Geografia e Literatura A Leitura Como Ferramenta
Geografia e Literatura A Leitura Como Ferramenta
Geografia e Literatura A Leitura Como Ferramenta
DE ENTENDIMENTO GEOGRÁFICO
RESUMO
A expansão de temas abordados pela Ciência Geográfica, nos faz refletir sobre a amplitude de novas
possibilidades que relacionam espaço e cultura. A literatura é uma expressão da arte, que carrega em
sua essência, pensamentos, percepções vivências e símbolos, retratando um mosaico de tempos
históricos acumulados ao longo dos séculos. Destaca registros e revela a construção/descrição dos
espaços, tornando o fenômeno destacado perpétuo em um recorte temporal. Como docentes em
formação, existe a necessidade de aprofundamento da leitura nos alunos de graduação em Geografia da
UEPB, visto que, há uma enorme carência de leitura por parte desses discentes. Durante o
desenvolvimento dos conteúdos ministrados nas disciplinas, percebe-se uma grande dificuldade em
interpretação textual e contextualização histórica dos temas abordados por parte da grande maioria dos
nossos alunos. Sabemos que a literatura mundial, principalmente a clássica, está repleta de leituras que
descrevem de maneira magistral a realidade histórica de uma época e trazem em sua essência discussões
geográficas imprescindíveis para o entendimento da organização mundial. O trabalho é estritamente
teórico e a metodologia utilizada foi fenomenologia, abordando a literatura enquanto um fenômeno
social, produzido a partir de perspectivas espaciais e contextualização histórica, nos revelando as
múltiplas facetas incorporadas aos textos literários, fundamentando os temas propostos na literatura
ficcional. Dessa forma, é exposta a dificuldade interpretativa dos alunos e sua correlação com os temas
abordados na academia, o que revela a necessidade de suporte bibliográfico ficcional para
complementação e entendimento das leituras acadêmicas.
INTRODUÇÃO
1
Mestre em Geografia e Professora do Curso de Licenciatura Plena em Geografia da Universidade Estadual da
Paraíba - UEPB [email protected];
2
Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB [email protected];
3
Mestre em Eduação pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB [email protected]
A abordagem aprofundada do subjetivismo da paisagem pela Geografia é recente.
Somente por volta de 1970, começa realmente a ser encarada como dado científico, sendo, dessa
forma, introduzida no contexto das análises acadêmicas. A paisagem revela-se assim, como
sendo resultado das manifestações culturais que orientam funcionalidades e redimensionam o
espaço urbano com forte influência da cultura presente no grupo. Paralelo a isso, a geografia
crítica aprofunda suas abordagens acerca dos conceitos geográficos, emergindo com destaque
o conceito de território.
Com a ampliação dos estudos culturais, a Geografia Crítica colocou em seu escopo as
análises literárias. Esse tipo de análise, através da denúncia social, influenciava as pessoas,
influenciando o surgimento de um pensamento crítico, oposto ao da ideologia vigente. O viés
literário, discute e aprofunda temas como: feminismo, regimes de governo, guerras,
teocracismo, entre outros. Traz à baila discussões que servem para transformação social, lutas
e engajamento. O viés literário incentiva os leitores à criticidade, fazendo oposição à literatura
meramente descritiva.
No Brasil, a literatura vem sendo discutida pela Geografia Cultural com maior
intensidade desde a década de 1970, porém ainda a passos lentos. Poucos geógrafos se
interessam pelo assunto no país, como A. Bastos, R. Haesbaert e C. Monteiro, além de
referimentos sobre o assunto nos livros de Côrrea e Rosendahl que são atuais expoentes da
Geografia Cultural brasileira (CÔRREA, 1998; CÔRREA e ROSENDAHL, 2007). Diante do
visível emprego da literatura de forma instrumental e da valorização do romance realista,
germina a ideia que suscita o espaço nos elementos dos textos literários, com a indicação que o
espaço não é só descrito e exposto, mas condiciona à escrita de forma única. Criticando os
movimentos anteriores, Brosseau explicita:
Em suma, a maioria dos trabalhos mostra uma utilização transitiva que se apoia em
uma concepção instrumental da literatura, segundo a qual sua pertinência enquanto
objeto precisava ser procurada fora dela mesma. É legítimo recorrer a ela em razão de
uma finalidade externa: aquilo que ela pode nos ensinar sobre o mundo. Este caráter
instrumental – que é difícil de se contornar – repousa, evidentemente, em motivos
diferentes, mas as razões frequentemente são as mesmas, servindo as suas respectivas
causas: para uns, a literatura serve como fonte de informações; para outros, serve para
colocar o homem no centro das preocupações; ou, ainda, para criticar o status quo,
tendo em vista uma melhor justiça social (BROSSEAU, 2007a, p. 60).
A cultura não fala somente do espaço, fala também da natureza. É a partir dessa
interação, que os homens atuam em seu ambiente, criando estruturas simbólicas. A arquitetura,
a escultura, a pintura, o teatro e os livros (registros históricos, romances, novelas, contos,
distopias) são de fundamental importância para compreensão das identidades culturais e
territoriais de um povo.
Para Santos, (2008) as rugosidades são marcas na paisagem que mostram como as ações
humanas e as sociedades vão imprimindo suas construções ao espaço geográfico, registrando
suas atividades, seus costumes, suas ideias, seus sentimentos, suas percepções, suas tecnologias,
suas culturas. Partindo desse pressuposto, as abordagens literárias, principalmente esses autores
mais antigos, que retratam aspectos e abordagens históricas em seus escritos, são considerados
clássicos, pois suas obras perpassam a temporalidade dos anos, sem perder características de
atualidade.
Assim, o território constitui um conceito dialético, configurado pela unificação de
opostos que se complementam entre si. Dentro de um mesmo espaço convivem diferentes raças,
religiões, classes sociais, orientações sexuais, mostrando como a construção territorial carrega
uma multipolaridade de ações e construções simbólicas no seu interior. A partir da revolução
industrial houve um aceleramento na estrutura econômica mundial, favorecendo alterações
geopolíticas e territoriais.
Deste modo, os livros tornam-se uma rica fonte de conhecimento sobre localidades e/ou
indivíduos descritos neles, como Claval afirma “o romance torna-se algumas vezes um
documento: a intuição sutil dos romancistas nos ajuda a perceber a região pelos olhos de seus
personagens e através de suas emoções”. (CLAVAL: 2014, p. 63) Através de uma linguagem
diferente da científica, a literatura aborda fatos cotidianos, criticam ou exaltam características
socioeconômicas e assim, cria paisagens que podem se comunicar com a ciência geográfica.
Das oito leituras selecionadas para a pesquisa, serão trazidas à baila nesse artigo, apenas
três obras literárias que abordam o conceito de território e sua importância para a (des)
construção de recortes regionais.
METODOLOGIA
Durante a leitura das obras, além dos fatos descritos, temos contato com a percepção
das personagens e isto deve ser levado em conta, pois “as essências não têm existência alguma
fora do ato de consciência que as visa e do modo sob o qual ela os apreende na intuição”
(DARTIGUES, 2008, p. 22).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A literatura possui caráter plural, cada obra carrega o DNA do escritor, sua percepção e
visão de mundo. Os diferentes estilos literários, gêneros e escritas, fornecem um grande material
de aporte intelectual para a Geografia. Tuan 2012, mostra que a literatura, fornece informações
detalhadas de épocas e paisagens, além da forma com que cada ser humano percebe o espaço
vivido no qual está inserido.
Para a Geografia, os textos literários podem ser compreendidos como sujeito, sendo este
totalmente ficcional por natureza, então os compreendemos como:
São, assim, veículos através dos quais a personalidade dos lugares e regiões, a
identidade socioespacial, a experiência e o gosto pelos lugares, as diferenças e
semelhanças entre lugares e regiões, assim como o desvelamento da organização
sócio-espaciais são explicitados em uma linguagem não-científica (CÔRREA, 1998,
p. 59).
Como resultado das leituras das obras selecionadas, foram preparadas para esse artigo,
três resenhas que destacam a importância das análises literárias em geografia. A percepção de
recortes temporais, mudanças culturais e vários cenários diferentes do planeta terra são
levantados nessas discussões. Para Oliveira,
A literatura como as demais expressões de arte – música, teatro, cinema e etc. – é uma
via onde os pensamentos, percepções, vivências e símbolos, construídos ao longo da
história dos indivíduos são relatados e registrados para a posteridade, revelando
símbolos construídos e descrições sobre localidades, tornando o fenômeno destacado
em um recorte temporal. (OLIVEIRA, 2018:p.9)
A seguir, discutiremos um pouco da percepção que cada obra trouxe ao grupo, revelando
o caráter multiplural dos temas e assuntos abordados. Cada texto será analisado de maneira
individual, ficando para um momento posterior, a construção de artigos para publicação
referentes a cada obra, bem como a interposição de temas semelhantes destacados nos textos.
ATWOOD, Margareth. O Conto da Aia. Tradução Ana Deiró. Rio de Janeiro: Rocco,
2017. 365 pg.
Portanto, a obra nos faz refletir sobre o funcionamento social, sobre as relações
paternalistas existentes, sobre o papel da mulher (se é que existam realmente papéis masculino
e feminino), sobre o território como um todo. Deixa-nos claro, que o território é acima de tudo
relação de poder, ou seja, a dominação sobre as pessoas se dá a partir da definição de fronteiras;
verdadeiros limites que nos prendem ou nos mantém ligados (in) diretamente aos mais variados
locais existentes no mundo.
LEE, Harper. O sol é para todos. 19ª edição. Tradução Beatriz Horta. Rio de Janeiro,
José Olímpio, 2017. 350 pg.
Atticus Finch era um pai presente sempre que podia. Por ser advogado, passava o dia
no tribunal de Maycomb.. Um dia, se viu num caso, no qual ele fora advogado de defesa de um
negro. Para a época, Atticus virara motivo de chacota, pois um homem branco defender um
negro, sobretudo num caso de estupro, era inadmissível. Seus filhos passaram a ser apontados
na rua e não entendiam o porquê, tendo a mesmo explicado a situação para eles.
O dia do julgamento fora o mais esperado pela população da cidade. No tribunal negros
e brancos não se misturavam, cada cor tinha seu lado de ocupação. O julgamento durou o dia
inteiro e, Atticus conseguiu provar a inocência do seu cliente, cuja acusadora, havia se atraído
por ele, mas não teve sucesso no flerte e, quando o pai dela viu a cena, espancou a mesma,
obrigando-a incrimina-lo. Mesmo assim, a palavra de um branco, mesmo sendo mentira, valia
mais que uma de negro e, assim, o pobre Tom Robinson fora condenado e preso.
O sol é para todos nos traz relatos de situações ocorridas num período histórico diferente
do nosso, mas que contém algumas semelhanças com nossa realidade. Mostra-nos a
ingenuidade das crianças, a honra e moral da sociedade da época, como também os preconceitos
e machismo existentes. Portanto, o autor, nos proporcionou correlacionar as situações descritas
em sua composição, com nossas próprias relações familiares, pessoais, conjugais ou
trabalhistas, de modo que pudéssemos perceber, que algumas coisas nunca mudaram de fato na
sociedade.
SALIH, Tayeb. Tempo de Migrar para o Norte. Tradução: Safa Abdou – Chalha
Jubran. 2ª ed. São Paulo: TAG/Planeta do Brasil, 2018. 175 pg.
O romance Tempo de Migrar para o Norte, conta as histórias de Mustafa Said, que se
viu dividido entre dois continentes: Europa e África. Reflete sobre o colonialismo britânico na
África, além de tecer críticas ao governo sudanês no pós colonialismo. Se passa num povoado
às margens do Rio Nilo e mostra-nos traços da cultura, religião e comércio local.
Mustafa Said fora um órfão de pai, cuja relação afetiva com a mãe era distante. Sua
jornada iniciou-se cedo, ao adentrar a escola pela primeira vez. Era uma mente inteligentíssima,
o que levou-o a mudar-se para outro estado. Teve tutores no Cairo, o que permitiu sua expansão
intelectual. Após o Cairo, fora para Londres onde tornou-se um devasso e acusado de crimes
contra a honra.
O narrador desconhecido fora o escolhido pelo autor, para conhecer toda a história de
Mustafá e, posteriormente, o incumbido de tomar conta de sua esposa e filhos. Ao contar toda
sua trajetória e dividir seus erros, Mustafa some, e ao que tudo indica, ele tira a própria vida,
sumindo nas águas do Rio Nilo.
A narrativa explora os momentos políticos vividos pelo narrador e por Mustafa, que
embora parecidos, aconteceram em épocas diferentes. Said, presenciou a África colonizada por
ingleses, enquanto o narrador, viveu o governo próprio africano, ambos mostrando as tensões
sofridas pela modernização e resistência dos costumes e políticas do país.
Assim, após a leitura e análise dessas obras, entendemos que, o território social, tanto
quanto o físico, demonstraram nas narrativas, o quanto as relações de poder ainda interferem
em nossas decisões, em nossas alocações e costumes. Portanto é necessário que reflitamos os
processos de estruturação social para podermos compreender as relações e dominação de iguais,
uns sobre os outros, que se dão, na maioria das vezes, através da detenção territorial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme discutido, a literatura conta a visão dos diferentes autores como reflexão ou
crítica, aponta o simbolismo e/ou a percepção, são olhares geográficos sobre a paisagem. No
caso específico das obras selecionadas para esse trabalho, o conceito de território é explorado
sob diferentes perspectivas, diferenças entre ocidente e oriente, o território da segregação racial
americana, delimitando espaços a serem utilizados, regimes totalitários teocráticos, viagens,
percepções e busca de entendimento, a política como divisor territorial e articulador econômico,
classes, castas e segmentação são temas relevantes e atuais.
Por fim, pode-se entender como a Literatura atua em conjunto com a Geografia,
formando uma sobreposição de recortes temporais, auxilia na prática da leitura e, por
consequência, na formação do discente. Entende-se que o leitor é um transmissor de
conhecimento, indiretamente atuando na perpetuação do hábito de ler.
REFERÊNCIAS
ATWOOD, Margareth. O conto da Aia. Tradução Ana Deiró. Rio de Janeiro: Rocco, 2017. 365
pg.
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CÔRREA, R. L., ROSENDAHL, Z. Literatura, música e espaço: Uma introdução. In:
CÔRREA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (orgs.). Literatura, música e espaço. 1 ed.
Rio de Janeiro: EdUERJ, 2007. P. 7-16. Coleção Geografia Cultural; 14.
CROCETTI, Z. Geografia e poder: a dialética do território. In: MARANDOLA JR, E.; SALVI,
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DARTIGUES, A. O que É a Fenomenologia? Tradução de Maria Jose J. G. de Almeida. 10 ed.
São Paulo: Centauro, 2008. 154 p.
LEE, Harper. O sol é para todos. 19ª edição. Tradução Beatriz Horta. Rio de Janeiro, José
Olímpio, 2017. 350 pg.
LIMA, A. B. M. O que é fenomenologia? In: LIMA, Antonio Balbino Marçal (org.). Ensaios
sobre fenomenologia: Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty [eletrônico]. Ilhéus: Editus, 2014.
ISBN: 978-85-7455-444-0
OLIVEIRA, M. L. DE. Geografia e Literatura: o conceito de território na trilogia Jogos
Vorazes. TCC (Graduação em Geografia). UEPB/CH/DG, Guarabira, 2018. 1 vol., il. 38 f.
SALIH, Tayeb. Tempo de Migrar para o Norte. Tradução: Safa Abdou – Chalha Jubran. 2ª ed.
São Paulo: TAG/Planeta do Brasil, 2018. 175 pg.
SANTOS, M. Por uma outra globalização. Do pensamento único à consciência universal. 17ª
ed. Rio de Janeiro: Record, 2008. 175 pg.
TUAN, Y-Fu. Topofilia – um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente.
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