Rivais A Bordo - Angie Hockman
Rivais A Bordo - Angie Hockman
Rivais A Bordo - Angie Hockman
Tradução Arte
Marcia Men Renato Klisman
Preparação
Bia Bernardi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
H621r
Hockman, Angie
320 p.
e-ISBN 978-65-5609-628-5
Título original: Shipped
Não é um cara. Eu te
conto amanhã.
Grávida?
Nem a pau.
Demitida?
Ha!
— Filha da pu…
A porta a meu lado se abre com uma onda de música e
risos. Tomo um susto e minha bolsa escorrega pelo tecido
liso de meu casaco de chuva até chegar ao cotovelo,
machucando meu braço, e quase deixo o telefone cair.
Atrapalhando-me, eu o enfio na bolsa.
— Ah — diz Sophie, minha vizinha.
Ou será que é Sophia? Sophie e Sophia se mudaram
para o 4E no mês passado, e ambas têm mais ou menos
a mesma altura, cabelos longos, loiros e com luzes, as
mesmas feições belas e genéricas. Elas me lembram
Walsh.
— Oi, Hannah.
— Henley — digo, pronunciando bem.
Um subproduto de ter um nome fora do padrão:
ninguém o acerta, nunca.
— Está chegando agora do trabalho? — pergunta
Sophie/Sophia, olhando de esguelha para a janela na
ponta do corredor. Já passa muito das 20h e está tudo
escuro lá fora.
— Aula noturna.
— Legal. — Passando uma alça fina da bolsa por cima
da cabeça, ela fecha a porta atrás de si e a música e as
conversas que enchiam o corredor se reduzem a um
ruído abafado. — Estamos fazendo uma reuniãozinha.
Nada de mais. Vou sair para buscar cerveja, mas fique à
vontade para vir para cá.
Ofereço a ela um sorriso genuíno.
— Obrigada. Talvez eu vá, sim.
Não irei.
Meu notebook e o livro de administração estratégica
pesam na bolsa — e no meu humor — como um par de
tijolos. Minhas têmporas latejam de exaustão pelo dia
longo, e ele nem acabou. Eu ainda tenho que encarar a
todo-poderosa lista de tarefas.
A culpa retorce minhas entranhas quando dobro a
esquina, mas eu a afasto. Gosto das minhas novas
vizinhas, apesar de elas serem mais jovens que eu: tenho
vinte e oito anos e elas são da cidade de recém-
formadalândia. Simplesmente teremos que nos encontrar
alguma outra noite. Uma noite em que eu não tenha
trabalho ou aulas pairando em minha mente. Então, em
algum momento do século que vem, talvez?
Chegando a meu apartamento, enfio a chave na
fechadura e abro a porta com o ombro. Um miado rouco
me saúda. Coloco a bolsa no chão e acendo a luz.
— Oi, Miojo.
Penduro minhas chaves num gancho ao lado da porta e
meu casaco, no armário estreito na entrada. Miojo, o
gato, desfila até o hall de entrada. Ele é um malhado
cinza de pelos longos, com pelagem dura que se espeta
para todo lado, não importa o quanto eu o escove, e
olhos num tom verde-dourado que se focam em duas
direções totalmente diferentes.
Uma vez eu joguei no Google “o que é o oposto de
vesgo” e o termo “estrabismo divergente” apareceu, o
que me soa mais como o título de um livro de ficção
científica do que uma condição médica, mas o veterinário
disse que no caso dele é hereditário, então não é nada
preocupante.
Seja lá qual for o nome, Miojo é um gato de aparência
rústica. Por isso seu status de residente veterano do
abrigo animal local antes que eu o adotasse no verão
passado. Estendo a mão para afagá-lo debaixo do queixo.
Ele solta um miado quase coaxado, como se tivesse
fumado dois maços de cigarro por dia durante uma
década.
— Sentiu saudades de mim?
Silêncio.
— É assim, né? Estou vendo.
Vou para a cozinha e Miojo trota atrás de mim.
Alimento meu gato convencido antes de trocar de roupa
e vestir calças bailarina e uma camiseta da Universidade
Boise State. Tirando um recipiente com resto de salada
de quinoa da geladeira, atravesso o piso de madeira com
uma taça de pinot grigio e volto para minha acolhedora
sala de estar.
Qualquer pessoa que entre em meu apartamento de
um quarto em Belltown pensaria que sou uma viajante
contumaz que já cruzou o mundo — se essa pessoa não
me conhecesse. Mapas enormes e coloridos, paisagens
marinhas emolduradas e retratos da vida selvagem estão
arranjados numa colagem acima de meu sofá rubi. Pela
parede oposta, que eu pintei no mesmo tom rico de
pedra preciosa, um rosa avermelhado, pilhas de livros de
viagem e marketing oscilam num baú, enquanto uma
poltrona comprada num site de ofertas se acomoda sob a
janela. É como se a National Geographic e a revista
Porthole Cruise tivessem um filho e esse filho
respingasse por todo meu apartamento.
Entretanto, a verdade é que, tirando algumas viagens
para o Colorado quando criança e uma viagem genérica
de férias de primavera para Cancún aos dezenove anos,
eu nunca saí do Noroeste do Pacífico. Eu não sou uma
fraude, não. Sou gerente de marketing numa empresa
global de cruzeiros de aventura.
Então, todos os cartazes e impressões digitais? Brindes
do trabalho. Obrigada, Aventuras Seaquest, pela
decoração barata.
Não é que eu não queira viajar. Quando aceitei esse
emprego, três anos atrás, eu tinha muitas esperanças de
ver o mundo. Daí a vida aconteceu. Ambições
profissionais. Mestrado. Empréstimos estudantis. A dor
de cabeça vaga e persistente que é tornar-se adulta.
Mas, principalmente, minha carreira. É difícil tirar uma
folga do escritório quando seu objetivo é subir na
hierarquia corporativa e chegar a diretora antes dos
trinta anos.
Colocando o jantar e a bebida na mesinha de centro da
Ikea, eu me jogo no sofá e arranco o elástico do meu
coque. Meu cabelo cai por cima dos ombros e eu o
sacudo, massageando as raízes para acalmar o couro
cabeludo dolorido. Eu queria poder me deitar agora
mesmo, apenas me arrastar para a cama e desmaiar,
mas minha lista de tarefas está queimando no app. Não
vou conseguir dormir até que tudo esteja riscado, então
é melhor resolver isso agora.
Tomando um gole de vinho, abro a lista e leio o
primeiro item.
De: [email protected]
Para: [email protected]
Cc: [email protected]
Assunto: ATRASO nas redes sociais
Graeme,
Notei que minhas solicitações de postagem nas
redes sociais alavancando a promoção de passagens
aéreas para todas as partidas remanescentes de
2019 para “Costa de British Columbia & Passagem
Interior” não foram publicadas hoje. Como essa
promoção expira daqui a uma semana e nenhuma
das viagens de setembro esgotou-se, espero ver
propagandas robustas em nossas plataformas nas
redes sociais. Para o conteúdo, veja o Google Doc
que compartilhei na semana passada. Por favor,
resolva isso o quanto antes. Grata,
Henley
Henley R. Evans
Gerente de Marketing para América Central e do
Norte
Aventuras Seaquest | www.aventurasseaquest.com
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Re: ATRASO nas redes sociais
em breve -G
Graeme Crawford-Collins
Gerente de Redes Sociais
Aventuras Seaquest | www.aventurasseaquest.com
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: ATRASO nas redes sociais
Graeme,
“Em breve” é um termo impreciso. Favor definir.
Grata,
Henley
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Re: ATRASO nas redes sociais
Em breve, locução adverbial
1. Em ou daqui a pouco tempo
2. Sem demora indevida
3. Quando eu puder
-G
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Re: ATRASO nas redes sociais
Graeme,
Faça agora, por favor.
Grata,
Henley
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Re: ATRASO nas redes sociais
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Re: ATRASO nas redes sociais
… oi?
Eu priorizei.
— Noite difícil?
Christina levanta a cabeça acima da divisória cinzenta
do cubículo entre nossas mesas, me flagrando ao
esfregar os olhos. São 9h15 da manhã de sexta e, na
hora que se passou desde que cheguei, um murmúrio
gentil de conversas lentamente sobrepujou o silêncio
matinal.
Considerando-se que se trata de um escritório, o nosso
é bem bacana. Ocupa todo o último andar de um prédio
histórico no centro e tem pé--direito alto, tijolos à vista e
muita luz entrando por janelas amplas em arco. Graças à
nossa proximidade do Estreito de Puget, o cheiro da
maresia limpa é um acessório permanente no edifício,
dando vida às fotos emolduradas dos navios de cruzeiro
que forram os corredores internos.
Tiro os olhos do e-mail que estou escrevendo para a
assistente de James a fim de discutir minha ideia para
uma campanha de chamadas diretas de última hora para
British Columbia.
— Ocupada, só — digo. — E sem dormir. E você?
Pulando para se empoleirar na borda da minha mesa,
Christina cruza as pernas, as calças capri cor de
esmeralda subindo pelas canelas esguias.
— Horrível — comenta ela, com seu charme de sempre.
Ela joga sua longa cortina de cabelos pretos e lisos por
cima de um ombro. Ele contrasta de maneira esplêndida
com a camisa de laise branca.
Relendo meu e-mail mais uma vez, clico em enviar
antes de me ajeitar para ouvir o que provavelmente será
uma história muito prolixa e muito dramática.
— Então, lembra que eu ia sair com aquele cara do
Bumble ontem à noite? — começa ela.
Lembro apenas vagamente, mas assinto mesmo assim.
— Bem, estava indo tudo bem até sairmos do
restaurante. Lá estávamos nós, de pé na calçada, falando
sobre o que fazer em seguida, quando passa uma
viatura. E sabe o que o cara faz? Pula atrás da lixeira
mais próxima como se fosse o Batman ou algo assim. No
fim das contas, havia um mandado de prisão em aberto
contra ele.
Aprumo-me.
— O que você fez?
Ela dá de ombros.
— Fui para casa com ele. Ele era uma gracinha.
Meu queixo cai.
Ela ri.
— Estou brincando, Henley, credo! Falei para ele que
eu estava com enxaqueca e vazei, claro. Mas daí conheci
esse outro cara, uma graça também…
— Tá bom. Bem, vou precisar do relatório completo.
Apoio o cotovelo na mesa, o queixo apoiado na mão.
Sem ter uma vida amorosa própria, vivo indiretamente as
aventuras de Christina na terra dos namoros.
Ela desliza para fora de minha mesa.
— Que tal no almoço? Waterfront Park?
Mordo o lábio. Tenho muita coisa para fazer hoje.
— Sei que você está sempre “ocupadíssima” — diz ela,
incluindo as aspas aéreas. — Mas vamos lá… Nós não
almoçamos juntas há semanas.
— Eu sei — gemo. — Sou terrível. Que tal no happy
hour, em vez disso? Não consigo me lembrar da última
vez que saí para beber depois do trabalho sem que isso
envolvesse um evento de networking da faculdade.
— Você não tem aula?
— Na sexta, não. Além do mais, o semestre de verão
terminou ontem e estou de férias por um mês até as
aulas de outono começarem.
— Certo, happy hour, então — diz ela com um sorriso.
— Miller Room?
— Por favor!
Pegando um vislumbre de alguém por cima do ombro,
ela se vira.
— Tory! — chama ela com um aceno.
Passos se aproximam e, um momento depois, nossa
colega de trabalho Tory Hageman aparece. Seu cabelo
curtinho e platinado capta a luz e praticamente espremo
os olhos ante seu resplendor.
Enquanto Christina é um ano mais nova que eu, Tory é
quatro anos mais velha. Porém, ao contrário de nós duas,
Tory de fato tem a vida em ordem, de um modo que faz a
nossa parecer desesperadamente infantil. Para começar,
ela é casada. Em segundo lugar, ela mora numa casa.
Não um apartamento, mas uma casa mesmo, com
jardim, cerca e toalhas separadas para as visitas e tudo o
mais.
— Olá, senhoras — diz Tory com um sorriso, abraçando
uma pilha de pastas junto ao peito. — O que vocês duas
estão tramando aqui?
— Happy hour no Miller Room depois do trabalho. Topa?
— convida Christina.
— Perfeito! Podem contar comigo. Também tenho
novidades para contar a vocês. Novidades quentes.
Seu sorriso se amplia de tal maneira que penso que
suas bochechas redondas vão rachar.
— Pode contar — digo.
Ela confere o relógio.
— Não posso. Estou atrasada para uma reunião, tenho
que correr. Ah, e Henley… parece que aquele cargo de
diretor de marketing digital finalmente vai rolar. Eu te
dou os detalhes depois.
Tory faz figa enquanto se afasta andando para trás,
depois dá meia-volta e corre para a sala de reunião.
Minha respiração fica presa na garganta e uso cada
gota de força de vontade para não colar um sorriso
imenso na cara. Tory é a diretora de análise e
planejamento financeiro, então sua área tem que aprovar
o orçamento para qualquer cargo novo. Sem dúvida, ela
sabe de todas as novidades.
Christina assente depois da partida de Tory.
— Já estava na hora de termos um diretor digital.
Volto meu olhar para Christina. Não é segredo nenhum
que estou na disputa pelo novo cargo, mas ela está na
Seaquest há mais tempo do que eu… e se ela espera por
essa promoção? Nós não chegamos a conversar a
respeito, na verdade.
Abaixando o queixo, ela aperta os lábios.
— Ah, o que é isso, Hen! Você acha mesmo que sou
como aquelas amigas de sitcom dos anos 1990, que
viram uma megera por causa do sucesso da melhor
amiga? Nós duas sabemos que você merece essa
promoção. Você trabalha mais do que qualquer outra
pessoa em toda essa empresa. É meio que patético, na
real.
Dando uma piscadinha, ela sai da mesa e se desvia da
nossa divisória, voltando a seu cubículo.
Meu peito se enche de calor. Christina não é apenas
uma amiga de trabalho, ela é uma amiga de verdade. E
não é como se eu tivesse um suprimento inesgotável
delas. Sorrio para mim mesma enquanto apanho meu
celular na bolsa. Todo esse negócio de “novidades
quentes” da Tory me lembrou de uma coisa. Abro as
mensagens de Walsh de ontem à noite e disparo uma
resposta.
E aí, qual é a surpresa?
Bato com as unhas na bochecha. Nenhuma resposta.
Sem dúvida, Walsh está me preparando para seja lá qual
for a notícia doida que ela pretende compartilhar. Isso, ou
ela ainda não acordou. Ela está no fuso horário do
Colorado, então presumivelmente deveria estar
acordada, mas, por outro lado, o tempo é um conceito
um tanto indiferente para Walsh.
Meu telefone vibra na mão, me fazendo dar um pulo.
De: [email protected]
Para: [email protected]
Cc: [email protected]
Assunto: Re: ATRASO nas redes sociais
pronto -G
Christina
Tory
Eu sorrio.
Eu falei!
Como estão as
Galápagos?
Christina
1. Protetor solar é sempre
uma boa ideia.
Gênero é um construto
social, mas
biologicamente é uma
menina!
Eu solto um gritinho.
Parabéns!
- Como é que é?
— Eu disse que você está enganada. Eu nunca, jamais
aceitaria o crédito pelo trabalho de outra pessoa. Isso
seria algo muito calhorda de se fazer.
— É, mas você fez.
— Quando?
— Na reunião de marketing logo depois que o vídeo foi
postado. James lhe deu os parabéns pelo vídeo e você
disse obrigado. Ele até me deu uma bronca por não ter
tido a ideia eu mesma, já que a Costa Rica é a minha
região. E você não disse nada para corrigi-lo.
Arrancando seu boné de beisebol, Graeme passa a mão
asperamente por seu cabelo.
— Eu não me lembro de nada disso. Foi logo que eu
comecei?
— Foi. Por quê?
Ele solta uma expiração pesada.
— Foi meu celular.
— Você espera que eu acredite que você programou
uma IA sofisticada no seu telefone para que ele
respondesse por você, com a sua voz?
Meu tom é mais seco que a areia quente.
— Não. O primeiro telefone que a firma me mandou era
uma bosta. Os alto-falantes estalavam e as ligações
caíam toda hora. Provavelmente eu não cheguei a ouvir o
que James falou e só respondi com “obrigado” pra
disfarçar.
— Isso é… é… — Faço um ruído desgostoso no fundo
da garganta. — Então você fingia escutar e contribuía
quando lhe convinha?
— Não foi um dos meus melhores momentos, tá? Eu
deveria ter assumido e dito que não escutei, assim como
não escutei metade da reunião graças à porcaria da
conexão. Desculpe. Honestamente, eu não estava em um
bom momento quando comecei neste emprego. Eu
estava passando por maus bocados — acrescenta ele,
baixinho.
Mas que monte de merda. Estou preparada para
disparar uma resposta sarcástica, mas as palavras
grudam na minha garganta. Uma lembrança da reunião
se remexe no fundo de minha mente. Depois de James
falar e antes de Graeme responder, houve estática no
telefone e vários segundos de silêncio.
Será que ele pode estar dizendo a verdade?
As bochechas dele ruborizam.
— E por que você não falou nada? Você deveria ter dito
a ele que fez o vídeo. Ou, se foi pega de surpresa, podia
ter tocado no assunto depois. Em vez disso, você ficou
em silêncio por um ano e deixou sua opinião a meu
respeito desandar desse jeito.
— Não é tão simples assim.
— Dane-se o simples. Eu não sou o único que pisou na
bola aqui, Henley. Você escolheu não me enfrentar, nem
dizer a verdade a James. Você devia ter se defendido,
mas não o fez. E isso é responsabilidade sua.
Minha boca se abre, mas não sai palavra alguma.
Porque ele está certo.
Sacudindo a cabeça lentamente, ele se afasta. Depois
de três passos, ele para.
— Eu não sou tão cuzão como você pensa.
Que foi?
AGORA DESEMBUCHE,
QUE INTRIGA É ESSA???
- Walsh, espera!
Estou fora da cabine antes que possa pensar duas
vezes. O cinto em volta da minha cintura está
perigosamente frouxo e a gola do robe abriu, expondo
mais colo do que eu fico confortável de mostrar ao
público em geral. Fechando o robe com um puxão e
apertando o cinto, corro atrás dela.
Atrás de mim, uma porta se abre e fecha, seguida por
outra — Graeme deve estar voltando para sua própria
cabine. O calor enche minhas bochechas enquanto a
decepção me percorre como uma enxurrada súbita.
Não consigo pensar nisso agora.
Walsh anda flertando com Graeme desde que
embarcamos no navio e eu quase o beijei. Pego Walsh
pelo braço bem quando ela alcança as escadas.
Ela dá meia-volta.
— O que você tá fazendo? — ela quer saber, se
soltando de minha mão.
— Walsh, eu…
— Volte lá agora mesmo e beije aquele homem!
— O quê?
— Você me ouviu. Eu sei o que vocês estavam prestes
a fazer. Porcaria, Henley, por que você não me contou
que gostava dele?
Ela me dá um soco no ombro.
— Ai! — Esfrego o local.
— Vá lá, agarre o seu homem!
Ela se vira para subir as escadas e eu a agarro de novo.
Dessa vez, não solto.
— Precisamos conversar. Agora.
Segurando-a pelo cotovelo, eu a guio para dentro de
nossa cabine.
— Por que você não… — ela começa quando a porta se
fecha atrás de nós, mas eu a interrompo.
— O que está havendo com você? Primeiro você se
joga para cima do Graeme e agora está toda “beije
aquele homem”!
— Olha, não é o que você está pensando.
— Bem, e o que é, então?
Walsh respira fundo, como se estivesse se preparando.
— Eu estava tentando te fazer um favor. Você quer
essa promoção mais do que qualquer coisa que eu já vi
você querer na vida. Então, pensei, talvez eu possa
distrair a concorrência. Se Graeme estiver comigo, não
vai pensar em trabalho ou nessa proposta que vocês têm
que fazer.
Meu queixo cai feito uma porta sem dobradiça.
— Eu estava tentando ajudar. Em troca de você ter me
deixado ficar quando eu precisava de um lugar.
— Sendo minha jezebel?
Ela dá de ombros.
— Ele é gato. Eu já peguei piores. Somos ambos
adultos. Pensei: qual seria o problema?
Walsh já fez algumas loucuras na vida, mas essa leva o
troféu.
— O problema é que isso é inescrupuloso. Você está
tentando abrir caminho para mim dormindo com alguém.
Isso é errado demais.
— Eu sei, eu sei. Pareceu uma ideia tão boa… e daí
estraguei tudo, como sempre.
Sua expressão sofrida dispara uma nova onda de
culpa.
— Eu não devia ter dito isso, Walsh. Desculpe.
Empoleirando-se na beira da cama, ela passa os dedos
por seu cabelo solto.
— Mas é verdade. Não consigo manter um emprego.
Fracassei em todo relacionamento que já tive. E agora
você está encrencada com seu chefe e é tudo culpa
minha.
Eu atravesso o quarto marchando e me sento ao lado
dela.
— Isso não é verdade. Você não é um fracasso. Você é
incrivelmente leal. Você teve mais aventuras do que eu.
E sua prática de ioga está fantástica. Eu não conseguiria
ficar de cabeça para baixo como você fez hoje, com
certeza cairia de cara. E relacionamentos…
— Fracassam.
— Não, você é esperta. Sabe quando sair. Como fez
com Keith, certo? Digo, você disse que ele acabou se
revelando um cuzão. Então, essa foi uma decisão boa.
A pele em torno de sua boca se retesa antes que ela
solte o ar, agitada.
— E o seu chefe? Você vai ser demitida?
— Gustavo não vai contar ao James o que houve.
— Ah, graças a Deus. Eu estava tão preocupada! Sei o
quanto esse trabalho significa para você e… espera. Por
que ele não vai contar ao James?
— Graeme conversou com ele.
— Conversou?
— E explicou que os outros passageiros não ficaram
zangados, o que é o mais importante mesmo.
— Foi?
— Foi.
Levantando-se, ela cruza o quarto para se apoiar no
closet.
— Então, você está me dizendo que a sua
concorrência, seu adversário, se prontificou a defendê-la?
Eu reviro o cinto do robe em torno do punho.
— Bom… foi.
— Meniiiina, ele está caidinho.
— Não está, não.
As palavras não soam críveis nem aos meus próprios
ouvidos.
— Ah, ele está, sim.
— Então, por que ele tirou todas aquelas fotos de você
na praia?
Estou me apegando a qualquer coisa e sei disso.
— Aaaaah. Aquilo.
Ela faz uma careta enquanto puxa seu telefone. Alguns
cliques depois, ela o mostra para mim. É o feed do
Instagram da Aventuras Seaquest.
O rosto de Graeme me encara na última postagem. Eu
clico nela para olhar mais de perto. É o vídeo em 360º
que ele registrou mais hoje cedo na Ilha Floreana,
mostrando o sol nascendo e os leões-marinhos brincando
na arrebentação, e já tem mais de mil visualizações.
Arrepios viajam pelos meus braços. Rolo pelos
comentários.
Kittykatzn
Podemos conversar?
Minha pulsação vacila e um calor gostoso enche
minhas veias. Não é a reação de que eu precisava agora.
Hesito com os polegares em posição sobre a tela.
Os alto-falantes estalam antes de mais um anúncio.
— Boa noite, boa noite. Para quem quiser visitar a
histórica Baía da Estação do Correio, o desembarque
começa em quinze minutos. Baía da Estação do Correio,
quinze minutos. Por favor, dirijam-se ao vestíbulo e não
se esqueçam de seus cartões-postais. Obrigado.
Lambo os lábios e digito uma resposta.
Você vai participar da excursão para a Estação do
Correio?
Vou
A gente conversa lá
Combinado
18
De: [email protected]
Para: [email protected]
Assunto: Atualização
James P. Wilcox
Diretor-Executivo de Marketing
Aventuras Seaquest | www.aventurasseaquest.com
— Porcaria — chio.
Meus polegares pairam sobre a tela.
Eu tenho ideias, claro. Um monte de ideias medíocres.
Mas nada excepcional se consolidou ainda. A resposta é
como a neblina — dependurada resolutamente no
horizonte, mas, quando tento pegá-la, ela escapa entre
meus dedos.
Enquanto isso, os esforços de Graeme em storytelling
digital estão acumulando likes e, segundo Christina,
reservas extra. Os passageiros o amam; Donna é
praticamente sua nova melhor amiga. Eu os vi sentados
juntos no salão ontem à noite, e ela riu — riu! — de algo
que ele disse.
Se estivéssemos numa corrida, ele estaria tão na
minha frente que eu já seria uma das atrasadas a essa
altura.
Desligo meu telefone e o jogo sobre a mesa. Se James
achar ruim que não respondi de imediato, posso pôr a
culpa no Wi-Fi claudicante.
Uma coisa é certa: tenho que descobrir o que vou usar
nessa proposta. Hoje. E precisa ser não apenas em outro
nível, mas na estratosfera.
Tory
O quê??
Christina
Franzo o nariz.
Quem é Rick?
Christina
PORRA É ESSA??
Um muito bom, na
verdade. Chique, da Saks.
Mas HIDRATANTE. PRO
MEU APARTAMENTO.
SOCORRO
Tory
Christina
Tory
Christina
Tory
US$ 100
US$ 500
US$ 200
Incrível. Eu tive um
insight… acho que
finalmente odeio o Keith!
Eeeeeeee!
Envio para ela o meme de um gatinho alegremente
disparando uma metralhadora, ao estilo Rambo.
Melhor do que a
alternativa
Isso
Reduzir minha carga de aulas significou estender meu
programa por outros dois semestres, mas o que consegui
em troca? Sanidade. Equilíbrio. E uma delícia de tempo
livre para passar com as pessoas mais importantes para
mim — como Walsh. Meu celular vibra de novo.
Ah, garota!
— Evans — uma voz dispara atrás de mim e quase
deixo cair meu telefone. James me olha carrancudo de
cima da parede de meu cubículo, as bochechas
vermelhas quase não passando dela. — Meu escritório,
dez minutos.
Minha pulsação entra num galope. Será que pode ser
sobre a promoção? Eu só tenho uma reunião agendada
formalmente com James para apresentar minha proposta
hoje à tarde.
Oito minutos depois, estou de pé junto à mesa de
Barbara com um bloco de anotações, telefone e caneta
agarrados contra o peito.
— Você sabe do que se trata? — murmuro.
Ela dá de ombros.
— Nem ideia, meu anjo.
— Humor?
— Arrogante.
— E isso é diferente do de sempre?
Ela sorri.
— Não tão carrancudo quanto o usual.
Meus ombros relaxam por um instante enquanto
respiro fundo. — Aqui vamos nós — murmuro.
Barbara me dá uma saudação zombeteira quando bato
na porta da sala de James.
— Entre — ele solta.
Entro na sala. Ele não olha para mim enquanto
atravesso a sala e me acomodo numa de suas cadeiras
laranja. Em vez disso, ele clica seu mouse, os olhos
colados na tela do computador. Depois do que parece ser
uma eternidade, mas provavelmente tenham sido
apenas dez segundos, ele retira os óculos de armação
metálica e os joga na mesa.
— Revisei sua proposta e a de Graeme… — começa
ele, mas uma voz familiar o interrompe do telefone em
sua mesa. Perco o fôlego.
— Com licença, James. Henley, também estou na linha.
Só queria avisar.
— Oi, Graeme. — Minha voz oscila e eu pigarreio.
James espreme os lábios pálidos numa linha estreita.
Com uma lentidão deliberada, ele apanha os óculos,
limpa a lente com um tecido que tira do bolso da camisa
e se ajeita na cadeira executiva.
— Como eu ia dizendo, revisei suas propostas por
escrito e cheguei a uma decisão. Graeme, meus
parabéns. Você é o novo diretor de marketing digital.
— O quê? — gaguejo. — Pensei que eu teria uma
chance de apresentar…
— Isso foi antes de eu ler sua proposta. Henley, qual
era a sua tarefa?
Engulo a bile subindo pela garganta.
— Pensar num modo de usar o marketing digital para
aumentar as vendas de cruzeiros nas Galápagos.
— Quando você me ligou com a sua ideia desmiolada
de solicitar doações para uma ONG local, eu estava
cético, para dizer o mínimo. Não via como apoiar um
esforço filantrópico teria relação com o aumento das
vendas. Eu não disse nada naquele momento porque
queria lhe dar a chance de se provar. Mas sua proposta
não fez nada para me convencer de que esse é o melhor
uso dos recursos de nossa empresa. É uma ideia
bonitinha, nada mais.
— Está falando sério? A ideia dela é fantástica, e se
você não consegue enxergar isso… — Graeme o
interrompe, mas eu falo por cima dele antes que possa
dizer algo de que se arrependa.
— James, investir no ecoturismo nas Galápagos seria
um ato forte para nós. Como pode ver em minha
proposta, eu analisei os números e…
James dá um tapa na mesa, me silenciando com o
espanto.
— Você não é a diretora-executiva de marketing aqui.
Eu sou. E a última coisa que desejo num diretor, alguém
que presta contas a mim, é insubordinação. Você não
seguiu os parâmetros indicados. Portanto, não receberá a
promoção. Fim da discussão.
— Espere só um minutinho aí… — começa Graeme.
— Não, tudo bem, Graeme. — Minha garganta se
contrai, engasgando na onda de decepção. Tenho que
tossir duas vezes antes de conseguir falar de novo. —
Lamento tê-lo desapontado, James. Obrigada por me
considerar para a vaga. Graeme, parabéns.
Eu me levanto cambaleando e vou até a porta.
— Não se preocupe, Henley. — James sorri
afetadamente atrás de mim. — Talvez surja outra
oportunidade. Nesse meio-tempo, mantenha o foco no
trabalho e cumpra sua função. E se você continuar
trabalhando como a abelhinha atarefada que é, quem
sabe o que pode acontecer, não é?
Não olho para ele quando passo pela porta. Barbara se
levanta ao me ver, seu sorriso desvanecendo numa
expressão preocupada.
— Ei, o que houve?
— Não consegui.
Minha voz embarga. As palavras ecoam em meu
cérebro como um sino de luto.
— Ah, docinho. Eu lamento muito.
— Tudo bem. Eu tô bem.
Eu não estou nada bem. Ai, Deus, as lágrimas… Elas
estão chegando. Aceno para Barbara enquanto combato
um soluço e corro para o banheiro.
Estou chorando no trabalho. O dia não podia ficar pior.
Acelerando pelo corredor, empurro a porta do banheiro
feminino com o ombro e o descubro, graças aos céus,
vazio. Meus saltos clicam contra o mármore preto e
branco enquanto caminho de um lado para o outro. Não
tenho ar suficiente. A decepção atola meus pulmões
como se fosse poeira de carvão. Eu respiro fundo,
trêmula.
Meu telefone vibra de onde está, pressionado contra o
peito. Em meio às lágrimas, vejo o nome em minha tela.
Graeme está ligando. Um facho de felicidade perpassa a
dor em meu coração. Ele ganhou a promoção. Ele a
queria tanto quanto eu, e conseguiu. O choque me
invade. Mal posso acreditar que estou legitimamente feliz
por ele.
E agora ele vai se mudar para Seattle.
Minhas emoções rodopiam e espumam como um
redemoinho, mas, por baixo de tudo, um anseio sobe
para a superfície. Ouvir a voz dele…
A porta do banheiro se abre e Christina entra. Mando a
ligação para a caixa postal e enxugo as lágrimas do
rosto.
— O que você está fazendo aqui? Por que não está
almoçando? — Minha voz sai tão vacilante quanto meus
joelhos.
Christina se joga sobre mim num abraço de esmagar
ossos.
— Barbara me contou.
Notícias ruins realmente se espalham depressa. Tory
entra no banheiro logo atrás de Christina. Barbara a
segue de perto.
— Henley, eu sinto tanto — diz Tory, as sobrancelhas
platinadas se apertando. Sua voz ecoa pelo banheiro
vazio.
Eu levo alguns instantes para perceber que Christina
está realmente me abraçando, pela primeira vez, antes
de abraçá-la de volta. Meus dutos lacrimais decidem
inflar como se estivéssemos assistindo a um filme
trágico, e uma lágrima grande e gorda rola por meu
nariz.
— Obrigada, gente.
Desconectando, eu pego uma toalha de papel no
recipiente perto do meu cotovelo e enxugo os olhos.
— Isso é uma bobajada de primeira — diz Christina.
Encolho os ombros.
— James não gostou da minha proposta. O que se pode
fazer?
— Você não precisa engolir isso sem reagir — oferece
Barbara, ao lado da pia.
— Como assim?
— Passe por cima dele — diz ela.
— O quê, e falar com Marlen?
— É — contribui Tory. — Ele sempre diz em nossas
reuniões que gosta de ouvir as ideias novas de qualquer
membro da equipe, apesar de ser o CEO. E se você
levasse a sua proposta diretamente para ele? Talvez ele
reverta a decisão de James e lhe dê a promoção…
Um mês atrás, eu teria saltado ante a menor
possibilidade de uma segunda chance para uma vaga na
diretoria. Agora, porém…
— Não. Dane-se a promoção.
Tory e Christina trocam uma expressão boquiaberta de
choque.
— Henley, é você mesmo? Ou isso é uma ameba
devoradora de cérebros falando? — indaga Christina, me
olhando como se fosse uma médica examinando uma
paciente terminal.
— Dane-se — enuncio calmamente. — Isso vai muito
além da promoção. Eu fiz algo lá nas Galápagos, algo de
bom.
A visão do tentilhão bebê morto, a gratidão de Doug e
Analisa e os rostos entusiasmados dos hóspedes quando
tiveram a chance de contribuir passam por minha mente
e eu me endireito.
— Eu vou procurar Marlen, mas não se trata mais da
promoção. Trata-se de assumir uma posição por algo que
pode de fato fazer diferença no mundo.
Tory assente, as bochechas se encolhendo num sorriso
amplo.
— Como podemos ajudar? — pergunta Barbara.
— Bem, para começar, qual é o melhor jeito de
conseguir uma reunião com Marlen?
— Deixe eu colocar em prática minha magia de
assistente-executiva.
Barbara se vira para sair, mas eu a seguro pelo braço.
— Barb, por que você está me ajudando? Não que eu
não esteja agradecida, mas… por quê?
Barbara e eu nos damos bem, mas não somos
exatamente amigas. Nunca passamos tempo juntas fora
do trabalho e, tirando nossas conversas irônicas sobre
James, não conversamos muito.
Os lábios carnudos dela se curvam.
— Você me lembra de mim quando eu era mais nova.
Antes que a vida me jogasse alguns bebês e um ex-
marido e minhas esperanças de uma faculdade e uma
carreira satisfatória saíssem pela janela. Não era meu
sonho ser secretária, sabe? Mas agora eu posso viver
indiretamente por você.
— Não está tarde demais. Você sempre pode voltar a
estudar, tirar um diploma…
Ela sacode a cabeça.
— Não se preocupe comigo. Este é o seu momento. Só
não desista sem lutar.
Ela sai do banheiro a passos largos.
Christina se adianta.
— O que podemos fazer para ajudar?
Esfrego o maxilar enquanto começo a andar de um
lado para o outro.
— Se eu vou apresentar a ideia para Marlen, não posso
me limitar às Galápagos. Vou aumentar o escopo. E se eu
propusesse a criação de uma iniciativa de preservação
para a empresa toda, algo que toque todas as regiões em
que operamos? Uma guinada para o ecoturismo?
— Algo como uma campanha de rebranding da
empresa toda? — diz Christina.
Eu concordo.
Tory solta o ar lentamente num sopro.
— Isso é complicado. Você teria que identificar
organizações com quem poderíamos firmar parcerias em
todas as regiões, de preferência ongs que coincidam com
nossos itinerários. Depois, temos os custos de manejar
as doações dos hóspedes e a estrutura legal para nos
proteger dos riscos. Teríamos que atualizar o site, todo
nosso material impresso…
Meus ombros desabam.
Tory saca seu celular e digita na tela.
— Um segundinho, deixe-me fazer uma ligação. Oi,
meu bem — diz ela ao telefone, indo para o canto mais
distante no banheiro e murmurando baixinho.
Meu telefone apita. Uma notificação surgiu. Almoço c/
Walsh em 10 min. Disparo uma mensagem de texto
rápida para ela, avisando que talvez o almoço esteja
cancelado e pedindo para ela aguardar.
Tory volta e desliza o telefone no bolso de trás.
— Contei para Michelle sobre a sua ideia e ela diz que
vai ajudar. Ela pode nos aconselhar quanto a alguns dos
aspectos legais e eu posso analisar os números.
A porta do banheiro se abre outra vez e Barbara
ressurge.
— Conversei com Rose, a assistente-executiva de
Marlen. Consegui uma reunião com Marlen para você na
manhã desta quinta-feira, às dez. Desculpe ser tão já,
mas era a única abertura que ele tinha nas próximas
duas semanas.
Minha pulsação acelera. É daqui a menos de quarenta
e oito horas.
— Obrigada, Barbara. Você é a melhor!
— Reunião de planejamento na sua casa esta noite? —
diz Christina, afastando-se do balcão e esfregando as
mãos. — Tory, está bom assim para você e Michelle?
— Mas é claro.
— Barb, você tá dentro? — acrescenta ela.
Barbara assente.
— Não perderia por nada.
Três pares de olhos me estudam cheios de expectativa
e me flagro com os meus cheios d’água.
— Vocês não sabem o que isso tudo significa para mim.
Os lábios se torcendo, Tory passa um braço em torno
de mim, bem quando Christina faz o mesmo. Eu
correspondo aos abraços. Como é que eu dei tanta sorte
de ter amigas tão boas?
— É hoje, então.
Meu telefone vibra no bolso. Walsh está ligando. Eu
atendo.
— Oi…
— Oi pra você também! O que está havendo? O que
aconteceu com o almoço?
— Eu fiquei sabendo da promoção. Não consegui, mas
estou passando para o plano B. Christina, Tory e algumas
outras pessoas vão lá em casa mais tarde para me
ajudar a preparar uma apresentação para o nosso CEO.
— Você tá bem?
Com minha irmã do lado e minhas amigas me
apoiando…
— Sabe do que mais? Estou, sim.
26
Caro leitor
Obrigada por ler Rivais a bordo! Espero que tenha
gostado da história de Henley e Graeme tanto quanto eu
amei escrevê-la. Embora Rivais a bordo seja uma obra de
ficção, a maioria dos cenários descritos se baseiam em
locais reais nas Galápagos. Existem mesmo cafés ao
longo da beira da praia em Puerto Baquerizo Moreno, na
Ilha de San Cristóbal, embora sem o milkshake ruim da
Walsh (ainda assim, não beba a água de lá — incluindo
os cubos de gelo). Você pode fazer uma trilha para
Suarez Point e praticar mergulho livre na baía Gardner ou
na Ilha Española e deixar um cartão-postal no histórico
barril postal na Ilha Floreana. Na Ilha Santa Cruz, é
possível observar as tartarugas selvagens em seu habitat
natural e existe mesmo uma galeria de arte com vidro
reciclado maravilhosa na cidade principal de Puerto
Ayora. E os degraus que levam ao ponto mais elevado da
Ilha Bartolomé presenteia o visitante com uma paisagem
deslumbrante mesmo.
Apesar de a Aventuras Seaquest ser uma empresa
fictícia, há pequenos cruzeiros de aventura que operam
nas Galápagos e por todo o mundo. Se você tem os
meios e a oportunidade de viajar e estiver considerando
agendar um cruzeiro, eu o incentivo a pesquisar suas
opções. A Lindblad Expeditions, por exemplo, é líder há
muito tempo em sustentabilidade e viagens responsáveis
e ecológicas (e minha preferida, pessoalmente).
Quanto a outros locais, a estação de pesquisa e o
centro de reprodução de tartarugas que Henley e
Graeme visitam são fictícios, mas inspirados na Estação
de Pesquisa Charles Darwin e no centro de reprodução de
tartarugas do Diretorado de Parques Nacionais das
Galápagos em Puerto Ayora, na Ilha Santa Cruz.
Mas, tirando essas curiosidades, um dos elementos
mais importantes que incluí em Rivais a bordo não é nem
um pouco fictício, embora eu desejasse que fosse. A
mosca parasita Philornis downsi é bem real, assim como
o impacto que ela e outras espécies invasivas levadas
pelo ser humano causam nas ilhas. Eu soube de espécies
invasivas como a Philornis pela primeira vez em meu
trabalho cotidiano, atuando no reino da filantropia
corporativa, mas só quando tive a oportunidade de viajar
para as Galápagos em 2013 pude compreender de
verdade a importância de administrar as espécies
invasivas para proteger a vida selvagem nativa.
Parte da maravilha das Galápagos é a chance que ela
oferece de se conectar profundamente com a natureza
de um jeito que nem sempre está disponível. Como nas
Galápagos há tão poucos predadores naturais, e as
pessoas só começaram a chegar àquelas ilhas por volta
de 1535, a vida selvagem local evoluiu sem desenvolver
um medo inerente de seres humanos. Quando foi a
última vez que você se aproximou de um pássaro e ele
não saiu voando? Passou por uma iguana e ela apenas
virou o rosto para o sol, em vez de correr para baixo de
um arbusto? Ou mergulhou com leões-marinhos e
pinguins (pinguins?!) inquisitivos, em vez de assustados?
Esses são alguns dos encontros especiais com a vida
selvagem que vivenciei nas Galápagos, e eles criaram
raízes em meu coração e tocaram minha alma.
Explorar as Galápagos me ajudou a entender que
estamos todos conectados — seres humanos, plantas,
animais, oceano, ecossistemas. Os lugares selvagens do
mundo estão desaparecendo, então é muito fácil nos
imaginar existindo separadamente do mundo natural;
entretanto, os seres humanos desempenham um papel
crítico na saúde do planeta. Nossas ações podem ter
consequências negativas (mudanças climáticas, poluição,
extinções em massa etc.), mas o que eu achei mais
inspirador nas Galápagos foi a prova de que as pessoas
são também capazes de catalisar mudanças positivas.
Tudo se resume ao que você escolhe fazer.
O povo das Galápagos, por exemplo, optou por entrar
em ação para proteger o Patrimônio da Humanidade da
Unesco que é seu lar. Em minhas viagens, conheci
artesãos locais que usam materiais reciclados, como
papel e vidro, para criar belas peças de arte e, ao mesmo
tempo, reduzir a quantidade de detritos nas ilhas. Vi
tartarugas-gigantes em pessoa — répteis que, nem
cinquenta anos atrás, estavam à beira da extinção — e
conheci os cientistas que estão se empenhando muito
para preservá-los, assim como outras espécies
endêmicas. Aprendi sobre os esforços do Diretorado de
Parques Nacionais das Galápagos para monitorar a
Reserva Marinha das Galápagos e evitar a pesca ilegal. E
falei com crianças numa escola de Santa Cruz
apaixonadas por seu papel como guardiãs ambientais.
Pesquisadores, cientistas, ongs, organizações
governamentais, lideranças locais e membros da
comunidade nas Galápagos estão trabalhando juntos
para reduzir a poluição por plásticos, controlar espécies
invasivas e restaurar habitats naturais. E seus esforços
estão fazendo uma diferença tangível. O que me faz
pensar: o que nós podemos fazer para causar um
impacto positivo no mundo?
Ao escrever Rivais a bordo, para mim era importante
criar uma personagem que se sentisse tão inspirada por
sua experiência nas Galápagos quanto eu me senti, e
que promovesse a preservação dentro de sua própria
esfera. Mas nem todos nós precisamos ser como Henley
e lançar uma iniciativa de preservação global para criar
uma mudança real. Todos nós fazemos escolhas todos os
dias, e mesmo escolhas pequenas podem se somar e
fazer uma grande diferença, desde que pessoas
suficientes se unam a elas.
Podemos escolher canudos, utensílios, sacolas de
compras e garrafas de água reutilizáveis, em vez das
variedades plásticas de uso único. Podemos comer
menos carne a cada semana, especialmente bovina e
suína, e optar por peixes de pesca sustentável para
reduzir nosso impacto sobre o oceano. Podemos escolher
comprar em empresas mais ecológicas e apoiar
produtores locais. Podemos reciclar e podemos usar o
transporte público, bicicletas ou caminhar sempre que
viável, em vez de usar o carro.
Para aqueles que tiverem os meios financeiros e a
inclinação, é possível optar por fazer uma doação
monetária para sua instituição sem fins lucrativos ou de
caridade preferida. Se após ler Rivais a bordo você por
acaso se sentir inspirado a contribuir com os esforços de
preservação nas Galápagos, duas organizações que
realizam um trabalho vital são a Fundação Charles
Darwin (www.darwinfoundation.org) e a Galapagos
Conservancy (www.galapagos.org), entre outras.
Num nível mais pessoal, podemos fazer a diferença ao
escolher a empatia em vez da divisão. Ao ouvir, em vez
de gritar. Ao levar os outros em consideração, em vez de
agir em interesse próprio. Podemos escolher olhar para
fora de nós mesmos e agir de forma a causar um
impacto positivo sobre nossos vizinhos, nossas
comunidades, nosso ambiente e o mundo em geral.
Meu desejo para você, leitor, é que encontre sua faísca
de inspiração que leve a uma conexão mais profunda
com o planeta. Para mim, isso ocorreu quando viajei para
as Galápagos. Para você, pode ser sair de casa, explorar
seu próprio quintal ou um parque local, e deixar que os
milagres da natureza inebriem a sua alma.
O mundo é um lugar grande, belo e complicado, e
espero que você descubra sua própria fatia de
deslumbramento nele.
Angie
Agradecimentos