme.
De repente, ele se sentou contra a parede.
A mudança no ângulo fez com que os olhos de Acacia se fechassem. Ela
inclinou a cabeça para trás e girou os quadris. Ele a movia cada vez mais
rápido, o som de seus gemidos combinados com sua respiração áspera.
Acacia cou tensa, e seu corpo teve espasmos quando outro clímax a
alcançou.
Nicholas a seguiu, penetrando mais duas vezes antes de parar. Ele agarrou
os quadris de Acacia e enterrou o rosto em seu pescoço.
Sem pensar, Acacia beijou a cicatriz de Nicholas e o abraçou. Seus corpos
deslizaram um contra o outro, escorregadios de suor.
Os dedos de Nicholas subiram pela coluna e pousaram nos ombros dela.
Em seguida, a puxou de volta, os olhos bem abertos.
Acacia beijou sua testa.
— Nicholas?
O olhar de Nicholas permaneceu xo nela.
Acacia cou tensa.
— Há algo de errado?
— O destino sorriu para mim. — Sua cabeça estava abaixada, a voz,
gutural.
— As ilhas gregas tendem a ter esse efeito nas pessoas.
— Não. — Ele a puxou para seus braços e a abraçou. — É você.
O abraço surpreendeu Acacia, pois não era o de um amante. Foi algo
maior. Algo mais profundo. Enquanto Nicholas escondia o rosto em seu
pescoço, ela percebeu que nunca tinha sido abraçada assim antes. Nem mesmo
por Luc, quando ele declarou seu amor por ela.
A ternura e o afeto de Nicholas despertaram em Acacia algo que estava por
trás do medo e da cautela. Seu toque era real. Seus sentimentos por ele
oresceram, e ela relaxou em seus braços.
— Que coração lindo você tem — Nicholas sussurrou enquanto a segurava
com força.
— Ah, Nicholas — Acacia murmurou. — O que aconteceu com você?
Ele abriu a boca como se fosse responder. E então a beijou.
— Eu já volto. — Nicholas pressionou os lábios em um lado da boca de
Acacia e depois no outro. Em seguida, desapareceu rumo ao banheiro.
Acacia cou preocupada por ter falado demais. Seu abraço a mudou. Sua
integridade não permitiria que ela escondesse essa mudança. Por dentro, Acacia
se contorceu.
— Durma comigo. — Nicholas parou nu ao lado da cama.
— Agora?
— Sim. — Ele se inclinou para pegar a calça, en ou a mão nos bolsos e
recuperou o telefone. Nicholas o desligou sem olhar para o aparelho e o
colocou na mesa de cabeceira.
— Os outros vão se levantar em breve, se é que já não o zeram.
— A noite passada foi a primeira boa noite de sono que tive em muito
tempo. Eu me bene ciaria muito se tivesse mais algumas horas de descanso.
Por favor. — Ele se posicionou de costas e ergueu o braço em um convite.
Acacia foi até ele. Ele jogou o lençol sobre os dois.
Acacia descansou a cabeça encostando a bochecha na lateral do peito de
Nicholas enquanto o braço dele a envolvia. Nicholas respirou profundamente
no cabelo de Acacia.
A suave onda da respiração de Nicholas lentamente a embalou a dormir.
Quando Acacia despertou, o sol estava alto no céu, e Nicholas não estava mais
no quarto.
Seu estômago revirou. A conexão dos dois havia se aprofundado. Ela sentiu
isso, e sabia que ele também havia sentido. Mas talvez Nicholas não estivesse
disposto ou fosse capaz de lidar com isso.
Ela cou alguns minutos dizendo a si mesma que caria bem — que
conseguiria ser corajosa e sobreviver à viagem de volta a Genebra. Que ela
poderia ngir que a ternura e vulnerabilidade de Nicholas não haviam aberto
algo nela que sempre permanecera fechado.
Mesmo naquele momento, Acacia já sentia falta dele, embora soubesse que
não deveria. Eles mal haviam começado, e já estava tudo acabado.
Ela se arrumou e passou alguns minutos fazendo as malas, a m de estar
pronta para partir a qualquer momento. Percebeu com irritação que sua
bandeja de café da manhã não havia sido entregue.
Quando abriu a porta e saiu para a área coberta, viu Nicholas sentado a
uma mesa de bistrô perto da banheira de hidromassagem. Ele estava vestido
com uma camisa de botão e calça social e digitava em seu notebook.
Assim que Nicholas a viu de soslaio, sua expressão se iluminou, e ele se
aproximou. Antes que ela pudesse falar, ele passou o braço em volta das costas
dela e a puxou para perto, beijando-a com rmeza na boca.
— Bem a tempo do brunch.
Acacia olhou para Rick, que estava por perto, seus olhos escondidos por
óculos escuros.
— Posso falar com você por um minuto? — Ela se desvencilhou do aperto
de Nicholas.
— Podemos conversar durante o brunch.
Acacia baixou a voz.
— Eu preciso falar com você em particular.
Com uma expressão de desagrado, Nicholas abriu a porta de seu quarto e
deu passagem para Acacia.
Depois que ele fechou a porta, ela o confrontou.
— Por favor, não encoste em mim na frente dos outros funcionários.
Nicholas ergueu as sobrancelhas.
— Outros funcionários?
— Sim, agora Rick sabe.
Nicholas encolheu os ombros.
— O trabalho de Rick é nos proteger. Ele não se importa com mais nada.
—Todos vão saber que dormi com você.
— Isso é um problema? — Sua expressão escureceu.
— Claro que é. — Acacia bufou de frustração. — Você é meu chefe.
— Não, eu não sou. — Seu tom cou frio. — Você se demitiu ontem.
Ela gesticulou para a porta.
— Rick não sabe disso.
— Vou falar com ele. — Ele pegou a mão de Acacia, mas ela se afastou de
seu alcance.
— A que horas partimos para Genebra?
Ele franziu a testa.
— Por quê?
Acacia cerrou os dentes.
— Porque preciso reservar um voo de volta para Paris.
Nicholas cou imóvel.
— Você vai para Paris?
— É claro que vou.
Ele cruzou os braços.
— Então você decidiu.
— Eu… — Acacia hesitou, confusa com a hostilidade repentina. —
Decidiu o quê?
Nicholas gesticulou para a cama, o rosto ameaçador.
— O que você acha que aconteceu aqui ontem à noite? Esta manhã?
— Não grite comigo!
Ele deu um passo à frente.
— Então é isso? Você vai voltar para Paris?
— É lá que eu moro. — Acacia engoliu em seco quando as lágrimas de
raiva pinicaram em seus olhos. — Kate disse que meu apartamento está quase
pronto.
Nicholas aproximou o rosto até car a centímetros do dela.
— Você está chorando?
— Não. — Acacia piscou com força. — Estou lutando contra a vontade de
te dar uma rasteira e um soco na garganta.
Nicholas a olhou xamente. Então começou a rir.
Acacia olhou feio.
— Não tem graça.
Ele fez uma expressão solene imediatamente.
— Não, não tem graça. Sinto muito ter gritado com você.
Ele tentou abraçá-la, mas Acacia resistiu.
— Não é assim que eu queria que essa conversa acontecesse. — Sua mão
foi para o cabelo, constrangido. — Eu não queria fazer você chorar.
— Eu não estou chorando — Acacia protestou.
— Eu peço desculpas. — Nicholas acariciou a bochecha dela com o
polegar. Deu um passo para frente, e Acacia permitiu que ele a envolvesse em
seus braços.
Nicholas a segurou contra o peito e apoiou o queixo no topo da cabeça de
Acacia. A força de seu aperto e a tensão de seus músculos a lembraram de como
ele a abraçou antes, quando ainda estavam na cama. Quando seu mundo foi
tirado do eixo.
Este não era o toque de um homem que tinha conseguido uma noite de
sexo, nem era o toque de um amigo amável que compartilhava a cama com ela
casualmente. Nicholas a tocou como se Acacia fosse preciosa, como se mal
pudesse suportar que ela tivesse sicamente afastada dele.
Acacia respirou fundo, relaxando contra o peito de Nicholas, e manteve os
braços ao lado do corpo.
Nicholas a beijou no cabelo.
— Vamos começar de novo, pode ser? Bom dia, deusa. Fiquei sentado lá
fora, como um menino ansioso, esperando por você.
— Por quê? — A voz saiu abafada contra a camisa de Nicholas.
— Ma chérie — Nicholas sussurrou. — Você realmente precisa fazer essa
pergunta?
Quando ela não respondeu, ele se afastou.
— Olhe nos meus olhos. Me diga se meus sentimentos não foram
correspondidos.
Acacia buscou seu olhar. Ali leu um desejo intenso e esperançoso. A testa
estava franzida de preocupação, como se ele estivesse atormentado com o que
Acacia pudesse dizer.
Ela exalou e descansou o rosto contra o peito dele.
A tensão no corpo de Nicholas se dissipou. Em seguida pressionou os lábios
sobre a têmpora de Acacia.
— Bem melhor. — Roçou os lábios em sua testa.
— Eu não estava preparada para isso tudo.
— Não sou do tipo de homem que espera sentado o que quer.
— Não sou do tipo de mulher que dorme com o empregador.
Nicholas a apertou suavemente.
— Eu quero que você pare de dizer isso. Não foi isso que aconteceu.
— Eu não queria ser arrogante.
— Pois seja, Acacia. Você conquistou esse direito. — Nicholas abaixou a
cabeça para olhar em seus olhos. — Fique comigo.
— Por quanto tempo?
— Enquanto for bom.
— Alguns minutos atrás, quando eu estava em meu quarto, disse a mim
mesma que teria de ser forte hoje. Achei que você tivesse mudado de ideia.
— Não. — Nicholas tocou seu rosto. — Somos aliados. Nós somos
amigos. Seja minha amante, Acacia.
— É isso que você quer?
— Sim. Quero que passemos o máximo de tempo possível juntos, na cama
e fora dela. E espero que sejamos monogâmicos.
Algo em suas palavras causou um arrepio na coluna de Acacia.
—Você mora em Zurique. Eu moro em Paris.
— Deixe isso comigo. — Os lábios de Nicholas encontraram os dela com
rmeza e insistência.
Acacia suspirou contra sua boca.
— Eu quero sua resposta — Nicholas sussurrou.
Impulsivamente, Acacia colocou as mãos em volta da cintura de Nicholas.
— Minha resposta é sim.
— Sim, o quê?
— Sim, Nicholas. Eu serei sua enquanto for bom.
Os braços de Nicholas apertaram o corpo de Acacia.
— Estou extremamente tentado a levá-la para a cama.
— Não podemos atrasar a nossa partida. Eu estou desempregada.
Provavelmente vou ser deportada.
— Já garantimos um visto de trabalho temporário para você. Isso vai te dar
algum tempo. Madame Bishop pode ajudá-la a encontrar um novo emprego.
Podemos pedir a ela que expanda a pesquisa para incluir postos no mundo da
arte. Tenho total con ança de que ela pode encontrar algo para você.
Acacia balançou a cabeça.
— Eu tenho de garantir uma posição por meus próprios méritos. Agradeço
a ajuda de madame, mas só se isso não signi car que você estará nos bastidores
mexendo os pauzinhos.
— Se é isso que você quer, não vou interferir.
— Obrigada. Aprendi há muito tempo que ninguém mais pode me salvar.
Eu tenho que salvar a mim mesma.
Nicholas lançou um olhar de dor para Acacia.
— Querer alguém, precisar de alguém, não é um crime.
— Eu nunca disse que era.
Ele revirou os olhos para o teto.
— Eu moveria céus e terras para ajudar essa mulher. Ela não quer minha
ajuda.
Acacia estendeu a mão e beijou seu queixo.
— Você pode me ajudar me levando para Paris. Preciso arrumar outro
emprego.
— Tudo bem. — Nicholas lhe direcionou um olhar arrependido e se
abaixou para beijá-la profundamente. — Tenho de parar. Caso contrário, serei
forçado a mostrar como posso ser rápido.
Ela riu.
— Se eu não estivesse preocupada com nosso voo, aceitaria de bom grado.
— Em breve — Nicholas prometeu. — Vou acompanhá-la a Paris, mas
precisaremos fazer uma escala.
— Onde?
Seu sorriso se alargou.
— Dubai.
— Eu não posso ir para Dubai. — Acacia se afastou
Nicholas a seguiu.
— Serão apenas alguns dias. Três no máximo.
Acacia pensou rapidamente. Havia vários motivos pelos quais ela não
deveria ir para Dubai, mas não podia se dar ao luxo de compartilhá-los.
— Eu não posso custear essa viagem. Eu preciso arrumar um emprego.
— Três dias não farão muita diferença — Nicholas insistiu. — Mesmo
madame Bishop não será capaz de agendar uma entrevista para você em tão
pouco tempo.
— Por que você quer que eu vá para Dubai?
Nicholas beijou os nós dos dedos de Acacia.
— Por pelo menos duas razões. Primeiro, quero você comigo porque gosto
da sua companhia. Em segundo lugar, preciso de um intérprete que fale árabe.
— Se o seu contato for conservador, ele não vai querer falar com uma
intérprete mulher.
— Isso é problema dele.
— Não tenho roupa adequada para Dubai. Eles têm um código de
vestimenta público.
— Você tem algo modesto para usar no avião?
Ela olhou para a mala e para a bolsa de roupas, repassando mentalmente os
itens que havia trazido.
— Sim.
— Então podemos adquirir roupas no hotel ou eu posso levá-la para fazer
compras. — Nicholas sorriu. — Ou melhor ainda, você poderia usar suas
habilidades de concierge para enviar itens para a nossa suíte. Passaremos muito
do nosso tempo no hotel. O código de vestimenta no quarto será mais
descontraído.
—Você não poderá me tocar em público.
— Sei ser discreto.
Acacia pegou a mão dele.
— Estou falando sério. Existem regras em Dubai. Se as quebrarmos,
poderemos ser presos.
— O hotel é menos restritivo. Em público, me comportarei da melhor
forma possível. Eu prometo.
Ela suspirou.
— É apenas por alguns dias?
— Isso mesmo. Minha empresa vai pagar a você um valor de consultoria
por atuar como intérprete.
Ela soltou sua mão.
— Não posso aceitar o dinheiro. Não enquanto estivermos juntos.
Nicholas a olhou por um momento.
— As informações que você forneceu sobre Yasmin são valiosas. Consegui
veri car parte de sua história, mas a identidade do ex-namorado permanece
inde nida. Liguei para Constantine e o convenci a me colocar em contato com
um conhecido dele em Dubai que tem negócios com o ex dela.
— Constantine não está preocupado com o que pode acontecer?
— Ele não conhece minha verdadeira identidade ou a natureza de minha
busca, mas tem uma razão plausível para negar.
— Ele não está preocupado com uma retaliação da parte do russo?
— Ele não me deu nomes, apenas um intermediário. — Nicholas sorriu.
— Agora estou a um passo do homem que pode estar em posse dos tesouros da
minha família. Um valor de consultoria será transferido para sua conta
bancária como recompensa.
— Eu não z nada.
— É por sua causa que minha busca deu um salto substancial. Estou
pagando a Constantine com generosidade por me apresentar ao seu contato em
Dubai. É normal pagar por informações.
— Se estivermos juntos, não posso aceitar.
— Você mereceu antes de estarmos juntos. Sei que você pagou um alto
custo para ter sua vida e sua busca por emprego postas em suspensão. É uma
questão de justiça que você seja recompensada por isso.
Acacia mordeu o lábio. Nicholas tinha razão. Mas a verdadeira tentação de
Dubai era o próprio Nicholas. Agora que eles eram amantes, ela estava ansiosa
para car com ele.
— Tudo bem. Concordarei em ser compensada pelo trabalho que z antes
de minha demissão, desde que a compensação seja apropriada.
— De acordo. — Com um sorriso, ele apertou a mão dela. — Agora é
melhor tomarmos um brunch. Eu quero ir embora o mais rápido possível.
Nicholas a beijou novamente antes de abrir a porta e segui-la rumo à área
coberta.
Como concierge, Acacia já havia se comunicado anteriormente com seus
colegas no Hotel Dubai. O hotel era um dos melhores do mundo e parecia um
gigantesco navio de aço e vidro no Golfo Pérsico.
Como ela não trabalhava mais como assistente, Nicholas insistiu em fazer
os arranjos locais ele mesmo. Mas Acacia ligou para um de seus contatos no
hotel para providenciar a entrega de uma série de itens de vestuário mais
adequados para Dubai, todos para a assistente de monsieur Breckman: Andarta.
Acacia mandou uma mensagem para Kate com o nome do hotel em Dubai
e as datas previstas para a viagem. Implorou que ela não passasse a informação
para Luc. Para viajar, Acacia usava um terno Chanel preto e branco muito
feminino que havia comprado em Genebra. Era lindo, mas quente demais para
Dubai, cujas temperaturas diárias no verão chegavam a quarenta graus ou mais.
No voo de Santorini, Nicholas insistiu que eles se sentassem juntos, em vez
de um de frente para o outro. Rick e Kurt estavam sentados na parte traseira do
avião particular. Nicholas trabalhava em seu notebook, respondendo e-mails
em francês, inglês e alemão e lendo relatórios.
Acacia atualizou seu currículo com a demissão do Hotel Victoire e seu
breve contrato com uma das empresas de Nicholas. Madame Bishop concordou
em ajudá-la. Sinceramente, Acacia acreditava que teria de mudar de área e
encontrar outra linha de trabalho, assim que monsieur Roy começasse a
compartilhar sua opinião sobre ela com outros hotéis em Paris.
Nicholas moveu o braço esquerdo para o descanso de braço entre eles e
discretamente colocou a mão sobre a dela. Acacia olhou para ele e sorriu. Por
instinto, Acacia olhou por cima do ombro e encontrou Rick a encarando. Ela
se virou enquanto seu rosto esquentava.
Nicholas havia cumprido sua promessa de falar com Rick e Kurt sobre a
mudança em seu status de emprego. Mas Acacia sabia o que tudo aquilo
parecia.
Ela amou Luc quando eles estavam juntos. A intimidade havia crescido e se
aprofundado com o tempo. Mas ela terminou tudo quando Luc decidiu entrar
para a polícia.
Acacia não tinha ilusões sobre seu relacionamento com Nicholas. Sentiam-
se atraídos. Sentiam afeto um pelo outro. Mas Acacia acreditava que aquilo
tudo teria vida curta — talvez durasse um ou dois meses, no máximo.
— Você não parece estar feliz. — Os olhos escuros de Nicholas irradiavam
preocupação.
— Estou só perdida em meus pensamentos. — Ela apertou a mão dele.
Nicholas se virou para olhar para Rick e Kurt antes de se inclinar na direção
dela.
— Deixe-os para lá.
— Na teoria, tenho certeza de que isso é possível de ser feito. Na prática,
não.
Os lábios de Nicholas se contraíram.
— Na teoria, é possível car perto de você e não te tocar. — Ele encostou
no queixo de Acacia e inclinou o rosto dela em sua direção. — Na prática, não.
Nicholas roçou os lábios nos dela. Quando se afastou, Acacia estava
sorrindo novamente.
— Deixe para lá — ele repetiu. —Teremos privacidade no hotel. Devemos
chegar às cinco horas, horário local, o que signi ca que você tem tempo para
uma soneca. — Nicholas traçou uma linha pelo pescoço dela com os dedos. —
Você precisa recuperar suas forças.
— Ah, é?
Sua língua apareceu por entre os lábios perfeitos.
— Agora que sei seu gosto, estou ansioso por mais.
Acacia sentiu o rosto em chamas, e Nicholas beijou o ombro dela.
— Descanse.
Acacia deu uma risada e fechou o notebook. Sentiu uma vontade repentina
de tirar uma soneca.

***
Quando Acacia acordou, eles estavam se preparando para pousar. Ela
adormeceu apoiada no ombro de Nicholas. Surpreendentemente, ele conseguiu
trabalhar sem o uso do braço esquerdo.
Depois que pousaram no Aeroporto Internacional de Dubai e taxiaram até
a área que atendia a aviões particulares, desembarcaram. Quando desceu a
escada para a pista, o calor atingiu Acacia como uma onda. O sol brilhava no
céu, e a temperatura se aproximava dos quarenta e seis graus.
— Você está bem? — Nicholas ergueu os olhos enquanto Acacia descia as
escadas. Ele desembarcou primeiro, e ela desempenhou o papel de assistente
obediente e o seguiu.
Ela acenou com a cabeça e sorriu com simpatia para a equipe uniformizada
do Hotel Dubai, que esperava a alguns metros de distância.
A equipe acompanhou Nicholas e sua comitiva a um salão privado, onde
conversaram com a alfândega e carimbaram os passaportes. Enquanto Nicholas
trocava cordialidades em inglês com os funcionários do governo, Acacia
percebeu que uma grande e plana caixa havia se juntado à bagagem. Dois
homens uniformizados a acompanhavam, junto com um funcionário do
aeroporto.
O funcionário do governo chamou Nicholas de lado, e os dois homens se
aproximaram da caixa.
— Claro que você pode examiná-la. — Nicholas en ou a mão no interior
da jaqueta e retirou um envelope. Ele o entregou ao o cial. —Todos os
detalhes estão aqui. Alguém da minha equipe pode supervisionar o exame?
O funcionário do governo acenou com a cabeça.
Nicholas gesticulou para Kurt, e o guarda-costas parou ao lado do objeto.
Os homens uniformizados, Kurt e o o cial do governo o levaram rumo a uma
porta.
Quando Nicholas voltou para seu lado, Acacia resistiu ao impulso de sanar
sua curiosidade. Haveria tempo para conversar sobre aquilo no hotel.
Um dos funcionários do hotel conduziu o restante da bagagem por uma
porta lateral, enquanto o outro membro da equipe levou Nicholas e Acacia
para fora. Um helicóptero e seu piloto estavam próximos.
— Senhor? — Acacia deu a Nicholas um olhar questionador.
— O hotel ca no Golfo Pérsico. Embora você possa alugar um serviço de
transporte terrestre, achei que seria mais interessante voar. Teremos uma vista
fantástica tanto da cidade quanto da água. — Nicholas estava a poucos metros
de distância e agarrava sua pasta com força. Parecia que seus dedos estavam
coçando para tocar em Acacia.
Acacia dirigiu a ele um olhar agradecido.
— Nunca voei de helicóptero antes.
— Prepare-se para se impressionar. — Ele gesticulou para que ela o
precedesse.
Um dos funcionários da equipe a acompanhou até o helicóptero, ajudou-a
a entrar e fechou a porta com rmeza. Nicholas entrou pelo outro lado.
O coração de Acacia disparou quando o helicóptero se ergueu no céu.
Embora o voo para o hotel durasse apenas dez minutos, pareceu mais longo
que isso. No calor do nal da tarde, uma espécie de névoa pairava sobre a
cidade extensa e seus arranha-céus. A água turquesa do golfo a deslumbrou. E
então Acacia viu o hotel.
O Hotel Dubai a fez pensar em um navio. Era uma estrutura magní ca que
se erguia acima da água, ligada à terra por uma ponte ladeada de palmeiras.
O helicóptero circulou o hotel uma vez antes de pousar em um heliporto
no topo do prédio. Em poucos minutos, foram recebidos por funcionários, que
os guiaram até o elevador e depois para a suíte.
— Magní co — Acacia disse quando saíram do elevador.
Um grande átrio central ascendia ao ponto mais alto do hotel. O vidro
permitia que a luz do sol entrasse, re etida pelas varandas brancas que
circundavam todos os andares. Azul-egeu e uma abundância de ouro, preto e
vermelho estavam presentes na decoração.
Quando chegaram à suíte, a porta estava aberta. Seis funcionários, alguns
dos quais com trajes regionais, formaram uma la de recepção na entrada.
Acacia aceitou uma toalha quente para lavar as mãos antes de pegar uma taça
de champanhe em uma bandeja de prata.
— Eles se orgulham do serviço sete estrelas — murmurou Nicholas
enquanto saudava Acacia com sua bebida.
Ela tomou um gole de champanhe enquanto seguia Nicholas e os
mordomos particulares designados para a suíte. Havia uma sala de jantar, uma
cozinha e despensa privativas, uma sala de estar e uma sala de entretenimento,
além dos quartos.
Os quartos de Rick e Kurt cavam no primeiro andar. O quarto de Acacia
cava do outro lado do de Nicholas, em um corredor largo no segundo andar.
Os mordomos desempacotaram a bagagem de Nicholas primeiro antes de
irem para o quarto de Acacia. Eles penduraram as roupas em um grande
provador e mostraram os itens que ela encomendou através do concierge.
Nicholas dispensou os funcionários do hotel o mais rápido possível e cou
com Acacia no saguão da frente. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa,
colocou um dedo nos lábios dela e a levou para a sala de jantar.
Wen saiu pela porta. Ele deu a Acacia um largo sorriso e um aceno, que
Acacia retribuiu.
Ele a examinou com um bastão de metal e parou em seu braço esquerdo.
Abriu sua pasta de prata, tirou um par de lentes de aumento e olhou para o
cotovelo da mulher. Em seguida, usou uma pinça para remover algo do tecido
de sua jaqueta.
Wen colocou o item, que parecia um apo, em uma pequena caixa. Em
seguida, terminou de examiná-la da cabeça aos pés, junto com o conteúdo de
sua bolsa, antes de repetir o processo em Nicholas.
Acacia observou o procedimento ansiosamente.
Depois que ele terminou, Wen apontou para o quarto que ele acabara de
desocupar e fez um sinal de positivo para Nicholas.
Nicholas conduziu Acacia para a sala de jantar e fechou a porta.
— Wen já averiguou tudo aqui, então podemos conversar agora.
Ele colocou as mãos nos antebraços de Acacia e acariciou suavemente.
— Minha equipe de segurança avançada examinou a suíte antes de
chegarmos, mas a equipe do hotel entrou para entregar suas roupas e alguns
outros itens. Eles estão escaneando tudo novamente.
— O que ele removeu do meu cotovelo?
— Uma escuta.
— De onde?
Nicholas encolheu os ombros.
— Pode ser de um dos funcionários. Pode ter sido colocada no helicóptero
e você esbarrou. — Ele a puxou para seus braços. — Você está segura. Não se
preocupe com isso.
A testa de Acacia enrugou.
Nicholas a beijou onde a pele estava vincada.
— Lamento dizer que esta é uma rotina em minha vida.
— Não sei o que as pessoas esperam obter por meio de espionagem. — Ela
tocou a mandíbula de Nicholas logo abaixo de sua cicatriz. — Por favor, tome
cuidado.
— Eu sempre tomo cuidado, mon trésor. Agora que você está comigo,
tomarei cuidado por você também. Eu juro.
Ele a beijou avidamente e ergueu seus braços para que Acacia o abraçasse
pelo pescoço.
Quando eles se separaram, Nicholas afastou alguns cachos da frente do
rosto de Acacia.
— O que você acha da suíte?
— É incrível. Você sempre ca aqui?
— Não. — Ele sorriu timidamente. — Eu queria te impressionar.
A con ssão a surpreendeu. Ele parecia um menino ansioso para agradar. Ela
achou a expressão cativante.
— A suíte é linda. Obrigada. — Ela levou a mão ao peito de Nicholas. —
Mas eu me impressionei por você acima de tudo.
— Quem dera eu me considerasse digno de você — Nicholas sussurrou.
Ela franziu o cenho.
— Eu não sou melhor do que ninguém.
É
— É aí que você se engana. — O polegar de Nicholas acariciou o pulso de
Acacia.
Ela o puxou pela cabeça e o beijou. Nicholas respondeu a inclinando para
trás e pressionando seu corpo contra o dela.
— Seu quarto de hóspedes é apenas para constar. — A boca se moveu
rumo ao pescoço dela. — Esta noite você cará na minha cama.
— Assim espero. — Acacia se agarrou aos ombros de Nicholas, que
deslizou os lábios por sua pele até alcançar a mandíbula.
— A mesa da sala de jantar parece resistente. — Nicholas mordiscou a
orelha de Acacia e a puxou para cima.
Acacia olhou por cima do ombro para a grande e reluzente mesa de mogno.
— É da altura certa.
Nicholas riu.
Ele olhou para a porta fechada com uma expressão maliciosa.
— Eu não gostaria que você sentisse vergonha.
Acacia seguiu seu olhar. Ela pensou na equipe do outro lado da porta.
Naquele momento, pelo menos, ela não se importou.
Acacia tirou a jaqueta e a colocou sobre uma das cadeiras. Então pulou na
beirada da mesa e agarrou a gravata de Nicholas, o puxando para entre os
joelhos.
— Os brasileiros são incríveis — Nicholas sussurrou.
Ela o beijou intensamente e brincou com sua língua na dele. Mas quando
Acacia começou a afrouxar a gravata, ele lhe agarrou os pulsos.
— O que houve? — ela perguntou.
— Isso não é… — Nicholas hesitou, o olhar nas mãos de Acacia.
— Fiz algo de errado?
Ele ergueu a cabeça.
— Não, você é magní ca. Eu estou com tesão, cheio de desejo.
— Que bom. — Ela deu um puxão, e ele soltou suas mãos.
— Isso não é o que eu quero para nós; me esconder dos funcionários, um
contato rápido em cima de uma mesa.
— Estávamos apenas nos divertindo — Acacia disse baixinho.
— É claro.
Nicholas tocou sua bochecha, e Acacia teve certeza de que ele podia sentir
seu rubor nas pontas dos dedos.
— Eu quero ser divertido assim. Mas estou preocupado com o timing.
Acacia prendeu a ponta da língua de Nicholas entre os dentes. Ela se moveu
para frente, para sair da mesa, mas ele a impediu.
Ele colocou as palmas das mãos espalmadas sobre a mesa, uma em cada
lado dos quadris de Acacia.
— Você se ofendeu.
Ela manteve contato visual.
— Talvez você possa explicar o que acabou de acontecer aqui.
— Estou tentando dizer que trouxe você aqui porque gosto da sua
companhia. Eu não quero que você pense que está aqui simplesmente para
fazer sexo.
Sua perplexidade diminuiu um pouco.
— Tive a impressão de que tínhamos virado amigos além de amantes. Um
encontro espontâneo em uma mesa pode ser considerado amigável. — Acacia
pressionou a mesa como se a estivesse experimentando.
— Então eu vou garantir que isso aconteça. Mas depois. — Nicholas
passou as costas dos dedos em seu queixo, em uma carícia. — Eu preciso ir
para uma reunião em cerca de dez minutos. Você merece muito mais atenção e
muito mais tempo do que isso.
Ele beijou um canto da boca de Acacia, e depois o outro canto. Final-
mente beijou o centro de seus lábios e chupou o lábio inferior.
— Seu desejo, seu prazer — ele sussurrou.
Acacia estremeceu e o puxou para mais perto.
O celular dela tocou, mas Acacia o ignorou. Eventualmente a ligação caiu
na caixa postal.
Quando o telefone tocou novamente, Nicholas deu um passo para trás.
— Acho melhor você atender.
Ela fez uma careta pela interrupção e, praguejando, desceu da mesa. Pegou
o celular da bolsa e olhou para a tela. Duas chamadas perdidas de Luc. Uma
mensagem de voz.
Uma mensagem de Kate, que dizia:
Luc está procurando por você. Ele está preocupado e eu também
Continue mandando mensagem para que eu saiba que você está bem.

— Eu volto já. — Acacia cruzou para a outra extremidade da sala de jantar


enquanto seus polegares batiam contra a tela.

Em um hotel em Dubai. Estou bem. Vou avisar ao Luc que estou bem, mas não quero que ele
saiba onde estou. Obrigada.

Ela enviou a mensagem para Kate e veri cou sua caixa postal.
Luc parecia agitado.
— Acacia, cadê você? Você tem recebido minhas mensagens? Seu colega Marcel
morreu. A polícia de Paris está conduzindo uma investigação de assassinato. Liga
para mim.
Acacia baixou o telefone e olhou para a tela.
— Algum problema? — Nicholas se aproximou.
Ela levou o dedo à tela e desligou o telefone. Contornou Nicholas para
devolver o item à bolsa.
— Luc continua me ligando.
Nicholas a seguiu.
— O que ele quer?
— Saber onde estou. Ele já sabe do que houve com Marcel. Disse que a
polícia de Paris está investigando o assassinato.
— Como esperado. — Nicholas se aproximou e passou o braço em volta da
cintura dela. — Luc precisa saber que você está saindo com alguém.
Acacia ergueu o queixo.
— Eu cuido disso.
Os olhos de Nicholas procuraram os dela. Ele a soltou e deu um passo
contido para trás. Sua expressão estava impassível enquanto ele ia até o grande
e bem abastecido bar.
— Gostaria de uma bebida?
— Não, obrigada. — Acacia o observou, confusa. A reação não foi
explosiva nem nada do tipo, mas o ar entre eles cou inexplicavelmente tenso.
Lenta e meticulosamente, ele se serviu de uma vodca Grey Goose com
tônica. Deu um gole na bebida, pensativo.
— Precisamos desocupar a suíte enquanto minha equipe analisa tudo. Você
gostaria de visitar o spa?
— Com você?
— Sinto muito. — Nicholas deu a ela um olhar de desculpas. — Eu tenho
a conferência por vídeo e algumas outras coisas a fazer. Você pode dar um
mergulho, se quiser, e visitar a sauna a vapor. Ou talvez fazer uma massagem?
Acacia baixou os olhos para as mãos. A oferta foi atenciosa, mas claramente
Nicholas ainda estava irritado com Luc.
— Eu não estou mais com ele. Há anos que nos separamos.
Nicholas inalou.
— Eu sei.
— Sabe? — Ela ergueu a cabeça. —Há quanto tempo você sabe?
— Eu sabia que vocês dois têm um passado. Eu não tinha certeza de quais
eram seus sentimentos por ele.
Os olhos de Acacia se estreitaram.
— Como você sabia que temos um passado?
— Descobri durante minha investigação.
Acacia praguejou em português.
— Você sai investigando todo mundo?
— Eu queria saber se Luc era con ável ou não. Quando te conheci, quei
preocupado com um possível envolvimento seu nas mesmas atividades ilegais
de Marcel.
Apesar de seus melhores esforços, Acacia sentiu os músculos de seus ombros
carem tensos.
— O que você descobriu quando me investigou?
As feições de Nicholas suavizaram, e ele largou a bebida.
— Que você é inteligente e trabalhadora. Que é muito respeitada e ganhou
prêmios e elogios por seu trabalho antes de ingressar no Hotel Victoire. Que
você tinha alguns amigos, mas passava a maior parte do tempo sozinha.
— Não é justo. — Ela cruzou os braços.
— Não, não é — Nicholas admitiu. — Comecei a investigar você depois
de nossa primeira interação no Victoire. Eu não tinha ideia que um dia teria de
olhar para seus lindos olhos castanhos e me desculpar por violar sua
privacidade.
— Você está se desculpando?
— Absolutamente, mas apenas por investigar você. Luc me investigou; era
justo que eu zesse o mesmo com ele.
— Como você sabe que ele investigou você?
— Meu pessoal mexeu os pauzinhos para haver indicações de quando
alguém, especialmente a polícia, se interessa por uma de minhas identidades.
Eu soube alguns minutos depois que ele digitou meu nome no banco de dados
do BRB.
— Isso é assustador.
Nicholas deu um passo para perto e encostou o corpo no de Acacia.
— É mesmo?
— Conhecimento é poder. Mas vem com uma responsabilidade tremenda.
— Eu não discordo de você. — A expressão de Nicholas cou pensativa. —
Lamento não poder acompanhá-la ao spa. Mas, esta noite, você terá toda a
minha atenção.
Acacia esfregou os olhos.
— Talvez uma visita ao spa seja uma boa ideia. Não pude praticar minhas
artes marciais esta manhã. Vou resolver minhas frustrações na piscina.
— Eu pre ro que você resolva comigo. — A voz de Nicholas soou quase
como um rosnado.
Acacia apontou o queixo em direção à mesa da sala de jantar.
— Já falamos sobre isso antes.
Nicholas abaixou a cabeça, e seus olhos se nivelaram com os dela.
— Por favor, tenha paciência comigo. O que temos é muito novo. Ambos
cometeremos erros. Mas há algo especial entre nós que eu quero explorar.
— Tudo bem.
— Obrigado por me contar sobre Luc.
— Era só ter me perguntado.
Nicholas franziu a testa.
— Tenho me referido a ele como seu namorado há um tempo. Você nunca
me corrigiu. E me disse que não era da minha conta.
Acacia ergueu o queixo em desa o.
— Não era. Mas as coisas mudaram.
Nicholas sorriu.
— Sim. O que me faz lembrar: tenho um presente para você.
Ele voltou para o bar, onde havia uma grande caixa preta. Nicholas
entregou para ela.
Acacia lhe dirigiu um olhar questionador. Quando abriu a caixa, encontrou
seda mar m dobrada. Aninhado contra o tecido havia um colar formado por
grandes esferas azuis.
— Eu queria te dar algo para comemorar nosso tempo em Santorini. —
Nicholas removeu cuidadosamente o colar da caixa. — Ele é de lápis-lazúli.
Corresponde ao azul das construções da ilha.
Acacia tocou em seu pingente de hamsá. Enquanto olhava para Nicholas
segurando o lindo colar, ela o desamarrou e o enrolou no pulso,
transformando-o em uma pulseira.
— Você não precisa retirar seu pingente — Nicholas sussurrou. — Você
pode usar os dois.
Acacia estendeu a mão e tocou as grandes contas de lápis-lazúli.
— Eu não quero arranhar as contas.
Nicholas fez um gesto para que ela se virasse. Com cuidado, colocou o
colar em volta do pescoço de Acacia e fechou o grande fecho de ouro. Os
globos eram frios e pesados em contraste com a pele de Acacia.
Ela passou os dedos pelas contas lisas.
— É muito requintado.
Nicholas a virou e deu um passo para trás. E sorriu.
— Ficou maravilhoso.
— Obrigada. — Ela levou a mão ao colar novamente. — Eu amei.
O sorriso de Nicholas se alargou.
— Que bom.
Acacia estendeu a mão e beijou os lábios de Nicholas, acariciando
suavemente sua nuca.
— Eu preciso mesmo ir ao spa? Pre ro car aqui.
Nicholas levou a mão à bochecha de Acacia.
— Eu preciso que você vá se livrar de sua frustração. Mas guarde um pouco
dela para mim.
— Vou tentar. — Ela piscou.
— Rick irá com você.
— Não tem como isso ser reconfortante.
Nicholas deu uma risadinha.
— Coitado do Rick.
Com um beijo nal, Nicholas se afastou.
— Divirta-se. Te encontro aqui antes do jantar.
Ele abriu a porta. Rick estava na entrada da suíte.
Nicholas seguiu Acacia até o corredor.
— Rick, por favor, acompanhe a senhorita Silva ao spa.
Rick grunhiu e abriu a porta da suíte. Ele veri cou o corredor antes de
parar ao lado da porta, esperando por Acacia.
Ela sorriu por cima do ombro para Nicholas antes de seguir Rick pelo
corredor do hotel.
O spa do hotel, com seus dois andares, era ricamente decorado e possuía
janelas que davam para o golfo. Acacia desfrutou de um mergulho e de uma
visita à sauna a vapor antes de fazer uma massagem.
Embora Rick a assombrasse como um fantasma distante, Acacia passava a
maior parte do tempo sozinha. Gostava da solidão, pois lhe dava tempo para
pensar.
O bravo e exigente monsieur Breckman havia se transformado no nobre e
apaixonado Nicholas Cassirer. Ele estava com ciúme de Luc. Acacia tinha
certeza disso. Ela teve de rir ao pensar no estranho acaso de ter dois homens
investigando um ao outro enquanto tentavam protegê-la.
Ela se sentia atraída por Nicholas e gostava dele. Mas, como sempre, estava
ciente do fato de que devia esconder coisas dele. Se ele descobrisse a verdade,
seu relacionamento estaria acabado.
Mas Acacia estava determinada a viver no presente, desfrutar da companhia
de Nicholas e não se preocupar com o futuro.
Duas horas depois, ela voltou para a suíte, escoltada por Rick. A ida ao spa
tinha sido incrível, e Acacia estava inegavelmente relaxada. Mas Rick não tinha
dito uma palavra com ela durante todo aquele tempo.
Wen revistou Rick e Acacia em busca de escutas quando eles entraram
novamente na suíte. Não encontrou nada.
Acacia se virou para Rick enquanto Wen se retirava para a sala que havia se
tornado um centro de comando.
— Obrigada — disse ela em inglês.
O rosto de Rick estava impassível. Então, para sua surpresa, ele falou:
— Eu não me importo com quem ele está fodendo.
Acacia recuou.
A expressão de Rick permaneceu inalterada, como se para dar mais peso às
suas palavras.
Ela contou até dez antes de responder.
— Que bom, Rick, porque isso não é da sua conta.
— Meu trabalho é protegê-lo. Mesmo de suas mulheres. — O sotaque
americano de Rick cou mais pronunciado. Sua expressão não mudou, mas
algo brilhou em seus olhos.
Acacia se recusou a morder a isca.
— Obrigada por protegê-lo.
A expressão cuidadosamente controlada de Rick se desfez. Ele pareceu
chocado.
— Nós dois queremos a mesma coisa. — Sua voz era baixa, mas rme. —
Queremos que ele esteja em segurança. Eu gostaria de vê-lo feliz também.
Duvido que isso signi que algo para você.
Quando Rick não respondeu, Acacia continuou:
— Seria melhor se pudéssemos coexistir de forma pací ca e pro ssional.
Mas eu não quero ou preciso da sua aprovação.
Ela deu um passo à frente, e seu corpo relaxou, os braços soltos aos lados do
corpo.
Rick olhou para os braços de Acacia, como se avaliando uma ameaça.
Ela fez contato visual.
— Só para deixar claro, eu sei que você tem uma arma. Continuo não
tendo medo de você. Obrigada por me acompanhar até o spa. Tenha uma boa
noite.
Ela se virou e subiu a escada, sentindo o olhar de Rick segui-la.
***
Já passava das nove horas quando Acacia e Nicholas foram jantar. Nicholas
vestiu um terno sob medida que comprou durante uma visita anterior a Paris.
Ele combinou o terno preto com uma camisa branca, abotoaduras de ouro e
uma gravata de seda azul-claro.
Acacia usava um traje de seda carmesim. O tailleur se mantinha fechado
por um laço de cetim preto e tinha lapelas. Tanto o terno quanto a saia
combinando eram estampados com um padrão oral preto discreto. Acacia
estava grata pelo hotel ter um bom ar-condicionado.
Jantaram sentados a uma mesa intimista em um dos luxuosos restaurantes
do hotel, com uma vista incrível para o mar. Em seguida, voltaram para a suíte,
onde Nicholas a acompanhou até o segundo andar.
Havia sido um longo dia, mas os nervos de Acacia formigavam de
ansiedade. Ela percebeu que a caixa que vira antes no aeroporto estava agora
encostada na parede entre seu quarto e o vizinho.
— O que tem nessa caixa?
Nicholas coçou o queixo.
— É algo que pode me ser útil quando encontrarmos o contato de
Constantine amanhã. Você já viu o conteúdo antes.
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Vi?
— É a reprodução de Matisse que você viu em Paris.
Os olhos de Acacia se arregalaram.
— O que ela está fazendo aqui?
— Eu a uso como uma forma de passar obras de arte pela alfândega. Eu
trago para um país, como Dubai, e garanto que seja declarada quando eu
chegar e que os papéis estejam carimbados. Então, se por acaso eu comprar
uma pintura roubada durante minha visita, eu a escondo em um
compartimento secreto nos fundos da caixa de madeira. Quando volto para a
Europa, a alfândega vê que declarei a pintura na chegada a Dubai e me libera.
— Isso dá certo?
— Sempre. No entanto, sou cauteloso na hora de escolher minhas rotas de
viagem. Tendo o apoio do Ministro do Interior francês, o desembarque na
França é preferível a outros locais. Se a alfândega me detiver, o Ministro
intervirá.
Acacia olhou para a caixa.
— É tão simples.
— As soluções mais simples são geralmente as melhores. — Ele a chamou
com um dedo e caminhou rumo à porta aberta de seu quarto. — Vem cá.
Acacia olhou para a escada e o corredor de entrada da suíte, onde Kurt
estava de sentinela. Ele não fez contato visual.
— Vem cá — repetiu Nicholas. Nicholas desviou a atenção de Acacia do
guarda-costas.
Ela deixou de lado qualquer pontada de constrangimento e sorriu quando
seus saltos zeram barulho contra o chão belamente ladrilhado.
Nicholas esperou que ela entrasse em seu quarto antes de fechar e trancar a
porta atrás de si.
— Você está cansada?
— Não. — Acacia examinou a cama de dossel. Era muito grande e cava
em uma plataforma elevada de veludo roxo. Um dossel circular ornado com
borlas pendentes, pesadas cortinas de seda vermelha e dourada cobriam as
laterais. Era a cama de um rei.
Nicholas estava entre ela e a cama.
— Interessante, não é?
— Muito.
— Você se importaria se atrasássemos o momento de diversão a ser vivido
nela?
Ao ouvir o tom da voz de Nicholas, a boca de Acacia cou seca.
— Tudo bem.
Ele beijou a mão de Acacia e a conduziu ao opulento banheiro de
mármore.
— Eu pedi ao mordomo responsável pelo banho para preparar a banheira
de hidromassagem.
— Mordomo responsável pelo banho? — Acacia repetiu.
Ela observou os bancos baixos e acolchoados repletos de toalhas brancas ao
redor da banheira de hidromassagem elevada. Notou a generosa variedade de
cortesias da Hermès na penteadeira. O Hotel Victoire oferecia serviços de
mordomo, mas somente mediante solicitação. Acacia nunca havia
experimentado tanto luxo.
Nicholas a observou ansiosamente.
— Não tenha pressa para entrar. Vou me juntar a você em breve.
Ele a beijou e voltou para o quarto.
Acacia encostou em seus lábios com a ponta dos dedos. Nicholas era um
cavalheiro, mas certamente era hábil nas artes eróticas. Suas maneiras e
consideração o tornavam ainda mais atraente.
Nicholas a viu nua e desfrutou de seu corpo. Mesmo assim, lhe ofereceu
privacidade enquanto ela entrava no banho. Acacia notou que estava
estranhamente grata por isso.
Nicholas de nitivamente sabia como alimentar o desejo.
A música de Miles Davis tocava dos alto-falantes instalados no teto. Acacia
lembrou dos discos do Hotel Victoire e que Nicholas gostava de jazz.
Ela examinou a sala. O mordomo responsável pelo banho teve bastante
trabalho. As luzes foram diminuídas e as velas dos pilares estavam postas
minuciosamente ao redor do espaço. O perfume de rosas e sândalo pairava no
ar. A água borbulhante da hidromassagem ecoava no grande espaço.
Acacia retirou cuidadosamente o colar que Nicholas lhe dera e o deixou em
cima de uma toalha dobrada. Os globos de superfície azul e lisa brilhavam à luz
das velas. Tirou seu tailleur e pendurou-o em um cabide.
Ela se despiu e cou de lingerie na frente dos vários espelhos que cobriam o
banheiro. Jogou suas roupas íntimas de lado, subiu até a hidromassagem e
cuidadosamente entrou na água quente.
Acacia se sentou em um dos assentos dentro da banheira e apoiou a cabeça
em um encosto almofadado. Foi o paraíso.
Enquanto observava pétalas de rosa dançando na superfície da água,
imagens da noite anterior povoaram sua mente. Nicholas sugeriu que ela usasse
a banheira de hidromassagem de manhã cedo porque ela estava dolorida das
atividades que ambos zeram juntos. Agora, com a ajuda do mordomo
responsável pelo banho, Nicholas insistiu que Acacia relaxasse.
Homens como Nicholas eram raros. Ela se perguntou se fora Silke quem
havia terminado o relacionamento.
O pensamento de que Nicholas trouxe Silke para lugares semelhantes e a
cortejou de forma semelhante irritou Acacia. Ele merecia estar com alguém que
gostasse dele, não de alguém que fugisse e o humilhasse frente aos tabloides,
frente ao mundo inteiro.
Poucos minutos depois, a porta do banheiro foi aberta e fechada. Nicholas
se aproximou da hidromassagem vestido com um roupão branco.
Ele olhou xamente, atraído pelos ombros nus de Acacia.
— Posso me juntar a você?
— Claro que sim.
Nicholas abriu o roupão e o colocou de lado. Isso deu a Acacia um
momento para apreciar seu físico. Quando ele se encostou em um dos pilares
de mármore ao redor da hidromassagem, seu bíceps exionou. Nicholas estava
em muito boa forma. Em todo o corpo.
Ele entrou na hidromassagem, e Acacia percebeu que estava morrendo de
desejo. Ela o puxou para o assento ao seu lado e colocou os braços em volta do
pescoço dele, encostando os seios no peito de Nicholas.
As mãos dele deslizaram rumo ao traseiro de Acacia enquanto as bocas se
fundiam em um beijo.
— Isso que eu chamo de boas-vindas. — Ele afastou um dos longos cachos
de Acacia, o colocando atrás da orelha.
— Eu queria te agradecer.
Ele roçou o nariz no dela.
— Você não precisa me agradecer com seu corpo, embora seja um presente
de boas-vindas.
— Você se importa com meu conforto. Isso signi ca muito para mim.
Ele afastou outro cacho desobediente da frente do rosto de Acacia.
— Como você está se sentindo?
— Relaxada. Minha visita ao spa foi muito agradável. Obrigada.
O polegar de Nicholas traçou o espaço entre o quadril e a coxa.
— E aqui?
Ela revirou os olhos.
— Tudo perfeitamente bem.
— Com certeza está perfeito. — Ele encostou no queixo de Acacia. —
Você me aparece com esses olhos e ca surpresa que alguém queira te mimar.
— Nicholas olhou para ela resolutamente. — Estou ansioso para fazer isso
novamente.
Acacia deu a ele um meio sorriso.
— Eu só desejo sua companhia.
Nicholas se recostou em um dos assentos e puxou-a para seu colo. Ele
agarrou os quadris dela com as mãos, sob a água.
— Me beija.
Acacia inclinou a cabeça e beijou Nicholas, saboreando os lábios dele
vagarosamente antes de deslizar a língua para dentro.
As palmas das mãos de Nicholas vagaram pelas costas de Acacia e a
trouxeram de encontro ao peito.
Ela inclinou a cabeça e chupou o lábio superior dele.
Nicholas traçou o caminho entre o queixo e pescoço de Acacia com beijos.
Lambeu a pele e a sugou em seguida.
Acacia expôs o pescoço ainda mais.
Ele mordiscou a pele até a clavícula e a traçou com o dedo. Quando Acacia
estremeceu, Nicholas pegou no seio acima da água e abocanhou o mamilo.
Acacia gemeu e se contorceu em seu colo. Podia senti-lo se erguendo entre
suas pernas, com força e desejo.
Nicholas chupou o mamilo até que Acacia gemeu alto. Então foi para o
outro seio ansiosamente.
Acacia massageou o couro cabeludo de Nicholas enquanto ele a lambia e
chupava. Ela se posicionou em seu colo, os joelhos um de cada lado das coxas
de Nicholas.
— Espere. — Nicholas roçou o queixo com barba por fazer contra o peito
de Acacia. Em seguida, beijou a pele logo acima do coração. — Você está
pronta?
Ela concordou com a cabeça e se inclinou em sua direção.
Os dedos de Nicholas já haviam descido até entre as pernas de Acacia. Ele a
tocou com calma no início. Quando ela começou a se erguer e mover os
quadris, aplicou mais pressão.
Acacia o beijou profundamente.
— Estou.
— Vou só te abrir um pouco. — Gentilmente, seus dedos procuraram a
entrada e se moveram para dentro.
Nicholas curvou os dedos, e Acacia resfolegou.
Com um sorriso, ele estendeu o braço para trás, na direção de uma caixa
discretamente escondida. Ele secou os dedos em uma toalha antes de pegar a
camisinha.
— Creio que vou precisar afastar você por um momento. — Nicholas a
colocou ao lado dele no banco e se levantou. A água escorria de seu peito e seu
abdômen, como se ele fosse um deus do mar emergindo das ondas.
Com rapidez e e ciência, vestiu a camisinha e voltou para a água mais uma
vez.
— Pronto. — Ele sorriu e ergueu Acacia pelos quadris, posicionando-a
sobre ele.
Ela afundou lentamente, de olhos fechados. Quando a parte traseira de suas
coxas encontrou o topo das de Nicholas, ela gemeu e se levantou. Para cima e
para baixo, para cima e para baixo, ela se moveu contra sua plenitude
primorosa.
— Como você está se sentindo? — ele sussurrou.
— Incrível.
Nicholas agarrou os quadris de Acacia e a moveu para cima e para baixo.
Ela precisou colocar as mãos nos ombros dele para se rmar.
— Mmm — ela gemeu.
A água borbulhou e espirrou ao redor dos dois, e pétalas de rosa se
reuniram ao redor de seus corpos.
Nicholas afastou uma pétala enquanto abaixava a boca para o seio de
Acacia.
— Sim. — Sua voz era um gemido gutural.
Não ia demorar muito para Acacia chegar lá. Nicholas estava posicionado
corretamente, e o prazer começou a crescer.
Os movimentos de vai e vem vacilaram, e Nicholas recuou por um
momento. Aumentou a pressão de seu aperto, mantendo um movimento
constante enquanto Acacia gozava.
As sensações eram tão intensas, que ela parecia estar saltando do topo de
uma montanha. Acacia estava em queda livre enquanto seu corpo se retesava e
uma onda de euforia a dominava.
— Isso. — A voz de Nicholas a estimulou enquanto ele continuava a puxá-
la para cima e para baixo. — Magní ca.
Acacia abriu os olhos quando o orgasmo começou a dissipar. A boca de
Nicholas estava aberta, e ele respirava pesadamente, ainda movendo o corpo de
Acacia. Os tendões de seu pescoço se destacaram, e os músculos de seus braços
se contraíram e se exionaram.
Seus olhos queimaram nos dela.
— Agora — Nicholas gemeu quando ela se sentou nele. Acacia esfregou os
quadris quando o corpo dele começou a tensionar. Nicholas manteve o olhar
nos olhos de Acacia enquanto pulsava dentro dela, cuja boca se entreabria.
Acacia piscou os olhos sentindo o olhar de Nicholas sobre si, sentindo o
peso do momento que desfrutavam. A expressão dele mudou. De alguma
forma, se tornou feroz. Suas mãos apertaram o traseiro de Acacia.
— Incrível.
Ela desabou contra ele e apoiou a cabeça em seu ombro. As mãos caíram ao
lado do corpo.
— Você acabou comigo.
Nicholas a abraçou.
— Que doçura.
Acacia deu um suspiro feliz.
Nicholas beijou sua testa.
— Mon trésor. Estamos bem juntos, não?
— Muito bem. — Acacia fechou os olhos.
— Você vai dormir? — A voz estava tingida de diversão.
— Talvez.
A boca de Nicholas roçou na orelha de Acacia.
— Eu ainda estou dentro de você.
— Sim. — Ela se mexeu em seu colo. — Eu gosto de você aí dentro.
— Que bom. — Nicholas deu uma risadinha. — Eu gosto de estar aqui
também. Lamento que tenha sido um dia tão cansativo. Amanhã será melhor.
— Ele deixou um beijo atrás da orelha dela.
Acacia não abriu os olhos.
— Só um minuto. — Ele saiu de dentro de Acacia e a colocou de lado no
assento da hidromassagem. Rapidamente, se livrou do preservativo. Então ele
se sentou ao lado de Acacia e deu um beijo suave em seu ombro. — Acho que
está na hora de dormir.
— A forma como você me olhou no nal… É quase como se você… —
Abruptamente Acacia fechou a boca. Seu rosto cou vermelho.
Nicholas cou tenso.
— Quase como se eu o quê?
— Nada. — Ela subiu no colo de Nicholas e acariciou o pescoço do rapaz.
— Estou no paraíso tagarelando.
— Duvido que você tenha tagarelado um dia sequer em sua vida. — Ele
brincou com o cabelo de Acacia, passando os dedos por entre os cachos negros.
Acacia decidiu mudar de assunto antes de falar alguma bobagem.
— Posso fazer uma pergunta sobre isso aqui? — E encostou na cicatriz.
Nicholas cou imóvel. Ela se afastou. Baixou a guarda e começou a forçar
uma intimidade que não deveria.
Acacia se xingou mentalmente.
Nicholas pegou a mão de Acacia submersa e a puxou para fora da água.
— Eu contarei para você algum dia. Não essa noite.
— Eu sinto muito por bisbilhotar. Não faz diferença.
Ele virou a cabeça rapidamente.
— Não?
— Não. — Ela se endireitou em seu colo. Com a outra mão, ergueu os
cachos que emolduravam o lado direito de seu rosto, torcendo os os para
expor uma faixa de pele de cinco centímetros onde o cabelo não crescia mais.
— O que é isso? — Nicholas largou a mão dela e inclinou a cabeça para
que pudesse observar com mais atenção.
— Tomei alguns pontos quando era jovem. Meu cabelo esconde a marca.
Nicholas traçou a área com o polegar.
— Como isso aconteceu?
— Uma briga entre meu pai e minha mãe. Acabei cando no meio. —
Acacia adotou uma expressão estoica. — O cabelo nunca mais cresceu.
Os olhos de Nicholas encontraram os dela. Lenta e deliberadamente, ele
pressionou os lábios na pele desnuda.
— Tem mais alguma dessas?
— Nenhuma que você possa ver. — Ela sorriu um pouco aberto demais.
A expressão de Nicholas escureceu.
— Eu falei sério em Cologny. Qualquer um que tente foder com você vai
se foder comigo.
— Houve um tempo em que eu não conseguia cuidar de mim mesmo. Esse
tempo já passou.
Nicholas parecia prestes a expressar seu desacordo, mas pensou melhor e
não o fez.
— Nossas cicatrizes não nos de nem — ela disse simplesmente.
— Temo que você esteja errada, chérie, pelo menos no meu caso.
Gotas de água caíram de seus dedos quando sua mão submergiu. Ela traçou
a cicatriz, mal roçando a superfície da pele enrugada. Então Acacia a beijou,
centímetro a centímetro.
Nicholas pegou seus dedos e trouxe as mãos entrelaçadas até seu coração.
— Que pessoa mais doce eu tenho em meus braços.
— Você tem uma alma nobre, Nicholas. Você tem sido atencioso e
generoso. Eu sou muito sortuda.
Ele levou a mão até a nuca de Acacia e a segurou.
— Você não acharia que eu sou nobre se soubesse o que havia em minha
alma.
— Não estou dizendo que você é perfeito. Mas seja qual for a imperfeição
que tenha, ela é marcada pela nobreza.
Nicholas gemeu.
— Se você soubesse…
— Eu tenho minha própria parcela de escuridão, Nicholas. Não estou
inclinada a conversar sobre isso, mas você precisa saber que ela existe.
Ele a olhou, pensativo.
Acacia percebeu que Nicholas não parecia surpreso.
Ele se mexeu no assento e abaixou a mão para poder segurar o seio de
Acacia.
— Vou te levar para a cama. Eu quero provar você.
— Agora? — Acacia piscou, surpresa com a mudança repentina de assunto.
— Sim.
— Ok. — Acacia abaixou a cabeça e ngiu examinar as mãos. — De
qualquer forma, meus dedos estão começando a enrugar. Eu preciso sair.
Ela se desvencilhou do abraço e ergueu uma toalha branca e grossa de um
móvel próximo.
— Acacia. — Nicholas tocou em seu pulso. — Você sempre pode recusar.
Ela abaixou o olhar para a toalha em mãos.
— Por que eu recusaria quando você me oferece prazer?
— Porque somos iguais. — Ele esfregou o rosto. — Porque somos amigos
além de amantes, e eu nunca tiraria proveito de você.
Acacia suspirou. A hierarquia entre eles existia. Não podia ser negada.
Sua expressão era quase suplicante.
— Tenha paciência.
Acacia não tinha certeza de por que ele pediu paciência ou por que pareceu
tão culpado quando ela o elogiou. Haveria tempo su ciente para re etir sobre
essas questões mais tarde.
Acacia sorriu para Nicholas.
— Eu acho que você me deve um encontro em uma mesa de jantar.
Ele cou boquiaberto por um momento. Então sorriu.
Acacia se recusou a sentir vergonha quando ela e Nicholas passaram pelo
segurança, substituto noturno de Kurt, na sala da suíte.
— Não nos perturbe — disse Nicholas por cima do ombro. Ele seguiu
Acacia até a sala de jantar e acendeu as luzes.
Um grande lustre ornamentado se mexia suavemente acima da mesa.
Nicholas ajustou o interruptor até car satisfeito com a iluminação suave.
Acacia pulou na mesa de mogno.
Ele fechou a porta e parou diante dela. Olhou para as pernas pendendo
sobre a mesa.
Excitação, misturada com apreensão, a percorreu. Embora Nicholas tivesse
acabado de fazer sexo com ela na banheira de hidromassagem no andar de
cima, ele parecia faminto.
— Tire o robe.
Acacia desatou o nó em sua cintura. Em seguida, deu a ele um olhar
questionador.
Nicholas assentiu.
Ela tirou o robe, que caiu ao seu redor na mesa. Agora estava nua.
Acacia mordeu o lábio. Um dos guarda-costas estava logo atrás da porta.
Ele saberia o que os dois iam fazer.
— Deixe-o para lá — ordenou Nicholas. Ele se afastou da porta e se moveu
em sua direção. — Está com frio?
— Não.
Nicholas olhou para os seios dela com descon ança.
— Se você car com frio, me diga. Você está linda. — Ele acariciou os
ombros nus dela e segurou os seios. — Você está absolutamente perfeita.
A pele de Acacia esquentou sob aquela apreciação explícita.
— Obrigada.
Ele acariciou os joelhos de Acacia.
— Estou com vontade de me banquetear.
Ajoelhou-se em frente à mesa e puxou as pernas dela sobre seus ombros.
— Deite-se.
Acacia reclinou-se e olhou para o lustre enquanto Nicholas massageava suas
panturrilhas. Ele acariciou a parte interna da coxa antes de beijar o quadril de
Acacia. Nicholas repetiu as ações na outra perna.
Acacia esticou o braço para levar a mão à cabeça de Nicholas. Passou os
dedos pelo cabelo úmido. Então ele encostou nela com a boca aberta.
Sua língua provou, e recuou, e provou novamente. Mordiscou a pele e a
provocou com os lábios.
Acacia puxou o cabelo de Nicholas, a m de trazê-lo para mais perto.
Ele riu e começou a lamber.
Acacia não conseguia manter os olhos abertos. Espalmou a mão contra o
topo da cabeça de Nicholas e o empurrou para frente.
Ele a lambeu em um padrão alternado antes de tocar a parte plana de sua
língua onde ela mais o desejava.
Acacia soltou um gemido alto e levou os tornozelos aos ombros dele. O
gesto permitiu que levantasse os quadris e se inclinasse mais rumo à boca
aberta. Nicholas aplicou mais pressão com a língua, e ela se elevou ao mesmo
tempo em que sons escaparam de seus lábios. As costas se arquearam na mesa
enquanto Acacia mantinha a boca de Nicholas presa contra sua fenda.
Ele continuou a prová-la até que as pernas de Acacia começaram a tremer, e
ela soltou a cabeça de Nicholas.
— Chega — sussurrou e inclinou-se mais para trás.
Com cuidado, Nicholas tirou os pés de seus ombros. Ele cou entre as
pernas dela e enxugou a boca com a manga do roupão.
Quase atordoada, Acacia olhou para cima e abanou com a mão a parte
inferior do abdômen.
— Estou sentindo você até agora.
— Que bom. — Nicholas deu a ela um sorriso diabólico.
Seus olhos a devoravam. Então ele agarrou as pontas do robe e o colocou
sobre ela.
— Eu não quero que você pegue um resfriado.
— Vem cá. — Acacia acenou para Nicholas.
Ele colocou as mãos em cada lado dos quadris dela e se inclinou mais perto.
Ela o beijou profundamente.
Quando eles se separaram, Nicholas deslizou as mãos pelas costas dela e a
ajudou a se sentar. Ele posicionou o robe em volta dos ombros e amarrou o
cinto na cintura.
— Isso foi divertido o su ciente para você? — Nicholas beijou o nariz dela.
Tudo o que Acacia pôde fazer foi sorrir.
Atração. Ansiedade. Satisfação. Conforto.
Acacia estava nua com Nicholas, a cabeça apoiada em seu ombro.
Ele se reclinou de costas na cama projetada para um rei. Seu braço se
curvou ao redor dos ombros de Acacia, e seus dedos traçaram desenhos de
forma preguiçosa no braço dela
Acacia encostou no abdômen de Nicholas e pousou a mão sobre os vales de
seus músculos.
— Está acordada? — A voz era um pouco mais do que um sussurro.
Acacia concordou com a cabeça.
Ele deu uma risadinha.
— Achei que você tivesse adormecido.
— Você me despertou.
Os dedos dele roçaram em seu cotovelo.
— Eu posso dizer o mesmo.
— Esses momentos são perigosos. — Apesar do que havia dito, Acacia
bocejou e se aninhou em seu ombro novamente.
— Por quê? — Os movimentos interromperam.

É
— É pací co e aconchegante. Essas são as ocasiões em que as pessoas cam
tentadas a dizer coisas grandiosas só por dizer.
— Que tipo de coisas?
— Ah, eu não sei. — Acacia deslizou a mão até o peito de Nicholas, perto
do coração.
Nicholas continuou acariciando o braço de Acacia.
— Eu não digo nada só por dizer.
— Que bom.
A mão direita de Nicholas subiu para cobrir a dela em seu peito.
— Estou falando sério.
Acacia beijou o ombro de Nicholas.
— Então quando eu digo que somos bons juntos, Acacia, eu falo sério.
Acacia sorriu.
— Errado você não está.
Ele levou os lábios ao cabelo dela.
— Eu pedi que você fosse paciente comigo. Mas é bom que você saiba que
eu também posso ser paciente. Muito, muito paciente.
Acacia ergueu a cabeça para poder ver seus olhos.
— Por que você precisaria ser paciente?
Nicholas sorriu lentamente, e o coração de Acacia deu um salto no peito.
Sua boca foi até a de Acacia e a beijou.
— Durma, mon ange.
Acacia apoiou a cabeça no travesseiro ao lado de Nicholas e fechou os
olhos.
No dia seguinte, Nicholas e Acacia foram acompanhados por Rick e Kurt até
um dos restaurantes, no centro do hotel. Havia um horário marcado para o chá
da tarde com o contato de Constantine às duas horas.
Como sempre, Nicholas estava vestido com um terno preto sob medida.
Nesta ocasião, ele combinou o terno com uma camisa preta igualmente na e
gravata de seda monocromática.
Ele e seu contato apertaram as mãos e trocaram cumprimentos educados.
— E esta é a minha intérprete. — Nicholas gesticulou para Acacia, que deu
um passo à frente.
Ela usava um vestido preto austero até os joelhos. Um casaco curto de seda
verde esmeralda cobria seus braços. Meias pretas e salto alto completavam o
gurino.
Eles se acomodaram em um canto privativo do restaurante, que cava de
frente para as enormes janelas com vista para Dubai.
O contato de Constantino permaneceu indiferente, protegido por quatro
guarda-costas. Ele usava um terno azul-marinho e gravata. Seu cabelo era
grisalho, e ele tinha uma barba cheia. Os olhos escuros olharam para Acacia
com ceticismo.
Ele voltou sua atenção para Nicholas.
— Tive a impressão de que seria uma reunião privada. — O homem falava
um inglês impecável.
— Trouxe minha intérprete como cortesia. Receio que meu árabe não seja
igual ao seu inglês. — Nicholas tentou amenizar a situação.
Os olhos do homem se voltaram para os de Acacia. Ele mudou para o
árabe.
— Duvido que o conhecimento desta mulher sobre a língua seja igual ao
meu.
— Isto provavelmente é verdade, senhor — respondeu Acacia, também em
árabe. — Mas estou sempre ansiosa por oportunidades de praticar e evoluir.
O homem a estudou.
Ele deu a ela um breve aceno de cabeça e continuou a falar com Nicholas
em inglês.
— Não há necessidade de intérprete. Nós podemos falar em inglês. Eu
pre ro privacidade. — O homem acenou com a mão para seus guarda-costas,
que se afastaram alguns metros.
Nicholas fez contato visual com Acacia. Ela leu um pedido de desculpas em
sua expressão, um que ele não poderia expressar na presente companhia. Ela
queria contar a Nicholas que não ligava por ter sido dispensada. Mas no papel
de assistente, ela não podia fazer isso. Então deu a ele um pequeno sorriso em
vez de uma explicação.
Nicholas inclinou a cabeça. Ele gesticulou para Rick e Kurt e voltou-se para
Acacia.
— Você pode ir. A segurança vai acompanhá-la.
Nicholas deu a Acacia um olhar carregado de signi cado.
— Muito bem, senhor. — Acacia acenou com a cabeça.
Como ela suspeitava, o contato de Constantine era tradicional, talvez até
paranoico. Ele não queria testemunhas em sua conversa. Acacia também
observou que eles não se apresentaram.
Acacia caminhou com Kurt pelo amplo átrio em direção aos elevadores.
Estava imersa em pensamentos, não apenas sobre a reunião, mas também sobre
suas atividades com Nicholas na noite anterior.
Depois de seu encontro na mesa da sala de jantar, ele a levou para a cama.
Os dois dormiram bem, nus e entrelaçados um no outro. Na verdade,
provavelmente foi o sono mais reparador que já teve na vida. Acacia sorriu e
pensou nos deleites que a aguardavam nos braços de Nicholas.
Então algo chamou sua atenção.
Ela se virou e viu um homem mais velho em um terno cinza de corte no,
cercado por guarda-costas de terno preto. O homem caminhou rapidamente
pelo átrio.
Ela parou e cou olhando.
Outro homem de terno semelhante, muito mais jovem, cumprimentou o
homem. Eles apertaram os braços um do outro. Acacia teve um vislumbre do
rosto do homem mais velho.
Seu coração pareceu parar no peito. O tempo pareceu se esticar e
desacelerou como se rastejasse.
O homem envelhecera, é claro, e seu cabelo preto agora estava misturado
com branco. Mas ela reconheceria aquele rosto em qualquer lugar. E se havia
alguma dúvida, ela reconheceu o anel de sinete em sua mão direita quando ele
cumprimentou o outro homem e alisou a gravata cinza.
Acacia abaixou a cabeça e caminhou o mais rápido que pôde em direção ao
elevador.
Atrás dela, Kurt se apressou em manter o ritmo.
O coração batia descontroladamente e o sangue pulsava em seus ouvidos.
Ela resistiu à vontade de correr e tomou cuidado de car de frente para os
elevadores, de costas para o homem. Apertou o botão do elevador.
— O que houve? — Kurt perguntou em francês.
— Nada — ela mentiu. — Vamos.
Quando os elevadores abriram, ela entrou correndo e cou de costas para o
átrio. Tocou o pingente de hamsá em seu pulso e rezou com todas as suas
forças para que o homem não a tivesse visto.
Quando as portas se fecharam, ela se encostou na parede e cobriu o rosto
com as mãos.
— O que foi isso? Eu preciso ligar para o chefe? — Kurt se inclinou em sua
direção.
Ela baixou as mãos.
— Não.
Kurt parecia preocupado.
— Você está passando mal?
— Não. — Ela olhou para a câmera de segurança no canto superior do
elevador. — Estou bem.
Quando o elevador abriu no andar deles, ela cruzou a soleira e começou a
correr. Apressou-se pelo tapete grosso até a suíte e rapidamente passou seu
cartão-chave.
Kurt a seguiu.
Acacia tirou os saltos ao entrar na sala e os jogou de lado. Ela subiu as
escadas para seu quarto o mais rápido que pôde.
— O que está acontecendo? — Kurt entrou no quarto logo atrás dela.
Acacia não se virou.
— Há câmeras de segurança no elevador e provavelmente também deve
haver escutas. Você sabe disso.
Ela correu para o enorme quarto de vestir que cava ao lado da suíte em si.
Kurt parou na porta.
— O que você está fazendo?
Ela pegou um par de sapatos baixos e confortáveis e os calçou.
— Vou para o aeroporto tomar o primeiro voo disponível. Eu não me
importo com onde vou parar.
— Eu vou ter que contar para ele. — A voz de Kurt estava rme.
Seus olhos brilharam.
— Conte depois que eu for embora.
Kurt franziu a testa e desapareceu de vista.
Acacia digitou um código de segurança no cofre do quarto e o abriu. Pegou
os passaportes, dinheiro e o celular pré-pago e os jogou na bolsa. Não houve
tempo para fazer as malas.
Então ela se lembrou do colar.
Demoraria minutos valiosos para ir buscá-lo. Mas Acacia não deixaria a
peça para trás.
Ela jogou a cautela de lado e correu até o quarto de Nicholas. Passou
correndo pela cama e entrou no banheiro. O colar de lápis-lazúli ainda estava
onde ela o havia colocado na noite anterior.
Acacia o pegou e colocou rapidamente. Seus dedos tremiam enquanto ela
tentava prendê-lo. Finalmente conseguiu travar o fecho.
Correu de volta para seu quarto e desligou o notebook, em seguida jogou-o
junto com o cabo em uma bolsa. Olhou em volta ansiosamente em busca do
telefone celular o cial. Então percebeu que estava no bolso de seu casaco.
Pegou o aparelho e desligou-o, caso alguém tentasse rastreá-la. Ela não teve
tempo de remover o cartão SIM. Precisaria fazer isso no aeroporto.
Acacia pendurou a bolsa no ombro e agarrou a outra bolsa, estilo sacola.
— Você está indo embora? — A voz de Nicholas surgiu às suas costas.
Ela se virou.
— Sim.
— Você pretendia me contar? — O tom mal escondia a raiva.
Ela manteve a cabeça baixa e foi em direção à porta.
— Não teria tempo para isso.
Ele bateu a porta atrás de si e cou na frente de Acacia, os punhos cerrados.
— Por quê?
— Eu preciso ir embora. — Ela estava implorando. — Eu estou em perigo
aqui.
Os olhos de Nicholas se estreitaram.
— Não por minha causa.
Ela tentou passar, mas Nicholas a bloqueou.
— Diga o que está acontecendo.
Ela passou a mão no cabelo e o puxou pela raiz, nervosa.
— Eu vi alguém no átrio.
— Quem?
— Omar Zaid Hirzalla — ela sussurrou. — Eu tenho que sair daqui.
Nicholas deu um passo à frente.
— Quem é ele?
— Nicholas, por favor! — Acacia implorou.
— Não posso ajudá-la se você não me contar do que tem medo.
Lágrimas de medo se formaram em seus olhos.
— Ele é tra cante de armas. Ele é perigoso. Por favor, me deixe ir.
Nicholas parecia atordoado.
— Como você conhece um tra cante de armas?
Ela hesitou.
— Acacia. — Ele abaixou a cabeça e quase encostou o nariz no dela. —
Diga-me quem é este homem agora.
Acacia engoliu o nó na garganta.
Seu olhar disparou para a porta. Estava perdendo um tempo precioso.
Ela olhou de volta para Nicholas.
— Ele é meu pai.
Nicholas afastou o rosto rapidamente.
— Seu pai?
— Preciso sair do hotel antes que ele venha me buscar.
Nicholas passou a mão pela boca.
— Então você não está indo embora por minha causa?
— Claro que não. — Ela enxugou uma lágrima. — Mas se você não sair da
frente da porta, eu mesma te tiro daí.
Nicholas ergueu as mãos.
— Deixe-me ajudá-la. Diga o que aconteceu.
— Não há nada que você possa fazer. — Ela passou por ele e abriu a porta.
— Eu vi meu pai. Eu não acho que ele tenha me visto, mas caso tenha, virá
atrás de mim. Ele vai encontrar minha mãe. Eu preciso ir para o aeroporto.
— Calma. — Nicholas a segurou pelo cotovelo. — Onde está a sua mãe
agora?
— Recife.
— Tem certeza de que era seu pai?
— Eu vi o rosto dele. E o anel que sempre usou.
Nicholas a conduziu para a sala.
— Você pode ligar para sua mãe de uma linha segura. Vou providenciar
para que a removam para um local seguro.
— Você faria isso? — Acacia fungou e desejou ter um lenço de papel.
Nicholas encostou brevemente os lábios em sua testa.
— Vamos removê-la temporariamente, até decidirmos o que fazer a seguir.
Não importa quem seu pai seja, ele não fará nada dentro do hotel. Vou
providenciar segurança adicional. Vou noti car a segurança do hotel também.
Acacia puxou seu braço.
— Se você avisar o hotel, ele vai descobrir.
Nicholas observou suas lágrimas.
— Vou falar com minha equipe de segurança para encontraremos uma
alternativa.
Ao se aproximarem da escada, Acacia avistou Kurt.
Seus olhos estavam em alerta. Ele seguiu Nicholas e Acacia pelas escadas, e
os três entraram na sala de mídias, que havia se tornado um centro de
segurança.
Assim que Nicholas entrou na sala, Wen e Rick caram atentos.
— Wen, eu preciso de uma linha segura. A Acacia vai ligar para o Brasil.
Nicholas a guiou até um sofá baixo. Ele puxou a bolsa e a sacola de seus
ombros e as colocou ao seu lado.
Retirou um lenço de seda do bolso da camisa. Com ternura, enxugou o
rosto de Acacia.
— Você precisa de uma bebida. — Ele depositou a seda em sua mão. — Eu
volto já. Rick, venha comigo.
O guarda-costas deu um passo à frente, seus olhos se estreitaram em Acacia.
Ela o ignorou, a mente dando voltas.
Rick e Nicholas atravessaram o corredor em direção à sala de jantar. Acacia
os ouviu conversando, mas não conseguiu decifrar as palavras. Kurt parou na
porta e olhou por cima do ombro, como se estivesse avaliando a localização de
Nicholas e Rick. Ele se aproximou do sofá.
— Eu precisei contar para ele. É meu chefe.
Acacia assentiu e agarrou o lenço.
Kurt se agachou na frente dela.
— Eu não teria deixado ninguém chegar perto de você. Meu trabalho é
mantê-la em segurança. Entende?
— Eu entendo — Acacia respondeu em voz baixa.
— Mas você deve nos contar sobre toda e qualquer ameaça. Podemos lidar
com surpresas, mas não gostamos delas. Tampouco o chefe gosta. — Parecendo
ter cumprido seu propósito ao vir falar com ela, Kurt voltou para sua posição
na porta e esperou o retorno de Nicholas.
Wen veio com um telefone em mãos e se dirigiu a ela em inglês.
— Esta linha é segura. Você sabe o número?
Ela acenou com a cabeça. Discou com dedos trêmulos.
Quando a mãe respondeu, Acacia deu um suspiro de alívio. Imediatamente
mudou para o português.
— Mãe? Onde você está agora?
— Na cama — respondeu a mãe, sonolenta. — Que horas são?
— Não importa. Ouça, mãe, você tem que se levantar. Eu o vi.
Houve uma pausa do outro lado da linha.
— O que você disse?
— Ele, mãe. Eu o vi. Não sei se ele me viu, mas não posso correr o risco.
Você precisa se levantar e ir arrumar uma mala.
Acacia ouviu o farfalhar das roupas de cama.
— Onde você está? — perguntou a mãe.
Acacia fechou os olhos com força.
— Dubai.
— Dubai? — a mãe gritou. — O que você está fazendo em Dubai?
— Estou aqui com um amigo. Arranjamos alguém para ir buscar você. Vão
te levar para um lugar seguro.
— Sua estúpida! Você sabia que não devia ir para essa região. Você
enlouqueceu? Agora vamos ter que começar tudo de novo — A mãe praguejou.
Acacia abafou um soluço.
— Me perdoe, mamãe.
Nicholas se aproximou e gesticulou para o telefone.
Acacia o entregou.
— Senhora Santos, aqui é Nicholas Cassirer — ele falou em inglês.
Acacia ouviu a mãe respondendo na mesma língua.
— Sou o namorado de Acacia. Arrume uma mala e esteja pronta para ir
embora em menos de uma hora. Estou mandando alguém te buscar. Você pode
pedir a ele a senha. A senha é Santorini. — Os olhos de Nicholas encontraram
os de Acacia.
Ela ouviu a mãe discutir com Nicholas em uma mistura de português e
inglês.
— Senhora Santos — ele interrompeu. — Você precisa se arrumar agora.
Leve tudo o que você valoriza com você, incluindo seu passaporte. Ligue para
mim neste número em caso de algum problema.
Ele esperou a con rmação.
Acacia ouviu a mãe o fazer secamente antes de desligar.
Nicholas afastou o telefone da orelha e franziu a testa. Ele o entregou a
Wen antes de ir pegar uma bebida em uma mesa próxima.
— Me parece que você precisa disso aqui. — Ele colocou o copo nas mãos
de Acacia. — Vou fazer outra.
Grata, Acacia tomou um gole de vodca e tônica enquanto os xingamentos
de sua mãe ecoavam em seus ouvidos.

***
Acacia abriu os olhos.
Ela olhou para o dossel que pairava sobre a cama de Nicholas. Confusa,
virou-se para o lado; Nicholas a observava de uma poltrona próxima.
Ele havia tirado o paletó e a gravata e arregaçado as mangas da camisa. Sua
expressão era moderada, os olhos, cautelosos.
— Como você está se sentindo?
— Desorientada. — Ela se sentou e percebeu que havia tirado o casaco
verde, mas ainda estava com o vestido e as meias. — Que horas são?
— Já passa das cinco.
— Passei duas horas dormindo?
— Sim. — Ele foi até a cama e sentou-se ao lado dela. — Você estava em
choque. Sua adrenalina caiu e você adormeceu no sofá lá embaixo.
— Talvez tenha sido a vodca com tônica. — Acacia esfregou a cabeça. —
Você não botou nada na bebida, botou?
— É claro que não. — Nicholas se irritou. — Eu admito que a bebida era
forte, mas você precisava dela. Estava tremendo como uma folha.
Acacia ergueu a cabeça.
— Minha mãe.
— Ela está em segurança em Manaus. Ela está bem.
— Posso falar com ela?
Nicholas franziu a testa.
— Você pode, mas eu não recomendo que o faça. Ela não está com um
bom humor no momento.
Acacia levou as palmas das mãos aos olhos. A mãe a culpou pelo que
aconteceu. Ela nunca a perdoaria.
— Eu coloquei a vida dela em risco ao vir aqui — Acacia se lamentou.
— Que absurdo. Como você poderia saber que ele estaria aqui?
— Evitamos esta região do mundo intencionalmente. Eu devia ter previsto.
— Não foi sua culpa.
Acacia agarrou os lençóis.
— E quanto à sua reunião com o contato de Constantine? Você conseguiu
voltar?
— Não se preocupe com isso. Como você está se sentindo?
— Esgotada. Chateada. — Sonolenta, Acacia coçou os olhos.
— Eu preciso te passar algumas informações. — O tom de Nicholas era
grave. — Você está se sentindo bem?
Ela balançou a cabeça.
— Minha equipe pesquisou, e você tinha razão: o homem que você viu
realmente é Omar Zaid Hirzalla.
Uma sensação de horror cresceu no peito de Acacia.
— Ele está aqui agora?
— Não. Disseram que ele saiu do aeroporto em um avião particular há
cerca de uma hora. Aparentemente ele está indo para o Marrocos. — Nicholas
soltou os dedos dela do lençol. — Eu te devo desculpas.
— Por quê?
— Por gritar com você. Sinto muito.
— Desculpas aceitas.
O olhar de Nicholas se desviou para as mãos unidas dos dois.
— Eu pensei que você estava me deixando.
— Eu estava tentando fugir dele.
— Da próxima vez, permita que eu te ajude.
Acacia cerrou os dentes.
— Não haverá uma próxima vez. Eu nunca mais quero estar próxima dele
novamente.
O olhar de Nicholas permaneceu nos olhos de Acacia antes de descer para
os grandes globos azuis ao redor de seu pescoço.
— Você não estava usando o colar na reunião.
— Não. — Instintivamente sua mão cobriu a peça. O pingente de hamsá
balançou em seu pulso.
— Você parou de se arrumar para poder levar meu presente com você?
Acacia mudou de assunto.
— Você conseguiu reagendar a reunião?
Sua expressão se contraiu. Ele balançou a cabeça.
— Nicholas, eu sinto muitíssimo. Você conseguiu obter qualquer
informação que seja?
— Nós mal começamos a conversar.
— Ah, não.
Nicholas ergueu os ombros.
— Sempre há obstáculos na vida.
Acacia estremeceu. Nicholas não conseguiu esconder a decepção. Era
evidente em seus olhos e em seu rosto.
— Você desistiu da chance de encontrar as obras de arte de sua família
porque Kurt disse que eu estava indo embora?
Nicholas não respondeu. A intensidade abrasadora de seu olhar foi
su ciente.
— Eu sinto muitíssimo — ela sussurrou.
— Quando você se sentir à vontade, gostaria que me contasse como uma
concierge brasileira acabou sendo parente de um tra cante de armas
jordaniano.
Acacia recostou-se nos travesseiros.
Nicholas estava em con ito, era óbvio. Estava claramente chateado com o
que havia acontecido com Acacia. Mas havia um toque de censura em sua voz
que ela não gostou.
— Eu não gosto de deixar nada em suspensão — ela disse acaloradamente.
— Nem eu — Nicholas desa ou.
— Ok. — Ela o encarou com um olhar desa ador. — A história é simples.
Eu nasci na Jordânia, sou lha de mãe brasileira e pai jordaniano. Minha mãe
se converteu ao islã quando se casou com meu pai.
— Presumo que Acacia Santos não seja o seu nome verdadeiro.
— Não. Meu nome é Hanin. Hanin Hirzalla.
— Hanin. — Nicholas pronunciou o nome como se zesse uma carícia.
— Signi ca anseio ou desejo em árabe.
— Combina com você.
Ela olhou para os lençóis. Nicholas pertencia a uma antiga e importante
família judia europeia. Ela estava preocupada sobre como ele reagiria à
revelação de que ela era muçulmana. Mas Nicholas parecia não se importar. E a
maneira como ele pronunciava seu nome verdadeiro…
— Moramos em Amã até os meus dez anos de idade, depois minha mãe
fugiu me levando pela mão. Não vi meu pai desde então.
— Se você não o vê há tantos anos, como o reconheceu?
— Eu sei como o meu pai é. Além disso, o homem lá embaixo estava
usando o mesmo anel de sinete de sempre.
— Então você fugiu da Jordânia e foi para o Brasil?
— Isso mesmo.
Nicholas alisou as rugas das calças do terno.
— Por que você tem medo dele?
Acacia afastou o cabelo do rosto e expôs sua cicatriz.
— É um motivo e tanto. — Os olhos de Nicholas encontraram os dela. —
Há mais?
— Ele mandou um homem ao Brasil para me sequestrar quando eu tinha
quinze anos. Mas, naquela época, eu tinha treinamento su ciente em artes
marciais para conseguir fugir.
As sobrancelhas de Nicholas se ergueram.
— E o que aconteceu?
Acacia olhou para o chão.
— Estávamos morando no Rio. Eu estava voltando da escola, indo para
casa. Alguém me agarrou e começou a falar em árabe sobre meu pai. Ele não
esperava que eu lutasse, então eu o surpreendi.
Nicholas deu uma risadinha. Mas quando viu a expressão de Acacia, cou
sério.
— Peço desculpas. Não tem graça. Mas é maravilhoso pensar na ideia de
você espancando um homem adulto quando era adolescente.
— Minha mãe e eu precisamos deixar tudo para trás e fugir do Rio para o
Recife. Tivemos de mudar de identidade. Novamente. — Acacia passou as
mãos pelo cabelo. — E isso não é o pior de tudo
— O que é o pior? — Nicholas sussurrou.
— Meu pai vendeu materiais para a fabricação de bombas para as pessoas
que bombardearam Damasco em 1986. Mataram civis nesse atentado.
Nicholas piscou.
— Isso não estava no dossiê que me foi fornecido.
— Você tem um dossiê sobre ele?
— Assim que você me deu o nome, pedi a Wen que entrasse em contato
com alguns aliados. O dossiê dizia que seu pai é um rico empresário jordaniano
que viaja muito, fazendo negócios em todo o Oriente Médio e Norte da África.
É amplamente conhecido que ele é um tra cante de armas, mas ninguém foi
capaz de o vincular a um ataque terrorista especí co ou alguma invasão.
— Procure o Atentado de Março de 1986 em Damasco. Ele admitiu para
minha mãe sobre isso e sobre os materiais também vendidos para os Atentados
de Abril.
Os olhos de Nicholas se estreitaram.
— Se você tinha dez anos em 1986, não pode ter trinta e cinco.
— Só soubemos dos atentados anos depois, pouco antes de eu completar
dez anos. Naquela época, ele estava negociando armas por toda a região. Ele
manteve suas atividades em segredo, mas minha mãe descobriu. Quando
fugimos para o Rio, adotamos novas identidades e mudamos nossas datas de
nascimento. Tenho trinta e sete anos. — Ela abanou a mão sobre o rosto. —
Onde você disse que minha mãe estava?
— Em um esconderijo em Manaus. Ela está sob os cuidados de um ex-
agente da CIA. Você pode falar com ela novamente amanhã. — Ele fez uma
pausa com a testa franzida. — No dossiê, você e sua mãe estão registradas
como falecidas.
— Quão boa é a sua inteligência?
Ele acertou as mangas dobradas de sua camisa preta.
— Digamos que tenho amigos nos Estados Unidos.
O estômago de Acacia deu um salto.
— Por favor, me diga que você não deu nossos nomes a eles.
— Claro que não. — As sobrancelhas de Nicholas se uniram. — A pessoa
que nos interessa é o seu pai. Inclusive, devo dizer que nossos amigos
americanos caram gratos por meu relatório. Eles estão rastreando o seu pai há
algum tempo.
As mãos de Acacia se en aram no cabelo. Ela se balançou para frente e para
trás e puxou os os.
— Não faça isso. — As mãos de Nicholas cobriram as dela. — Você está se
machucando.
Acacia permitiu que Nicholas soltasse os dedos de seu cabelo e abaixasse as
mãos sobre o colchão.
— Minha mãe está em posse da CIA.
— Não. — Nicholas voltou a colocar as mãos nos joelhos. — Sua mãe está
em minha posse. O ex-agente e sua equipe são apenas as pessoas que estavam
disponíveis para mim.
— Meu pai vai encontrá-la.
— Não, ele não vai. A remoção foi feita de forma rápida e silenciosa. —
Nicholas tocou em sua mão. — Preciso lhe dizer que havia certidões de óbito
no dossiê, uma para você e outra para sua mãe. Qualquer pessoa que tiver
acesso ao dossiê vai pensar que você e sua mãe morreram há muito tempo.
— Meu pai deve ter informado que morremos assim que fugimos.
— As certidões de óbito pareciam o ciais. Suas novas identidades são
sólidas. Minha melhor equipe investigou você e não havia nem mesmo uma
pista de sua verdadeira origem.
— Minha mãe subornou um funcionário do governo no Rio. Ela rompeu
relações com amigos e familiares em Minas Gerais antes de deixarmos a
Jordânia. Nunca entramos em contato com eles.
Nicholas lançou um olhar pensativo.
— Suas impressões digitais não estão ligadas a outra identidade.
— Eu era tão jovem quando fomos para o Brasil, que não tinha minhas
impressões digitais registradas. E depois, quando trocamos de identidade e nos
mudamos para Recife, minha mãe subornou o mesmo funcionário.
— Tenho certeza de que deve ter sido uma infância muito confusa para
você.
— O ódio é a única coisa que acho confusa.
— Você mentiu para mim. — Havia tristeza em sua voz.
Acacia puxou os lençóis e afastou as pernas do colchão, pisando no chão.
— Eu menti para todo mundo. Assim como você mentiu para mim e para
o resto da equipe quando entrou no Hotel Victoire.
Ele a observou por um momento.
— Agora que estamos revelando toda a verdade, há mais alguma coisa que
eu deva saber?
— Minha mãe encontrou armas em nosso apartamento em Amã. Quando
ela confrontou meu pai, ele cou violento. — Acacia gesticulou para onde sua
cicatriz estava escondida sob o cabelo. — Eu tentei protegê-la, e ele nos
agrediu. Ameaçou nos matar se contássemos a alguém sobre as armas. Minha
mãe aguardou o tempo certo e conseguiu pagar a um homem para nos tirar da
Jordânia. Nós camos escondidas desde então.
O rosto de Nicholas cou sombrio.
— Ele bateu em você?
Acacia ergueu o queixo.
— Você tinha dez anos. — Nicholas baixou a voz. — Ele bateu em você?
— Eu tenho a cicatriz para provar isso.
— Jesus.
Lentamente, Nicholas se levantou.
Acacia permaneceu sentada na beira da cama.
— Se ele me encontrar, vai encontrar minha mãe. Existem muitas conexões
entre nós duas: e-mails, telefonemas, transferências de dinheiro.
— Você está assumindo que ele a reconheceria depois de todo esse tempo.
— Não posso arriscar.
Nicholas a olhou nos olhos. Ele se aproximou. Quando Acacia não se
afastou, os dedos dele procuraram seu cabelo. Ele afastou os cachos e observou
a cicatriz.
— Já lidei com tra cantes de armas antes. Não tenho medo do seu pai.
— Você deveria.
Nicholas retirou a mão.
— Ele não é diferente de outros que encontrei no mundo da arte ao longo
dos anos. A questão é: o que você quer que eu faça com ele?
— Proteja minha mãe.
Nicholas deu um meio sorriso.
— Você nem pensou para responder. Sua mãe vai permanecer onde está até
avaliarmos a ameaça. Solicitei informações sobre seu pai e a equipe dele.
Veremos o que vamos descobrir. O que você quer que eu faça por você?
Ela hesitou.
— Acacia?
Ela torceu as mãos no colo.
— Vou precisar de uma nova identidade.
— Você quer continuar fugindo?
— Não. — Ela agarrou o próprio peito; o peso de sua decisão tornava a
respiração difícil. — Eu não tenho escolha.
— Se você quiser uma nova identidade, posso arrumar. Você não prefere se
manter rme? Manter a vida que você trabalhou tanto para construir?
— Talvez seja um luxo que eu não possa ter. — Acacia inalou lentamente.
Seus olhos imploravam para Nicholas. — Não importa o que aconteça
conosco, prometa que manterá meu segredo.
— Você está prevendo que vamos seguir caminhos distintos? — Seu tom
era cauteloso.
Acacia abaixou a cabeça.
— Meu pai é um terrorista. Eu menti para você, sobre tudo isso.
Nicholas cou em silêncio por alguns segundos. Ele ergueu o queixo de
Acacia.
— Você mentiu para mim na cama?
Ela piscou, confusa.
— Não.
— Você mentiu quando disse que se importa comigo? Que seríamos
amantes monogâmicos, além de amigos?
— Claro que não.
— Quando você disse que eu tinha uma alma nobre? — ele sussurrou.
— Sua alma é nobre. — A voz de Acacia vacilou.
— Você pensou que eu te dispensaria porque você e sua mãe fugiram de
seu pai?
— Eu menti sobre quem eu sou. Sou uma muçulmana parte jordaniana,
parte brasileira, Nicholas.
— Você acha que eu pararia de me importar com você porque é
muçulmana? — Ele balançou a cabeça. — Muçulmanos e judeus têm suas
diferenças, mas não somos inimigos naturais. Vivemos em paz em muitas
partes do mundo. Você sabe disso. Você também sabe que não sou racista.
— Eu sei. — Acacia engoliu em seco.
— Você sabia que eu era judeu provavelmente desde o momento em que
madame Bishop lhe deu meu nome verdadeiro.
— É claro. Os Cassirers são uma família judia famosa da Alemanha.
— Portanto minha religião não era uma barreira ao seu afeto.
— Eu não escolho meus parceiros com base em sua religião. Eu os escolho
com base em seu caráter. — Acacia fungou.
— Isso faz dois de nós. Vê? Temos nossas diferenças, mas compartilhamos
dos mesmos ideais. Acacia, se uma mulher agredida pelo marido viesse até mim
e pedisse uma nova identidade, eu faria qualquer coisa para ajudar. Eu
escolheria o lado certo da justiça ao fazer isso. É claro que sua mãe lhe deu uma
nova identidade quando você era criança. Ela estava protegendo você.
Acacia cobriu a boca com as duas mãos enquanto anos de emoções a
inundavam. A tensão de guardar tantos segredos nalmente cedeu.
Nicholas a envolveu em seus braços antes que as primeiras lágrimas
caíssem.
Acacia não conseguiu dormir.
Nicholas a manteve em seus braços, mas a mente não descansava.
Ela estava com medo de que seu pai a tivesse visto. Estava com medo de
que ele encontrasse sua mãe. Temia que a mãe nunca mais falasse com ela.
Acacia também estava com medo de sua situação ter custado a Nicholas o
desfecho da tragédia que sua família viveu.
— Me desculpe — ela murmurou na escuridão parcial.
Nicholas havia insistido em deixar as luzes do banheiro acesas. Seu brilho
quente se espalhava pelo carpete do quarto. No lado da cama de Acacia, ele
acendeu uma pequena lamparina a óleo que tremeluziu na mesa de cabeceira.
O braço de Nicholas envolveu o corpo dela.
— Desculpe pelo quê?
— Por tudo. — Acacia mordeu o lábio.
Ele beijou sua testa.
— Isso é muito para se desculpar, mon amour.
A tristeza aguda a perfurou. Ela colocou a mão sobre a boca e se esforçou
para não chorar.
Nicholas a puxou de volta para si, o peito nu nivelado contra as omoplatas
dela.
— Hanin, você está segura agora — ele sussurrou em árabe.
Acacia prendeu a respiração.
— Você fala árabe?
— Não. — Ele a abraçou. — Esta tarde, pedi à equipe que traduzisse para
mim, então quei praticando a pronúncia.
— Você fez isso por mim?
— Vou continuar chamando você de Acacia, a menos que você me peça
para não fazer isso. Mas eu quero que Hanin saiba que ela está segura. — Ele
beijou a nuca de Acacia.
— Hanin está perdida. — Sua voz estava rouca.
Nicholas deu um beijo no cabelo dela.
— Você não está perdida. Você está bem aqui.
— Não sei o que pensar. Eu guardei segredos por tanto tempo…
Nicholas a apertou suavemente.
— Agora você tem alguém que se preocupa com você e que sabe a verdade.
— Mas eu coloquei você em perigo.
— Não se preocupe comigo. Quem mais sabe a verdade?
— Meu pai, minha mãe, o funcionário do governo que ela subornou no
Rio e você e sua equipe.
— Eu não contei a ninguém. Os membros de con ança da minha equipe
sabem que seu pai é uma ameaça potencial para você e sua mãe, mas escondi o
máximo que pude.
Acacia suspirou de alívio.
— Luc sabe? — O tom de Nicholas foi tudo menos casual.
— Não. Quando ele decidiu entrar para a BRB, acabei com o
relacionamento. Eu estava com medo do que aconteceria se ele descobrisse a
verdade.
O corpo de Nicholas cou rígido.
— Do que, especi camente, você estava com medo?
— Temia que a verdade arruinasse a carreira dele. Achei que isso o
colocaria em perigo. Também me preocupei que alguém me investigasse por
causa dele.
— Mas ele sabe que você é muçulmana e aceitou.
Acacia balançou a cabeça.
— Escondi minhas crenças quando vim para a França. Eu tinha medo do
meu pai, mas também tinha medo de ser discriminada. Eu pratiquei minha
religião em segredo, mas sempre usei meu pingente de hamsá.
— Você o amava?
— Meu pai?
— Luc. — A voz de Nicholas cou tensa.
— Sim.
Nicholas a rolou de costas e se ergueu sobre ela.
— Você ainda o ama?
— Não.
Nicholas encostou a testa na de Acacia.
— Tem certeza?
— Sim.
Nicholas roçou os lábios nos dela, como uma pluma.
— A verdade muda as coisas.
Ela desviou o olhar.
— Eu compreendo.
— Compreende? — Ele acariciou sua bochecha. — O que eu quis dizer é
que preciso tomar cuidado para mantê-la longe da mídia. Não quero sua
fotogra a circulando por aí.
— Como você evitou ser fotografado como Pierre Breckman?
— Evitei lugares onde os paparazzi costumavam se reunir, e se uma foto
fosse tirada, eu a comprava. — Seu polegar acariciou as sobrancelhas de Acacia.
— Você poderia ter me dito antes. Não teria feito diferença.
Ela agarrou a mão de Nicholas e a afastou do rosto.
— Você não pode ter certeza. Não tem ideia do que teria feito se eu tivesse
lhe contado.
Engenhosamente, a mão de Nicholas fez um gesto para segurar a dela.
— Eu me conheço. É tudo que preciso saber.
Ela baixou o olhar para as mãos unidas dos dois.
— Por que você não tem medo do meu pai?
— Por que eu deveria ter?
— Ele é um terrorista.
— Como eu disse, já lidei com homens como ele antes.
Acacia ergueu os olhos para encontrar os dele.
— Ele poderia matar você, Nicholas, ou mandar alguém matar você.
Nicholas não respondeu.
A respiração de Acacia pareceu car presa na garganta.
— Isso não te preocupa?
— Minha irmã foi assassinada. Estou em uma missão de busca por seu
assassino. Tenho uma rede de organização elaborada em funcionamento,
projetada para proteger a mim e às pessoas de quem gosto. Essa rede não
hesitaria em eliminar uma ameaça.
O olhar de Acácia deslizou para o lado, em direção à lâmpada que brilhava
na mesa de cabeceira.
— Acacia — ele disse. — Fique comigo.
Os olhos de Acacia se voltaram para os dele.
Nicholas tocou a bochecha dela mais uma vez.
— Embora minha rede seja diferente da de seu pai, tenho certeza de que
pode nos proteger. Eu não apenas negocio arte e antiguidades, negocio
informação.
— O que isso signi ca?
— Isso signi ca que tenho contatos em várias agências de inteligência ao
redor do mundo. Eu forneço informações a eles, ocasionalmente, e eles fazem o
mesmo por mim.
— Então você é um espião?
— Não. — Sua negação foi rme. — Sou apenas um trunfo para essas
agências, assim como elas são para mim. Eu escolho quando compartilhar
informações e quais informações compartilho. Eles fazem o mesmo. Até agora,
essas relações têm sido lucrativas para ambos os lados.
— Você está me assustando — ela sussurrou.
— Seu pai pode ser uma ameaça para você, mas eu sou uma ameaça para
seu pai. Se ele descobrisse sua identidade, me encontraria também.
Acacia soltou um suspiro instável.
— Mon amour, não estou dizendo isso para te assustar. Estou dizendo isso
para te tranquilizar. Você está em segurança comigo.
— Eu quero voltar para Paris.
— Amanhã. Já tomei providências. — A mão de Nicholas deslizou até o
quadril de Acacia. — Eu tenho um pedido a fazer.
— O que é?
— Se chegar a hora de você me deixar, me diga antes de ir.
— Nicholas, eu…
Seus olhos escuros brilharam.
— Prometa.
— Eu prometo.
Ele apertou o quadril de Acacia.
— Eu estou aqui por você, Acacia. Estou aqui por você, Hanin. Quem
quiser chegar até você terá que passar por cima de mim.
Ela fechou os olhos com força e enterrou o rosto no pescoço de Nicholas.
— Como você está? — Nicholas traçou as costas da mão de Acacia com o
polegar.
— Estou bem. — Ela abriu um sorriso corajoso e se virou para olhar pela
janela.
Eles estavam no avião particular de Nicholas, quase chegando a Paris.
Antes de deixarem o Hotel Dubai, chegaram a um acordo de que Acacia
não mudaria de identidade. De acordo com as fontes de Nicholas, não houve
nenhuma conversa sobre ela ou sua mãe. Parecia que o pai não a tinha visto.
Acacia estava cautelosamente otimista. Ainda era provável que o pai a
tivesse visto e estivesse simplesmente aguardando o momento certo para agir.
Por via das dúvidas, a mãe continuava escondida e Acacia prometeu aceitar ser
seguida por Kurt o tempo todo. Nicholas se ofereceu para levá-la à sua casa em
Zurique, mas ela recusou.
Nicholas desapareceu no banheiro cerca de uma hora após a decolagem, a
m de aplicar a prótese que usava para cobrir a cicatriz. Quando emergiu,
estava tão bem-feita a maquiagem, que Acacia não conseguia nem ver onde a
prótese começava e sua pele terminava.
— O que você fará a partir de agora? — ele perguntou.
— Eu preciso arrumar um emprego. — Acacia fechou os olhos
rapidamente e os abriu. — Eu preciso avisar a Luc que estou de volta.
— Tome cuidado.
Acacia olhou para Nicholas.
— Se eu o deixar de fora, ele cará mais descon ado.
Nicholas fez uma careta. Estava claro que desejava protestar, mas se calou.
Acacia mudou de assunto.
— Eu acho que deveria ligar para madame Bishop amanhã.
— É uma boa ideia.
— A polícia de Paris pode querer me interrogar novamente. — Acacia
estremeceu. — É mais atenção desnecessária sobre mim.
— Eu tenho um contato na polícia. A investigação está focada em ligar o
assassinato de Marcel a outras agressões na área.
Acacia o olhou xamente.
— Mas o ataque de Marcel foi premeditado. Você chegou a essa conclusão.
— Sim, mas eu estava ciente das atividades do submundo de Marcel.
Obviamente monsieur Roy direcionou a polícia para um caminho diferente. Eu
estou com a agenda de Marcel como garantia, então a polícia não está a par de
tudo.
— Não deveríamos entregar a agenda?
— Estaríamos nos colocando em risco.
— Mas e os assassinos de Marcel?
— Eles vieram atrás de você uma vez. Temos algo que eles querem, o que
signi ca que estamos em vantagem.
Acacia encostou a cabeça no assento.
— Você acha que eles vão tentar conseguir a agenda de volta?
— Não se o chefe deles for tão inteligente quanto eu acredito que é.
Ela tamborilou os dedos no apoio de braço.
— Como você pode ter tanta certeza?
Nicholas se mexeu na cadeira.
— Porque como qualquer pessoa envolvida no mercado ilegal, ele não quer
exposição. No momento, temos uma détente. Marcel, por qualquer motivo, era
uma ameaça para ele. Marcel foi eliminado. O comerciante quer a agenda,
provavelmente para eliminar as pontas soltas, mas sabe que estamos com ela.
Ele também sabe que não a entregamos às autoridades. Se ele for inteligente,
nos deixará em paz e seguirá em frente.
Acacia olhou para Nicholas cuidadosamente.
— O quanto você está envolvido no mercado ilegal?
Nicholas olhou para frente.
— O mercado ilegal levou minha irmã. Estou tão envolvido quanto
necessário para encontrar os responsáveis.
Acacia exalou ruidosamente.
Nicholas se inclinou em sua direção.
— Eu sei que você está chateada por causa da reunião que eu precisei
interromper. Mas já z algum progresso. Meus analistas estão cruzando as
referências dos associados do comerciante de arte de Paris com associados
ligados ao contato de Constantine em Dubai. É apenas uma questão de tempo
antes de limitarmos o grupo a alguns russos ricos que zeram negócios com os
dois comerciantes. Em seguida, vamos nos concentrar nessa lista e ver se eles
podem ser vinculados a Yasmin. Pode levar algum tempo, mas as pistas são
muito mais promissoras do que qualquer coisa que já tive antes.
— Eu não sei como você pode fazer referências cruzadas sem saber os
nomes das pessoas.
Nicholas deu a ela um meio sorriso.
— Temos maneiras de descobrir identidades.
— Quando você encontrar o ex de Yasmin, poderá pegar de volta as obras
de arte de sua família?
— Talvez. — A expressão de Nicholas não era exatamente feliz.
Acacia se perguntou por quê.
— Estou grato por você ainda estar usando meu presente. — Nicholas
tocou uma das contas de seu colar.
— Signi ca muito para mim. — Ela estendeu a mão para puxar o rosto de
Nicholas e aproximar os lábios dos seus.
Ela o beijou lentamente e deixou que a afeição que sentia por Nicholas em
seu coração a conduzisse.
— Obrigada por proteger minha mãe — sussurrou.
Ele aprofundou o beijo.
Quando eles se separaram, Nicholas olhou para ela, o olhar em chamas.
— Você é minha esta noite. Vou te levar para jantar e depois para a cama.
— Isso é uma promessa? — Acacia puxou a gravata dele.
— É um juramento.
Ela sorriu e se aconchegou em Nicholas.

***
Nicholas e Acacia passaram pela alfândega em Paris antes de serem
transferidos para um grande Range Rover. Ele deu o endereço de Acacia ao
motorista.
Pouco tempo depois, pararam em frente ao prédio dela.
Enquanto Kurt ajudava Acacia a sair do carro, ela olhou para a estrutura de
pedra. Parecia ter passado muito tempo desde que esteve em casa. Na verdade,
se sentia uma pessoa diferente.
Acacia estava ciente de que, embora Nicholas conhecesse seus segredos, ela
ainda era obrigada a mantê-los longe do conhecimento de outras pessoas. A
vida dupla era no mínimo curiosa de se pensar.
Kurt a guiou para dentro do prédio rapidamente. Como a maioria dos
guarda-costas, ele não gostava que sua cliente casse exposta. Rick o seguiu
com Nicholas.
Houve uma breve conversa com madame Ouellete, a síndica do prédio, que
forneceu novas chaves para Acacia. As fechaduras foram trocadas na porta da
frente do prédio, bem como em seu apartamento.
Enquanto eles subiam a escada, Acacia esticou a cabeça para ver a porta. Ela
havia sido pintada recentemente e se destacava das outras portas e paredes cor
de mar m.
— Wen nos aguarda — murmurou Nicholas enquanto segurava Acacia
pelo cotovelo. — Ele já averiguou o apartamento e vai nos averiguar também.
Acacia suspirou. A presença de Wen era um lembrete constante de possíveis
ameaças.
Ela usou suas novas chaves para destrancar as duas novas fechaduras de sua
porta. Lentamente, Acacia a abriu.
O apartamento havia sido reformado, mas não foi somente uma reforma
comum. O espaço foi totalmente transformado em um refúgio paradisíaco. O
design de madame Cassirer foi implementado ao pé da letra, e era muito mais
bonito e funcional do que Acacia havia imaginado.
— Oi. — Wen a cumprimentou da cozinha.
— Oi. — Ela sorriu e cruzou a soleira.
Wen fez sua averiguação e, como não encontrou nada, se despediu com um
aceno e foi embora.
Agora ela podia admirar a reforma direito.
A cozinha foi completamente refeita, com armários brancos com portas de
vidro e estrutura de aço inoxidável. Novos eletrodomésticos de aço inoxidável e
uma bancada de mármore brilhavam sob a iluminação direcionada. O piso de
tacos tinha sido reformado e agora era de uma cor quente de mel.
O quarto agora tinha um armário expandido com prateleiras e cubículos
embutidos. Sua velha cama de solteiro tinha sido substituída por um sofá-cama
branco de ferro forjado, estampado em tons de ciano e azul.
Nicholas franziu o cenho sombriamente para o sofá.
— É muito pequeno.
Acacia riu.
— Ele se transforma em uma cama queen. Fazia parte do projeto que
trabalhei com sua mãe. — Ela puxou a mão de Nicholas para que ele pudesse
olhar mais de perto.
Nicholas deu um suspiro de alívio.
— Eu sabia que minha mãe tinha adorado você. — Ele beijou o topo da
cabeça de Acacia.
— Ela sabe sobre nós?
— Liguei para ela hoje de manhã e disse que estávamos voltando para Paris.
Ela arrancou a informação de mim.
Acacia sentiu o pânico se espalhando ao seu redor.
Nicholas tocou no rosto de Acacia.
— O que houve?
O olhar de Acacia se voltou brevemente para os guarda-costas, que agiam
como se não estivessem escutando.
Nicholas acariciou a bochecha dela com o polegar.
— Olhe para mim.
Quando Acacia obedeceu, continuou.
— Ela não sabe sobre o seu passado. A história é sua, você vai contar
quando e se quiser. Mas você deve saber que ela e meu pai estão muito felizes
por nós. Você não tem motivo para temer a aprovação dos dois; você já a tem.
Não que isso seja relevante.
— Família é importante.
Nicholas tocou o queixo de Acacia.
— Sim. Mas, por outro lado, não tenho a aprovação de sua mãe. E receio
não me importar.
Acacia sorriu.
— No momento, nem eu tenho a aprovação da minha mãe. Não tenho
certeza se voltarei a ter depois de Dubai.
— O que prova minha questão. Família pode ser uma bênção, mas também
pode ser uma maldição. Não devemos permitir que nossa felicidade seja
maculada pela opinião alheia.
Acacia concordou com a cabeça.
— Bom, agora vamos admirar sua colaboração com maman. Ela disse que
você e ela trabalhavam muito bem juntas. — Nicholas passou o braço em volta
do ombro de Acacia, e eles examinaram o apartamento juntos.
A atenção de Acacia foi atraída para as lâmpadas e novas luminárias, o
tapete aconchegante na frente do sofá-cama e a estante que cobria uma parede
lateral inteira.
Ela notou que sua reprodução de Crepúsculo em Veneza, de Monet, havia
sido consertada e emoldurada. E, para sua surpresa, ao lado dele havia uma
grande reprodução da Estação de Saint-Lazare de Monet, uma de suas pinturas
favoritas.
— Maman mencionou que ela tinha comprado um presente para você —
explicou Nicholas. — Você e ela têm a mesma admiração pela maneira como
Monet retratava a luz.

É
— Eu devo agradecer a ela. É uma reprodução muito bonita. O original
está na National Gallery de Londres, mas nunca o vi. — Acacia se aproximou e
estendeu a mão hesitante para a pintura.
— Ligaremos para ela mais tarde. Os empreiteiros zeram um excelente
trabalho, mas você e mamãe têm talento com design de interiores. Vejo que as
cores escolhidas foram o azul de Santorini e o branco. — Nicholas acariciou o
ombro de Acacia.
Ela colocou o braço em volta da cintura dele e o abraçou.
— É maravilhoso. Obrigada.
O queixo de Nicholas pousou no topo de sua cabeça.
— De nada, amour.
— Olá… Acacia? É você? — A voz de Kate veio do corredor.
Acacia se virou para ver a amiga na porta, a visão parcialmente obscurecida
pelos guarda-costas.
— Uau. — Kate levantou um dedo e o apontou para Nicholas. — Quem é
esse aí?
Acacia deu uma risada. Ela pegou Nicholas pela mão e o conduziu,
passando pelos guarda-costas, que se aglomeraram na porta e bloquearam a
entrada de Kate.
— Kate, este é Nicholas. Nicholas, esta é minha vizinha, Kate.
Kate puxou Acacia para longe de Nicholas e a abraçou. Imediatamente
mudou para o inglês.
— Estou tão feliz em ver você. Eu estava preocupada.
Acacia a apertou no abraço.
— Estou bem. Como você está?
— Com inveja. Você foge da cidade e acaba voltando com alguém ainda
mais gostoso do que o Agente Que-Vergonha. Preciso de aulas de como ser
brasileira.
Acacia riu novamente.
— Ele fala inglês, Kate.
— Que ótimo — ela murmurou.
— Prazer em conhecê-la. — Nicholas estendeu a mão e apertou a de Kate,
abrindo um sorriso. Ele se virou para Acacia. — Agente Que-Vergonha? —
Nicholas perguntou sem emitir som.
Acacia balançou a cabeça.
— Eu não tinha certeza se eu estaria em casa quando você voltasse, então
dei as chaves para madame Ouellette. Ela entregou, certo?
— Sim.
— Que bom. Você não teve que esperar. — Kate puxou o braço de Acacia.
— Claude está no meu apartamento. E guardei sua correspondência.
Kurt insistiu em acompanhar Acacia e Nicholas ao apartamento de Kate.
Ele carregou a caixa de transporte e a sacola com os itens do bichano enquanto
levavam Claude de volta ao apartamento de Acacia.
— Então este é o seu gato. — Nicholas olhou para a bola de pelos nos
braços de Acacia.
O gato olhou para Nicholas e sibilou.
— Claude — Acacia o repreendeu. Ele se desvencilhou, saltou para o chão
e correu para debaixo do sofá-cama.
Nicholas franziu a testa.
— Um ótimo começo.
— Claude não gosta de pessoas.
— Assim como seu homônimo. Ele parece gostar bastante de você e de
Kate — observou Nicholas.
Kate colocou a correspondência de Acacia no balcão da cozinha.
— Obrigada. — Acacia abraçou a amiga novamente. — Obrigada por
cuidar de Claude e por pegar a correspondência.
— Sem problemas.
— Vou levar você para almoçar.
— Ótimo. Tenho uma reunião com meu orientador amanhã de manhã.
Podemos almoçar logo após?
— Claro. Te encontro no Café Mirabel?
— Perfeito. — Kate olhou ao redor do apartamento. — Está muito melhor
do que antes. Você gostou?
— Eu amei. — Acacia pegou a mão de Nicholas.
— Bernard vai dar uma festa hoje à noite. Imagino que vocês dois não
queiram ir, certo? — Kate olhou para Nicholas em dúvida.
— Receio que já tenhamos planos. — Ele beijou os nós dos dedos de
Acacia e sorriu para ela.
— Certo. Pobre Bernard. — Kate olhou para Nicholas, que olhou
ansiosamente para Acacia e apontou com o polegar para a porta. — Eu acho
que vou embora. Até mais.
Os olhos de Nicholas encontraram os dela.
— Prazer em conhecê-la.
— Igualmente. — Antes de Kate entrar no corredor, ela fez contato visual
com Acacia. — Me liga. — E então fechou a porta.
Nicholas olhou na direção do sofá-cama.
— Acho que o gato não vai dar as caras tão cedo.
— Não com tantas pessoas por perto. — Acacia deu um olhar pernicioso
para Rick e Kurt.
Pela linguagem corporal, eles não tinham intenção alguma de irem embora.
— Bem-vinda à sua casa — disse Nicholas. — Temos uma reserva no Le
Jules Verne, mas só no m da tarde. Você tem muito tempo para arrumar suas
coisas.
— Le Jules Verne? — Acacia resfolegou. — Achei que íamos car em casa.
Não seria mais seguro?
Ele se virou para os guarda-costas.
— Esperem no corredor, por favor.
Os dois saíram do apartamento e deixaram a porta entreaberta.
Nicholas trouxe Acacia para seus braços.
— Você passou muitos anos se escondendo. Comigo, você não precisa mais
fazer isso.
— Sempre foi preciso car em alerta. Não acho que sou capaz de viver de
outra maneira.
A expressão de Nicholas estava séria.
— Eu sei como é. Sempre houve a possibilidade de os assassinos da minha
irmã tentarem acabar comigo também.
Os braços de Acacia se apertaram ao redor dele.
— Mas, Acacia, aqueles que semeiam o terror e negociam com medo
querem que recuemos. Eles querem que nos escondamos. É hora de você
recuperar o controle de sua vida. Agora você tem recursos para proteger a si
mesma e a sua mãe. Você tem recursos para lutar.
— Eu não quero lutar. Eu só quero viver em paz.
A expressão de Nicholas endureceu.
— Às vezes, a guerra vem até você.
Acacia franziu o cenho.
— Se deixar minha proteção em suas mãos, vou simular a vida de Yasmin.
Nicholas a soltou, o rosto estava zangado.
— Do que você está falando?
— Nicholas, por favor, não que zangado comigo. — Acacia pegou a mão
dele, mas Nicholas a evitou. — Eu agora te conheço melhor, e você é
maravilhoso. Você é generoso, nobre e atencioso. Mas você não gostaria que eu
estivesse ao seu lado porque quero, não por necessidade?
— Desculpe, pensei que era esse o caso. — Ele cruzou os braços sobre o
peito, os olhos trovejantes.
— No momento, são as duas coisas. — Ela tocou seu braço. Desta vez,
Nicholas não se retirou. — Precisamos encontrar uma maneira de me manter
em segurança sem depender de sua proteção. Aí você vai ter certeza de que
estou com você apenas porque quero estar.
— O que há de errado em proteger aqueles de quem você gosta? —
Nicholas fez um gesto amplo para a sala. — O que há de errado em oferecer a
você recursos além de oferecer meu coração? Se você fosse parte da minha
família, isso não seria nem uma pergunta a ser feita.
— Mas eu não sou, Nicholas.
Nicholas abriu a boca. E fechou abruptamente.
— Porra. — Nicholas pegou a mão dela. — Nossa conexão faz de você
parte da família. Eu protejo aqueles que me importam, Acacia. Não vou
comprometer a sua segurança.
— É assim que você quer se unir a mim?
Nicholas parecia chocado.
— Não — ele admitiu. — Eu pre ro ter você comigo só porque você quer
estar comigo.
Acacia envolveu sua mão nas dele.
— Então estamos de acordo.
— Eu não tinha pensado dessa maneira — disse ele, quase com tristeza. —
Não achei que você veria nossa situação como semelhante à de Yasmin.
— Temos que encontrar um caminho a seguir que me permita continuar
vivendo minha vida.
— Eu sou parte dela? — Os olhos de Nicholas estavam sérios. Mas algo se
escondia em suas profundezas. Algo que pareceu a Acacia ansiedade.
— Eu gostaria que você fosse.
Os ombros de Nicholas relaxaram.
— Que bom. Vai levar algum tempo para encontrarmos nosso caminho.
Espero que você possa me dar esse tempo.
— Eu posso.
— Obrigado. Então, você vai jantar comigo esta noite ou não?
Ela inclinou a cabeça para o lado.
— Isso é um convite ou uma ordem?
Ele sorriu, arrependido.
— Eu caria honrado se você me acompanhasse para jantar, mademoiselle.
— Obrigada. Eu aceito.
— Vou deixar Rick com você. Kurt virá comigo para o hotel, e voltaremos
em cerca de duas horas para buscá-la.
— Não o Rick.
Nicholas ergueu as sobrancelhas.
— Por que não?
— Ele não gosta de mim.
— Rick não gosta de ninguém. Mas até aí, seu gato também não.
A tentativa de humor de Nicholas não atingiu Acacia, que ponderou se
deveria ou não mencionar as palavras trocadas com Rick em Dubai. Ela achou
melhor não contar.
— Eu pre ro o Kurt.
— Tudo bem. — Nicholas lançou um olhar avaliador. — Posso me
convidar para passar a noite?
— Aqui? — Acacia olhou para o sofá-cama. — Mas você reservou quartos
no Ritz.
— Você estava planejando voltar para o meu hotel comigo?
— Acabei de chegar em casa.
— Exatamente. — Nicholas passou os braços ao redor dela e a puxou para
seu peito.
— Não teremos privacidade se os guarda-costas estiverem aqui. É um
apartamento pequeno. — Ela encostou a bochecha no peito dele, na altura do
coração.
— Eles podem car no corredor. — Nicholas ergueu o queixo de Acacia e
roçou os lábios nos dela. — Vejo você daqui a duas horas.
— Não demore.
Nicholas a recompensou com um sorriso ofuscante e foi embora.
Le Jules Verne era um famoso restaurante localizado no segundo andar da
Torre Ei el, que proporcionava uma vista incrível de Paris quando a noite
começava a cair. Nicholas havia garantido que sua reserva coincidisse com o sol
poente.
Eles se sentaram a uma mesa perto das janelas. Parte do elaborado trabalho
em metal da torre emoldurava sua linha de visão. O próprio chef veio da
cozinha para cumprimentá-los, dando tapinhas no ombro de Nicholas e o
tratando como um velho amigo.
Acacia estava grata por seu treinamento no setor de hotelaria, o que lhe deu
uma postura tranquila que poderia adotar sempre que estivesse nervosa. Claro,
suas roupas ajudaram também. Ela estava grata pelo guarda-roupa exclusivo
que comprou quando se tornou assistente de Nicholas, pois era feito sob
medida para ocasiões especiais como aquela.
Acacia usava um vestido so sticado de renda preta bordada com ores de
cores vivas. Seu cabelo, como sempre, caía em cachos escuros até o queixo. Os
sapatos de salto alto preto salvaram Nicholas de dobrar muito o pescoço para
beijá-la. Seu pingente de hamsá estava pendurado no pulso, e ela usava o colar
de Nicholas no pescoço.
Depois que o chef voltou para a cozinha, Nicholas olhou para Acacia com
admiração.
— Você está muito bonita.
— Obrigada. — Seus olhos brilharam quando ela se virou para o
horizonte. As luzes de Paris começaram a brilhar; os arranha-céus e edifícios
históricos estavam iluminados. O belo Sena, o rio da sorte de Acacia, corria ao
longe. Ela teve di culdade para desviar os olhos.
— Eu z muitas reservas neste restaurante, todas para outras pessoas — ela
meditou. — Nunca imaginei jantar aqui.
— Eu queria colocar Paris aos seus pés. — Nicholas estendeu o braço sobre
a mesa para pegar a mão dela.
— É de tirar o fôlego.
— Que bom. E como está Claude?
Acacia sorriu.
— Ele está feliz por eu estar em casa. Espero que vocês dois possam se
conhecer melhor.
— Eu não sou muito ligado a gatos. Para o seu bem, vou tentar. —
Nicholas deu um gole em seu champanhe. — Você falou com Luc?
Acacia olhou para sua taça de champanhe.
— Eu mandei uma mensagem para ele, avisei que já estava em casa.
Nicholas franziu a testa.
— E…?
— Ele queria me visitar. Eu adiei a ida até amanhã.
A expressão de Nicholas azedou.
Acacia olhou ao redor. O restaurante estava cheio. Embora os outros
clientes estivessem falando em volumes razoáveis, ela estava ciente do fato de
que ela e Nicholas podiam ser ouvidos.
Acacia baixou a voz.
— Não estou animada para vê-lo, mas ele está preocupado comigo.
Quando eu estava na Victoire, me perguntando o que fazer com o quadro que
vi em sua suíte, liguei para ele. Luc veio em meu auxílio imediatamente.
Naquele momento, um garçom apareceu para encher as taças de
champanhe. Outro garçom serviu o amuse-bouche de peixe branco marinado
com rabanete.
Nicholas ergueu o garfo e apunhalou o peixe.
— Ele é da BRB. Estava apenas fazendo seu trabalho.
— Eu sei lidar com Luc. — Acacia provou o peixe. Estava incrível:
amanteigado e saboroso.
— Você não deveria ter de lidar com ele. Ele precisa se lembrar de como se
comportar com etiqueta.
Acacia enxugou os lábios com o guardanapo. Sua irritação aumentou.
— Você sabe tudo sobre mim e Luc. Conte algo sobre a Silke.
Os olhos de Nicholas pareceram se aquecer por um momento.
— Por quê?
— Estou curiosa.
— Não é uma história agradável — alertou.
— Você conhece meus segredos.
— Isso é verdade. — Nicholas olhou pela janela, parecendo muito
chateado.
Um garçom tirou os pratos vazios enquanto outro serviu o próximo prato:
lagosta azul com vinagrete.
— Nicholas? — Acacia insistiu.
Nicholas deslizou a palma da mão sobre a toalha da mesa, como se estivesse
alisando as rugas.
— Você viu as fotos de Silke com aquele americano.
— Eu vi. Vergonhosas.
Os olhos de Nicholas se xaram nos dela.
— Nossa relação era comercial. Silke fazia parte do meu disfarce. Eu
precisava de alguém que pudesse entrar e sair de eventos sociais. Paguei um
salário e arrumei um apartamento para ela. Silke viajava comigo algumas vezes
por ano.
O garfo de Acacia bateu no prato.
Vários clientes se viraram para olhar.
Ela corou e levou o guardanapo à boca.
— Você pagou a ela?
— Ela não teria considerado car comigo de outro modo. — Nicholas riu
sem humor. — Um de meus associados me apresentou a ela quando eu estava
disfarçado. — Nicholas gesticulou para onde cava sua cicatriz sob a prótese.
— Ela tentou desistir do nosso acordo quando viu o meu verdadeiro eu. Ela
disse que não suportava olhar para mim.
Acacia se encolheu.
— Ah, Nicholas.
— Apesar de seu coração mercenário, Silke ao menos era leal em uma coisa.
Ela trabalha para a inteligência.
— Qual?
— Eu não posso te dizer. — A expressão de Nicholas estava séria. — Ela
nunca revelou para quem trabalhava, mas eu a investiguei antes de nosso
acordo entrar em vigor e descobri.
Nicholas olhou para a mesa.
— Durante uma de nossas viagens, uma coisa levou à outra. Come- çamos
uma relação sexual que continuou até que ela decidiu car com aquele
americano.
Um sentimento de horror passou por Acacia. Ela não tinha dado atenção
su ciente ao relacionamento anterior de Nicholas quando considerou se
envolver com ele. Claramente as feridas eram recentes.
Nicholas olhou para seu champanhe.
— Silke quebrou nosso acordo e nem mesmo teve a cortesia de me dizer
isso. Ela arquitetou as fotos dos paparazzi para poder terminar comigo. Não sei
se o americano é uma tarefa na qual ela está trabalhando ou se há, de alguma
forma, um envolvimento emocional. Eu suspeito da primeira opção.
Nicholas engoliu sua bebida num só gole. Ele sinalizou para um garçom e
pediu uma vodca com tônica.
— Eu sinto muito — Acacia sussurrou. A sensação de horror cresceu.
Agora estava alojada em seu estômago, retorcendo suas entranhas.
Quando o garçom voltou com a bebida de Nicholas, ela colocou o
guardanapo na mesa.
— Com licença, por favor.
O garçom puxou a cadeira de Acacia, e Nicholas se levantou, os olhos
tempestuosos.
Kurt a seguiu enquanto ela saía da sala de jantar e caminhava em direção ao
banheiro feminino. Ele esperou do lado de fora da porta.
Lá dentro, Acacia se inclinou contra a penteadeira.
O que diabos estou fazendo?
Nicholas acabava de confessar ter contratado uma espiã para ser sua
amante. Ele continuou pagando a ela um salário depois que começaram a fazer
sexo. Acacia se lembrou dos registros de hóspedes do Hotel Victoire e dos
nomes das mulheres que o acompanharam ao longo dos anos. Tinham sido
acompanhantes de luxo também?
Acacia se virou. No espelho, podia ver o vestido que Nicholas havia
comprado. Estava morando em um apartamento que ele e sua mãe reformaram
e decoraram. Estava comendo um jantar pelo qual ele pagaria. Qual era a
diferença entre ela e Silke? Ou ela e Yasmin?
Afeição. Você gosta de Nicholas, e seu afeto é dado gratuitamente.
Em seu re exo, viu uma mulher que viveu uma vida de enganos. Uma
mulher que vivia com medo. Mesmo assim, tentou encontrar uma maneira de
estar com Nicholas de igual para igual, e não como um dependente.
Acacia poderia dizer a si mesma que estava se sentindo sozinha quando
Nicholas veio ao seu quarto em Santorini. Mas essa não foi a única razão pela
qual o recebeu. Ela não estava pronta para chamar de amor, mas tudo o que
sentia por Nicholas era poderoso e profundo. Ele estava em seu coração agora.
E o pensamento de que Silke o tinha ferido tão cruelmente a deixou com raiva.
Você quer que ele seja feliz.
A verdade sobre Silke doeu. Mas a vergonha e a dor de Nicholas por ser
considerado feio eram muito mais preocupantes. Nicholas obviamente passou a
ter alguns sentimentos por Silke, ou não teria cado tão irritado com a traição.
Acacia não tinha o direito de car zangada com ele. Ao julgar Nicholas,
teria de se julgar. Ambos se esconderam e tentaram encontrar alguma conexão
humana enquanto preservavam segredos.
Acacia arrumou a maquiagem e penteou o cabelo antes de sair do banheiro
feminino.
Kurt levou a mão ao seu cotovelo.
— Você está bem?
Sua evidente preocupação mexeu com ela.
— Estou bem. Obrigada.
— Se você estiver passando mal, posso te levar para casa. Eu conto ao Rick.
— Não, vou terminar o jantar. Obrigada, Kurt.
Ele se afastou e acompanhou Acacia até a sala de jantar.
Nicholas cou de pé assim que a avistou. Sua boca e mandíbula estavam
tensas.
Ele deu a volta na mesa para puxar a cadeira dela, acenando para o garçom
se afastar.
Colocou as mãos nos ombros dela enquanto Acacia se sentava e se inclinou
em direção à sua orelha.
— Eu não estava certo de que você voltaria.
— Eu precisei car um minuto sozinha. — Ela recolocou o guardanapo no
colo.
Nicholas se sentou em frente a ela. Aguardou enquanto o garçom retirava o
serviço e servia o próximo prato, uma abobrinha recheada.
— É vergonhoso — disse ele em voz baixa. — Por mais que eu queira
ngir o contrário, ela era uma acompanhante contratada. É constrangedor e
humilhante. Imagine o que meus pais diriam se descobrissem.
Acacia deslizou a mão pela mesa.
— Nicholas.
Ele pegou a mão dela, mas não ergueu os olhos.
— Meus relacionamentos anteriores eram normais. De qualquer forma,
garanto que sempre usei camisinha com Silke. E faço testes regularmente.
Acacia entrelaçou os dedos.
— Eu acredito em você.
Nicholas ergueu a cabeça. Seus olhos escuros estavam cheios de pesar.
— Eu nunca colocaria você em risco.
— Eu sei disso. — Acacia engoliu em seco. — Não foi isso que me
aborreceu.
— Se eu pudesse refazer o passado, eu o faria.
Acacia balançou a cabeça.
— Eu não posso evitar car com ciúmes.
— Ciúmes? — O tom de Nicholas era de incredulidade.
— Seja lá o que ela for, Silke é muito bonita.
— Eu nunca tive um momento de leveza com ela. Ela não me fez rir ou me
disse que eu precisava de amigos melhores. Ela era indiferente à arte, mas
extremamente interessada em coisas valiosas e caras. Eu fui tolo em me
envolver com ela, e ainda mais tolo em dormir com ela.
Acacia ergueu a mão de Nicholas e beijou os nós dos dedos.
— Ela não aprecia a beleza; isso é verdade.
— Ninguém me chama de bonito há algum tempo.
— Você precisa de novos amigos.
Nicholas jogou a cabeça para trás e gargalhou. Outros clientes mais uma
vez viraram suas cabeças em direção ao som.
— Como, ma petite, você tem essa capacidade de me fazer rir exatamente
quando estou querendo quebrar alguma coisa?
— Você deveria rir mais. Seus olhos brilham e seu rosto ca franzido.
Adoro ouvir você rindo.
— Então devo tentar rir mais vezes — ele prometeu. — Lamento ter
manchado nossa bela noite com con ssões de minha fraqueza.
— Embora a história seja desagradável, estou feliz que você tenha me
contado.
— Estou grato por você não ter me abandonado para sempre. — Seu olhar
se aprofundou em intensidade.
— Lamento que você tenha sofrido tanto por causa de sua cicatriz. Você é
lindo, Nicholas, com a cicatriz e sem ela. Você não precisa usar a prótese. Não
comigo.
— Você está falando sério — ele murmurou.
— É claro. Você precisa saber o quanto eu me importo com você. Todos
vocês.
O sorriso de Nicholas era deslumbrante.
— Mas, Nicholas, isso reforça o que eu estava dizendo antes, sobre
encontrar meu próprio caminho e não ser dependente de você.
Seu sorriso se desvaneceu.
— Nosso relacionamento é totalmente diferente.

É
— É por isso que preciso da minha independência. — Acacia respirou
fundo. — Eu veri quei meu extrato bancário hoje. Não posso aceitar o
dinheiro que você transferiu como taxa de consultoria.
Ele sorriu para Acacia melancolicamente.
— De alguma forma, eu sabia que teríamos essa conversa em algum
momento. Ajudaria se eu dissesse que somas como essa são transferidas todos
os dias para contatos meus em todo o mundo?
— Não, não ajudaria.
— Eu não quero discutir, especialmente depois do que acabei de revelar. —
Ele coçou o queixo. — Suponho que você não consideraria um empréstimo,
apenas até encontrar outro emprego, certo?
— Certo. — Ela suspirou. — E há mais uma coisa. Recebi um blue card da
União Europeia UE pelo correio hoje.
Nicholas esfregou a nuca.
— Assim que você concordou em trabalhar para mim, instruí o escritório
de Paris a dar conta da papelada. Como você sabe, tenho amigos no governo
francês. Obviamente eles me zeram um favor.
— Estou numa posição difícil. Eu não quero ser deportada. Eu amo meu
apartamento e meus amigos e não quero me separar de você.
Nicholas acenou com a cabeça.
— Mas?
— Não quero aceitar, mas sinto que tenho que aceitar. Então eu te devo
uma. — Acacia aparentava estar tensa.
— Quando o blue card foi requisitado, eu não sabia do seu passado. Posso
entender que você não queira fazer nada que comprometa sua residência ou
que faça alguém ir em busca de um exame minucioso de sua vida. Tudo o que
posso fazer é pedir desculpas. — A expressão de Nicholas era sincera.
— Espero que eu tenha oportunidade um dia de fazer uma grande
gentileza por você.
— Você já fez. — A voz de Nicholas cou mais grossa.
Ela fez desenhos na superfície da toalha de mesa de linho com os dentes do
garfo.
— Em suma, vou devolver o dinheiro para você, mas vou aceitar o blue
card… com a esperança de que um dia eu possa fazer algo grandioso por você.
Resta apenas arrumar um emprego. E eu preciso fazer isso sozinha.
Ele observou o horizonte por um momento.
— Eu gostaria de ver você trabalhando no mundo da arte, em seus próprios
termos.
— Eu me tornei uma concierge para me esconder, de certa forma.
Nicholas se voltou para ela.
— Como assim?
— Pessoas que trabalham com hotelaria tendem a ser invisíveis.
Trabalhamos por muitas horas, e muitos hóspedes nem se dão ao trabalho de
aprender nossos nomes. Eu penso nisso como se estivesse me escondendo das
vistas de todos.
— Eu nunca pensei dessa maneira. — Nicholas franziu a testa.
— Eu te contei sobre a tentativa de sequestro no Brasil quando eu era
adolescente. Depois disso, fugimos para Recife. Um ano depois, minha mãe
me mandou para cá, para um programa de estudos no exterior. Estudei
bastante francês e depois que voltei ao Brasil e terminei os estudos, vim para a
Sorbonne. Paris era um bom lugar para se esconder, pensamos. A hotelaria era
ainda melhor. Mas sempre tive intenção de trabalhar no mundo da arte. Eu ia
esperar que mais algum tempo passasse.
— Não adie mais, Acacia. Você deveria pedir a madame Bishop para ajudá-
la a arrumar um emprego em uma galeria. Eu não vou interferir, prometo.
Acacia sorriu.
— Tudo bem.
— Ótimo. — Nicholas ergueu a mão de Acacia. Com os olhos xos nos
dela, ele pressionou os lábios contra a palma. — Eu soube, quando você me
denunciou à BRB, que era uma mulher incrível.
Acacia fechou os olhos e fez uma careta.
Nicholas deu uma risadinha.
— Você precisa admitir, é uma história muito engraçada.
Acacia abriu os olhos.
— Nunca pensei na BRB como um grupo de cupidos. Acho que tive sorte.
— Eu sou o sortudo aqui. Você é inteligente e atraente. É incrivelmente
talentosa, mas ainda assim está com ciúmes de Silke comigo.
Acacia apertou a mão de Nicholas.
— Estou com raiva de como ela tratou você. Eu não estou nem aí se ela é
ou não uma espiã, é melhor que ela que longe de mim.
Os cantos dos lábios de Nicholas se ergueram.
— Ou o quê?
— Eu daria a ela um sermão sobre a verdadeira beleza. Eu diria a ela para
crescer e olhar para dentro de si antes que sua feiura interior des gure o resto
dela. Eu a faria tropeçar quando passasse por mim.
Nicholas se recostou na cadeira.
Acacia franziu a testa.
— Exagerei?
Ele sorriu.
— Nunca.
Acacia ergueu o garfo.
— Agora que já tivemos nossa conversa séria, proponho que aproveitemos
o restante do nosso jantar e a vista fantástica.
— Seu desejo, seu prazer — Nicholas sussurrou.
Acacia sorriu.
— Obrigada.
Após o jantar, Acacia e Nicholas foram para o apartamento dela, enquanto os
substitutos noturnos de Rick e Kurt protegiam o corredor.
Depois de uma noite tão intensa, Acacia estava desesperada por ele. Mas
Nicholas não se apressou a acender as velas pelo apartamento ao som da música
de Anne Ducros.
— Onde está o gato? — ele perguntou.
— Escondido no banheiro.
— Finalmente temos privacidade. — Nicholas sorriu e ajudou Acacia a
transformar o sofá em uma cama queen-size.
Ela tirou um par de travesseiros de seu armário reorganizado.
— A expressão em seu rosto quando você viu a cama esta manhã foi
impagável.
— Eu sei que minha mãe gosta de você. Sei que ela gosta de nós juntos.
Mal acreditei que ela me sabotou ao botar um sofá como cama no projeto.
Acacia riu.
Ele tirou o paletó e o pendurou em uma cadeira. Só assim, o clima na sala
mudou.
Acacia observou, hipnotizada, enquanto Nicholas lentamente desabotoava a
gravata e a colocava sobre o paletó. Ele a olhou enquanto desabotoava a camisa
branca e tirava as abotoaduras, as deixando na mesa de cabeceira.
Nicholas pegou na mão de Acacia.
— Você é minha recompensa. — Ele beijou os dedos dela, um por um.
— Sou uma recompensa que vem com uma enorme bagagem. Mas eu
gosto de você.
— Isso é tudo que eu peço. — Nicholas tocou o rosto de Acacia com as
duas mãos, baixando a boca para a dela.
Quando os lábios se tocaram, a energia entre eles soltou faísca. Nicholas
mordeu o lábio inferior de Acacia e o sugou. Os polegares passaram pelas
bochechas, e Acacia se inclinou para ele. Nicholas soltou o lábio inferior de
Acacia e inclinou a cabeça, passando a boca na dela.
Os braços de Acacia se ergueram para envolver o pescoço de Nicholas. Os
corpos se uniram enquanto ela suspirava contra sua boca.
A língua de Nicholas deslizou, e Acacia sentiu gosto de canela.
— Você não precisa se esconder. — Acacia estendeu a mão hesitante para a
prótese.
Nicholas pegou a mão dela.
— Não te causa repulsa?
— Isso me incomoda porque eu sei que alguém te machucou. Outras
pessoas continuaram a machucá-lo por causa disso. Mas é parte de você, do
mesmo jeito que minha cicatriz faz parte de mim. É uma prova de sua força.
Sua coragem.
Nicholas beijou a mão dela e se virou.
Acacia estava prestes a chamá-lo quando percebeu o que ele estava fazendo.
Nicholas se posicionou na frente do espelho pendurado perto da porta da
frente.
Ela deu a ele privacidade, mexendo nos travesseiros.
Um minuto depois, as mãos de Nicholas estavam em seus ombros.
Ela se virou. Os olhos estavam cautelosos.
Acacia encostou os lábios na cicatriz.
— Eu não me escondo de você. Você sabe quem eu sou e quem meu pai é.
Você sabe que eu te aceito como você é.
Nicholas tomou a boca de Acacia ferozmente. Então abriu o zíper do
vestido e o viu cair no chão.
— Era um vestido lindo.
— Que bom que você gostou. — Delicadamente, Acacia se apoiou nos
ombros dele enquanto tirava os sapatos de salto.
Ele acariciou o pescoço dela e empurrou a alça do sutiã de lado, para provar
sua pele. Nicholas distribuiu beijos, e mais beijos, pela clavícula.
— Eu amo suas curvas. — As mãos dele cobriram os seios por cima do
sutiã de renda preta.
— Que bom. Eu gosto de comer, então, apesar do tempo que passo no
dojo, sempre serei curvilínea.
Nicholas puxou o bojo do sutiã para baixo. Então, murmurando palavras
de apreciação, se curvou para abocanhar um dos mamilos. Enquanto isso,
brincou com o outro com o polegar.
Acacia deu tapinhas no pescoço dele, incentivando-o a continuar. Ela
beijou a parte logo atrás da orelha de Nicholas e mordiscou-a com a ponta dos
dentes.
Com um grunhido, ele a soltou. Puxou a camisa para fora da calça e a
jogou de lado. Tirou as calças, a vela do cinto bateu no chão.
Eles se juntaram novamente com beijos urgentes. As mãos de Nicholas
deslizaram para o traseiro de Acacia, e ele a ergueu, passando as pernas dela ao
redor de seus quadris.
Nicholas a carregou para a cama e a olhou com desejo.
— Você é um deleite para mim — ele sussurrou. — O que você diz, sua
risada, a maneira como você fala.
Pousou a mão no abdômen de Acacia, e ela sentiu as entranhas vibrarem.
— Venha aqui. — Ela puxou o braço de Nicholas, puxando-o para cima
dela. — Eu gosto de sentir seu peso.
— Que bom. — Nicholas riu, apoiando os antebraços nas laterais dos
ombros dela. — Porque eu gosto de sentir meu corpo contra o seu.
Acacia separou as pernas, e os quadris dele se aninharam.
Os dedos de Nicholas procuraram o fecho de seu sutiã e o desabotoaram, o
afastando da pele aquecida.
— Você é maravilhosa em tudo. — Ele largou o sutiã no chão. — Mas
você tem um corpo especialmente belo. Veja como sua pele brilha à luz de
velas.
Nicholas estimulou os mamilos com a boca e os observou se contraírem.
Brincou com eles, pegando-os entre o polegar e o indicador. Sensações de
prazer percorreram o corpo de Acacia, aumentando seu desejo por Nicholas.
Ela não queria ser egoísta. Traçou os vãos do abdômen de Nicholas acima
do cós de sua cueca boxer azul-escura.
Ele se inclinou contra a mão de Acacia, que o acariciou com rmeza.
— Delicioso. — Nicholas lambeu o seio e direcionou sua atenção para o
mamilo.
Ela estendeu a mão ao redor de Nicholas para empurrar a cueca sobre seus
quadris.
Demorou um pouco para ele se livrar da peça. Então vestiu um
preservativo e se moveu entre as pernas de Acacia.
Nicholas acariciou as curvas das bochechas de Acacia, o olhar atento e sério.
— Você não está feliz? — O dedo de Acacia deslizou pelas sobrancelhas
escuras.
— Feliz por estar com você, é claro. Mas receio estar sem prática no ato de
ser feliz, mon amour.
A mão dela repousou nas costas dele, e Acacia o puxou, aninhando-o com
mais força entre suas pernas.
— Você sente também?
— Sim. — A expressão de Acacia se iluminou.
— Criamos algo juntos que não temos separados.
— Isso me deixa feliz. — Os lábios de Nicholas deslizaram contra os dela, e
a língua mergulhou no interior da boca de Acacia.
Ela ergueu os quadris em sinal de encorajamento, e Nicholas a penetrou.
— Preciso de um minuto — ele disse asperamente, afastando
abruptamente a boca de Acacia.
Ela tocou em seu rosto.

É
— É tão gostoso…
Eles se moveram em sintonia, e ela ergueu os quadris para receber cada
investida. Mas Nicholas estava determinado a fazer a conexão entre os dois
durar. Ele não tinha pressa.
As mãos de Acacia deslizaram pelos ombros fortes e as saliências da coluna
de Nicholas. Ela agarrou seu traseiro com as duas mãos e apertou.
— Olhe para mim — Nicholas exigiu quando os olhos dela se fecharam.
Ela viu uma leve vulnerabilidade em seu olhar — algo naquele momento o
qual Nicholas não conseguia esconder.
— Isso é bom… — Ela ofegou. — Muito bom. — A cabeça tombou para
trás, e seus olhos se fecharam.
O ritmo acelerou, e Nicholas a penetrou mais profundamente. Ela o
compreendia mais a cada investida.
Ele beijou o pescoço de Acacia, lambendo a pele úmida e a mordiscando.
Nicholas foi mais fundo, e Acacia sentiu o prazer crescendo.
— Por favor — ela implorou. Seus olhos se abriram. — Por favor.
— Do que você precisa? — Nicholas quase gaguejou. Apertou os dentes
uns nos outros enquanto acelerava o ritmo.
— De mais. — Os dedos de Acacia cravaram na bunda de Nicholas
Ele alongou as investidas, entrando mais profundamente e se movendo
mais rápido. Mais rápido.
Nicholas inclinou a parte superior do corpo e levou o seio de Acacia à boca.
Lambeu o mamilo e chupou com força.
— Isso! — ela disse, quase choramingando.
Nicholas continuou se movendo, prolongando o prazer.
Acacia colocou os braços em volta de Nicholas e escondeu o rosto em seu
pescoço.
Nicholas pulsou dentro de Acacia. Então cou quieto.
Ela tocou sua bochecha, perto de sua cicatriz.
— Tudo bem?
— Eu estava pensando nos fogos de artifício que sempre parecem explodir
quando estamos juntos.
— Somos sortudos.
— Sim, nós somos. — Ele fez uma pausa e ergueu a cabeça. — A forma
como camos juntos é muito diferente de como era para mim no passado.
— Para mim também.
Nicholas levou a mão de Acacia ao peito.
— Você roubou meu coração.
— É uma troca justa. — Ela sorriu. — Você também roubou o meu.
Na manhã seguinte, Acacia acordou com o som da porta da frente abrindo e
fechando.
Ela praguejou e puxou as cobertas sobre a cabeça. Debaixo dos lençóis,
estava enroscada no corpo nu de Nicholas, a cabeça apoiada em seu peito. Eles
zeram amor muitas vezes na noite anterior, as atividades românticas se
estenderam até a manhã seguinte. Ela estava cansada e confortável demais para
ser incomodada.
— Sinto muito, chefe, mas há um agente da BRB que quer falar com
mademoiselle. — A voz de Kurt cortou sua névoa de sono.
— Droga. — A mão de Nicholas se moveu contra as costas de Acacia sob o
lençol. Ele a apertou carinhosamente e beijou seus cabelos. — Sinto muito,
amour.
Ela gemeu e se desvencilhou com cuidado, se esforçando para manter o
corpo coberto com um lençol.
Nicholas se sentou. Parecia que ele ia atender a porta.
— Eu cuido disso. — Acacia se abaixou para beijá-lo.
Quando se aproximou da entrada de seu apartamento, Kurt abriu a porta.
— Caci. — Os olhos de Luc encontraram os dela. Ele usava jeans e uma
jaqueta de couro preta. Seu rosto não estava barbeado, e ele parecia cansado.
Sua boca se curvou em desaprovação quando viu o cabelo despenteado, o
rosto sonolento e os ombros nus de Acacia. Olhou para o lençol com desgosto.
Sua irritação aumentou, e Acacia puxou o lençol com mais força ao seu
redor.
— Eu te mandei uma mensagem. Disse que conversaríamos mais tarde.
— Você tem dito isso há dias. Quem está aí? — Luc olhou por cima do
ombro, para dentro do apartamento.
Ela seguiu seu olhar quando Luc encontrou Nicholas sentado na beira da
cama, com a parte superior do corpo nu.
O rosto de Luc cou vermelho, e ele a olhou de forma acusatória.
— O que ele está fazendo aqui?
— Não estou vestida. — Sua voz era rme. — Vou te explicar tudo mais
tarde.
Luc agarrou o braço dela.
— Caci, venha para o corredor.
— Sem encostar nela. — Kurt interveio, colocando a mão no braço de
Luc.
— Eu sou da BRB — disse Luc com raiva. — Tire sua mão de mim ou
haverá uma dúzia de agentes aqui em cinco minutos.
Acacia estava entre os dois homens.
— Está tudo bem, Kurt.
Acacia desvencilhou seu braço da mão de Luc, e Kurt o soltou.
— Agora não é uma boa hora — ela disse. — Eu te ligo mais tarde.
— Hora de ir. — Kurt recuou, levando Acacia com ele.
— Espere. — Luc se moveu para bloquear a porta que se fechava, mas Kurt
cou na frente dele. Os olhos azuis de Luc brilharam. — Caci, venha para fora
do apartamento. Ele não pode te impedir.
— A dona do apartamento pediu várias vezes que você fosse embora, e você
recusou. — Nicholas caminhou até a porta, um cobertor enrolado em seus
quadris.
— Eu sei tudo sobre você, Breckman. — Os olhos de Luc se estreitaram.
— Eu reconheceria esse rosto de Frankenstein em qualquer lugar.
— Connard — Acacia xingou Luc, empurrando-o para trás antes que
alguém pudesse se mover.
— Caci. — Luc parecia ferido.
— Não fale assim com ele. — A voz de Acacia tremeu.
— Você está brincando? — As narinas de Luc se dilataram. — Esse cara é
um tra cante de armas. Você me pediu para protegê-la dele, e agora você está
transando com ele? — Luc balançou a cabeça. — Como posso saber se ele não
está te mantendo aí contra a sua vontade?
— Porque estou dizendo que ele não está — Acacia retrucou. — Fale com
Kate. Ela veio nos ver ontem. Fale com madame Ouellete, lá embaixo.
— Eu vim aqui para falar com você.
— Sim, e como você pode ver, estou bem. Explicarei tudo mais tarde. Mas
não insulte o homem que é o dono do meu coração.
Luc passou a mão pela boca.
— Eu não posso acreditar. Quer saber? Não precisamos conversar. Não
agora. — Luc praguejou. — Me liga quando você colocar a cabeça no lugar.
Ele se virou e caminhou rapidamente em direção à escada.
Kurt voltou para o corredor e fechou a porta atrás de si. Nicholas trancou a
porta por dentro e passou o trinco.
Acacia se afundou nos braços de Nicholas.
— Eu sinto tanto… Que coisa horrível de se dizer.
— Ele perdeu você. Isso é o su ciente para fazer um homem esquecer suas
boas maneiras.
Ela olhou para Nicholas.
— Como você pode estar tão calmo? Eu queria dar um soco nele.
— Foi bom você não ter feito isso. — Nicholas ergueu a mão dela e a
fechou em punho. Ele a beijou, um brilho perverso em seus olhos. — Minha
equipe jurídica talvez tivesse di culdade em fazer com que essa acusação
desaparecesse.
Acacia praguejou em português.
Nicholas deu a ela um meio sorriso. Em seguida, examinou os nós dos
dedos dela.
— Você falou sério?
— Sobre o quê?
— Que eu sou o dono do seu coração?
— É claro que sim.
Nicholas estufou o peito.
— Vê só? Estou tranquilo porque venci. E minha mulher pode xingar em
pelo menos seis línguas.
— Ando estudando japonês também. — Acacia cou na ponta dos pés. —
Vou fazer café e pão de queijo — ela disse o nome da iguaria em português.
— O que é isso?
— Um fantástico pão de queijo brasileiro.
— “Ao vencedor, as batatas”. — Ele a curvou para trás a m de beijá-la.

***
— Ele apareceu no seu apartamento quando o seu gostosão novo estava lá?
Cacete. — Kate se virou para Acacia enquanto caminhavam sob a grande
pirâmide de vidro do Louvre. Kurt as seguia. — E aí, o que aconteceu?
— Luc insistiu para que eu falasse com ele. Eu nem estava vestida, estava
enrolada em um lençol. Aí ele xingou Nicholas.
— Xingou como?
Acacia balançou a cabeça. Kate foi apresentada a Nicholas quando a cicatriz
estava coberta. Ela não podia mencionar essa questão.
— Não importa. Eu disse a Luc que estou com Nicholas. Então Luc me
disse para ligar para ele quando eu colocasse a cabeça no lugar.
— Uau. Que constrangedor
— Inacreditavelmente constrangedor.
Acacia e Kate almoçaram em um café tranquilo no Quartier Latin antes de
irem a pé para o Louvre. Como sempre, Acacia não ia a lugar nenhum sem
Kurt.
— Ele não vai sair contando tudo ao Nicholas, vai? — Kate sussurrou em
inglês enquanto esperavam sob a pirâmide.
— Não — respondeu Acacia. — Mas por causa do que aconteceu na
Victoire e… outras coisas, Nicholas insistiu que eu tivesse um guarda-costas.
— Legal. — Kate balançou a cabeça. — Eu deveria ter trazido você e seu
guarda-costas para minha reunião com meu orientador. Ele é um babaca.
— Eu sinto muito.
— Eu sinto muito por ter passado todo o nosso almoço reclamando dele.
Obrigada por concordar em vir aqui. Achei que seria um lugar silencioso para
podermos conversar.
Existem vários adjetivos que se podem aplicar ao Louvre, pensou Acacia, mas
silencioso não é um deles.
Ela olhou para a amiga com preocupação.
— Você acha que vai dar tudo certo quanto à sua tese?
Kate franziu a testa.
— Não sei. Mas não vou desistir.
Elas caram admirando a pirâmide que se erguia logo acima delas, bem
como a pirâmide que pendia do teto, banhando a entrada subterrânea com o
forte sol parisiense. Os turistas lotavam a área tirando fotos e sel es.
— Foi uma atitude estúpida da parte de Luc aparecer no seu apartamento e
ser um babaca — observou Kate. — Você acha que, depois que Luc se acalmar,
vai voltar a falar com ele?
Acacia olhou por cima do ombro para Kurt, que estava com uma expressão
vazia.
— Acho que devo uma explicação a Luc. Fui eu que o trouxe para minha
vida novamente. Mas não quero que se repita o que aconteceu esta manhã.
Um homem com um terno verde-escuro muito bonito dobrou a esquina e
caminhou em direção a eles, acompanhado por uma mulher elegantemente
vestida de um lado e um segurança uniformizado do outro.
Acacia praguejou baixinho.
Kurt cou na frente de Kate e Acacia enquanto a comitiva se aproximava.
Kate se inclinou para o lado para que pudesse ver o que estava acontecendo na
frente do corpo enorme de Kurt.
— Mademoiselle Santos? — O homem de terno verde estendeu a mão e
sorriu. — Louis Richard.
Acacia apertou as mãos, tentando se recuperar. O homem à sua frente era o
diretor do Louvre.
— Esta é Danielle DuBois, a diretora de relações, e este é Étienne Gauvin,
o chefe de segurança — disse ele.
Acacia apertou as mãos e calmamente apresentou Kate e Kurt.
— Nicholas me ligou — explicou o diretor, com um sorriso largo. — Não
sabia que ele estava em Paris.
— Ele acabou de chegar. — Acacia forçou um sorriso, ainda se sentindo
tensa.
— Vou precisar que seu guarda-costas se registre com a segurança. Então
você estará livre para desfrutar do museu. Você gostaria de um tour privado?
Madame DuBois caria feliz em ser sua guia.
— É muita gentileza da parte de vocês. — Acacia deu a Danielle um olhar
agradecido. — Mas estamos aqui apenas para dar uma volta.
— É claro. — O diretor esfregou as mãos. — Vamos apenas dar um pulo
no escritório de madame DuBois para preencher a papelada.
Acacia olhou para Kurt, que assentiu para ela.
— Está tudo certo. Rick me mandou uma mensagem avisando do
protocolo.
O sorriso de Acacia vacilou.
Eles seguiram a equipe do Louvre até o escritório de madame DuBois e lá
preencheram os papéis necessários. Kurt foi obrigado a mostrar vários
documentos de identi cação junto com suas licenças.
O diretor apertou a mão de Acacia mais uma vez.
— Por favor, mande a Nicholas meus melhores cumprimentos. Espero
poder convencer vocês dois a comparecer à inauguração de nossa nova
exposição de antiguidades em setembro.
O coração de Acacia deu um salto.
— Eu adoraria.
— Excelente. Enviarei os detalhes à assistente de Nicholas. Aproveite sua
visita.
Acacia, Kate e Kurt deixaram o escritório com o chefe da segurança, que os
acompanhou pelo posto de controle até o museu.
Ela percebeu que eles não passaram pelos detectores de metal. Ela tinha
esquecido que Kurt, como Rick, sempre carregava uma arma. No entanto, o
diretor não insistiu que o segurança se livrasse dela. Acacia achou o fato
curioso.
— Você não me disse que tinha tantas conexões assim. — Kate deu o braço
para Acacia depois que passaram pela entrada. Ela falava em inglês por causa de
Kurt, embora Acacia tivesse quase certeza de que ele também sabia a língua.
— Eu não sabia que tinha — disse Acacia. Ela olhou para Kurt, que parecia
imperturbável com toda a situação.
— Voltando para o Luc. — Kate soltou o braço da amiga. — É óbvio que
ele ainda está caidinho por você. Ele cou indo ao apartamento enquanto você
estava fora e parecia genuinamente preocupado. Tenho certeza de que cou
chocado por você ter voltado de suas “férias” com alguém novo.
Acacia concordou com a cabeça.
— Lamento que tenha sido constrangedor. Mas eu quero ouvir sobre
Nicholas, o cara novo.
Por razões que só Kate conhecia, eles decidiram se aventurar em direção à
Mona Lisa, enfrentando a multidão que se dirigia para a ala Denon.
As amigas rapidamente passaram pela exposição de Artes Decorativas e
entraram na sala cavernosa que exibia a Mona Lisa, junto com as obras de
Botticelli. Acacia se manteve próxima de Kate, e Kurt se manteve próximo de
ambas.
Acacia falou no ouvido de Kate para que ela não precisasse gritar por causa
do barulho.
— Nicholas era um hóspede do Victoire. Sua equipe de segurança interveio
quando alguém me atacou. Ele estava preocupado que os agressores viessem
atrás de mim no meu apartamento, por isso eu saí de casa.
— Por que ele tem uma equipe de segurança? E por que ele é tão próximo
do diretor do Louvre?
Acacia hesitou.
— Ele é um empresário. Acho que é um patrono do museu.
Kate a olhou com descon ança.
Eles se aproximaram da Mona Lisa pela lateral, em uma tentativa de
avançar lentamente para ver melhor. A multidão era quase impenetrável.
— Quando você viajou, Nicholas foi junto? — Kate ergueu a voz para que
pudesse ser ouvida mesmo com a tagarelice das pessoas por perto.
— Sim. Ele ia ter de viajar a negócios de qualquer maneira.
— Parece muita coincidência.
— Sim. — Acacia não pôde contestar o fato.
— Vamos, abriu um espaço ali. — Kate puxou Acacia por entre uma
lacuna entre dois grupos distintos. Elas estavam agora a poucos metros da
famosa pintura.
— Sempre parece menor do que eu me lembrava — re etiu Kate.
— E mais escura. — Acacia analisou a obra-prima com um olhar crítico.
— Mas a perspectiva é incrível.
— Eu gostaria de poder pintar um quadro. — Kate suspirou.
— Você pode. Basta comprar alguns materiais de arte no Quartier Latin e
montar um cavalete perto do Sena. Todo mundo faz isso.
Kate franziu a testa.
— Eu não tenho talento.
— Você já deu uma olhada em alguma daquelas pinturas? A falta de talento
não impede os outros de tentar. Você não sabe se é uma pessoa talentosa até
que tente fazer o que deseja.
— Acacia, você é do tipo de gente que consegue fazer de tudo.
— Eu não consigo fazer tudo. Não sei fazer su ê e não sei dar uma
estrelinha. Mas nunca vou saber o que consigo ou não fazer até tentar.
— Isso deveria estar estampado em uma camiseta. — Kate avançou alguns
passos e pegou o celular. Ela tirou algumas fotos. — Quer tirar uma foto?
Acacia balançou a cabeça.
— Hoje, não.
— Podemos olhar as outras salas. Obrigada por me animar. Gosto de vir
aqui visitá-la quando estou estressada.
Acacia sorriu.
— Compreendo. A Mona Lisa não te julga e sempre tem um sorriso no
rosto.
Elas abriram caminho pela enorme multidão e saíram pelo corredor.
Acacia deu um suspiro de alívio. Não gostava de multidões, mesmo com
um segurança em cima dela como se fosse um casaco.
Kate a guiou até a exposição de arte francesa próxima.
— Então você se mandou com seu rico empresário. Para onde vocês foram?
— Primeiro para a Suíça. Ele é de lá. Depois, Santorini.
— Santorini? Isso não me parece viagem de trabalho.
— Era, mas ele me levou para a praia e…
Kate se aproximou.
— E…?
Acacia ergueu as mãos.
— E aconteceu que nós dois camos juntos.
— Hm. Bem, Santorini é o lugar certo para algo acontecer. Mas aposto que
ele cou doido por você quando se conheceram.
— Ele não gostou de mim no começo. — Acacia fez uma careta. — Estava
acostumado a lidar com um concierge diferente.
— Tensão sexual. — Kate piscou. — É um incentivador poderoso. Estou
feliz que você tenha um novo homem. Você está sozinha desde quando te
conheci. Nicholas é gostoso.
— Mas…? — Acacia olhou para a amiga com curiosidade.
Kate deu a Kurt um olhar planejado para intimidá-lo, mas não teve muito
sucesso.
— Nicholas me pareceu um cara triste — sussurrou ela. — Ele não se
encaixa no per l de artista torturado, mas se tirar o terno preto, é isso que vejo
nele.
— Ele perdeu a irmã. Isso… o marcou.
— Eu sinto muito. — Kate parou, encarando a amiga. — Isso explica
tudo. Mas tome cuidado. Se ele for uma pessoa infeliz, eventualmente vai te
fazer infeliz também.
Acacia parou, atordoada.
Seus olhos encontraram os de Kurt. Ele não deu a ela nenhum tipo de
reação.
Acacia se virou e voltou a acompanhar Kate, as palavras de advertência
soando em seus ouvidos.
Naquela noite, Acacia e Nicholas optaram por jantar na suíte no Ritz em que
Nicholas se hospedara. Na privacidade dos aposentos, ele renunciou à prótese e
deixou a cicatriz descoberta.
Acacia estava nitidamente quieta. As palavras de Kate cobraram seu preço e
a zeram se questionar sobre seus sentimentos tão repentinos por Nicholas.
Ele notou sua mudança de humor, mas não comentou nada a respeito do
assunto.
Mais tarde, zeram amor no chão perto da lareira. Sem dizer nada, se
comunicaram através de seus corpos, de seu prazer profundo e intenso. Depois,
se deitaram em um emaranhado de membros no chão. Nem mesmo se
preocuparam com um lençol. Um leve brilho de suor cobria a pele dos dois.
A perna de Acacia foi jogada sobre a de Nicholas, o braço, em seu
abdômen. Ela descansou a cabeça perto do coração dele, enquanto os braços de
Nicholas envolviam seus ombros.
— Eu te amo.
As palavras vieram do nada. Acacia ergueu a cabeça em choque.
Nicholas parecia a ito. Seus olhos escuros mostravam preocupação, a testa
estava franzida.
Ele encostou nos lábios de Acacia.
— Não há necessidade de responder. Já faz algum tempo que estou
estourando de vontade de dizer essas palavras. Receio dizer que elas
simplesmente escaparam.
— Você me ama? — Os lábios de Acacia se moveram nos dedos dele.
Nicholas os afastou.
— Sim. Eu te amo quase desde o momento em que te vi no Victoire. Você
é incrível, Acacia. Sou doido por você.
— Você me ama apesar do meu passado complicado?
— Você me disse que me aceitou com cicatriz e tudo. Eu me sinto da
mesma forma com você, mas muito mais profundamente.
— Eu também te amo — ela confessou. — Eu percebi isso ontem à noite.
Eu amo esse homem. Posso ver seu coração e sua alma em seus olhos, e nunca
quero car sem eles por perto.
Nicholas aproximou sua boca da dela e a beijou.
— Eu não sabia — ele disse enquanto unia seus lábios aos dela repetidas
vezes. — Eu estava com medo de que, se eu te contasse, pudesse te perder. Mas
as palavras não puderam ser contidas.
— Há tantos anos sinto medo. Não estou mais com medo, não enquanto
estivermos juntos. Esperei muito tempo por você.
— E eu por você — respondeu. Nicholas tocou no rosto de Acacia,
maravilhado. — Você me ama.
— Com todo meu coração. — Ela levou a mão ao peito, logo abaixo do
colar que Nicholas lhe dera, e depois levou a mesma mão ao coração.
Nicholas deu a ela um sorriso ofuscante.
— Estou muito aliviado por saber que sou correspondido.
Acacia inclinou a cabeça para o lado.
— Você não notou? A cada vez que você me tocava, eu sentia que estava
revelando meus segredos.
— Você é muito expressiva durante o sexo; isso é verdade. — Ele beijou o
nariz de Acacia de brincadeira.
— Você também é. — Ela montou nele e começou a fazer cócegas em suas
costelas.
Nicholas uivou de tanto rir e tentou afastar as mãos dela.
Ela ria junto.
— E, claro, você disse ao seu ex-namorado que eu sou o dono do seu
coração. Isso me encheu de coragem.
— Que bom.
— Peguei você. — Ele juntou as mãos de Acacia, prendendo seus pulsos.
— Parei com as cócegas. — Ela deu a ele um olhar que deveria ser sincero.
— Mentirosa. — Nicholas beijou as palmas das mãos de Acacia. — Esta é
uma das razões pelas quais eu te amo. Você me faz rir.
Ela sorriu para ele.
Os dois caram em silêncio por um momento. Acacia aproveitou a
oportunidade para examinar o rosto de Nicholas.
— Você vai me contar como conseguiu essa cicatriz? — Sua voz era gentil.
Nicholas soltou as mãos de Acacia, e elas repousaram em seu peito.
— Você já sabe o que houve com minha irmã. Sua morte jogou minha vida
em uma espiral de caos. Não tinha a rede de contatos que tenho hoje, mas
tinha alguma riqueza e in uência. Comecei minha própria investigação. Um
grupo de homens foi visto na galeria em duas ocasiões diferentes antes do
roubo. Eles não agiam como entusiastas da arte. Segui pistas até a Bósnia, mas
eles me encontraram primeiro.
— O que aconteceu?
— Eles zeram isso comigo. — Ele apontou para a cicatriz. — E me
disseram que da próxima vez que nos encontrássemos, matariam a mim e aos
meus pais. Jurei naquele momento que me tornaria alguém que eles não
poderiam matar.
— Nicholas. — Acacia tocou o rosto dele. — Você tem sorte de estar vivo.
— Voltei para minha família des gurado. Minha própria mãe não
suportava olhar para mim.
— Tenho certeza de que não foi bem assim.
— Foi. Embora, talvez, ela tenha conseguido aceitar o que houve — ele
admitiu.
— Você não quis remover a cicatriz?
Nicholas cerrou os dentes.
— Eu queria car na frente do homem que me deu a cicatriz e fazer o
mesmo com ele. Passei a usar uma prótese. Eu morava na casa dos meus pais,
estava obcecado em encontrar a pessoa que comprou as obras de arte dos
bósnios. Perdi minha noiva por causa da minha obsessão.
— Eu não sabia que você já foi noivo. — A voz de Acacia estava baixa.
— Eu estava trabalhando em Londres na época. Nós nos conhecemos lá.
Eu a levei para conhecer minha família na noite em que Riva foi morta.
— Ah, Nicholas. — Ela tocou seu ombro. — O que aconteceu com sua
noiva?
Nicholas esfregou o rosto.
— Ela morava em Londres, trabalhava lá também. Eu dei um tempo no
trabalho para morar em Cologny. Ela não queria me deixar ir embora, mas eu
não tinha desejo de continuar com ela. Fui eu quem acabou com o
relacionamento.
— Você chegou a pensar em se reconciliar?
— Anos depois, tentei, mas a magoei tão profundamente, que ela não
conseguia mais con ar em mim.
O suspiro de Acacia fez par com o de Nicholas.
— Você sabe quem matou sua irmã.
— Eu conheço os homens envolvidos, sim. Eles se gabavam de trabalhar
para alguém poderoso. Mas então desapareceram, e eu nunca fui capaz de
encontrar o rastro.
— Você acha que eles trabalhavam para o russo de Yasmin?
— Eles foram inteligentes o su ciente para não dizer isso. No início, não
sabíamos se os ladrões tinham sido contratados por alguém para roubar a obra
ou se eram oportunistas que procurariam um comprador. Mas quando os
encontrei, eles deixaram claro que haviam sido comissionados. Infelizmente,
Riva os surpreendeu na noite do roubo. O que foi dito foi que a morte dela foi
um acidente. Eles só pretendiam nocauteá-la.
— Eu sinto muito.
A expressão de Nicholas se tornou feroz, havia um fogo sombrio
queimando em seus olhos.
— Quando eu os encontrar, vou car na frente deles com isso aqui
descoberto. — Ele gesticulou para seu rosto. — E eu vou meter uma bala no
cérebro de cada um.
Acacia cou imóvel.
Os olhos de Nicholas brilharam.
— Devolver as obras de arte aos meus pais é importante, mas nunca
poderei devolver minha irmã a eles. Vou encontrar o homem que ordenou o
roubo e vou matar tanto ele quanto sua equipe.
— Mas isso… — Acacia engoliu em seco. — Não seria melhor entregá-los
à Interpol?
— Para o chefe do crime negar o envolvimento? Para que ele possa se
declarar culpado das acusações de posse de propriedade roubada? Não. — A
voz de Nicholas cou áspera. — Todos eles precisam pagar.
— Isso é assassinato.
O olhar de Nicholas estava frio.
— Não, Acacia. É justiça.
Ela se recostou e cou olhando.
— Achei que você queria recuperar as obras de arte.
— Não é o su ciente. Esse homem destruiu minha família. Meus pais não
suportam car na casa em que crescemos por causa das memórias que habitam
aquele lugar.
— Você acha que matá-lo vai proporcionar a eles um encerramento?
— Sim.
— Nicholas. — Acacia se curvou sobre ele. — Escuta. Morte só traz mais
mortes. Isso nunca vai acabar.
— O que você sabe sobre isso? — ele cuspiu.
Com cuidado, ela saiu de cima dele.
— Pense em onde eu nasci. Pense em meus irmãos e irmãs naquela região.
Eu sei tudo sobre assassinato.
Nicholas se sentou.
— Isto é diferente. Isso não é terrorismo.
— O terrorismo é um ato de violência praticado por alguém que faz sua
própria lei. Qual é a diferença entre o russo e meu pai? Qual é a diferença entre
você e o russo se você zer isso?
— Acacia — advertiu Nicholas.
— Vocês dois são poderosos. Você tem redes de inteligência e guardas de
segurança. Você tem poder político. Qual é a diferença?
— Eu não sou corrupto. Eu não comecei nada disso.
— Se você faz sua própria lei, então você é exatamente como eles. Você não
pode decidir quem vive e quem morre. Você não pode se tornar a lei.
— Não, mas posso ser o agente da justiça.
— Justiça de quem? Sua? De sua irmã? — Acacia se aproximou dele. —
Sua irmã gostaria que você se tornasse um assassino?
Nicholas se levantou, as mãos cerradas de fúria.
— Olha o que eles zeram com a minha cara! Olha o que eles zeram com
a minha irmã!
Acacia se cobriu com um lençol e cambaleou por um momento.
— Nicholas, me escute. Você quer justiça. Você merece isso. Mas olho por
olho, dente por dente, e todos terminam cegos e banguelas. Cometer
assassinatos arruinou minha família. Não poderíamos conviver com um
homem que seguia as regras de sua própria lei.
Nicholas sacudiu a cabeça em sua direção.
— Eu não sou seu pai.
— Mas você se tornará se zer isso.
— Acacia. — Nicholas abaixou a cabeça para que seus olhos estivessem no
mesmo nível. — Assim que isso tudo terminar, estarei livre. Livre para viver.
Livre para amar.
— Assim que isso tudo terminar, você vai fazer parte de uma cadeia de
matanças. As pessoas relacionadas ao russo virão atrás de você, ou de sua
família, ou de mim. Você não percebe? Você vai nos colocar em risco, a todos
nós.
Ele pegou as mãos de Acacia.
— Você disse que me amava. Precisa entender por que devo fazer isso.
Os olhos de Acacia procuraram os dele. Ela viu desespero e desejo, força de
vontade e afeto. Mas não foi o su ciente.
— Se você me ama, não faça isso.
Ele a soltou. Sua expressão era resoluta.
— Eu preciso fazer isso.
— Amo você, Nicholas. O pensamento de car sem você me rasga aqui. —
Ela pressionou a mão fechada contra o coração. — Mas se você zer isso, se
você matar aquele homem, eu não posso car com você.
Nicholas agarrou o punho de Acacia com ambas as mãos.
— Acacia, se você re etir melhor sobre isso, verá que tenho razão.
— Tenho re etido sobre vingança e morte há quase trinta anos. Eu sei que
você não tem razão. Prometa que não matará ninguém.
Sua coluna se endireitou.
— Eu não posso.
Acacia se desvencilhou de suas mãos.
— Então eu tenho de ir. — Acacia pegou suas roupas espalhadas pelo chão.
— Podemos conversar sobre isso.
— Não há nada para discutir. Você já disse tudo o que havia para dizer. —
Ela escapou até o banheiro.
— Acacia, espere! — Nicholas a seguiu.
Mas a porta já estava trancada.
Assim que Acacia saiu do banheiro, Kurt apareceu ao seu lado. Ela deixou o
colar que Nicholas lhe dera sobre uma mesa no vestíbulo da suíte. Escreveu
rapidamente um bilhete dizendo que não achava certo car com o presente.
Ela pegou a bolsa e seus sapatos o mais rápido que pôde e se dirigiu para a
porta. Evidentemente, Nicholas havia se trancado em seu quarto.
Sem dizer uma palavra, Kurt a acompanhou até o elevador e desceu até a
porta da frente do hotel. Chamou um táxi e a acompanhou até o apartamento
dela. Ele fez uma ligação ao longo do caminho, mas Acacia não prestou
atenção nas palavras. Estava muito ocupada sangrando por dentro.
Quando chegaram ao prédio, Acacia pagou ao motorista, e Kurt a ajudou a
sair do táxi. Ele a acompanhou.
Tiros foram disparados assim que Acacia cruzou a soleira.
Kurt caiu no chão antes que pudesse pegar sua arma. O sangue se
acumulou na frente de sua camisa escura. Acacia gritou. Tentou fugir, mas um
homem mascarado, portanto um ri e, agarrou seu braço. Ela o atingiu na
garganta e chutou o lado de seu joelho, fazendo-o desabar no chão.
Ela abriu a porta e tropeçou na calçada. Mas antes que pudesse se orientar,
algo pesado e largo a atingiu na parte inferior da coluna. Ela tombou para a
frente e caiu no chão.
Sem fôlego, tentou respirar. Alguém a agarrou pelos cabelos e algo a ado
perfurou seu pescoço.
Seu coração batia irregularmente enquanto a escuridão a tomava.
Acacia despertou sobressaltada.
Estava sonhando que estava se afogando; a água enchia seus pulmões, e
respirar se tornava impossível. Ela se engasgou. O ar quente e úmido era
sufocante. Não admira que tenha achado difícil recuperar o fôlego.
Ela se sentou e imediatamente se arrependeu da decisão. Uma dor grave na
parte inferior das costas se transformou em uma dor aguda que envolveu sua
cintura. Ela lutou contra a náusea e examinou a pequena sala quadrada. O sol
brilhante entrava por uma pequena janela no alto da parede de blocos de
concreto, indicando que era meio-dia ou mais. Acacia cou inconsciente por
horas. Ela respirou lentamente, botando ar para dentro e para fora, tentando
controlar a dor e ignorar o calor.
Havia uma porta de aço que provavelmente dava para o lado de fora.
Infelizmente, não tinha maçaneta. Outra porta se abria para um banheiro.
A única mobília na sala era a cama em que estava sentada e uma pequena
mesa lateral. Uma jarra d’água estava sobre a mesa, ao lado de um pequeno
copo de metal. Ela despejou água e bebeu com avidez, embora o líquido
estivesse quente.
Acacia olhou para cima. As luzes estavam apagadas, provavelmente por
causa do calor sufocante. Acacia suava, e mal havia se mexido.
Fechou os olhos e buscou ouvir o tráfego, ou qualquer outro som
reconhecível. Conseguia ouvir o patético sistema de ventilação trabalhando
através do duto coberto acima dela, mas nada mais.
Abriu os olhos. Perguntou-se se o duto de ventilação era largo o su ciente
para ser um meio de fugir dali. Mas primeiro ela tentaria a janela. Os blocos de
concreto tinham sulcos rasos entre eles, alguns mais rasos do que outros.
Anos atrás, ela tinha feito um curso de escalada. Não tinha escalado desde
então, mas se lembrava do básico. Escalar a parede exigia um nível de
habilidade muito maior do que o seu atual, mas ela não tinha nada a perder.
Suas costas reclamaram quando se levantou da cama. Procurou em vão por
sua bolsa, mas, é claro, seja lá quem tivesse sequestrado Acacia provavelmente a
tinha levado também.
Ela ainda estava vestida com as roupas da noite anterior — jeans branco,
que agora estava imundo, e uma blusa de mangas compridas de seda laranja.
Um grande rasgo na seda se abriu logo abaixo de seu braço direito. Usava
sapatos de couro preto sem salto. Pelo menos os sapatos eram adequados para a
escalada.
Ela mancou até a parede e ergueu os braços, seus dedos tateando por
desníveis onde pudessem se segurar. Então ergueu o pé esquerdo, ignorando as
reclamações de sua coluna, e encontrou um ponto de apoio. Com cuidado,
transferiu o peso para o pé esquerdo e ergueu o direito. Sentiu di culdade em
encontrar um apoio para o direito e plantou a lateral do pé na reentrância mais
profunda que encontrou antes de transferir o peso para o pé esquerdo
novamente.
Suas mãos buscavam apoios mais altos, a barriga raspava contra a parede
enquanto ela levantava o pé direito ainda mais, procurando por um lugar que
fosse capaz de suportar todo seu peso.
Ela se levantou, se apoiou no pé direito e começou o processo novamente
com o esquerdo. Pouco a pouco, foi subindo, sem desistir, até que nalmente a
mão direita alcançou o parapeito da janela.
Esforçando-se, ela se ergueu.
Havia grades na janela, cobrindo o que parecia ser acrílico. Do lado de fora,
pilares bege encimados por arcos revestiam o pátio, que tinha uma fonte
central. Parte do chão era composta de um mosaico intrincado de pequenos
ladrilhos, mas o pátio estava sujo e dilapidado. Muitas das telhas foram
quebradas.
Uma porta cava à sua esquerda e outra à sua direita, mas não havia outras
janelas visíveis no andar principal. Janelas com venezianas estavam espalhadas
pela fachada do segundo andar e havia duas palmeiras enormes na extremidade
oposta do pátio, anqueando uma alta porta dupla com dobradiças de ferro
enferrujado.
Os braços e pernas de Acacia começaram a tremer, e ela rapidamente refez
seus movimentos, descendo até o chão de concreto. Com base na arquitetura e
nas palmeiras, provavelmente estava em algum lugar do Oriente Médio. Como
se con rmando sua hipótese, ouviu o som do Almuadem conduzindo a
chamada para a oração.
Seu pai devia tê-la sequestrado.
Ela cobriu o rosto com as mãos e respirou longa e profundamente. Em vez
de orar, ignorou o Almuadem e tentou organizar seus pensamentos.
Rick teria ido atrás de Kurt. Ela pensou no olhar vago do segurança deitado
no chão de seu prédio, com sangue manchando o peito. Ele prometeu protegê-
la quando estivessem em Dubai. Ele morreu protegendo-a em Paris.
Acacia sabia tão pouco sobre ele. Perguntou-se se o homem tinha família.
Abafou um soluço.
Pense, ela disse a si mesma. Você pode lamentar a morte de Kurt mais tarde.
Agora deve encontrar uma saída.
Ela examinou o ambiente e procurou por qualquer coisa que pudesse ser
usada como uma arma ou meio de fuga. A cama tinha uma estrutura de aço
simples e ripas cobertas por um colchão no. Ela tinha lençóis e um cobertor,
além de um travesseiro. Se a janela fosse grande o su ciente, poderia sair e
descer com uma corda feita de lençóis. Mas a janela era pequena demais para
ela passar e tinha grades de ferro.
Se colocasse a cama em pé, poderia usá-la como escada para o duto de
ventilação. Ela não tinha certeza de quão estável a cama caria no chão de
concreto irregular. E ela teria de arrumar uma maneira de remover a tampa do
duto de ventilação. Era um plano de fuga promissor, no entanto. Poderia tentar
depois de escurecer.
A porta da cela não tinha maçaneta ou fechadura que ela pudesse abrir, e o
espaço entre a porta e o batente era excepcionalmente estreito. Mesmo se
pudesse remover uma das ripas de metal de sua cama, provavelmente seria
muito larga para abrir a porta. Mas era algo que poderia tentar.
Acacia foi inspecionar o banheiro. Havia um chuveiro, vaso sanitário e pia.
Ela se virou de costas para o espelho e levantou a camisa. Um longo hematoma
horizontal roxo-escuro e azul atravessava a parte inferior das suas costas. Ela
encostou nele e estremeceu.
Se quebrasse o espelho, poderia embrulhar os cacos de vidro em tiras de
lençol e usá-los como uma arma.
Acacia não queria matar ninguém. Como ela aprendeu nas artes marciais,
seu objetivo era escapar de um atacante incapacitando-o. Mas se um caco de
vidro fosse o único meio de escapar, ela o usaria.
Ela inspecionou o xampu no chuveiro. O rótulo em árabe e francês
declarava que havia sido feito no Marrocos.
Marrocos.
Claro que ela não tinha ideia de onde exatamente estava no Marrocos. Sem
dinheiro ou passaporte, voltar para a Europa seria difícil. Ela não tinha
Nicholas e sua miríade de contatos e passaportes diplomáticos para se apoiar.
Nicholas.
Acacia se perguntou onde ele estava e o que estava fazendo. Perguntou-se se
estava procurando por ela.
Ela terminou com ele, então se Nicholas lavasse as mãos quanto a ela, seria
culpa de Acacia. Mas o homem que ela conhecia, o homem que ela ainda
amava, não faria isso. Ela acreditava profundamente que o amor de Nicholas
por ela e sua nobreza de caráter não permitiriam que a entregasse à mercê de
seu destino. Em algum lugar, ele e sua equipe estavam procurando por ela. O
pensamento aumentou sua esperança.
Ela ouviu uma porta se abrir.
Acacia parou na porta do banheiro e olhou diretamente nos olhos de um
jovem de pele escura, vestido com roupas largas cor de areia e carregando um
ri e militar.
Ele falava árabe.
— Seu pai volta amanhã. Você precisa de alguma coisa?
— Não entendo o que você está dizendo — respondeu ela em francês.
O homem fez uma carranca e continuou em sua própria língua.
— Disseram que você fala árabe.
— Não entendo o que você está dizendo — ela repetiu. Ela se curvou
dramaticamente e colocou a mão na parte inferior das costas. — Estou com
dor. Eu preciso de um médico.
O homem deu a ela um olhar confuso e saiu. A porta se fechou atrás dele.
Ele não parecia irritado ou agressivo, apesar de portar uma arma. Manteve a
porta da cela aberta enquanto falava com ela. Acacia se perguntou se ele
voltaria. Se o zesse, ela estaria pronta.
Acacia cou atrás da porta da cela e esperou. E esperou.
Mais de uma hora se passou antes que algo batesse contra a porta e metal
raspasse contra metal. A porta se abriu para dentro.
Acacia agarrou a borda da porta com as duas mãos e empurrou com toda a
força que pôde. Atingiu alguém, e o baque o derrubou no chão. Ela saltou
sobre seu corpo estirado e arrancou a arma de sua mão.
Um guarda gritou com ela do outro lado do corredor.
Acacia não sabia usar um ri e. Ela apertou o gatilho, mas a arma não
disparou. Frustrada, ela jogou o ri e por cima do ombro e correu.
Uma porta no nal do corredor se abria para o que parecia ser o pátio. Mas
assim que ela se aproximou da soleira, alguém entrou em seu caminho.
Acacia continuou correndo, e então, no último minuto, deu um chute
circular na cabeça do guarda.
Ele caiu de joelhos.
Ela o atingiu na cabeça com a coronha do ri e e continuou correndo.
Lá fora, o sol brilhava, forte e quente. Seus passos ecoaram pelos ladrilhos
do mosaico enquanto ela passava correndo pela fonte, em direção às portas
altas de madeira. Puxou a maçaneta da porta, mas ela não se mexeu.
Furiosamente, procurou por uma fechadura.
Acacia ouviu passos e se virou, mas antes que pudesse se defender, algo a
atingiu de lado. Pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas, tudo
escureceu.
A dor nas costas foi substituída por uma latejante e surda em seu crânio. Acacia
ergueu a mão para sondar o ferimento na cabeça. Viu vestígios de sangue que
devem ter vazado pela bandagem.
A sala girou. Ela fechou os olhos.
— Ele será punido. Recebemos ordens para não tocar em você. — A voz de
um homem falava árabe.
— Eu entendo francês — ela sussurrou.
— Eu sei quais línguas você entende, Hanin. — A voz irradiava desprezo.
Acacia gemeu.
— Posso tomar um copo d’água?
Ela ouviu um movimento e o som de líquido sendo derramado em um
recipiente. Um copo de metal foi colocado em sua mão.
Ela abriu os olhos e ergueu a xícara. Ela bebeu a água em alguns goles.
— Você não me reconhece? — a voz zombou.
O olhar de Acacia se ergueu para seu captor, um homem com cabelos e
olhos pretos. Ele usava uma barba escura, carregava um ri e e usava uniforme
militar.
— Olá, prima. Sou o Ibrahim.
Acacia guardou cuidadosamente para si sua reação, determinada a não
revelar nada.
Ibrahim apontou para a cabeça dela.
— Perdeu muito sangue. Sayeed perdeu o controle, mas isso não vai
acontecer de novo.
— O que você quer? — ela perguntou em francês.
O homem foi até a parede perto da porta e se encostou.
— Vamos mesmo jogar este jogo? Eu sei que você me entende. Você se
parece com sua mãe, Hanin. Foi assim que soubemos que era você.
Acacia mordeu a língua. Questionou-se se eles tinham raptado a mãe, mas
estava com muito medo de perguntar.
— Seu pai está planejando isso há dias. Mas ele teve um compromisso
antes de você chegar. Ele estará de volta amanhã. — Ibrahim ergueu o queixo
na direção da mesa. — Tem comida ali.
— Por favor — ela perguntou em francês. — Estou ferida. Posso ver um
médico?
— Não. Fatima é curandeira. Ela enfaixou sua cabeça.
— Pode me trazer papel e caneta? Algo para ler?
Ibrahim balançou a cabeça e saiu.
Acacia fechou os olhos e tentou ignorar a tontura. Ela teve uma concussão;
tinha certeza disso. A sala continuou girando.
A porta se abriu novamente.
Acacia abriu os olhos e viu Ibrahim colocar uma caneta, um pedaço de
papel e um Alcorão em sua cama. Ele saiu sem dizer uma palavra.
Ela pegou os itens e examinou a caneta para ver se poderia ser útil.
O cheiro de comida emanava da mesa próxima. Ela estava com náuseas
demais para comer, mas notou uma colher de metal ao lado da refeição. Ela a
pegou, virando-a nas mãos.
Eles deram a ela uma arma.

***
Apesar da concussão, Acacia não perdeu tempo antes de tentar escapar.
À
À luz do banheiro, desmontou a caneta esferográ ca, colocando as peças
sobre uma toalha no chão. Por mais que tentasse, Acacia não conseguia
imaginar uma maneira de usá-los para arrancar a tampa do duto de ventilação.
Parecia ter sido presa por dentro.
Ela até tentou usar o peso de seu corpo. Mas a tampa permaneceu rme no
lugar.
As ripas eram xadas na parte inferior da cama com parafusos de metal. Ela
usou o cabo da colher como chave de fenda para remover uma das ripas. Mas
era muito larga para deslizar entre a porta e o batente da porta.
Ela escondeu a ripa e os parafusos debaixo do colchão no, esperando
encontrar algum uso para eles. Sentada na privada fechada, contemplando os
pedaços de caneta, seus pensamentos se voltaram para Nicholas. Rick e sua
equipe vasculhariam a cena do crime em busca de pistas, se a polícia de Paris
não chegasse primeiro.
Talvez Luc estivesse lá também. Embora não fosse provável, dado o que
Acacia havia dito a ele em seu apartamento.
No banheiro pequeno e úmido, Acacia se permitiu o luxo de deixar cair
algumas lágrimas. Ela chorou por Kurt. Chorou por Nicholas e pelo amor que
sentia por ele. Embora sua oposição ao assassinato permanecesse inalterada,
lamentou a decisão de deixá-lo, e não apenas por ter sido sequestrada logo em
seguida.
Acacia o amava, e ele a amava. Acacia gostava até dos pais de Nicholas. E
ela acreditava que eles poderiam construir algo extraordinário juntos. Em vez
de dar um ultimato e fugir, ela deveria ter cado e se esforçado na tentativa de
trazer uma alternativa; algo que o desviasse do caminho da morte que parecia
tão inclinado a seguir. Ela deveria ter tentado mais, não desistido.
No misterioso complexo no Marrocos, Acacia fez uma promessa. Quando
escapasse, voltaria para Nicholas e tentaria resolver as coisas entre eles. O
pensamento a fortaleceu.
Acacia enxugou os olhos e escondeu a colher na manga, determinada a usá-
la para atacar um de seus guardas na manhã seguinte. Sim, seu sensei dissera
que ela era a arma. Mas, nesta situação, Acacia acreditava que precisava de algo
além de suas habilidades físicas para escapar de homens com armas
automáticas.
Ela era contra matar, mas não era contra ferir alguém em legítima defesa.

***
Acacia dormia de forma intermitente. A cabeça doía, e o ferimento parecia
estar pegando fogo. Ela veri cou o banheiro, mas não havia nada que pudesse
usar como antisséptico.
Foi acordada muito cedo com a primeira chamada para a oração. Voltou a
dormir até que a chamada foi repetida. Ela gemeu e se sentou lentamente.
Sentia-se cansada e tonta. No entanto, a mente continuou a traçar planos de
fuga.
Pouco tempo depois, a porta se abriu, e alguém acendeu as luzes. Uma
mulher baixa e rotunda usando um lenço de cabeça preto e túnicas pretas
apareceu, cacarejando para Acacia. A porta se fechou atrás dela.
— Você precisa se limpar. — A mulher falava em árabe, carregando um
tecido dobrado nos braços. — Seu pai vai chegar em breve. Ele quer ver você.
Acacia decidiu desistir de ngir que sequestraram a mulher errada. Seu pai
não se deixaria enganar. Inegavelmente, ela se parecia com sua mãe. Se
necessário, seu pai e seus homens poderiam fazer um exame de DNA.
— Tive uma concussão — disse ela baixinho em árabe.
— Eu sou a Fatima, fui eu quem enfaixou sua cabeça. Não podemos lavar
seu cabelo por causa do ferimento, mas posso ajudá-la a tomar banho.
Acacia se arrepiou.
— Eu posso tomar banho sozinha.
— E se você cair?
Acacia deixou os ombros caírem.
— Tudo bem. Mas preciso tomar alguma coisa para dor.
A mulher acenou com a cabeça e bateu na porta. Alguém a abriu, e ela
partiu.
Acacia rapidamente colocou a colher sob o colchão. Ela poderia dominar a
mulher, mas ainda estaria trancada dentro da cela. Ela precisava encontrar uma
maneira de levar a colher com ela para quando fosse encontrar o pai.
Pouco tempo depois, Fátima voltou com água fresca e comprimidos
brancos que, segundo ela, eram para dor. Acacia não tinha como saber o que
eram os comprimidos, mas os engoliu com auxílio do copo d’água. Eles deviam
ser feitos de algo forte, porque sua dor diminuiu em vinte minutos.
— Você é a esposa do meu pai? — Acacia perguntou.
— Eu só cuido da casa. Meu marido morreu, e meus lhos também. —
Fatima foi direta ao ordenar que Acacia fosse ao banheiro.
Em pouco tempo, estava limpa e vestida com uma camiseta de mangas
compridas e calças, junto com um kaftan tradicional. Fátima enfaixou a cabeça
novamente, exclamando em tons horrorizados sobre como o ferimento estava
feio.
Acacia imaginou a feiura que poderia ser feita com uma colher em uma
artéria carótida. A mulher ajudou a prender um lenço na cabeça sobre a
bandagem de Acacia, escondendo seu cabelo. Quando Fatima estava de costas,
Acacia tirou a colher de sob o colchão e a deslizou por dentro da manga
comprida de sua camiseta.
Ibrahim entrou na cela e disse a Fátima para sair. Ela o repreendeu em
árabe, dizendo que Acacia estava ferida e precisava descansar, antes de ir
embora pisando duro. Ibrahim levou Acacia para o corredor. Nada menos que
três homens montavam guarda, cada um carregando um ri e.
Ela optou por não tentar dominá-los e fugir, consciente de sua tontura,
bem como do fato de não conhecer a planta do complexo. Quanto mais eles
mostrassem a ela, melhor seria seu plano de fuga.
Os homens a conduziram pelo pátio até uma porta lateral. Foram até as
escadas e subiram para o segundo andar, parando em frente a uma porta de
madeira.
Ibrahim bateu.
Uma voz fraca ordenou que entrassem.
Quando Ibrahim abriu a porta, Acacia pôde ver a luz do sol brilhando em
uma grande janela do outro lado da sala. Um homem mais velho estava
sentado atrás de uma grande mesa, um notebook à sua frente.
A sala era comum e estava em mau estado, assim como a mobília, embora o
notebook parecesse novo. Qualquer opulência que o pai pudesse ter exibido em
Dubai agora não havia mais. Ele usava seu anel de sinete e um conjunto
comum de vestes brancas.
Acacia cou impressionada com a banalidade de sua aparência e de seu
escritório. Ela cou impressionada com a banalidade do terrorismo.
— Deixe-nos — ordenou a Ibrahim.
Os homens fecharam a porta ao sair.
Acacia olhou para o pai.
Ele apontou para uma cadeira.
— Sente-se.
Acacia se sentou.
O pai a olhou por algum tempo. Ele se parecia com o homem que ela
conhecia em alguns aspectos, mas os olhos pareciam sem vida. Qualquer calor
que ela viu neles ou em sua expressão em algum momento agora tinha
desaparecido.
— Você se parece com sua mãe — observou ele em árabe.
Acacia não respondeu.
Seus olhos se estreitaram.
— Onde ela está?
— Ela está no Brasil.
— Onde no Brasil?
Acacia encolheu os ombros.
— Se você me encontrou em Paris, deveria ser capaz de encontrá-la no
Brasil.
O pai se levantou da cadeira e deu a volta em sua mesa. Antes que Acacia
pudesse reagir, ele a golpeou no rosto.
Num piscar de olhos, ela se tornou uma garotinha em Amã novamente. A
mãe estava no chão, chorando, e Acacia estava pendurada no braço do pai,
tentando impedi-lo de continuar com a agressão.
— Onde está a sua mãe? — A voz de Omar era baixa, controlada.
Acacia ergueu as mãos para se proteger.
— Não sei.
Ele permaneceu de pé ao seu lado.
Então, por nenhuma razão que ela pudesse compreender, o pai voltou para
seu assento. Olhou para ela por trás da mesa.
À medida que o choque de ser atingida desaparecia, o mesmo acontecia
com suas memórias. Enquanto inspirava e expirava profundamente, Acacia o
estudou. Se o pai viesse em sua direção novamente, ela o derrubaria no chão.
Ele parecia estar desarmado. No entanto, mesmo que ela chegasse à janela e
se jogasse no pátio abaixo, não havia certeza de que seria capaz de sair do
complexo antes que seus homens a alcançassem. A tontura prejudicaria sua
capacidade de correr e se defender.
Então ela se manteve onde estava, fervilhando de raiva. Este homem, que
olhava com desprezo do outro lado da mesa, teve sorte de não ter uma colher
en ada no pescoço.
Os olhos do homem se apertaram até virarem fendas.
— Eu não tinha certeza se você me viu em Dubai. Obviamente viu e avisou
sua mãe. Você se parece com ela. Você até anda como ela.
— O que você quer? — Acacia redirecionou a conversa. — Por que estou
aqui?
Ele cruzou os braços e ignorou as perguntas.
— Sua mãe tinha um apartamento em Recife. Parece que ela saiu de lá com
certa pressa. Ela não entrou em contato com você desde então, e você também
não.
— Eu não sei onde ela está.
— Talvez. — Ele aguardou, como se antecipasse uma resposta.
— Pai, por favor. Eu quero ir para casa.
— Você está em casa.
— Eu moro em Paris.
— Essa vida acabou. — Ele gesticulou para a cabeça dela. — Se você tentar
escapar novamente, será espancada.
Seu olhar se voltou para sua mesa.
— Posso ter acesso a um computador?
— Para você entrar em contato com o cara da Mossad? — Ele cuspiu no
chão. — Não.
— Mossad? — Suas sobrancelhas se ergueram. — Do que você está
falando?
— O homem por quem você se prostituiu. — A voz baixa do pai gotejava
veneno. — O judeu rico com quem você estava em Dubai. Ele é da Mossad.
Acacia balançou a cabeça.
— Ele é um empresário. Não é um espião.
— Ele é da Mossad. — A voz de Omar era desdenhosa. — Você enver-
gonhou a mim e à sua família. Abandonou a verdadeira fé. Você será punida, e
sua mãe também. Há quanto tempo não a vê?
A garganta de Acacia estava seca. Ela mal conseguia engolir.
— Desde dezembro.
— Onde você a viu?
— Recife.
— Você vai me dizer onde ela está e como você está entrando em con- tato
com ela.
Acacia se encolheu em sua cadeira.
— Por favor, pai. Eu não sei onde ela está. Ela mora em Recife. Se não
estiver lá, ela fugiu.
Omar bateu com a mão na mesa, fazendo Acacia pular.
— Até você me dizer onde sua mãe está, você não receberá nenhum
alimento ou remédio.
Ele apertou um botão em sua mesa, e Ibrahim abriu a porta. Ele segurou o
cotovelo de Acacia.
Ela se levantou, mas antes de se virar para ir embora, olhou para o pai.
— Eu te amava — disse ela em árabe. — E você me amava também. Eu sei
que amava. Onde está o homem que me protegeu de monstros no escuro? O
que você fez com ele?
Omar olhou para ela e praguejou.
— Esse homem morreu.
Ele acenou com a mão para Ibrahim, que escoltou Acacia para fora da sala.

***
Pouco tempo depois, Acacia sentou-se em sua cama e tirou o lenço da
cabeça.
Fatima havia insistido em passar um cataplasma fedorento sobre o
ferimento na cabeça antes de enfaixá-lo novamente. Dado o cheiro, Acacia não
sabia se devia agradecê-la ou amaldiçoá-la.
Para sua surpresa, Ibrahim a seguiu até a cela. Ele cou de guarda, a arma
pendurada no ombro.
Acacia gemeu e tocou a lateral da cabeça. A dor havia retornado, mas ela
sabia que não haveria mais alívio.
Sabia também que sua mãe estava em uma casa segura em Manaus, mas
não tinha o endereço. Ela acreditava que Nicholas teria levado sua mãe de
Manaus para uma cidade diferente assim que soube do sequestro. Assim
esperava.
— Diga-me onde sua mãe está, e eu lhe darei algo para a dor — Ibrahim
falou depois que Fátima saiu da cela. Seu olhar se xou no grande hematoma
que cobria a bochecha de Acacia.
Ela abraçou os joelhos contra o peito, tomando cuidado para não roçar no
rosto ferido.
— Você espera que eu acredite em você?
— Sim.
Acacia fechou os olhos. Ela vasculhou suas memórias, tentando encontrar
algo que pudesse usar para in uenciar o pai. Desde que ele se tornou um
radical, parecia que o homem que ela conhecia tinha desaparecido.
— Eu lembro de você. — A voz de Ibrahim era contemplativa.
Acacia abriu os olhos.
— Eu também me lembro de você. Morávamos no mesmo prédio em Amã.
Seus olhos encontraram os dela, e ele ajustou a arma no ombro.
— Por que você não diz ao seu pai onde está sua mãe? Não é você que ele
quer.
Acacia piscou.
— Você tem certeza?
— É claro.
Ela o encarou com um olhar pétreo.
— Ibrahim, estou praticamente morta. Você sabe disso. Meu pai acha que
eu o envergonhei. É por isso que ele quer minha mãe: para que ele possa nos
matar e recuperar sua honra.
A expressão de Ibrahim permaneceu inalterada.
— Ele só quer sua mãe.
Acacia praguejou em árabe.
— Você pode dizer a ele que tentou. Pode dizer a ele que sei que ele vai me
matar. Não sei onde minha mãe está e não posso dar a ele uma informação que
eu não tenho.
Ela fechou os olhos.
Ibrahim fez um barulho exasperado e bateu na porta da cela. A porta se
abriu.
Por algum motivo, Ibrahim fechou a porta e permaneceu na cela.
— Você se lembra quando os meninos da vizinhança me pegaram pela
cerca? Eles estavam tacando pedras.
Acacia não respondeu.
Ibrahim deu um passo à frente.
— Você veio descobrir o que estava acontecendo.
— Eles eram uns valentões.
— Eu tinha quatro anos. Você era minha prima mais velha, mesmo sendo
apenas uma menina.
Acacia resfolegou e abriu os olhos.
— Eu tinha seis anos. Acho.
— Você empurrou os meninos e os chamou de covardes. — Ibrahim
lançou um olhar sério. — Os meninos eram muito maiores do que você, mas
você me defendeu.
Acacia olhou para o primo com descon ança.
— Você estava chorando. Eu não queria que eles machucassem você.
— O líder, Hassan, te derrubou no chão. Você se levantou. Limpou a
poeira do vestido e se levantou de cabeça erguida. Então ele empurrou você de
novo. Você se levantou. Repetidamente ele te derrubou, e você continuou se
levantando.
Ela encolheu os ombros.
— Eu era teimosa.
— Ele gritou para você car no chão. Você continuava se levantando.
— Eu não sabia o que fazer — admitiu Acacia. — Eles nos encurralaram
contra a cerca. Eles poderiam voltar a tacar pedras a qualquer minuto.
— Os outros levaram Hassan embora. O garoto estava gritando, e eles
temiam que os pais ouvissem. Você me levou para casa.
— Eu não acredito que você se lembra disso. Faz tanto tempo.
— “Todo aquele que pratica uma má ação não será recompensado exceto
por atos semelhantes; mas quem pratica a justiça, seja homem ou mulher,
enquanto é crente — estes entrarão no Paraíso” — recitou Ibrahim.
Acacia reconheceu as palavras do Alcorão.
— Você está me dizendo que eu z algo justo?
Ibrahim não respondeu.
— Eu também li o Alcorão. — Ela pegou o livro da mesa ao lado de sua
cama e folheou-o. — “E se qualquer um dos politeístas busca sua proteção,
então conceda-lhe proteção para que ele possa ouvir as palavras de Alá. Em
seguida, leve-o ao seu lugar seguro. Isso porque eles são um povo que não
conhece a verdade.”
— Você conhece a verdade, Hanin. Você foi criada como muçulmana.
— Eu sou muçulmana. Eu nunca abandonei minha fé. Veja. — Ela ergueu
o pulso e mostrou a ele o pingente de hamsá. — Eu uso para proteção.
— Você se prostituiu para um judeu — ele cuspiu.
— Meu pai vai me matar. Mas eu o protegi quando você era criança,
Ibrahim. Agora estou pedindo sua proteção. Se o Alcorão ordena que você
proteja os não-muçulmanos que procuram sua ajuda, o que mais é preciso para
você proteger um dos seus?
— “É Ele quem dá a vida e causa a morte; e quando Ele decreta um
assunto, Ele apenas diz ‘Seja’, e é isso” — Ibrahim rebateu. — É a vontade de
Alá que você retorne à fé da verdade.
— “Conceda-lhe proteção… Em seguida, leve-o ao seu lugar seguro” — ela
repetiu. — Eu sou muçulmana. Estou pedindo sua proteção.
A expressão de Ibrahim mudou. Ele se aproximou da porta.
— Você fornicou com um Mossad.
— Como você sabe? Foi meu pai que te contou? — A raiva de Acacia
aumentou. — O que mais ele disse a você? Que bombas não matam pessoas,
pessoas matam pessoas?
— Estamos no meio de uma guerra.
— Uma guerra contra quem? Outros muçulmanos?
Ibrahim a encarou.
— Alguns governos são corruptos.
— Meu pai decide quem é justo? Ele não é um Imam. Ele não é um
homem santo.
Ibrahim deu um passo à frente.
— Você não sabe do que está falando.
— Eu sei. — Ela ergueu o Alcorão. — Eu o li em árabe, igual a você. Você
vai me dizer que salvar você daqueles meninos não foi uma ação justa?
Ibrahim não respondeu.
— Não sou eu que estou com a arma, primo. — Ela apontou um dedo
acusador. — Você me acusa de fornicação, mas não é culpado de assassinato?
Ela folheou as páginas do livro.
— “Quem mata uma alma: é como se ele tivesse matado a humanidade
inteiramente. E quem quer que salve uma alma: é como se tivesse salvado a
humanidade inteiramente.”
Ibrahim praguejou.
— Você não é digna de recitá-lo.
— Por que não? O Alcorão me diz para lê-lo. Você vai me dizer que devo ir
contra o Alcorão?
— Você não está recitando. Você está folheando e escolhendo alguns
trechos.
— Existem passagens que contradizem o que eu recitei? — ela desa ou.
Ele cruzou os braços.
— O Alcorão é a verdade.
— Então não haverá contradição. Quando meu pai mata almas,
muçulmanos, judeus e cristãos, é como se ele tivesse matado o mundo inteiro.
E quando estiver diante de Alá, ele será julgado.
Ibrahim deu um passo à frente, o rosto zangado.
— Se não protegermos nosso povo, eles serão massacrados. Alguém tem
que defendê-los.
Acacia respirou fundo.
— Como você os está defendendo? Você não pode ser a favor da matança
de crianças muçulmanas, Ibrahim. É isso que as armas do meu pai fazem. Eles
matam mães e crianças.
Ele acenou com a mão com desdém.
— Propaganda política. Você é da Mossad.
— Sou muçulmana. Eu trabalho em um hotel em Paris e certamente não
sou uma espiã. Estou falando a verdade. — Ela apontou para o Alcorão. —
Quando meu pai me matar, estarei diante de Alá e serei julgada. E serei alguém
que fez uma ação justa. Quando você entrar na vida após a morte, você será
um assassino.
Ibrahim a amaldiçoou em voz alta e com raiva.
Mas Acacia não se deixou abalar.
— Pergunte ao meu pai sobre Damasco, quando ele vendeu bombas para
muçulmanos para que eles matassem outros muçulmanos.
Ibrahim passou a mão pela barba. O homem tremia.
— Você não sabia disso, não é? — Acacia acalmou sua voz. — Por que você
acha que minha mãe e eu fomos embora de Jordan? Amávamos nossos amigos
e vizinhos. Amávamos nossa comunidade. Não queríamos car paradas e
assistir meu pai disponibilizar armas que matariam outras pessoas.
Ibrahim encolheu os ombros de forma pouco convincente.
— Na guerra, há baixas.
— Mas as baixas não deveriam ser muçulmanas, certo? Você não deveria
matar os justos, as pessoas de fé.
— Cale-se! — O rosto de Ibrahim cou sombrio de raiva, e ele cuspiu em
Acacia.
Acacia ergueu as mãos em uma expressão de rendição.
— Ibrahim, onde estão sua mãe e suas irmãs?
— Jordânia.
— Eles estão bem?
Ele balançou a cabeça.
— Por favor, cumprimente-as por mim, primo. Que a paz esteja com eles.
Sem dizer nada, ele caminhou até a cama dela e pegou o Alcorão.
— Você é uma in el. Você não merece tocar nisso!
— Você tiraria o livro sagrado de um muçulmano?
Ibrahim fez uma careta.
— Você deixou sua fé por um judeu.
— Eu protegi você. Eu z uma ação justa. Você vai car parado assistindo
enquanto meu pai joga pedras?
Ibrahim evitou seus olhos. Carregando o livro com reverência, ele foi até a
porta e bateu nela.
— Quando você estiver diante de Alá, terá de responder por suas ações —
Acacia avisou. — Que justi cativa você dará por ter matado seu próprio povo?
A porta se abriu e fechou, e Acacia cou novamente sozinha.
Ela cou em posição fetal na cama.
Era provável que tivesse piorado a situação e que Ibrahim corresse e
repetisse tudo para o pai. Mas já que o pai pretendia matá-la, Acacia não tinha
nada a perder. Melhor que ele explodisse de raiva e a assassinasse de uma vez do
que matá-la de fome ou forçá-la a vê-lo matar sua mãe.
Acacia fechou os olhos e rezou para ter forças para escapar no dia seguinte.
O tempo estava se esgotando.
Uma mão tapou sua boca.
Acacia acordou de repente e tentou lutar contra a gura sombria curvada
sobre ela.
O quarto estava escuro. Nem mesmo as luzes do pátio passavam pela
janela.
A gura repeliu seus golpes.
— Estamos aqui para resgatá-la. Fique quieta. Há lesões? — ele sussurrou
em inglês.
— Uma concussão — Acacia sussurrou. — Machuquei as costas. Mas eu
consigo andar.
O homem usava um equipamento de combate que ela mal conseguia
distinguir. Ele parecia estar acompanhado de outras pessoas. Acacia se
perguntou se eles cortaram a energia do complexo do pai. Eles pareciam usar
óculos de visão noturna.
O homem a ergueu sobre o ombro e começou a se mover. Acacia sentiu o
corpo balançando quando saíram da cela e foram pelo corredor. Ele abriu
caminho por entre alguns corpos no chão. Ela não soube dizer se um deles era
de Ibrahim.
Acacia ouviu um grito ao longe e barulho de tiros.
O homem a agarrou com mais força e começou a correr. As botas bateram
no chão de concreto e no mosaico do pátio.
O tiroteio rompeu o silêncio, e uma rajada de balas voou pelo ar. Ela ouviu
os gritos de alguém que foi atingido praguejando em voz alta em árabe.
Ela ouviu mais tiros, e o homem que a carregava despencou no chão.
Acacia caiu sobre o soldado, que tentou amortecer o golpe. Ela rolou de
cima dele e se abaixou para se proteger.
— Você está bem? — ela perguntou em inglês.
O homem praguejou e agarrou a coxa. O sangue escorria de seus dedos.
— Droga!
Uma lanterna brilhou em seus olhos. Alguém agarrou sua mão e a puxou.
Ela se equilibrou de pé, apertando os olhos para ver quem a segurava.
Assim que percebeu que era um dos homens de seu pai, não hesitou.
Acacia retirou a colher que havia escondido na manga e en ou o cabo na
lateral do pescoço do homem. O sangue jorrou em um amplo arco enquanto o
sujeito gritava de dor. Ele a soltou e caiu de joelhos enquanto sangue
continuava a jorrar de seu ferimento. Ele cobriu o pescoço com as mãos,
gorgolejando e arfando.
Acacia cou olhando, imóvel.
Outro soldado começou a arrastá-la em direção à porta.
— Nós temos de ir. Agora!
Acacia se virou para ver o homem ferido caído no chão. Ele não se mexia.
As balas passaram zunindo e dois outros soldados se aproximaram da frente
dela, tentando fornecer cobertura para o camarada caído.
Acacia teve di culdade para acompanhar o soldado que agarrou seu braço.
Ele a puxou para fora do pátio, em direção a um Humvee que aguardava.
Acacia vomitou ao lado do veículo.
— Jesus — disse um dos soldados. Ele pegou algo para ela se limpar de
dentro do veículo militar. — Tem mais vindo?
Acacia não respondeu. Ela vomitou mais uma vez e se inclinou, dobrada
em dois.
— Precisamos ir — disse outra voz de dentro do Humvee.
— Estou bem — sussurrou, engolindo a bile. Enxugou a boca com a
toalha.
— Tem certeza? — perguntou o soldado. Ele a examinou rapidamente.
Acacia subiu no veículo, e ele a seguiu.
O blindado se afastou, acelerando por uma trilha acidentada e irregular.
— Qual é a situação? — o homem no banco do passageiro da frente
praticamente latiu.
— O corvo está aqui. Ela acabou de esvaziar o estômago e está coberta de
sangue — o soldado que a ajudou respondeu. Ele tinha sotaque inglês e
começou a passar as mãos nos braços e nas pernas dela.
— O sangue não é meu — ela respondeu em inglês.
O soldado notou a cabeça de Acacia enfaixada e os hematomas no rosto.
— Ela vai precisar de um médico.
— Entendido. Há um na espera. — O homem na frente parecia
americano. Parecia ser o o cial no comando.
— Beba. — O soldado à direita de Acacia lhe entregou uma garrafa de
água. Ele não parecia americano.
Ela ingeriu a água com gratidão, mas tomou cuidado para não beber muito.
— Innis foi pego — o soldado inglês anunciou.
— É o soldado que estava me carregando? — ela murmurou. — Ele está
bem?
— Vamos descobrir em um minuto. — O tom do o cial era sombrio.
— Eu sinto muito. — Uma onda de emoção a atingiu.
— Querida, você não tem do que se desculpar. — O o cial se virou em sua
cadeira e a olhou nos olhos. — Este é o nosso trabalho.
O equipamento de comunicação do veículo ganhou vida.
— Innis precisa de um médico. Estamos o levando de volta à base.
— Entendido. Câmbio — respondeu o o cial.
Ele se virou para o motorista.
— Localização?
— Fora de alcance.
— Bom. — O o cial apertou alguns botões, e o comunicador soou mais
uma vez. — Ranger um para S-1. Estamos fora de alcance. Vá atrás deles.
— Entendido, Ranger — uma voz veio pelo comunicador. O sotaque era do
Oriente Médio, mas Acacia não conseguia identi cá-lo.
— Boa sorte, S1. Câmbio, desligo. — O o cial apertou um botão
novamente e o comunicador silenciou.
— Há uma base da OTAN por perto? — Acacia perguntou.
— Negativo — o inglês disse sucintamente.
Ela cou alarmada.
— Então quem são vocês?
— O ciais contratados — disse o homem sentado à sua direita.
Neste momento, ela reconheceu o sotaque.
— Israelense? — ela sussurrou.
Ele assentiu.
— Mossad? — ela perguntou.
— Ex-Mossad.
— Eles acharam que eu era da Mossad.
— Não, eles não acharam — o soldado zombou. — Se eles tivessem
achado, a teriam torturado e de nido um preço por sua cabeça.
Os olhos de Acacia encontraram os dele. Se o pai dela o tivesse capturado,
as coisas teriam sido muito piores para ele do que para seus colegas americanos
e britânicos.
— Acho que matei alguém — ela falou com ele em árabe, esperando que o
homem pudesse entender.
Os olhos do israelense brilharam nos dela.
— Antes ele que você — respondeu em árabe.
— Eu não queria matá-lo. Eu estava tentando fugir.
Ele fez um movimento horizontal com a mão.
— Se alguém coloca uma arma na sua cabeça, se alguém te ameaça, você
faz o que pode para se manter vivo. Isso é legítima defesa.
Acacia tomou um gole d’água, tentando processar tudo o que acabara de
acontecer. Ela pensou no homem no pátio, no sangue jorrando de seu pescoço.
Pensou no soldado que a carregou, segurando a coxa e xingando.
Seu pai havia causado isso. Ele a sequestrou na porta de sua casa e matou
Kurt, seu segurança, no processo. As mortes e ferimentos resultantes do
sequestro foram culpa do pai.
Que sua alma seja amaldiçoada, ela pensou. O corpo tremia.
Ela colocou a mão sobre o coração.
— Obrigada por me resgatar — disse ela em árabe.
— Não há de quê.
Acacia cou grata por eles poderem se entender. Ela não queria muita gente
prestando atenção em suas palavras.
— Que a paz esteja com você e sua casa.
— Que esteja com você também.
— Do que vocês estão falando? — o o cial interrompeu bruscamente.
— Ela está me dando dicas de beleza — respondeu o israelense em inglês.
Risadas explodiram no Humvee.
— Há ferimentos? — Ele se aproximou, ainda falando árabe.
Sua mão tocou a bandagem.
— Concussão. Ferimento na cabeça. Hematomas no rosto. Usaram de
força bruta contra o nal das minhas costas. Acho que me acertaram com um
ri e quando me sequestraram.
A expressão do israelense se contraiu. Ele mudou de lado a arma que estava
em seu colo.
Três veículos militares surgiram da escuridão e passaram por eles em alta
velocidade, indo na direção oposta.
— Não sobrará nada quando eles terminarem. — O israelense apontou
com o queixo na direção dos outros veículos, falando com Acacia.
— Quem são eles?
— Forças especiais sírias. — Ele se virou para frente.
Acacia se abraçou em um esforço de impedir que o corpo tremesse. Se os
sírios soubessem da ligação do pai dela com os bombardeios de Damasco, eles
o matariam.
Ela se lembrou de Nicholas contando a ela sobre as informações que ele
adquiriu sobre o pai. Os Atentados de Damasco não foram incluídos no dossiê.
Tapou a boca com a mão.
Acacia tinha sido a fonte dessa informação. Ela só passou adiante para uma
pessoa, o que signi cava…
Ela tirou a mão da boca.
— Os sírios vão matar todos no complexo?
O israelense virou a cabeça.
— Eu não sei sobre suas regras de ação.
Acacia sentiu que ia vomitar de novo. Cobriu a boca.
— Abaixe a cabeça. — Com cuidado, para evitar o ferimento, o israelense
guiou a cabeça de Acacia para entre os joelhos. — Respire pelo nariz,
lentamente. — A mão dele descansou levemente entre suas omoplatas.
Acacia fez o que foi dito. Deixou sua culpa e horror de lado para se
concentrar em sua respiração, visualizando suas emoções como uma onda que
se abateu e se espalhou pelo chão do Humvee. Em sua mente, observou as
águas baixando.
— Se tiver de escolher entre eles e você, escolha a si mesma — sussurrou o
israelense. Ele manteve a mão nas costas dela e abaixou a cabeça para car
quase no nível dos olhos. — Sempre.
— Eu não queria que ninguém morresse — Acacia sussurrou.
— Eles escolheram a morte quando sequestraram você e mataram seu
guarda-costas. Ações têm consequências.
— Eles não podem bombardear as pessoas e depois só aguardar um
processo judicial. Isso não é justiça.
Acacia inspirou pelo nariz e expirou pela boca, os pulmões eram a única
coisa que a mantinha atenta ao que acontecia ao seu redor.
— Todo mundo quer justiça — ela murmurou. — Mas alguém sabe o que
a justiça realmente é?
O Humvee fez uma curva fechada e aumentou a velocidade. O israelense
retirou a mão.
Acacia ergueu a cabeça. Luzes ao longe se alinhavam no que parecia ser
uma pista de pouso. Ela viu um pequeno jato.
O veículo militar parou ao lado da aeronave, perto de outro veículo. Vários
soldados armados estavam guardando o avião.
— Aí está a sua carona — o o cial anunciou, olhando por cima do ombro.
O israelense ajudou Acacia a sair do veículo e segurou-a pelo braço
enquanto a acompanhava até o avião. Suas pernas tremiam, e ela tropeçou.
Um homem estava parado ao pé da escada que levava à porta do avião.
Rick.
Sem dizer nada, ela foi até ele e passou os braços em volta de sua cintura.
Ela o abraçou como se ele fosse um amigo há muito perdido.
Para sua surpresa, Rick a envolveu em um abraço de urso.
Lágrimas pinicaram em seus olhos. Ela nunca pensou que caria tão feliz
em vê-lo.
— Desculpe por termos nos atrasado. — Ele a soltou.
— Concussão, ferimento na cabeça, hematomas e lacerações faciais e
trauma contuso na região lombar. Ela vomitou quando estávamos saindo de lá
— relatou o israelense. Sua expressão era estoica.
Acacia havia esquecido que o soldado estava ali.
— Obrigada. Obrigada a todos vocês. Sinto muito pelo que aconteceu com
Innes.
— Ele vai car bem. — O o cial deu um passo à frente. Ele apertou a mão
de Rick. — Você precisa sair daqui.
Com um aceno de cabeça, Rick fez Acacia subir as escadas e entrar no
avião. Ele ergueu a escada e fechou a porta da cabine.
Acacia examinou rapidamente o interior da cabine.
Ela se virou para Rick.
— Ele não veio?
Rick balançou a cabeça, o rosto inexpressivo.
— Mas ele mandou você vir me buscar? — Sua voz cou rouca.
Rick concordou. Parecia desconfortável.
— Meu pai acha que Nicholas é da Mossad. — Acacia piscou para conter
as lágrimas. — Outros podem pensar a mesma coisa. Você precisa avisá-lo.
As sobrancelhas de Rick se ergueram.
— Seu pai mencionou a Mossad?
Ela acenou com a cabeça.
Rick praguejou e pegou seu telefone celular.
Uma mulher de meia-idade usando jaleco cirúrgico saiu da parte traseira do
avião.
— Sou a doutora Büchi, sou de Genebra. Vou examinar você.
Acacia sentou-se em um sofá baixo e se virou para olhar pela janela. Na luz
fornecida pela pista de pouso improvisada, os soldados se aglomeravam ao
redor dos Humvees.
Ela fez uma oração de gratidão por seus salvadores antes de parar um
momento para lamentar a perda de vidas no complexo de seu pai.
“Quem mata uma alma: é como se tivesse matado a humanidade inteiramente.
E quem quer que salve uma alma: é como se tivesse salvado a humanidade
inteiramente”, ela recitou as palavras do Alcorão em sua cabeça.
Uma lágrima caiu.
— Há uma infecção. — A doutora Büchi fez uma pausa no exame. — Vou
limpar a ferida e deixá-la descoberta para que possa cicatrizar.
— Tudo bem. — Acacia estava tendo di culdade para permanecer
acordada.
— Vou colocar em você um acesso com soro e antibiótico. Como está a
dor? — a médica continuou falando em francês.
— Dói, mas estou tão cansada.
— Eu vou te dar um remédio para a dor. Só que comigo por mais alguns
minutos, então você poderá se deitar. — A médica organizou o material do
acesso e trouxe uma bandeja cirúrgica. — Vou ter que cortar um pouco seu
cabelo para poder mexer no ferimento da cabeça.
— Eu não ligo. — As piscadas de Acacia caram cada vez mais longas.
— Acacia. — A médica pegou sua mão e se preparou para administrar o
acesso. — Você fala italiano?
— Não, espanhol e português.
Ela mudou para o italiano.
— Se eu te zer algumas perguntas, você consegue me entender? Eu
compreendo espanhol, mas não falo.
— Eu acho que sim. — Acacia olhou para a médica com curiosidade.
— Você é minha paciente — ela continuou em italiano. Olhou de soslaio
para Rick. — Qualquer coisa que você disser será mantida privada, a menos
que você me instrua de outra forma. Compreendeu?
— Sim — respondeu Acacia em espanhol. Ela se perguntou por que a
médica não queria que Rick compreendeu a conversa.
— Diga-me como esses ferimentos foram feitos.
— Os hematomas nas minhas costas foram em Paris. Alguém veio por trás
de mim. — Acacia apontou para seu rosto machucado. — Meu pai me bateu.
Alguém me bateu na cabeça, provavelmente com um ri e. Vem daí a ferida.
Eles colocaram algum tipo de cataplasma nele.
— Eu vi. — A médica torceu o nariz. — Acho que piorou as coisas. Você
tem outros hematomas em seu corpo. — E cientemente, ela administrou o
acesso e prendeu a conexão no dorso da mão de Acacia.
— Eu caí no chão em Paris quando me bateram pelas costas. Também caí
agora há pouco quando o soldado me carregou. Ele foi baleado. — Acacia
engoliu um soluço ao se lembrar de Innes chorando de dor.
A médica deu um olhar empático para Acacia.
— Aconteceu mais alguma coisa?
— Não. Eles me deram um remédio para dor, mas não sei o que era. Os
comprimidos eram brancos. Posso me deitar agora?
— Em um minuto. Acacia, você foi estuprada?
— Não.
— Houve algum outro ataque?
— Não.
— Você perdeu a consciência em algum momento?
— Em Paris. Eles devem ter me nocauteado antes de me levar para o
Marrocos. E então eu desmaiei quando eles me bateram na cabeça. Acho que
foi ontem. — Ela re etiu intensamente. — Não sei que dia foi.
— Quando você foi ao banheiro, sentiu alguma dor ou sangramento entre
as pernas?
— Não. — Acacia balançou a cabeça com veemência.
— Certo. — A médica voltou para o francês. — Eu vou ajudá-la a se deitar
para que eu possa cuidar do ferimento na cabeça. Você pode dormir, se quiser.
Lembre-se de que você tem um acesso em sua mão. Não se mova muito.
Acacia permitiu que a médica a ajudasse a se reclinar no sofá. Ela começou
a tremer incontrolavelmente, e a doutora Büchi a cobriu com um cobertor.
— É um estado de choque — explicou a doutora. — Você vai car bem,
Acacia. Descanse um pouco.
Demorou um pouco para que Acacia parasse de tremer. Ela fechou os
olhos.

***
Quando Acacia acordou, estava em Genebra. Uma ambulância esperava no
aeroporto particular e a transferiu para um hospital próximo, com Rick e a
doutora Büchi ao seu lado.
Acacia não tinha ideia de como tinha conseguido entrar na Suíça sem
passaporte ou sem falar com a alfândega. Estava muito cansada para se
preocupar com isso.
Uma equipe de médicos a examinou e, em seguida, um grupo de
enfermeiros a arrumou e a ajudou a vestir uma bata de hospital. Eles
examinaram seu corpo para determinar a extensão de seus ferimentos e
procurar possíveis danos cerebrais. Não encontrando nenhum, eles a sedaram,
e ela caiu em um sono profundo e sem sonhos.
Nicholas sentou-se ao lado da cama de Acacia e acariciou levemente seu braço.
Ele havia tomado banho e feito a barba pela primeira vez em dias, e agora
usava jeans escuro e uma camisa azul. Ele não dormira muito desde o
desaparecimento de Acacia. Havia manchas escuras logo abaixo de seus olhos.
— Eu tive medo de que você tivesse morrido — ele sussurrou.
Sabia que ela não podia ouvi-lo. É por isso que estava lá.
Ele baixou a cabeça, e seu cabelo úmido roçou a mão de Acacia.
— A médica não quis me contar sobre os ferimentos — disse Rick com voz
áspera. Encarou o chefe do outro lado da cama de hospital de Acacia. — Só sei
o que os contratados me disseram quando a pegamos em Tânger: concussão,
ferimento na cabeça, hematomas no rosto e trauma na região lombar.
Nicholas ergueu a cabeça.
— Eu conheço a doutora Büchi há anos. Ela não vai trair a con ança de
um paciente.
— Suponho que ela tenha perguntado sobre estupro. Não sei o que foi
dito.
Nicholas parecia arrasado. Ele afastou um cacho do rosto de Acacia e o
colocou com reverência atrás da orelha

É
— É culpa minha. Se não tivéssemos discutido, ela teria cado comigo.
— A culpa é dos animais que a levaram. — Rick praguejou. — Eles teriam
tentado matar você para chegar até ela.
Nicholas deixou escapar um suspiro torturado.
— Olhe o rosto dela. Eles zeram Deus sabe o que com ela, e é tudo por
minha causa.
— Você precisava ter visto. Ela agradeceu calmamente os contratados por
resgatá-la, como se a tivessem levado para sair e comer uma pizza.
Nicholas deu um meio sorriso.
— Essa é minha garota. Mas Acacia não deveria precisar ser corajosa. Eu
deveria protegê-la.
— Você a protegeu. Você a tirou de lá.
As mãos de Nicholas se fecharam em punhos.
— Somente um ferimento já é su ciente para mim. Ao menos o pai não é
mais uma ameaça. Os sírios zeram contato com os contratados. Acabou.
— Justiça — Rick murmurou. — Eu adoraria ter passado um momento só
com ele. Foi ele quem machucou o rosto dela.
Nicholas se curvou para beijar a testa de Acacia.
— Quando ela acordar, diga que a mãe foi transferida e está em segurança.
Está preocupada, o que é compreensível. Wen pode montar a estrutura para
que elas possam conversar.
— Certo. Como a Mossad recebeu a notícia?
Nicholas apertou a mandíbula.
— Tão bem quanto poderia ser esperado. O acordo com os sírios foi
lucrativo, segundo me disseram. Eles prometeram me repudiar, como eu pedi.
— Você poderia muito bem ter sido um agente, levando em conta todos os
problemas que isso lhe causou.
— E é exatamente por isso que não sou um agente. — Ele esfregou a testa.
— Eu cheguei a pedir para você avisar Silke? Não consigo me lembrar.
— Os contatos dela já avisaram. Ela vai permanecer escondida por um
tempo.
— A Mossad se arrependerá de tê-la recrutado. Tenho certeza disso.
Rick olhou para o chefe mais de perto. Ele gesticulou para seu rosto.
Nicholas estendeu a mão e tocou sua cicatriz. Seus olhos se arregalaram.
— Esqueci. Eu estive sem minha prótese todo esse tempo?
— Você estava com ela quando saímos de Paris. Depois disso… — Rick
ergue os ombros. — Não me lembro.
— Meus pais não mencionaram nada sobre isso. — Nicholas fez uma
pausa. Ele olhou para Acacia, maravilhado. — Ela me fez esquecer.
— Ela tem esse efeito nas pessoas. — O tom de Rick era seco.
O olhar de Nicholas se estreitou.
— Você mudou de opinião sobre ela?
— Ela tem muita força de vontade. Eu respeito isso.
— Jesus — sussurrou Nicholas.
Ele beijou a testa de Acacia mais uma vez e caminhou até Rick, estendendo
a mão.
— Obrigado, meu amigo.
— Não fale mais sobre isso. — A voz de Rick estava áspera enquanto eles
apertavam as mãos. — Você ainda vai embora?
— Eu preciso ir até o m.
Rick en ou as mãos nos bolsos da calça jeans.
— Isso é um erro.
— O que você disse? — Os olhos de Nicholas se estreitaram.
— Olha para ela. — Rick apontou para Acacia. — Sua garota precisa de
você. Você deveria car.
— Ela não precisa de mim, Rick. Ela me deixou. — Nicholas parecia
amargo.
— Ela perguntou por você. Não pediu comida, água ou a porra de um
médico. Ela pediu por você.
Nicholas olhou para Acacia, deitada, em paz em sua cama de hospital.
— Falei com a Kate. Ela reservou um voo vindo de Paris amanhã à tarde,
com o gato.
— A porra do gato — Rick murmurou. — Se isso não é amor…
— O que está feito está feito — disse Nicholas suavemente. — Entreguei o
pai dela aos sírios. Aos olhos dela, sou um assassino.
— Você fez o que tinha que fazer. O cara era um terrorista.
— Não importa se minhas intenções eram boas. Ela é contra assassinatos.
— Nicholas deu as costas para Acacia. — Cuide dela e de Kate.
Rick concordou.
Com um último olhar, Nicholas saiu da sala.
— Ele vem me ver? — Acacia perguntou a Rick assim que ele entrou na sala.
Passaram-se mais de vinte e quatro horas desde que Acacia havia chegado
ao hospital. Sua cabeça ainda doía, mas a náusea tinha diminuído.
Rick se ausentava enquanto a doutora Büchi a examinava durante as rondas
matinais. Ele permaneceu no corredor enquanto as enfermeiras a arrumavam e
tratavam de seu ferimento. Quando ele voltou, Acacia estava beliscando o café
da manhã.
— O chefe já esteve aqui. — Rick se sentou ao lado da cama. Estava
vestido casualmente, com jeans e uma camisa preta. Mas, por algum motivo,
ele usava botas de combate.
Acacia largou o garfo na bandeja do café da manhã.
— Quando?
— Enquanto você estava dormindo.
— Ele vai voltar?
Rick balançou a cabeça.
— Ele foi embora
— Para onde?
Rick se inclinou para frente e apoiou os braços nos joelhos.
— Ele mandou trazer Kate de Paris. Ela vai chegar esta tarde. Está trazendo
seu gato.
Acacia recostou-se no travesseiro.
— Ele queria ver se estou bem, mas não queria falar comigo.
— Porra — Rick xingou baixinho. — Ele quer falar com você, mas ele
tinha algo para cuidar.
— Ele encontrou o homem que roubou as obras de arte da família?
— Como você está se sentindo esta manhã? — Rick perguntou em
resposta. — O que a médica disse?
— Eu quero vê-lo — ela sussurrou.
— Acacia, eu não acho…
— Eu preciso vê-lo. — Acacia ergueu a voz.
Rick hesitou.
— Eu vou ligar para ele. Você pode falar com ele ao telefone.
Rick saiu do quarto.
Acacia esperou ansiosamente por seu retorno. Tentou formular frases em
sua mente, mas teve di culdade para decidir o que dizer.
Poucos minutos depois, Rick voltou. Seu rosto estava impassível.
— O chefe está ocupado no momento. Ele quer que você descanse e se
cuide.
Os olhos de Acacia se encheram de lágrimas.
Rick ergueu as mãos.
— Não chore. Kate vai chegar em breve. Quando você tiver alta do
hospital, tenho ordens de levar vocês duas de volta a Paris. E, hm, seu gato.
Qual é o nome do seu gato? Ned?
Acacia apertou o botão para chamar um enfermeiro. Tirou as cobertas de
cima do corpo e se moveu para a beira da cama, perto do suporte intravenoso.
Rick avançou.
— O que está fazendo?
— Vou embora. — Ela enxugou os olhos com um guardanapo.
— Você não pode ir embora. Você sofreu um trauma na cabeça.
Acacia voltou os olhos furiosos para ele.
— Por que você não o impediu de ir atrás do russo?
— O que te faz pensar que é isso que ele foi fazer?
— Porque ele está obcecado em obter justiça por sua família. Eu sei que sua
equipe estava trabalhando para encontrar o ex-namorado de Yasmin. Eu sei
que ele não gostaria que eu soubesse que está na Rússia.
— Escute, você precisa descansar. Vou chamar um enfermeiro.
— Não. Eu não vou car aqui enquanto Nicholas se destrói.
Rick contornou a cama para car na frente dela.
— Não há nada que você possa fazer.
— Eu preciso tentar.
Ele esfregou o rosto com as duas mãos.
— Volte para a cama. Kate está com seu gato. Você não quer ver o seu
gato?
— Diga a Kate que sinto muito. Eu vou atrás de Nicholas.
— Não, você não vai.
Acacia se inclinou para frente.
— Não estou pedindo sua permissão. Eu matei um homem no Marrocos.
Você sabia disso?
A expressão de Rick não mudou.
Seus ombros caíram.
— Você sabia. Mas o que você não sabe é que devo pagar por isso. Eu
tenho que pagar por tirar uma vida salvando outra vida. E eu vou salvar
Nicholas.
— Essa é a coisa mais maluca que eu já ouvi. — Rick olhou para ela. —
Algum terrorista tentou matar você, e você arrebentou a artéria dele com uma
colher. Eu deveria te dar uma porra de uma medalha. Está ouvindo? Você não
precisa salvar ninguém para se proteger. Foi legítima defesa.
— Eu não queria matá-lo, mas eu matei. Aceito as consequências.
— Você precisa fazer uns exames de cabeça.
— O que está acontecendo? — Uma enfermeira parou na porta. — Por
que você está sentada?
— Estou indo embora. Por favor, remova o acesso. — Acacia estendeu a
mão.
— Você não vai a lugar nenhum até que tenha alta da médica. — A
enfermeira empurrou Rick para o lado. — E quem é você? Por que você está
gritando com ela e usando linguagem chula? Vou mandar a segurança te tirar
daqui.
Rick cruzou os braços sobre o peito.
— Senhora, eu sou a segurança daqui.
— Diga à doutora Büchi que estou me dando alta. Se você não remover o
acesso, eu o removerei. — Acacia deu à enfermeira um olhar determinado.
— Espere. Ok? É perigoso tentar remover uma intravenosa quando você
não sabe o que está fazendo. — A enfermeira deu a Rick um olhar severo. —
Vocês dois, parem com isso. Vou encontrar a médica.
Ela correu para o corredor.
— Se você se importava tanto com ele, por que o deixou? — Rick falou.
— Se ele não se importava comigo, por que contratou uma equipe de
combate para me resgatar? — Acacia respondeu, escorregando para fora da
cama.
Ela cambaleou um pouco e teve de agarrar o corrimão para se apoiar.
Rick a pegou pelo cotovelo.
— Você precisa se deitar. Nem consegue car de pé.
Acacia se afastou dele e caiu contra a cama, quase derrubando o su- porte
intravenoso.
Rick percebeu bem a tempo.
— Porra. Pode se sentar?
Acacia se apoiou com di culdade no colchão.
— De um jeito ou de outro, vou sair daqui e vou atrás dele. Você vai me
ajudar ou não?
Rick pegou seu telefone e digitou algo na tela.
— Você não vai a lugar nenhum sem roupas.
Acacia olhou para sua bata de hospital e os pés descalços.
— Eu não posso usar isso?
O rosto de Rick cou vermelho.
— Você é doida?
Ela franziu o cenho.
— Foi uma piada, Rick.
Ele cruzou a sala, falando ao telefone em voz baixa.

***
A Doutora Büchi entrou apressada no quarto de Acacia alguns minutos
depois.
— A enfermeira disse que você quer ir para casa.
— Isso mesmo. — Acacia estendeu a mão. — Por favor, remova meu
acesso.
A médica se voltou para Rick.
— Você poderia esperar lá fora, por favor?
Rick olhou para Acacia, que acenou para ele. Ele se retirou e colocou o
celular na orelha.
— Por que não conversamos por um momento? — A doutora puxou uma
cadeira para mais perto da cama e se sentou. — Conte-me o que está
acontecendo.
— Eu preciso ir. Estou me sentindo melhor e tenho coisas a fazer.
— Você tem uma concussão que precisa ser monitorada. Tem um
ferimento na cabeça que está aberto para que possamos cuidar e combater a
infecção. Você precisa car aqui.
Acacia cou pensativa por um momento.
— Se eu contratar uma enfermeira particular para cuidar do ferimento na
cabeça, posso ir embora?
— Você não é prisioneira aqui, Acacia. Mas você acabou de ter uma
experiência traumática. Eu entendo que você queira ir para casa, mas gostaria
que falasse com um de meus colegas primeiro.
— Um psiquiatra?
— Sim. A doutora Aswan trabalhou com recém-chegados à Suíça, alguns
dos quais sofreram traumas em sua terra natal.
— Eu não estou louca.
— Eu não disse que você está. — Seu rosto mostrou reprovação. — Essa é
uma maneira muito cruel de se referir a outra pessoa.
— Não quis ser indelicada. — Acacia se sentiu culpada. — Mas não estou
pronta para falar com ninguém sobre o que aconteceu.
— A cura é um processo. A doutora Aswan não a forçará a falar sobre nada
que você não queira falar, mas ela será capaz de ajudá-la a compreender o que
sente agora.
Acacia optou por adotar uma expressão conciliatória. Ela baixou a voz.
— Doutora Büchi, eu sei que você está preocupada com meu bem-estar.
Chego à conclusão de que preciso falar com alguém. Mas agora a única pessoa
com quem quero falar é Nicholas, meu parceiro. Ele está viajando a negócios, e
mal posso esperar até que ele volte.
A médica a estudou.
— Se você quiser ir embora, está livre para tal. Mas você precisará assinar
alguns papéis, já que sairá do hospital contra orientação médica.
— Eu vou assinar — Acacia garantiu rapidamente.
A médica a estudou por um momento. Seja lá o que viu no rosto de Acacia,
isso a fez tomar suas decisões.
Ela se levantou.
— Vou te passar algumas receitas. E as informações sobre a doutora Aswan
também. Eu gostaria que você marcasse uma consulta com ela.
— Eu marcarei.
— Eu volto já. Por favor, espere por mim.
Acacia reclinou-se na cama, a m de descansar um pouco. Fechou os olhos
quando uma onda de tontura passou por ela.
Seus pensamentos se voltaram para Nicholas. Ela esperava que não fosse
tarde demais.
— Madame Cassirer quer se encontrar com você. — Rick se sentou ao lado de
Acacia no banco traseiro da limusine. Outro guarda-costas, chamado Frank,
estava sentado no banco da frente, ao lado do motorista.
— Por favor, peça desculpas por mim. Eu estou indo atrás de Nicholas. —
Acacia olhou pela janela e cou maravilhada com quão verdes e cheias as
árvores eram. Era um grande contraste com o Marrocos e suas palmeiras
esparsas.
— Você pode ver madame Cassirer enquanto espera por Kate. E seu gato.
Acacia virou a cabeça em sua direção.
— Leve-me ao aeroporto ou me deixe sair do carro. Não vou pedir de
novo.
— Porra. — Rick coçou o queixo. — Você só tem as roupas do corpo.
Você nem tem passaporte.
Acacia baixou os olhos para as roupas que madame Cassirer mandara para
ela. Um par de calças pretas elegantes, uma blusa mar m e sapatos Chanel que
combinavam com os que ela havia admirado durante a caminhada que zeram
juntas.
— Eu não ligo para roupas. E sei muito bem que você e sua equipe se
preparam para todas as contingências. Como você me trouxe para a Suíça sem
passaporte?
Rick teve a decência de parecer envergonhado.
— Foi o que imaginei. — Ela estendeu a mão.
Rick tirou do bolso um passaporte diplomático suíço.
Ela veri cou a fotogra a e o nome. Era a foto dela, e o nome dizia Andarta
Silva. Ela o apertou contra o peito.
— Eu não vou levar você até Nicholas sem um médico. — O tom de Rick
era de nitivo.
— Você não vai me levar a lugar nenhum, exceto para o aeroporto. Vou
voltar para Paris e pedir ao meu amigo Luc que me ajude.
— Aquela porra daquele sujeito? — Rick rosnou. — Se você zer isso, o
chefe vai enlouquecer.
— Ele não pode se recusar a me ver e car com ciúmes porque peço ajuda a
um ex-namorado.
— É só você voltar para a casa. Ligarei para ele novamente quando as coisas
se acalmarem. Ele vai falar com você.
Acacia se virou para Rick.
— Se você quiser ajudar, me leva até Nicholas o mais rápido possível. Caso
contrário, cale a boca e me deixe sair do carro.
Rick deu a ela um olhar que teria feito um homem adulto tremer.
Em vez disso, ela se aproximou.
— Meu próprio pai me sequestrou e ameaçou me matar. Você acha que eu
tenho medo de você? Não tenho medo de nada. Não mais.
Rick bateu a mão no banco do carro, fazendo Acacia pular.
— Você não pode salvar o mundo inteiro.
— Aquele que salva uma alma é como se tivesse salvado o mundo inteiro.
Rick deu a ela um olhar severo.
— Mesmo se eu te levar, ele não quer ver você. E aí?
— Ele vai me ver. — O tom de Acacia era desa ador.
— Você não pode presumir isso. Precisa de um plano.
— Estou aberta a sugestões. — Acacia ajustou a bandagem em volta da
cabeça. — Você é o especialista em segurança.
— Ex-SEAL — ele esclareceu, um olhar de orgulho em seus olhos.
— Eu realmente não sei o que isso signi ca, já que não sou americana.
Rick respirou fundo, como se estivesse tentando controlar a raiva.
— Eu preciso dizer a ele que estamos chegando. E então ele vai me demitir.
— Então eu te contrato para me levar até ele.
— Com o quê?
— Uma bolsa Chanel.
Rick bufou.
— Você vai me contratar com uma bolsa?
— Vale vários milhares de euros. Está no meu apartamento em Paris. Você
pode car com ela.
— Estou fodido. Estou completamente fodido. — Rick balançou a cabeça.
— Frank, liga para ele. Vamos para Helsinque.
— Helsinque? — Acacia piscou. — Por que Nicholas está na Finlândia?
Rick estava com uma expressão azeda no rosto.
— Você pode perguntar a ele quando chegarmos lá.
— Obrigada. — Acacia deixou a cabeça pender para trás e fechou os olhos.
O efeito da medicação havia começado a passar, e uma dor de cabeça ameaçava
suas têmporas.
— Madame Cassirer fez uma mala para você passar a noite, só por
precaução — sussurrou Rick. — Está no porta-malas. E antes que eu me
esqueça… — Ele colocou um telefone celular em sua mão. — Não
conseguimos recuperar sua bolsa, mas encontramos seu telefone em seu
apartamento. Os sequestradores devem ter jogado fora.
Ela abriu os olhos.
— Obrigada por me ajudar. — Hesitante, Acacia deslizou a mão pelo
assento do carro. Tocou em seu dedo mindinho.
Ele apertou a mão dela antes de afastar o braço.
O Range Rover preto passou pelos portões de ferro e entrou em uma
propriedade nos arredores de Helsinque. O terreno era densamente arborizado,
o que signi cava que as construções principais não podiam ser vistas dos
portões. O carro subiu lentamente a colina e fez uma curva em frente a uma
grande casa de campo de três andares. A casa em si era feita de pedra e o
telhado tinha telhas vermelhas.
— Chegamos — Rick anunciou enquanto o motorista parava o carro.
Acacia se virou para inspecionar a casa. A noite havia acabado de começar e
ainda havia um pouco de luz. No entanto, todas as lâmpadas da casa pareciam
estar acesas.
— Ele sabe que estamos aqui. O guarda no portão avisou — Rick a avisou.
O coração de Acacia mudou de ritmo — cinco batidas rápidas — antes de
retornar ao seu ritmo normal. O resultado foi o pânico. Ela tocou no peito e
fechou os olhos.
— Você está bem? — Rick falou próximo à orelha dela.
— Sim. — Acacia abriu os olhos. — Vamos.
Ele deu a volta para ajudá-la a sair do carro e a acompanhou escada acima
até a porta da frente.
A casa era escassamente mobiliada com móveis modernos. Pisos de madeira
brilhavam no corredor da frente e seguiam rumo a uma grande sala de estar de
um lado e a uma porta fechada do outro. Acacia podia ouvir vozes vindo de
trás da porta.
Nervosa, ela acertou seu curativo. Apesar de suas roupas, sabia que estava
assustadora. Seu rosto estava machucado, a cabeça, enfaixada, e ela precisava
muito tomar um banho. Seus cachos, que normalmente já eram rebeldes,
estavam uma confusão mal contida pela gaze branca que envolvia sua cabeça
como uma faixa.
— Olá, Acacia. — Wen entrou no corredor da sala de estar. Ele sorriu para
ela timidamente. — É bom te ver de novo.
— Igualmente. — Ela retribuiu o sorriso, olhando o equipamento que ele
carregava.
— Você já sabe como funciona. Só vou fazer uma varredura em você em
busca de escutas. — Ele ergueu seu equipamento e fez uma pausa.
Ela assentiu e cou quieta enquanto Wen a examinava.
— Tudo certo. — Wen sorriu novamente antes de se aproximar de Rick,
Frank e do motorista, que haviam se reunido atrás de Acacia no saguão da
frente.
A porta se abriu, e Nicholas saiu vestindo jeans e uma camisa de botão
branca. Ele parecia não ter dormido muito.
Acacia percebeu que Nicholas não estava usando a prótese.
Ele parou de repente quando a viu. Seu rosto se contorceu em uma
expressão de choque misturada com dor.
Acacia o olhou nos olhos antes que a sala começasse a girar. Ela caiu no
chão.
Em um minuto, Acacia estava olhando para o rosto de Nicholas e no outro
estava de joelhos. Atordoada, não se moveu, mas distribuiu o peso por seus
quatro membros. Algo zumbiu alto em seus ouvidos.
Ela reconheceu as botas de combate de Rick quando ele se agachou à sua
frente. Ele colocou a mão em seu ombro, mas Acacia não conseguiu entender
suas palavras por causa do barulho.
Nicholas cou ao lado dela e empurrou Rick para o lado. Os dois homens
tiveram uma discussão raivosa antes de Nicholas pegá-la nos braços.
Não seria uma tarefa fácil. Acacia era alta e sabia que não era leve. Ainda
assim, Nicholas a ergueu e rapidamente subiu a escada central para o segundo
andar.
Ela fechou os olhos e encostou-se no peito dele. Não havia sentido algum
em tentar soar resistente. Inalou seu perfume. O zumbido em seus ouvidos
diminuiu, mas ela não abriu os olhos até que ele a colocou em uma cama
grande.
— Vou chamar um médico. — A mão de Nicholas permaneceu por um
momento sob seus ombros.
Quando ele se retirou, Acacia segurou sua mão.
— Não me deixe.
— Você acabou de desmaiar. Você precisa de um médico.
— Por favor. — Acacia puxou sua mão.
— O que você quer? — Sua voz era um sussurro torturado.
— Estou bem. Eu só quei um pouco tonta. Deite-se ao meu lado por um
minuto.
Nicholas fechou os olhos com força.
Quando os abriu, pegou o celular e falou em voz baixa com alguém.
Depois de encerrar a ligação, subiu na cama e se deitou de lado. Ele a
abraçou.
Acacia respirou fundo em seus braços.
— Você deveria estar no hospital — ele sussurrou.
— Eu queria ver você. Você nem ao menos falava comigo ao telefone.
Seus braços se apertaram ao redor dela.
— Rick será demitido.
— Não culpe Rick. Eu me liberei sozinha.
— É por isso que ele será demitido. E desde quando você é aliada do Rick?
Achei que você não gostasse dele.
— Eu preciso de todos os amigos que eu puder ter. A doutora Büchi está
mais preocupada com meu estado mental do que com minha concussão.
Nicholas cou quieto.
— O que ela disse?
— Ela quer que eu consulte uma psiquiatra que trabalha com casos de
trauma.
— Não ajudaria poder conversar com alguém?
— É por isso que estou aqui.
Nicholas fez um ruído de dor.
— Eu sinto muito. Se eu soubesse que você ia sair do hospital, teria falado
com você por telefone.
— Estou tão cansada — Acacia murmurou. Nos braços de Nicholas, seu
corpo e mente relaxaram. A reação foi quase instantânea.
Ela sentia como se estivesse à deriva.
— Não me deixe.
— Quando me deixou, senti como se meu coração tivesse ido junto. Eu
não poderia deixar você, Acacia, mesmo se eu quisesse. — Nicholas beijou a
testa dela e segurou Acacia próxima ao seu peito.
Algumas horas depois, Acacia se sentou na cama e recebeu seu jantar.
Fora visitada por um médico, que a examinou e reforçou que ela deveria
estar em um hospital. Acacia o dispensou junto de sua enfermeira.
Nicholas só saiu do seu lado quando ela foi ao banheiro.
— Agora você vai falar comigo? — Acacia afastou a bandeja com o jantar.
— Estou preocupado que nossa conversa seja mais um motivo de estresse
para você. — Nicholas removeu a bandeja e a deixou no corredor. Ele fechou a
porta do quarto e parou ao lado da cama. Sua expressão era cautelosa.
— Podemos adiar nossa conversa para depois de eu tomar banho.
— Isso é fácil de resolver. Vou buscar a enfermeira.
— Você pode me ajudar.
Nicholas hesitou.
— Tem certeza?
Acacia suspirou.
— Traga a enfermeira, se precisar. Mas eu pre ro você.
— Eu faria qualquer coisa para ajudá-la. — Seu tom era insistente. — Mas
nós terminamos, lembra? Você me deixou.
— Eu deixei. — Ela deu a ele um olhar trêmulo. — Mas estou aqui agora.
Não estou me sentindo bem e preciso de um banho. Você vai me fazer
implorar?
— Claro que não. — Nicholas abaixou a cabeça, sentindo-se culpado. —
Peço desculpas.
Ele a ajudou a sair da cama, mas Acacia insistiu em caminhar para o
banheiro privativo sem ajuda.
Acacia se sentou na tampa do vaso sanitário enquanto Nicholas cava
inquieto. Ele encheu a grande banheira de hidromassagem com água quente e
sais de banho. Ele pegou um par de toalhas grandes e brancas e uma toalha de
rosto e os arrumou ao lado da banheira.
Quando ela desabotoou a blusa, Nicholas se virou de costas, um ato que fez
o coração de Acacia se apertar.
Acacia pensou por um momento que talvez ela precisasse se consultar com
um pro ssional. Talvez sua esperança de que Nicholas e ela pudessem se
reconciliar fosse inteiramente ilusória.
Ela subiu cuidadosamente na banheira. Quando estava em segurança sob a
água borbulhante, ele se sentou na tampa do vaso sanitário.
— Achei que você tivesse ido para a Rússia — ela disse suavemente.
Nicholas dobrou uma toalha e colocou atrás da cabeça de Acacia, para que
pudesse se recostar.
— Não. Tenho quase certeza de que estou sendo vigiado, então evitei
qualquer incursão. — Nicholas apoiou os cotovelos nos joelhos e envolveu a
nuca com as mãos. Ele olhou para o chão.
— Meu pai pensou que você fosse da Mossad.
— Rick me contou. Não sou, mas dei informações a eles de vez em
quando. — Ele esfregou o pescoço.
Os olhos de Acacia se arregalaram.
— Se você deu informações para eles, então você é da Mossad.
Nicholas se inclinou para frente.
— Eu preciso que você ouça o que vou dizer, porque é muito importante.
Como repatriei obras de arte roubadas ao longo dos anos, entrei em contato
com chefes do crime e tra cantes de armas. Em algumas ocasiões, obtive
informações que seriam valiosas para instituições responsáveis pela aplicação da
lei e outras agências. De vez em quando, passo informações adiante. Trabalhei
com a Mossad, a Interpol, a CIA e outras. Portanto, não sou da Mossad, assim
como não sou da Interpol ou da CIA.
— O que você faz é perigoso.
— Sim, e por isso eu era cauteloso quanto às informações que
compartilhava e com quem. Mas os contatos que z e os favores que obtive
mais do que compensaram. A Mossad compartilhou informações que me
permitiram identi car sua localização. Fizemos um acordo de que minha
equipe iria remover você de lá, e a Mossad daria a localização de seu pai aos
sírios.
— Por que a Mossad faria isso?
— Existem alianças surpreendentes e incômodas por todo o mundo.
Ninguém faz nada de graça, no entanto. Os sírios queriam seu pai pelos
bombardeios de Damasco, e a Mossad queria algo da Síria. Não me disseram o
que era.
— Eu estava preocupada que se eles pensassem que você era da Mossad,
então alguém iria… — Acacia parou. Suas emoções borbulharam à superfície.
— Eu tenho mais aliados do que inimigos. Mas estou começando a
perceber o quanto quero sair desse mundo. Fui eu quem falhou com você,
Acacia. Você estava sob minha proteção quando os homens de seu pai a
sequestraram.
— Eu nunca deveria ter ido para Dubai. Foi assim que meu pai me
encontrou.
Nicholas suspirou.
— Você poderia ter encontrado com ele em Paris ou Genebra ou em
milhares de outros lugares onde ele fez negócios. Ele nos rastreou até Paris e
esperou até que você estivesse sozinha. Acredito que o motorista de táxi que
levou você e Kurt ao seu apartamento estava envolvido com isso.
— Kurt — ela sussurrou.
Nicholas fez uma careta.
— Eu fui ao funeral dele.
— Ele tinha família?
— Apenas os pais.
Os olhos de Acacia começaram a lacrimejar.
— Posso mandar uma carta para eles? Ele morreu tentando me proteger.
— Vou pedir à minha assistente que lhe dê o endereço.
— Imagino que ela ainda não teve o bebê.
Nicholas deu a Acacia um meio sorriso.
— Você lembra disso. Não, ela ainda não teve.
— Quando seus homens vieram me buscar, o soldado que me carregava foi
atingido. Nós caímos no chão e um dos homens do meu pai me agarrou. Eu o
matei. — Ela cobriu a boca com a mão.
Os olhos escuros de Nicholas brilharam.
— Eu sei.
Acacia começou a soluçar. Assim que as lágrimas começaram, soube que era
um dilúvio que não podia ser controlado. Não tinha forças para visualizar uma
onda ou qualquer outra coisa. Sua reserva de energia interior se foi. Tudo o que
podia ver era o homem que ela matou, deitado no mosaico, sangue escorrendo
de seu pescoço.
Nicholas arrancou seu casaco e o jogou de lado. Ele tirou os sapatos, as
meias e entrou na banheira com ela.
Acacia olhou para ele em choque.
— O que você está fazendo?
Ele se moveu para car atrás dela e passou os braços e as pernas ao redor de
seu corpo.
— Eu não vou car sentado vendo você chorar.
— Você está totalmente vestido. — Acacia soluçou. — Você vai estragar
suas roupas.
— Eu estou pouco me fodendo para isso. — Nicholas apoiou o queixo em
seu ombro. Ele a abraçou enquanto Acacia soluçava em seus braços.
Quando as lágrimas acabaram, ela descansou a cabeça no peito dele.
— A enfermeira terá de trocar seu curativo. — Nicholas beijou o topo da
cabeça de Acacia.
— Eu a mandei embora, lembra?
— Ela está lá embaixo. Eu avisei a ela que teria de passar a noite.
— Obrigada.
— Acacia, eu preciso mandar você para Genebra. Não é seguro para você
car aqui.
Ela agarrou o antebraço de Nicholas com as duas mãos.
— Eu não vou embora.
— Você precisa de tempo para se recuperar do que houve.
— Você vai voltar para Genebra?
Nicholas exalou ruidosamente.
— Não.
— Então eu também não vou.
Nicholas bufou em seu ouvido, mas não discutiu.
— Sua mãe me convidou para ir vê-la depois que saí do hospital. Não
respondi ao convite. Me desculpe.
— Não se preocupe com isso. Eu mantive seus dados pessoais em sigilo,
mas ela sabe que você foi sequestrada. Ela vai entender que você não estava
pronta para ver ninguém.
— Eu não tinha roupas comigo. Ela me enviou a roupa que eu estava
usando agora há pouco, junto com uma bolsa cheia de coisas novas.
Nicholas acariciou o cabelo de Acacia.
— Ela gosta de você.
— Ela sabe que você está aqui?
Nicholas se desvencilhou suavemente das mãos de Acacia e saiu da
banheira. Ele cou de pé no tapete do banheiro, todo molhado, e passou os
dedos pelos cabelos.
— Você estragou seu relógio. — Ela apontou para o relógio de ouro que
estava em seu pulso.
Ele encolheu os ombros.
— Respondendo à sua pergunta, não. Minha mãe não sabe que estou aqui.
Tenho evitado as ligações dela.
Nicholas desdobrou uma toalha de banho e estendeu a mão para Acacia.
Ela aceitou com gratidão.
Ele a envolveu na toalha e ajudou-a a sair da banheira. Apesar de suas
roupas estarem encharcadas, ele demorou a enxugá-la. Em seguida, pegou um
roupão pendurado em um gancho próximo.
— Temos muito o que discutir, mas agora não é o momento.
— Nós podemos conversar amanhã.
Ele fez um som de exasperação.
— Você sabe por que estou aqui. Eu tenho que ir até o m.
Acacia olhou para ele.
— Eu amo você.
Ele passou os dedos pelo cabelo, frustrado.
— Mas você sabe o que vou fazer. Você me disse que não poderia car
comigo.
— Me desculpe por ter deixado você. Foi um erro de minha parte.
Provavelmente não estou bem, Nicholas. A médica tem certeza de que tenho
transtorno de estresse pós-traumático. Mas de alguma forma eu vejo as coisas
muito mais claramente do que antes de ser sequestrada.
— E…? — ele interrompeu, os olhos cautelosos.
Acacia cou quieta por um momento. Mas quando falou, foi de coração.
— Não estou aqui para impedir que você busque justiça. Quero que as
pessoas que mataram sua irmã sejam punidas. E eu quero que sua família tenha
suas obras de arte de volta. Só não quero que você mate ninguém. — Sua voz
vacilou. — Eu digo isso como alguém que já o fez.
— Acacia. — Nicholas agarrou os braços dela. — Olhe para mim.
Ninguém te culpa por isso. Você estava tentando escapar.
— Mas é uma escolha que eu gostaria de não ter feito. E terei de viver com
essa decisão pelo restante da minha vida. — Ela fungou. — Eu não vou te
abandonar. Vou car ao seu lado e me esforçar para cacete a m de evitar que
você cometa um erro.
Os olhos de Nicholas se cravaram nos dela.
— Houve algumas mudanças.
— O que aconteceu?
— Falaremos mais amanhã. Está cando tarde, e você precisa descansar.
Acacia pegou a mão de Nicholas.
— Me prometa que não fará nada até conversarmos.
Nicholas olhou para a mão dela. Alisou os nós dos dedos com o polegar.
— Eu prometo. Vou chamar a enfermeira para que possa dar uma olhada
no seu curativo. — Ele beijou a testa de Acacia e saiu, ainda encharcado.
Acacia parou ao lado da bolsa que Madame Cassirer havia organizado para ela
e ergueu uma elegante camisola. A peça tinha um decote profundo e era feita
de seda mar m.
Ela suspirou. Não era isso que queria vestir para dormir.
Uma batida soou na porta.
— Entre — ela autorizou, colocando rapidamente a camisola em cima da
bolsa.
Nicholas espiou pela fresta da porta.
— O que a enfermeira disse?
Acacia acenou para que Nicholas entrasse no cômodo.
— Ela disse que a ferida está começando a cicatrizar. Eu ainda preciso
tomar cuidado. Ainda estou tomando antibióticos. — Acacia franziu a testa.
— Ela me lembrou que os antibióticos tiram a e cácia dos anticoncepcionais.
Como Nicholas não fez comentários, ela lançou à camisola um olhar
pernicioso.
— Eu não tenho roupa para dormir.
— Achei que minha mãe tivesse feito uma mala para você. — Nicholas
olhou em volta até ver a bolsa.
É
— Ela separou isso para mim. — Acacia apontou para a peça. — É linda,
mas inapropriada.
A expressão de Nicholas se contraiu ao ver a seda mar m.
— Entendo.
— Pode me emprestar uma camisa sua?
Nicholas se voltou para olhá-la.
— É claro. — Ele foi até o guarda-roupa e o abriu. Examinou as roupas
penduradas e nalmente escolheu uma camisa azul-claro e trouxe para Acacia.
— Tome.
— Obrigada. — Ela levou a camisa contra o peito, disfarçadamente
inalando o cheiro que subiu para suas narinas.
— Eu vim te desejar boa noite. — Nicholas estava ao lado dela.
— Eu achei que este fosse o seu quarto.
— E é. Achei que você gostaria de um pouco de espaço.
Sua testa se enrugou.
— Quero um pouco de espaço. Mas também quero que você esteja neste
espaço.
Nicholas sorriu.
— Tudo bem. Vou trabalhar até tarde, então não que acordada me
esperando. Mas virei me deitar com você assim que terminar tudo.
— Obrigada. — Ela estendeu a mão para puxá-lo para um beijo, e
Nicholas a beijou de volta.
Seus beijos, no entanto, foram contidos.
— Durma bem — ele sussurrou.
Acacia o observou enquanto ele caminhava curvado para a porta.

***
— Acacia, acorde. — A voz de Nicholas invadiu a escuridão dela. Sua mão
pousou levemente no ombro de Acacia.
Ela abriu os olhos e piscou contra a luz vinda da mesa de cabeceira.
Nicholas se apoiou em um cotovelo e se inclinou sobre ela.
— Você estava falando em árabe e resmungando.
— O que eu estava falando? — Ela ergueu a mão para bloquear um pouco
da luz.
— Não sei. — Ele sorriu pacientemente. — Não entendo árabe, mas você
parecia aborrecida.
— Eu estava no Marrocos de novo. — Ela cobriu o rosto com as mãos, e
um calafrio a percorreu.
Gentilmente, Nicholas afastou as mãos de Acacia do rosto.
— Você não está no Marrocos. Está na Finlândia. E está em segurança.
Impulsivamente, ela pegou o braço de Nicholas e puxou-o para cima dela.
— O que você está fazendo? — ele perguntou, a voz rouca. Ele se apoiou
sobre ela, distribuindo seu peso nos antebraços.
— Eu sinto sua falta. — Acacia olhou para ele, para o rosto que se tornou
tão querido; um rosto que ela pensou que jamais poderia ver de novo.
Nicholas lhe acariciou o cabelo.
— Ma choute. Minha linda e corajosa garota.
— Não me sinto muito corajosa. Me sinto minúscula e apavorada.
— Mas você não é nada disso — ele falou vigorosamente. — É natural
sentir medo, mas você é forte e determinada. Até o Rick te admira.
Acacia revirou os olhos.
— Ele não ia me trazer até você. Eu disse a ele para me deixar sair do carro,
que eu mesma encontraria o caminho.
— Viu? Já vi homens tremendo nas bases ao receber um dos olhares de
Rick. Você quase o levou às lágrimas.
— Ele precisa chorar bastante. Libera a tensão.
Nicholas riu e encostou a testa na dela.
— Uma mulher que não é corajosa não conseguiria rir em tais situações.
Você me faz rir, e olha que passei anos sem sentir qualquer forma de alegria.
— Me beije — Acacia sussurrou.
Nicholas segurou o rosto de Acacia com as duas mãos, tomando cuidado
para evitar o hematoma na bochecha esquerda. Ela podia ver sua hesitação.
Mas também via o amor brilhando em seus olhos.
Nicholas acariciou o rosto dela.
— Eu pensei que a tinha perdido.
— Lamento ter dado um ultimato.
— Nós conversaremos amanhã — ele prometeu. — Mas esta noite, pelo
menos, você é minha.
— Meu coração está com você, Nicholas. Eu não o quero de volta.
Nicholas a puxou para perto e a beijou com certa indecisão.
Acacia pôs a mão na nuca dele e abriu a boca.
Nicholas não se apressou. Mordiscou os lábios de Acacia em um ritmo
lento antes de passar a língua no lábio inferior.
Acacia reagiu avidamente.
Nicholas entrou suavemente em sua boca e saboreou sua língua.
Os dedos de Acacia deslizaram pelos ombros e músculos fortes das costas de
Nicholas. Ele não estava usando a parte de cima do pijama e, como sempre, sua
pele estava quente. Ela estava grata por sentir seu calor.
— Você ca bem com minha camisa — ele murmurou enquanto os lábios
desciam rumo ao pescoço dela. Nicholas beijou a curva do pescoço de Acacia
antes de empurrar a carcela do decote para lado, expondo o topo dos seios.
— Eu senti falta do seu cheiro — ela disse timidamente.
Nicholas ergueu a cabeça e deu a ela um sorriso ofuscante.
Os dedos foram até a camisa e a removeram, expondo os seios de Acacia.
Nicholas olhou para baixo em apreciação. Ele tocou nos mamilos de
Acacia, os olhos se direcionando aos dela em busca de aprovação.
— Sim — ela sussurrou.
Ele continuou a acariciá-la e se inclinou para beijar o topo dos seios.
Suas mãos se moveram para a parte inferior das costas, e ela acariciou as
costas de Nicholas. Ele respondeu abocanhando um de seus mamilos.
O prazer, doce e visceral, a encheu.
Nicholas não se apressou. Murmurou com contentamento contra a pele e
usou sua habilidade com lábios e língua para a fazer feliz.
Então traçou um caminho de beijos no corpo de Acacia até a borda da
calcinha.
Ela colocou a mão no ombro de Nicholas e o parou.
— Eu quero apenas você dentro de mim.
Ele a observou com cuidado.
— Usaremos camisinha, mas lembre-se que a enfermeira disse que suas
pílulas anticoncepcionais não têm mais e cácia.
— Eu não me importo.
Nicholas cou quieto por um momento.
— Ok. — Ele saiu da cama, foi até o banheiro e acendeu a luz.
Acacia o ouviu abrindo e fechando uma gaveta.
Nicholas voltou para a cama, oferecendo-lhe a visão gloriosa de seu corpo
quase nu, vestido apenas com uma cueca samba-canção azul.
Ele tirou a cueca e abriu a camisinha, parado ao lado da cama. Acacia
observou, ansiosa, enquanto Nicholas vestia o preservativo.
Em seguida, ele se deitou ao lado dela na cama, a mão no abdômen de
Acacia.
— Você prefere vir por cima?
— Hoje, não. Gosto de sentir você em cima de mim.
Nicholas olhou para sua mão. Seu rosto pareceu transtornado.
— O que houve? — ela perguntou, repentinamente preocupada.
— Eu não quero que você que ansiosa ou se sinta presa. — Os olhos de
Nicholas encontraram os dela.
— Não estou destruída, Nicholas. Estou apenas machucada.
Ele estremeceu e alcançou a bochecha dela, o polegar pairando sobre o
lugar onde o pai de Acacia a havia golpeado.
— Como você consegue me amar? — Nicholas sussurrou.
— Como eu não conseguiria? — Acacia agarrou o pulso de Nicholas e o
apertou. — Eu te vejo como você é, mas também vejo o que pode se tornar.
Acho que você notou o mesmo brilho em mim, mesmo quando eu estava
ocultando quem eu sou.
— Nada poderia ocultar seu brilho. Foi uma das primeiras coisas que me
atraíram em você.
— E nada poderia ocultar o comprometimento com a justiça que você tem.
Você veio em meu auxílio mesmo quando suspeitava de mim no hotel.
Nicholas a beijou com reverência.
— Que tal de lado?
— Contanto que você me abrace.
— É claro. — Ele a beijou profundamente e a abraçou. Eles moveram a
parte de baixo dos corpos uma contra a outra.
Acacia jogou a perna sobre o quadril dele, e Nicholas botou a mão em seu
traseiro. O peito encostava nos seios de Acacia, Nicholas a mirava nos olhos.
Acacia sorriu.
Ele a penetrou lentamente, e quando se acomodou por completo, fechou os
olhos.
Acacia conseguia ver a emoção no rosto de Nicholas. Era lindo.
Eles começaram a se mover juntos, em um ritmo suave, que lentamente
aumentou a velocidade. Com o tempo, o desejo ultrapassou o controle de
ambos, que passaram a se mover mais rapidamente.
— Vale a pena lutar por isso — ele gemeu.
— Sim.
A mão de Acacia deslizou até as costas de Nicholas enquanto se inclinava
contra ele. Arqueou o pescoço quando seu orgasmo começou a percorrer o
corpo.
Nicholas continuou a penetrar com movimentos bruscos e rápidos. Sem
aviso, ele arremeteu uma última vez dentro dela e enterrou o rosto em seu
ombro.
— Obrigada — Acacia murmurou. Ela se sentia como se estivesse
utuando, o corpo nalmente relaxando.
Nicholas beijou o pescoço de Acacia.
— Por que você está me agradecendo? Eu que deveria te agradecer.
— Estou muito feliz por estar de volta aos seus braços.
Nicholas se afastou para poder ver os olhos de Acacia.
— Seu amor é uma bênção. Eu prometo não me acomodar quanto a isso.
Acacia fechou os olhos e o abraçou.
Na manhã seguinte, depois do café da manhã, Nicholas e Acacia se sentaram
em um cômodo cujas paredes eram feitas de janelas panorâmicas, bem
iluminado, no térreo da residência. Acacia aninhou-se no sofá com uma xícara
de café em mãos, e Nicholas sentou-se à sua frente em uma poltrona.
Seu notebook estava sobre a mesa próxima, ao lado de uma grande caixa
verde. Ele abriu a caixa, mostrando dois relógios de ouro iguais.
Ele pegou o modelo feminino.
— Depois que você foi sequestrada, percebi que teria sido mais fácil
descobrir sua localização se você usasse um dispositivo de rastreamento. Você
não é obrigada a aceitar esse relógio, mas minha equipe sugeriu que nós dois os
usássemos. Se, por alguma razão, nos separarmos, sempre seremos capazes de
nos encontrar novamente.
Acacia não hesitou. Ela estendeu o braço, e Nicholas colocou o relógio em
seu pulso. Ele o fechou com cuidado.
— Eu não estava muito certo de que você aceitaria — ele murmurou,
deslizando o relógio masculino em seu próprio pulso.
— Minha percepção de mundo está um pouco alterada. — Ela tocou no
Rolex, maravilhada. — Ninguém descon aria, só de olhar, que tem um
dispositivo de rastreamento nele.
— Exatamente. — Nicholas juntou as mãos. — Como mencionei ontem à
noite, há novidades. Consegui descobrir o nome do ex-namorado de Yasmin.
Minha equipe invadiu o sistema de segurança e acessou as câmeras da casa dele.
Estamos monitorando os movimentos. Mas tenho certeza de que ele tem seus
próprios hackers, que agora estão caçando os meus.
— O que isso signi ca?
— Signi ca que o tempo está se esgotando. Ou ele já sabe que o hackeamos
e está tentando descobrir as identidades dos hackers, ou ele saberá em breve.
Estamos monitorando o local próximo à casa. O russo não está lá. Minha
equipe está esperando que ele volte.
— O que eles farão quando ele voltar?
— Eles entrarão depois de escurecer, cuidarão de desarmar todos e de
recuperar as obras de arte. Aí eu vou entrar na casa.
— Você tem certeza de que ele está em posse de suas obras?
Nicholas balançou a cabeça.
— Não antes de as examinar pessoalmente. Estou contando com o
testemunho de Yasmin, junto com o que pude descobrir sobre o gosto do russo
por obras de arte valiosas. Através das câmeras, pude ver o interior do cofre.
Uma obra, que parece ser nosso Degas, está lá. Alguns dos itens estão cobertos
ou posicionados atrás de outros objetos, então não posso ter certeza do que há
ali dentro. Fizemos captura de tela dos vídeos para que eu possa analisar as
imagens.
— Posso dar uma olhada nelas?
— Você não deveria descansar?
— Posso descansar e olhar as fotos.
— Então que à vontade. — Nicholas pegou seu notebook, abriu alguns
arquivos e entregou o equipamento para a Acacia.
Ela clicou em uma série de imagens em preto e branco do que presumiu ser
o cofre dentro da casa do russo. Combinava com o que ela conseguia se
lembrar da descrição de Yasmin: pilhas de arte e artefatos amontoados em uma
sala. Ela viu as presas de elefante, o que parecia um ovo Fabergé dourado e a
obra de arte de Degas.
Acacia se engasgou. Ela apontou para uma pintura pendurada na parede, à
esquerda das presas de elefante.
— Isso aqui é o…?
O rosto de Nicholas estava sério.
— É o Matisse roubado do Musée d’Art Moderne. Há anos procuro o
original. Agora eu sei quem está com ele.
— Você contou à BRB?
— Ainda não. Se eu conseguir recuperá-lo, vou entregá-lo ao Ministro do
Interior. Não vou nem envolver a BRB.
— Por que não?
— Se eles assumirem a recuperação, terão de trabalhar com os russos. Serge
Kuznetsov, ex-namorado de Yasmin, parece ter subornado todos os policiais do
alto escalão em Moscou. Ele é intocável.
— E quanto ao bureau russo da Interpol?
Nicholas se mexeu na poltrona.
— Eu tenho um contato naquele escritório. Eles suspeitam de Kuznetsov e
de suas atividades, mas não têm nenhuma evidência ligando-o ao roubo de
arte.
— E essas imagens? — Acacia bateu o dedo na tela do notebook.
— Não as compartilhei, já que foram obtidas ilegalmente. — Nicholas
apontou para seu computador. — Veja o restante.
Acacia clicou em imagens de uma propriedade grandiosa e seu interior.
Algumas das imagens mostravam guardas armados e cães patrulhando o
terreno.
Ela clicou em outra fotogra a e resfolegou.
— O que é isso?
Nicholas olhou para a tela.
— Armas. Granadas. Munição. Bombas.
— Por que ele tem um estoque de armas?
— Ele provavelmente está tra cando isso tudo.
— E a polícia russa não se importa?
A expressão de Nicholas se contraiu.
— Eles provavelmente não sabem. Mas, como disse antes, descobri
evidências de que Kuznetsov tem subornado funcionários. Talvez eles estejam
só desviando o olhar.
Acacia fechou o notebook e o colocou sobre a mesa de centro.
— Depois de recuperar as obras, o que você vai fazer?
— Vou punir o colecionador e descobrir onde está a equipe da Bósnia.
Então eu vou atrás deles.
— Por que você não contou a seus pais sobre isso?
Nicholas franziu a testa.
— Eu não quero que eles se envolvam.
— Você não quer que eles se envolvam porque sabe que parte do que está
fazendo é errado.
— Eu quero justiça.
— Justiça signi ca que o homem que ordenou o roubo deve ser punido.
Isso não signi ca que ele deva ser assassinado. Se a obra de arte for devolvida
aos seus pais e eles descobrirem quem matou sua irmã, isso será su ciente para
o fechamento que precisam.
— Não será o su ciente.
Acacia cou quieta por um momento.
— Seus pais pediram para você matá-lo?
— Não.
— Nicholas, matar o homem que fez isso com sua irmã não será o
su ciente. Você poderia matá-lo mil vezes e ainda assim não traria sua irmã de
volta.
— Devo isso a ela, para vingar sua morte.
Acacia pigarreou.
— Digo isso com todo o amor e respeito. Nada do que aprendi sobre sua
irmã ou seus pais sugere que eles desejariam que você zesse isso.
— Eu devo ir até o m. — Nicholas se levantou e começou a andar pela
sala.
— Eu achei que ia morrer. — A voz de Acacia falhou na última palavra. Ela
limpou a garganta e tentou se recuperar. — Meu pai ameaçou me matar, e eu
acreditei que ele cumpriria a ameaça.
Nicholas parou de andar.
— Você me culpa pela morte dele? Fui eu quem entregou as informações,
as que você me deu, à Mossad, que, por sua vez, contou aos sírios.
— Não, não é sua culpa. Os sírios zeram uma escolha; o sangue dele está
em suas mãos. Mas, Nicholas, você pode fazer sua escolha agora. Você pode
escolher a liberdade.
— Eu nunca serei livre enquanto os homens que mataram minha irmã
ainda estiverem vivos.
— E se você os matar, nunca será livre.
Nicholas deixou escapar um suspiro trêmulo. Seu corpo pareceu murchar.
— Como posso encarar meus pais e dizer a eles que deixei o homem que
matou minha irmã sair impune?
Acacia foi até ele e colocou os braços em volta de sua cintura.
— Você não vai deixá-lo sair impune. Temos de encontrar uma maneira de
fazer com que as autoridades o punam, e isso signi ca que de alguma forma os
envolveremos nessa. E você não estará sozinho quando for contar a seus pais.
Eu estarei ao seu lado.
— Não vejo como podemos persuadir os russos a prender alguém que os
suborna há tantos anos.
— Tem de haver uma maneira. Você não quer se apresentar perante o
Ministro do Interior da França e entregar o Matisse depois de matar o homem
que o roubou, quer? Você não quer que a celebração em cima da recuperação
das obras seja obscurecida por isso, quer? E a mesma coisa se aplica à
recuperação das obras de seus pais. Temos esta segunda chance. Nós dois
estamos vivos. Nós dois podemos ser livres, juntos. Você me disse uma vez que
tinha orgulho de ser capaz de se olhar no espelho. Estou pedindo a você para
continuar sendo o mesmo homem nobre por quem me apaixonei.
Nicholas colocou as mãos nos ombros de Acacia.
— Sinto muito, Acacia. Não há outra saída além dessa.
Ela estendeu a mão e tocou no rosto de Nicholas.
— Eu não pude achar uma forma de sair da prisão em que meu pai me
colocou. Mas havia uma saída. Você mandou pessoas que me mostraram o
caminho. Só porque você não consegue ver a saída, não signi ca que ela não
exista.
Ele a olhou por um momento.
— Você vai car?
Ela se ergueu na ponta dos pés para encostar a testa na dele.
— Eu te amo, e não vou embora. Mas estou pedindo que você se esforce
comigo para encontrar essa saída.
Nicholas fechou os olhos.
Quando ele os abriu, havia em seu rosto uma expressão de derrota.
— Eu posso tentar. Mas se eu achar que esse sujeito vai escapar, farei tudo
ao meu alcance para evitar que isso aconteça. Tudo, Acacia.
Ela buscou os olhos de Nicholas. Reconheceu que ele estava concedendo
muito a ela, embora não fosse exatamente o que Acacia queria.
— Tudo bem. — Ela passou os braços em volta do pescoço de Nicholas.
— Chefe, tem uma coisa aqui que você precisa ver.
Um homem que Acacia não reconheceu interrompeu o momento de
ternura dos dois. Ele era jovem, barbudo e tinha o cabelo cuidadosamente
penteado e modelado. O homem a lembrava alguns dos alunos da Sorbonne
que frequentavam cafés na Rive Gauche de Paris.
— Eu preciso ir. — Nicholas a beijou com rmeza e a soltou. Ele seguiu o
jovem pelo corredor.
Acacia voltou para o sofá e olhou pela janela, admirando o dia ensolarado e
os belos abetos que circundavam a casa.
— Como você está se sentindo? — Rick perguntou da porta.
Ela olhou para ele e sorriu.
— Muito melhor, obrigada.
Rick entrou no cômodo.
— E você e o chefe, como estão?
— Estamos resolvendo tudo.
Rick concordou.
— Que bom.
— Obrigada por me trazer — Acacia disse calmamente.
Rick sorriu, o que era, na experiência de Acacia, uma ocorrência rara.
— Não há de quê.
Naquele momento, o celular de Acacia tocou. Ela pediu desculpas para
Rick com um olhar e se voltou para a tela. Era Kate.
— Eu preciso atender. — Ela pegou o telefone quando Rick saiu da sala
para lhe dar privacidade. — Olá?
— Olá. Claude e eu estamos em uma casa muito chique na Suíça, prestes a
tomar chá com a mãe de Nicholas. Onde você está?
— Ah, Kate. — Acacia afundou no sofá. — Peço desculpas. Estou com
Nicholas.
— Eu sei, a mãe dele nos contou quando chegamos ontem. Ela tem nos
mimado, sabe como é: refeições so sticadas, passeios turísticos em Genebra e
compras. Ela comprou uma nova coleira para Claude. Ele a adorou.
Acacia riu.
— É tão bom ouvir sua voz.
— A sua também. Escuta, o que está acontecendo? A senhora Cassirer disse
que você foi sequestrada. E eu sei que um dos guarda-costas de Nicholas foi
assassinado. A polícia de Paris foi ao prédio um monte de vezes nesses dias.
— Estou bem. — A voz de Acacia cou trêmula. — É uma longa história,
e eu prometo a você que vou te contar tudo um dia. Mas a versão resumida é
que meu pai e minha mãe eram separados, e meu pai me sequestrou. Passei por
maus bocados, e tenho sorte de Nicholas ter conseguido me resgatar.
Kate cou em silêncio por um momento.
— As paradas mais estranhas e perigosas do mundo acontecem com você.
Tem certeza de que não é do Serviço Secreto Brasileiro ou algo assim?
Acacia deu uma risada.
— Não, eu não sou. Foi rude de minha parte ir embora de Genebra antes
de você chegar, sem te dar ao menos uma explicação. Eu sinto muito. Mas
Nicholas e eu tivemos um desentendimento e precisei ir atrás dele.
— Bom, fez bem — Kate deu uma pausa. — Você conseguiu conversar
com ele?
— Sim — Acacia disse suavemente. — Consegui.
— Que bom. Claude e eu decidimos car em Cologny por mais alguns
dias. A família Cassirer é muito legal, e eu estava precisando de férias. Quando
você volta para casa?
Passos altos e rápidos ecoaram no corredor, e Nicholas reapareceu no
cômodo com a expressão tensa.
— Voltarei para casa em breve. Só não sei quando. Você se importa de
cuidar de Claude para mim? — Acacia olhou para Nicholas, que acenou com a
cabeça para ela.
— Sem problemas. Eu meio que gosto desse pequenino. Estou pensando
em arrumar um gato para mim. — Kate suspirou. — Eu vou deixar você
desligar, mas, por favor, cuide-se e cuide de seu cara gostoso. Nada de se meter
em paradas perigosas.
— Nada de me meter em paradas perigosas.
— Até mais.
— Tchau, Kate. — Acacia encerrou a ligação.
Nicholas caminhou em direção à Acacia.
— Eu preciso ir para Moscou.
Acacia se levantou.
— O que está acontecendo?
— Kuznetsov voltou para casa. Minha equipe vai invadir após o anoitecer.
Eu quero estar por perto.
— Então eu vou com você.
— E o que você acabou de prometer a Kate? Vai ser perigoso. Assim que
chegarmos ao país, estaremos em risco.
Acacia endireitou os ombros.
— Eu não me importo. Eu não carei para trás.
Nicholas trocou um olhar com Rick, que encolheu os ombros.
Ele esfregou a testa.
— Não vou cometer o mesmo erro de novo. Mas eu gostaria que você
falasse com a enfermeira antes. Ela talvez precise vir conosco.
Acacia acenou com a cabeça e foi em busca da enfermeira.

***
O voo de Helsinque a Moscou durou menos de duas horas. Acacia e
Nicholas se hospedaram no opulento e cinco estrelas Red Square Hotel por
volta das cinco da tarde. Nicholas e sua equipe escolheram o hotel pela
segurança, bem como por sua localização.
Acacia estava no quarto de sua suíte, próxima às janelas panorâmicas que
davam para o Kremlin. Embora tivesse feito contato no passado com a equipe
de concierges quando trabalhava no Victoire, nunca havia visitado a Rússia
antes. Foi uma experiência totalmente nova.
Ela podia ver as elegantes cúpulas da Catedral de São Basílio e as paredes de
tijolos vermelhos do Kremlin. Se a visita fosse a lazer, ela teria desejado passear
pela Praça Vermelha.
Nicholas se materializou ao lado de Acacia. Eles entraram no país com
passaportes diplomáticos suíços falsos, mas ele estava determinado a exibir sua
cicatriz. Queria enfrentar o russo e sua equipe da Bósnia e mostrar a eles o que
haviam feito.
Nicholas passou o braço em volta do ombro de Acacia.
— Eu te amo — ele sussurrou.
Acacia ergueu os olhos em sua direção. Nicholas não havia dito tais palavras
desde que ela retornara de Moscou. Em seu coração, temia que Nicholas não
conseguisse mais as dizer.
— Eu também te amo, mon coeur. — Acacia o puxou e o beijou.
Nicholas a abraçou e a beijou profundamente.
— Eu tenho algo que você deixou comigo. — Seu olhar era penetrante.
— O quê?
Nicholas foi até sua pasta e pegou um estojo preto. Acacia o reconheceu.
Ele parou na frente de Acacia.
— Eu não quero me precipitar.
— Claro que quero de volta — ela sussurrou. — Eu nunca deveria ter
partido sem ele.
Nicholas abriu a caixa e pegou o colar de lápis-lazúli. Ele o passou em volta
do pescoço de Acacia e cuidou do fecho.
— É onde deve estar sempre — ele disse, acariciando o pescoço de Acacia.
Uma batida soou, e eles se viraram em direção à porta aberta.
Rick parecia muito descontente.
— Tem alguém que quer falar com você. — Ele estendeu um celular para o
chefe.
Nicholas foi até o segurança e levou o telefone à orelha.
— Fala.
Ele caminhou até a sala de estar, e Acacia o seguiu. Vários outros agentes de
segurança estavam lá, junto com a enfermeira.
— Repete! — gritou Nicholas ao telefone, em inglês.
Acacia não conseguia ouvir o que a voz do outro lado da linha dizia, mas
claramente havia algo errado acontecendo.
— Porra! — ele explodiu. — Vou colocar você no viva-voz para que meu
chefe de segurança possa ouvi-lo. — Nicholas apertou um botão no celular. —
Fala, Líder Azul.
— O alvo entrou em um carro blindado e está em um comboio de três veículos
dirigindo da casa até os portões. — Uma voz masculina com sotaque americano
soou do telefone. — Ou os emboscamos do lado de fora dos portões ou os deixamos
ir. Aguardando suas ordens.
Nicholas olhou para Rick.
Rick balançou a cabeça.
— É muito barulho em um espaço muito aberto. Ainda não escureceu,
então não haveria muita cobertura. É possível que Kuznetsov saiba que nossos
caras estão lá, e ele está tentando iniciar um confronto.
— Droga. — Nicholas cerrou os punhos. — Líder Azul, uma emboscada
vai chamar muita atenção. Mantenham suas posições e aguardem segunda
ordem.
— Positivo — respondeu a voz.
Nicholas encerrou a ligação com uma expressão ameaçadora.
Acacia tocou em seu braço.
— O que houve?
— Kuznetsov está indo embora do complexo. Perdemos nossa
oportunidade.
Acacia não pôde deixar de sentir alívio.
— O que você vai fazer?
Nicholas olhou para Rick.
— Precisamos deter Kuznetsov. Ligue para Wen e tente fazer com que ele
coloque escutas no comboio. Ative a equipe de incursão secundária e faça com
que me encontrem aqui. Quero estar com eles quando se aproximarem de
Kuznetsov. Mande Wen ligar para nosso contato na Interpol russa e transmitir
a ligação ao meu celular
O olhar de Rick se voltou para Acacia e depois retornou ao seu
empregador.
— Você não pode estar de terno perto da equipe de incursão.
Nicholas encolheu os ombros.
— Eu vou trocar de roupa. Mande trazerem um conjunto extra de
equipamentos.
Com um último olhar para Acacia, Rick pegou o celular e fez a ligação.
Acacia segurou a mão de Nicholas.
— E as obras? Por que não enviar sua equipe depois de escurecer para
recuperá-las?
— Se eu zer isso, terei perdido Kuznetsov. E provavelmente começado
uma guerra. — Nicholas conduziu Acacia para o quarto e fechou a porta. Ele
despiu o paletó e o colocou na cama. Em seguida, sentou-se e tirou os sapatos e
as meias.
Acacia parou na frente dele.
— Eu não quero que você vá.
— Eu não posso deixá-lo escapar.
— Então eu vou com você. — Acacia tirou os sapatos e en ou a mão sob o
vestido para tirar a meia-calça, a deslizando pelas pernas.
Nicholas cou olhando.
— O que você está fazendo?
— Eu acabei de dizer. — Acacia jogou as meias de lado e abriu o zíper do
vestido. — Eu vou com você.
Nicholas pôs-se de pé.
— Você não pode ir comigo. É perigoso. Você ainda está com um
ferimento na cabeça, pelo amor de Deus.
— Para onde você for, eu vou. Se é muito perigoso para mim, é muito
perigoso para você. A menos que você faça com que seus homens me prendam
ou me nocauteiem, como os homens de meu pai zeram quando me
sequestraram, vou com você.
A expressão de Nicholas mudou de determinado para surpreso e ansioso em
seguida. Ele pegou na mão de Acacia.
— Eu já te machuquei o su ciente.
Ela ergueu a palma da mão de Nicholas e a trouxe de encontro ao coração.
— Você consegue sentir isso aqui?
Nicholas assentiu.
— Meu coração ainda está batendo. Estou viva, e você também. Se você
matar Kuznetsov, ainda vou te amar, Nicholas. Mas você vai matar uma parte
do meu coração.
Nicholas fechou os olhos com força.
— Fale com a Interpol. Mande sua equipe recuperar as obras de arte. Siga
Kuznetsov. Mas não vá com a equipe de incursão, a menos que esteja
preparado para matá-lo na minha frente. Porque eu não vou te deixar. — Ela
pôs sua mão na dele. — Nem agora nem nunca.
Nicholas engoliu em seco. Ele abriu os olhos.
— Tudo bem.
Com um suspiro profundo e trêmulo, Nicholas se recostou na cama e
recolocou as meias e os sapatos.
— Vista suas roupas. Vou falar com Rick e em seguida irei para o centro de
vigilância.
Acacia acenou com a cabeça.
Nicholas se levantou.
— Fique com Steve e Ray. Eu estarei aqui do lado.
— Eu irei ao seu encontro em breve.
Nicholas encostou na bochecha de Acacia.
— Você não jantou.
— Nem você.
— Peça serviço de quarto para nós dois. Vai ser uma longa noite. —
Nicholas a beijou e saiu do quarto.
Acacia se abraçou e se sentou na cama. Sabia que tinha feito o que era
certo, mas também tinha ciência de que, ao atender ao seu pedido, Nicholas
havia renunciado a uma parte do encerramento que achava ser necessário.
Acacia demorou para se vestir, processando o que acabara de acontecer.

***
Pouco depois de terminar de se arrumar, Acacia desfez a mala. Ela estava
pendurando as roupas que madame Cassirer lhe dera quando alguém bateu na
porta do quarto.
Ela abriu.
Rick estava parado na porta, falando apressadamente em seu celular.
— Ele não está aí dentro? Nicholas saiu há dez minutos com Je e Kevin.
Não, ele me disse para enviar as coordenadas de Kuznetsov para a equipe de
incursão. Achei que eles estavam conectados com os seus caras. — Rick olhou
para Acacia. Seu comportamento normalmente calmo havia desaparecido. —
Veri que as câmeras para ver se ele foi até o estacionamento. Talvez tenha
mudado de ideia.
Rick encerrou a ligação.
— O que está acontecendo? — Acacia perguntou.
Rick já estava correndo em direção à entrada da suíte. Ela o seguiu com
Steve e Ray logo atrás. O longo corredor do lado de fora da suíte estava vazio.
— Droga! — Rick correu em direção ao elevador de serviço, seu olhar
preso no tapete. Ele se agachou e encostou em alguns lugares no chão. —
Sangue.
Xingando, ele passou por Acacia e os outros dois guarda-costas até a sala ao
lado da suíte. Passou seu cartão de segurança e conduziu o pequeno grupo para
a sala de vigilância.
Acacia deu um passo para dentro. A grande sala de conferências estava
cheia de mesas e cadeiras e uma abundância de notebooks e máquinas. Dez
homens e três mulheres se debruçavam sobre estações de trabalho separadas.
Muitos dos agentes usavam headsets.
As cortinas do quarto estavam fechadas, e as luzes, diminuídas. Uma
grande tela de projeção havia sido presa no teto; uma série de vídeos de
segurança foi projetada. Acacia supôs que as imagens vinham do complexo do
russo. Ela reconheceu o interior do cofre que havia visto.
Rick foi até Wen, que estava de pé, digitando em um notebook.
— Me conte o que houve.
Os dedos de Wen voavam pelo teclado.
— Estamos pegando as imagens das câmeras das saídas neste andar,
incluindo o elevador de serviço.
Acacia estava ao lado de Rick.
— Você não acha que Nicholas decidiu ir com a equipe de incursão, acha?
Rick franziu a testa.
— Não. Isso não explicaria o sangue no corredor.
Wen se virou para uma mulher sentada atrás dele.
— Olga, coloque o vídeo da câmera deste andar na tela principal.
Reproduza os últimos quinze minutos.
— Não vi nada — protestou Olga. — O chefe nem entrou no corredor.
— Você viu Rick e a senhora Santos? — Wen perguntou, focando sua
atenção na tela enquanto as imagens mudavam.
— Negativo.
Wen se virou para Rick.
— Estamos usando o sistema de segurança do hotel para monitorar o
acesso a este andar. Olga deveria ter visto você e Acacia entrando no corredor.
Ela deveria ter visto o chefe também, mas não viu.
— O que isso signi ca? — Acacia olhou para a tela principal, que mostrava
um corredor de hotel vazio.
— Aqui! — o jovem barbudo que Acacia conheceu em Helsinque gritou da
frente da sala. — Há um loop. Alguém invadiu o sistema e reproduziu a
imagem de um corredor vazio.
— Porra! — Wen praguejou. — Olga, desvie do loop e obtenha as imagens
reais. Todos, menos o Jim, concentrem-se nos vídeos de todas as entradas e
saídas do hotel. Jim, tente entrar em contato com Je e Kevin.
Rick se endireitou e se dirigiu à sala.
— O hotel está comprometido. Estamos no escuro neste momento,
portanto nada de compartilhamento de informações com a segurança do hotel.
Wen, a equipe de incursão secundária deve estar a caminho, mas diga a eles
para virem para cá. Precisamos de segurança adicional.
Rick gesticulou para Steve e Ray.
— Vamos examinar o chão, o elevador e as escadas. Wen, me ligue quando
conseguir alguma informação.
— Eu pedi serviço de quarto — Acacia disse em voz baixa.
Rick acenou com a cabeça para Wen.
— Cancele esse pedido.
Rick sacou sua arma, e os outros guardas o seguiram. Eles saíram da suíte
rumo ao corredor.
Acacia cou atrás de Wen enquanto ele cancelava o pedido de serviço de
quarto. O ar na sala estava tenso, e os analistas examinavam as telas de seus
computadores.
— Je e Kevin não estão respondendo pelos comunicadores — Jim
anunciou. — Os celulares deles estão ligados, mas não atendem. Rastreei os
telefones até chegar no estacionamento no térreo.
— Entendido. — Wen rapidamente transmitiu a informação a Rick.
— Achei algo. — Outra mulher se levantou.
— Transmita na tela principal — ordenou Wen.
Acacia olhou em choque para as imagens de Nicholas sendo levado para
fora de um elevador por um grupo de homens mascarados e entrando no que
parecia ser um estacionamento subterrâneo. Ele foi jogado para dentro de uma
van já à espera, e os corpos ácidos de seus seguranças foram colocados na
parte traseira. A van saiu em disparada.
— Puta que pariu. — Wen ergueu a voz por cima da cacofonia que se
iniciou na sala. — Liz, quero que você analise o vídeo e extraia tudo o que
conseguir. Tente descobrir a placa da van. Todo mundo, dividam as imagens
das câmeras para ver se podemos descobrir para onde a van está indo. Dave,
preciso que você hackeie as câmeras de segurança dos postes de Moscou. Veja
se consegue encontrar a van.
— Temos as imagens do térreo — interrompeu Olga.
— Na tela — ordenou Wen. — Retroceda até os últimos trinta minutos.
O centro de comando cou em silêncio enquanto observavam Nicholas e
seus seguranças sendo emboscados por um grupo de seis homens mascarados,
armados com pistolas automáticas. Eles estavam escondidos no elevador de
serviço.
— Merda — disse Wen. — Eles têm contatos dentro do hotel. O elevador
de serviço abriu assim que o chefe apareceu no corredor. Eles estavam
esperando por ele.
Wen rapidamente transmitiu as informações a Rick. Acacia conseguiu ouvi-
lo xingando pelo comunicador.
Acacia tapou a boca com a mão enquanto Olga reproduzia continuamente
as imagens da captura de Nicholas. Seus seguranças foram atingidos na cabeça,
nocauteados. Os corpos foram carregados para dentro do elevador.
Nicholas tentou arrancar uma das armas de um agressor, mas outro homem
mascarado colocou sua arma na têmpora dele. Depois que eles o contiveram, o
socaram no rosto. Acacia viu sangue jorrar da boca de Nicholas.
Quando a mão dele cobriu a boca, Acacia viu algo brilhar em seu pulso.
— O relógio — ela exclamou, pegando no cotovelo de Wen. — Nicholas
está com o relógio dele, aquele com o dispositivo de rastreamento.
— Certo — Wen murmurou. Mais uma vez, seus dedos voaram pelo
teclado. — Dave, estou enviando a conexão com o dispositivo de rastreamento
no relógio do chefe. Quero que você identi que a localização dele e me passe.
— Entendido — respondeu o barbudo. Ele digitou várias teclas em seu
notebook.
— Para onde eles estão levando Nicholas? — Acacia sussurrou.
— Dave, nos atualize — Wen pediu.
— Ok, encontrei o relógio. Ele ainda está na cidade — Dave respondeu.
Acacia fechou os olhos e fez uma oração. Sequestros exigiram um
planejamento extenso, especialmente dentro do que deveria ser um hotel
seguro. Se o russo estivesse em posse de Nicholas, provavelmente o mataria.
Eles precisavam de um plano de resgate, e precisavam rapidamente.
— Onde está Rick? — ela perguntou.
— Voltando para cá.
— Precisamos entrar em contato com a equipe de incursão que está na casa
do russo e mandá-los partir em busca de Nicholas — Acacia falou com Wen
em voz baixa.
O olhar de Wen era interrogativo.
— Você sabe da minha relação com Nicholas — ela continuou. — Não
vou atrapalhar seu trabalho. Estou aqui para ajudar.
Wen franziu a testa.
— O chefe queria que a equipe entrasse.
— Se o russo não estiver em casa, a invasão é inútil. Foi Nicholas quem me
falou isso. Agora sua segurança deve ser nossa primeira prioridade.
— Não discordo, mas temos um protocolo.
— E qual é? — Acacia ergueu as sobrancelhas.
— Rick é quem dá as ordens.
— Certo. — Ela cruzou os braços. — Ligue para ele.
Enquanto Wen fazia o que ela pedia, Acacia se levantou e examinou a sala e
todas as telas do computador.
— Você pode enviar para a equipe de incursão a localização do relógio de
Nicholas?
— Sim. — Wen olhou para a porta. — Rick voltou.
A porta da sala de conferências se abriu, e todos os olhares se voltaram para
a porta. Rick, Steve e Ray entraram.
Acacia caminhou na direção do segurança.
— Quero que Wen mande a equipe de incursão resgatar Nicholas.
Rick franziu a testa.
— O chefe não vai gostar, mas eu estava pensando a mesma coisa. As
autoridades russas não são uma opção, não com a operação que estamos
realizando aqui.
— E a segurança do hotel? Eles vão chamar a polícia?
Rick zombou.
— Alguém os subornou. Os sequestradores entraram diretamente no
estacionamento e pegaram o elevador de serviço até aqui. Eles precisariam ter
uma chave do elevador para fazer isso. Duvido que o hotel chame a polícia,
mas por precaução, ativarei um de nossos contatos.
Rick se aproximou de Olga e começou a falar com ela em voz baixa.
Acacia o seguiu.
— Nicholas está usando seu relógio, e Dave está fazendo o rastreamento.
Como podemos encontrar o russo?
— O chefe disse que ia falar com um contato da Interpol russa. — Rick
olhou ao redor de Acacia até encontrar Wen. — Você fez a ligação?
— Sim. Quando o chefe se atrasou para atender, o agente desligou.
Acacia mordeu o lábio.
— Kuznetsov sabe que estamos aqui — ponderou Rick. — Olha o timing.
Ele sai de casa sabendo que isso vai provocar uma reação nossa. Em seguida,
seus homens atacam o chefe. Kuznetsov deve ter gente in ltrada no hotel. —
Ele se virou para Wen. — Conecte a equipe de incursão com o rastreamento
do chefe. Diga-lhes para se prepararem para uma remoção.
— Positivo — Wen respondeu. — Quais são as ordens para o combate?
— Diga a eles que não deixem grandes pistas — respondeu Rick. —
Obviamente, queremos trazer o chefe ileso, mas eles serão atacados antes que
consigam removê-lo de lá.
— Entendido — disse Wen. Ele começou a falar em seu headset em voz
baixa.
— Precisamos de uma distração — murmurou Rick. Ele se aproximou de
Wen e esperou até que o homem terminasse de falar. — Diga à equipe de
incursão para desarmar o sistema de segurança do complexo. Isso fará com que
eles mandem suas equipes para resolver e nos dará algum tempo.
Enquanto Wen seguia as ordens, Acacia se virou para Rick.
— Kuznetsov provavelmente sequestrou Nicholas, mas sem envolver as
autoridades, talvez não possamos vinculá-lo ao sequestro. Se abrirmos mão das
obras de arte, Nicholas terá falhado em sua missão.
Rick olhou para ela com intensidade.
— Achei que concordávamos que a segurança do chefe é nossa primeira
prioridade.
— É claro que sim. Mas eu quero vincular Kuznetsov à arte roubada. Pode
nos dar alguma vantagem se a equipe de incursão tiver problemas.
Rick balançou a cabeça.
— Temos duas equipes. A primeira vai pegar o chefe, e a segunda está
vindo para cá. Precisamos deles para a nossa segurança. Estou surpreso que
Kuznetsov não tenha tentado sequestrar você também.
O coração de Acacia pareceu subir até a garganta. Uma onda de ansiedade
tomou conta de seu corpo, e de repente ela se viu no Marrocos, sentada em sua
cela, no escuro. Acacia sentia di culdade para respirar.
— Você precisa se sentar. — Rick a pegou pelo cotovelo e a conduziu até
uma cadeira. — Quer que eu chame a enfermeira?
Acacia balançou a cabeça.
Steve rapidamente pegou um copo d’água e entregou a ela.
A mão de Acacia tremia ao pegar o copo.
— Respire fundo — ordenou Rick. — Mas não feche os olhos. Olhe ao
redor. Estamos fazendo tudo o que podemos para ajudar o chefe. Não
desmorone.
Acacia manteve os olhos abertos e visualizou o ataque de pânico como uma
cascata. Ela a imaginou caindo em sua cabeça, escorrendo para os pés e depois
desaparecendo e sendo absorvida pelo tapete. Respirou fundo.
— Você quer voltar para a suíte e se deitar? — O rosto de Rick se franziu
de preocupação.
— Eu quero ajudar. — Trêmula, ela tomou um gole de água.
Rick colocou a mão em seu ombro.
— Deixa com a gente. É melhor você ir. Vai demorar um pouco aqui.
— As obras de arte — ela conseguiu dizer, bebendo a água novamente. —
Temos de encontrar uma maneira de amarrar Kuznetsov às obras de arte. Então
a polícia russa poderá fazer algo contra ele.
Rick balançou a cabeça.
— O chefe tem contato na Interpol russa, mas está de mãos atadas. Não há
motivos legais para fazer as buscas.
— Claro que tem — disse Olga do outro lado da sala. Seu rosto cou
vermelho quando Rick e Acacia a examinaram.
Ela deixou sua estação de trabalho e caminhou até onde Acacia estava
sentada.
— Olga Ivanova — ela se apresentou. — Eu sou a especialista russa. A lei
russa exige apenas que as autoridades policiais tenham uma suspeita da presença
de armas em propriedade privada para justi car uma busca. Se você conseguir
fornecer à Interpol um vídeo mostrando as armas no complexo de Kuznetsov, é
suspeita su ciente.
É
— É arriscado — Wen a interrompeu enquanto caminhava até eles. — O
vídeo foi obtido ilegalmente. Kuznetsov pode desmoralizar a busca.
— Não se a Interpol vir imagens de uma reação armada a uma violação de
segurança — rebateu Olga. — Rick mandou a equipe de incursão desarmar o
sistema de segurança. Se eles conseguissem atrair os homens de Kuznetsov para
fora dos muros do complexo e gravá-los em vídeo, essa lmagem não seria
produto de uma escuta telefônica ilegal.
— Isso pode dar certo — admitiu Rick.
— Por favor — disse Acacia. — Vale a tentativa.
Rick acenou com a cabeça para Wen.
— Ok, Kris, dê uma olhada no complexo para que possamos obter uma
lmagem da reação deles. — Wen olhou para o analista sentado ao lado de sua
estação de trabalho.
— Entendido — disse Kris.
— Dave, a localização — Wen latiu.
— Ainda em Moscou — relatou Dave. — O chefe está na M-9, que é a
Rodovia Báltica. Parece que eles estão indo para o oeste, fora da cidade.
— Quais são os possíveis destinos?
— A rodovia vai até a Letônia. Mas os povoados fora da cidade incluem
Golyevo, Novyy e Voronki.
— E quanto a Kuznetsov? — Rick perguntou.
— O comboio desapareceu — Dave admitiu. — Várias das ruas
secundárias não têm câmeras de segurança naquele bairro.
— Consiga imagens aéreas dos povoados que você mencionou — Wen
instruiu. — Mas que de olho na localização do comboio.
Ele se virou para Rick e Acacia.
— Acabamos de receber boas notícias. Nicholas está na M-9 em direção a
oeste. É próximo da área de Barvikha, onde ca o complexo. Nossa equipe de
incursão não estará muito longe.
— Eles já desarmaram o sistema de segurança? — Rick perguntou.
— Kris, nos atualize — disse Wen.
— Nada ainda — Kris relatou.
— Ok, diga à equipe para violar a segurança de forma a atrair os homens
de Kuznetsov para fora do complexo. Então eles precisam se mandar de lá —
Rick instruiu. — Já que Nicholas está indo em direção a eles, a equipe deve ser
capaz de alcançá-lo.
— Positivo. — Wen falou em seu headset em tons abafados.
— Eu preciso do meu celular. Está na minha bolsa, na suíte — Acacia disse
baixinho para Steve, que estava ao lado dela.
Ele se virou e saiu da sala de conferências.
Acacia foi se sentar ao lado de Wen.
— O contato de Nicholas na Interpol o conhece como Nicholas ou um de
seus codinomes?
— Pierre Breckman. Por quê?
— Gostaria de conversar com o contato da Interpol.
Wen olhou para Rick e ergueu as sobrancelhas.
Acacia franziu a testa.
— Eu falo russo. Eu estou ciente da arte roubada e vi fotos do cofre de
Kuznetsov.
— Não é uma boa ideia — disse Rick. — Você está sob muita tensão. E
temos a equipe de incursão pronta para desarmar o sistema de segurança.
Vamos ver o que eles podem fazer antes disso.
— Vou esperar alguns minutos, mas quero falar com o contato. — Acacia
estava determinada. — Vou ligar para Paris primeiro.
Rick balançou a cabeça.
— Não é uma boa ideia. Precisamos trabalhar com os russos.
— Os franceses podem nos ajudar a motivar os russos — explicou Acacia.
— Você mesmo disse que o contato de Nicholas não foi capaz de ajudar. Talvez
a BRB possa persuadi-lo.
Rick franziu a testa.
— Você vai ligar para quem? Luc?
Ela concordou com a cabeça.
A carranca de Rick aumentou.
— Ele não vai nos ajudar.
— Ele é da BRB — argumentou Acacia. — Ele conhece o agente que está
caçando o Matisse roubado que vimos no cofre de Kuznetsov. É a melhor pista
que eles já conseguiram em anos.
Naquele momento, Steve voltou e colocou o celular de Acacia em sua mão.
Ela agradeceu.
Ela caminhou até o canto oposto da sala e discou o número de Luc.
Esfregou o pingente de hamsá, rezando para que o ex-namorado atendesse.
— Você botou a cabeça no lugar? — A voz de Luc estava fria.
Acacia fechou os olhos.
— É uma emergência.
O tom de Luc mudou e cou alerta.
— Onde você está?
Ela abriu os olhos e virou de costas para Rick e os outros.
— Estou em Moscou.
— O que você está fazendo em Moscou?
— É uma longa história. Ouça, encontramos o Matisse, aquele que foi
roubado do Musée d’Art Moderne. Está aqui.
Houve silêncio do outro lado da linha.
— Luc? — Ela começou a entrar em pânico. — Você está aí?
— Isso é algum tipo de piada? Você e seu novo namorado inventam esse
tipo de joguinho para se divertirem?
— Não é uma piada. Liguei para você primeiro, mas a equipe de segurança
também está ligando para a Interpol russa.
— Que bom. Diga a eles que eu mandei um oi.
— Espere! — Ela ergueu a voz. — Não desligue.
Luc bufou ao telefone.
— Estou aqui. Mas, Caci, você está testando minha paciência.
— Preciso da sua ajuda. O homem que está com o Matisse é Serge
Kuznetsov. Ele é da má a russa e ninguém vai conseguir chegar nele. Nem
mesmo a Interpol russa.
Acacia ouviu passos do outro lado da linha e o som de uma porta se
fechando.
— Isto está fora da minha jurisdição. Eu nem fui designado para o caso
Musée.
— Achei que você talvez pudesse falar com Philippe.
Luc soltou um barulho exasperado. Então Acacia ouviu o som de dedos
batendo no teclado de um computador.
— O que mais você pode me dizer?
— Kuznetsov tem outras obras roubadas no cofre. Nossa equipe de
segurança foi capaz de invadir o sistema. Temos imagens de câmeras de
segurança.
— Você pode enviá-las para mim? — Luc passou seu endereço de e-mail da
BRB.
— É claro. — Acacia foi até Wen e rabiscou o e-mail em um pedaço de
papel. Ela listou rapidamente os arquivos que queria que Wen enviasse e
apontou para eles com a ponta do lápis.
Wen concordou com a cabeça.
— Vamos enviar agora. Mas, Luc, preciso que a BRB faça algo agora.
Houve silêncio por um momento.
— É impossível. — Luc respirou pesadamente ao telefone. — Teríamos
que nos coordenar com a Interpol russa, bem como com as autoridades locais.
Isso levará dias. Talvez semanas.
— Não temos todo esse tempo! — ela ergueu a voz, à beira das lágrimas.
— Por que seu namorado não está cuidando disso?
— Porque Kuznetsov o pegou. — Acacia mal conteve um soluço. — Ele foi
sequestrado no hotel onde estamos. Estou com o que restou de sua equipe de
segurança.
— Ligue para a polícia. Caci, estou em Paris. O que diabos você espera que
eu faça?
— Eu espero que você me ajude. Não pelo bem dele, mas porque estou te
pedindo. — Ela fungou. — Estou te pedindo. Por favor.
— Vou ver o que você mandou, e se parecer con ável, vou passar para
Philippe. — A voz de Luc estava baixa e grave. — Eu entendo que seu
namorado está com problemas, mas não há nada que eu possa fazer sobre isso.
— Você pode pelo menos falar com a Interpol russa?
— Não. Vou olhar o que você me enviar, mas de jeito nenhum botar o meu
na reta por isso.
— Por quê? Por eu não ter botado minha cabeça no lugar? — O humor de
Acacia estava por um o.
Luc soltou um suspiro.
— Me desculpe. Eu não deveria ter dito isso. Mas é da minha carreira que
estamos falando. Depois do que aconteceu da última vez, você pode entender
minha hesitação.
— É da vida dele que estamos falando — ela sussurrou.
— Ligue para a polícia — Luc repetiu com rmeza. — Denuncie o
sequestro e entre em contato com a embaixada do seu namorado.
— Certo. Tchau.
— Caci, espere! — Luc ergueu a voz.
— O quê?
Luc suspirou profundamente.
— Eu sinto muito. Vou olhar o que você me mandou e ver o que posso
fazer. Mas isso não é nenhuma promessa.
— Obrigada. — Acacia desligou.
Ela pressionou o celular contra a testa e fechou os olhos. O tempo estava se
esgotando, e Acacia acabara de perder minutos preciosos com alguém que ela
achou que ajudaria.
Ela nunca mais cometeria esse erro novamente.
— Meu nome é Acacia. Sou a namorada de Pierre Breckman. Ele foi
sequestrado. — Acacia falou em russo pelo headset de Wen. Olga sentou-se ao
lado dela, ouvindo silenciosamente a conversa por meio de seus próprios fones.
O agente da Interpol do outro lado da linha praguejou.
— Agora a guerra foi declarada.
— Uma guerra que você pode acabar. Vamos resgatar Pierre. Estamos
pedindo a você que nos ajude a rastrear Kuznetsov.
— Você tem evidências de que Kuznetsov está por trás do sequestro?
— Pierre foi sequestrado dentro de um andar protegido no Red Square
Hotel. — Acacia irritou-se. — Diga-me: quem mais poderia estar por trás
disso?
— Está tarde. Você está falando de uma operação em grande escala que requer
um planejamento extensivo.
— Eu tenho algo a oferecer em troca. — Acacia sinalizou para Olga.
— Estou ouvindo.
— Kuznetsov está armazenando armas, granadas e bombas dentro de seu
complexo.
O agente fez uma pausa.
— Como você sabe?
— Temos lmagens. Eu posso enviar para você.
O agente passou um endereço de e-mail, que Olga anotou rapidamente.
— Este e-mail é seguro — garantiu ele à Acacia. — Pode enviar.
Acacia olhou nos olhos de Olga.
— Envie a lmagem das armas — Acacia instruiu em inglês. — Envie as
fotos de dentro do cofre também. Você está vendo imagens? — ela perguntou
ao agente em russo, nervosamente batendo o pé no chão.
— Estou abrindo agora. — O agente praguejou. — Isso aqui está na casa
dele?
— Sim. Também enviei imagens de obras de arte e antiguidades roubadas
que estão em seu cofre. Uma das peças é muito importante para Pierre.
O agente exalou pesadamente no telefone. Então Acacia ouviu batidas
furiosas e um palavrão baixo.
— O que foi isso? — ela perguntou.
— Espera. — O agente pareceu baixar o telefone. Acacia ouviu passos e o
som do que poderia um móvel de arquivos sendo aberto.
Ela ouviu papéis farfalhando na linha telefônica, e então o agente voltou a
falar.
— Há algo mais interessante naquele cofre.
— O quê?
— Há um ovo imperial.
— Um ovo Fabergé. Sim, eu vi.
— Parece o Terceiro Ovo Imperial, que pertenceu ao czar e sua esposa. Após a
revolução, foi apreendido pelos bolcheviques e colocado no Museu do Arsenal do
Kremlin.
— Eu não estou entendendo — confessou Acacia.
— O ovo é um tesouro nacional. Foi emprestado ao Hermitage em São
Petersburgo alguns anos atrás, quando foi roubado. As autoridades em toda a
Rússia estão procurando por isso.
— Então você vai nos ajudar? — Acacia prendeu a respiração.
— Tudo vai levar um tempo. Mas isso, mais as armas, deve ser o su ciente para
eu conseguir algum amparo. O presidente russo é amigo do diretor do Museu
Hermitage. Ele prometeu que o tesouro roubado seria encontrado.
— O que você pode fazer?
— Passe para o seu chefe de segurança. Vou abordar meus superiores. — O
agente fez uma pausa. — E obrigado.
— Qualquer ajuda que você possa oferecer será bem-vinda, agente. Mas
você sabe que o tempo é essencial. — Acacia tentou manter a voz sem a
emoção que sentia.
— Compreendo.
— Caso seus superiores precisem de mais motivação, devo mencionar que,
além do Degas roubado e do ovo Imperial, parece que o desaparecido Matisse
do Musée d’Art Moderne também está no cofre. Tenho o contato de um
agente da BRB em Paris que está encarregado desta investigação.
— Me mande.
Acacia colocou seu celular na mesa ao lado do notebook de Wen e apontou
para a tela. Como Luc não estava disposto a ajudar, ela mesma repassaria as
informações de contato de Philippe. Ela pegou o contato no celular, agradecida
por já o ter conhecido.
— Mandarei. Vou te passar para nosso chefe de segurança — Acacia
murmurou um agradecimento e entregou o telefone a Rick.
— Obrigada, Olga. — Acacia botou a mão no braço da agente.
— De nada — respondeu ela, removendo o headset. — Já faz algum tempo
que trabalhamos com esse contato, mas o patrão não conseguiu chegar a lugar
nenhum com ele. Para nossa sorte, as armas e o ovo parecem tê-lo convencido.
— Kuznetsov deve ser muito in uente, levando em conta que a Interpol
esteve disposta a desviar o olhar por tanto tempo.
— Ele tem uma in uência incrível — concordou Olga. — Ele subiu nos
degraus de poder matando seus rivais e qualquer um que sentisse ser uma
ameaça. Costumam chamá-lo de Serge, o Terrível.
Acacia estremeceu. Serge, o Terrível, pegou Nicholas. Eles precisavam
encontrá-lo o mais rápido possível.
— O que está acontecendo? — Ela se virou para Wen.
Ele apertou algumas teclas, e um vídeo em preto e branco apareceu em seu
notebook.
— A equipe de incursão cortou a energia do complexo. — Ele apontou
para um movimento na parte inferior da tela. — Eles zeram uma fogueira do
lado de fora da propriedade. Os homens de Kuznetsov abriram os portões para
veri car o fogo.
— Então o complexo está sem energia?
— Eles devem ter um gerador reserva, porque as luzes voltaram. — Wen
apontou para uma imagem da mansão, que estava iluminada. — Como você
pode ver, ele tem o equivalente a um pequeno exército lá. Ele estava esperando
por nós.
— Envie a lmagem para nosso contato da Interpol. — Acacia puxou o
braço de Rick.
— Um minuto — disse Rick ao telefone. — Sim?
— Wen está enviando imagens dos homens de Kuznetsov saindo do
complexo. A Interpol vai conseguir ver quão bem armados eles estão.
— Entendido. — Rick voltou ao telefonema.
— E quanto a Nicholas? — Acacia perguntou a Wen.
— Dave, nos atualize — Wen ordenou.
— A van saiu da M-9 e entrou na A-109, que faz o caminho mais longo até
Barvikha, caso esse seja o destino deles — respondeu Dave. Ele projetou na tela
grande a imagem de uma luz piscando e caminhando por uma rota de Moscou.
Wen olhou para a tela.
— A equipe de incursão está a caminho. Existe um possível ponto de
interceptação?
Dave estudou seu notebook.
— A A-109 se transforma em A-106, que é a estrada para Barvikha. Se a
equipe de incursão pular no A-106, eles podem dar de cara com eles.
— E quanto a Kuznetsov? Algum sinal do comboio?
— Negativo. — Dave balançou a cabeça. — Vou continuar procurando.
— Entendido. — Wen voltou para seu headset, passando informações para
o líder da equipe de incursão.
— Espera um minuto — disse Dave. — O chefe parou. Parece que ele está
em uma oresta.
Um silêncio caiu sobre a sala. A luz na tela principal continuou a piscar,
mas não estava mais na A-109.
Dave digitou algo em seu computador, e uma vista aérea da área apareceu
na tela.
— Ele não está em uma oresta; há uma casa.
— Pode ser uma das fortalezas de Kuznetsov — observou Wen.
— Tão perto de seu complexo? — Olga interveio.
— Talvez seja por isso que tenhamos perdido o comboio — Dave sugeriu.
— Talvez a casa fosse o ponto de interceptação de Kuznetsov.
Rick parou atrás da cadeira de Acacia.
— Ok, atenção. Quero que consigam tudo o que puderem sobre aquela
casa, incluindo registro de propriedade, sistemas e esquemas de segurança. Já!
A equipe se apressou para obedecer.
— A que distância está a equipe de incursão? — Rick foi até Dave.
— A cerca de cinco minutos da fortaleza — disse Dave.
Wen fez um gesto para Rick e apontou para o seu notebook.
— A equipe de incursão secundária acaba de entrar no saguão. Eles estão
subindo. — Ele apontou para as imagens das câmeras do hotel no andar térreo.
— Ótimo. Passe tudo o que puder para o líder da incursão principal. —
Rick se endireitou e esfregou a boca com a mão.
Acacia ergueu os olhos para ele.
— E agora?
— Agora nós rezamos.
Ela pegou em seu pingente de hamsá.
— Isso não é o su ciente. Eu quero ir atrás dele.
Rick se virou para Acacia.
— Atrás de quem? Kuznetsov?
— Não, do Nicholas. — Ela se levantou, segurando o celular. — Quero
que a equipe de incursão me leve para onde Nicholas está.
Rick cou em pé, a olhando de cima, as mãos nos quadris.
— Não. Sem chance. A equipe de incursão vai cuidar do resgate. A equipe
de apoio está aqui para nossa segurança. Você não vai a lugar nenhum.
— Não estou pedindo permissão. — Ela ergueu o relógio de pulso. — Wen
será capaz de me rastrear. Mas não vou me sentar aqui e apenas esperar.
Rick franziu o rosto.
— Aqui é o local mais seguro para você car. Não temos ideia se Kuznetsov
tem outros agentes no prédio ou nas proximidades. Eles podem te emboscar.
— Então é bom que eu esteja acompanhada de um grupo de pro ssionais.
— Ela caminhou em direção à porta.
Rick o seguiu.
— Assim que a equipe de incursão resgatar Nicholas, ele vai querer ver
você. Você não quer car presa no trânsito no meio de Moscou, quer?
— Vai levar algum tempo para a equipe de incursão estudar os esquemas e
planejar o ataque, correto?
Rick concordou.
— Se eu quiser ver Nicholas o mais rápido possível, é melhor eu ir.
— Puta que pariu. — Rick esfregou o rosto. Ele se virou para Wen. — Eu
vou com ela. Quero atualizações constantes.
— Entendido. — Wen olhou de Rick para Acacia. — Tome cuidado.
— Tomarei. — Ela abriu a porta do corredor, e Rick passou por ela. Acacia
o seguiu e fechou a porta.
Os homens retiraram Nicholas da van algemado. Ele sofreu um corte no lábio
e estava com mandíbula machucada, mas felizmente não perdeu nenhum
dente.
Dois homens corpulentos carregando armas automáticas — os mesmos que
Nicholas vira derrubando sua equipe de segurança no hotel — agora o
seguravam pelos braços. Os seguranças permaneceram inconscientes, deitados
na parte traseira da van.
Ele sabia que não devia enfrentar seus agressores. Estava em menor número
e sem arma. Mas eles não levaram a melhor sobre Nicholas. Não o examinaram
em busca de dispositivos de rastreamento. Ele exionou o pulso contra a
algema. Seu Rolex ainda estava lá.
Enquanto os homens o puxavam para uma opulenta villa de três andares,
ele pensou em Acacia. Era possível que seus agressores a tivessem capturado
também. Ele rezou para que Acacia ainda estivesse viva.
Ele caminhou por um longo corredor e entrou em uma enorme biblioteca.
Na outra extremidade da sala, próximo a uma lareira de mármore preto, havia
um homem.
Nicholas o reconheceu imediatamente.
— Kuznetsov.
O homem se virou. Ele segurava um copo de cristal na mão. Tomou um
gole do líquido âmbar.
— Cassirer.
Serge Kuznetsov era de estatura mediana e parecia estar na casa dos
cinquenta anos. Tinha a cabeça raspada e olhos azuis penetrantes. Seu peito
largo e o físico atarracado zeram Nicholas pensar em um buldogue. Ele usava
um terno azul-marinho feito sob medida, aparentemente caro, sem gravata.
Ele gesticulou para seus homens, e eles zeram Nicholas se sentar em uma
poltrona de couro perto da lareira.
— Você se importaria de remover as algemas? — ele perguntou em inglês,
erguendo os braços atrás das costas.
Kuznetsov acenou com a cabeça para um dos homens. Ele pegou uma
chave e abriu as algemas.
Nicholas esfregou os pulsos.
— Quer uma bebida? — Kuznetsov se aproximou do bar em frente a uma
grande janela.
— Vodca — respondeu Nicholas.
Kuznetsov tirou uma garrafa de um pequeno freezer e serviu dois dedos da
bebida em um copo. Ele o passou a um de seus homens, que o entregou a
Nicholas.
Nicholas sorveu o líquido, mas não tirou os olhos do inimigo.
— Isso tudo é muito lamentável. — Kuznetsov estava sentado em frente a
Nicholas, os homens se mantinham por perto.
— Já que sou seu prisioneiro, eu devo concordar. — O tom de Nicholas
era irônico.
Os olhos de Kuznetsov se tornaram aguçados.
— Você atacou minha casa.
— Você assassinou minha irmã.
— Não. — Kuznetsov ergueu um dedo e o apontou na direção de
Nicholas. — Um bósnio chamado Luka assassinou sua irmã.
Nicholas bebeu mais de sua vodca. Tinha gosto de bebida cara, mas ainda
produzia calor em sua garganta.
— Você deu a ordem.
Kuznetsov ergueu os ombros.
— Eu z uma solicitação de obras de arte raras. Não dei ordem para matar
ninguém. Luka perdeu o controle.
Nicholas ia argumentar, mas Kuznetsov o interrompeu.
— Já matei gente antes, e meus homens também. Isto não é segredo para
ninguém. Mas eu não matei sua irmã.
As mãos de Nicholas começaram a tremer, de tanta raiva.
— Cadê o Luka?
— Ele te deu essa cicatriz. — Kuznetsov fez um movimento cortante no
rosto. — Uma dúvida: por que você não a removeu?
Nicholas fechou a mão em punho.
— Vou removê-la depois de fazer justiça.
— Justiça. — Kuznetsov olhou para ele. — Receio que você tenha
percorrido uma longa estrada, mas vai se decepcionar no nal.
Nicholas trancou os dentes.
— O que você quer dizer?
— Luka morreu.
Nicholas lançou um olhar fulminante para seu inimigo.
— O quê?
Kuznetsov deu um gole no uísque, atrasando propositalmente a resposta.
— Depois que você encontrou Luka e os outros, eles vieram me procurar.
Eu dei conta deles.
Nicholas olhou para o russo em estado de choque.
Como se estivesse no meio de uma névoa, abaixou a cabeça para olhar para
o copo em sua mão. Era pesado e provavelmente de cristal. A vodca era cara. E
ele e seu inimigo estavam sentados frente a frente, discutindo calmamente
sobre a vida e a morte.
Era possível que Kuznetsov estivesse mentindo. Mas o fato de o bósnio e
seus comparsas terem desaparecido parecia trazer veracidade ao relato do russo.
Este não era o nal que Nicholas esperava. Ele imaginou confrontar
Kuznetsov e seguir em frente para enfrentar os bósnios. Agora a segunda parte
de seus planos jamais aconteceria.
Nicholas sentiu como se tivesse sido empurrado por um cadafalso, para no
nal ver o chão ceder assim que deu o último passo. Ele estava levitando no
espaço e no tempo, totalmente à deriva.
E Riva…
Nicholas sufocou sua angústia. Ele nunca seria capaz de olhar seu assassino
nos olhos e exigir retribuição.
Nicholas olhou para a vodca em seu copo. O líquido claro o provocava. Ele
estava em algum lugar fora de Moscou, bebendo com um homem que se
referia aos ladrões bósnios como se fossem uma chateação — algumas moscas
que ele espantou, não um grupo de seres humanos que assassinou.
Nicholas piscou. Em sua mente, sua queda livre chegou a uma parada
excruciante no fundo de um abismo. Ele sentiu o impacto como se fosse real, e
seu coração bateu de forma irregular.
O absurdo o atingiu com toda a força de um tombo de uma grande altura.
Kuznetsov demonstrava absoluta indiferença pela vida humana enquanto
estava naquela grande villa bebendo milhares de euros em uísque.
— Isso nunca vai ser o su ciente — murmurou Nicholas, olhando para seu
inimigo. Ele poderia matar Kuznetsov, se conseguisse escapar e arranjar uma
arma, mas isso não acabaria com a dor que sentia por Riva. Não apagaria sua
perda. No mínimo, o afundaria ainda mais na escuridão. Ele se tornaria o
homem que odiava, a gura que assombrava seus sonhos e a vida de seus pais
desde o assassinato de Riva.
— O homem que deixou uma cicatriz em você está morto — continuou
Kuznetsov. — Os outros membros da equipe dele estão mortos. Agora está
tudo no passado.
— Talvez. — A voz de Nicholas estava rouca. — Mas você ainda está com
as obras de arte da minha família.
— E você acha que pode pegar de volta? — Kuznetsov deu uma risadinha.
— Jovens não costumam aceitar conselhos, mas vou te dar alguns mesmo
assim. Você precisa conhecer seu inimigo melhor do que a si mesmo, se quiser
vencer. Eu venho te seguindo há anos.
As sobrancelhas de Nicholas se ergueram.
— Anos?
— Quando você foi atrás de Luka, eu soube que você não iria descansar até
me encontrar. Eu segui você. Observei seu progresso. Monitorei seus
pseudônimos e rastreei suas amantes.
O rosto de Nicholas revelou seu alerta.
Kuznetsov sorriu.
— A modelo era bem interessante, mas sua última amante é muito mais
atraente. Concorda, não? Você parece estar disposto a fazer qualquer coisa por
ela.
Nicholas abriu o punho. A tentativa de Kuznetsov de o afetar deu certo,
mas ele se obrigou a se manter calmo.
— Você tem o Matisse do Musée d’Art Moderne — Nicholas mudou de
assunto. — O governo da França está muito interessado em recuperá-lo.
Kuznetsov se levantou e voltou ao bar.
— A França já está acostumada a se decepcionar. — Ele tornou a encher
seu copo com uísque e trouxe a garrafa de vodca para Nicholas. Kuznetsov
serviu para ele.
— Você veri cou sua casa recentemente? — Nicholas observou seu inimigo
guardar a garrafa no freezer e voltar a se sentar.
Os olhos de Kuznetsov se voltaram para Nicholas.
— Outro conselho, meu jovem amigo. Nunca tente invadir a Rússia. Seu
pessoal cortou a energia de minha propriedade, mas tudo voltou ao normal em
minutos.
— Ivan — Kuznetsov acenou para um de seus homens.
O homem deu um passo à frente. Ele não tirou a máscara.
— Ivan, houve algum relato de uma violação de segurança na propriedade?
— Apenas a queda de energia, senhor — respondeu Ivan. — E uma
fogueira fora dos portões.
— Uma fogueira. — Kuznetsov sorriu presunçosamente. — Sua equipe
falhou.
Nicholas cou tenso. Ele não entendia por que a equipe de incursão não
havia seguido as ordens e invadido o complexo. A não ser que…
Ele redirecionou sua atenção para o homem que estava sorrindo para ele.
— Você ordenou o ataque ao concierge do Hotel Victoire em Paris?
— Eu desconheço tal ataque. Fiz negócios com um revendedor em Paris.
Ele teve alguns problemas e lidou com isso de forma desajeitada. Mas o
problema dele não tem a ver comigo.
Nicholas estreitou os olhos. Ele não tinha certeza do que poderia acreditar.
— O que você vai fazer agora?
Kuznetsov provou o uísque novamente.
— Eu vou te matar. Vou mandar alguém para trazer Yasmin da Grécia. Ela
manteve a boca fechada quando saiu, então eu a deixei em paz. Agora ela vai
ser punida. Já que Yasmin não estará mais disponível, decidi que sua última
amante será minha. Eu nunca fodi uma brasileira.
Involuntariamente, os dedos de Nicholas se fecharam em um punho.
— Isso nunca vai acontecer. — Ele encarou seu inimigo.
Kuznetsov riu.
— Na Rússia, eu sou o rei. Por que hoje seria diferente?
Nicholas sorriu.
A expressão de Kuznetsov cou sombria.
— Por que você está sorrindo?
— Você estudou a história da Rússia?
— O que você quer dizer?
O sorriso de Nicholas se alargou, e ele se inclinou para a frente na cadeira.
— O que você acha que aconteceu com os reis da Rússia?
Kuznetsov jogou seu copo de cristal na cabeça de Nicholas, e o uísque voou
pelos ares.
Nicholas agarrou o copo e, com um movimento uido, atirou-o de volta
no russo.
Kuznetsov ergueu os braços para proteger o rosto, e o vidro se estilhaçou ao
atingir seu antebraço.
Nicholas se abaixou para evitar os destroços que ricochetearam. Os homens
de Kuznetsov se aproximaram de Nicholas, mas naquele momento as luzes se
apagaram.
Ele se jogou no chão e se acomodou sob a poltrona. Ouviu o som de botas
no corredor e gritos em russo e inglês.
E então alguém começou os disparos.
— Ele conseguiu. — Rick se virou de sua posição no banco da frente, o celular
pressionado contra a orelha.
— Quem? — Acacia perguntou.
Ela estava imprensada entre dois soldados armados. Mais três estavam
sentados atrás deles no grande veículo utilitário.
— O agente da Interpol — explicou Rick. — A Interpol russa acaba de
invadir o complexo de Kuznetsov.
— Wen pode enviar fotos disso?
— Mande fotos do complexo — Rick ordenou. Quando recebeu a
mensagem, ele clicou em uma série de imagens em preto e branco. Entregou
seu telefone para Acacia.
Nas fotos, ela podia ver a equipe da Interpol entrando na casa de
Kuznetsov. Uma fotogra a mostrava alguns corpos no chão.
— A Interpol tem homens su cientes? — Acacia olhou com nojo para uma
foto de uma imagem que parecia ser os soldados de Kuznetsov preparando uma
emboscada no topo de uma escada.
— Rick, há um problema. — A voz de Wen veio através do telefone.
Acacia o devolveu a Rick.
— Diga — disse Rick.
Acacia não conseguia ouvir o que Wen relatava.
O corpo de Rick estremeceu.
— Localização?
Mais uma vez, Acacia se esforçou, mas não conseguiu decifrar as palavras.
— Certi que-se de que eles se encaminhem para o centro médico mais
próximo e mais avançado. Envie-me a localização. — Rick olhou por cima do
ombro para Acacia. — Sim, nós os encontraremos lá.
Rick desligou a ligação e enfrentou Acacia.
— O que houve? — ela sussurrou.
— A equipe foi para a villa. Era para ser um resgate rápido, mas os homens
de Kuznetsov abriram fogo. Nossa equipe entrou em combate, e o chefe foi
atingido — Rick falou devagar, mantendo a voz calma.
Acacia não reagiu. Ela apenas repetiu as palavras mentalmente.
— Quão ruim foi? — perguntou o soldado à direita de Acacia.
O olhar de Rick cintilou para Acacia antes de retornar para o soldado.
— Tiro no peito. Um dos caras da equipe também é médico, então ele está
administrando os primeiros socorros. Eles estão a caminho do hospital.
O mundo pareceu desacelerar. Acacia viu movimento pelas janelas do carro,
mas tudo parecia arti cial.
Rick encostou em sua mão.
Acacia olhou para ele. Seus lábios se moveram, mas ela não conseguia
entender o que ele estava dizendo.
Acacia fechou os olhos e os abriu.
— Leve-me até ele.
— Claro que sim. — Rick olhou para frente. Seu celular recebeu uma
mensagem, e ele passou a localização para o motorista.
O motorista acelerou pelas ruas de Moscou, e Acacia concentrou toda a sua
energia mental em Nicholas. Havia tantas coisas que ela queria dizer.
— Você consegue me ouvir? — Acacia voltou ansiosamente a atenção para o
cirurgião, que acabara de explicar a cirurgia que havia realizado em Nicholas.
— Consegue — respondeu o médico em russo. — Ele vai car sonolento.
Creio que vá se recuperar totalmente. Como eu disse, a bala atravessou o
músculo trapézio acima da clavícula, não o peito. Foi um tiro certeiro, sem
fragmentos de bala. Mas a bala feriu a clavícula.
— Obrigada. — Ela apertou a mão do cirurgião, e ele sorriu para Acacia.
— Voltarei para os plantões de amanhã — explicou antes de passar por
Rick rumo à saída. — Se as enfermeiras da noite implicarem com você, pode
dizer a elas que eu creio que sua presença seria boa para o paciente.
— Obrigada — Acacia sussurrou.
Ela foi até Nicholas e segurou na mão dele. Levou os dedos de Nicholas até
seu rosto. Estava com muito medo de perdê-lo. As últimas horas foram as
piores de sua vida. Pior ainda do que ser prisioneira no Marrocos.
— Acacia — Nicholas murmurou. Estava com uma expressão sonolenta e
confusa no rosto. — Você está bem?
— Eu? — Ela balançou a cabeça. — Estou bem. Estou preocupada com
você.
— Não que. — Ele fechou os olhos. — Eu pensei que eles haviam te
sequestrado. Kuznetsov disse…
Acacia esperou que Nicholas terminasse a frase, mas ele não terminou.
Acacia limpou a garganta.
— Estou bem. Eu estava no carro com Rick quando recebemos uma
ligação avisando que você tinha sido baleado. Vim para cá o mais rápido que
pude, mas eles tinham levado você direto para a cirurgia.
Nicholas soltou um murmúrio. Ele abriu os olhos e, por um momento, o
torpor pareceu deixá-lo.
— Kuznetsov?
As sobrancelhas de Acacia se uniram.
— Ele ainda está vivo, mas também foi pego no fogo cruzado. Ele está em
outro hospital.
— Ele não morreu?
— Não, mas será preso. A Interpol entrou no complexo e apreendeu todo o
conteúdo do esconderijo de armas e bombas, junto com tesouros roubados de
todo o mundo. Kuznetsov tinha um ovo imperial que pertence ao Museu do
Arsenal do Kremlin. A mídia russa está pintando a Interpol como heróis
nacionais.
— A Interpol russa? — Nicholas murmurou. — Eles se recusaram a nos
ajudar.
— A suspeita de armas tra cadas forneceu a eles um motivo para revistar a
propriedade. Os jornais já estão anunciando que Kuznetsov é um tra cante de
armas. Ele vinha vendendo armas para terroristas.
Nicholas fechou os olhos.
— Ele me disse que matou o homem que assassinou Riva.
Acacia resfolegou.
— Ele disse isso mesmo?
Nicholas acenou com a cabeça.
— Você acreditou nele? — ela sussurrou, aproximando-se.
— Não sei. Mas isso explica por que não conseguimos encontrá-los.
— Sinto muito, Nicholas. Mas estou tão feliz que você esteja bem. Você
podia ter morrido. — A voz de Acacia tremeu.
Nicholas exalou ruidosamente.
Ela se inclinou e penteou o cabelo dele com os dedos.
— Wen falou com o agente da Interpol. Eles acham que recuperaram todas
as três obras que pertencem à sua família. Eles estão esperando que a arte seja
autenticada antes de liberá-los.
Nicholas não respondeu.
Ela continuou o acariciando na testa.
— Liguei para sua mãe depois que a sua cirurgia terminou. Ela e seu pai
estão a caminho.
— Tudo bem — Nicholas balbuciou.
Ele parecia ter adormecido. Acacia continuou com a mão no rosto de
Nicholas, o alívio fazendo com que lágrimas uíssem.
— Você tinha razão — ele sussurrou e abriu os olhos. — Eu olhei nos
olhos dele e imaginei matá-lo. Não teria sido o su ciente.
Acacia se inclinou para beijar os lábios de Nicholas, com cuidado para não
esbarrar em seu ombro enfaixado.
— Não pense nisso agora. Você conseguiu. Você recuperou as obras de arte
da sua família. Acabou.
Nicholas soltou um gemido no fundo da garganta e adormeceu.
Acacia cou com ele, enquanto Rick cuidava de ambos.
— Eu liguei para Constantine. — Nicholas estava no pátio da casa dos pais e
olhou para a incrível vista do Mont Blanc.
— O que ele disse? — Acacia perguntou.
— Ele me agradeceu por avisá-lo sobre Kuznetsov. Ele vai tomar medidas
extras para manter Yasmin em segurança, mesmo com Kuznetsov preso.
— Que bom. — Acacia tocou no braço de Nicholas.
— Eu me sinto perdido.
Acacia passou o braço em volta da cintura dele, com cuidado para não
encostar no ombro esquerdo e no braço na tipoia.
— Acho que é uma reação normal.
— É? — Ele voltou os olhos questionadores para ela.
Acacia abriu um meio sorriso.
— Eu só me consultei com a doutora Aswan uma vez. Mas ela enfatizou
como meus sentimentos são normais, mesmo que eles estejam caóticos.
Nicholas se voltou para os Alpes. Ele apertou a mandíbula.
— Eu não vou ngir que sei exatamente como você ou seus pais se sentem.
Mas eu te amo, Nicholas, e estou com você, não importa quais sejam seus
sentimentos.
— Obrigado. — Os olhos escuros de Nicholas encontraram os dela, cheios
de afeto. — Eu carrego esse fardo comigo há tanto tempo. Agora que acabou,
sinto como se faltasse algo. Eu co veri cando se minha carteira e meu telefone
estão comigo ainda. Mas eu sei que não é disso que se trata.
— Não, não é. — Acacia mostrou empatia. — Eu continuo dormindo com
um olho aberto e um fechado, mesmo que o homem que assombrava a mim e
a minha mãe nunca mais possa nos incomodar.
Nicholas colocou o braço ileso ao redor do ombro de Acacia e a beijou na
têmpora.
— Estou tão feliz por você estar em meus braços novamente. E em
segurança.
Acacia se aconchegou ao lado dele e pegou em sua mão. O pingente de
hamsá retiniu contra o relógio de Nicholas, junto com outro pingente maior.
Nicholas baixou os olhos para as mãos unidas.
— Quando você disse à minha mãe que era muçulmana, o que ela disse?
— Ficou horrorizada por não ter me oferecido comida halal. Mas cou
aliviada por eu não pedir para comer carne de porco.
— Meus pais não comem comida kosher.
— Não acho que eles queiram carne de porco mesmo assim.
Nicholas riu.
Acacia ergueu o pulso para mostrar a Nicholas a nova pulseira de prata e o
pingente. O pingente era em formato de um grande disco, com inscrições em
hebraico.
— Sua mãe me deu isso hoje.
Nicholas semicerrou os olhos para ler o que estava escrito.
— Eu parei de estudar hebraico depois do meu bar mitzvah. O que diz?
— É uma citação do livro de Rute. Diz: “O Senhor use convosco de
benevolência, como vós usastes com os falecidos e comigo”.
Nicholas franziu a testa.
— Isso é mórbido.
— Noemi diz essas palavras à sua nora Rute depois da morte do marido.
Sua mãe disse que queria me abençoar em gratidão pelo que z por sua família.
A cara feia de Nicholas se transformou em uma expressão de
contentamento.
— Ela tem razão. Todos nós somos gratos.
— Eu não z nada além de te amar.
— Isso não é verdade, mas o seu amor é certamente o maior presente que já
recebi. — Nicholas sorriu. — Você gostou do presente da minha mãe?
— Também penso nisso como uma bênção. Rute não era judia, e eu
também não sou. Esta é a maneira de sua mãe me acolher e me dar boas-
vindas.
Nicholas levou a boca à orelha de Acacia.
— Eu tenho outra maneira melhor de dar boas-vindas a você na família
Cassirer. Mas concordamos que falaríamos sobre isso mais tarde.
Acacia se inclinou e o beijou.
Ele retribuiu passando o braço em volta da cintura dela. O polegar roçou
na bochecha de Acacia enquanto os lábios se moviam sobre os dela.
Quando se separaram, a expressão de Nicholas cou séria.
— Você conseguiu, sabe disso?
— Consegui o quê?
— Você salvou uma vida.
Acacia abaixou a cabeça, sentindo seu coração completo.
— É verdade, mon amour. Eu estava tão obcecado por vingança, que não
via o que isso estava fazendo com minha família ou comigo mesmo. Eu não vi
aquilo que estava me tornando. Você me ajudou a entender. Você salvou minha
vida. — Nicholas ergueu o queixo de Acacia com o dedo. — “Quem quer que
salve uma alma: é como se tivesse salvado a humanidade inteiramente”.
— Obrigada — ela sussurrou. — Não creio que um dia deixarei de sentir
culpa por ter tirado a vida de alguém.
A testa de Nicholas enrugou.
— Nós temos arrependimentos. Mas também temos uma segunda chance.
Ela o abraçou com força.
Nicholas tocou a ponta do nariz dela.
— Precisamos ter uma conversa séria sobre algo.
Acacia respirou fundo.
— Sobre o quê?
— Claude Monet, seu gato. Tem certeza de que ainda quer car com ele?
Esta manhã ele usou meus melhores sapatos sociais como caixa de areia.
Acacia ergueu os olhos para Nicholas e viu uma diversão resignada em seus
olhos cintilantes.
Ela caiu na gargalhada.
— Meus amigos, eu lhes apresento o Salão do Memorial de Riva Cassirer. —
Nicholas cortou a ta cerimonial, inaugurando o cialmente o salão de
exposições. Seu ombro estava curado, e ele já conseguia usar o braço com
facilidade.
Aplausos irromperam da plateia. Os fotógrafos tiraram fotos enquanto
Nicholas e seus pais apertavam a mão do curador do museu.
Parada a uma pequena distância deles, Acacia se juntou aos aplausos.
Enxugou uma lágrima do rosto enquanto via Nicholas abraçar os pais. Ele
ainda tinha a cicatriz. Mas decidiu removê-la. Um cirurgião plástico em
Zurique o examinou e declarou que poderia dar um jeito nela. A cirurgia foi
marcada para dentro de duas semanas.
Nicholas percebeu o olhar de Acacia e sorriu. Acacia sorriu de volta.
Ele estendeu a mão, e ela deu um passo à frente. Nicholas a beijou
castamente e pousou o braço ao redor de seus ombros.
Do outro lado, madame Cassirer colocou o braço em volta da cintura de
Acacia e a abraçou.
Acacia olhou ao redor do salão e viu a obra de Degas, a de Monet e a de
Renoir, todas exibidas em seus devidos lugares.
Ela admirou o retrato de Riva Cassirer que agora estava pendurado no
centro do corredor. Era a mesma pintura que estava no quarto de Riva na casa
dos pais dela. A jovem sorria para todos que passavam.
Acacia viu Kate erguendo os dois polegares, parada ao lado de sua mãe,
Marileia. Aquela foi a segunda viagem da mãe de Acacia para fora do Brasil,
contando com sua viagem para a Jordânia em um intercâmbio para professores,
antes de conhecer e se casar com o pai de Acacia.
Acacia cou séria ao pensar em seu pai e seu primo, Ibrahim. O rosto da
mãe estava marcado por preocupações havia anos. Agora ela estava relaxada e
feliz. Não precisava mais viver com medo. Não precisava mais se esconder.
Acacia tocou os globos azuis em seu pescoço, e seu pingente de hamsá e o
pingente hebraico tilintaram contra eles. Ela nunca saía sem esses três itens,
além do relógio que Nicholas lhe dera.
Ele dissera naquela manhã, quando acordaram e zeram amor, que tinha
outro presente para lhe dar após a abertura da exposição. Ele segurou a mão
esquerda de Acacia e a beijou, os lábios demorando mais um tempo no quarto
dedo.
— Feliz? — Ele apertou a mão de Acacia.
— Sim. E você?
O olhar de Nicholas moveu-se para o retrato de sua irmã. Ele podia olhá-la
nos olhos agora.
— Como ela está em paz, sinto que também posso nalmente ter paz.
Acacia assentiu, e Nicholas beijou sua têmpora.
Acacia estava cercada por sua nova família quando ergueu os olhos para o
retrato de Riva Cassirer. Na vida havia amor e perda. Havia fé e dúvida. Havia
esperança e arrependimento. Mas Acacia acreditava, do fundo de seu coração,
que, assim como Sísifo, a humanidade está no seu auge quando enfrenta as
adversidades com determinação e coragem. E ela percebeu que o apoio e o
amor de uma família tornavam os fardos da vida muito mais leves.
Acacia curvou-se em respeito à Riva, levando a mão aos pingentes que
usava no pulso. Ela rezou para que Riva casse em paz e fez uma oração
silenciosa de gratidão por Nicholas e sua nova família.
FIM.
CENA BÔNUS
AGRADECIMENTOS

Tenho uma dívida com Paris, Genebra, Cologny, Santorini, Helsinque,


Dubai, Marrocos e Moscou. Obrigado por sua hospitalidade e inspiração.
Sou grato a Kris, que leu um primeiro rascunho e fez críticas construtivas
valiosas. Agradeço também a Jennifer e Nina por seus extensos comentários e
correções.
Tive muito prazer em trabalhar com Cassie Hanjian, minha agente.
Gostaria de agradecer a Kim Sche er por sua orientação e conselho.
Minha publicitária, Nina Bocci, trabalha incansavelmente para divulgar
minha escrita e me ajudar nas redes sociais, o que me permite manter contato
com os leitores. Estou honrado em fazer parte de sua equipe. Ela também é
uma escritora, e recomendo vivamente seus romances.
Heather Carrier, da Heather Carrier Designs, criou a capa do livro. Ela fez
um belo trabalho. Também gostaria de agradecer a Jessica Royer-Ocken pela
edição e a Coreen Montagna pela formatação do romance.
Agradeço a Erika por sua amizade e apoio e agradeço muito as palavras
gentis de Deborah Harkness. Também quero agradecer aos muitos blogueiros
de livros que dedicaram tempo para ler e avaliar meu trabalho.
Quero agradecer especialmente aos meus leitores brasileiros de todo o
mundo e aos administradores do SRFansBrazil e do podcast Noites em
Florença. Você tem sido uma comunidade muito solidária desde a publicação
de O Inferno de Gabriel há vários anos. Este livro foi escrito para vocês, com
meus cumprimentos.
Quero agradecer às Musas, Argyle Empire, aos leitores de todo o mundo
que administram as contas de redes sociais SRFans e aos leitores que gravaram
os podcasts em inglês, espanhol e português para A Saga de Gabriel e e
Florentine Series. Obrigado por seu apoio contínuo.
Por m, gostaria de agradecer aos meus leitores por continuarem nesta
jornada comigo. Formamos uma comunidade diversi cada e solidária que se
estende por todo o mundo. Eu sou muito grato por fazer parte desta
comunidade.

~ SR
Celebração dos Arcanjos, 2017
SOBRE O AUTOR

Autor de best-sellers #1 do New York Times, USA Today.


Eu me interesso pelo modo como a literatura pode nos ajudar a explorar
aspectos da condição humana – particularmente sofrimento, sexo, amor, fé e
redenção. Minhas histórias favoritas são aquelas em que um personagem tem
sua jornada, seja uma jornada física para um lugar novo e emocionante ou uma
jornada pessoal na qual ele ou ela aprende algo sobre si.
Também me interesso em como elementos estéticos como arte, arquitetura
e música podem ser usados para contar uma história ou para iluminar os traços
de um personagem especí co. Em meus escritos, combino todos esses
elementos com temas como redenção, perdão e o poder transformador da
bondade.
Tento usar minha plataforma como autor para aumentar a conscientização
sobre as seguintes instituições de caridade: WorldVision, Alex’s Lemonade
Stand e Covenant House.
Nicholas rolou, meio adormecido. Instintivamente, ele estendeu a mão para
procurar por Acacia.
Ela foi embora.
Ele piscou contra a escuridão, erguendo-se sobre um cotovelo para olhar ao
redor.
Acacia estava parada sob um facho de luz acinzentada que brilhava através
da janela da cozinha. Ela estava enrolada em um cobertor, seus pés e a parte
inferior de suas pernas torneadas, expostos.
Nicholas empurrou as cobertas para o lado e deslizou pela cama,
estremecendo quando seus pés descalços tocaram o chão frio.
— Você está bem? — Ele cruzou a sala rapidamente, não somente porque
já estava nu. Já fazia muito tempo que Acacia não tinha um sono irregular. Ele
estava preocupado com o que poderia tê-la tirado de seus braços.
Acacia se virou. Sua boca se abriu em um sorriso, e ela abriu os braços.
Um convite.
Nicholas deu um passo para frente e deslizou as mãos sobre seu traseiro
curvilíneo. Ela colocou os braços e o cobertor ao redor dele.
— Mon coeur. — Sua voz estava rouca. — Você não conseguiu dormir?
— Olhe lá fora. — Ela inclinou a cabeça em direção à janela.
Nicholas se virou e viu ocos de neve utuando no ar. Ele seguiu sua
trajetória, momentaneamente hipnotizado enquanto caíam no pátio abaixo.
A neve espessa cobriu o solo. A acumulação era incomum para Paris. O
pátio de Acácia foi transformado em um reino secreto de inverno.

É
— É tão bonita. — A mão dela deslizou para cima, até o peito de Nicholas,
descansando sobre o coração. — Há neve o su ciente para construir um
boneco? Ou para uma luta de bolas de neve?
— Se não derreter antes do amanhecer. — Nicholas beijou o topo de sua
cabeça. — Está tarde. Volte para a cama.
— Mas a neve — ela protestou. — Você esqueceu que a neve é estranha
para mim?
— Eu não esqueci. — Ele ergueu o queixo dela, seus olhos escuros
procurando os de Acacia.
Com mais de um metro e noventa de altura, Nicholas era muito alto.
Acacia era quinze centímetros mais baixa e sempre olhava para cima quando
falava com ele. Nicholas acariciou sua bochecha e se inclinou para mover seus
lábios contra os dela.
— Me dê um minuto.
Ele saiu da proteção do cobertor e foi até a cômoda dela. Abriu a gaveta
que ela o presenteou há algum tempo.
Acacia o seguiu.
— O que você está fazendo?
Ele se sentou na beira da cama, segurando uma cueca e um par de meias.
— Me vestindo.
— Por quê?
Ele sorriu.
— Não posso te ajudar a construir um boneco de neve assim. — Ele
ergueu o queixo em direção ao peito nu. Seu físico era magro e bem de nido.
Acacia seguiu seu olhar, piscando enquanto olhava o peito de Nicholas.
— Estamos no meio da noite.
— Mon amour, pode derreter antes do amanhecer. Eu não quero que você
perca sua chance.
Acacia puxou o cobertor com mais força em torno de si, ainda olhando.
Nicholas deu a ela um olhar perplexo.
— Você não quer ir?
Ela deu um passo para mais perto e olhou para ele.
— Você sairia comigo? Agora?
Ele assentiu. Acacia parecia surpresa e satisfeita. Ela deu a ele um sorriso
lento e doce que quase quebrou seu coração. Ela largou o cobertor para car
nua diante dele. Ela encostou em seu rosto com ternura e pressionou a boca na
dele. Nicholas a puxou para mais perto, devolvendo o abraço.
— E quanto à neve? — ele sussurrou.
— Mais tarde. O que eu quero neste momento não pode esperar. — Ela o
beijou novamente, sua língua provocando o lábio inferior dele.
Nicholas gemeu e aprofundou o beijo.
Sua boca era quente e convidativa. Apesar do frio do ar, seus corpos nus
transmitiram calor quando entraram em contato.
Suas grandes mãos deslizaram para o traseiro dela. Ele olhou para os seios
de Acacia.
— Você está gelada.
— Não por muito tempo. — Ela montou nele, apoiando os joelhos no
colchão, nas laterais dos quadris de Nicholas.
As mãos dele alisaram sua cintura a m de estabilizá-la.
Nicholas beijou a clavícula e o topo dos seios de Acacia. Ele a segurou com
as duas mãos, os polegares provocando seus mamilos. E então levou um deles à
boca.
Acacia colocou os braços em volta do pescoço dele e se moveu para frente.
Ela beijou um ponto abaixo de sua orelha e beliscou o lóbulo. Em resposta, ele
sugou seu mamilo mais profundamente em sua boca. Acacia revirou os quadris
e pressionou a cabeça dele contra seu peito. A mão dele deslizou entre as pernas
de Acacia, explorando suavemente. Ele gemeu contra seu mamilo.
Acacia o posicionou sob seu corpo e lentamente se abaixou, o trazendo
contra si centímetro a centímetro. Nicholas gemeu quando ela se posicionou,
deslizando para mais perto a m de seus seios roçarem o peito dele. Nicholas
agarrou os quadris dela e se curvou para frente, capturando o outro mamilo
entre os lábios.
Acacia começou a se mover para cima e para baixo, em um ritmo uniforme
e determinado. Ele a ajudou com as mãos, a puxando para cima e para baixo.
Ela revirou os quadris novamente e resfolegou quando ele sugou seu seio.
— Me beije — ele sussurrou.
Ela colocou a mão na nuca dele e o beijou com rmeza, as línguas
brincando uma com a outra. Para cima e para baixo. Para cima e para baixo.
Seu ritmo começou a aumentar.
Nicholas a penetrou mais uma vez, uma exalação áspera deixando seu peito.
— Estou quase lá — ela ofegou, agarrando em seus ombros para se
equilibrar.
— Vá — ele murmurou, apertando os quadris dela.
Acacia se arqueou para trás, os olhos fechados. Nicholas grunhiu e ergueu
os quadris, acelerando os movimentos.
Então, de repente, o prazer a dominou. Acacia repetiu seu movimento,
mesmo enquanto Nicholas continuava penetrando. Ele acelerou o ritmo até
que estremeceu embaixo dela. Quando ele nalmente parou, ele murmurou
um juramento. O aperto nos quadris dela diminuiu, e ele a abraçou contra seu
peito. Acacia relaxou em seus braços, como se não pesasse nada.
Pouco tempo depois, Nicholas segurou em sua mão enquanto desciam a
escada para o andar térreo. Gerald, um de seus guarda-costas, acompanhou o
casal até a entrada dos fundos do prédio.
— Quando Rick vai car de plantão? — Acacia perguntou sobre seu
guarda-costas favorito.
— Não antes do dia quinze. — Nicholas abriu um sorriso. — Ele vai passar
o Dia dos Namorados com Diana.
— Ah, é mesmo? — Os olhos de Acacia se arregalaram.
— Aparentemente, ela está ensinando espanhol para ele. — Nicholas
colocou a mão na parte inferior das costas de Acacia e a seguiu para fora.
Ela parou alguns passos no pátio, olhando para a neve que caía. O céu
estava escuro como chumbo, e o Quartier Latin estava muito quieto. Acacia até
achou que podia ouvir os ocos de neve caindo.
Ela fechou os olhos e inalou. O ar estava frio e cortante e a lembrou de
hortelã. Ela sentiu algo frio e úmido no topo de sua cabeça. Ela abriu os olhos
para encontrar Nicholas tacando um punhado de neve sobre seus cachos.
— Vamos, Brasil. — Ele sorriu. — Você me deve uma guerra de bolas de
neve.
Acacia se abaixou e juntou um pouco de neve. Jogou na cara dele. Nicholas
se esquivou e a agarrou pela cintura, levantando-a. Ela gritou e começou a rir
quando ele a girou. Acacia se agarrou aos ombros dele para se equilibrar.
Nicholas a acompanhou na risada. E quando ele nalmente parou de girar, ele
aproximou seu nariz do dela.
— Feliz Dia dos Namorados — ele sussurrou.
— Obrigada, xodó. — Ela puxou a cabeça dele para mais perto e o beijou.

FIM
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