Madame - E. L. James

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DADOS DE ODINRIGHT

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Copyright © 2023 by Erika James Ltd

título original

The Missus

copidesque

Ilana Goldfeld

revisão

Nina Lopes

design de capa

E L James

Brittany Vibbert/Sourcebooks

adaptação de capa

Lazaro Mendes

imagens de capa

E L James

produção de e-book

Pablo Silva

e-isbn

978-65-5560-621-8

Edição digital: 2023

Todos os direitos desta edição reservados à

Editora Intrínseca Ltda.

Av. das Américas, 500, bloco 12, sala 303

22640-904 – Barra da Tijuca

Rio de Janeiro – RJ

Tel./Fax: (21) 3206-7400

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editoraintrinseca

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Sumário
[Avançar para o início do texto]

Capa

Folha de rosto

Créditos

Mídias sociais

Dedicatória

Capítulo Um

Capítulo Dois

Capítulo Três

Capítulo Quatro

Capítulo Cinco

Capítulo Seis

Capítulo Sete

Capítulo Oito

Capítulo Nove

Capítulo Dez

Capítulo Onze

Capítulo Doze

Capítulo Treze

Capítulo Quatorze

Capítulo Quinze

Capítulo Dezesseis

Capítulo Dezessete

Capítulo Dezoito

Capítulo Dezenove

Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um

Capítulo Vinte e Dois

Capítulo Vinte e Três

Capítulo Vinte e Quatro

Capítulo Vinte e Cinco

Capítulo Vinte e Seis

Capítulo Vinte e Sete

Capítulo Vinte e Oito

Capítulo Vinte e Nove

Capítulo Trinta

Capítulo Trinta e Um

Capítulo Trinta e Dois

Epílogo

Poema

As Músicas de Madame

Agradecimentos

Sobre a autora
Para D, com amor.
Capítulo Um

Meus passos ecoam de forma insistente no piso iluminado, e

meus olhos começam a piscar diante da claridade implacável

das lâmpadas fluorescentes.

— Por aqui — indica a médica do pronto-socorro.

Ela para e me conduz até uma sala fria e mal iluminada —

o necrotério do hospital.

Em uma maca, embaixo de um lençol, jaz o corpo fraturado

e sem vida de meu irmão.

O choque é avassalador. Sinto meu peito apertado, como se

estivesse sugando a última lufada de ar dos meus pulmões.

Nada teria me preparado para isso.

Kit, meu irmão mais velho.

Meu porto seguro.

Kit, o décimo segundo Conde de Trevethick.

Morto.

— Sim. É ele — respondo, a boca seca.

— Obrigada, Lorde Trevethick — sussurra a médica.

Merda. Ela está falando de mim!

Baixo o olhar para Kit.

Só que não é ele. Sou eu deitado na maca… ferido e

quebrado… frio… morto.

Eu? Como?

De repente, observo Kit se inclinar e dar um beijo em

minha testa.

— Adeus, seu filho da puta — diz ele com a voz áspera, o

esforço por segurar as lágrimas pesando em sua garganta. —


Você consegue dar conta. Foi para isso que você nasceu.

Ele abre um sorriso torto e sincero, que reserva para os

raros momentos em que está fodido.

Kit! Não! Você entendeu tudo errado.

Espere!

— Você consegue, Reserva — continua Kit. — Você é o

sortudo número treze.

Seu sorriso se dissipa, e ele desaparece. Estou mais uma

vez encarando-o, me inclinando sobre meu irmão enquanto

ele dorme. Mas, dessa vez, seu corpo machucado indica que…

ele não está dormindo… ele está… morto.

Não! Kit! Não! Não consigo falar, a garganta apertada de

tristeza.

Não! Não!

* * *

Eu acordo e meu coração está acelerado.

Onde estou?

Levo um milésimo de segundo para me orientar conforme meus

olhos se adaptam à penumbra. Alessia está enroscada em mim, a cabeça

em meu peito e uma das mãos em meu abdômen. Respiro fundo,

tomando fôlego, e sinto o pânico retroceder, como o bater suave das

ondas de um mar tranquilo.

Estou em Kukës, no norte da Albânia, na casa dos pais de Alessia.

Do outro lado do lago, a alvorada se insinua pelo céu.

Alessia está aqui. Comigo. Segura e dormindo profundamente. Com

cuidado, abraço um pouco mais seus ombros e beijo seu cabelo,

inspirando seu perfume. O tênue bálsamo de lavanda, de rosas e de

minha garota tão doce acalma e provoca meus sentidos.

Meu corpo se inflama. O desejo, quente e profundo, desce até minha

virilha.

Eu quero essa mulher. De novo.


Este desejo é novidade, mas está se tornando parte de mim, e ganha

força quando estou perto dela. Alessia é tão linda e cativante que anseio

por ela como se fosse um vício. Resisto ao ímpeto de acordá-la,

porém… ela atravessou os nove círculos do inferno.

De novo.

Merda.

Mantenho meu corpo sob controle e fecho os olhos à medida que a

raiva e o remorso reaparecem. Eu a deixei escapar. Deixei que aquele

babaca violento, seu “prometido”, a roubasse de mim. O que ela

aguentou, eu não quero descobrir, mas os cortes e hematomas em seu

corpo contam uma história horrorosa.

Nunca mais vou deixar isso acontecer.

Graças a Deus ela está segura.

Vou deixá-la dormir.

Começo a brincar de leve com uma mecha de seu cabelo, me

deliciando com a maciez dos fios. Levo-os até minha boca e roço pelos

lábios em um beijo terno.

Meu amor. Minha garota linda e corajosa.

Ela teve que passar por muita coisa em pouco tempo: ser vítima de

tráfico, não ter onde morar, conseguir um emprego… e se apaixonar por

mim.

Minha doce faxineira.

Que logo será minha noiva.

Fecho os olhos de novo, me aconchegando mais, procurando o calor

de Alessia, e adormeço.

* * *

Acordo de repente, por causa de… alguma coisa lá fora.

O que foi isso?

Já é tarde, a luz no quarto está mais clara.

— Alessia!

A mãe dela está chamando.


Merda! Nós perdemos a hora!

— Alessia! Acorde. Sua mãe está chamando. — Beijo sua testa, e ela

resmunga alguma coisa, enquanto me desvencilho de seus braços e me

sento. — Alessia! Vamos lá! Se seu pai nos encontrar, vai dar um tiro

em nós dois.

A lembrança do pai dela — e da sua espingarda na noite passada —

surge em minha mente.

Você vai se casar com a minha filha.

A mãe chama de novo, e Alessia abre os olhos, piscando para

espantar o sono. Ela se concentra em mim, toda descabelada, sonolenta

e excitante, e abre um sorriso enorme. Por um momento, me esqueço da

ameaça sombria de seu pai com o dedo no gatilho da espingarda.

— Bom dia, minha linda. — Acaricio sua bochecha, evitando o

arranhão que ainda está lá. Ela fecha os olhos e se aconchega na minha

mão. — Sua mãe está chamando você.

Seus olhos se abrem de repente e o sorriso desaparece, substituído

por uma expressão de alarme. Ela se senta, usando nada além da

pequena cruz de ouro.

— O Zot! O Zot!

— Isso. O Zot!

— Minha camisola!

Ouvimos uma batida abafada, mas apressada, na porta.

— Alessia! — sussurra a Sra. Demachi.

— Merda! Se esconde! Vou resolver isso. — Meu coração está

batendo freneticamente.

Alessia pula para fora da cama, linda com os braços e pernas nus,

enquanto me ponho de pé em um salto e me enfio na calça jeans. Para

falar a verdade, tenho vontade de rir: é como se estivéssemos em uma

comédia romântica ridícula. Uma coisa maluca. Somos ambos adultos e

logo estaremos casados. Olho de relance para Alessia — que está com

dificuldades para vestir a camisola preta —, ando sem fazer barulho até

a porta, abro uma fresta, finjo cara de sono e me deparo com a mãe dela.

— Sra. Demachi, bom dia.


— Bom dia, Conde Maxim. Alessia? — pergunta ela.

— Ela sumiu de novo? — Tento parecer preocupado.

— Ela não está na cama.

Alessia anda na ponta dos pés no piso de azulejos frio e desliza os

braços em volta da minha cintura ao mesmo tempo que espreita por trás

de minhas costas.

— Mama, estou aqui — sussurra ela em inglês, por minha causa,

acho.

Puta merda.

Fomos pegos em flagrante, e agora vou ser tachado de mentiroso pela

minha futura sogra. Encolho os ombros, para me desculpar com

Shpresa, que franze a testa sem nenhum traço de humor em sua

expressão.

Merda.

— Alessia! — sibila ela e olha nervosa para trás. — Po të gjeti yt atë

këtu!

— E di. E di — responde Alessia e, percebendo minha cara feia, me

fita de forma doce e ergue os lábios para os meus, me oferecendo um

beijo leve.

Ela sai de fininho pela porta, coberta pela camisola vitoriana, e me

lança um olhar ardente por cima do ombro enquanto segue a mãe escada

acima. Eu a perdoo por me expor como mentiroso para a mãe, e

permaneço ali, escutando as duas cochicharem em albanês. Não escuto a

voz do pai dela.

Acho que conseguimos nos safar dessa.

Bom, ele tinha dito que agora ela é problema meu. Balanço a cabeça

ao fechar a porta, irritado com essa ideia. Alessia não é um problema

meu, porra. Ela é uma mulher que sabe o que quer. Como ele pode

pensar uma coisa dessas? Isso me deixa irritado. Culturalmente, o pai

dela e eu estamos em polos opostos, e, por mais que eu queira respeitá-

lo, ele precisa aprender que estamos no século XXI. O motivo de Alessia

agir com cautela ao lidar com o pai é óbvio. Ela chegou a mencionar a
natureza explosiva dele durante nossa estadia na Cornualha. Na época,

disse que não sentia saudades dele, apenas da mãe.

Maldição. Quanto antes sairmos daqui, melhor.

Quanto tempo vai demorar para nos casarmos?

Talvez possamos escapulir para fazer isso.

Fugir para casar?

Nós podíamos nos esconder no hotel Plaza em Tirana enquanto

esperamos o passaporte novo e descobrir juntos os encantos da capital.

Mas quanto tempo teremos que esperar pelo novo passaporte? Tempo

suficiente para o pai dela vir atrás de nós com sua arma? Não sei, e de

qualquer maneira acho que Alessia não iria gostar da ideia. Porém, nos

encontrarmos em segredo, como dois adolescentes… é uma loucura. É

como se tivéssemos voltado no tempo, para vários séculos atrás, e não

tenho certeza de que serei capaz de aguentar isso por muito tempo.

Olho para o relógio. Ainda está cedo, então tiro a calça jeans e me

deito. Enquanto encaro o teto e penso sobre os últimos dias, minha

consciência é invadida por trechos de meu sonho mais recente.

Que porra foi aquela?

Kit?

Ele aprova que eu herde o título.

Será que é isso?

Será que ele aprovaria meu pedido de casamento precipitado e esse

casamento forçado?

Não, acho que não. Talvez o sonho signifique isso. Pensando bem,

acho que ninguém da minha família vai aprovar. Fecho os olhos,

imaginando a reação da minha mãe diante da novidade. Talvez ela fique

feliz de me ver casado… finalmente.

Não. Ela vai ficar furiosa. Tenho certeza.

Talvez meu sonho signifique que Kit está oferecendo sua

solidariedade.

Pode ser…

É.

O sonho era sobre isso.


A mãe está brava, e Alessia não sabe o que dizer para acalmá-la.

— O que você acha que estava fazendo? — rosna Shpresa.

Alessia arqueia uma sobrancelha.

— Alessia! — exclama a mãe, sabendo muito bem o que a filha está

tentando expressar. — Só porque aquele homem deu uma mordida na

sua maçã não quer dizer que você não deva esperar até se casar!

Mama!

— Se seu pai pegar vocês! — Ela suspira. — Acho que ele saiu,

talvez para procurar você. Era bem capaz de ele ter um ataque do

coração se soubesse o que você estava fazendo.

Exasperada, ela faz um gesto de desaprovação enquanto as duas

caminham pelo corredor, mas sua expressão parece mais calma quando

chegam à sala de estar.

— Você já está grávida, então… — Ela dá de ombros, resignada.

Devagar, um rubor perpassa o rosto de Alessia. Será que ela devia

contar à mãe que é mentira?

— Então, seu conde bonito está em boa forma. — Shpresa olha para

a filha com um sorriso provocador.

— Mama! — exclama Alessia.

— Ele tem uma tatuagem.

— Tem. É o brasão da família.

— Entendi.

Ela parece desaprovar, fazendo uma careta. Alessia dá de ombros. Ela

gosta da tatuagem.

A mãe sorri.

— Ele é bom para você… na cama?

— Mama! — A voz de Alessia sobe diversas oitavas com o choque.

— É importante. Eu quero que você seja feliz, e você deve fazê-lo

feliz. E não vai demorar muito para a criança chegar, e, bom…

A mãe bufa, liberando seu desapontamento em ondas, enquanto

Alessia a encara sem esboçar reação.


O que ela deve dizer? Que mentiu para os pais?

E foi isso que aconteceu com a mãe depois que Alessia nasceu?

Alessia não quer pensar nisso. Além do mais, está muito cedo para

esse tipo de conversa.

— Acho que ele está feliz — diz ela.

— Ótimo. Podemos conversar mais sobre esse assunto.

— Eu não quero conversar mais sobre isso — replica Alessia,

morrendo de vergonha.

— Você não tem nenhuma pergunta?

Alessia fica pálida só de pensar.

— Não!

— Imagino que seja um pouco tarde para isso agora. Mas, se você

tiver alguma pergunta, seu pai e eu…

— Mama! Pare! — Alessia põe as mãos nos ouvidos. — Eu não

quero saber.

A mãe ri, bem-humorada.

— É bom ter você de volta, meu coração. Senti tanta saudade. — Sua

risada desaparece e ela semicerra os olhos, mais séria. — Na noite

passada, fiquei revirando na cama. Estava pensando em algo que o Lorde

Maxim disse. Não consegui dormir de preocupação. — Sua voz vai se

apagando.

— O que é, Mama?

Ela respira fundo, como se fosse dizer algo particularmente

desagradável.

— Ele falou alguma coisa sobre tráfico sexual.

Alessia suspira.

— Ah, Mama, tenho muita coisa para contar para a senhora, mas

primeiro vou tomar um banho.

A mãe a envolve nos braços.

— Querida filha do meu coração — diz ela baixinho em seu ouvido.

— Estou tão feliz por você estar em casa. E segura.

— Eu também, mamãe. E nada de Anatoli, não mais.

Shpresa aquiesce.
— E seu noivo, ele tem um temperamento violento?

— Não. Não tem, não. Pelo contrário.

A mãe abre um sorriso.

— Você brilha como o sol no verão quando fala dele. — Ela pega a

mão de Alessia e, arqueando uma sobrancelha, admira o lindo anel de

noivado. — Ele tem dinheiro e bom gosto.

Alessia concorda e observa o diamante resplandecente em seu dedo.

Esse belo anel agora é seu.

Ela mal consegue acreditar.

— Vá tomar banho. Vou fazer pão e café.

* * *

Alessia está embaixo do chuveiro no banheiro da família, se deliciando

com a água quente. A pressão da água não é tão forte quanto na

Cornualha, mas ela aprecia o calor enquanto esfrega e limpa a pele. Essa

é a primeira vez em que se permite pensar sobre o que aconteceu nos

últimos dias.

Anatoli. Seu sequestro. A longa viagem até aqui. A brutalidade dele.

Alessia estremece. Anatoli não faz mais parte de sua vida, e ela se

sente grata por isso.

E foi bem-recebida em casa; até o pai admitiu que sentiu falta dela.

Alessia fecha os olhos enquanto esfrega vigorosamente o xampu no

cabelo, tentando afastar a culpa. Ela mentiu para os pais, e a

desonestidade pesa em sua consciência.

Ela não está grávida, mas será que deve contar a verdade?

O que o pai diria se soubesse? O que faria?

Ela levanta o rosto para o chuveiro e deixa a água percorrer o corpo.

E ainda há Maxim.

Alessia sorri enquanto a água escorre. Ele atravessou um continente

para encontrá-la e trouxe um anel para pedi-la em casamento. É muito

mais do que ela poderia sonhar ou esperar. Agora, precisa descobrir


como Maxim realmente se sente sobre ser forçado a casar ao estilo

albanês.

Ele não se opôs na noite passada.

Porém, ela gostaria que o pai tivesse sido menos insistente.

Alessia estaria mais feliz em Londres e teme que Maxim sinta o

mesmo. Quanto tempo levará até ele ficar entediado em Kukës? Ele está

acostumado a uma vida bem diferente, e não há muito o que fazer ali.

Talvez devam fugir de Kukës juntos. Eles podiam se casar na Inglaterra.

Será que Maxim concordaria com essa ideia? Alessia enxágua o

cabelo e fica imóvel de repente.

Não. Mama!

Alessia não pode deixar a mãe à mercê do pai. Precisa levá-la junto.

Será possível? Será que Maxim vai se opor? Afinal, Shpresa fala inglês

fluentemente. A mãe de Shpresa, Virginia, a querida avó de Alessia, era

britânica. Ela deve ter algum parente na Inglaterra, mas a avó nunca

comentou sobre os familiares ingleses, porque eles não aprovavam seu

casamento com um albanês.

Será que também vai ser assim com a família de Maxim?

Eles não vão me aprovar?

Ela sente um calafrio descer pelas costas. É óbvio que não vão

aprovar Maxim se casar com a faxineira, uma estrangeira sem um tostão

furado. A frustração toma conta de Alessia.

O que ela pode fazer?

Talvez eles não devam se casar antes de ela conhecer a família de

Maxim e descobrir se será aceita ou não. No fundo, ela gostaria da

bênção dos parentes dele.

No entanto, primeiro tem que lidar com o pai e suas expectativas. Ele

é um homem teimoso, orgulhoso e temperamental e quer que os dois se

casem até o final da semana.

Será que isso é mesmo possível?

Ela esfrega o rosto. Há muita coisa para pensar e muita coisa para

fazer.
* * *

Quando Alessia entra na cozinha, sua mãe ergue o olhar da massa que

está preparando e a encara.

— Você parece diferente — comenta, deixando a massa de lado para

crescer.

— São as roupas? — Alessia dá um giro. Ela está vestindo uma saia,

uma blusa e um cardigã, peças que Maxim comprou para ela em

Padstow.

— É, pode ser. Mas você parece mais madura. — A mãe vai lavar as

mãos na pia.

— E estou mesmo — responde Alessia em voz baixa.

Ela atravessou a Europa nas mãos de traficantes de mulheres, ficou

desabrigada, morou em uma das cidades mais movimentadas do mundo

e se apaixonou… depois, viu tudo isso ser arrancado dela quando foi

sequestrada, e quase estuprada, pelo homem a quem fora prometida.

Alessia estremece.

Não pense nele.

— Café? — oferece a mãe.

— Sem açúcar para mim — responde ela e se senta à mesa.

Shpresa a observa, atônita.

— É bom?

— Você se acostuma.

Shpresa deixa uma xícara cheia de café na mesa para Alessia e se

senta do outro lado com uma xícara na mão.

— Me conte… O que aconteceu depois que botei você naquele

ônibus para Shkodër?

— Ah, Mama…

Os lábios de Alessia tremem conforme as lembranças do que ela

passou desde que deixou a Albânia inundam seu peito. Hesitante, entre

lágrimas, ela conta à mãe a história toda.


Acordo me sentindo renovado. O sol está alto no céu, e, ao olhar para o

relógio, vejo que já são nove e meia. Está tarde. Às pressas, enfio a calça

jeans, uma camiseta e um suéter. Em algum momento, vou ter que voltar

ao hotel e pegar minhas coisas. Porém, mais importante de tudo, preciso

saber como vai ser com nosso casamento forçado.

Na sala de estar, encontro Alessia e a mãe sentadas à mesa, chorando

baixinho.

Que porra é essa?

— O que houve? — Eu as pego de surpresa, minha ansiedade nas

alturas.

Alessia se apressa em secar as lágrimas e salta da cadeira direto para

os meus braços.

— Ei. O que foi?

— Nada. Estou feliz que você está aqui. — Ela me abraça.

Dou um beijo em sua testa.

— Eu também.

Shpresa se levanta e enxuga os olhos.

— Bom dia, Lorde Maxim.

— Bom dia. Humm… Só Maxim está bom. É o meu nome.

Ela sorri de leve.

— Café?

— Por favor.

— Sem açúcar, mamãe — se intromete Alessia.

Inclino o queixo de Alessia para cima e miro os olhos escuros e

tristes que testemunharam e sofreram coisas demais. Meu coração se

aperta.

Meu amor.

— Por que você está tão chateada?

— Eu estava contando à minha mãe tudo o que aconteceu depois que

saí de Kukës.

Um instinto de protegê-la se espalha como uma onda de energia por

meu peito, comprimindo-o, e eu a abraço mais apertado.


— Entendi. — Beijando seu cabelo, eu a aconchego junto a mim,

mais uma vez grato por ela ter sobrevivido a toda aquela experiência

penosa e angustiante. — Você está comigo agora, e não vou mais perder

você de vista.

Nunca mais.

Franzo a testa, surpreso com a intensidade dos meus sentimentos.

Não quero mesmo perdê-la de vista, ela já sofreu demais.

— Estou falando sério — acrescento.

Ela desliza a ponta dos dedos pela minha barba por fazer, e seu toque

reverbera por todo o meu corpo.

— Preciso fazer a barba. — Minha voz sai áspera.

Ela abre um sorriso.

— Eu gostaria de assistir.

— É mesmo? — Arqueio uma sobrancelha.

Os olhos de Alessia não estão mais desanimados, mas sim com um

brilho de quem está achando graça, além de uma emoção que me atinge

bem entre as pernas.

A Sra. Demachi está ocupada preparando café, fazendo barulho com

o pequeno bule, o que acaba com o clima entre mim e Alessia. Dou um

beijo no nariz da minha garota e, rindo como um bobo, volto minha

atenção para a mãe dela. Alessia se acomoda em meu peito enquanto

observo o elaborado processo acontecendo no fogão, que inclui um

pequeno bule de estanho, uma colher de chá comprida e o ato de ficar

mexendo a bebida com atenção.

A Sra. Demachi me oferece um breve sorriso.

— Sente-se — diz ela.

Então, solto a minha noiva, olho de relance para a espingarda na

parede e tomo meu lugar à mesa.

Alessia pega uma xícara e um pires do armário. Ela está vestindo a

saia jeans escura que compramos em Padstow, tão justa que me provoca,

com aquela bunda perfeita.

Ela é maravilhosa.

Eu me remexo na cadeira, e Alessia enche minha xícara.


— Seu café — diz ela, me encarando com os olhos escuros brilhando

de satisfação, e colocando a xícara na minha frente.

Ela sabe que eu a estou comendo com os olhos, e gosta disso. Sorrio

e, com o olhar fixo no dela, faço biquinho e sopro de leve a borda da

xícara. Ela abre um pouco a boca, ao mesmo tempo que inspira fundo, e

meu sorriso se alarga.

Você me provoca, mas eu também sei provocar.

A mãe de Alessia pigarreia, o que nos traz de volta para a cozinha.

Alessia ri e fala alguma coisa em albanês para a Sra. Demachi, que mexe

a cabeça para cima e para baixo, desaprovando a atitude da filha em

silêncio.

Tento dar um gole no café. Está pelando. É aromático e amargo, mas

agradável. A mãe de Alessia acende o forno e começa a abrir um tipo de

massa. Ela é rápida e eficiente e, em pouco tempo, corta a massa em

tiras e depois em quadrados. Sua velocidade é impressionante. Não é de

estranhar que Alessia cozinhe tão bem. Ela, aliás, se junta à mãe, e eu

observo, fascinado, quando as duas pegam a massa e formam pequenas

bolas com as mãos. O modo como se sentem à vontade na cozinha

lembra Jessie e Danny na Mansão Tresyllian, na Cornualha. A mãe

posiciona as bolinhas lado a lado em um tabuleiro, e Alessia passa leite

por cima, usando um pequeno pincel de plástico. A competência das

duas, a naturalidade com que trabalham juntas… é reconfortante

observar esse ritual doméstico.

Droga. Cadê minha educação?

— Posso fazer alguma coisa para ajudar? — oferece Maxim.

Alessia cuidadosamente balança a cabeça enquanto sua mãe faz o

gesto oposto, na vertical.

— Não, mamãe. Mexer a cabeça para cima e para baixo significa sim.

Shpresa ri.
— Nós não estamos acostumadas com a ajuda de homens na cozinha

— diz, os olhos brilhando de bom humor quando ela leva o tabuleiro ao

forno.

Alessia começa a pôr a mesa.

— Eu falei. Aqui, só as mulheres cozinham.

O café da manhã é um banquete delicioso de pão recém-assado. Estou

em meu quarto pão almofadinha com manteiga e geleia de frutas

vermelhas e meu segundo café quando ouvimos a porta da frente bater.

Alguns minutos depois, o Sr. Demachi aparece, com um terno tão

sombrio quanto sua expressão, que não revela nada. Shpresa fica de pé

num salto e começa a encher o bule de água.

Talvez ela precise de um bule maior.

Alessia se levanta, pega um prato e o coloca na cabeceira da mesa,

acompanhado de uma faca. Demachi se senta, e é óbvio que isso é

normal: ele está acostumado a ser servido, ter todos os seus caprichos

atendidos.

Humm… Eu também. Mas não pela minha mãe… nem pela minha

irmã.

— Mirëmëngjes — resmunga ele, me encarando, enigmático como

sempre.

— Meu pai está dando bom-dia para você — traduz Alessia e parece

achar graça.

Por que ela está achando isso engraçado?

— Bom dia. — Aquiesço para meu futuro sogro.

Ele começa a falar, e Alessia e a mãe escutam, hipnotizadas pela voz

profunda e melodiosa, enquanto ele lhes explica alguma coisa. Eu

gostaria muito de entender o que ele está dizendo.

Depois de um tempo, Alessia se volta para mim, os olhos arregalados

como se não estivesse acreditando naquilo que está prestes a me contar.


— Meu pai já organizou nosso casamento.

Mas já?

É a minha vez de ficar incrédulo.

— Me conte.

— Você só precisa do seu passaporte.

Nós nos entreolhamos, e acho que pensamos a mesma coisa.

Está parecendo fácil demais.

Meus olhos encontram os do Sr. Demachi, e ele levanta o queixo em

uma expressão carrancuda e arrogante, como se quisesse dizer “não fode

comigo”, me desafiando a discutir com ele.

— Ele esteve com o escrivão do… humm… cartório… de estados

civis. Não sei a tradução exata — diz Alessia. — Eles se encontraram

para tomar um café hoje de manhã. E combinaram tudo.

Em um domingo? Simples assim?

— Muito bem. Quando? — Mantenho a voz controlada, pois não

quero aborrecer o velho.

Ele tem pavio curto, quase igual ao do meu amigo Tom.

— Sábado.

Um arrepio de dúvida percorre as minhas costas.

— Tudo bem — respondo, e minha relutância deve me denunciar.

Nervosa, a atenção da Sra. Demachi vai de mim para o marido, e

depois para a filha.

Alessia diz algo para o pai, que grita com ela em resposta,

surpreendendo a todos. Ela empalidece, abaixa a cabeça e olha de

relance para mim, no que empurro minha cadeira para trás.

Ele não devia falar com ela desse jeito.

— Ele e o escrivão são bons amigos — explica Alessia, apressada. —

Velhos amigos. Acho que sei quem é. Já o vi antes. Meu pai disse que

está tudo arranjado. — É óbvio que ela está acostumada com as

explosões de raiva do pai, mas também parece desconfiada.

Assim como eu. Esse arranjo parece conveniente até demais.

Perplexo, me acomodo na cadeira de novo. Não quero provocá-lo.

— O que eu preciso fazer?


— Temos que nos reunir com o escrivão amanhã na bashkia, quer

dizer, na prefeitura, para responder a algumas perguntas e preencher

uma papelada.

Ela dá de ombros, parecendo tão apreensiva quanto eu.

Tudo bem. Vamos conversar com o tal escrivão.

* * *

No banho, lavando o cabelo debaixo daquele chuveiro antiquado, tenho

uma crise. Uma rápida busca na internet me mostrou que é muito mais

complicado um estrangeiro casar na Albânia do que o pai de Alessia fez

parecer. Existem formulários que devem ser preenchidos, traduzidos e

autenticados… e isso não passa de uma amostra bem pequena do que é

exigido.

O que o pai dela organizou?

Como ele conseguiu contornar todos os protocolos?

E, caso tenha mesmo conseguido, será que os procedimentos são

legais?

E se não são, como posso prosseguir com um casamento que

provavelmente não vai ser legal, e só para apaziguar um velho orgulhoso

e impaciente? Sei que ele será meu sogro, mas o que está pedindo

passou dos limites. Se é assim que o Sr. Demachi trata a filha, então

aquele discurso sobre honra que ele fez não vale nada.

Estou em um beco sem saída. Não posso partir sem Alessia, e sei que

o velho maldito não vai me deixar levá-la comigo. Ela precisa de um

passaporte e de um visto para voltar para a Inglaterra, e não faço ideia

de como nem onde conseguir isso. Provavelmente em Tirana. Não sei.

Se bem que ele me disse que agora ela era um problema meu.

Talvez eu possa interpretar o que ele disse ao pé da letra.

Desligo o chuveiro, ressentido e desorientado pela situação na qual

me encontro. E pela enorme poça que deixei no chão do banheiro. Não é

um bom sinal sobre as instalações hidráulicas na Albânia. Pego uma

toalha, me enxugo, visto minhas roupas e abro a porta.


Alessia está parada ali, ostentando o que parece ser um dispositivo de

limpeza de chuveiro de alta tecnologia. Caio na risada, surpreso e

satisfeito de vê-la, e sou transportado de novo para a época em que ela

estava em meu apartamento, usando seu medonho uniforme de náilon,

enquanto eu a observava às escondidas… e me apaixonava.

Ela ri e leva os dedos aos lábios.

— Ele sabe que você está aqui? — sussurro.

Ela balança a cabeça, coloca a mão direto em meu peito e me

empurra de volta para o banheiro. Ela solta o esfregão e na mesma hora

tranca a porta.

— Alessia — aviso, mas ela agarra meu rosto e aperta meus lábios

contra os seus.

O beijo é suave e doce, mas exigente, surpreendentemente exigente.

Quando sua língua encontra a minha, ela pressiona o corpo contra mim,

e fecho os olhos, abraçando-a e me deliciando com seu beijo. Seus

dedos deslizam por meu cabelo molhado, e seus lábios se tornam mais

insistentes, puxando os meus com força. É um despertador para o meu

pau impaciente.

Puta merda. Nós vamos trepar.

Em um banheiro com encanamento ruim na Albânia.

Eu me afasto para recuperarmos o fôlego, e os olhos de Alessia estão

intensos e cheios de promessas, mas também de incerteza.

— O que foi? — pergunto.

Ela balança a cabeça.

— Não. — Agarro seu rosto e fito seus olhos. — Meu Deus, por mais

que eu queira você, nós não vamos trepar neste banheiro. Seus pais estão

por aí, e não tenho camisinha. Agora, me diga, qual é o problema? É o

casamento?

— É.

Respiro aliviado e a solto.

— Certo. Isso que seu pai organizou… Não sei se é… legítimo.

— Eu sei. Meus pais querem conversar com a gente sobre essas…

providências hoje à tarde. Não sei o que fazer. Acho que é porque meu
pai pensa que estou esperando um bebê. Ele deu um jeito de mexer as

cordinhas.

Uma imagem do pai dela como um diabólico titereiro aparece na

minha mente, eu e Alessia como suas marionetes. Aquilo me faz rir.

— Nós dizemos “mexer os pauzinhos”.

Ela repete o ditado e sorri de modo tímido.

— Você ainda não se importa que eu corrija seu inglês?

— Nunca.

Tudo bem. Vamos partir para o Plano A. Aqui vai ele.

— Vamos embora. Você não precisa ficar aqui. Você é adulta e não

deve nada a seu pai, não importa o que ele pensa. Podemos ir para

Tirana. Conseguir um passaporte para você e tirar um visto. Depois

voltamos para a Inglaterra e nos casamos lá. E seus pais podem ir até lá

para o casamento.

Os olhos de Alessia se arregalam à medida que várias emoções

permeiam seu rosto. A esperança parece vencer, e acho que ela também

vinha considerando essa possibilidade.

Mas logo seu rosto murcha. Eu a abraço.

— Vamos achar uma solução — garanto e dou um beijo em sua testa.

Ela ergue a cabeça na minha direção, e acho que, no fundo, quer me

fazer uma pergunta.

— O que é?

— Nada. Está tudo bem.

— O quê? — insisto.

Ela engole em seco.

— Minha mãe.

— O que tem sua mãe?

— Não posso deixar minha mãe aqui com ele.

— Você quer que ela vá com você para a Inglaterra?

— Quero.

Cacete.

— Tudo bem. Se é o que você quer.

Alessia parece perplexa.


— Você concorda?

— Sim.

Ela se ilumina como uma árvore de Natal, como se, enfim, se livrasse

do peso de todos os seus problemas. Então, atira os braços ao redor do

meu pescoço.

— Obrigada. Obrigada. Obrigada — diz, ofegante, entre beijos, e

começa a rir e a chorar.

Ah, meu amor.

— Não chore. Eu faço qualquer coisa por você. E você já devia saber

disso. Eu te amo.

Enxugo suas lágrimas com os polegares enquanto afago seu rosto.

— E, como eu disse, vamos achar uma solução. Vamos pensar num

plano.

Alessia me fita com um olhar de adoração, como se eu tivesse todas

as respostas para as questões eternas do universo, e um calor bem-vindo

se espalha por meu peito. Sua confiança e sua fé em mim são

desconcertantes, mas, porra, me deixam muito bem.

Eu faria qualquer coisa por ela.


Capítulo Dois

Está escuro lá fora. Ando tropeçando em direção à cama e tento tirar

meu suéter, mas ele revida e por fim leva a melhor.

— Merda!

Caio na cama e, com a visão embaçada, olho para o teto.

Ah, meu Deus. Por que eu bebi tanto assim?

Não devia ter tomado o raki depois de passar a tarde inteira

planejando o casamento e tentando manter o bom humor. O quarto

oscila, então fecho os olhos e rezo para conseguir dormir.

* * *

Acordo de um sono tranquilo. Está tudo calmo. E brilhante.

Não. Ofuscante.

Aperto bem os olhos e depois os abro cautelosamente, enquanto a dor

corrói minha cabeça. Eu me apresso para fechar os olhos de novo.

Merda. Estou me sentindo uma bosta.

Puxo as cobertas sobre a cabeça para barrar a luz e tento lembrar

onde estou, quem eu sou, e o que aconteceu na noite passada.

Havia o raki.

Shots e shots de raki.

O pai de Alessia ofereceu de forma bem generosa a bebida local e

letal.

Solto um gemido e flexiono os dedos dos pés e das mãos. Fico feliz

em descobrir que ainda tenho controle sobre eles. Estendo a mão para o

lado, mas a cama está vazia.

Nada de Alessia.
Afasto as cobertas, abro os olhos devagar e ignoro a dor forte em meu

lobo frontal quando examino o quarto. Estou sozinho, mas meu olhar

cansado recai sobre a pequena luminária em forma de dragão na mesa

de cabeceira. Alessia deve ter trazido de Londres. Pensar nisso me deixa

comovido.

E também: ela esteve aqui? Na noite passada?

Tenho uma lembrança vaga de ela estar comigo, e talvez tenha me

despido. Levanto as cobertas. Estou só de cueca. Ela deve ter me

despido.

Droga. Eu desmaiei e não consigo me lembrar se ela realmente esteve

aqui.

Por que eu o deixei me embebedar?

Foi vingança porque dormi com a filha dele?

E o que aconteceu?

Flashes do dia de ontem surgem em meio à minha dor de cabeça.

Alessia e eu nos sentamos para conversar com os pais dela sobre o

casamento. Fecho os olhos e tento recordar os detalhes.

Pelo que entendi, estamos deixando de lado uma tradição albanesa e

celebrando tudo em um só dia, e não em vários. Primeiro, porque sou

britânico e não tenho nenhum parente nem casa aqui e, segundo, porque

Alessia está “de barriga”. Demachi lançou um olhar ressentido para mim

quando cuspiu essa expressão, e Alessia, corando muito, teve que

traduzir.

Dou um suspiro. Talvez devêssemos admitir a verdade. Talvez ele

volte atrás.

Talvez ele me deixe levá-la para a Inglaterra e nos casarmos lá.

A cerimônia e a festa vão acontecer no sábado e vão começar na hora

do almoço, não à noite. É mais uma quebra de tradição, mas, como estou

hospedado com a família da noiva, faz sentido. Pelo menos foi o que me

disseram. Além do mais, o escrivão tem outro casamento marcado para

a noite.

O casamento vai ser na casa dos próprios Demachi, e o pai de Alessia

perguntou se minha família compareceria. Eu fui sincero. Minha mãe


com certeza estava em Nova York e não chegaria a tempo, e minha irmã,

por ser médica, não vai conseguir uma folga em cima da hora. Garanti a

eles que iríamos comemorar em Londres quando voltássemos para o

Reino Unido. Minhas desculpas pareceram tranquilizar o velho. Acho

que minha família não vai aprovar um casamento forçado, e não quero

lhes dar a oportunidade de se oporem ou questionarem a legitimidade de

nossa união. No entanto, tenho esperança de que meu grande amigo e

parceiro de esgrima Joe Diallo venha. Assim, terei Diallo e Tom

Alexander comigo, meus amigos mais antigos.

Isso já é alguma coisa, sem dúvida.

Eu tinha me oferecido para pagar por tudo, mas meu sogro recusou,

com uma expressão muito magoada.

Cara, como o velho é orgulhoso.

Ele não queria ouvir nenhuma oferta do tipo. Desconfio que o Sr.

Demachi seja um tanto dramático. Sugeri um meio-termo, e

concordamos que eu forneceria a bebida. Porém, fico preocupado de ele

ficar sem dinheiro se Alessia e eu decidirmos não levar o casamento

adiante.

Droga. Isso é problema dele.

Também falamos alguma coisa relacionada às alianças, mas não

consigo me lembrar.

Alianças! Preciso comprar alianças.

Será que compro aqui mesmo?

Eu me sento e fico zonzo, mas, assim que me estabilizo, desço da

cama cambaleando e enfio a calça jeans para procurar minha futura

esposa. O que me lembro é que hoje vamos colocar em prática nosso

plano. Alessia e eu vamos até o posto da polícia requerer um novo

passaporte para ela e depois até a prefeitura para encontrar o escrivão

que vai celebrar o casamento e descobrir se o que Demachi organizou é

mesmo legítimo.

É. Esse é o plano.

Pego o telefone e reparo em algumas mensagens de Caroline da noite

passada.
Cadê você? Conseguiu encontrar Alessia?
Me liga. Estou preocupada.

Surpreso que meus polegares estão colaborando, envio uma resposta

curta, sabendo que é provável que ela mande uma equipe de busca se eu

não responder.

Tudo bem. Encontrei, sim. Ligo mais tarde.

Ela vai ficar furiosa com esse casamento, tenho certeza absoluta

disso. Talvez eu não deva contar antes de vê-la pessoalmente.

Covarde.

Minha cabeça está latejando, então esfrego as têmporas e tento me

acalmar. Se eu contar para Caroline, vou ter que contar para Maryanne e

minha mãe, e essa é uma conversa que estou tentando evitar, ainda mais

com essa ressaca. Não estou pronto. Preciso saber mais sobre a

legitimidade disso tudo e aí, quem sabe, eu conte à Nave Mãe, mas

talvez eu deixe para falar na véspera da cerimônia.

Visto uma camiseta e guardo o telefone. Tudo isso pode esperar.

Agora, o que eu preciso é de um analgésico e um café, de preferência

nessa ordem.

Alessia e a mãe estão sentadas à mesa de jantar, bebendo café.

— Mama, a senhora está com a minha carteira de identidade?

— Lógico, meu coração. Estou guardando com carinho desde que

você foi embora.

Alessia fica espantada com as palavras da mãe, e um vazio dolorido

se forma em sua garganta. Ela estica o braço e aperta a mão de Shpresa.

— Eu pensava na senhora com frequência quando estava longe —

diz, com a voz rouca de emoção. — Eu não tinha nenhuma foto nem

celular. Os homens… eles levaram tudo. Inclusive meu passaporte.


Ainda bem que deixei a identidade com a senhora. Vou precisar para

tirar outro passaporte.

— Vou buscar para você já, já. Que bom que o arranhão no seu rosto

está quase curado. E os hematomas. Parecem bem melhores. — Shpresa

contrai a boca enquanto examina a filha. — Eu queria dar um soco nas

orelhas do Anatoli Thaçi.

Alessia sorri.

— E eu queria ver isso.

Ela solta a mãe e a encara, ansiosa. Percebe que é sua oportunidade.

Tem tentado abordar o assunto desde que ela e Maxim conversaram

ontem.

— Tenho que pedir uma coisa à senhora.

— O que é, filha?

Alessia engole em seco, e o discurso ponderado que havia ensaiado

mentalmente tantas vezes desaparece de sua cabeça.

— Alessia, o que foi?

— Venha com a gente — diz Alessia de uma vez, de repente incapaz

de colocar em palavras o que tinha planejado.

— O quê?

— Venha comigo e com Maxim para a Inglaterra. Por favor. A

senhora não precisa ficar aqui com ele.

Shpresa solta um arquejo, arregalando os olhos escuros.

— Deixar Jak?

Alessia ouve a perturbação na voz da mãe.

— Isso.

A mãe se recosta na cadeira e fita Alessia, boquiaberta.

— Ele é meu marido, filha. Não vou deixá-lo.

Não era a resposta que Alessia esperava ouvir.

— Mas ele não é bom para a senhora — protesta. — Ele é violento.

Como o Anatoli. A senhora não pode ficar aqui sozinha com ele.

— Alessia, ele não é como o Anatoli. Eu amo seu pai.

— O quê? — O mundo de Alessia desmorona.


— Meu lugar é aqui, com ele — declara Shpresa, a voz expressando

convicção.

— Mas a senhora me falou que o amor é para os tolos.

Os olhos de sua mãe se suavizam, e ela dá um sorriso triste.

— Eu sou uma tola, meu coração. Temos nossos altos e baixos, eu

sei. Como todos os casais…

— Eu vi os hematomas, Mama! Por favor. Venha conosco.

— Meu lugar é ao lado dele. Este é o meu lar. Tenho uma vida aqui.

Não há nada para mim em uma terra que não conheço. Além disso,

desde que você foi embora, ele está mais atencioso. Arrependido, acho.

Jak acredita que foi culpa dele você ter ido embora. Ele ficou tão

aliviado quando ouviu notícias suas…

Alessia está em choque. Ela não enxergava seu pai ou, na verdade, o

relacionamento entre seus pais, dessa maneira.

— Sabe, meu coração — continua a mãe, esticando o braço sobre a

mesa para segurar a mão da filha. — Esta é a vida que eu conheço. Seu

pai me ama. Baba também te ama. Ele pode não demonstrar como a

gente vê nos programas de televisão americanos, e eu vejo que é

diferente com seu noivo, mas é assim que funciona na nossa casa. Este é

o meu lar, e ele é o meu marido.

Ela dá de ombros e depois aperta a mão de Alessia como se estivesse

tentando transmitir a veracidade de suas palavras através da pressão dos

dedos. A filha, porém, está chocada. Sempre achou que a mãe era infeliz

com o marido.

Será que estava errada?

Será que interpretou mal a situação entre os dois?

De perto da porta da sala de estar, observo, sem ser visto, a mãe de

Alessia falar com a filha em um tom rápido e sussurrado. Elas estão

sentadas à mesa — o local do ataque de raki do Sr. Demachi na noite


passada —, e a conversa entre as duas é intensa. Só que minha cabeça

latejando precisa de drogas terapêuticas. Assim, entro no cômodo,

hesitante, surpreendendo-as, e desabo em uma das cadeiras.

Shpresa solta a mão de Alessia.

— Podemos conversar sobre isso mais tarde. Mas não vou mudar de

ideia, meu docinho. Não vou abandonar o meu marido. Eu o amo. Do

meu jeito. E ele me ama e precisa de mim. — Ela dá um sorriso

benevolente para Alessia e depois volta sua atenção para Maxim. — Seu

conde bebeu além da conta ontem à noite. Vá pegar analgésicos para ele.

Eu vou fazer um café.

Alessia olha ansiosa para a mãe, surpresa e confusa por sua reação.

— Ok, mamãe. Vamos conversar mais tarde. — Ela está pasma com a

atitude da mãe, mas se vira para Maxim, a cabeça apoiada nas mãos, e

sua expressão se abranda. — Acho que meu noivo não está acostumado

com raki.

— Entendi raki — geme Maxim, rouco, e dá uma espiada sonolenta

em Alessia.

Ela sorri.

— Vou pegar uns comprimidos para sua dor de cabeça.

Eu me inclino na direção de Alessia.

— Obrigado por me colocar na cama ontem à noite. — Mantenho a

voz baixa enquanto a mãe dela prepara o café.

— Foi interessante. — Ela se contém e verifica se Shpresa não

consegue ouvi-la. — Foi divertido tirar sua roupa.

Respiro fundo quando ela se levanta e apanha um estojo de

primeiros-socorros da despensa. Ao retornar, Alessia me observa com


seus olhos escuros e provocantes, o rosto iluminado com um sorriso

discreto, tímido.

Meu coração dispara.

Minha garota tirou a minha roupa, e eu estava inconsciente de tão

bêbado.

Merda. Uma oportunidade desperdiçada.

Porém, mais que uma oportunidade desperdiçada, ela não me julgou

por beber demais, e agora está cuidando de mim. É uma experiência

inédita e muito reveladora, e eu a amo por isso. Não me lembro de

ninguém fazer isso por mim depois de adulto. A não ser Alessia, quando

me colocou na cama após aquela viagem maluca de volta da Cornualha.

Ela é generosa, carinhosa e… sexy, ainda mais com uma calça jeans

apertada.

Sou um cara de sorte.

Tento dar um sorriso largo, mas minha cabeça lateja, e me lembro de

que foi o pai dela que aprontou essa comigo. Eu só estava tomando

aquela bebida horrorosa para ser educado. Alessia coloca dois

comprimidos e um copo d’água na minha frente.

— Foi meu pai que fez isso com você. Eu sei. E o raki era daqui da

região. Preparado aqui mesmo em Kukës.

— Entendi. — Foi a vingança dele! — Obrigado.

— O prazer é todo meu. — Ela sorri, e fico pensando se a resposta

tem a ver com os comprimidos ou com o fato de ela ter me despido.

Sorrindo, tomo os analgésicos e fico pensando se Tom e Thanas

também acabaram nesse estado.

Após as arrastadas conversas de ontem, e com as formalidades do

casamento supostamente encaminhadas, a Sra. Demachi e Alessia

prepararam um banquete e foram gentis de convidar meu amigo Tom,

nosso tradutor, Thanas, e a namorada dele, Drita. Enquanto preparavam

a refeição, Alessia me ensinou algumas palavras em albanês, como “por

favor” e “muito obrigado”.

Ela riu.

Muito.
Da minha pronúncia.

Mas é sempre um prazer ouvi-la rir.

A mãe de Alessia estava satisfeita de ter a casa cheia de convidados,

mesmo não falando muito. Ela deixava essa tarefa para o marido, que

contou histórias da turbulenta década de 1990, quando a Albânia passou

por uma transição, do comunismo para uma república democrática. Foi

fascinante. A família dele se enredou em um terrível esquema de

pirâmide, e eles perderam todas as suas economias. Foi assim que

acabaram em Kukës durante aqueles tempos sombrios. Enquanto o Sr.

Demachi falava, sua mão generosa mas pesada servia raki sem parar.

Tom e Thanas me acompanharam a cada shot, tenho certeza. Eles vão

nos encontrar na prefeitura, se tiverem sobrevivido ao Suplício do Raki.

Checo meu relógio. Ainda tenho uma hora para me recompor.

* * *

A prefeitura é um prédio moderno e desinteressante a poucos passos do

Hotel Amerika, onde Tom e Thanas estão hospedados. De mãos dadas,

Alessia e eu esperamos por eles na recepção e, apesar da dor incômoda

na cabeça por causa da ressaca, não consigo evitar um sorriso. Alessia

está tão animada desde nossa parada anterior no posto da polícia que

ilumina o saguão sem graça. Seu passaporte novo vai estar pronto na

sexta-feira (paguei uma taxa de urgência), e ela está tão feliz que parece

que eu lhe dei a lua de presente. Quando Alessia receber o passaporte

teremos mais opções.

— Só de ver sua alegria já sinto a ressaca aliviando — comento.

Eu me esforço para conter o sorriso, mas em vão. Ela é mesmo a

alegria em pessoa.

— Acho que foram os comprimidos que eu te dei.

— Não. É você.

Ela ri, me encarando por baixo dos cílios. Levanto sua mão e beijo os

nós de seus dedos.


Ah, meu Deus, como eu gostaria de levá-la embora agora mesmo

dessa cidadezinha sem graça.

Em breve, cara. Em breve.

Tom e Thanas aparecem. Nosso tradutor está como eu: desgrenhado e

de ressaca.

— Bom, Trevethick, você está um lixo. O que estamos fazendo aqui?

— pergunta Tom, alerta e animado.

O raki parece lhe cair bem.

— Desculpe o atraso — balbucia Thanas. — Levei a Drita para pegar

o ônibus para Tirana. Ela tem que voltar às aulas.

— Viemos aqui para uma reunião com o escrivão que vai oficiar

nosso casamento.

— Vou checar aonde devemos ir — diz Thanas e caminha até o

balcão de recepção para esperar na fila.

Alessia se junta a ele.

— Então — sussurra Tom, mantendo a voz baixa e com um ar de

conspiração. — Não te dei os parabéns pelo bebê.

Pelo bebê?

Em meu estado de confusão, levo um minuto para entender do que

ele está falando. Dou uma risada e paro de repente por causa da dor de

cabeça.

— Alessia não está grávida. Ela contou ao pai que estava para não ser

forçada a casar com aquele babaca do Antonelli ou seja lá qual for o

nome dele.

— Ah. — Tom parece aliviado. — Imagino que isso seja bom. Esse

relacionamento ainda está muito no começo para vocês terem um filho.

— Ele se aproxima de mim, ao mesmo tempo que observa Thanas e

Alessia, e cochicha: — Mas você sabe que não precisa casar com ela,

cara.

Puta que pariu.

— Tom — digo, com uma expressão de alerta. — Já tivemos essa

conversa antes. Pela última vez, eu amo a Alessia e quero que ela seja

minha esposa. Entendido?


— Para falar a verdade, não. Ela é uma garota linda, tenho que

admitir isso, mas não acho que vocês tenham muita coisa em comum.

Mas o coração tem lá suas vontades.

Não estou com paciência para discutir. Então, quando ele ergue a

mão de forma conciliatória diante da minha carranca, solto um suspiro.

— Será que eu devo fazer a vontade do velho e casar com ela aqui?

— pergunto. — Ou esperar até voltarmos para a Inglaterra? Estou preso

em Kukës até ela conseguir o passaporte e o visto, e não vou deixá-la

aqui sozinha.

Olho para Alessia, que está esperando pacientemente perto de

Thanas, enquanto ele fala com o recepcionista.

— Bem… Se é o que você quer, acho que deve seguir em frente —

responde Tom. — É uma cerimônia civil na prefeitura. Você deixa o

velho feliz e depois foge com a filha dele e casa com ela em Londres ou

na Cornualha ou em Oxfordshire. Tanto faz. — Tom franze a testa. —

Se você puder.

— Como assim?

— Eu não sei se você pode se casar mais de uma vez com a mesma

mulher, cara. Tenho certeza de que existem regras para isso. O que você

tem que fazer aqui?

— Parece que basta mostrar meu passaporte. Só que não é o que diz

o site oficial do governo.

Tom franze a testa mais uma vez.

— Você acha que tem algo errado?

Confirmo com a cabeça.

— Mas vamos descobrir com o Thanas. Você pode ficar por perto até

descobrirmos? E… sabe, ajudar?

— Lógico, Trevethick. Eu não ia perder esse drama todo por nada

nesse mundo.

— Drama todo? — questiono.

Meu couro cabeludo fica pinicando. Será que ele adivinhou que talvez

a gente fuja?
— Você viajou até o fim do mundo para salvar sua dama. Se isso não

é a definição de drama, não sei mais o que é.

Dou uma risada. Ele tem razão.

— E, humm… será que você quer ser meu padrinho?

Tom fica sem palavras por um momento e, quando consegue falar,

sua voz está rouca.

— Fico honrado, Maxim. — Ele me dá um tapinha nas costas, e nos

viramos quando percebemos Thanas e Alessia vindo em nossa direção.

— Por aqui — diz Thanas, e o seguimos pela escada para o andar

superior.

Na placa de metal em cima da mesa está escrito: f. tabaku. Ele é o

escrivão que vai oficiar a cerimônia civil. Tem aproximadamente a

mesma idade de Demachi, usa o mesmo tipo de terno escuro e tem a

mesma expressão impenetrável. Ele se levanta quando entramos no

escritório, cumprimenta Alessia com educação, me oferece um breve

aceno com a cabeça e depois nos indica a mesinha onde nós cinco nos

sentamos.

O homem começa a falar, e Thanas nos ajuda com a tradução. Ele diz

que o escrivão precisa ver uma cópia da certidão de nascimento e da

carteira de identidade de Alessia, além do meu passaporte. Pego meu

passaporte no bolso do casaco, o abro na página correta e percebo que

também vou precisar de um passaporte novo. No momento, o meu está

em nome do Honorável Maximillian John Frederick Xavier Trevelyan.

Entregamos nossos documentos. O escrivão checa os de Alessia sem

muita atenção, já o meu passaporte ele analisa minuciosamente. Tabaku

franze a testa e fala algo com Thanas. Alessia entra na conversa.

— Vëllai i Maksimit ishte Konti. Ai vdiq në fillim të janarit. Maksimi

trashëgoi titullin, po nuk ka pasur ende mundësi të ndryshojë

pasaportën.

Tabaku parece satisfeito com o que Alessia disse. Ele se levanta e se

dirige até uma pequena fotocopiadora de mesa. Enquanto ele tira as

cópias, pergunto a Alessia:

— O que você falou?


— Eu expliquei a ele que você… humm… herdou seu título

recentemente.

Ele se vira para nós dois. Thanas traduz:

— As pessoas, quando se casam, podem escolher entre adotar um dos

sobrenomes dos dois como um sobrenome comum a ambos ou manter

só o próprio sobrenome. Vocês precisam decidir.

Eu me viro para Alessia.

— O que você quer fazer?

— Eu gostaria de adotar seu sobrenome.

Sorrio, satisfeito.

— Ótimo. Assim, o nome de Alessia fica Alessia Trevelyan. Seu

título formal será Alessia, A Muito Honorável Condessa de Trevethick.

— Por favor, escreva isso — traduz Thanas.

Escrevo no bloco que me deram e o entrego a Tabaku.

Ele responde, e Thanas traduz:

— Ele vai nomear Alessia como Alessia Demachi-Trevelyan. O

passaporte dela não diz nada sobre Trevethick.

— Tudo bem — resmungo e me volto para Thanas. — Pergunte a ele

sobre a declaração de não impedimento que supostamente devo fornecer.

Thanas faz o que peço, e Alessia me encara, ansiosa.

Os olhos do escrivão se arregalam, e ele vocifera uma resposta para

Thanas, que se vira para mim e repete a fala de Tabaku.

— Ele diz que, devido à urgência — seus olhos disparam para

Alessia —, está acelerando o processo do seu casamento. Ele tem o

poder de fazer isso em circunstâncias especiais. O pai de Alessia é um

amigo próximo, de confiança, e é por isso que ele está oferecendo esse

serviço.

O escrivão continua em voz baixa, o olhar fixo no meu, e me ocorre

que ele está prestando um grande favor a Demachi e, por tabela, a nós.

— Ele diz que o casamento será legítimo. É tudo de que vocês

precisam — traduz Thanas. — Vocês terão sua certidão de casamento.

— E se quisermos fazer com toda a papelada correta? — pergunto.


Tabaku volta a se sentar, devolve nossos documentos e responde à

pergunta de Thanas.

— Aí vai levar entre dois e três meses.

— Tudo bem. Entendi. Obrigado.

Mesmo que ele esteja nos fazendo um favor, ainda estou

desconfortável. Parece uma fraude, e pensar nisso é perturbador.

O escrivão diz algo para Alessia e Thanas. Alessia concorda e

começa a falar com ele em albanês. Recorro a Thanas em busca de

respostas.

— Ele está perguntando sua profissão, local de residência e onde

vocês vão morar depois de casados.

Profissão!

Dou a Thanas meu endereço em Chelsea e digo que é lá que vamos

morar depois de casados. Alessia me olha com um sorriso tímido.

— E profissão? — indaga Thanas.

As palavras que meu pai costumava dizer nessas situações surgem

convenientemente em minha cabeça.

— Fazendeiro e fotógrafo — afirmo rápido, embora não seja

exatamente verdade. Ora, sou um latifundiário e senhorio… o CEO do

patrimônio da família.

— E DJ. — Tom se mete, de uma maneira bem desnecessária.

Quando o olho de cara feia, ele acrescenta: — Sabe, de girar os discos.

— Ele imita o gesto. — E um membro da nobreza, óbvio. Com todas as

devidas incumbências et cetera e tal.

— Obrigado, Tom.

Ignoro o riso abafado de Alessia, enquanto Tabaku termina de fazer

suas anotações. Ele pousa a caneta no bloco e, recostando-se na cadeira,

diz algo para Alessia e para mim.

— Ele já tem tudo de que precisa para redigir o contrato — explica

Alessia.

Estico o braço e aperto a mão dela.

— É só isso?

— É.

Ó
— Ótimo. Vamos voltar ao hotel e decidir o que fazer.

Ela concorda, então me levanto e cumprimento Tabaku com um leve

aceno da cabeça.

— Obrigado — digo.

Thanas traduz a resposta do homem.

— Vejo o senhor no sábado à tarde. E não se esqueçam de escolher

duas pessoas para servirem de testemunhas.

Testemunhas? Estão mais para cúmplices.

Alessia não sabe como Maxim está se sentindo ou o que ele vai fazer.

No caminho de volta para o hotel, ele estava calado e taciturno. Será que

está zangado? Será que ainda quer fugir? Ela não consegue parar de

tentar adivinhar o que ele está pensando.

Eles vão para o bar do Hotel Amerika. Alessia nunca esteve ali, e

Tom e Thanas retornam aos quartos, deixando o casal sozinho. Com

uma expressão pensativa, Maxim estica o braço para pegar a mão da

noiva.

— Fico um pouco aflito por estarmos fazendo esse esforço tão grande

para satisfazer o ego do seu pai.

— Eu sei. Me desculpe.

Ela olha fixamente para a mesa, sem saber o que dizer e se sentindo

culpada pelos problemas deles. Gostaria de não ter mentido sobre a

gravidez. Mas aí talvez o pai a obrigasse a se casar com Anatoli.

— Ei. Não é culpa sua, pelo amor de Deus. — Maxim aperta sua

mão, tentando tranquilizá-la.

Ela volta a encará-lo e fica aliviada quando não vê nada além de

preocupação no rosto dele.

— Não quero discutir com seu pai, mas eu gostaria que ele não nos

tivesse colocado nessa situação. Sei que ele acha que está fazendo a

coisa certa.
Alessia concorda, surpresa ao ver como ele está levando a sério a

situação. Ele quer que o casamento seja de verdade. O queixo de Maxim

está tenso, a expressão séria, e os olhos assumiram um verde brilhante.

Ela detesta vê-lo tão apreensivo.

— O que você acha que devemos fazer? — pergunta ela.

Maxim balança a cabeça, mas depois sorri. Ele está deslumbrante, o

que a deixa encantada.

Ele é mesmo um homem muito atraente.

— Bom, estamos presos aqui até você conseguir o passaporte e o

visto. E não vou embora sem você. Então, se não se opuser, acho que

devemos seguir adiante.

Alessia reflete sobre aquilo. Ele se conformou com o casamento. É

isso o que ela quer?

— Você se sente preso? — murmura ela.

— Não. Sim. Mas não da maneira que você está pensando. Eu vim

aqui para pedir você em casamento. Você aceitou, e basicamente o que

seu pai está tentando fazer é concretizar meu desejo.

Alessia assente.

— Entendo. E também acho que vai ser melhor para a minha mãe

que a gente fique aqui e siga adiante com o casamento.

— Como assim?

— Ela não quer ir para a Inglaterra com a gente. Quer ficar aqui com

ele. Não entendo por quê. Mas acho que ele vai ficar bravo se a gente for

embora e talvez ele… — Ela não termina a frase, envergonhada demais

do que o pai pode fazer com a mãe.

Maxim a observa, a expressão decidida.

— Esse argumento é indiscutível, temos que seguir adiante. Tanto

para o bem dela quanto para o nosso.

Alessia suspira de alívio.

— Concordo.

Ele sorri.

— Isso me deixa mais tranquilo.


— Verdade. Me deixa também. Acho que é a melhor decisão para o

bem dela.

— E é a melhor decisão para você? — pergunta ele.

— É, sim — responde ela, enfática. — Significa que minha família

não vai perder sua reputação perante a comunidade.

Maxim solta o ar e parece aliviado.

— Ótimo. Tudo bem. Decisão tomada.

Alessia se sente mais leve, livre do peso das expectativas do pai.

Como foi fácil ela e o noivo chegarem a um consenso.

Será que seu casamento vai ser do mesmo jeito?

Ela tem esperança de que sim.

— Agora tenho muita coisa para fazer — diz Alessia.

— Eu sei. Vou pegar o resto das minhas coisas no quarto do Tom e

podemos voltar. Tenho uma surpresa para você.

— Ah, é?

Ele abre um sorriso.

— É.

Há diversos carros na entrada quando chegamos em casa.

— O Zot — solta Alessia e se vira para mim. — Minha família. As

mulheres. Elas estão aqui.

— Ah… — É a única coisa que consigo dizer.

— É. Elas vão querer conhecer você. — Ela faz um bico, amuada. —

E eu queria… humm… configurar esse celular.

Ela levanta a caixa do iPhone que lhe entreguei no hotel, e sorrio em

solidariedade. Ela suspira.

— Faço isso depois. As mulheres sempre se reúnem quando alguém

vai se casar. E elas vão querer inspecionar você.

— Me inspecionar? — Dou uma risadinha. — Bom, espero não

desapontar.
Apesar do tom descontraído de nossa conversa, sinto um pânico

crescendo, embora não saiba direito por quê.

— Não se preocupe, você não vai desapontar ninguém. — Alessia dá

um sorriso tímido.

— Ah, é mesmo?

— É. E vou proteger você delas. Estamos juntos.

Rio mais uma vez, e saltamos do Dacia. Alessia pega a minha mão e

entramos juntos na casa. Assim como ela, retiro os meus sapatos, que se

juntam aos muitos pares espalhados ao lado da sapateira.

— Preparado? — pergunta Alessia.

Aquiesço e respiro fundo quando atravessamos o corredor em direção

ao burburinho vindo da sala de estar.

Quando nos vê na entrada, Shpresa anuncia o que acredito ser nossa

chegada num tom bastante alto, e vários pares de olhos se viram para

nos encarar conforme o barulho aumenta. Deve haver pelo menos doze

mulheres reunidas no cômodo, entre os quinze e os cinquenta anos, e

elas avançam em nossa direção. As mais velhas parecem um pouco com

a Sra. Demachi e estão vestidas de modo mais tradicional, com lenços

na cabeça e saias longas rodadas. As mais jovens vestem roupas mais

contemporâneas e descontraídas. Alessia aperta a minha mão e começa

a fazer as apresentações à medida que suas parentes a beijam e a

abraçam. Ela fica de mãos dadas comigo o tempo todo enquanto elas

também me beijam e me abraçam. Ao que tudo indica, todas estão

radiantes de me conhecer. Nenhuma das mais velhas fala inglês, mas as

duas mais jovens são fluentes.

Depois de quinze minutos sorrindo sem parar, a ponto de que talvez

não seja mais capaz de mexer as bochechas, consigo me afastar com a

desculpa de que tenho que dar alguns telefonemas e me dirijo ao quarto

de hóspedes.
Alessia está impressionada com a atenção de suas tias e primas. Ele é

tão bonito. Onde vocês estavam? O que aconteceu com você? Nós

achamos que você ia se casar com o Anatoli Thaçi. Ele é um conde!

Quero ver o anel de noivado. Tão europeu. Ele é rico? Alessia recebe

uma enxurrada de perguntas, mas as tenta evitar com a ajuda da mãe.

— Eu não queria me casar com o Anatoli — diz ela, as mulheres

atentas a cada palavra sua.

Ouvem-se suspiros de consternação.

— Mas e a besa do seu pai? — A irmã de seu pai faz um barulho de

desaprovação.

— Ele não era para mim. — Alessia ergue o queixo em sinal de

desafio.

— Alessia conquistou o coração de um homem bom. Ela está

apaixonada. E vai ser feliz — declara sua mãe. — E, o mais importante,

ele veio lá de longe, da Inglaterra, só para buscar minha Alessia.

Coloco minha bagagem na cama e tiro o celular do casaco, feliz de estar

fora dos holofotes e da atenção de tantas mulheres curiosas, embora eu

ainda consiga ouvi-las batendo papo e rindo na sala. Ignoro-as e pego

meu celular.

Primeiro, telefono para Oliver, o diretor de operações do patrimônio

Trevethick.

— Milorde… quer dizer, Maxim. Como está o senhor? Onde o

senhor está?

Logo o informo de tudo o que ele precisa saber.

— … E vamos precisar pressionar para obter um visto para Alessia.

Fale com Rajah. Alessia e eu vamos nos casar.

— Ah! E, humm… parabéns. Quando?

— Obrigado. Sábado.
Ouço Oliver arquejar e depois seu silêncio. Um silêncio

ensurdecedor.

— É. Repentino, eu sei. — Interrompo a pausa constrangedora.

— O senhor quer que eu faça um anúncio no Times?

— As pessoas ainda fazem isso? — Sou incapaz de esconder a

incredulidade na minha voz.

— Sim, milorde. Em especial quando se trata de um membro da

nobreza. — Percebo um quê de desaprovação em sua voz.

— Acredito que, dadas as circunstâncias, não queremos chamar

atenção. Nada de anúncio. Você pode entregar as chaves do meu

apartamento para o Joe Diallo? Ele vai aparecer e pegar as chaves no

escritório.

Eu espero.

— Lógico — murmura Oliver.

Acho que ele ainda está em choque.

— Vou procurar Rajah para falar dos vistos — acrescenta.

— Obrigado.

— Também recebi notícias da Polícia Metropolitana. Os agressores

de Alessia foram acusados de tráfico.

Porra. Ótimo.

— Não concederam fiança para eles. Risco de fuga. E acredito que

outros indivíduos também foram acusados.

— Ainda bem. É um alívio.

Espero que Alessia não seja chamada para testemunhar no tribunal.

Essa poderia ser uma situação complicada. Mas até lá ela já será minha

esposa.

Não sofra por antecipação, cara.

A gente vai lidar com esse problema mais adiante, se for o caso.

— Alguma questão sobre a propriedade que eu precise saber? —

pergunto para mudar de assunto.

Oliver me atualiza sobre o que está acontecendo, mas não é nada de

mais.
— Eu mandei alguns e-mails para o senhor que precisam de atenção,

mas nada grave.

— Obrigado, Oliver.

— Milorde… está tudo bem?

Passo a mão no cabelo, com a mesma sensação de pânico que tive ao

chegarmos na casa. Eu a reprimo. Não quero contar a Oliver que meu

casamento talvez não seja legítimo. Vou lidar com isso mais tarde,

quando voltarmos para a Inglaterra.

— Sim, está tudo bem.

— Perfeito. Informo ao senhor depois sobre a posição de Rajah em

relação aos vistos.

Em seguida, ligo para Joe Diallo.

— E aí — cumprimenta ele. — Cadê você?

— Albânia. Vou me casar. No sábado.

— Caralho! Sábado agora?

— É. Você pode vir?

— Cara. Espera. É sério?

— É.

— Com sua diarista? — solta ele em uma voz esganiçada, várias

oitavas acima do normal, e reviro os olhos.

— Isso mesmo — murmuro, exasperado.

— Tem certeza? É ela mesmo que você quer?

Dou um suspiro.

— Tenho certeza, Joe.

— Tudo bem — diz ele, a desconfiança nítida na voz. — Vou

pesquisar voos para aí.

— Você consegue chegar na sexta? E trazer um terno meu?

Ele suspira.

— Só porque é você, cara.

— Também vou precisar que você vá naquela joalheria, a Boodles.


Alessia ouve uma batida forte na porta da frente e se levanta para ver

quem é. Ela se sente radiante por estar com a família, mas, ao seguir

pelo corredor, fica contente com a distração e por ter um minuto de paz.

Tinha esquecido como é estar cercada pelos familiares barulhentos e

intrometidos.

Ela saltita até a porta e a abre.

Então congela. De choque.

— Olá, Alessia.

Ela fica pálida ao encarar o homem parado à sua frente.

— Anatoli — murmura, o medo fechando sua garganta.


C a p í t u l o Tr ê s

Alessia não consegue acreditar que ele teve a audácia de voltar à casa do

pai dela vestindo um casaco italiano elegante e sapatos caros. No

entanto, Anatoli não faz movimento algum para entrar. Ele apenas a

encara, com olhos de um azul gelado e que queimam. Depois engole em

seco, como se fosse dizer alguma coisa, ou de nervoso, Alessia não sabe.

Por instinto, ela dá um passo para trás ao mesmo tempo que seu coração

começa a martelar e um arrepio sobe por suas costas, seja pela presença

do homem ou pelo ar frio de fevereiro.

O que ele quer?

— Não vá. Por favor. — Ele coloca o pé no batente para Alessia não

fechar a porta, os olhos suplicantes.

— O que você quer? — dispara ela quando a indignação alimenta sua

coragem.

Como ele se atreve a aparecer aqui?!

Alessia não quer interagir com ele. Ela olha para trás para ver se

alguém veio checar o que está acontecendo, mas não há ninguém. Está

sozinha.

— Quero falar com você.

— Nós já dissemos tudo o que tínhamos para falar no sábado.

— Alessia. Por favor. Eu vim… me desculpar. Por tudo.

— O quê? — Alessia sente como se lhe tivessem tirado todo o ar dos

pulmões. Está atordoada.

— Podemos conversar? Por favor. Você me deve isso. Eu trouxe você

de volta.

Uma onda de raiva cresce do fundo de seu peito.


— Não, Anatoli! Você me sequestrou — rosna ela. — Eu estava feliz

em Londres, e você me tirou de lá. E me colocou em uma situação

difícil. Você tem que ir embora. Não tenho nada para falar com você.

— Eu fiz besteira. Das grandes. Concordo com isso. Mas tive tempo

para pensar. Me deixe explicar. Por favor. Não vou tocar em você.

— Não! Vá embora!

— Alessia. Nós somos prometidos um para o outro! Você é a mulher

mais bonita, enlouquecedora e talentosa que já conheci. Eu te amo.

— Não. Não. Não! — Alessia fecha os olhos, tentando conter o

choque e a indignação. — Você não sabe como é amar. Por favor, vá

embora.

Ela tenta fechar a porta, mas o pé de Anatoli a impede, e ele espalma

a mão na porta, mantendo-a aberta.

— Como você pode se casar com alguém que vai levar você para

longe da sua terra natal? Da nossa terra natal? Você é uma mulher

albanesa de corpo e alma. Você vai sentir saudades da sua mãe. Nunca

vai se adaptar à Inglaterra. Os ingleses são tremendamente esnobes. Eles

vão desprezar você. Vão olhar de nariz empinado para você. Você nunca

vai ser aceita lá.

As palavras de Anatoli quebram Alessia, alimentando seus medos

mais sombrios.

Será que ele está certo? Será que a família e os amigos de Maxim

vão desprezá-la?

O olhar de Anatoli se torna mais intenso quando ele percebe as

inseguranças de Alessia.

— Eu falo a sua língua, carissima. Entendo você. Fiz uma coisa

estúpida. Terrível. Mas posso mudar. Você esteve no ocidente. Você

espera mais e merece mais. Entendo isso, e posso oferecer mais para

você. Muito, muito mais. Vou aceitar seu bebê, tratar como se fosse

meu. Alessia, por favor. Eu te amo. — Ele dá um passo à frente e, com

ousadia, toma a mão dela entre as suas, suplicando e se concentrando

nos olhos dela. — Você vai me tornar um homem melhor. Preciso de

você — sussurra ele, o desespero evidente em cada sílaba.


Alessia puxa a mão e retribui seu olhar intenso.

— Me deixe em paz, Anatoli. — Ela respira fundo, e, com o coração

na boca, encontra uma coragem que não sabia que tinha, estica o braço e

acaricia a bochecha do homem.

Ele deixa o rosto pender na mão dela, fitando-a com um olhar

ardente.

— Se você me ama, me deixe em paz. Não vou fazer você feliz. Não

sou a mulher certa para você.

Ele abre a boca para falar, provavelmente para contradizê-la, mas ela

coloca o dedo sobre a boca de Anatoli.

— Não sou, não.

— Você é, sim — murmura ele, a respiração quente junto ao dedo de

Alessia.

Ela abaixa a mão.

— Não. Você quer alguém que fique radiante ao ver você.

— Já encontrei essa pessoa — murmura ele.

— Não! Eu não sou ela.

— Você já foi essa pessoa um dia.

— Séculos atrás. Mas você… você me machucou. Tanto, que tive que

ir embora. Não tem como apagar o que aconteceu.

Ele empalidece.

— Você não é a pessoa certa para mim — continua Alessia. —

Nunca vai me fazer feliz.

— Eu posso me esforçar para ser essa pessoa.

— Eu já encontrei a pessoa certa para mim, Anatoli. Amo outro

homem. Vamos nos casar esta semana.

— O quê? — Ele fica de queixo caído, perplexo.

— Por favor. Vá embora. Não tem nada para você aqui — sussurra

Alessia.

Ele dá um passo para trás, incrédulo, desolado.

— Espero que você encontre a pessoa ideal — diz ela.

— Carissima…

— Adeus, Anatoli.
Com o coração ainda na boca, Alessia fecha a porta quando a mãe a

chama.

— Alessia? Por que você está demorando? — Shpresa aparece na

entrada.

— Está tudo bem. Volto para lá daqui a um minuto.

— Quem era?

— Mãe, preciso de um minuto.

Franzindo a testa, Shpresa observa a filha com atenção, depois

aquiesce e retorna à sala de estar. Alessia expira, tentando afastar a

emoção e o medo desvairados que a estão sufocando. Ela espia pelo olho

mágico da porta e vê Anatoli se encaminhar até seu carro. Seus ombros

estão aprumados, ele é a personificação de um homem determinado, não

derrotado. É uma visão assustadora.

Não!

Alessia se vira e desaba contra a porta.

Isso foi inesperado. Porém, as palavras de Anatoli — eles vão

desprezar você — mexeram com ela. Alessia aperta o pescoço, sentindo

a garganta se contrair com aquela verdade, e, de repente, sente uma

necessidade avassaladora de chorar.

E se ele tiver razão?

Terminei de desfazer a mala com os poucos pertences que eu havia

jogado ali dentro, em pânico, quando pensei que nunca mais fosse ver

Alessia. Eu os arrumei e rearrumei, e agora estou evitando de propósito

meu próximo telefonema.

Covarde. Ligue para ela.

Observo as águas calmas e paradas do lago, o céu cinzento refletido

em suas profundezas — o cenário, um reflexo do meu estado de espírito.

As mulheres ainda estão confraternizando na sala e, pela altura da

conversa e das risadas, sei que estão se divertindo. Pego o celular e ligo
para Caroline. Inspiro fundo e preparo meu psicológico antes que ela

atenda.

Será que eu conto para ela?

Ou é melhor não?

— Maxim! — exclama, efusiva e preocupada ao mesmo tempo. —

Tudo bem? Onde você está?

— Caro. Oi. Estou em Kukës, hospedado na casa dos pais de Alessia.

— Você ainda está aí? Não estou entendendo. Se você já encontrou

Alessia, por que ainda não voltaram?

— Não é tão simples assim.

— O noivo dela?

O Babaca.

— Humm… não.

Caroline fica calada por uns minutos, esperando uma explicação. Ela

suspira.

— O que você não está me contando?

De repente, tenho uma ideia, e nem é mentira.

— Temos que esperar o passaporte de Alessia.

— Ah. Entendi. — Ela soa desconfiada, mas continua: — Você não

quer vir para cá e depois voltar para pegá-la?

— De jeito nenhum. Não quero tirar os olhos dela.

— Nossa, olha esses seus instintos de proteção! — zomba Caro. —

Revelando seu lado salvador de donzelas indefesas.

Dou uma risadinha, aliviado por seu sarcasmo habitual.

— É verdade. Tem se revelado já há algum tempo, para minha

surpresa.

— Mas ela está segura com os pais, sem dúvida.

— Foi a mãe dela que a entregou para os traficantes, mas não sabia

de nada.

Ela arqueja.

— Eu não sabia disso. Que horror.

— Pois é. Por isso preciso protegê-la. Bom, mas chega disso. O que

você tem feito?


— Ah — murmura Caroline, e quase a ouço se retrair.

— O que foi?

— Encontrei forças para mexer nas coisas do Kit.

Minha tristeza vem à tona, inesperada, forte e perversa, me deixando

sem fôlego.

Kit. Meu irmão querido.

— Entendo — murmuro.

— Estou com algumas coisas dele que acho que você vai gostar. — O

tom de sua voz é suave e cheio de lamento. — Com o resto… ainda não

sei o que fazer.

— Podemos tratar disso quando eu voltar para casa — ofereço.

— Está bem. Vamos fazer isso. Vou ver alguns dos papéis dele

amanhã.

— Boa sorte.

— Estou com saudades dele. — Sua voz está impregnada de uma

tristeza serena.

— Eu sei. Também estou.

— Quando você volta?

— Semana que vem, espero.

— Ótimo. Está bem. Obrigada por ligar. Estou feliz que você

encontrou Alessia.

Desligo, sentindo uma baita culpa.

Estou escondendo coisas dela, por isso me sinto culpado.

Eu devia ter contado a ela.

Merda!

Fico tentado a ligar de novo e confessar que vou me casar, mas ela vai

querer pegar o primeiro avião para cá, e, para falar a verdade, não quero

esse transtorno.

Decido não contar à minha mãe pelo mesmo motivo. A Nave Mãe vai

perder a cabeça, e não tenho certeza se Kukës ou os Demachi estão

prontos para a Condessa Viúva em toda a sua glória, porque eu não

estou.
Melhor pedir perdão que permissão. Essa frase que meu pai sempre

dizia me vem à mente. Ele a citava com um brilho no olhar, quando me

flagrava prestes a fazer alguma coisa que eu não devia.

Tento me livrar do pensamento quando alguém bate na porta. Antes

que eu possa dizer qualquer coisa, Alessia entra apressada, fecha a porta

e se apoia nela. Muito pálida e ansiosa.

— O que aconteceu? — pergunto.

Ela respira fundo, avança e me surpreende enroscando os braços ao

redor da minha cintura. Eu a envolvo num abraço, alarmado, e beijo seu

cabelo.

— Alessia, o que foi?

Ela me abraça mais apertado.

— Anatoli. Ele esteve aqui.

Mal dá para ouvir a sua voz.

— O quê?

Meu mundo vira de ponta-cabeça, e fico tenso à medida que a raiva

irrompe em meu âmago.

Ela levanta o rosto, os olhos arregalados de medo.

— Ele apareceu aqui na porta de casa.

Horrorizado, seguro a cabeça de Alessia e a examino.

— Aquele brutamontes filho da puta. Por que você não me chamou?

Ele tocou em você? Você está bem?

— Eu estou bem. — Ela pousa a palma das mãos em meu peito. — E

não, ele não tocou em mim. Ele queria que eu mudasse de ideia.

Fico sem ar.

— E você?

Foi por isso que ela não me chamou.

Ela franze a testa, sem entender.

— Você mudou ideia?

— Não! — exclama ela.

Graças a Deus.

— Por que você acharia isso? — Ela se afasta, parecendo muito

ofendida, e não tenho alternativa senão soltá-la. — Você por acaso


mudou de ideia? — pergunta, levantando o queixo daquela sua maneira

arrogante, e dou uma risada diante do disparate.

O nosso disparate.

Como é que ela pode pensar isso?

— Não. Óbvio que não — respondo. — Eu queria que estivéssemos

indo no nosso ritmo, mas você sabe disso. Por que duvida de mim?

Estou completamente, perdidamente… bem demais apaixonado por

você.

Abro os braços, e depois de um segundo ela volta a se enroscar com

um tímido sorriso de perdão.

— São muitos advérbios. Bem demais?

— Minhas palavras favoritas. — Sorrio. — Quero me casar com

você. Da maneira certa. — Um pouco mais calmo, dou mais um beijo

em seu cabelo. — O que você disse para ele?

— Falei que não. Que nós dois vamos nos casar. Aí ele foi embora.

— Espero que seja para sempre.

Com delicadeza, pego seu cabelo, puxo sua cabeça para trás e dou um

beijo suave em seus lábios.

— Fico triste por você ter que lidar com aquele babaca. Mas contente

que você tenha confrontado Anatoli, minha garota corajosa.

Alessia encara aqueles olhos verdes brilhantes e vê seu amor refletido

nas profundezas do dele. Ela passa as mãos pelos braços musculosos de

Maxim, pelos ombros, pelo rosto e pelo cabelo castanho. O perfume

dele é de uma familiaridade imensa: cheira a Maxim e sândalo. Movida

a um desejo desesperado, ela leva a boca do noivo de volta à sua,

enquanto, com os próprios lábios, provoca os dele, separando-os. Maxim

geme quando a língua de Alessia implora pela sua. Ela quer se agarrar a

Maxim e apagar a lembrança do encontro com Anatoli. Ele a abraça

mais apertado, uma das mãos deslizando e apertando sua bunda, a outra
prendendo seu cabelo na altura da nuca, e a mantém bem junto de si,

enquanto recebe aquilo que ela dá tão sem reservas. Ele se mexe,

guiando-os para trás, ao mesmo tempo que um consome o outro, até

Alessia sentir as costas contra a parede. O desejo pulsa por todo o corpo

dela e se acumula bem em seu íntimo, alimentando sua carência.

Maxim interrompe o beijo, a respiração acelerada.

— Alessia, está tudo bem. Eu estou com você. — Ele encosta a testa

na dela. — Não podemos fazer isso agora.

— Por favor — sussurra ela, cheia de desejo.

— Com sua família lá na sala? Sendo que qualquer parente pode vir

procurar você?

Alessia desliza um dedo pelo pescoço de Maxim, descendo até a gola

do suéter, deixando evidente sua intenção.

— Baby, não acho que seja uma boa ideia. — Ele coloca a mão sobre

a dela, os olhos de um tom de esmeralda escuro e, se ela não está

equivocada, em um conflito interno…

Mesmo assim, ele está dizendo não.

Alessia não entende. Seu primeiro instinto é retroceder.

Não cabe a ela questioná-lo. Porém, esse é seu futuro marido, e as

palavras que ele proferiu em uma tarde de inverno na grande mansão na

Cornualha voltam à sua mente.

Fale comigo. Pergunte. Sobre o que for. Eu estou aqui. Vou escutar.

Discuta comigo. Grite comigo. Vou discutir com você. Vou gritar com

você. Vou entender errado as coisas. Você vai entender errado também.

Tudo isso acontece. Mas, para resolvermos nossas diferenças,

precisamos conversar.

Que porra é essa, cara?

Estou no meio de uma crise de consciência ou coisa assim. Não

quero ser apanhado in flagrante delicto por um membro do clã Demachi.


Para falar a verdade, é estranho demais estar com Alessia e escutar o

bando de mulheres rindo e fazendo graça com a mãe dela e saber que

seu pai doido não está muito longe com a tal espingarda.

Fui parar no século errado, e isso está me confundindo.

Alessia arregala os olhos.

— Você não quer?

— Ah, baby, nada podia estar mais longe da verdade. Olha só. —

Pego a mão dela e a pressiono contra meu pau duro.

— Ah — diz ela, as bochechas corando, e os dedos começam a

explorar.

Caralho.

— Alessia — resmungo, sem decidir se é um aviso ou uma súplica.

Ela me fita, os olhos escuros cheios de desejo, e não aguento mais.

Eu a puxo para os meus braços e começo a beijá-la. Como deve ser.

Com ardor, como um homem faminto. Meus dedos em seu cabelo a

prendem no lugar enquanto nossas línguas se exploram. Um desejo

quente e em erupção incendeia meu sangue, e acho que vou explodir.

Ela me acompanha na paixão, me empurrando para trás em direção à

cama, tirando a barra da minha camisa de dentro da calça jeans e

puxando meu suéter. Seguro sua cabeça com uma das mãos, minha boca

presa à sua, me deliciando com seu gosto, minha outra mão na sua

bunda maravilhosa.

— Alessia!

Alguém bate na porta.

Merda.

Nós nos desvencilhamos com um salto, os dois arfando, ofegantes e

surpresos.

Passo as mãos pelo cabelo.

— Merda! — sussurro, e Alessia dá uma risada.

Soltando o ar, eu a puxo para os meus braços e beijo o topo de sua

cabeça.

— Entre — digo, a voz rouca. — Nós nunca temos muito tempo, não

é? — pergunto a Alessia.
— A não ser à noite. — Seus olhos brilham com uma sensualidade

cheia de disposição.

Ah. É como se ela estivesse se comunicando diretamente com o meu

pau superinteressado.

Shpresa entra no quarto e franze a testa ao ver Alessia abraçada com

Maxim.

— Aí está você, meu coração. — A mãe se dirige a ela em albanês.

— Temos convidadas.

— Eu sei, mamãe — responde Alessia, parecendo ofegante.

— Largue esse homem e vamos continuar com o planejamento. Elas

vão embora daqui a pouco.

Alessia sorri para Maxim.

— Você vai voltar para suas parentes? — pergunta ele.

— Vou, tenho que ir. Nós estávamos conversando sobre a comida e a

decoração do casamento — explica Alessia, com um suspiro. — Não se

preocupe, elas não vão demorar. E aí vamos começar a limpar tudo. —

Alessia solta o ar.

— Tenho que ver alguns e-mails.

— Mama. Vou em um minuto.

Shpresa fecha a cara e depois ergue o dedo indicador.

— Um minuto. Mais nada.

Ela dá meia-volta e deixa Alessia e Maxim, ambos ainda tentando se

recuperar.

Observo a Sra. Demachi sair, aliviado porque ainda estávamos vestidos

quando ela nos interrompeu. Beijo o topo da cabeça de Alessia de novo.


— Baby, sempre vou querer você. Mas vamos esperar até sairmos

daqui.

— Mas ainda faltam dias para isso!

Os protestos de Alessia ampliam meu sorriso.

— E não tenho nenhuma camisinha — murmuro junto a seu cabelo.

— Você pode comprar.

— Posso. Mas não acha que vai ser esquisito as pessoas achando que

você está grávida e eu comprando camisinha?

— Ah.

— Vou pedir ao Tom para trazer.

Alessia solta um arquejo, fica vermelhíssima e esconde o rosto em

meu suéter Aran.

Abro um sorriso e a abraço mais apertado.

— Contei a ele que você não está grávida.

— Eu… eu… humm… podia ir em uma clínica. E tomar pílula

anticoncepcional — sugere, o som abafado pela malha da minha roupa.

— É uma ideia excelente.

Ela arrisca um olhar cauteloso para mim, e sorrio.

Sexo sem camisinha vai ser novidade!

— Tudo bem. Vou fazer isso. Eu devia contar aos meus pais que não

estou grávida.

— Isso. Nós devíamos.

— Tenho um plano. — Ela me encara, hesitante.

— Você tem?

— Amanhã é a data da minha menstruação. — Ela enterra a cabeça

em meu suéter de novo.

Ah.

— Tudo bem. Então você vai contar à sua mãe que não está grávida?

— Vou, sim. Vou encontrar um momento para contar para ela. —

Alessia não consegue me olhar. Imagino que esteja constrangida.

De novo com sua cabeça entre as mãos, encaro seus lindos olhos

escuros.
— Nós devíamos poder falar sobre isso, sobre você e seu corpo. Está

tudo bem. Acho que é um bom plano. — Dou um beijo em sua testa. —

Conte a ela no sábado, talvez.

Aparentemente reconfortada, ela assente.

— É melhor eu ir.

Eu a solto, relutante, e, com um olhar sedento e demorado, ela sai do

quarto, me deixando com um pau duro e um caso grave de dor entre as

pernas.

Foi a mesma coisa quando a conheci.

Sorrio com a lembrança e inspiro, uma respiração profunda e

purificadora. Conforme previsto, a mãe de Alessia surgiu em uma hora

inoportuna. E isso é um problema, porra. A proximidade e o

monitoramento constante dos pais dela estão me enlouquecendo. Estar

aqui me ofereceu uma valiosa perspectiva sobre a educação que Alessia

recebeu e me faz admirá-la mais ainda por fugir para Londres. Ela

cresceu e viveu nessa atmosfera sufocante, sob as rédeas dos pais, a vida

inteira. Estou aqui há duas noites e já sinto falta da minha liberdade. Eu

me sinto como um adolescente de volta à escola.

Sou um homem-feito, porra.

Bem, a maior parte do tempo.

Porém não vou sair daqui, ainda mais se aquele babaca acha que pode

dar as caras e conseguir outra chance com ela.

Bufo com a ironia. Cara, você está mesmo de olho nela.

Esfrego minhas têmporas para extirpar o que resta da minha ressaca e

faço uma anotação mental de onde o pai guarda a espingarda, para o

caso de Anatoli, o Babaca, tornar a aparecer sem ser convidado. Eu

ficaria bem feliz em meter uma bala nele.

Caralho.

Quanto mais cedo sairmos daqui, melhor. Já estou até pensando em

homicídio.
Capítulo Quatro

Deitada na cama, sob o brilho da pequena luz noturna em forma de

dragão, Alessia fita o teto enquanto seus dedos brincam com a cruz de

ouro no pescoço. Ela está exausta, mas sua mente se recusa a se acalmar,

pois fica repassando os acontecimentos do dia e a lista de afazeres.

De manhã, Tom levou Alessia e a mãe até Prizren, em Kosovo, para

comprar um vestido de noiva. A mãe não quis deixar o noivo levá-las

porque dava “azar” e iria “estragar a surpresa”. Assim, Maxim insistiu

que Tom fosse o motorista. O pai de Alessia não se importou. “Como eu

disse, você é problema dele agora. Se é isso que Maxim quer, então que

seja. Além do mais, eu e ele temos assuntos para tratar aqui.”

Alessia fecha a cara no escuro e se vira para a luz noturna.

Ela não é um problema!

Alessia se força a voltar a pensar na ida até Prizren. Foi um sucesso.

Elas tiveram sorte de encontrar um belo vestido, e Alessia acabou

descobrindo um lado mais ameno do amigo mal-humorado de Maxim.

Ele tinha sido educado, gentil e atento com elas. Além disso, tinha dado

sua aprovação relutante ao modelo escolhido.

“Sim, sim. É esse. Muito bonito. Você está… humm… encantadora”,

dissera ele. Seu rosto estava corado, quase da mesma cor que seu cabelo.

Em seguida, tentando não mostrar seu constrangimento, se virara para

examinar os pedestres através da vitrine da loja. Alessia desconfiava de

que Tom estava procurando por Anatoli.

Na ida a Kosovo, Tom lhe contara sobre a empresa de segurança da

qual era proprietário, e onde colocava em prática as habilidades que

aprendera no Exército britânico. Ele se mostrou encantado por ter uma

plateia cativa e atenta. Alessia, por sua vez, ficou fascinada, fazendo
perguntas sobre o trabalho de Tom, e agradecida por ele as acompanhar,

pois Maxim estava supervigilante desde a reaparição inoportuna de

Anatoli.

Ela estremece, ainda abalada pela visita do outro.

O que é que ele estava pensando?

Enquanto andava pelas ruas de Prizren, Alessia havia olhado para trás

diversas vezes, com uma sensação desconfortável no estômago.

Será que estava sendo observada?

Não. Era só sua imaginação.

Ela afasta esse pensamento, e sua mente foca em coisas mais felizes:

o noivo, que, naquela tarde, vestia uma camisa informal. Para sua

surpresa, enquanto estava em Kosovo, Maxim e Thanas tinham ajudado

seu pai a limpar a garagem onde os Demachi iam montar a recepção do

casamento. Com a ajuda de Maxim, o sr. Demachi tinha levado para sua

oficina mecânica na cidade os três Mercedes que ele costumava manter

trancados ali. Ao retornar, o pai de Alessia, Maxim e Thanas

continuaram a esvaziar e arrumar a garagem, preparando tudo para a

tenda que chegaria de manhã. A ideia era montá-la na frente da

garagem, criando um espaço maior para os convidados.

Quando Alessia e seus acompanhantes voltaram de Kosovo, Tom

também arregaçou as mangas e se juntou aos três homens. Enquanto eles

se encarregavam da parte de fora, mãe e filha começavam, na parte de

dentro, a gigantesca tarefa de limpar, limpar e continuar a limpar.

Alessia tinha dado um jeito de escapulir no fim da tarde até a clínica

local. Depois de uma breve conversa, ela havia convencido o médico a

prescrever pílulas anticoncepcionais. Ela conseguiu ir até a farmácia

antes que fechasse e ficou aliviada por não reconhecer ninguém por lá.

Voltou para casa correndo para prosseguir com a limpeza, e ninguém

perguntou aonde tinha ido. Mais tarde, quando sua menstruação desceu,

ela subiu às escondidas e tomou a primeira pílula.

No início da noite, Maxim tinha aparecido na cozinha, as mangas

arregaçadas apesar do frio. Ele estava sujo, corado e com o cabelo

molhado de suor. Tinha um ar… sexy.


Trabalho pesado combina com Maxim.

Ele tinha dado um beijo rápido em Alessia, deixando um gosto de

quero mais antes de entrar no chuveiro.

Maxim no chuveiro.

Fechando os olhos, Alessia vira de lado, e sua mente evoca uma

fantasia de que está no chuveiro com ele. Os dois estão na Cornualha, no

Esconderijo, e Maxim está ensaboando seu corpo, ambos embaixo da

cascata de água, cada vez mais molhados. A mão de Alessia desliza pelo

próprio corpo, imaginando que é a mão dele, assim como é dele a voz

que ela ouve.

Você quer que eu lave seu corpo todo?

Sua respiração se acelera, e ela puxa a camisola até as coxas. Quando

a mão escorrega para entre as coxas e começa a se movimentar, ela se

vira de costas.

Alessia se lembra das mãos habilidosas de Maxim passando o

sabonete em seus seios e depois deslizando pela barriga e escorregando

para o ápice de suas coxas. Seu desejo se desenrola em uma onda que

faz os mamilos se retesarem junto ao algodão macio, mas ela os imagina

se endurecendo por causa dos gestos de Maxim: entre seus lábios,

roçando sua barba por fazer, e depois repuxados por seus dentes.

Ela solta um gemido.

Em sua mente, ele beija seu pescoço, e ela responde com um som de

aprovação ressonando no fundo da garganta.

Humm-humm.

As palavras de Maxim se alastram por sua cabeça.

Você é tão linda.

Ela arqueja à medida que a mão ganha velocidade.

Mais rápido. Mais rápido.

Está gostando?

E ela está por um fio.

Quase lá.

Quero tentar uma coisa nova. Vire, diz ele, ronronando em seu

ouvido.
Alessia goza. Forte. Rápido. E inspira uma lufada de ar.

Conforme retoma seu equilíbrio, acha que agora talvez caia no sono.

Ela se encolhe enquanto a prolongada sensação de prazer e bem-estar

vai se esvanecendo, e seus pensamentos invadem sua cabeça outra vez.

Amanhã a garagem estará pronta, porém ainda há mais limpeza e o

preparo da comida pela frente. Tem muita comida para preparar. E

lembrancinhas para montar: amêndoas açucaradas em pequeninos sacos

de pano. Para sua sorte, suas tias estão ansiosas para ajudar. Na visita de

ontem, todas combinaram o cardápio e quem faria o quê. Uma chef de

cozinha vai estar disponível para ajudá-las no dia.

Será que Maxim vai gostar do que foi combinado?

O Zot! Ela espera que sim.

Ela sabe que não é assim que ele queria o casamento.

Porém, ele continua aqui, não foi embora, e está indo adiante com a

cerimônia para o bem de Alessia e da mãe dela. Alessia abre os olhos e

fita o teto de novo, os dedos mais uma vez remexendo a cruz de ouro à

medida que a ansiedade arde como uma chama.

Sua mãe, que prefere ficar com seu pai.

Será que ela vai ficar bem?

Alessia vem observando os pais nos últimos dias, e parece que eles

chegaram a uma espécie de acordo. É esquisito assistir aos dois. Talvez a

mãe tenha razão. Ele parece… mais gentil. Talvez a partida de Alessia

tenha sido o que precisavam. Talvez ela fosse o motivo da discórdia entre

os dois.

Afinal, ela não é um homem.

Pensar nisso provoca um nó em sua garganta.

Todo esse tempo, será que ela é que tinha atrapalhado a felicidade da

mãe?

Ela é problema seu agora…

Uma lágrima escorre por seu rosto até a orelha.

Essa hipótese é demais para suportar sozinha.

Alessia joga os lençóis para o lado e sai da cama. Agarra apressada o

pequeno dragão e se encaminha para a porta. Devem ser duas da


madrugada, mas ela não tem certeza. Sai do quarto na ponta dos pés,

fecha a porta em silêncio e fica parada no corredor, onde tudo está

calmo, pois os pais foram se deitar horas atrás. Segue sem fazer barulho

até a escada e desce dois andares. Alessia não se importa que talvez

possa acordá-lo quando se esgueira para o quarto, porque agora tudo o

que ela quer, tudo de que ela necessita, é Maxim.

Não consigo dormir, e, no entanto, acho que meu corpo nunca trabalhou

tanto quanto hoje. Bem, não desde que meu pai nos fazia ajudar com as

colheitas na fazenda da nossa propriedade. Na época, eu estava no início

da adolescência e esbanjava energia.

Agora? Não tanto.

Eu nem neguei o shot de raki que tomei esta noite para aliviar a dor

nos músculos. Amanhã de manhã vou sair para correr antes de fazer

qualquer coisa. Ainda bem que trouxe roupa de corrida.

Por mais estranho que pareça, foi bom ajudar meu futuro sogro. Ele é

carrancudo e mal-humorado, e não faço ideia do que passa pela cabeça

dele, mas é um homem decidido, trabalhador e organizado. Ele tem um

objetivo, o que é um alívio, já que estou me sentindo perdido aqui. No

final de um longo dia, me deu um tapinha nas costas e me entregou as

chaves de um de seus carros: um velho Mercedes C Class. Thanas

traduziu:

“Para você. Quando você estiver aqui. Seu carro. Você pode dar o

Dacia para seu amigo. Pegue depois. E, por enquanto, estacione na rua.”

“Faleminderit”, respondi. Obrigado em albanês.

Ele então sorriu, e foi a primeira vez que o vi sorrir de verdade. Sua

aceitação e generosidade levantaram meu moral.

Talvez ele não seja tão ruim assim.

Ele só está fazendo o que acredita ser o certo para a filha.


Agora, porém, estou com dificuldades para dormir. Algum dia

imaginei que me casaria em uma garagem? Na Albânia? Algum dia

imaginei que me casaria antes dos trinta anos? Graças a Deus minha

mãe não sabe de nada. Mas pensar nisso me faz sorrir… se ela soubesse,

iria surtar.

Alessia e a mãe foram fazer compras com Tom. Elas me proibiram de

acompanhá-las, pois iam comprar O Vestido. Só entreguei meu cartão de

crédito para Alessia e dei uma piscadela. Ela aceitou, agradeceu e me

deu um beijo na bochecha.

Elas voltaram exultantes, e Tom estava bem encantado com a minha

futura esposa.

“Ela é uma joia rara, Trevethick. Eu entendo você”, falou quando se

juntou a nós na missão de esvaziar a garagem.

Alessia e a mãe passaram a maior parte da tarde fazendo faxina. De

noite, a casa estava impecável. Ela devia estar exausta. Espero que esteja

dormindo profundamente e sonhando comigo. Quando tudo isso

terminar, e depois de todo esse trabalho árduo, vamos precisar de umas

férias.

Uma lua de mel.

Eu podia levar Alessia para um lugar bonito. O Caribe, talvez.

Ficaríamos sentados em uma praia tranquila embaixo de palmeiras

balançando, bebendo coquetéis, lendo livros e fazendo amor embaixo

das estrelas. Meu corpo fica inquieto diante da ideia.

Puta merda. Eu estava em Cuba e depois em Bequia no Natal com

meu irmão e a esposa, Caroline.

Parece que foi ontem.

Foi apenas há oito semanas.

Merda.

Tanta coisa aconteceu desde então.

Falei com Oliver agora à noite. Além de me atualizar sobre os

negócios, ele tinha conseguido um visto para Alessia, que devemos

pegar na embaixada britânica em Tirana. O próprio embaixador agilizou

o processo, já que ele conhecia meu pai. Assim, Alessia pode voltar para
a Inglaterra como turista até conseguirmos um status de residente ou um

visto de cônjuge. A embaixada também vai providenciar um tabelião

para autenticar a certidão de casamento e tornar tudo oficial.

Vou me reunir com um advogado que Rajah recomendou quando

voltarmos a Londres. Ele me avisou que temos muito trabalho a fazer

antes que Alessia possa permanecer no Reino Unido.

A porta se abre com um rangido, me assustando, e Alessia entra de

maneira furtiva, usando sua camisola ridícula e carregando a pequena

luz noturna. Meu coração palpita.

Ela está aqui. A minha garota.

Mesmo no escuro, sorrio quando ela avança para a cama.

— Olá — sussurro, minha alegria ressonando forte entre as minhas

pernas.

Afasto as cobertas para ela se juntar a mim.

— Oi — responde ela, com a voz um tanto áspera.

— Está tudo bem?

À luz do pequeno dragão, ela assente, então o apoia na mesa de

cabeceira e sobe na cama. Dou um beijo em sua bochecha e depois a

abraço e a seguro bem perto enquanto ela repousa a cabeça em meu

peito.

— Não consigo dormir. Estou tão cansada… — murmura ela.

— Eu também. Pode dormir agora. — Beijo seu cabelo, inspiro seu

perfume e fecho os olhos.

É aqui que ela deve estar… comigo.

Para sempre.

Eu me sinto flutuando.

Alessia fecha os olhos nos braços do homem que ama. É onde ela deve

estar. Ficar aqui, envolta em seus braços, lhe traz uma sensação de lar.

Alessia não se importa se for pega pelos pais, ela e Maxim só estão
dormindo. Ela suspira quando sua mente enfim se aquieta e cai em um

sono profundo e tranquilo.

Estamos no início da tarde de sexta-feira, e não consigo parar de checar

as horas. Joe disse que chegaria por volta das três e vinte. Tom, que tem

cumprido o papel de motorista do grupo nos últimos dias, foi buscá-lo

no Aeroporto Internacional de Tirana. Joe me mandou uma mensagem

dizendo que estavam a caminho e que tinha uma surpresa para mim.

Não sei se gosto de surpresas.

O jardim da frente da casa dos Demachi está imaculado e digno de

uma recepção de casamento. Há uma tenda junto à garagem, e mesas e

cadeiras foram dispostas lá dentro. O lugar está limpíssimo. Ontem,

todos ajudamos a colocar a tela branca doada por uma das tias de

Alessia. O teto da garagem agora se encontra coberto por uma cobertura

delicada e luzinhas. Tudo está bem bonito. Até romântico. Há fios de

luzes decorativas nas paredes e arranjos de luzes em cada uma das

mesas de plástico, cobertas com toalhas de linho. Levando em conta o

prazo tão curto, os Demachi fizeram um bom trabalho. Alugaram alguns

aquecedores externos para a tenda, e há uma lareira portátil a lenha de

tamanho razoável na outra extremidade da garagem, que tenho certeza

de que será acesa. Assim, se tudo der certo, nossos convidados não vão

congelar.

O DJ, Kreshnik, um primo de Alessia, montou uma pequena cabine

no canto da garagem. Seu equipamento é dos velhos tempos: um laptop

e humildes decks Numark Mixtrack Pro. Não vejo um desses há anos.

Ele os conectou em alguns alto-falantes, e o som é surpreendentemente

agradável e nítido.

— Que som incrível. — Faço um sinal de positivo para ele e sorrio.

Kreshnik sorri de volta, e sei que não entendeu nada do que eu disse.

— Maxim! — chama Alessia.


Abro um sorriso ao vê-la. Ela deve querer que eu prove alguma coisa.

O aroma da cozinha está delicioso. Demachi, que está juntando lenha no

canto da garagem para usar na lareira portátil, se vira e dá um sorriso

breve.

— Ajo do të të shëndoshë! — grita ele, rindo, mas não faço ideia do

significado.

Thanas se aproxima, dando risada.

— Ele disse: “Ela vai engordar você.”

Achando graça, ando apressado na direção da casa, mas me viro para

entrar na brincadeira:

— Diga para ele que “Assim espero”.

Entro correndo na casa, tiro meus sapatos e me encaminho para a

cozinha. Eu me apoio no arco e admiro em silêncio minha futura esposa,

que está perto do fogão, mexendo em uma panela grande e balançando

os quadris com a música aos berros pelo alto-falante de seu celular novo.

Seu cabelo está preso em um rabo de cavalo que se mexe junto com ela.

Alessia veste uma calça jeans apertada com uma das blusas que

compramos em Padstow e um bonito avental florido. Ela é jovem, linda

e está à vontade: o suprassumo da rainha das atividades domésticas.

Qualquer vestígio de trauma desapareceu. Mais nenhum hematoma.

Nenhuma escoriação. E me sinto mais do que grato por sua aparência

estar tão boa.

Também dançando ao ritmo da música, Shpresa mistura uma grande

quantidade de massa.

Nossa, como ela tem energia.

A música que estamos ouvindo é uma canção pop albanesa. Um hit.

A vocalista tem uma voz incrível.

Alessia abre um sorriso ao me ver.

— Tome. — Ela ergue uma colher de pau respingando algo cheiroso

que leva carne no preparo.

Quando me aproximo, me lança um olhar ardente e leva a colher aos

meus lábios, me observando com atenção, seus olhos se intensificando à

medida que o petisco se derrete na minha boca.

É
É suculento, com um gosto de alho e algo picante.

Delicioso.

— Humm… — falo enquanto saboreio.

— Você gostou?

— Você sabe que gostei. Muito. E gosto de você.

Ela sorri e dou um selinho em seus lábios.

— Tavë kosi?

— Você se lembrou! Minha receita especial. — Ela fica encantada e

balança os quadris ao ritmo da música, os olhos escuros cheios de

promessas enquanto mexe a panela.

Ah, baby.

Falta pouco.

Ela agora tem um passaporte novo em folha, e, portanto, podemos

partir assim que ela quiser.

Graças a Deus.

— Ei! — Escuto um chamado vindo da porta da frente.

— Joe! — exclamo para Alessia e saio correndo em direção ao

corredor.

Joe está parado no umbral, elegante como sempre, vestindo um terno

sob medida azul-escuro e sobretudo azul-marinho. Assim que me vê, ele

abre os braços.

— Trevelyan! Meu amigo.

Dou uma trombada nele e o abraço.

Porra, como é bom vê-lo.

— Meu camarada. — Minha voz sai rouca quando uma súbita onda

de emoções se engasga na garganta.

Ele me aperta com força e depois se afasta, me observando.

— Você está bem? — pergunta.

Estou tão emocionado que só consigo confirmar com a cabeça.

Puta merda. Não quero desmoronar justo agora. Não vou conseguir

superar a vergonha.

— Você está com uma cara ótima, Maxim — comenta ele com um

amplo sorriso. — A bagagem está no carro. Eu trouxe seus ternos, as


alianças e… — Ele se vira e, atrás dele, de pé perto do carro, está a

minha irmã.

Maryanne.

Merda.

Atrás dela, com uma expressão que pode me transformar em pedra,

está a viúva do meu irmão.

Caroline.

Puta que pariu.


Capítulo Cinco

Olho para Joe, que dá de ombros, se desculpando assim que Maryanne

chega na porta da casa e joga os braços em volta de mim.

— Maxie — sussurra ela. — Você encontrou Alessia, então.

— Encontrei.

— Tem alguma coisa que você queira nos contar? — diz ela,

inclinando a cabeça para o lado, o sarcasmo transbordando de cada

palavra.

E sei que ela está enfurecida, mas também controlando sua irritação

com firmeza.

Ah, não.

Caroline entra valsando por trás dela e me oferece uma bochecha

para um beijinho. Sem abraço.

— Tivemos que voar de classe econômica — dispara ela.

Merda.

Estou mais encrencado do que pensava. Tom e Thanas a seguem para

dentro.

— Entre e conheça a família — digo, ignorando sua frieza. — E tire

os sapatos.

Shpresa e Alessia estão paradas do lado do fogão enquanto conduzo

Joe e nossas convidadas-surpresa para a sala de estar. Elas nos encaram

sem entender quando entramos no cômodo. Alessia abandona a panela

no fogão, limpa as mãos no avental e desliga a música do celular.

Apresento Joe primeiro, já que o estávamos esperando. Sempre

cavalheiro, ele dá um passo à frente, a mão estendida.

— Sra. Demachi, como vai a senhora? — diz ele, com um sorriso

deslumbrante. — Estou encantado em conhecê-la.


Menos, cara. Menos.

Shpresa, mesmo em estado de choque, aperta a mão dele.

— Olá. Você é bem-vindo aqui — diz ela.

Joe sorri e se vira para Alessia, que está de olhos arregalados e

pálida, como se tivesse sido pega no meio do fogo cruzado.

Ah, não.

— Alessia, que prazer ver você de novo.

— Oi — responde ela, e acrescenta: — E, dessa vez, você está

usando roupas.

Ele ri alto, e um pouco de cor retorna ao rosto de Alessia quando ela

abre um sorriso. Joe a abraça e beija suas bochechas.

As duas!

Cara!

A mãe dela franze a testa com a interação, mas não diz uma palavra.

— Sra. Demachi, essas são a minha irmã e a minha cunhada,

Maryanne e Caroline.

Elas apertam as mãos uma de cada vez.

— E essa é minha noiva, Alessia. Caroline você já conheceu.

Caroline lhe dá um sorriso breve, mas, creio eu, sincero.

— Oi de novo — diz ela.

Alessia oferece a mão, e elas se cumprimentam.

— Oi… Caroline. — A voz dela está trêmula, revelando o

nervosismo, mas, antes que eu possa dizer alguma coisa, Maryanne lhe

estende a mão.

— Tudo bem? — diz ela.

Alessia aperta a mão dela e olha de Maryanne para mim.

É verdade. Somos parecidos.

— Tudo bem? — pergunta Alessia.

Os olhos de Maryanne se arregalam um pouco de surpresa, e ela

sorri.

— Agora entendo por que tanto alvoroço — comenta ela, de sua

maneira direta.

Alessia franze a testa, talvez sem entender que é um elogio.

É
— É. Bem. — Tropeço nas palavras.

Isso é constrangedor.

— Agora que todos nós nos cumprimentamos… — consigo dizer.

— Por favor, sentem-se. — Shpresa me salva e aponta para a mesa de

jantar. — Estamos nos preparativos para o casamento.

— Na verdade, antes de nos sentarmos — diz Maryanne, usando sua

voz estridente de médica. — Posso dar uma palavrinha com meu irmão?

Em particular.

Maryanne concentra seus brilhantes olhos verdes em mim, e sei que

estou em uma merda federal.

— Vocês podem usar a sala — indica Alessia, olhando para mim

com ansiedade.

— Me leve até lá — pede Maryanne.

Como eu sei o que ela vai falar e não quero que fale na frente de

Alessia e da mãe, pego a mão dela e quase a arrasto para fora dali.

Em completo silêncio, atravessamos o corredor.

Alessia assiste a Maxim saindo com a irmã. Ela acha que ele está

irritado, mas não entende por quê.

Será que ele não quer a família dele aqui?

Ele tem vergonha dos próprios parentes?

Ou tem vergonha dela e da família dela?

Alessia tenta não pensar muito nessa hipótese porque teme que possa

ser verdade. Ela volta sua atenção para Tom e Thanas, que entraram no

cômodo, e observa Tom e Joe se cumprimentarem com um soquinho.

— Estou tão feliz que você veio, velho. — Joe sorri, os dentes

brancos e brilhantes à mostra, e dá um tapa nas costas de Tom.

É óbvio que são bons amigos. Tom oferece um sorriso educado a

Caroline. Ele é mais reservado com ela. Alessia acha que Tom fica mais

confortável na companhia de homens que de mulheres.


Como um homem albanês.

Tom apresenta Thanas a Joe e Caroline.

— Nós não estávamos esperando essas mulheres — comenta a mãe

em albanês, desviando a atenção de Alessia.

— Eu sei. E não acho que Maxim tenha gostado.

— Elas vão ter que dormir no quarto que tínhamos reservado para o

amigo de Maxim.

— É. Devíamos oferecer um chá ou alguma coisa mais forte.

Naquele momento, o Sr. Demachi entra, e as apresentações

recomeçam. Ele parece encantado em conhecer uma mulher linda e

cheirosa, e Alessia não pode culpá-lo. Ela não consegue tirar os olhos de

Caroline. Ela é a mulher mais elegante que Alessia já viu. De calça

cáqui e um suéter creme, um cachecol de seda simples com uma

estampa discreta cáqui e creme no pescoço, Caroline irradia riqueza e

berço. Até mesmo as pérolas nas orelhas e o cabelo brilhante, com um

corte chanel liso.

Perto dela, Alessia se sente desleixada e desgrenhada com a calça

jeans e o avental manchado.

Ela se encaixa direitinho no papel de faxineira de Maxim.

E, da última vez que Alessia viu Caroline, ela estava nos braços de

Maxim.

Quando fecho a porta, Maryanne se vira, o cabelo voando.

— Que brincadeira é essa, caramba? Casar com sua faxineira? Sério?

O que é que deu em você, porra?

Olho perplexo para ela, atordoado pelo ataque e, por um momento,

sem palavras para sua agressividade.

— E aí? — exige ela.

— Eu não achava que você fosse esnobe, Maryanne — retruco,

minha raiva crescendo.


— Não sou. Só estou sendo prática. Que diabos uma mulherzinha…

daqui… — Ela gesticula para o quarto — … pode te oferecer?

— Amor, para começo de conversa.

— Ah, pelo amor de Deus, Maxim. Você enlouqueceu? O que vocês

têm em comum?

— A música, por exemplo.

Minha irmã me ignora, ela pegou o embalo.

— E fazer isso semanas depois da morte do Kit? Isso é seu luto. Você

sabe disso, não sabe? Não tivemos nem tempo suficiente para chorar a

morte dele. Você não tem um pingo de respeito?

— Bem, o momento não é o ideal, mas…

— Não é o ideal? Por que essa pressa? — Ela arregala os olhos. —

Ah, não. — Sua voz diminui. — Não me diga que ela está grávida.

Cerro os dentes, mal conseguindo me controlar.

— Não. Ela não está. É… — Suspiro e passo a mão pelo cabelo

enquanto luto para encontrar uma explicação que possa satisfazê-la.

— É o quê?

— É complicado.

Ela olha irritada para mim, e juro que, se eu fosse lenha seca, já teria

virado uma pilha de cinzas queimada. Ela está lívida, mas de repente sua

expressão muda.

— E pensar que você ia adiante com essa palhaçada sem nos

convidar! — A voz dela falha, e lágrimas surgem.

Merda. M.A.!

Ela está magoada.

— Isso é o que mais está me machucando — sussurra ela.

Suas palavras são um soco no estômago.

Puta merda. Eu não fazia ideia de que ela se sentiria assim.

— É esse o problema? — Meu tom está mais suave. — Eu casar com

Alessia ou você não receber um convite?

— O problema é você pensar que nós não íamos querer estar aqui.

Mesmo no fim do mundo! Ou que você não nos queria aqui. As duas

opções me magoam. Qual é seu problema, Maxie? Eu já perdi um irmão


este ano. Você é tudo o que eu tenho. Você é a minha família. — As

lágrimas agora rolam pelo rosto dela. — E você faria isso sem a gente…

Ela funga e puxa um lenço para assoar o nariz.

Merda.

— Me desculpe — digo.

Abro os braços, e ela se aconchega sem hesitar e me abraça com

força.

— E eu só descobri pela Caro — gagueja ela.

— M.A., eu não pensei na situação — sussurro contra seu cabelo. —

Foi tudo rápido demais. Mas vamos fazer outra cerimônia em Londres

ou na Cornualha. E só para você saber, não estou de brincadeira. Vou

me casar porque achei uma mulher por quem estou perdidamente

apaixonado e quero envelhecer ao lado dela. Alessia é tudo para mim,

me sinto vivo desde que a conheci. Ela é carinhosa, compreensiva e me

apoia em tudo. Ela é maravilhosa. Nunca conheci ninguém como ela e

nunca senti isso por ninguém. Eu preciso dela, e, mais ainda, ela precisa

de mim.

Cara, que discurso.

Ela solta um suspiro demorado e trêmulo e me examina com os olhos

vermelhos.

— Você se apaixonou mesmo, né?

Confirmo com a cabeça.

— Você sabe que vai ser difícil para ela exercer o papel que é

esperado para sua esposa.

— Sei. Mas ela vai poder contar com nossa ajuda. Não vai?

Maryanne me examina mais uma vez e suspira.

— Se ela faz você feliz, porque isso é tudo o que eu quero para você,

Maxim, então, sim, ela vai contar com nossa ajuda.

Dou um sorriso.

— Obrigado. Ela me faz mais do que feliz. E espero que eu faça o

mesmo por ela.

— Ela é linda.

— Ela é. E engraçada e doce e adorável.


A expressão nos olhos de Maryanne se suaviza.

— E ela é extremamente talentosa.

— Em quê? — Maryanne arqueia uma sobrancelha.

Dou uma gargalhada.

— Alessia é pianista.

— Ah. — Ela fica surpresa e olha para o velho piano vertical que tem

um lugar de honra na sala. — Mal posso esperar para escutá-la.

— Hum… Você contou para a Nave Mãe?

Maryanne semicerra os olhos.

— Não. Eu não quis ferir os sentimentos dela.

— Ela tem sentimentos?

— Maxim!

— Precisamos voltar.

Todos, exceto Shpresa, estão sentados à mesa. Alessia olha para mim

e Maryanne quando entramos. Ela franze a testa e se concentra nas

próprias unhas, embora eu tente tranquilizá-la com o olhar. Os olhos de

Caroline se estreitam quando ofereço uma cadeira para Maryanne se

sentar, e sei que, em um futuro não tão distante, terei com a minha

cunhada a mesma conversa que acabei de ter com a minha irmã.

Shpresa está trazendo um bule de chá, algumas xícaras, uma garrafa

de raki e vários copos.

Raki. Já? Caramba.

Alessia torce o avental entre os dedos. A irmã de Maxim é tão elegante

quanto Caroline. Ela é alta e linda, com cabelo vermelho vibrante e tão

bem-vestida quanto a cunhada.

Como Alessia pode esperar ser considerada alguém do mesmo nível

que essas mulheres?

Os ingleses são tremendamente esnobes. Eles vão desprezar você.

Vão olhar de nariz empinado para você.


As palavras de Anatoli voltam para assombrá-la e deixam Alessia na

defensiva.

Shpresa oferece chá às mulheres e raki aos homens.

— Essas mulheres precisam ficar aqui — diz o pai dela à mãe.

— Isso mesmo — concorda a mãe. — Alessia, diga para elas.

— Posso ajudar — diz Thanas enquanto olha com suspeita para o

copo de raki.

— Está tudo bem — diz Alessia em inglês. — Caroline, Maryanne,

vocês são bem-vindas para ficarem aqui. Vão ter que dividir um quarto.

— Isso é muito gentil da sua parte, Alessia. Nós tínhamos pensado

em ficar em algum hotel próximo — responde Caroline.

— Vocês são bem-vindas aqui — declara Shpresa.

— Vamos adorar ficar aqui, se não for muito trabalho — diz

Maryanne.

— Ótimo. Está resolvido — conclui Tom, e ele se volta a Maxim. —

Agora, como seu padrinho, é minha incumbência organizar sua

despedida de solteiro. É uma tradição.

— O quê? — pergunta Maxim, se sentando do lado de Alessia e

pegando a mão da noiva. Ele a aperta de uma forma tranquilizadora.

— Trevethick, está se esquecendo? Você vai se casar amanhã.

— Como eu esqueceria?

Maryanne e Caroline trocam olhares.

— Então, esta noite — continua Tom —, vamos beber todas em

Kukës.

— Cara — diz Joe. — Estou dentro.

— Thanas? — convida Tom.

— Eu não perderia isso por nada nesse mundo!

— O que é isso? — pergunta Jak, olhando para a filha em busca de

explicação.

— Os homens vão sair esta noite em Kukës. Acho que é uma tradição

ocidental — explica Alessia.

— Para onde?

— Para os bares.
— Eu tenho que ir com eles. Conheço os melhores lugares. — O pai

dela sorri para Maxim.

— Vou falar para ele. — Alessia olha de maneira insegura para

Thanas, depois para Maxim.

— Seu pai quer ir com a gente — adivinha Maxim.

— Quer.

— Caramba. — Maxim sorri e balança a cabeça. — Tudo bem.

— Vou falar com os meus irmãos. E com os meus primos e os meus

tios — diz o pai dela.

— E nós? Maryanne e eu? — pergunta Caroline, encarando Maxim

com seus imensos olhos azuis.

Ela parece não conseguir desviar o olhar dele.

Ah.

— Só os homens! — insiste Tom.

— Talvez a gente possa levar Alessia para sair — oferece Maryanne.

— Tenho muita coisa para fazer — diz Alessia, rápido.

— Bem, nesse caso, vamos ajudar. Não vamos, Caro?

— Ah, não. Vocês são convidadas — protesta Alessia.

— Ficaríamos honradas de ajudar, se pudermos — responde

Caroline, mas olha ansiosa para Maxim. Ou seria um olhar de devoção?

Então Alessia lembra que ela perdeu o marido há não muito tempo, e

Maryanne, o irmão. Eles estão ligados pelo luto.

Estou dividindo o quarto de hóspedes com o Joe agora. Não é a primeira

vez que isso acontece. Dormimos no mesmo quarto na escola e em

viagens durante a adolescência, e, há nem tanto tempo, quando

estávamos completamente bêbados no fim de uma noitada.

Ele está desfazendo a mala, e penduro os dois ternos que ele trouxe.

— Cara, como você tem estado, de verdade? — pergunta ele.

— Bem. Um pouco inquieto, se quer mesmo saber a verdade.

É É
— Maxim. Preciso perguntar… Esse casamento. É coisa sua? É o

que você quer?

— Em que sentido?

— Você é pegador. Está pronto para se amarrar a uma mulher só?

Olho para ele, perplexo.

— Eu não estaria passando por tudo isso se não estivesse!

— Cara. Só estou perguntando.

Dou um suspiro, controlando a paciência.

— É isso que eu quero. É isso que ela quer. Por que é tão difícil

acreditar?

Ele levanta as mãos, tentando remediar a situação.

— Ok, ok. Eu acredito em você.

— Mas chega disso. O que houve?

— Achei melhor trazer dois ternos. Para você poder escolher.

— Não. Quero dizer em relação à minha família, que você trouxe

junto.

— É. Desculpe. Cruzei com Caro quando estava saindo do seu prédio

com os ternos.

— Ah.

— Fiquei de mãos atadas. Ela queria saber o que diabos eu estava

fazendo.

— Entendi.

— Ela está puta, cara. Com você.

— Eu sei. Não contei para elas. Não queria confusão. Mas consegui

conversar com Maryanne e explicar tudo. Caro vai ter que esperar.

— Alessia sabe sobre você e ela?

— Do que você está falando?

— Sobre antes do Kit.

— Hum… Não. — E, óbvio, tem também a questão de que

dormimos juntos depois da morte do Kit.

Caralho.

— Você acha que eu devia contar? — perguntei.

Ele dá de ombros.
— Não faço ideia.

— Nós não falamos sobre… nada disso.

— Deixe para a lua de mel.

Rio de uma maneira um pouco nervosa.

— Isso. Boa ideia.

— Você planejou uma viagem?

— Planejei. Cuidei disso. É uma surpresa para Alessia.

— Legal. Aqui as alianças.

Ele me entrega uma sacolinha, dentro da qual há duas caixas cor-de-

rosa embrulhadas para presente.

— Ótimo. Obrigado.

Eu me sento na cama e abro a sacola.

Joe se senta do meu lado.

— Então, me conta como é o casamento aqui.

Mais tarde, Maxim e Joe entram na cozinha. Alessia está na bancada

batendo ovos e inspira com força, absorvendo a visão que é o noivo. Os

olhos verdes de Maxim reluzem com uma promessa sedutora, e seu

cabelo brilha, as mechas douradas refletindo sob as lâmpadas. Ela ainda

se espanta que esse homem lindo vai ser seu marido. De jaqueta, camisa

branca e calça jeans, ele está uma delícia. Seus olhares se encontram, e

ele sorri e desfila até ela.

— Como você está? — pergunta ele baixinho.

— Estou bem. E você?

— Bem.

Ele beija a testa de Alessia, e ela inspira um vestígio do cheiro dele. É

uma mistura de sabonete e espuma de barbear com a fragrância

preferida dela: Maxim. Ele coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha

da noiva.

— Você está muito gostosa.


Ela ri, deleitando-se com aquela atenção.

— Estou parecendo sua faxineira.

Ele pega o queixo de Alessia com o polegar e o indicador, inclina

com delicadeza sua cabeça para cima e dá um beijo demorado em sua

boca.

— Não. Você está parecendo uma condessa.

Ela suspira diante da expressão intensa e radiante dele, mas sua mãe

pigarreia, interrompendo os dois. Ele se vira e sorri para Shpresa, depois

para as duas mulheres sentadas à mesa.

— Estou vendo que colocaram vocês para trabalhar — comenta ele,

olhando para Caroline e Maryanne, que estão picando espinafre e

azedinha.

— Queremos ajudar — afirma Maryanne, com um sorriso alegre.

— Isso é surpreendentemente terapêutico — diz Caroline, com um

olhar intenso para Maxim.

— Tem vinho em algum lugar — menciona ele, ignorando a atenção

da cunhada. — Compramos vários para a cerimônia no sábado. Acho

que está lá atrás.

— Eu mataria por uma taça de vinho! — exclama Caroline, e Alessia

não tem certeza se ela está expressando desespero ou alívio.

— Vou pegar uma garrafa — diz Shpresa, e desaparece na despensa.

— Então, como é a vida noturna aqui, Alessia? — pergunta Joe.

Ela dá de ombros, um pouco constrangida.

— Não sei. Nunca saí muito à noite.

Todos se viram para encará-la, e ela fica vermelha.

— Meus pais são protetores — explica ela rápido, mas percebe

Caroline olhando para Maryanne com a testa franzida.

Sua mãe volta, empunhando uma garrafa de vinho branco.

— Pode deixar que eu abro — oferece Joe.

Shpresa lhe entrega a garrafa e um saca-rolhas e traz duas taças para

a mesa.

— Duas? — pergunta Joe, consternado.


Alessia e a mãe se entreolham. Então a atenção da mãe vai para os

ingleses, que fitam as albanesas, depois pousa de novo em Alessia. Os

olhos de Shpresa brilham com uma travessura que Alessia nunca tinha

visto. A mãe sorri e pega mais duas taças.

Mama!

Joe serve as quatro taças quando Baba entra no cômodo. Ele está de

barba feita, gravata e camisa limpa. Bem elegante.

— Está todo mundo pronto? — pergunta ele a Alessia na língua

deles, o tom de voz animado.

— Acho que sim, Babë.

Ele encara a esposa.

— Você está bebendo? — pergunta, chocado.

— Estou. Todos nós já comemos. Vou ficar bem. — Ela levanta a

taça para ele.

E Maryanne, Caroline e Alessia fazem o mesmo.

— Gëzuar, Babë — diz Alessia.

Ele olha boquiaberto para a esposa e a filha e depois para Maxim,

aquiescendo.

— Como eu disse, ela é problema seu agora.

Mas Maxim não entende.

— Gëzuar, Zonja — diz ele para as mulheres, depois se vira para Joe

e Maxim. — Nós vamos.

O quê?!

Alessia olha pasma para a mãe, que também está espantada. É a

primeira vez na vida que elas ouvem o pai falar inglês. Ela toma um

rápido gole de vinho e assiste aos homens saírem do cômodo.

— O que foi? — pergunta Maryanne para Alessia.

— Meu pai. Ele nunca fala inglês.

Maryanne ri.

— Existe uma primeira vez para tudo. E nada mal esse vinho, hein.

— É albanês — diz Alessia, sem conseguir disfarçar o orgulho na

voz.
— Saúde, Alessia, Sra. Demachi, e parabéns. — Maryanne ergue sua

taça.

Caroline a imita e todas elas tomam um gole. O vinho é delicioso,

embora não tão gostoso quanto o que ela tomou na biblioteca na

Cornualha. Ainda assim, Caroline e Maryanne parecem apreciá-lo, o

que, como uma albanesa orgulhosa, agrada Alessia.

— Acabamos de cortar o espinafre. O que fazemos agora? —

pergunta Caroline.

* * *

Alessia colocou as duas travessas grandes de tavë kosi no forno para

assar e foi se sentar ao lado da mãe enquanto as mulheres fazem byrek.

Shpresa abre a massa e Alessia, Maryanne e Caroline a recheiam com

uma mistura de espinafre, azedinha e queijo feta, que Shpresa preparou

com ovos, alho e cebola. Enquanto fazem os rolos, cada uma vai

bebendo do próprio vinho.

A conversa vai e vem, mas as brincadeiras entre Caroline e Maryanne

são divertidas.

— Não acredito que você se apaixonou por um americano. —

Caroline provoca Maryanne.

— Me apaixonei?

— Querida, desde que ele ligou para você no aeroporto você está com

um olhar apaixonado que eu nunca tinha visto.

— Não estou!

— Acho que você está negando até demais. Quando nós vamos

conhecer ele?

— Não sei. Ethan talvez vá para a Inglaterra na Páscoa. Vamos ver.

Ele é difícil de decifrar. — Maryanne lança uma expressão penetrante

para Caroline, que faz biquinho com um falso desdém.

— Há quanto tempo vocês se conhecem? — pergunta Alessia.

Ela está se sentindo um pouco tonta do vinho; já estão na segunda

garrafa.
— Eu e Maxim ficamos amigos na escola — responde Caroline. —

Bem, mais do que amigos. Só que isso foi há muito tempo.

Ela franze a testa, ainda encarando a mistura de espinafre, e espalha-a

sobre a massa, depois a torce em um rolinho.

Mais do que amigos!

— Acho que nós nos conhecemos em uma das festas de verão da

Rowena. A partida anual de críquete na Mansão Tresyllian — diz

Caroline para Maryanne.

— É. Naquela época. Você e Maxim vieram de Londres. Preciso

admitir, ainda é muito divertido. Eu adoro homens com o uniforme

branco de críquete.

— Verdade. — Caroline soa nostálgica. — Kit ficava lindo de

branco, e era um batedor habilidoso também.

Ela fita a taça.

— Era mesmo — concorda Maryanne, e o clima entre as mulheres

fica péssimo.

— Sinto muito pela perda de vocês — diz Alessia baixinho.

— Pois é. Bem. Obrigada. — Caroline engole em seco e joga o

cabelo brilhante para trás como se estivesse tentando afastar um

pensamento ruim. — Vai ser uma responsabilidade sua sediar a partida

de críquete anual da cidade no próximo verão, Alessia, entre muitos

outros eventos.

Alessia a encara. Ela não entende nada de críquete.

— Você não sabe mesmo o que esperam de você, não é? — pergunta

Caroline.

— Agora não — Maryanne adverte Caroline.

— Não — sussurra Alessia.

Caroline suspira.

— Bem… — Ela lança a Maryanne um olhar tranquilizador. —

Vamos estar lá para ajudar.

— Vamos terminar esses byrek — declara Maryanne, animada, e

Alessia percebe que ela está tentando melhorar o clima.


O bar está lotado e barulhento, mas a atmosfera é sociável e festiva,

apesar dos arredores espartanos. Esse é o terceiro bar a que vamos, e é

tão bom quanto os dois primeiros, embora não tão sombrio, porque há

diversas camisas e cachecóis do time de futebol FK Kukësi nas paredes.

O esporte é muito popular em Kukës. Essa noite, os homens — todos

conhecidos ou parentes de Jak Demachi, ao que parece — estão por aí

afogando as mágoas, já que o time perdeu para Teuta, o time de Durrës.

Nosso amor por futebol ajuda a quebrar o gelo. Joe e eu, que somos

torcedores do Arsenal e do Chelsea, respectivamente, nos solidarizamos

com a tristeza deles. Tom é fã de rúgbi, como nós dois, mas não liga

muito para futebol.

Estou na minha quarta cerveja e sentindo o efeito. Não consigo me

lembrar do nome de ninguém, mas Tom e Joe estão segurando as pontas.

Joe, como o homem bonito que é, sem dúvida atrai todos os olhares.

Não vi nenhuma pessoa negra na Albânia, embora eu tenha certeza de

que elas existem, mas Joe não parece desconfortável com a atenção. É o

oposto, na verdade — ele está curtindo. Estamos sendo tratados como

convidados de honra, os albaneses encantados por estarmos aqui.

Para ser sincero, é tocante.

Só há dois problemas neste instante: o primeiro é Caroline e o fato de

que terei que encarar sua fúria em algum momento. Ela tentou fingir que

está tranquila quanto ao casamento, mas isso me deixou preocupado. Ela

deve estar magoada, e preciso pedir desculpa. O segundo é a

desconfortável sensação de estar sendo vigiado. Eu sei que todos nessa

cidade pequena estão curiosos em relação a nós, mas volta e meia um

arrepio perturbador desce pelas minhas costas, como se alguém estivesse

me observando.

Será ele?

O “prometido” dela.

Ele está observando? Não sei.

Pode ser apenas minha imaginação.


— Urdhëro! — Jak me entrega mais uma cerveja. — Më pas raki! —

Ele bate minha garrafa na dele.

Ah, meu Deus, raki. A bebida do diabo!

Está tarde. A comida está esfriando e pronta para ir para as geladeiras da

despensa. Alessia está sentada com Caroline e Maryanne à mesa, já na

terceira garrafa de vinho. Sentindo-se mais tonta do que antes, ela parou

de beber. Sua mãe foi sensata e se retirou para dormir. Afinal, vão ter um

grande dia amanhã.

Alessia boceja. Não há sinal dos homens, e ela suspeita que Maxim

vai estar tão bêbado quanto na noite do raki. Ela gostaria de ir para a

cama, mas Caroline e Maryanne estão conversando sobre homens, e é

fascinante.

— Homens são difíceis de entender — comenta Maryanne.

— Emocionalmente indisponíveis, isso sim — responde Caroline. —

Mas, no fundo, tudo o que eles querem é alguém para chupar o pau

deles. — Ela ri, mas a risada soa forçada e vazia.

— Caro. Chega — repreende Maryanne, olhando para Alessia, que

está tentando absorver essa opinião surpreendente.

Ela está chocada com o rumo da conversa, mas mantém a expressão

neutra enquanto tenta pensar em como responder.

É assim que as mulheres inglesas conversam umas com as outras?

Caroline se vira para Alessia, semicerrando os olhos como se a

estivesse avaliando de novo, agora que estão alegrinhas por conta da

bebida.

— Você é mesmo muito bonita — observa ela, arrastando um pouco

as palavras.

Alessia desconfia que a outra esteja mais do que alegrinha.

— Não fico surpresa por ele ter se apaixonado por você… mas…

nunca vi isso antes. Ele. Apaixonado. Sabe, ele é meu melhor amigo.
Melhor amigo, agora.

Alessia aproveita a oportunidade.

A expressão mais do que amigos está se repetindo na cabeça dela,

atormentando-a desde que Caroline a soltou mais cedo.

— Você e ele eram… amantes? — pergunta Alessia.

— Acho que podemos dizer que sim. Perdemos a virgindade um com

o outro. — Os lábios de Caroline vão um pouco para cima, como se

fosse uma lembrança agradável. — Ele fode melhor que o meu marido.

— Ah. — Alessia agora está completamente sem palavras, e uma

imagem de Caroline usando apenas a camisa de Maxim e fazendo café

na cozinha dele invade sua mente.

— Caroline! — exclama Maryanne, chocada.

— É verdade. Eu sei que ele é seu irmão. Os dois são seus irmãos —

diz ela, arrastado. — Mas você sabe que Maxim é pegador. — Ela olha

para Alessia. — Querida, ele dormiu com quase Londres inteira. — A

expressão dela muda. — E depois de Kit… Bem, nós… Ai!

— Chega — grunhe Maryanne, a voz muito mais firme, e Alessia

suspeita que ela chutou Caroline por baixo da mesa.

Caroline dá de ombros.

— É verdade. Promíscuo é pouco. Ele é a prova viva do ditado: a

prática leva à perfeição.

— Acho que é hora de levarmos você para a cama, Caro. —

Maryanne se levanta. — Perdoe a Caroline, ela está em luto e bebeu

demais — se desculpa Maryanne a Alessia. — Não liga não.

Caroline franze a testa enquanto se levanta, como se houvesse

acabado de perceber o que tinha dito.

— É. Lógico. Me desculpe. Não sei o que estou falando. Me perdoe.

— Boa noite, Alessia — diz Maryanne, e arrasta Caroline para fora

da sala, deixando Alessia abalada.

Ele fode melhor que o meu marido.

Verbo no tempo presente.


Capítulo Seis

A Sra. Demachi preparou um café da manhã monumental para todos

nós. Pelo seu imenso sorriso e a musiquinha que está cantarolando

enquanto faz o café e se ocupa da cozinha, sei que ela está bem à

vontade e amando cada segundo disso tudo. É um alívio não sermos um

transtorno para ela.

— Bom dia, Maxim — me cumprimenta ela, irradiando felicidade.

Dou um beijo rápido em seu rosto.

— Bom dia, Shpresa. Obrigado por alimentar meus amigos e minha

família.

— Menino querido. — Ela leva a mão ao meu rosto. — É um prazer.

Sei que você traz muita felicidade a minha Alessia.

— E ela a mim.

Ela sorri.

— Sente-se. Coma. Grande dia, hoje. E o tempo foi generoso

conosco. — Ela aponta para a janela, e do lado de fora o céu está

glorioso.

Um azul brilhante de fevereiro. Espero que não esteja frio demais.

Maryanne e Joe estão sentados à mesa. Eles parecem animados,

saboreando omeletes e o delicioso pão almofadinha da Mama Demachi.

Há queijo, azeitonas, mel local e charutinhos de folha de uva. Jak está

sentado na cabeceira da mesa, passando manteiga e geleia de frutas

vermelhas no pão. O pai de Alessia é a definição de desperto e com

energia. Ele está bem animado desde a noite passada. Sua mão está meio

suja de fuligem, por isso sei que ele foi lá fora acender a lareira na

garagem para aquecer o espaço do nosso casamento.

Os Demachi são excelentes anfitriões.


Fora a parte empata-foda, óbvio.

A única pessoa que não está animada é Caroline, sentada em silêncio,

parecendo pálida e emburrada enquanto bebe devagar uma xícara de

café. Suspeito que esteja de ressaca. Maryanne de vez em quando lança

um olhar ansioso para ela e depois para mim.

O quê? O que aconteceu?

Maryanne me faz um sinal negativo rápido e sutil com a cabeça.

Deixa para lá, está falando.

Lógico que quem não está presente à mesa é a minha linda noiva.

Alessia está nos preparativos para o casamento, e não a vejo desde que

saímos para a minha despedida de solteiro. E que noite foi aquela…

Kukës é boa de festa. Bem, os homens de Kukës são. E tudo acabou

tranquilo… No sentido de que não fui algemado a nenhum mobiliário

urbano sem calça, coisa que Tom ameaçou fazer em algum momento

durante a noite.

Você não tem nem algemas.

Eu improviso, meu velho.

E me sinto bem hoje de manhã. Talvez porque dispensei o raki.

Agora, estou animado e um pouco ansioso para dar continuidade ao dia,

e vou ficar feliz quando ele terminar.

— Posso falar com você? — pergunta Caroline quando eu me sento.

Olho para ela, sentindo que está nervosa. E Maryanne está sendo

evasiva. Aconteceu alguma coisa? O que será?

Meu estômago se revira.

— Sim. — Meu tom é ríspido.

É agora. O momento do acerto de contas que eu tanto temia.

— Em particular?

— Depois do café da manhã. Você precisa comer alguma coisa.

Ela faz uma careta, e sei que ela está com a maior ressaca.
Alessia se fita no espelho do quarto, sem olhar de verdade. Ela está

sentada na penteadeira enquanto Agnesa, sua prima, que é cabeleireira e

maquiadora, enrola seu cabelo com um babyliss. Agnesa tagarela,

empolgada por estar envolvida nos preparativos e ansiosa para ver de

novo Maxim, o noivo bonito.

Alessia para de prestar atenção na falação da prima. Está entorpecida,

e não tem certeza se são seus nervos ou se ainda está abalada pelas

revelações de Caroline.

Querida, ele dormiu com quase Londres inteira.

Isso não é novidade para Alessia. Ela costumava esvaziar as latas de

lixo com camisinhas sempre que limpava a casa dele. Ela franze o nariz

de nojo com a lembrança. Às vezes, havia muitas camisinhas jogadas

fora.

E então elas de repente pararam de aparecer.

Alessia esfrega a testa, tentando lembrar quando aquilo aconteceu.

Tanta coisa rolou desde então que sua memória está embaralhada. Ela se

esforçou para descobrir na noite passada enquanto tentava dormir, mas

não conseguiu, porque as palavras de Caroline ecoavam em sua cabeça,

zombando dela.

Ele fode melhor que o meu marido.

Então eles estiveram juntos.

Maxim e Caroline.

Mas quando? Quando essa foda aconteceu? Parece recente, e Alessia

visualiza uma imagem indesejada de Caroline nos braços de Maxim, na

rua do apartamento dele.

Não.

Sua imaginação a está oprimindo e fazendo com que ela duvide de si

mesma. Fazendo com que duvide dele. De seu homem. Seu Mister. No

dia do seu casamento.

Alessia sente que vai sufocar com o peso desses pensamentos

horríveis.

— Preciso de um minuto — pede ela.

— Tudo bem — responde Agnesa, um pouco surpresa, mas se afasta.


Com somente metade do cabelo cacheado, Alessia encontra um lenço

e o prende na cabeça, escondendo tudo. Ela pega um roupão, o amarra

com pressa por cima da roupa e sai do quarto. Alessia precisa da única

coisa que vai lhe trazer conforto.

Alcança a base da escada e escuta todos tomando o café da manhã.

Ignorando-os, corre para a sala e se senta ao piano.

Inspira fundo e apoia os dedos nas teclas. Ela se sente mais

confortável à medida que os dedos tocam no marfim frio. Então, fecha

os olhos e executa a “Sonata ao Luar”, de Beethoven, o complexo

terceiro movimento. Em dó sustenido menor. A música reflete o tom

correto de sua raiva. Flui. Alta. Fácil. Reverberando nas paredes, por

toda a sala. Sua raiva e sua mágoa emanam das teclas, enfatizando os

contrastes altos da sonata em nuances brilhantes de laranja e vermelho

até não haver nada além dela e das cores da música.

Os arpejos rápidos e frenéticos do terceiro movimento de Beethoven

ecoam furiosamente pelo corredor até a sala com uma violência e paixão

tão grandes que a mesa inteira fica por um momento quieta e paralisada.

Olho para Shpresa, que se vira ansiosa para Jak. Ele dá de ombros.

— Alessia? — pergunta Maryanne, e ouço a admiração sem fôlego

em sua voz.

Confirmo com a cabeça e me viro para seus pais.

— Aconteceu alguma coisa?

— Eu não sei — responde Shpresa, e os olhos se arregalam de

espanto. — Você sabe?

— Que ela está com raiva, eu sei. Mas não entendo o porquê.

Desesperado, tento pensar se eu posso ter feito alguma coisa para

aborrecê-la.

Merda. Ela está tendo dúvidas sobre o casamento?


— Isso é a Alessia? — pergunta Joe com uma garfada de omelete a

meio caminho da boca.

— É.

— Cara!

— Eu sei.

— Ela é extraordinária — murmura Joe.

— Ela é, sim. Mas ela está furiosa. Com alguma coisa ou alguém. —

Eu me concentro em Maryanne e Caroline, que a viram na noite

passada.

Maryanne contrai os lábios, e Caroline me evita. Já sei quem é a

culpada.

— O que você fez? — pergunto em voz baixa, com o couro cabeludo

arrepiando.

Que porra é essa? Você falou alguma coisa?

— Caroline?

Ela empalidece e balança a cabeça, ainda evitando meu olhar.

Merda.

— Eu vou lá. — Shpresa limpa as mãos em um pano de prato e sai da

sala.

— Como você sabe que ela está com raiva? — pergunta Maryanne.

— É um dó sustenido menor.

Ela franze a testa.

— Dó sustenido menor. Música de raiva. Em tons de vermelho e

laranja. Ela me disse. Triste e furiosa.

— Uau.

— É. Música. Eu falei.

— Ela é brilhante.

— É mesmo. Ela tem sinestesia. Está tocando de cabeça. — Não

consigo esconder o orgulho e a admiração na voz.

— Ela é incrível — comenta Joe, extasiado.

— Ela é, mesmo — concordo. — Em todos os sentidos.

Alessia chega ao fim da peça e escuto com atenção, tentando ouvir se

ela acabou ou se vai tocar mais alguma coisa.


Alessia está respirando forte quando termina. Seus pensamentos

desanuviam conforme as cores somem. Ela inspira fundo, se vira e nota

a mãe na sala. Estava tão perdida na música que não a ouviu entrar.

— Isso foi lindo, meu coração. Qual é o problema?

Alessia balança a cabeça — não quer admitir seus medos. Se

pronunciá-los em voz alta, eles ficarão ainda mais tangíveis, mais reais.

Ela está em uma encruzilhada. Acredita no homem que ama… ou não?

— Ele sabe — comenta Shpresa.

— Sabe o quê?

— Que você está aborrecida.

— Ele já me ouviu tocar.

— Muitas vezes, eu acho — diz sua mãe.

Alessia concorda.

— Ele tem tanto orgulho de você. Consigo ver isso nele.

— Eu preciso ir me arrumar. — Alessia se levanta e encara a mãe.

— Ele ama você.

— Eu sei.

Mas sua voz vacila, revelando seus verdadeiros sentimentos.

Por que de repente ela ficou tão insegura?

A expressão de Shpresa se suaviza.

— Ah, meu coração. Vá se aprontar. Você está tomando a decisão

certa. Nesses últimos dias, nunca vi você tão feliz. E seu noivo está

radiante.

— Ele está? — Alessia ouve a esperança na própria voz.

— Com certeza. — Ela acaricia o rosto da filha. — Você nos deu

muito orgulho, Alessia. A mim e a seu pai. Vá conquistar o mundo.

Como você sempre quis fazer. E, com aquele homem a seu lado, você

não vai falhar.

Alessia fica mais animada. Sua mãe nunca afirmou nada com tanta

certeza antes.

— Obrigada, Mama — diz e a abraça apertado.


Elas ficam paradas naquele abraço.

— Eu sei sobre o bebê — sussurra a mãe.

Alessia arfa.

— Sei que você não está grávida.

— Como?

— Pela quantidade de analgésicos que você tomou nos últimos dias.

E encontrei suas pílulas anticoncepcionais quando estava limpando sua

penteadeira.

Alessia fica vermelha.

— Me desculpe por… enganar você.

— Eu entendo. Vou encontrar uma maneira de contar para seu pai.

Maxim sabe?

— Obrigada. E, sim, Maxim sabe desde o início.

— E mesmo assim ele foi adiante com tudo isso?

— Foi. Por mim… e por você.

— Por mim?

Alessia faz que sim com a cabeça.

— Não estou entendendo.

Alessia beija a testa da mãe.

— Um dia eu conto.

Porra!

Estou aqui ruminando meus pensamentos, tentando descobrir o que

há de errado com Alessia, e não consigo aguentar mais nem um

segundo. Eu me levanto da mesa e, ignorando os muitos olhares que

sinto queimando minhas costas, saio pelo corredor em direção à sala.

— Alessia — chamo através da porta e prendo a respiração.

— Sim — responde ela enfim.

Solto o ar com força.

— Você está bem?


— Estou. — Ela soa indecisa.

— Quer conversar sobre alguma coisa?

— Não.

Não é suficiente. Não acredito nela.

— Eu não ligo para essa bobagem de superstição, mas você e sua

mãe, sim. É por isso que estou aqui fora. Não sei o que está

incomodando você, mas saiba que eu te amo. Quero me casar com você.

Hoje. Se você precisar conversar… estou aqui.

Shpresa olha para a filha.

— Mama, preciso conversar com ele — diz Alessia.

— Vou sair daqui. Você decide se quer ele aqui ou não. Nada nesse

casamento é convencional, então…

A mãe balança a mão, resignada, beija a testa da filha e sai.

— Posso entrar? — pergunta Maxim.

— Pode.

Maxim espia pela porta e sorri quando a vê. É impossível não

retribuir o sorriso dele, e o coração de Alessia dispara. Ela estava com

saudades. Maxim entra e se aproxima, os olhos verdes em chamas. Está

de camiseta e calça jeans, a preta com o rasgo no joelho. Está

preocupado e gostoso.

Especialmente gostoso.

— O que houve? — pergunta ele.

Alessia está usando um lenço azul em volta da cabeça que esconde seu

cabelo e um roupão azul, me fazendo lembrar de quando ela estava no

meu apartamento.

Que época aquela… Eu a desejando enquanto ela me ignorava.


Alessia está tão linda quanto estava naqueles dias. Mais ainda, e meu

desejo por ela não diminuiu. Ela me encara, uma montanha de mágoa

nos olhos.

— O que foi?

Ela empalidece um pouco.

Merda. É ruim.

— Me conta, por favor — peço.

— Foram… só palavras.

— Me conta — insisto.

— Sua cunhada. — A voz dela está quase inaudível.

— Caroline?

Ela confirma.

— Ah. — Eu sabia. — O que ela disse?

Ela parece estar refletindo se vai me contar. Eu assisto à batalha

interna transparecer em seu rosto expressivo. Por fim, ela engole em

seco.

— Ela disse que você… fode… — sussurra a palavra — … melhor

que o marido dela.

Inspiro com força, explodindo de raiva. Nunca ouvi Alessia usar

linguagem chula antes, e ouvir aquela palavra saindo de sua boca me

chocou mais do que deveria.

Mas o que Caroline disse é ainda mais chocante e totalmente

inapropriado. Caralho.

Por isso ela estava com a cabeça baixa de vergonha no café da manhã.

Ela deveria estar mesmo.

Caro veio para cá para causar problemas. E conseguiu. Controlo

minha raiva, sabendo que posso lidar com isso depois.

— Tenho certeza de que ela estava bêbada — murmuro, tentando

soar um pouco moderado.

— Não consegui parar de pensar nisso ontem à noite. Enquanto

estava tentando dormir.

Merda. Vamos ter mesmo essa discussão agora, no dia do nosso

casamento?
— Você ama ela? — pergunta Alessia.

Eu a encaro, perplexo, em silêncio, atordoado. O quê? Como ela pode

pensar isso?

— Você não está respondendo a minha pergunta. Na Cornualha, você

disse, “fale comigo”, “pergunte”. Estou perguntando agora.

— Não, eu não amo a Caroline dessa maneira. — Sou categórico. —

Eu a amei, há muito tempo. Mas eu tinha quinze anos. Ela é da família.

Esposa do meu irmão.

— E fisicamente?

Franzo a testa, sem entender direito o que ela está tentando perguntar.

— Você teve relações sexuais com a esposa do seu irmão?

Cacete.

— Hum… não. Mas eu transei com a viúva dele.

Alessia se encolhe e fecha os olhos, e sua expressão me dilacera.

Merda. Nunca me senti tão envergonhado como agora.

— Quando eu vi a Caroline pela última vez — diz Alessia, abrindo

os olhos muito, muito escuros e magoados —, ela estava nos seus

braços, na calçada da sua rua.

— Nos meus braços? — Franzo a testa, tentando desesperadamente

me lembrar, me sentindo como se tivesse sido pego em flagrante.

— Eu estava no Mercedes de Anatoli.

Sinto um aperto no coração e sou transportado de volta àquela noite

pavorosa.

— Ah, é. Ela estava se desculpando e trombou em mim. Nós

teríamos caído se eu não a segurasse. — Engulo em seco. — Tivemos

uma briga. Uma briga feia.

— Faz sentido. Você e ela. Vocês são iguais. Da mesma classe. — A

voz dela está cada vez mais baixa.

— Não! Eu não quero a Caroline. Eu quero você, Alessia. Quando fui

vê-la, falei que estava apaixonado por você. Ela me expulsou e depois

foi correndo se desculpar. E foi bem nesse momento que Anatoli entrou

no carro. Não escutei o que Caroline estava falando. Eu sabia que

alguma coisa estava errada. Reconheci a placa albanesa no carro, e não


consigo descrever como foi angustiante assistir a tudo e não poder fazer

nada enquanto o carro se distanciava. — Fechei os olhos e me lembrei

da sensação de total desamparo e desespero enquanto o Mercedes

desaparecia de vista. — Foi um dos piores dias da minha vida.

Os dedos dela encontram os meus, e abro os olhos enquanto ela

aperta a minha mão.

— O que está acontecendo, Alessia? — Retribuo o aperto.

— Você tem certeza de que quer fazer isso? Ela ama você também.

Eu a puxo para meus braços e a abraço.

— É você que eu amo, não ela. É com você que eu quero me casar.

Não com ela. Por favor, não deixe que ela estrague nosso dia.

Não consigo acreditar que estamos tendo essa discussão.

Alessia suspira, os olhos escuros nos meus.

— Baby, vamos em frente. — Acaricio seu lábio com meu polegar.

— Quero envelhecer ao seu lado. E não quero que minha família tenha

nenhuma dúvida sobre o que sinto por você, Alessia Demachi. Você é o

amor da minha vida.

Ouço seu pequeno suspiro.

— Você é o amor da minha vida. — Ela pressiona os lábios no meu

polegar.

— Graças a Deus. — Expiro com alívio. — Não vou beijar você.

Quero guardar para essa noite.

Assim que essas palavras saem da minha boca, um arrepio de desejo

percorre a minha pele, eriçando os pelos do meu corpo.

Uau.

Alessia inspira com força.

— Tudo bem. — Ela soa um pouco ofegante.

— Tudo bem. — Dou um sorriso.

Seu sorriso de resposta é tímido, e sei que a ganhei de volta.

— A música que você tocou impressionou bastante meus amigos e

minha família.

— Eu estava com raiva.

— Percebi. Me desculpe.
Ela fecha os olhos e balança a cabeça como se estivesse se livrando

de um pensamento terrível.

— Você já fez as malas?

Ela abre os olhos e confirma com a cabeça. Depois do casamento,

vamos dar o fora daqui.

— Ótimo. Por favor, vá se arrumar. — Eu me inclino para a frente e

beijo sua testa, fechando os olhos.

Não quero perder você. De novo.

* * *

Volto à mesa do café da manhã, onde a conversa está mais baixa, e sei

que todos os olhos estão em mim. Não consigo nem encarar Caro. Ela

passou mesmo de todos os limites, porra, e eu estou irritado.

Não. Furioso.

Como ela ousa fazer isso?

Nesse momento, não confio no meu pavio curto, e puta que pariu…

hoje é o dia do meu casamento.

Ouvimos uma batida na porta da frente, e Jak salta da mesa como se

estivesse esperando visita.

— Tudo bem, cara? — me pergunta Joe.

— Tudo. — Olho para o relógio. Tenho tempo. — Vou dar uma

corrida.

* * *

Quando volto para cima com minha roupa de corrida, o ritmo está

intenso. Há mais pessoas na casa, talvez para ajudar com o bufê e a

arrumação, mas consigo evitá-las. Estou contente de sair para correr.

Deixei Joe no quarto para tomar banho, e não tenho ideia de onde estão

M.A. e Caro. Para falar a verdade, não quero saber e não me importo.

Preciso de um tempo sozinho com meus pensamentos para me acalmar.

Do lado de fora, no dia claro, mas frio, a luz do sol reflete na

superfície reluzente do lago verde. Mas logo no fim da entrada de carros


vejo Demachi conversando com ele!

Demachi e o Babaca se viram para mim, e fico imóvel, encarando os

dois de cara séria.

Que merda ele veio fazer aqui?

Fecho as mãos e estou pronto. Nada me daria mais prazer do que

quebrar os ossos desse homem, ainda mais levando em conta como

estou me sentindo agora.

— Não é o que você está pensando, inglês — zomba Anatoli.

Demachi levanta as mãos.

— Po flasim për punë, asgjë më shumë.

Não tenho ideia do que ele diz.

— Rá — exclama Anatoli, o desprezo evidente naquela única sílaba.

— Se você soubesse a língua, saberia o que ele disse. Estamos

discutindo negócios. Nada mais. Nada a ver com você. — O inglês do

Babaca é impecável, o que é irritante, porra. — Não estávamos falando

sobre Alessia — continua ele, e sua voz trava quando fala o nome dela.

O quê? Ele gosta dela?

— Mos e zër në gojë Alesian — fala Demachi para ele bruscamente.

— Vou estar aqui, inglês, esperando, na terra natal dela, com a

família dela. Quando você foder com tudo — provoca Anatoli.

— Você vai esperar muito tempo, cara — murmuro, mais para mim

mesmo do que para ele. — Assim espero.

Porra.

— Adeus, Babaca — grito, sabendo muito bem que meu sogro não

vai entender, e me viro e subo correndo a entrada de carros, deixando-os

para trás.

Para minha satisfação, vejo a boca de Anatoli fechada em uma linha

firme, e sei que meu escárnio o perturbou.

Isso!

Na rua, passo desviando do Mercedes dele, alongo as pernas e corro.

Corro como nunca corri antes.

* * *
— Você está ótimo, cara — elogia Joe enquanto endireita a minha

gravata.

— Estou feliz que você trouxe o Dior. É o meu preferido.

— Azul-marinho é sua cor. Combina com seu sangue.

— Muito engraçado, Joe.

— Estou puto que você não me deu tempo de fazer um terno sob

medida para você.

— Você ainda vai ter essa oportunidade.

— Para um casamento? — Joe franze a testa.

— Vamos fazer uma cerimônia em Londres ou na Cornualha. Ou em

Oxfordshire — eu o tranquilizo.

— Você e Alessia?

Dou uma risada.

— Isso. Não fique tão assustado. É complicado. Mas é provável que

eu use um fraque completo.

— Cinza-claro? Preto? Risca de giz? — Os olhos de Joe se

iluminam.

— Cara. Vamos resolver o atual casamento primeiro.

— Buraco do botão da lapela — diz ele, prendendo a rosa branca na

minha lapela e colocando as mãos nos meus bíceps. — Você parece um

noivo.

— Obrigado, cara. — E de repente me sinto emocionado com tudo o

que aconteceu, com tudo o que estou prestes a fazer. Eu o abraço. Forte.

— Estou tão feliz que você está aqui, cara…

Joe dá um tapa nas minhas costas.

— Eu também, Max. Eu também.

Pigarreio.

— Agora. Você sabe o que precisamos fazer — digo.

— Sei.

A tradição albanesa dita que o noivo deve pegar a noiva e levá-la para

a casa dele para um banquete. No nosso caso, isso é impossível, já que

não tenho casa aqui. Mas vou acompanhar Alessia da porta da frente de

É
sua casa até o local da festa. É o mais próximo que conseguimos chegar

dessa tradição.

Joe, Tom e eu esperamos a noiva do lado de fora, na porta da frente.

Joe também está de terno azul-marinho e, como sempre, elegante e

estiloso. Tom está de smoking preto com gravata-borboleta preta.

Foi só o que eu trouxe, Trevethick.

Ambos têm flores nas lapelas, e estou aliviado por eles estarem aqui

comigo. A amizade e o apoio dos dois nos últimos anos têm sido tudo. E

eles se produziram para o evento.

Os convidados estão perambulando pela entrada de carros, e alguns

saem da casa. Acho que são os parentes que estavam cumprimentando

Alessia lá dentro, como manda a tradição. Alguns se encaminham para a

tenda junto à garagem, que é mais quente, e sei que o escrivão já está lá

dentro, com tudo pronto. Ao lado dessa combinação deslumbrante de

lago e montanha, há a energia festiva e agradável de uma comunidade se

reunindo.

Tento conter minha emoção. É emocionante.

Isso é muito diferente de onde eu venho, sem dúvidas.

As luzes coloridas que Jak pendurou nos abetos ontem

complementam a atmosfera, assim como as poucas crianças correndo e

rindo no jardim da frente, balançando bandeiras da Albânia.

As pessoas me cumprimentam com um aperto de mão ou beijos.

Muitos dos homens que eu conheci na minha despedida de solteiro de

última hora me chamam de “Chelsea” por causa do meu time de futebol.

É um apelido que eu gosto, mas ainda estou achando impossível decorar

os nomes de todos eles.

Uma fotógrafa está documentando nosso dia com uma Canon EOS.

Acho que é uma das primas de Alessia, mas não tenho certeza.

Estou a um mundo de distância de casa.

Maryanne e Caroline se dirigem ao local do evento. Ambas estão

usando roupas elegantes invernais de casamento. Maryanne veste um

terninho azul-marinho e Caro, um vestido da mesma cor. Joe

provavelmente deu a dica para elas do que eu estou usando.


Maryanne me abraça.

— Maxie, você está maravilhoso. Sua noiva também. — Ela funga e

sai apressada antes que eu tenha a chance de falar qualquer coisa.

Caro ainda não consegue me olhar nos olhos.

— Você está me evitando — diz ela baixo.

— O que você esperava? Não é hora, Caro. Ainda estou muito puto

com você.

— Me desculpe.

— Não é comigo que você precisa se desculpar.

— Eu preciso te contar uma coisa. — E ela me encara, insegura, os

olhos azuis bem abertos e um pouco marejados. — E você vai ficar

irritado com isso também, mas eu precisava fazer isso por você e por ela

— sussurra.

— O que você fez?

— Eu contei para sua mãe. Ela vai chegar daqui a pouco.

— O quê? — As palavras saíram de forma quase inaudível, e mal

consigo respirar.

Merda.
Capítulo Sete

— Querido, já estou aqui — ouço em uma dicção perfeita e com sotaque

sofisticado, que vem em nossa direção por cima da leve brisa.

Nós nos viramos e meu coração se aperta: minha mãe está abrindo

caminho pela multidão. Ela veste um casaco preto pesado, da coleção da

Chanel para o próximo inverno, provavelmente, enormes óculos da

mesma grife, um chapéu de pele artificial e botas Louboutin.

Acompanhando-a há um homem jovem que deve ter mais ou menos a

minha idade, de casaco Moncler preto. Ele parece um modelo, com

dentes perfeitos, e suspeito que seja com ele que ela anda trepando nos

últimos tempos. A mão dela está pousada no braço dele.

— Mãe, que surpresa agradável — digo, recorrendo ao personagem

desinteressado que deixo para interpretar apenas com ela. — Você devia

ter me avisado que estava vindo.

— Maxim. — Ela oferece uma bochecha, e lhe dou um beijinho

rápido, inspirando o aroma caro de Creed, seu perfume preferido.

— Joe e Tom você conhece — indico. — E Judas Iscariotes, minha

cunhada.

Sinto uma pontada de prazer diante do rosto pálido de Caroline

enquanto ela dá um beijo rápido no rosto da sogra.

— Obrigada por me avisar, Caroline. Em cima da hora, eu sei. Mas

parece que chegamos a tempo. Esse é meu amigo, Heath. — Rowena

apresenta o homem louro a seu lado.

— Tudo bem? — cumprimento, com um sorriso forçado.

Antes que ele possa responder, ela o solta.

— Posso ter uma palavrinha, querido?


— Acho que agora não é uma hora apropriada. Estou prestes a me

casar. Por favor, dirija-se ao local da recepção. — Faço um gesto na

direção da tenda. — Judas vai encontrar um lugar para você se sentar.

Caro ruboriza e fita seu par de sapatos Manolo Blahnik.

— Não estou aqui para impedir seu casamento, Maxim. Isso seria um

pouco vulgar, você não acha? Mas vamos conversar sobre o assunto

depois. E você vai me explicar por que está se casando com a faxineira e

que merda é essa de não convidar sua mãe que está de luto para esse…

evento. Você tem vergonha da sua noiva e da família dela? Porque,

convenhamos, é isso que parece.

Não consigo encará-la, mas ela faz um beicinho com os lábios

vermelhos, e sei que, por baixo daquele frio desdém, está fervendo de

raiva.

Bem, então somos dois.

Não, não fervendo de raiva. Estou puto da vida.

Mas disfarço bem.

— Não convidei você, Rowena querida — eu me inclino para baixo e

sussurro no ouvido dela —, porque você está fazendo exatamente o que

achei que faria. Exibindo seu privilégio de merda. Agora, se me der

licença, estou prestes a me casar com a mulher que eu amo.

Ela enrijece.

— Eu sei que se casar com essa garota é uma maneira de me

provocar, mas deixe-me avisar que…

— Não é sobre você, porra — sibilo. — Nem tudo é sobre você,

Rowena. Eu me apaixonei. Simples assim.

Tom pigarreia, o pescoço corando. Será que ele nos ouviu? Atrás

dele, Jak e Shpresa aparecem na porta da frente. Eu me viro para

cumprimentá-los. Shpresa está quase irreconhecível. Veste um tubinho

rosa-claro e um xale de chiffon combinando. O cabelo escuro, como o de

Alessia, está arrumado e elegante. E ela está usando um pouco de

maquiagem.

Está deslumbrante.
— Mama Demachi, a senhora está linda — murmuro, e ela sorri, nos

mostrando de onde Alessia herdou sua beleza.

Cabeça erguida, cara. Vamos nessa.

Eu me viro para apresentá-los.

— Jak, Shpresa, minha mãe decidiu nos honrar com sua presença.

Quero lhes apresentar Rowena, a Condessa Viúva de Trevethick. —

Enfatizo a palavra viúva, e Rowena contrai a boca, porque é grosseiro e

também incorreto, mas ela não perde a pose e, com graciosidade,

estende a mão.

— Sr. e Sra. Demachi, que grande prazer conhecê-los sob

circunstâncias tão felizes.

Ela soa sincera, mas sua declaração é permeada por sarcasmo.

É irritante, mas eu ignoro e coloco os braços em volta dos meus

sogros enquanto eles apertam a mão de minha mãe.

— Jak e Shpresa fizeram um trabalho incrível organizando esse

evento em tão pouco tempo. — Dou um beijo na bochecha de Shpresa, e

ela cora e logo traduz tudo para o marido.

— Konteshë? — pergunta Jak.

— Isso.

— Como vai a senhora? — cumprimenta Shpresa. — Por favor.

Entre.

Shpresa me lança um olhar curioso e conduz Jak, acompanhando

minha mãe e seu amante para dentro da casa.

— Isso foi um pouco turbulento — Tom declara o óbvio. — Você

está bem, meu velho? — Ele dá uma batidinha nas minhas costas

enquanto fazemos uma fila atrás deles.

— Estou — sibilo.

Mas é mentira. Inspirando fundo, enterro minha raiva e os sigo para

dentro da casa.

Os Demachi suspenderam sua política de não entrar de sapatos

naquele dia, e ficamos esperando parados no corredor, que está lotado

agora que minha mãe e Heath se juntaram a nós.


Jak ajeita os ombros e, com um floreio teatral, abre a porta da sala,

onde bem no centro encontra-se Alessia Demachi.

Ela é uma miragem, em renda, cetim e um tecido macio e diáfano,

sob o contorno da luz da janela. Eu paro e fito a mulher que vai se tornar

minha esposa em breve e perco completamente a linha de raciocínio. Ela

está maravilhosa. Com os olhos escuros expressivos destacados pelo

rímel, ela parece um pouco mais sofisticada, um pouco mais… segura,

porém reservada e sexy demais.

Ela me tira o ar.

Seu vestido é a epítome da elegância: um corpete justo de cetim

branco com uma camada de renda por cima, o rendado cobrindo

também seus ombros e os braços, e uma saia que abre da cintura para

baixo de forma suave. Há botões de pérolas bem pequenos na frente, e o

cabelo está em um penteado delicado, com cachos, sob um véu fino.

Percebo que estou olhando embasbacado, guardando esse momento

para me lembrar por toda a eternidade, e sinto um nó de felicidade,

admiração e ansiedade na garganta.

Ela parece uma deusa, até o último fio de cabelo… não, uma

condessa. Minha condessa.

Cara, não fique emocionado.

De repente, não me importo mais que o que estamos fazendo possa

não ser de fato legítimo. Estou muito feliz e grato por estarmos fazendo

isso hoje. Aqui. Agora.

— Oi de novo, linda. Eu podia passar o dia inteiro olhando para você.

— E eu para você — sussurra ela.

Seus olhos escuros, emoldurados pelos cílios mais compridos e

escuros, estão vívidos e intensos, e eu quero me afogar neles.

Dou um passo à frente e beijo seu rosto.

— Você está maravilhosa — comento.

E percebo que é a primeira vez que a vejo de maquiagem. Ela está

linda.

Alessia afaga minha lapela e sorri para mim.

— Você também.
— Minha mãe está aqui.

Ela arregala os olhos, em choque.

— Pois é. Prepare-se — aviso, em voz baixa, para que só ela escute.

— Mãe — chamo em seguida.

E Rowena entra na sala. Está sem os óculos escuros, então força um

pouco a vista enquanto observa a imagem primorosa à sua frente.

— Quero lhe apresentar a Alessia Demachi.

— Minha querida — diz Rowena e beija o rosto dela, depois dá um

passo para trás para avaliar minha noiva.

— Lady Trevethick, como vai a senhora? — cumprimenta Alessia.

— Você fala inglês? — Rowena parece surpresa.

— Fluentemente — responde Alessia, e eu poderia beijá-la, porra.

Minha garota sabe se defender.

Rowena aquiesce e sorri. Acho que está impressionada.

— É um prazer conhecer você em um dia tão feliz — diz ela.

— O prazer é todo meu.

Só então percebo as outras pessoas na sala. As primas de Alessia,

acho. E talvez algumas tias.

— Vamos ter muito tempo para nos conhecermos, depois desse

casamento às pressas. Estou ansiosa para isso. — O tom de Rowena é

neutro, mas amigável o suficiente. — Vamos pegar nossos lugares.

Ela se vira e sai da sala. Logo depois, percebo que Alessia solta um

suspiro rápido. Deve ser de alívio.

Pego sua mão e sussurro no seu ouvido:

— Você foi incrível. Muito bem!

— Eu não sabia que ela vinha — sussurra ela de volta.

— Nem eu. Foi um choque, para falar a verdade. Podemos falar sobre

isso mais tarde. Agora vamos nos casar?

Ela sorri.

— Vamos.

— Ah, esqueci. A tradição. Preciso dar isso para você.

Do bolso do paletó, tiro um lenço. Dentro dele, há uma amêndoa

confeitada. Eu a levo aos lábios de Alessia.


Maxim está arrebatador, ainda mais com o terno escuro e elegante. Ela

nunca o viu vestido de forma tão sofisticada antes. Ele parece que

nasceu para isso.

Mas é óbvio que nasceu para isso. Ele é um aristocrata.

Os olhos dele reluzem um verde brilhante enquanto sua atenção vai

dos dela para a sua boca. Os lábios de Maxim estão entreabertos quando

Alessia lambe e depois pressiona os lábios no doce que ele está

segurando.

— Humm — murmura ela, e ele fecha os olhos por um milésimo de

segundo, depois joga o doce na própria boca.

Alessia sente um frio na barriga e inspira com força. Ele lhe dá um

sorriso travesso cheio de promessas sensuais. Ela tem uma ideia… para

mais tarde, quando eles por fim ficarem sozinhos.

Até lá, ele será dela.

Ela não consegue acreditar que ele será dela. Seu homem.

Ela quer desfilar pela casa de braços dados com ele, para que todos

possam ver, e gritar ele é meu.

Alessia ri de si mesma, se sentindo um pouco boba e zonza.

Ele a ama. Maxim declarou da forma mais direta possível essa

manhã, e sua declaração deu forças a Alessia.

Desde a revelação chocante de Caroline, Alessia percebeu que a

família dele a está desafiando. Ela ajeita a postura.

Desafio aceito.

Vale a pena lutar por Maxim.

Ela acabou de se impor diante da mãe dele, e vai continuar alerta.

Maxim sempre foi cauteloso quando o assunto era Rowena, então

Alessia vai ter cuidado também. Ela sabe que deve encontrar um meio-

termo com Caroline. Afinal, ela é cunhada de Maxim. Mas, ainda assim,

vai ficar atenta. Caroline tem intenções próprias, e Alessia suspeita que

ela está apaixonada por Maxim.


— Alessia, aqui! — chama Agnesa e lhe entrega o buquê de rosas

brancas.

— Obrigada.

Alessia sorri e Maxim pega sua mão. Ela deixa os pensamentos de

lado enquanto os dois saem juntos da casa.

Do lado de fora, solta a mão do noivo e pega o lenço que a mãe

bordou para ela para essa ocasião. Como dita a tradição, Alessia finge

estar triste por deixar a casa dos pais e toca de leve os olhos com o

tecido, mas por dentro está comemorando.

— Você está bem? — pergunta Maxim, preocupado ao deslizar a

mão pelo cotovelo dela.

Ela lhe oferece um sorriso rápido e pisca para ele.

Maxim franze a testa. Está confuso, mas achando graça.

— É tradição.

— Ah, é?

— Não há beleza em uma noiva sem lágrimas — sussurra ela.

Maxim balança a cabeça, sem entender, mas logo eles se distraem

com os gritos e aplausos da família e dos amigos quando seguem em

direção à espaçosa tenda, acompanhados de Tom e Joe. Os pais dela e a

mãe de Maxim vão atrás rumo ao local, prontos para a cerimônia de

casamento.

Estamos sentados de frente para Ferid Tabaku em uma mesinha,

enquanto o escrivão nos informa solenemente de nossas obrigações. Os

Demachi, sua família e amigos e os poucos membros da minha família

estão nas mesas atrás de nós.

Tabaku se levanta e lê todo o código tradicional da família,

explicando o que se espera de nós durante o casamento. Thanas traduz

tudo para mim em voz baixa.


— Os cônjuges têm os mesmos direitos e deveres um com o outro. —

Ele nos fita com atenção, os olhos escuros brilhando de sinceridade. —

Eles devem amar e respeitar um ao outro, manter fidelidade

matrimonial, apoiar um ao outro em todas as obrigações familiares e

sociais…

Olho de relance para Alessia, e ela aperta minha mão, à beira de

lágrimas. Um nó se forma na minha garganta, e logo desvio o olhar.

Respira fundo, cara.

Tabaku continua. Acho que esperar o pobre Thanas traduzir tudo o

faz demorar mais.

Atrás de nós, embora todos estejam sentados, a multidão começa a

ficar inquieta. Há tosses e risos abafados, e um bebê começa a chorar.

Um menino fala alguma coisa que faz os convidados rirem, mas não

tenho ideia do que foi. Alguém o leva para fora, acho que sua mãe.

Suspeito que ele precise ir ao banheiro.

Por fim, Tabaku pergunta se concordamos com nossas obrigações e

se consentimos com o casamento.

— Eu concordo com todas as nossas obrigações e consinto —

respondo.

O escrivão aquiesce, satisfeito com minha resposta, e se vira para

Alessia, que responde em albanês, e eu espero que ela esteja

concordando e consentindo também. Ela me dá um sorriso rápido.

— Tenho o consentimento de vocês. Agora os declaro casados em

nome da lei. — Tabaku sorri, e os albaneses irrompem em aplausos. —

Parabéns — acrescenta ele. — Vocês podem trocar as alianças.

Eu estava ansioso pela hora das alianças.

Eu as pego onde guardei: no bolso interno, perto do coração.

— Lady Trevethick — digo para Alessia, e ela me oferece a mão.

Deslizo a aliança de platina em seu dedo, me sentindo um pouco

estranho por não precisar falar nada. Cabe perfeitamente. Graças a Deus.

Levo a mão dela aos meus lábios, meus olhos nos dela, e beijo a aliança

e seu dedo.
Alessia responde com um sorriso tão lindo que chego a sentir um

calor na virilha. Eu lhe entrego a minha aliança, e ela a desliza no meu

dedo.

— Lorde Trevethick — sussurra ela, depois pega minha mão, beija a

aliança e meu dedo, e aí se inclina para a frente e me beija.

Os albaneses aplaudem e comemoram, e Tom se aproxima.

— Parabéns, Trevethick — diz ele, e eu me levanto e o abraço.

Joe vem em seguida.

— Senhores, é preciso que assinem o contrato nupcial como

testemunhas. Maxim, Alessia, vocês também precisam assinar —

informa Thanas.

A família de Maxim se aproxima deles.

— Parabéns — diz Rowena a Maxim com seu tom seco e frio.

Ela coloca a mão no braço do filho e oferece a bochecha.

— Obrigado, mãe — responde Maxim, também seco e frio, e os

lábios mal roçam no rosto dela.

Rowena encara Alessia com os olhos frios e sérios.

— Você está uma noiva linda, Alessia. Bem-vinda à família.

Ela oferece a bochecha a Alessia, que, assim como Maxim, dá um

beijo rápido, com cuidado por conta do batom.

Maryanne joga os braços em volta de Maxim, e ele a abraça.

— Maxie — diz ela, e estende a mão para Alessia ao mesmo tempo.

— Parabéns para vocês dois. Espero que sejam muito felizes.

Ela solta Maxim e abraça Alessia.

— Libertinos reabilitados dão os melhores maridos — sussurra

Maryanne, mas, antes que possa responder, Alessia se distrai com

Caroline, que está tocando na lapela de Maxim, com olhos suplicantes.

— Parabéns. — Caroline dá um rápido beijo no rosto dele.

Impassível, ele aquiesce.


— Obrigado.

Ela ruboriza de leve. Alessia percebe que Maxim ainda está chateado

com a cunhada, e Caroline não sabe como lidar com a raiva dele. Ela se

vira para a noiva, a expressão mais rígida, e Alessia sente o coração

martelar.

— Parabéns, Alessia. E me desculpe. Pelo que eu disse ontem à noite.

Foi deselegante e inconveniente.

Agindo por puro instinto, Alessia a abraça antes que ela possa falar

qualquer outra coisa.

— Obrigada — diz e a solta.

Caroline aquiesce e sai, constrangida, deixando Alessia sozinha com

Maxim.

— Como foi isso? — pergunta ele quando pega a mão dela.

— Tudo bem — sussurra, e leva a mão aos lábios dele.

— Você lidou de forma admirável com a minha família. Parabéns,

Lady Trevethick.

Ela sorri, se iluminando com o elogio.

— Precisamos nos sentar lá.

Alessia aponta para duas cadeiras de veludo cinza colocadas embaixo

de um pequeno caramanchão, diante de uma mesa coberta com uma

toalha branca, rosas brancas e luzinhas.

Depois que eles se sentam, duas crianças, primos mais jovens de

Alessia, oferecem pratos do impressionante bufê.

* * *

A festa está a todo vapor. Alessia se sente tonta e um pouco alegrinha

por causa do vinho.

Maxim tirou o paletó e a gravata. Como todas as parentes da noiva

ficam mexendo no seu cabelo, ele está todo despenteado, mas continua

lindo demais. Os homens começaram a dançar, e os tios de Alessia estão

tentando convencer Maxim a se juntar a eles.


— Vallja e Kukësit. Venha! Chelsea! — convoca o primo Murkash.

— Você é albanês agora!

Maxim revira os olhos e se volta para Alessia.

— Você não falou nada de dança. Com um monte de homens.

— Essa é a dança tradicional de Kukës — explica Alessia, sorrindo

para ele.

Ele lhe dá um sorriso enquanto se levanta para se juntar aos outros.

Cara. Que merda é essa?

— Está bem! Está bem, estou indo. Joe, Tom, venham comigo —

chamo os dois da mesa adjacente, onde estão sentados com minha

família.

Murkash apoia a mão no meu ombro, depois pega a minha mão e

vários de seus… não, de nossos parentes se juntam a nós, dando as

mãos, e incluem Tom e Joe.

— Isso — exclama Murkash, segurando no alto um lenço vermelho,

sinalizando para Kreshnik, o DJ, e a música começa.

Uma balada tradicional com um ritmo techno bate-estaca e uma

mistura de cordas um pouco desafinadas acompanhada de vozes arcaicas

retumba. Nunca ouvi algo semelhante. Mas outros homens se levantam e

se juntam a nós. O público parece gostar mesmo.

Murkash me mostra a coreografia, e eu imito seus passos. Não é tão

difícil quanto parece. Logo estamos dando a volta na pista de dança, e

alguns dos rapazes mais novos se juntaram a nós também.

Joe sorri para mim. Tom está concentrado nos passos.

Nós circulamos a pista uma, duas vezes… Os homens gritando e

sorrindo, aproveitando a camaradagem coletiva e a dança enérgica.

Quando a música acaba, estou um pouco sem fôlego.

Minha noiva se aproxima, tão radiante quanto no momento em que a

vi na sala, sua silhueta contra a janela.


— Nós dançamos agora — diz ela.

Alessia pega seu lenço, joga os braços para cima quando a música se

inicia e começa a balançar, os sedutores olhos escuros em mim. Não

tenho certeza do que devo fazer. Nossos padrinhos e familiares deixam

suas mesas, formando um círculo ao redor, então, aproveitando a

oportunidade, pego as mãos dela e dançamos juntos, mas em seguida me

afasto e apenas assisto, porque ela está fascinante.

Minha esposa gira devagar os punhos, o lenço na mão, e se vira

seguindo um ritmo que parece antigo, com uma batida de percussão. Ela

está cativando totalmente a mim e ao público. Alessia acena para me

chamar de novo, e me rendo de bom grado e dou mais algumas voltas

com ela antes de a música terminar.

O Sr. Demachi se lança à pista com seu lenço, e os homens mais

velhos da comunidade o seguem. O DJ toca uma faixa tradicional e

diferente, e Jak conduz os companheiros pelo local.

Fico parado e assisto com Joe e Tom. É… comovente, essa expressão

de irmandade masculina, uma tradição que não escolhemos incentivar

na Inglaterra. Fico meio que imaginando por quê. Demachi sinaliza para

que nós nos juntemos ao grupo, e obedecemos, assim como algumas das

mulheres.

* * *

Depois de algumas horas de farra exaustiva e mais dança, por fim

cortamos o magistral bolo de casamento e o comemos acompanhado de

uma taça de champanhe. Nossos convidados vão continuar curtindo a

noite, mas para mim chega. Quero ir embora. Quero ficar sozinho com a

minha noiva.

— Nosso táxi deve chegar logo — murmuro para Alessia.

— Vou me trocar.

— Não demore muito. — Dou um sorriso voraz para ela, e o rosto de

Alessia cora.
Ela sai apressada da recepção, seguida pela mãe, e encontro Joe e

Tom parados perto do bar improvisado.

— Trevethick, pra festa de casamento, esta foi muito boa. Diferente

— diz Tom.

— É. Foi maneiro, cara. — Joe me dá um tapa nas costas. — Você

parece feliz. Não deixe sua mãe cortar a sua onda.

— Não vou deixar. Obrigado por terem vindo. Devo fazer tudo isso

de novo no verão. Vou manter vocês atualizados.

— Casar com a mesma mulher duas vezes no mesmo ano? Deve ser

algum tipo de recorde — observa Joe, mordaz.

Concordo com um aceno de cabeça e volto a atenção para minha

família. Rowena está conversando com Heath. Ele olha atentamente para

ela com uma expressão séria enquanto Rowena fala. Heath concorda e se

vira para mim, com um olhar curioso. Ele cora, com vergonha de ter

sido pego me observando, e no mesmo instante volta a atenção para

minha mãe. Ele ri de alguma coisa que ela fala e acaricia sua bochecha.

Há certas coisas que um homem não devia ver. Uma delas é a própria

mãe se engraçando com um homem da metade da idade dela.

Enojado, foco em Maryanne, que está falando com uma das primas

de Alessia. Acho que é Agnesa, que fez o cabelo e a maquiagem da

minha esposa. Elas estão tendo uma conversa animada. Já Caroline está

olhando fixamente para… mim! Ela se levanta.

Merda. Não quero nem preciso de mais drama por causa dela.

Ela se aproxima devagar, e sei que bebeu demais.

— Caro, e aí? — pergunto, o coração apertado.

— Pare de ser babaca — retruca ela, ríspida.

— Oi?

— Você entendeu!

Eu a encaro, tentando transmitir a merda monumental que ela fez

revelando nossas questões para Alessia. Minha esposa não precisava

saber daquilo por ela.

Eu que devia ter contado.

Mas estou cansado de ficar puto com Caro.


— Vou embora logo. O que foi? — pergunto.

— Você vai embora?

— Vou. Lua de mel. É tradição.

— Para onde você vai?

Faço uma careta. Como se eu fosse contar para ela.

Caroline bufa, mas não me pressiona.

— Eu só queria me desculpar. De novo. Você vai me ignorar para

sempre?

Suspiro.

— Vou ver. Você fez merda, Caro. Precisa parar com isso.

— Eu sei — diz ela com calma, e me cutuca com o ombro, um gesto

de afeição nada típico de Caroline, o que me faz rir.

Coloco meu braço em volta dela e beijo seu cabelo.

— Obrigado por ter vindo ao meu casamento.

— Obrigada por ter me convidado. — Ela faz uma careta… porque

eu não convidei. — Estou perdoada?

— Por pouco.

— Maxim, posso ter uma palavrinha? — É a minha mãe.

Cacete.

Ela olha de forma incisiva para Caro, que concorda e sai para nos dar

privacidade.

— Rowena.

— Vou ser breve. Desejo toda a felicidade para você. — O sorriso da

minha mãe não chega aos olhos. — O lado bom é que essa garota vai

injetar DNA novo no nosso pool gênico, mas ela não tem ideia de onde

está se metendo. Você podia pelo menos colocá-la em alguma aula de

etiqueta, para que ela não faça papel de boba nem envergonhe você

quando estiverem com outras pessoas. Ou talvez mandá-la para uma

escola de boas maneiras para moças. Pode ser que assim haja alguma

esperança para ela.

— Obrigado pela preocupação. Tenho certeza de que Alessia vai se

sair bem.

— Fico feliz em pagar. Meu presente de casamento para vocês dois.


Por algum milagre, consigo controlar minha raiva.

— É uma oferta tentadora, obrigado, mãe. Mas estamos bem.

— A oferta está de pé e vejo você em Londres quando voltarem da

lua de mel. Lá vou ter mais a dizer sobre todo esse… desastre.

— Mal posso esperar. — Dou um sorriso tão falso que acho que vou

rachar.

Ela levanta o rosto para mim, dou um beijo muito rápido, e então ela

se vira para Heath.

— Vamos, querido.

Shpresa ajuda Alessia a tirar o vestido e o véu.

— Querida, você estava tão linda hoje.

— Obrigada, Mama. E obrigada por todo o trabalho que você teve.

Ela a abraça apertado, tentando transmitir sua gratidão por tudo que a

mãe fez nos últimos dias.

— Você vai vir me visitar, não é? — pergunta Shpresa, com um quê

de desespero na voz.

— Lógico, Mama — diz Alessia, se esforçando para não chorar. —

E, sabe, minha oferta, nossa oferta, se você quiser ir conosco…

Sua mãe levanta a mão.

— Meu coração, Jak e eu vamos ficar encantados de visitar você em

Londres assim que estiver instalada.

Ela está inflexível. Alessia suspira e abraça a mãe mais uma vez.

— O convite ainda está de pé. Quando quiser.

— Obrigada — responde Shpresa. — Agora, me deixe ajudar você

com esse vestido novo.


Alessia reaparece radiante no local improvisado da recepção de nosso

casamento. Ela se trocou e está com um vestido esmeralda simples e…

bastante justo.

Porra.

Meu corpo se enrijece.

Bastante.

Ela está simplesmente deslumbrante. O cabelo em um penteado

elegante, embora alguns cachos agora emoldurem seu lindo rosto. Ela

está segurando o buquê quando me aproximo e pego sua mão. Ao fazer

isso, toda a raiva que eu estava sentindo da minha mãe desaparece.

— Você está linda — sussurro. — Mal posso esperar para tirar você

desse vestido.

É só então que percebo uma fenda em um dos lados e vislumbro sua

coxa em uma meia-calça e os sapatos de salto alto.

Ah, cara.

— Vamos. Agora.

Após uma meia hora de despedidas chorosas, Alessia e Maxim estão

prontos para ir embora. Ele joga o paletó por cima do ombro quando

saem da tenda.

Está frio do lado de fora, e o chão brilha com uma geada precoce,

enquanto a lua crescente lança uma trilha de luz pelo lago.

Alessia se vira e joga o buquê para a multidão ansiosa. Quem pega é

Agnesa, que pula de empolgação, balançando o prêmio acima da cabeça.

As armas começam. Os primos e os tios de Alessia atiram para o ar,

ao mesmo tempo que mulheres jogam uma chuva de arroz nos noivos.

— Porra! — grita Maxim, se esquivando e agarrando Alessia.

Ele olha desesperado em volta para todos os compatriotas da noiva.

— É tradição — grita Alessia, não tão alto quanto o barulho.


— Caramba! Tom! — grita Maxim, mas Tom está parado, tranquilo,

perto de Joe, assistindo aos parentes dela com suas armas e balançando

a cabeça.

Nós corremos para a entrada de carros, para longe da saraivada de tiros.

Atirar em um casamento? Que ideia de merda é essa?

O Mercedes Classe C está esperando, e nosso motorista, um dos

primos de Alessia, abre uma das portas. Minha esposa se vira e oferece

um último aceno para a multidão antes de entrar no carro. Dou a volta e

me sento do lado dela.

— Você não gosta das armas — comenta seu primo.

— Não! Não gosto!

— Bem-vindo à Albânia!

Ele ri, depois acelera e se afasta com pressa da festança, dos tiros e

do melhor casamento que um homem poderia ter — dadas as

circunstâncias e o fato de que foi organizado em menos de uma semana.

Pego a mão de Alessia.

— Obrigado por se tornar minha esposa, Alessia Demachi-Trevelyan.

Alessia está com lágrimas nos olhos, e seu coração, seu peito… sua

alma de repente está cheia demais.

— Maxim — sussurra, mas a voz falha quando ela é dominada pela

emoção.

Ela se vira e, pela janela, observa sem prestar atenção as águas

escuras do Drin enquanto eles cruzam a ponte que vai levá-los de Kukës

para uma nova vida. Uma vida com um homem que ela ama com todo o

seu ser. Depois de tudo o que ele lhe deu, de tudo o que ele fez por ela,

Alessia só espera ser suficiente para ele.


— Ei — sussurra Maxim.

Ela se vira e vê os olhos dele brilhando na escuridão.

— Estou com você. Você está comigo. Estamos juntos. Vai ser

maravilhoso — declara ele.

E as lágrimas de alegria de Alessia deslizam por seu rosto, deixando

uma parte da emoção dela sair para o mundo.


Capítulo Oito

Um gerente nos mostra a suíte presidencial do Plaza em Tirana, que

reservei por duas noites. Alessia fica impressionada com o imenso vaso

de rosas brancas que nos espera no pequeno hall de entrada.

— Uau! — sussurra ela.

Aperto sua mão, e o porteiro deixa as malas no que presumo ser o

quarto. Ele retorna à entrada da suíte, dou alguns leks como gorjeta e ele

sai apressado.

— Posso oferecer ajuda com as instalações? — pergunta o gerente em

um inglês com sotaque.

— Acho que conseguimos nos virar. — Com um sorriso treinado,

dou a ele diversas notas, esperando que ele vá embora.

Ele concorda com a cabeça, agradecido, e sai, nos deixando sozinhos

pela primeira vez em séculos.

— Aqui. Venha. Deixe eu mostrar para você.

Fiquei aqui com Tom quando chegamos à Albânia, o que parece ter

sido há eras, e sei o que quero mostrar para Alessia primeiro. Pegando a

mão dela mais uma vez, eu a guio para dentro da sala, que tem duas

áreas de estar, uma área de jantar e janelas do chão ao teto. Em uma das

mesas de centro, noto uma garrafa de champanhe dentro de um

enfeitado balde de gelo, com morangos mergulhados em chocolate

arrumados com esmero em um prato. Mas não é isso que quero mostrar

para ela. Vou até as janelas e abro as persianas, revelando a cidade

iluminada em toda a sua glória aos nossos pés.

— Uau! — diz ela mais uma vez.

— Sua cidade! É deslumbrante vista do vigésimo segundo andar.


Alessia absorve a paisagem. É uma colcha de retalhos de luz, sombras e

escuridão devido aos edifícios, altos e pequenos, e ruas iluminadas feito

linhas tecidas no meio da colcha, fluindo em direção às montanhas

distantes. Ela se lembra de dizer a Maxim que nunca tinha ido a

Tirana… e ali está ele, tornando os sonhos dela realidade.

De tantas maneiras.

— A parte escura ali. — Maxim aponta com o queixo, parado do

lado dela. — Aquela é a praça Skanderberg. O Museu de História

Nacional é ali do lado. Podemos ir amanhã, se você quiser. — Ele se

vira, dá um rápido sorriso e pega o champanhe no balde de gelo. —

Quer uma taça?

— Quero. Por favor.

Alessia nota que a garrafa tem um invólucro de cobre em cima: é

uma Laurent-Perrier rosé, o primeiro champanhe que ela tomou na vida,

não faz muito tempo, no banheiro do Esconderijo. O sorriso de Maxim

aumenta, como se ele estivesse lendo os pensamentos dela, e, com

destreza, seus dedos retiram o arame e a rolha com um estouro

agradável. Ele enche as taças com o champanhe rosa e borbulhante e

entrega uma a Alessia.

— A nós dois. Gëzuar, meu amor. — Na luz suave, seus olhos verdes

brilham com um calor que faz o sangue de Alessia ferver.

— A nós dois. Gëzuar, Maxim — responde ela, e eles batem as taças.

Ela toma um gole, se deliciando com o sabor de um verão alegre e

frutas maduras que desce por sua garganta. Ela se sente um pouco

tímida agora que estão por fim juntos sozinhos.

Com vergonha do meu marido?

Marido.

Ela deixa a palavra soar na sua cabeça, gostando do som ali dentro.

Maxim se volta para a vista de novo.

— “Se eu tivesse os tecidos bordados celestiais” — sussurra ele,

quase para si mesmo.


— “Adornados com luz dourada e prateada” — continua Alessia.

Maxim vira a cabeça para ela, surpreso.

— “Os tecidos de azul, de penumbra e de escuro.”

— “Da noite e da luz e da meia-luz.”

— “Eu estenderia os tecidos sob seus pés.” — Os olhos dele ardem

por ela, sua expressão intensa.

— “Porém, eu… pobre que sou… tenho apenas meus sonhos” —

sussurra Alessia, e sua garganta queima com lágrimas não derramadas e

a verdade daquelas palavras.

Maxim sorri e passa a parte de trás do indicador pela bochecha dela.

— “Estendi meus sonhos sob seus pés. Pise com cuidado” —

murmura ele.

— “Pois está pisando nos meus sonhos.” — Alessia pisca, contendo

uma lágrima, e Maxim se inclina e dá um beijo suave em seus lábios.

— Você não cansa de me surpreender.

Alessia engole em seco, tentando manter o equilíbrio. A todo

momento, ela se lembra do que Maxim fez por ela — e da diferença

entre eles, mas afasta isso. É... complexo e arrebatador demais para ser

contemplado agora.

— Minha avó inglesa. Ela amava os seus poetas. Yeats e Wordsworth.

Temos livros de poemas desses autores. Eram escandalosos na Albânia

algumas décadas atrás.

Nana.

O que ela diria da neta, casada com um lorde inglês, bebendo

champanhe na suíte presidencial de um hotel elegante em Tirana?

— Eu queria ter conhecido a sua avó — comenta Maxim.

Ela sorri.

— Você teria gostado dela. Ela teria amado você.

— E eu a ela. Eu sei que você passou por muita coisa nas últimas

semanas. Temos dois assuntos para tratar na embaixada amanhã quando

pegarmos nossos vistos. Mas depois disso, acabou. Estamos na nossa lua

de mel agora. Só nós dois. Relaxe. Aproveite. — Ele passa o braço em

volta da cintura dela, a puxa para si e acaricia seu cabelo.


Alessia encosta a cabeça no ombro dele e juntos ficam em um

silêncio confortável enquanto apreciam a vista de Tirana e tomam o

champanhe.

— Mais? — oferece Maxim, olhando para a taça dela.

— Por favor.

Ele enche de novo as taças e devolve a garrafa ao balde de gelo. Ela o

observa dobrar o paletó e colocá-lo em cima de um dos sofás. Na mesa

lateral, ele conecta o celular a uma caixa de som e seleciona uma

música. Um instante depois, os acordes de uma guitarra ecoam pela sala

e um homem com um sotaque norte-americano começa a cantar.

— Quem é esse? — pergunta Alessia quando Maxim se aproxima

mais uma vez.

— É das antigas, mas muito bom — murmura ele e a abraça, as

costas dela na frente do corpo dele. Encosta o queixo na cabeça dela e

começa a balançar. — JJ Cale. “Magnolia.” Humm… Você está

cheirosa. — Ele beija o cabelo da esposa.

Alessia relaxa, balançando junto. Coloca a mão em cima da dele e

bebe o champanhe.

A música é suave e sensual. Fica ainda mais sexy quando Maxim

canta um verso baixinho no ouvido dela.

— Me faz pensar em você, amor…

Ela sorri.

Ele sabe cantar! E de um jeito suave também.

— Vamos para a cama — diz Maxim, a voz rouca e cheia de

promessas enquanto mordisca o lóbulo da orelha de Alessia com

delicadeza.

Ela prende a respiração e sente aquele frio na barriga doce e

delicioso. Então se lembra.

— Hum…

Maxim pega a taça de Alessia e a apoia na mesa.

— Humm? — pergunta ele e inclina o queixo dela para cima, os

olhos queimando.

Ele beija o canto da boca de Alessia.


— O que você disse? — indaga ele.

— Eu… Eu…

Maxim a beija de novo embaixo da orelha enquanto ela pressiona as

mãos na camisa dele, os dedos indo para os botões por vontade própria.

Só mais um pouquinho.

E ela começa a desabotoá-los.

Ele pega o rosto de Alessia e inclina sua cabeça, levando os lábios

aos dela.

— Esposa — sussurra ele e provoca os lábios dela de leve com os

seus, a ponta da língua procurando a dela.

Ela suspira, e a língua de Maxim encontra e acaricia a dela conforme

suas mãos deslizam pelo corpo da esposa, uma a pressionando contra si

e a outra passando pelas costas de Alessia. Ela abandona os botões e

agarra a camisa dele, tirando-a de dentro da calça. Suas mãos sobem

pelos bíceps e ombros firmes, e os dedos se fecham no cabelo macio e

despenteado dele à medida que os dois se devoram.

Ele geme e se afasta, sem fôlego.

— Senti saudade sua — sussurra ele. — Tanta.

— Eu estava aqui… — A voz dela é um murmuro ofegante.

— Não assim.

Ele se mexe de repente, carregando-a no colo. Ela sorri, o coração

transbordando de amor, e coloca os braços em volta do pescoço de

Maxim, enquanto ele a leva pela suíte para o quarto, deixando para trás

o timbre aveludado de JJ Cale.

O cômodo é decorado em tons de creme, minimalista e moderno,

mas Alessia mal percebe isso quando Maxim a coloca de pé. Os dedos

dele deslizam pelo cabelo da esposa, e ele retira os grampos com

cuidado, soltando mecha por mecha. Ela fecha os olhos, desfrutando

daquele toque terno, e surpreendida por ele.

Porém, seus pensamentos a perturbam.

Diga a ele.

Não. Ela não pode ainda. Isso está bom demais.


— Pronto, esse é o último, eu acho — murmura ele, os olhos se

intensificando de desejo enquanto pega uma mecha e a enrola no dedo.

— Tão macio. — Ele a puxa com delicadeza, aproximando-a de si, e

beija a mecha antes de soltar os fios. — Agora, esse vestido sensacional.

Com a mão na nuca de Alessia, a outra no zíper, ele a beija mais uma

vez conforme arrasta o zíper para baixo.

Alessia fica ofegante e cruza as mãos por cima do peito para que o

vestido não caia no chão.

Diga a ele.

— Maxim, eu… Eu estou…

Ele para, franzindo a testa.

— O que foi?

Ela cora, segura o vestido no peito e se concentra no diamante

brilhante aninhado em seu dedo, perto da aliança de casamento.

— Estou sangrando.

— Ah — diz ele e inclina o queixo de Alessia de leve. Ela espera que

ele fique decepcionado, ou pior, enojado, mas tudo o que ela vê é alívio

e preocupação. — Você está se sentindo bem?

— Estou. Estou bem.

— Podemos esperar, se você quiser… — Ele beija o canto da boca de

Alessia, depois murmura contra seus lábios: — Mas, só para você saber,

isso não me incomoda.

— Sério?

— Eu ainda quero você. — Ele dá beijos leves como plumas ao longo

da mandíbula dela.

— Ah.

Alessia suspira, e fica estupefata por um momento.

Eles podem? Mesmo se…?

Maxim sorri e acaricia o rosto dela com a ponta dos dedos.

— Eu deixei você chocada. Linda Alessia. Me desculpe.

Antes que ele possa terminar, Alessia levanta as mãos, soltando o

vestido, que desliza pela cintura, prendendo nos quadris, e, com as

palmas das mãos, segura o rosto de Maxim e guia a boca dele para a sua.
Há um vislumbre tentador de um sutiã bonito de renda. Mas a boca de

Alessia está colada à minha, sua língua insistente, e ela pressiona seu

corpo no meu. Fechando os olhos, eu me rendo a seu fervor, meus dedos

no seu cabelo enquanto a seguro junto a mim. Qualquer hesitação que

ela havia sobre continuar parece uma lembrança distante.

Quando ela se afasta, estamos ofegantes de novo, e meu pau está

pressionando minha braguilha.

Porra.

— O que a gente faz? — A voz dela está rouca.

Levo um milésimo de segundo para entender do que ela está falando,

enquanto dou um passo para trás para contemplar a imagem da minha

esposa com uma lingerie bonita.

— Tire o vestido.

Ela inspira com força e me avalia, os olhos desviando dos meus para

a minha boca e então descendo meu corpo até o volume endurecendo na

minha virilha. Com um sorriso tímido, mas vitorioso, ela rebola para o

vestido descer e ele desliza, passando pelos quadris e pelas coxas,

revelando uma pequena calcinha de renda branca e meias de seda.

Minha boca fica seca de repente, e tenho certeza de que está aberta

em fascínio à medida que minha calça fica mais apertada a cada

segundo.

— Agora você — sussurra ela, colocando o vestido em cima da

espreguiçadeira.

Apressado, tiro os sapatos e as meias, em seguida abro os botões que

faltam da camisa que Alessia abandonou. Logo me livro das

abotoaduras, tiro a camisa e a jogo com o resto das nossas roupas na

espreguiçadeira.

— Calça — exige ela, os olhos escuros brilhando e recaindo para

baixo da minha cintura.

Minha esposa é mandona.

Eu gosto disso.
Com um ritmo lento de propósito, abro o cinto, e ela ri e dá um passo

à frente para ajudar.

Isso!

Ela abre o botão, desce o zíper da braguilha e puxa a calça para

baixo, se ajoelhando aos meus pés.

Porra.

A imagem de Alessia de joelhos e meu pau em sua boca vem de

forma automática à minha mente quando nossos olhares se encontram.

Me observando com seus enormes olhos escuros, ela estende os braços

para tirar minha cueca… e eu assisto. Enfeitiçado. E duro. Tão duro que

é quase insuportável, enquanto ela arrasta minha cueca para baixo e

libera meu pau enrijecido.

Os olhos dela desviam dos meus para o meu pau.

— Alessia — sussurro… e eu sei que soa como um pedido.

Ajoelhada, Alessia segura o pau de Maxim. Ele está macio que nem

veludo e rígido na mão dela. Maxim arfa e fecha os olhos. Alessia sabe

que é isso que ele quer… É o que ela quer também. Ela era tímida

demais para fazer isso até agora, mas quer satisfazê-lo, de todas as

maneiras. Ele abre a boca, mas parece ter parado de respirar, o corpo

tenso de ansiedade pairando acima dela. Ela mexe a mão devagar para

cima e para baixo, como ele havia lhe mostrado antes, e com delicadeza

Maxim coloca a mão na cabeça de Alessia. Quando ele abre os olhos,

estão cheios de desejo.

A reação dele inflama o desejo dela e o estômago de Alessia se

contrai. Ela ama excitá-lo. Ele usou sua língua e seus lábios nas partes

íntimas do corpo dela muitas vezes, e faz muito tempo que ela quer fazer

isso nele. Por ele. Ela se inclina, os olhos ainda nos dele, e passa a

língua pelo lábio superior, observando-o com atenção. Ele está


encantado, seus olhos ardendo nos dela. Está cativado e completamente

à mercê dela.

O poder que ela sente… É inebriante.

Alessia se inclina para a frente e beija a ponta, e sua língua segue

arrebatadora sobre ele. Ele tem um gosto salgado. Masculino. De

Maxim.

Humm…

Maxim geme. E ela o cobre com sua boca, empurrando cada vez mais

para o fundo.

— Porra — exclama ele.

Eu me dou um milésimo de segundo para desfrutar dos lábios dela em

volta de mim… é o paraíso, porra, e o que mais quero no mundo é

empurrar mais para dentro da boca de Alessia, mas ela toma o controle e

faz isso por conta própria.

Ah, meu Deus.

De forma instintiva, flexiono a bunda, enfiando de leve mais fundo na

sua boca, e ela me aperta com um pouco de força.

Caralho. Isso.

Ela vai para trás e para a frente de novo como se já tivesse feito isso

antes. E minha decisão de não deixar isso continuar é uma memória

distante conforme deixo ela me tomar. Mais e mais. Na sua boca quente,

molhada, apertada e doce!

Minhas pernas começam a tremer enquanto luto para conter meu

clímax.

Caralho.

Ela vai me derrubar.

Agora.
— Na cama. — Ele se inclina para baixo. — Por mais que eu queira que

você continue, vou gozar muito rápido na sua boca se…

Alessia afasta as mãos dele, o silenciando.

Ela o quer.

Ele inteiro.

Na sua boca.

— Alessia! — Ele acaricia a cabeça dela. — Eu vou gozar!

Ela olha para ele por baixo dos cílios enquanto ele deixa a cabeça

tombar para trás e se entrega, o sêmen quente e salgado descendo pela

garganta de Alessia. Ela engole, um pouco chocada, mas triunfante por

ter feito aquilo. Relaxa e vai para trás, soltando-o, e limpa a boca com as

costas da mão.

Arfando, Maxim concentra os olhos ardentes nela, se abaixa, a ajuda

a se levantar e a envolve em um abraço. Ele a beija forte e rápido, sua

língua explorando a boca de Alessia, pegando tudo o que ela tem a dar e,

sem dúvida, sentindo o gosto do próprio sêmen.

— Eu te amo tanto — diz, com um suspiro.

— Eu te amo — responde ela, se sentindo em êxtase.

Ela conseguiu!

Fez aquilo!

Até que enfim!

Ele sorri.

— Como foi? — pergunta ele, e ela escuta a hesitação em sua voz.

— Bom. — Ela morde o lábio inferior. — Para você também?

— Ah, baby. Foi incrível. Podemos fazer isso a qualquer hora. Agora

é melhor você ir ao banheiro e… faça o que precisa fazer. Traga uma

toalha com você.

Ela sorri.
Eu a observo desfilar para dentro do banheiro, meu pau em espasmos,

sedento por mais uma rodada, já que a bunda dela nessa calcinha é digna

da porra de um poema.

Talvez Yeats ou Wordsworth.

Minha esposa é cheia de surpresas.

Quem diria que ela era capaz de citar Yeats?

Quem diria que ela ia topar chupar meu pau de joelhos?

Doce Alessia.

Sorrindo e tonto de prazer, afasto o edredom e, com um impulso,

volto à sala, pego nossas taças e as coloco em uma bandeja com o balde

de gelo, o champanhe e os morangos. Ao voltar para o quarto, apoio a

bandeja na mesa de cabeceira enquanto Alessia abre a porta do banheiro

e se inclina contra o batente. Ela está nua, a não ser pela toalha.

— Mais champanhe? — ofereço.

Ela faz que não com a cabeça, e assisto seus olhos percorrendo o meu

corpo.

Meu pau responde em saudação, pronto e querendo mais.

Uau! Isso é que é uma recuperação rápida!

— A única coisa que eu quero é você — sussurra ela.

— Sou todo seu.

Abro os braços e ela anda na minha direção, abrindo a toalha.

Deslizo meus braços em volta dela, e ela nos enrola no material macio.

— Que toalha grande — murmuro.

Ela dá uma risadinha.

— Sabe o que é grande também?

— O quarto? Minha cabeça? Meu pau? O quê?

— Seu pau — sussurra ela.

E eu rio.

— Adoro quando você fala sacanagem.

Ela dá mais uma risadinha, e meu pau incansável não aguenta mais

esperar. Pegando seu rosto, pressiono minha boca na dela, e Alessia a

abre, procurando minha língua. Obedeço de bom grado, e, enquanto

ando com ela na direção da cama, nos beijamos, só língua e lábios e


respiração, até eu estar pronto para explodir de novo. Paro para recuperar

o fôlego, e Alessia também está ofegante.

— Cama — sussurro, e juntos caímos no colchão.

Alessia desaba na cama, a toalha embaixo do corpo, e Maxim paira

acima dela, sustentando o próprio peso com as mãos.

— Agora você está exatamente onde eu quero — sussurra ele e

acaricia os seios de Alessia com o nariz. — Você está com dor?

— Não.

— Tem certeza?

— Tenho! — diz ela. Enfática.

Eu me apoio nos braços e olho para ela. Da última vez que fizemos isso,

ela estava com arranhões e hematomas e Deus sabe o que mais cobrindo

o seu corpo. Mas agora encontra-se deitada embaixo de mim, o cabelo

espalhado em uma juba escura no travesseiro, os olhos brilhando de

amor e desejo, e não há marca alguma em seu corpo. Ela estende os

braços para me tocar, passando os dedos no meu cabelo e puxando os

fios, me fazendo deitar por cima da maciez do seu corpo. Meu pau fica

aninhado entre nós, em sua barriga.

Mas ele, como eu, está ansioso para estar dentro dela.

Beijo a parte inferior do seu seio e deixo um rastro de beijos até o

mamilo. Ela agarra meu cabelo, e fecho os lábios em volta da sua

auréola e a sugo. Com força, sentindo o mamilo firme e inchando sob

meus lábios e minha língua. Eu o puxo de leve, e Alessia geme e se

contorce embaixo de mim, o quadril se erguendo e pressionando o meu.

Repito a ação de novo e de novo e mudo para o outro seio.

— Por favor — implora Alessia.


Alcanço a mesa de cabeceira para pegar uma camisinha.

— Não — diz ela. — Comecei a tomar pílula anticoncepcional.

O quê?

— Está tudo bem. — Os olhos dela incendeiam os meus.

E não posso mais esperar. Eu a beijo de novo, seguro meu pau e o

guio para onde ele quer estar…

— Ah! — solto assim que entro nela com facilidade.

Pele contra pele.

Uma deliciosa primeira vez.

Ela está apertada, escorregadia e molhada de desejo, e aperta os

braços em volta de mim, as mãos indo para a minha bunda, as pernas

envolvendo minhas panturrilhas, e começo a me mexer e a me perder no

seu prazer.

Na sua paixão.

No seu amor.

Minha esposa.

Sem parar.

Suas unhas gravam seu desejo na minha pele enquanto ela arfa e

geme perto do meu ouvido. Seu prazer vai aumentando cada vez mais,

assim como o meu, e de repente ela se enrijece embaixo de mim e grita,

seu orgasmo me levando ao limite.

Grito ao gozar, e o mundo à nossa volta desaparece, somos só eu e

minha esposa.

Meu amor.

* * *

Eu me inclino por cima dela, apoiado em um cotovelo. Afasto seu cabelo

do rosto, e ela me encara. Ainda estamos intimamente conectados, e não

quero me mexer.

— Como foi, Lady Trevethick?

Ela sorri, iluminando o quarto e meu coração.

— Foi maravilhoso, Lorde Trevethick. E para você?


Mudo de posição, e ela deita em cima de mim. Beijo o cabelo dela.

— Foi bem demais.

Ela dá uma risadinha e beijo seu cabelo de novo.

— Foi mesmo. Quero fazer de novo logo. Mas talvez você precise de

champanhe e morangos primeiro?

* * *

Alessia está deitada ao meu lado, em sono profundo. Sua luz noturna

de dragão está conosco, protegendo-a do escuro. Estou feliz que ela a

tenha trazido. Eu me aconchego mais, inspirando o perfume calmante de

Alessia, e fico admirado com o quanto gosto de ficar deitado aqui ao seu

lado. Será que é porque ela não exige nada de mim? Será que é porque

ela faz eu me sentir necessário? Amado? Não sei. Seja o que for, nunca

me senti tão satisfeito. Satisfeito e animado. Amanhã vamos explorar a

capital e seremos apenas nós mesmos. Juntos.

Fechando os olhos, beijo seu cabelo.

Até amanhã, e o resto de nossa vida, meu amor.


Capítulo Nove

O sol reflete no reluzente mar do Caribe na praia de Endeavor Bay,

enquanto minha esposa pratica stand up paddle na água azul-turquesa.

Ela põe a língua para fora, concentrando-se em ficar de pé sobre a

prancha. É provocante demais. Nos últimos tempos, tenho visto bastante

a língua de Alessia: ensinando-a a fazer stand up paddle, a jogar pôquer

e sinuca, a usar hashis, a chupar meu pau…

Caralho.

Pensar em minha esposa com a boca ao redor do meu pau duro,

praticando sexo oral, tem um efeito imediato e intenso em meu corpo.

Eu me mexo na prancha tentando me conter, mas perco o equilíbrio e

caio no mar, sem qualquer classe, espirrando água.

Quando volto à superfície, Alessia está rindo. De mim. De mim.

Ela está usando um biquíni pequeno verde vivo que compramos na

Pink House, a loja da região, e seu corpo todo está com um bronzeado

lindo. Sua aparência é deslumbrante, mas ela está rindo de mim.

Ok! É guerra.

Agarro a prancha, subo de novo e, rindo como um desvairado, resolvo

persegui-la.

Ela solta um gritinho, vira a prancha para a praia e começa a remar

de maneira frenética.

A caçada começou.

Só que ela não é páreo para mim, e a alcanço logo antes da parte rasa.

Saio da prancha e a agarro, nos jogando no mar.

Ela grita, mas é silenciada pela água, e emerge tossindo, se

engasgando e dando risada. Ali dá pé para mim, então eu a seguro, a

puxo para os meus braços e lhe dou um beijo.


Dos bons.

Sua boca tem gosto de felicidade, sol e água do mar cristalina. Tem

gosto da minha esposa amada.

— Assim é melhor — murmuro, nossos lábios grudados.

— Je trap fare! — Ela empurra meus ombros, mas me recuso a soltá-

la.

— Imagino que isso não tenha sido um elogio. — Roço meu nariz no

dela, e Alessia dá uma risada.

— Eu disse que você é um babaca.

— Baixando o nível de novo?

— Estou aprendendo com você.

— Humm… eu sou um bom professor? — Prendo seu lábio inferior

entre os dentes e puxo de leve.

Seus olhos escuros brilham, e as bochechas coram sob o bronzeado.

— O que você acha? — sussurra ela.

Sorrio.

— Não tenho do que reclamar.

— Minha avó dizia que o melhor dicionário de uma língua

estrangeira era um amante.

Lógico, a avó inglesa que se casou com um albanês.

— Amante, hein? E marido conta?

Ela envolve meu tronco com as pernas, agarra meu rosto e me beija,

apenas língua, lábios e amor, enterrando as mãos em meu cabelo

molhado. Eu a mantenho apertada contra mim. Estamos pele contra

pele, e meu corpo reage, mais uma vez ávido por ela.

Será que algum dia vou me cansar da minha esposa?

Estou sob o total domínio dela e me deixo levar por seu beijo, sua

língua… seu amor.

Quando nos separamos para recuperar o fôlego, estou excitado e

pronto para ela.

— Vamos foder no mar? — sussurro, ofegante, meio de brincadeira.

— Não tem ninguém por aqui.


— Maxim! — Alessia fica escandalizada, mas dá uma olhada na

costa, onde há algumas casas de veraneio, e realmente não há ninguém à

vista na praia nem no mar.

Ela me oferece um sorriso recatado, me beija de novo e se esfrega em

mim. Depois, pondo a mão dentro da minha sunga, agarra meu pau mais

do que pronto.

Puta merda… nós vamos fazer isso!

As pranchas flutuam ao nosso lado, pois ainda estão presas aos

nossos tornozelos, nos fornecendo certa cobertura. Com delicadeza,

afasto o biquíni de Alessia e enfio o pau dentro dela. Ela faz força para

baixo, os dentes brincando com o meu lábio inferior.

Ah!

A maré é suave e nos faz boiar, e começo a me mexer devagar,

segurando-a presa a mim. Ela vira os quadris em minha direção,

balançando em um compasso ágil. E logo estamos perdidos em nosso

ritmo. Juntos. As respirações se mesclando, olhos fechados, olhos

abertos, e bocas frouxas e famintas enquanto um consome o outro.

Porra, como ela é gostosa.

Alessia joga a cabeça para trás e geme ao gozar, me levando junto, e

atinjo o clímax nas águas límpidas e azuis do mar do Caribe.

* * *

É a nossa última noite aqui, e as velas tremeluzem na brisa suave.

Estamos no arejado gazebo, apreciando mais uma das incríveis refeições

do chef. Alessia beberica um rosé enquanto observa a faixa de céu claro

próxima ao horizonte. O sol já se pôs faz muito tempo, porém um

vestígio do dia persiste ali. Ela usa um vestido de seda verde, também da

Pink House, e o cabelo preso, mas alguns fios escaparam e emolduram

seu belo rosto. Nas orelhas, brincos de pérola que comprei em Paris. Ela

realmente parece uma condessa.

Minha condessa.

Estendo o braço por cima da mesa e pego sua mão.


— O que você está achando?

Ela me fita com os olhos escuros, que brilham à luz das velas.

— Maravilhoso — responde ela, mas sinto uma inquietação em sua

voz.

— Qual o problema?

— Temos que voltar?

Dou uma risada.

— Infelizmente, temos. Não acho que a hospitalidade do meu tio vai

durar mais de uma semana.

Meu tio Cameron, irmão do meu pai, foi o pesadelo de sua geração.

Após uma discussão monumental com meus pais, antes de Kit nascer,

ele foi para Los Angeles e se estabeleceu lá como artista. Durante o final

da década de 1980, ganhou uma fama tremenda no cenário artístico

norte-americano, e hoje seu nome está no mesmo patamar que David

Salle e Jean-Michel Basquiat. Agora, ele mora em Hollywood Hills e

tem duas propriedades em Mustique.

Estamos em uma delas. A elegante casa de veraneio de dois quartos

na beira da praia, chamada Água Turquesa, foi projetada por Oliver

Messel e é deslumbrante. Meu tio ficou muito contente quando Alessia e

eu decidimos passar nossa lua de mel aqui.

Parabéns, Maxim, meu rapaz tão querido. Estou muito feliz por você.

Óbvio que pode usar minha casa. Meu presente de casamento para

vocês.

Eu não vinha aqui desde a adolescência, quando minha mãe,

relutante, deixou Maryanne e eu ficarmos com o tio Cameron depois que

nosso pai morreu. Existe um ressentimento entre eles, tanto que

Cameron ficou pouco tempo no funeral do meu pai e no enterro de Kit.

Nós dois trocamos apenas algumas palavras depois. Não consigo decidir

se ele não gosta de nós, ou se Rowena não gosta dele porque ela e tio

Cameron são muito parecidos — ambos compartilham a mesma paixão

por casinhos com rapazes jovens — ou porque ele não tolera os

disparates dela.

Seja lá qual for o motivo, eles não se falam. Nunca.


Foi um saco chegar a Mustique. Não podíamos ir para Miami porque

Alessia precisava de um visto para os Estados Unidos, e não tínhamos

tempo para solicitá-lo. Eu não queria fazer escala em Londres, então

fomos até Paris, depois pegamos um barco até Castries, de onde, por

fim, pegamos um voo para Mustique.

E Alessia nunca tinha andado de avião.

A viagem para Londres será mais direta.

— Adorei que seu tio tenha uma casa com um piano de ¼ de cauda.

Este lugar é mágico — murmura Alessia.

Beijo sua mão.

— É, sim, com você aqui.

Bastian, nosso mordomo, aparece.

— Posso levar os pratos, milorde? — pergunta ele.

— Obrigado.

— Algo para beber? — oferece.

— Alessia? — indago.

— Estou bem com o vinho. Obrigada, Bastian.

— Milorde?

— Conhaque, por favor.

Ele aquiesce e retira nossos pratos de sobremesa.

— Alguma coisa está incomodando você, não é? — insisto.

— Não tenho certeza do que esperam de mim. Quando chegarmos na

Inglaterra.

Aperto sua mão e suspiro.

— Para ser sincero, eu não sei. — Não faço ideia do que Caroline ou

minha mãe costumavam fazer. Gostaria de ter reparado mais. — Mas

não se preocupe, vamos descobrir.

Ela puxa a mão e a leva ao colo.

— Eu estou… humm… nervosa de comer com a faca errada ou dizer

qualquer coisa errada para algum amigo seu e deixar você constrangido.

Merda.

— E ainda tem a questão dos empregados, como aqui — diz ela.

— Você vai se acostumar.


— Você está acostumado porque teve empregados a vida toda.

— É verdade.

— Eu, não.

— Ei, pare com isso. Você vai se sair bem. Você tem se saído bem

aqui, com Bastian, o chef e a arrumadeira. Apenas continue fazendo o

que tem feito.

Alessia franze a testa.

— Isso está fora das minhas capacidades.

Sorrio.

— Além da sua capacidade, você quer dizer. E eu não acho isso. Você

vai ser incrível. Vi como você e seus pais organizaram um casamento em

menos de uma semana. Você tem todas as habilidades necessárias.

Ele puxa a mão de Alessia, que vai de bom grado para o colo dele.

Maxim a abraça e roça o nariz em seu cabelo.

— Além do mais — sussurra ele. — Quem liga para que porra os

outros estão pensando?

Alessia dá uma risada.

— Você repete muito essa palavra.

— É verdade, e o seu inglês está melhorando. Notei isso durante essa

viagem.

— É porque tenho passado tempo com alguém que fala inglês muito

bem, tirando os palavrões, óbvio.

Maxim ri.

— Sei que você adora quando eu falo palavrão.

Ele está usando uma camisa branca de algodão larga e calça de linho.

O cabelo está dourado por conta do sol, e os olhos verdes brilham na luz

tremeluzente das velas.

Ele é delicioso.

— Seu conhaque, milorde — diz Bastian, interrompendo-os.


— Obrigado.

— Tomei a liberdade de levar duas espreguiçadeiras para a praia e

acender o fogareiro.

— Obrigado, Bastian. Vamos aproveitar para fazer mais um pouco de

stand up paddle à luz da lua.

Alessia sai do colo de Maxim. Ele pega sua mão e o conhaque e a

conduz, descendo os degraus do jardim, até a praia, onde Bastian

arrumou um pequeno caramanchão para eles. Tochas ardem nos quatro

cantos, e as chamas da fogueira oscilam na brisa da noite.

As espreguiçadeiras têm almofadas e cobertores. Alessia se senta em

uma delas, e Maxim se acomoda na outra. Ele pega sua mão de novo e a

leva aos lábios.

— Obrigado pela lua de mel maravilhosa.

Ela ri.

— Não, Maxim. Eu que agradeço. Por tudo.

Ele beija a palma da mão de Alessia, depois suas alianças, e em

seguida se recosta. Os dois contemplam a água escura, que reflete a lua

minguante. Ouvem uma serenata composta do canto das pererecas, o

crepitar, chiar e estalar das chamas no fogareiro de ferro, e o barulho das

ondas suaves do mar do Caribe varrendo a areia. Alessia inspira fundo,

sentindo o aroma dos trópicos, o exuberante cheiro terroso da floresta

tropical e o odor salgado do mar, e tenta gravar aquela cena na memória.

Acima deles, as estrelas formam um espetáculo à parte.

— Uau, tantas estrelas — murmura Alessia.

— Uhum… — responde Maxim, mirando o céu.

— Elas parecem diferentes aqui.

— Uhum… — O som de felicidade ressoa na garganta de Maxim

mais uma vez.

Alessia contempla o céu noturno, sentindo que o destino

providenciou aquele impressionante show de luzes apenas para

compensar tudo o que aconteceu a ela e Maxim antes do casamento.

O coração de Alessia está transbordando.

Esta agora é a sua vida.


Ela tem que se beliscar.

Ele lhe mostrou os locais interessantes de Tirana, levou-a em uma

rápida viagem a Paris e depois a trouxe até este lugar mágico.

O que ela fez para merecer toda essa sorte?

Ela havia se apaixonado por ele. O seu Mister… Não, o seu conde.

— Vamos dançar? — diz Maxim, interrompendo seu devaneio, e

deixa o celular no braço da cadeira ao mesmo tempo que entrega a

Alessia um AirPod.

Ele coloca um na orelha, e ela faz o mesmo. Quando ele dá play, as

conhecidas melodias de RY X enchem o ouvido de Alessia.

Maxim olha para a esposa e abre os braços. Ela aceita o abraço, e

juntos balançam devagar na areia.

— Nossa primeira dança — sussurra Maxim.

E Alessia se emociona, porque ele se lembrou.

— A primeira de muitas — responde ela, e ele acaricia seu rosto e a

beija.

* * *

Eles estão em sintonia. Indo e vindo. Dois virando um. Alessia agarra os

lençóis, seu corpo pegajoso de suor… seu suor… o suor dele, e Maxim

grita e fica imóvel ao gozar, provocando o orgasmo dela, que então grita

também, e transcende e desaba em seu êxtase. Ela envolve o pescoço de

Maxim com os braços quando ele desmorona em cima dela, e depois se

afasta para o lado.

— Caralho. Alessia — sussurra ele e beija a testa da esposa, que está

voltando a si.

Ela abre os olhos e acaricia o rosto do marido enquanto os dois se

encaram. O dedo de Alessia traça o contorno dos lábios de Maxim.

Lábios que estiveram nela.

Por todo o corpo dela.

— É sempre assim? — pergunta Alessia.

— Não — responde Maxim e beija sua testa de novo.


Ele sai de dentro dela, e Alessia estremece.

— Está dolorida? — A voz dele revela sua preocupação.

— Não. Estou bem. — Ela sorri. — Mais do que bem.

— Também estou mais do que bem.

O quarto deles é todo de madeira pintada de branco, com móveis em

pátina e obras de arte discretas. Uma cama com dossel, protegida por

telas, domina o cômodo. Alessia adora o romantismo das redes: quando

eles estão na cama, ficam encapsulados em seu pequeno refúgio

particular.

À medida que sua frequência cardíaca vai desacelerando, um

pensamento que a vem importunando desde o casamento invade sua

mente.

— O que foi? — indaga Maxim.

De frente para ela, abraçado ao travesseiro, ele está nu e lindo, os

olhos brilhando no rosto bronzeado.

Ela fita a tatuagem do brasão e, estendendo o braço, contorna a figura

com o dedo, ao mesmo tempo que pondera sobre como fazer a pergunta.

— O que foi? — insiste ele e coloca uma mecha solta de cabelo

úmido atrás da orelha de Alessia.

— Humm… é uma coisa que a sua irmã me disse no casamento.

Ah, merda. O que pode ser?

Fico tenso, imaginando o que Maryanne deixou escapar para minha

querida e adorada Alessia.

— Ela disse “Libertinos reabilitados dão os melhores maridos”. —

Os olhos escuros de Alessia cintilam na luz suave, cheios de perguntas.

Suspiro com força, pensando no que dizer.

— Já li Georgette Heyer. Eu sei o que é um libertino… — acrescenta

ela.

— E?
— A sua irmã quis dizer que você é um libertino?

— Alessia, estamos no século XXI, não no século XVIII.

Ela me encara por muitos segundos, os dentes pressionando o lábio

superior, enquanto me avalia.

Mas que porra é essa? Ela está me julgando?

Me achou desprovido de alguma coisa?

Não faço ideia. Prendo a respiração.

— Quantas mulheres? — pergunta ela afinal.

Ah. Sinto um peso no estômago. É nisso que ela está pensando.

— Por que você quer saber?

— Curiosidade.

Acaricio seu rosto.

— Para ser bem sincero, não sei. Não fiquei contando.

— Muitas?

— Muitas.

— Dezenas? Centenas? Milhares?

Faço uma careta. Milhares! Nossa. Acho que não.

— Dezenas… mais ou menos. Não sei. — Uma mentirinha

inofensiva.

Está mais para centenas, cara.

Ela me encara de novo, e peço aos céus que ela não esteja percebendo

minha mentira ou me vendo sob uma luz nova e sórdida. Era só sexo.

— Ei. — Eu me aproximo mais dela. — Ninguém, desde que eu

conheci você.

— Nem a viúva? — sussurra ela.

E, naquelas três palavras, escuto sua angústia e seu receio. Fecho os

olhos enquanto uma fagulha de raiva da minha cunhada de língua solta

me faz arder por dentro.

Maldita Caro!

— Não. Ninguém desde que vi você agarrada com uma vassoura no

meu corredor.

Quando torno a abrir os olhos, ela está me examinando mais uma

vez, e não consigo decifrar no que está pensando. Ela aquiesce, no


entanto, pelo visto satisfeita, e solto um suspiro de alívio.

Ainda bem, porra.

— Vem cá. — Eu a puxo para mim. — Existia o antes de Alessia e

então o resto da minha vida com você. É só isso que importa.

E a beijo de novo.

À medida que a alvorada rompe naquele pedacinho de paraíso, Alessia

está encolhida em uma das poltronas, observando Maxim dormir. Ele se

encontra esparramado na cama, nu e de bruços. As pernas estão

enroscadas nos lençóis… como na primeira vez em que ela o viu, não

faz muito tempo.

Ela ficou chocada e depois fascinada, atraída pelas linhas bem

definidas do corpo atlético dele. Agora pode apreciar cada linha e

músculo. Ele tem o físico tão esculpido e parece tão jovem e relaxado

enquanto dorme… O contraste de bronzeado entre as costas e o traseiro

redondo e musculoso está muito mais nítido, e ela gostaria de morder

com força aquela bunda. Chocada com os pensamentos impróprios,

Alessia toma um café sem açúcar, desfrutando do sabor forte e amargo,

assim como da visão provocante do marido.

Será que deve acordá-lo?

Um bom-dia personalizado?

Ele ia gostar. Alessia sente os músculos de seu ventre se contraírem

de prazer diante dessa perspectiva.

Alessia! Ela consegue ouvir a voz da mãe.

Ele é meu marido, Mama.

Hoje eles vão voltar para a Inglaterra.

Para seu novo lar.

E ela vai ter que encarar a família de Maxim, os amigos, os colegas

do trabalho… Só espera que eles a considerem adequada.

E ela vai ter que encontrar alguma coisa para fazer.


O que esperam dela, Alessia não sabe.

E suspeita que esse seja o motivo de sua insônia. A agitação e a

ansiedade.

Maxim se mexe e estica o braço para o lado de Alessia na cama.

Quando percebe o espaço vazio, levanta a cabeça e procura ao redor, os

olhos verdes brilhando na suave luz cor-de-rosa do amanhecer.

Alessia apoia a xícara, afasta a tela da cama e vai para o lado dele.

— Aí está você — murmura ele, puxando-a para seus braços.

Aterrissamos no aeroporto de Heathrow pouco depois das oito da

manhã. Assim que desembarcamos do avião e chegamos ao portão, uma

funcionária do serviço VIP nos recebe. Ela nos acompanha por uma área

restrita, onde pegamos um elevador até o térreo, e saímos do terminal ao

lado do Boeing 777 da British Airways que nos trouxe de Santa Lúcia.

Lá, um vistoso BMW série 7 preto nos aguarda. A atendente abre o

porta-malas e coloca nossa bagagem de mão lá dentro. Depois, abre a

porta de trás, e ambos entramos no carro e afundamos no assento de

couro.

— Eu não esperava esse tratamento — diz Alessia, os olhos

arregalados para mim.

Dou de ombros.

— Não vou passar pelo tumulto que é o controle de migração.

Nossa guia entra no carro e atravessa o aeroporto até o edifício VIP.

— Você vai precisar do seu passaporte — aviso Alessia, quando

saímos do veículo.

O funcionário da Agência de Controle de Fronteiras passa os olhos

de forma superficial pelo meu passaporte e faz uma inspeção mais

detalhada no de Alessia.

Prendo a respiração.
Ele ergue o olhar e examina o rosto de Alessia, comparando com a

foto do documento, e logo carimba seu passaporte.

— Bem-vinda ao Reino Unido, senhorita — diz ele.

Solto o ar.

Ela entrou! Legalmente! Viva!

Alessia abre um sorriso deslumbrante, e seguimos nossa

acompanhante até uma sala elegante e confortável para esperar a

bagagem.

— O mordomo já vem pegar seu pedido para o café da manhã.

Devemos dar um retorno sobre a bagagem dentro de alguns minutos. Há

um banheiro logo atrás dos senhores, se precisarem. Qualquer outra

coisa, basta chamar. — Ela indica um botão vermelho na mesa de

centro.

— Obrigado.

Com um sorriso alegre e profissional, ela sai, e ofereço o cardápio

para Alessia.

— Está com fome?

Ela balança a cabeça.

— Nem eu. Conseguiu dormir?

Alessia faz que sim, observando os arredores.

— Nunca estive em um lugar como esse antes. Você sempre faz isso

em Heathrow?

— Faço. — Beijo seu cabelo. — Vá se acostumando.

Ela sorri.

— Acho que vai demorar um pouco.

Dou de ombros ao mesmo tempo em que alguém bate à porta, e um

dos mordomos entra.

— Bom dia, Lorde Trevethick. Posso trazer seu café da manhã e uma

bebida?
Eles estão mais uma vez no banco traseiro do carro de luxo, e um

homem em um terno elegante os conduz até Londres. Enquanto

avançam pela autoestrada, Alessia dá uma olhada no horizonte e repara

nas torres de Brentford.

Magda! Michal!

Ela fica imaginando como estarão seus amigos no Canadá. Não tem o

número de Magda, mas talvez possa entrar em contato com Michal pelo

Facebook. Essa parte de sua vida parece muito distante e, no entanto,

aconteceu há apenas algumas semanas. E agora aqui está ela, dentro de

um carro elegante com seu querido marido, chegando em alta velocidade

ao centro de Londres depois de férias na linda Mustique.

O que ela fez para merecer isso tudo?

Maxim entrelaça os dedos nos dela.

— Parece que faz um século desde que saímos daqui — comenta ele,

soando um pouco melancólico.

— É verdade.

Alessia aperta a mão dele, mas não sabe mais o que dizer. Ela se

sente perplexa e um pouco desligada, como se estivesse sonhando e

fosse acordar a qualquer momento em uma realidade horrorosa.

Ele leva a mão dela até os lábios e dá um beijo carinhoso.

— Vamos chegar logo em casa. Vou precisar tirar um cochilo.

— Você dormiu?

Eles tinham viajado na primeira classe, onde os assentos se

convertiam em confortáveis camas.

— Não muito. O voo estava barulhento, mas a verdade é que não

dormi porque estou animado demais para levar você para casa.

Alessia sorri e, assim, do nada, seus receios desaparecem.

* * *

O automóvel preto para na frente do prédio de Maxim no Chelsea

Embankment, e o motorista abre a porta para Alessia. Ele tira a

bagagem do porta-malas e a deixa no saguão. Maxim lhe dá uma gorjeta


generosa e, pegando as malas, se dirige ao elevador. Espera Alessia

entrar e as portas se fecham, deixando os dois sozinhos com sua

bagagem. Maxim aperta o botão para a cobertura, e seus olhos cor de

esmeralda se voltam para ela. A respiração da esposa falha quando ela

percebe a expressão ardente dele.

Ele se aproxima e, com delicadeza, segura o rosto dela entre as mãos.

— Você está segura. Estamos em casa — sussurra ele e se inclina

para um beijo lento, doce e agradecido.

Porém, assim que sua língua provocante e insistente encontra a dela,

Alessia sente o desejo despertar dentro de si. Seu corpo se tornou tão

sintonizado com o do marido que ela o quer também. Aqui. Agora.

Imprensada contra a parede por Maxim, Alessia sente a ereção dura em

sua barriga, e aquilo alimenta seu tesão. Ela geme, o corpo se moldando

ao dele, e retribui os beijos com uma paixão que faz sua alma arder.

O elevador para, a porta se abre e Maxim os guia para fora, ainda

presos em um abraço, grudados um no outro.

Será que algum dia ela vai enjoar dele?

— Maxim, que bom ver você. Estava viajando?

Nosso momento de pegação, antecipando uma trepada gostosa antes do

cochilo (assim espero!), é interrompido pela voz não tão suave da Sra.

Beckstrom. Por um instante, apoio minha testa na de Alessia, frustrado,

e depois dou uma espiada nela, que parece tão atordoada quanto eu.

Respirando fundo, seguro minha esposa junto a mim para ocultar meu

tesão evidente.

— Sra. Beckstrom. E Hércules. — Eu me inclino e ofereço um breve

afago ao cachorrinho irritante dela.

Ele mostra os dentes, indignado.

— Que bom ver a senhora. Como vai? Quero apresentar minha

esposa. Alessia.
— Ah, que adorável. — A Sra. Beckstrom estende a mão para

Alessia, que está ofegante.

— Como vai a senhora? — diz Alessia, apertando a mão da vizinha.

— Você é tão bonita, meu bem. Você disse esposa, Maxim?

— Isso mesmo, Sra. B.

— Até que enfim você se casou. Ora, parabéns. Meio repentino. Você

está esperando um bebê, meu bem?

Puta que pariu! Não me atrevo a encarar Alessia enquanto puxo as

malas do elevador.

— Não, Sra. Beckstrom — responde Alessia rápido, as bochechas

coradas apesar do bronzeado.

— Mas vou ver o que posso fazer a esse respeito! — Dou uma

piscadela para a Sra. B, e o rubor de Alessia se intensifica.

— Bom, vocês jovens devem se divertir. Hércules e eu vamos dar o

nosso passeio matinal.

Ela entra no elevador e aperta o botão para o térreo. Assim que as

portas se fecham, me viro para Alessia e ela cai na gargalhada. Eu a

imito e a puxo para meus braços.

— Desculpe por isso.

— Ela é… como foi que você falou? Ah, sim, excêntrica.

— É, sem dúvida. Agora, tenho uma obrigação a cumprir.

Eu a pego no colo, e ela dá um gritinho de surpresa. Segurando-a

contra mim, enfio a chave na fechadura, abro a porta e entro em casa

com Alessia nos braços.

Eu a coloco no chão e a beijo, na esperança de continuar o que

tínhamos começado no elevador, quando percebo que o alarme não está

ligado. Ambos viramos a cabeça, e há uma faixa sobre as portas duplas

no final do corredor com os dizeres “Bem-vindos ao lar”.

De repente, Caroline, Tom, Joe, Maryanne e Henrietta aparecem na

nossa frente.

— Surpresa! — gritam todos.

Puta que pariu!


Capítulo Dez

Desnorteados e cansados da viagem, Alessia e eu ficamos parados no

hall. A Sra. Blake, empregada de Caroline, aparece na porta da cozinha

segurando uma bandeja com bebidas, e o choque me deixa mudo.

Que porra é essa?

— Bem-vindos ao lar, Maxim, Alessia — diz Caroline.

Com um sorriso forçado, ela dá um cauteloso passo à frente,

esticando os braços para nos receber.

Será que ela estava bebendo? Já?

Essa atitude não é muito a cara de Caroline.

— Oi — digo, espantado, enquanto ela abraça a mim e depois a

Alessia.

— Bem-vinda de volta, Alessia — diz Caroline, um pouco animada

demais.

— Olá — sussurra Alessia, e, pela hesitação em sua voz, suponho

que ela também está aturdida.

Meus amigos avançam para nos cumprimentar, enquanto a Sra. Blake

serve bebidas para todos. Mimosa, champanhe e suco de laranja natural.

— Que surpresa isso, hein? Não, um choque, para falar a verdade.

Mas obrigado — murmuro para Caro.

— Achei que um brunch comemorativo seria bom para dar as boas-

vindas, e também como uma espécie de desculpas.

Ela dá de ombros com ar travesso e pega uma taça de champanhe.

Desconfio que não seja a primeira do dia.

A Sra. Blake oferece uma bebida para Alessia com o que só posso

descrever como um sorriso hostil.

— Madame — diz ela, o tom de voz contido.


Alessia agradece e pega uma taça.

Fazendo uma cara séria para a Sra. Blake, esperando que eu tenha

interpretado mal sua expressão gélida, escolho um copo de suco de

laranja.

Ela enrubesce.

— É bom ver o senhor de volta, milorde.

— Obrigado, Sra. Blake. Espero que você e o Sr. Blake estejam bem.

Eu a encaro, e ela me oferece um sorriso amável. Apesar de não nos

ter dado parabéns, talvez sua falta de entusiasmo em relação à minha

esposa seja coisa da minha imaginação.

Maryanne engancha os braços em volta de nós dois e nos empurra

para a sala de estar, onde a mesa está posta para o brunch.

Ok, pelo visto vamos adiante com isso.

Quando tudo o que eu quero agora é levar minha esposa para a

cama.

E foder e depois dormir.

Porém Henrietta, a namorada de Tom, está lá, e é ótimo vê-la. Ela é

um farol de luz, um contraste com o jeito sombrio e briguento dele.

— Maxim, estou tão empolgada por você! Meus parabéns. — Ela me

abraça.

— Henry, que bom ver você. Esta é Alessia, minha esposa.

A sujeira e a poeira da viagem estão grudadas na pele de Alessia, mas

aqui está ela, no apartamento de Maxim, com… convidados. Amigos

dele. O que ela realmente queria era tomar um banho e trocar de roupa.

Embaixo do casaco preto elegante, está usando calça jeans e a camiseta

com os dizeres “É melhor no Basil’s”, que Maxim comprou para ela em

um bar de Mustique. Alessia queria sair dali e vestir roupas um pouco

mais formais para estar com os amigos dele, mas se retirar agora seria

grosseiro.
Todas as mulheres presentes parecem impecáveis.

Caroline em especial.

— Oi, Alessia. É um prazer conhecer você — diz Henry.

A voz dela é melódica, comedida e doce, e seu rosto parece o de um

anjo, emoldurado por cachos macios castanho-avermelhados. Seus olhos

cor de mel são afetuosos e transmitem sinceridade.

— Como vai? — cumprimenta Alessia, na mesma hora sentindo-se à

vontade com ela.

— Aqui está ela! — diz Tom e envolve Alessia em um enorme

abraço. — Espero mesmo que Maxim esteja tratando você bem, Alessia.

Vou dar umas chicotadas nele se não fizer isso.

Alessia ri.

— Bom ver você, Tom.

— Qual foi a última vez que você montou em um cavalo e pegou um

chicote? — zomba Caroline. — Seus dias de jogador de polo são

passado.

Henry fita Caroline, séria, e há um ligeiro silêncio na conversa.

Alessia percebe que Maxim e Joe também ficaram sérios.

— Alessia — diz Joe após um minuto, abraçando-a. — Você está

ótima. Vocês se divertiram? Foram para onde? Maxim não deu detalhes

para ninguém.

Joe abre um sorriso largo e contagiante, os dentes brancos e brilhosos

à mostra. Ele está muito elegante de terno, e Alessia imagina que deve se

vestir assim sempre, até aos sábados.

Maxim passa um dos braços por Alessia e beija seu cabelo.

— A viagem foi maravilhosa. Fomos para Tirana e Mustique.

— Foi maravilhosa mesmo — concorda Alessia, tímida. — E Paris.

— Deve ter sido um sonho! — exclama Caroline. — Espero que

todos estejam com fome. A Sra. Blake preparou um banquete.


Depois que relaxei em relação a tudo o que está acontecendo, achei que

foi mesmo bastante gentil da parte de Caroline ter organizado um

brunch. É bom passar um tempo com meus amigos depois da lua de mel

e apresentar Alessia a todo mundo em um ambiente tão casual. E é uma

alegria ver Henry. Alessia também parece tranquila, ou talvez apenas

cansada. Mas está devorando seu salmão defumado com ovos e torrada

de abacate e conversando entusiasmada com Henrietta, que tem um

talento raro para deixar qualquer um à vontade.

Até o Tom.

Maryanne me conta que todos voltaram da Albânia com Rowena em

um jatinho particular.

— Particular?

— É.

— Humm… Quem será que pagou por ele?

— Bem provável que tenha sido você — informa Caro enquanto

belisca a comida.

Quer dizer que minha mãe ainda está usando o fundo da família para

pagar as contas das suas merdas…

Bem, não por muito tempo.

— Seus pais fizeram um trabalho esplêndido organizando o

casamento, Alessia. Tenho que dizer que foi o ponto alto deste ano até

agora.

— Ainda estamos em março, Tom — se intromete Caro.

Tom ignora o comentário.

— Também me inspirou. — Ele se levanta, orgulhoso e pomposo

como sempre. — Estou muito honrado em dizer que Henry, louca como

só ela é, aceitou ser minha esposa. Estamos oficialmente noivos. — Ele

abre um sorriso para Henrietta, que sorri de volta para ele e fica

vermelha, de uma maneira encantadora, por ser o centro das atenções.

— Parabéns, cara — diz Joe e ergue a taça. — Viva Tom e Henry!

Um coro de felicitações ecoa pela sala, e todos nos revezamos para

abraçar e beijar os dois.


— Você e Trevethick vão ter que organizar essas datas, então, já que

ele quer se casar de novo — sugere Joe e toma mais um gole de

champanhe.

— De novo? — perguntam Caroline e Maryanne em uníssono.

Merda.

— Humm… é, isso.

— Isso é permitido? — pergunta Henry com um ligeiro vinco na

testa.

— Espero que sim. Vou descobrir. Queremos nos casar aqui também.

Não é, Alessia? — Estico o braço, e ela pega a minha mão, franzindo de

leve a testa enquanto digere minha expressão de pânico.

Maryanne e Caroline não podem saber as circunstâncias

questionáveis de nosso casamento nem o fato de que não seguimos os

protocolos normais.

— É. Com certeza — responde Alessia. — Assim todos os amigos de

Maxim vão poder estar presentes — acrescenta, com uma expressão

meiga. — Nós recep… recepcionamos… — Ela me olha, e acho que

está checando se está falando certo. Confirmo com a cabeça, e ela

continua: — … meus amigos e minha família, e agora é a vez de

Maxim. Vai ser uma honra para nós.

Puta merda. Alessia, minha deusa.

Caroline semicerra os olhos e toma outro gole de champanhe.

— Mais uma cerimônia de casamento? Bom, vai ser incrível. Em

Londres, na Cornualha ou em Oxfordshire?

— Nós acabamos de chegar em casa, Caro. Dá um tempo — retruco.

Caroline fecha a cara, mas não responde. Pelo contrário, se vira para

Alessia.

— É lógico que todos os funcionários dessas propriedades estão

morrendo de vontade de conhecer você, Alessia. Você sabe montar?

Minha esposa me lança um olhar rápido e carregado, e na mesma

hora a imagino nua, montada em mim, os peitos quicando, a cabeça para

trás, o cabelo caindo sobre os ombros, a boca aberta enaltecendo sua

paixão.
Cacete.

Que tesão.

Minha esposa doce e inocente. Ela me olhou assim de propósito.

— Não — responde Alessia, e escondo meu sorriso travesso.

A atenção de Caroline vai de Alessia para mim, e de volta para minha

esposa, e meio que espero que Alessia complete com “Só meu marido”,

mas ainda bem que ela não faz isso.

Cara. Cresça.

— Temos que ver como resolver isso — murmura Caro.

— Caroline é uma amazona apaixonada, assim como eu. Maxim,

nem tanto. Mas ele e Kit costumavam jogar polo — completa Maryanne.

— Vocês têm cavalos? — Alessia olha para mim.

— Temos. Em Oxfordshire — respondo. — Vamos fazer uma

excursão, não se preocupe.

Uma excursão. O que ele quer dizer com isso?

— Pelas propriedades — responde Maxim à sua pergunta não

enunciada. — Você esteve na Cornualha. Temos uma propriedade em

Oxfordshire. E outra na Nortúmbria, mas está alugada para um

americano que ganhou milhões com tecnologia. Não sei por que ele não

compra logo uma casa.

Alessia faz um gesto afirmativo enquanto absorve essa nova

informação. Durante toda a lua de mel, ele não mencionou nenhuma

outra propriedade.

Mais terras. Mais posses!

Qual é o tamanho da riqueza do meu marido?

— Nós já vamos indo. Vamos deixar vocês dois descansarem — diz

Tom. — Mas tenho um pedido.

Todos os olhares se voltam para ele.


— Perdi sua performance épica no piano antes do casamento,

Alessia, porque estava com Thanas no hotel. Por favor, pode tocar para a

gente? Só ouvi elogios.

— Ah, sim, por favor! — Henrietta bate palmas. — Eu adoraria ouvir

você tocar. O Joe rasgou elogios sobre a sua performance.

Ah.

— Você quer fazer isso? Não precisa se sentir obrigada — Maxim se

apressa em tranquilizá-la.

— Não. Tudo bem. Você sabe que eu amo tocar.

Ela sorri, encantada por poder retribuir tudo o que Tom fez por eles

na Albânia. Alessia se levanta da mesa e vai até o piano, sentindo todos

se virarem para observá-la.

Por que está tão nervosa?

Abrindo a tampa que cobre o teclado, Alessia respira fundo e se senta

no banco. Decide o que quer ouvir e as cores que quer ver, pousa as

mãos nas teclas e fecha os olhos. Inicia o arranjo feito por Rachmaninoff

para a Partita Nº 3, de Bach. Seus dedos tocam cada nota à medida que

elas brilham em sua cabeça, tons claros de cor-de-rosa e lilás, enquanto

o prelúdio ecoa com suavidade por todo o ambiente, reconfortando-a e

consumindo-a até ela fazer parte da música e das cores.

Eu nunca a ouvi tocar essa peça antes e, como sempre, minha garota…

minha esposa está perdida na música, oferecendo uma apresentação

magnífica. Os convidados estão hipnotizados, como de costume. Porém,

o que eu amo na relação de Alessia com a música é que ela mergulha

completamente ali. Fica imersa… não, possuída. Tanto que tenho

certeza de que todos nós desaparecemos, e só restam ela, o piano e essa

música extraordinária.

Alessia atinge a emocionante nota final, que persiste no ar, nos

mantendo arrebatados, antes de erguer os dedos do teclado.


Os convidados explodem em aplausos e se levantam.

— Alessia, foi incrível!

— Minha nossa!

— Brava! Brava!

Alessia sorri, tímida. Eu me aproximo e apoio as mãos em seus

ombros. Sua mão se enrosca na minha.

— Senhoras e senhores, minha esposa. — Eu me inclino e lhe dou

um beijo breve. — Bom, acho que é hora de encerrarmos por aqui. Nós

dois estamos exaustos da viagem.

— É. Já estamos indo — concorda Tom.

— Obrigado de novo — acrescenta Joe ao sair da sala de estar.

A Sra. Blake está limpando a cozinha, e lhe agradeço antes de

Alessia e eu acompanharmos o grupo até a porta. É então que reparo,

com muita satisfação, que minhas fotos de paisagens foram emolduradas

de novo e estão de volta às paredes.

Caro se despede de mim com um abraço.

— Pelo amor de Deus, leve a Alessia para fazer compras — cochicha

ela no meu ouvido. — Ou deixe que eu leve!

Eu a solto.

— Tudo bem. Se você acha que é uma boa ideia.

— É. Ela é uma condessa, pelo amor de Deus. Não uma estudante.

Vá com ela à Harvey Nicks.

Alessia franze a testa.

— O que foi? — pergunta.

— Deixe o Maxim levar você para fazer compras, querida.

Caroline abraça Alessia, sorri com ternura e sai com os outros.

Alessia se vira para mim, mas, antes que ela possa dizer qualquer coisa,

sou salvo pela Sra. Blake, que aparece na porta.

— Já lavei tudo. A cozinha está limpa e com as compras que o senhor

pediu. Só vai precisar esvaziar o lava-louça. — Ela lança um olhar

dissimulado para Alessia. — Eu sei… quer dizer… eu espero que não

seja um problema para a senhora… milady. — A Sra. Blake franze os


lábios no que pretendia ser um sorriso, porém é mais uma expressão de

escárnio.

— Já chega, Sra. Blake — digo em um tom brusco e de repreensão,

mantendo a porta aberta para ela. — Está na hora de ir embora.

Alessia coloca a mão no meu braço, para me impedir de falar

qualquer outra coisa. Ela se empertiga e ergue o queixo.

— Sim. É óbvio. Obrigada pela ajuda, Sra. Blake.

— Milorde. Milady. — Ela aquiesce, uma expressão insegura, já que

foi confrontada, e sai.

É isso mesmo, porra.

O rosto de Maxim parece esculpido em pedra quando ele diz um “passar

bem” à empregada, mas Alessia está encantada que ele notou o tom

condescendente da Sra. Blake. Ele se volta para a esposa.

— Acho que vou precisar ter uma conversa com a Sra. Blake.

Alessia enrosca os braços nele e o abraça.

Ele reparou naquilo e agiu.

No entanto, Alessia gostaria de enfrentar as próprias batalhas no

futuro. Ela tem certeza de que outras virão. Afinal, ela era a faxineira de

Maxim e entende o ressentimento da Sra. Blake.

Ela sorri.

— Ela é a serviçal da Caroline.

— Nós diríamos empregada. Serviçal parece um pouco… feudal.

— Eu era a sua serviçal — sussurra ela.

Maxim se inclina e esfrega o nariz no dela.

— E agora eu que sou o seu.

A boca dele está na sua, e ele a imprensa contra a parede, beijando-a

até ela não aguentar mais.

— Vamos para a cama — murmura ele, em um tom que atinge os

lugares mais íntimos de Alessia.


— Isso, vamos — sussurra ela.

* * *

Maxim cochila ao lado de Alessia. Os lábios entreabertos, os cílios

roçando a parte superior das bochechas, o rosto bronzeado e relaxado

enquanto dorme… ele é mesmo lindo. Alessia o observa, maravilhada

com sua aparência jovial. Ela resiste à tentação de tocá-lo e resolve

examinar o quarto. Não faz ideia de que horas são, embora ainda esteja

claro do lado de fora. Na última vez em que estiveram neste cômodo,

fizeram amor, e logo depois ela saiu do apartamento e Anatoli estava à

sua espera.

Não pense nele!

Ela se distrai analisando o quarto sob uma nova perspectiva, agora

como esposa de Maxim. É um espaço masculino: o estilo é minimalista,

com pouca mobília em tons suaves de prateado e cinza. A única peça

ornamentada é o enorme espelho com moldura dourada na parede atrás

da cabeceira da cama, que vai até acima dela. E na parede oposta há

duas fotografias de mulheres nuas, as costas voltadas para a câmera,

nada muito explícito. Ainda assim, são eróticas e sensuais. Ele disse que

todas as fotografias no apartamento são de sua autoria, então Maxim

deve ter tirado essas fotos também.

Querida, ele dormiu com quase Londres inteira.

Alessia suspira. Isso ela sabe, via as provas toda semana na lixeira. E

ainda houve aquela jovem no pub na Cornualha, uma mulher cujo nome

Alessia não consegue se lembrar.

Mas quantas mulheres nesta cama?

Ela estremece.

Não pense nisso!

No entanto, nesses momentos de calmaria, ela fica refletindo se está à

altura de todas que gozaram das delícias deste quarto antes dela. Alessia

bufa com a ironia… todas que literalmente gozaram antes dela.


Pensar essas coisas é péssimo, Alessia não quer focar nisso nem

passar o dia inteiro na cama. Não está cansada, então escorrega em

silêncio para fora das cobertas e vai até o banheiro tomar banho e lavar o

que restou da viagem e de sua fabulosa lua de mel.

Acordo com o som do chuveiro da suíte.

Alessia.

Molhada e nua.

A imagem me excita na mesma hora, e dou um salto para fora da

cama para me juntar a ela.

Alessia está de pé embaixo da cascata de água quente, de costas para

mim, lavando o cabelo. Ela espalha o xampu, os fios até a cintura, acima

daquela bunda fantástica. Entro no box por trás dela e, com delicadeza,

coloco as mãos em sua cabeça para ajudá-la a massagear o couro

cabeludo.

— Humm… que gostoso — geme ela.

Eu paro.

— Ah!

Alessia dá um passo atrás, pressionando o corpo no meu, porém o

que mais importa é que minha ereção está encostando em seu traseiro.

Dou um sorriso travesso, e ela vira a cabeça, me brindando com um

sorriso iluminado e brincalhão, e balança a bunda, me provocando.

Ah, cara.

— Quer que eu continue?

— Quero. Por favor.

Retomo a importante tarefa de lavar seu cabelo, espalhando o xampu

pelas longas madeixas e as desembaraçando com delicadeza. Ela ergue o

rosto na direção da água e enxágua o cabelo. Pego o sabonete líquido,

espalhando um pouco nas mãos e esfregando para criar espuma.

Devagar, passo o sabão na pele macia de sua barriga e depois embaixo


dos seios, roçando os mamilos com a ponta dos polegares. Alessia

arqueja de prazer e arqueia as costas, se pressionando contra minhas

mãos.

Ela tem peitos maravilhosos, porra.

Deslizo a mão por seu corpo, sentindo suas curvas suaves e sua pele

conforme a ensaboo. Minha outra mão continua a provocar seus

mamilos, cada vez mais rijos, enquanto estimulo cada um. À medida que

eles enrijecem sob meus dedos, meu pau fica mais e mais pesado.

— Você tem peitos lindos, Alessia — sussurro e puxo o lóbulo de sua

orelha com os dentes.

Levo a mão para baixo, até seu sexo, os dedos deslizando sobre seu

clitóris.

Ela geme, se inclinando para trás, e suas mãos envolvem meu

pescoço, suas costas ainda contra meu peito. Ela vira o pescoço e

pressiona a boca na minha.

Nós nos beijamos. Um beijo ardente. Intenso. Só língua e desejo… e

meu pau ainda aninhado na bunda de Alessia.

Ela mantém uma das mãos agarrada em meu cabelo, traz a outra para

as costas e segura minha ereção. Sua mão me envolve, apertando com

força, e, devagar, começa a deslizar para cima e para baixo. Porra, tão

devagar. Me torturando. Minha respiração sibila entre os dentes, e a

faço andar para a frente até o tronco dela encostar nos ladrilhos de

ardósia escura.

— Agora você está limpa. Vamos sujar você.

Ela afasta as mãos de mim, a boca arfando, e as apoia na parede.

— Vamos fazer isso? Aqui, assim? — pergunto.

— Humm…

— É um sim?

Ela requebra a bunda contra mim, e abro um sorriso sacana.

— Vou considerar um sim.

Com cuidado, enfio um dedo nela. Alessia está molhada. De mais

cedo? De agora? Não importa. Ela está pronta. Para mim. Empino seu

traseiro.
— Se segura.

E bem devagar, para ela não perder o equilíbrio, penetro ela ao

mesmo tempo que ela se impulsiona para trás, na minha direção.

Assim!

Segurando seus quadris, recuo e depois meto nela de novo, me

deleitando com cada centímetro da minha esposa. Ela solta um gemido

alto, empinando a bunda, e tomo isso como um deixa para ganhar

impulso.

Mais forte. Mais rápido.

Várias vezes. Desfrutando da sensação de estar dentro dela. Enquanto

nos aproximamos do clímax, cada vez mais.

De repente, sinto o interior dela se contraindo, e me preparo, com a

mão na dela.

— Ah! — grita ela e atinge o orgasmo, me levando junto.

Berro seu nome e me seguro nela enquanto gozo.

Depois nos largamos no piso, os dois juntos embaixo da cascata de

água.

— Como foi? — pergunta Maxim, afastando o cabelo molhado do rosto

de Alessia e beijando sua têmpora.

— Bom. Muito bom. — Ela sorri.

— É. Para mim também. Acho que fazer amor com você é meu novo

passatempo favorito.

— E é… hã… nobre… Essa é a palavra certa? Um passatempo

nobre.

Ele ri.

— Funciona. Muito nobre. — Ele a envolve com os braços e a puxa

para si. — Estou tão feliz que você está aqui comigo, segura.

— Também estou feliz.


— Quando penso no que podia ter acontecido… — A voz de Maxim

começa a falhar.

Alessia se vira e o beija.

— Eu estou aqui. Segura. E estou com você.

Ele beija a testa de Alessia.

— Ótimo.

Uma imagem de Bleriana, uma das outras vítimas de tráfico, invade a

mente de Alessia. As duas se tornaram amigas na parte de carga do

caminhão que as trouxe para a Inglaterra. Elas achavam que estavam

vindo para trabalhar.

O Zot. Bleriana tinha só dezessete anos.

Alessia franze a testa e tenta abafar a ansiedade e a culpa.

Será que a Bleriana conseguiu escapar também?

Será que Dante e Ylli a capturaram?

A possibilidade é aterrorizante.

— Ei, o que foi? — pergunta Maxim.

Ela balança a cabeça, tentando se livrar daquelas imagens. Vai pensar

naquilo mais tarde quando estiver sozinha, para não preocupar Maxim

agora.

Ele já fez muito.

— Acho que estou limpa de novo. — Ela sorri.

Ele solta uma risada.

— Está com fome?

Ela faz que sim com a cabeça.

— Ótimo. Vamos sair para comer alguma coisa.


Capítulo Onze

É domingo, de manhã cedo: o ar está seco e frio, as árvores ainda sem

folhas no parque Battersea. Estou correndo. É aquela hora específica do

dia em que este lugar pertence apenas a corredores e pessoas passeando

com seus cachorros. O céu está cinzento, ameaçando chuva, mas há uma

energia na brisa gelada. O parque está despertando do longo inverno, a

primavera no horizonte. Quando encontro meu ritmo, colocando um pé

na frente do outro, minha mente desanuvia. É ótimo estar ao ar livre

com um house lo-fi animado fazendo meus fones de ouvido tremerem

enquanto respiro o ar de Londres. Senti falta disso.

Deixei Alessia dormindo, toda encolhida. Temos o dia inteiro diante

de nós para desfrutarmos, só precisamos desfazer as malas e nos

acomodar no apartamento.

À medida que corro, me dou conta de que, nas últimas semanas, não

pensei em mais nada a não ser encontrar Alessia, depois me casar e

depois nossa lua de mel. Agora, preciso descobrir como será nossa vida

de casados.

E não faço ideia.

Acho que Alessia também não.

Será que vamos morar em Londres?

Vamos precisar manter uma residência aqui, mas podíamos nos

mudar para a Cornualha ou para Oxfordshire — apesar de não ter

certeza se Alessia vai gostar de Angwin, pois a propriedade emprega

mais funcionários que a Mansão Tresyllian, uma vez que é aberta ao

público.

Talvez possamos passar o tempo fazendo bebês.

Um herdeiro e um reserva.
Um menininho parecido com Alessia?

Uma menininha parecida com Alessia?

Merda. Ainda não.

Nós dois somos jovens demais.

Amanhã, vamos nos reunir com a advogada que vai nos ajudar com a

questão do visto. Depois podemos tomar algumas decisões.

Isso.

Amanhã será o dia de tomar decisões. Vamos aproveitar o dia de

hoje.

Alessia acorda e vê que está sozinha. Há um bilhete no travesseiro de

Maxim.

Saí para correr.

Volto logo.

Te amo. Bj M

Alessia sorri, se lembrando de como tinha que catar do chão as

roupas de ginástica suadas de Maxim depois de suas corridas. E ainda

havia os bilhetes que ela encontrava amassados no chão. Em geral, eram

números de telefone. De mulheres?

O Zot. Ela franze a testa e tenta afastar esses pensamentos.

Não fique se torturando, Alessia.

Ela se espreguiça, sentindo-se descansada, depois levanta da cama.

Está na hora de desfazer as malas e limpar o apartamento.

O mesmo de sempre.

Ela sorri, recuperando o bom humor.

E pode preparar um café da manhã para Maxim, talvez alguns pães

almofadinhas, contanto que a Sra. Blake tenha cumprido o prometido e


providenciado as compras que pediram quando estavam em lua de mel.

Feliz, ela entra no banheiro para tomar um banho.

* * *

Maxim retorna quando Alessia está desfazendo a mala no quarto de

hóspedes. Sorrindo, porque ele enfim chegou em casa, ela interrompe a

arrumação ao ouvi-lo entrar no quarto e depois percebe quando ele

dispara apressado pelo hall, indo checar a cozinha e depois a sala.

— Alessia! — grita ele, o pânico evidente na voz.

O Zot! Não!

— Maxim. Estou aqui! — Ela dá um passo para fora do quarto de

hóspedes e o observa, de pé no final do corredor.

Ele deixa os ombros relaxarem, aliviado, e passa a mão pelo cabelo

úmido.

— Não faça isso comigo. Achei… achei que você tinha ido embora.

— Sua voz vai sumindo à medida que se aproxima dela, uma expressão

desconfiada em seu rosto.

— Eu… — Alessia não sabe o que falar. Ela não queria preocupá-lo,

e seu coração se derrete ao perceber que Maxim se preocupa tanto com

ela.

Mas por que ele achou que ela havia ido embora? Alessia fica

confusa, mas ele não espera uma explicação e a puxa para um abraço

apertado e suado.

— Não faça isso comigo de novo — repete ele, enfatizando cada

palavra, e beija o topo da cabeça da esposa. — Na última vez que não

encontrei você aqui, o filho da puta tinha te sequestrado.

Ah!

Ele solta o ar como se estivesse liberando a tensão, mas os lábios

formam uma linha fina, então ela desconfia que Maxim está um pouco

chateado também.

— Vou tomar banho — diz ele, amuado, e sai pisando duro em

direção ao quarto, deixando Alessia no corredor, às voltas com sua


culpa.

O Zot. O Zot. O Zot.

A última coisa que ela quer fazer é aborrecê-lo, mas Alessia não

tinha como imaginar.

— Merda — solta baixinho.

Ela decide parar de desfazer a mala e vai até a cozinha. Usando uma

garrafa de vinho, já que não achou um rolo, Alessia abre a massa que

preparou mais cedo e a corta para formar bolinhas, posicionando-as no

único tabuleiro que encontrou. Precisam comprar mais utensílios, já que

agora ela vai cozinhar ali. Ela franze o rosto, em dúvida se Maxim

estaria disposto a pagar por tais coisas. Eles não falaram nada em

relação a dinheiro. Ela tem o que ganhou enquanto trabalhava com

faxineira, mas só isso, e está acabando. Durante a lua de mel, Maxim

pagou tudo. Ela sabe que eles terão que conversar sobre esse assunto

alguma hora, mas está insegura sobre como abordar a questão.

Imersa em seus pensamentos, enfia o tabuleiro no forno, lava e seca a

tigela e depois arruma a pequena mesa redonda para eles. Quando volta

até o forno para checar o pão, fica surpresa ao ver Maxim a observando.

Ele está apoiado no batente da porta, vestindo uma camiseta branca de

mangas compridas e a calça jeans preta com o rasgo no joelho. A

preferida de Alessia. O cabelo está molhado e despenteado, e, em

contraste com o rosto bronzeado, seus olhos assumem um vibrante verde

primaveril. Ela respira fundo, deliciando-se com a imagem do marido.

Ele é deslumbrante.

E é dela.

Ela fica extasiada, mas a expressão de Maxim é indecifrável, e ele

permanece calado enquanto seus olhos a deixam paralisada.

Ela engole em seco e pergunta:

— Está bravo comigo?

— Não. Estou bravo é comigo.

— Por quê?

— Porque minha reação foi exagerada.


Ela se aproxima dele de tal forma que sente o calor de Maxim em sua

pele.

— Eu devia ter dito que estava no quarto de hóspedes. Estou aqui.

Estou segura.

Maxim levanta o queixo de Alessia, os olhos queimando nos dela.

— Eu fiquei… ansioso. — Ele dá um beijo suave em sua boca. —

Não gosto de me sentir assim.

— Desculpe. Eu não pensei muito nisso. — Com cautela, Alessia

enrosca os braços em volta de Maxim, a bochecha no peito dele.

Ele apoia o queixo da cabeça de Alessia, envolvendo-a em um abraço

e inspirando seu perfume.

— Você está com um cheiro incrível — sussurra ele.

— Você também. Cheiro de limpo.

Ela sente o sorriso de Maxim e relaxa quando ele beija sua cabeça. O

marido aninha o rosto da esposa nas mãos e guia a boca dela para a dele.

— Preciso ter certeza de que você está segura.

— Estou segura. Com você.

Ele a beija, um beijo doce, suave, molhado e carinhoso. Ela se rende

àquela língua habilidosa, e ele apoia a testa na dela e solta o ar.

— Esse cheiro que estou sentindo é de pão assando?

Ela sorri.

— É, sim. Pão almofadinha.

Ele reage com um sorriso deslumbrante.

— Bem que seu pai me avisou.

— Meu pai?

— É. Ele disse que você ia me engordar.

— Só vou fazer pão aos domingos.

Maxim ri, o bom humor de volta.

— Ótimo plano.

Alessia respira fundo.

— Mas vou precisar sair alguma hora para comprar comida.

— Eu sei. Eu sei. É óbvio. Estou sendo ridículo. — Do bolso traseiro

da calça, ele tira a chave que deu a ela não faz muito tempo. — Só me
avise onde você vai estar. Por favor.

Alessia pega a chave.

— Obrigada. — Ela examina o chaveiro de couro. — Que lugar é

esse… Residência Angwin?

— É a nossa propriedade em Oxfordshire. Vamos lá esta semana, se

você quiser. Ou até hoje. Podemos fazer uma viagem curta para onde

você quiser.

Ele se senta à mesa, e Alessia pega um pano de prato para tirar o pão

do forno enquanto digere essa informação.

— Aliás, o que você estava fazendo no quarto de hóspedes?

— Desfazendo as malas. Não tem lugar para minhas roupas no seu

closet.

— Ah, entendi. — Maxim contrai a boca. — Precisamos de uma casa

maior para nós dois.

Alessia fica boquiaberta.

— Nossa família tem uma grande quantidade de imóveis — responde

ele à pergunta não formulada por Alessia. — Vou falar com Oliver e ver

qual estará disponível em breve.

Mais uma casa? Sem mais nem menos? Alessia franze a testa,

consternada.

— O que foi?

— Quanta terra… hum… quantos imóveis você tem?

— Pessoalmente, não muitos. Todo o nosso patrimônio, que inclui as

três grandes propriedades e todos os seus bens, está em um fundo

fiduciário. O fundo é o dono legal das propriedades, e Kit, Maryanne e

eu éramos os gestores. Agora que Kit morreu, somos apenas Maryanne e

eu… mas, como o conde, sou o beneficiário efetivo. Isso faz sentido?

Alessia me encara com um olhar vazio.

É
— É complicado — admito, sabendo que não é fácil de entender. —

Basicamente, o patrimônio possui uma grande quantidade de bens

imóveis, e sua renda vem de aluguéis e arrendamentos de todo esse

conjunto de propriedades residenciais, comerciais e industriais.

— Ah… — diz Alessia. — E o seu trabalho é… hum… administrar

isso?

— O Oliver, que você conheceu através da janela do carro, é o nosso

diretor de operações e cuida da administração no dia a dia. Eu sou… o

chefe dele. Era o trabalho do meu irmão, e Kit tinha tino para negócios,

era a pessoa ideal para essa tarefa. Mas eu ainda estou aprendendo.

Meu humor piora. Esse é o ponto crucial do meu problema ao

assumir o título. Não fui treinado para isso, enquanto Kit tinha aptidão

para essas coisas. Ele era tão bom em economia que ampliou as fortunas

de nossos fundos individuais também.

Merda. Não quero pensar nisso agora.

— Olhe, este é o último dia de nossas férias — acrescento. — Vamos

aproveitar. Podemos viajar até Angwin. Fica a duas horas daqui.

Podemos dar uma olhada lá. Amanhã, começa o trabalho. — Pego um

dos pãezinhos que Alessia colocou na mesa. — Precisamos encontrar

uma casa nova. Providenciar um visto para você ficar aqui. Voltar ao

trabalho.

Nossa, são três palavras que achei que eu nunca diria.

Balançando a cabeça, em um falso autodesprezo, passo manteiga no

pão e a observo derreter. Depois acrescento geleia de cassis e dou uma

mordida.

Meu Deus. Isso aqui é uma delícia.

Alessia apoia uma xícara de café na minha frente e se senta.

— Tudo bem. Eu adoraria conhecer Angwin.

Sorrio.

— Eu posso me acostumar com isso, sabe? — Ergo um pedaço de

pão almofadinha, saudando a minha esposa.

— Você não tem escolha. — Alessia sorri, presunçosa.


— Mas você tem. Você sabe que não precisa fazer isso. Nós

podíamos sair para comer ou contratar alguém para ajudar.

— Eu quero fazer. Para você. É o meu trabalho.

E lá vem: o modo como ela foi criada e nossas diferenças culturais.

Não conheço nenhuma mulher como Alessia. Durante anos, ela serviu

aos homens de sua vida, e suas expectativas ficaram limitadas por essa

experiência. Nunca pensei que fosse me casar com uma mulher tão dona

de casa. Será que algum dia ela vai superar isso?

Quer dizer, eu gosto que ela queira cuidar de mim.

Cara.

Tudo bem, eu adoro que ela queira cuidar de mim.

Porém, quero que Alessia tenha outras opções. Quanto mais cedo nos

mudarmos para um lugar maior, melhor. Podemos contratar alguém, e

ela não vai precisar lidar com afazeres domésticos. Além disso, há casas

para administrar, propriedades para supervisionar e pessoas para gerir.

Meu Deus. É coisa demais.

— Eu não sei o que fazer a não ser cozinhar e limpar para você —

acrescenta Alessia, dando uma mordida no pão com manteiga.

— Tenho certeza de que você vai ficar ocupada depois que se

estabelecer como condessa.

Alessia arregala os olhos.

— O que você quer dizer com isso?

— Que você vai ter funcionários para gerir, casas para administrar,

eventos para organizar e frequentar.

Ela engole em seco, os olhos escuros alarmados.

— Desculpe. — Dou de ombros. — Faz parte do pacote. Não fique

tão preocupada. Vai dar tudo certo.

— Acho que preciso de umas aulas! — exclama ela.

— Aulas? — E a oferta depreciativa de minha mãe sobre uma “escola

de boas maneiras para moças” surge na minha cabeça, indesejada.

— É. Deve existir alguma coisa que eu possa ler, ou… uma escola

que eu possa… — Sua voz começa a falhar.

— Você está falando sério?


— Estou — responde ela, enfática.

— Bom, tenho certeza de que podemos encontrar algo do tipo. Se

você quiser mesmo. Se for deixar você mais confiante.

Ela sorri.

— É. É disso mesmo que eu preciso.

— Tem certeza?

— Tenho. Eu não nasci neste tipo de… vida. Não quero decepcionar

você.

Dou uma risada.

— Sou eu que devia dizer isso para você, Alessia. Você é perfeita do

jeito que é, mas podemos procurar umas aulas, se você quiser.

Alessia sorri, os olhos brilhando.

Aulas de etiqueta.

Como minha mãe sabia?

— Vou desfazer a mala — mudo de assunto, irritado por minha mãe

ter razão. — Depois, podemos ir a Angwin. Fazer compras, almoçar

fora, o que você quiser.

Alessia concorda.

— É. Acho que vou gostar disso. E eu já desfiz sua mala.

— Ah, obrigado.

— Eu gostaria de fazer umas compras. Nós precisamos de… hum…

utensílios de cozinha.

— Eu não tinha pensado nisso. É, imagino que você esteja certa. Não

entendo muito de cozinha.

— Você prepara um bom café da manhã.

Sorrio, me lembrando de nossa temporada no Esconderijo.

— É verdade. Tudo bem. Talvez a melhor loja para isso seja a Peter

Jones. Nunca comprei esse tipo de coisa. Nós podíamos pesquisar na

internet. Podíamos também comprar algumas roupas novas para você. O

que me faz lembrar…


Maxim se levanta e sai do cômodo, voltando alguns minutos depois com

quatro envelopes endereçados a Alessia Trevelyan. Alessia os examina,

virando-os.

O que podem ser?

— Providenciei isso quando estávamos viajando. Cartões de banco. E

as senhas. Você vai precisar. Um cartão é de débito. O outro é de crédito.

— Dinheiro? — pergunta ela, encarando-o. — Para mim? — Ela está

perplexa.

— Isso. Para você. Cartões mágicos, teve uma vez em que você os

chamou assim. Não são mágicos, tenho que enfatizar isso. Então, não

faça loucuras. — Ele dá um sorriso torto.

E, em um piscar de olhos, a questão do dinheiro foi resolvida.

— Obrigada.

— Não precisa me agradecer. — Maxim franze a testa. — Você é

minha esposa.

E, mais uma vez, Alessia tenta domar o pânico que sente diante de

sua sorte. Quando pensa no que poderia ter acontecido... Uma imagem

de Bleriana lhe ocorre, e seus pensamentos dão uma guinada mais

sombria.

Onde será que ela está?

Será que está bem?

Será que Alessia consegue encontrá-la?

— Vou lavar a louça — diz Maxim, interrompendo os pensamentos

de Alessia.

— Não. Não vai, não. Eu que vou.

Maxim ri.

— Isso não está em discussão. Sou capaz de lavar uma louça. E

encher um lava-louça. Vamos fazer uma visita surpresa a Angwin assim

que eu acabar.

Ele fica de pé, levando consigo sua xícara e seu prato.


Angwin fica aninhada nas colinas de Cotswold, perto de Chipping

Norton. Dirigindo o Jaguar, saio da estrada e deslizo pelo portão

principal, seguindo pelo majestoso caminho de acesso à propriedade,

ladeado de faias.

— Uau — murmura Alessia, ao avistar a casa principal em todo o

seu esplendor paladiano, com as quatro colunas coríntias e o

impressionante frontão na fachada.

Entre as austeras faias, a construção de pedra cor de mel domina a

paisagem bem-cuidada.

— Pois é. Esta é Angwin.

Alessia sorri para mim, com um ar de admiração no rosto.

Entro no estacionamento dos visitantes, satisfeito em ver que está

cheio. Em geral, eu estacionaria na parte de trás da casa, perto dos

estábulos, mas quero que nossa visita seja discreta. Não avisei a

ninguém que viríamos, e não quero sobrecarregar minha nova condessa.

— Está preparada? — pergunto, desligando o motor.

O sorriso de Alessia responde por si só.

Fora do carro, pego a mão dela, e caminhamos pela entrada de

veículos até a casa principal.

— Olhe ali. — Gesticulo para uma bifurcação para a esquerda, que

leva ao próspero centro de jardinagem construído onde outrora se

encontrava a ampla horta original.

Explico que, depois dele, há um parquinho para crianças e uma

fazendinha, ambos muito populares entre os moradores locais e seus

filhos, além de destino de muitos turistas durante as férias escolares. Um

dos nossos arrendatários fornece as ovelhas, as vacas e os porcos para a

fazendinha. Há ainda nossos outros animais, três alpacas e quatro

jumentos. Todos foram resgatados e são os queridinhos de Maryanne.

— Nenhuma cabra? — pergunta Alessia, os olhos brilhando, achando

graça.

Dou uma risada.

— Acho que não. Podemos verificar. Talvez eu consiga algumas só

para você.
Paramos na pequena bilheteria, ocupada por alguém que não

reconheço.

— Boa tarde — diz o jovem.

— Dois para a casa, por favor. — Parece mais fácil comprar os

ingressos que explicar que sou o proprietário.

O homem me entrega os dois ingressos, e encosto meu cartão na

maquininha.

Alessia sorri.

— Você tem que pagar?

Eu rio.

— Em geral não, mas não conheço aquele rapaz.

Caminhamos a passos lentos pela entrada, em direção à casa. Através

das árvores, conseguimos ver as margens de uma das duas lagoas, e, no

meio da vegetação rasteira, observo duas carquejas e alguns patos

nadando até a beira.

— Cisnes — exclama Alessia, encantada, ao avistar nosso casal de

cisnes brancos deslizando de forma majestosa pelas águas tranquilas, as

penas brancas como neve enroladas em forma de velas.

— Isso. Esse casal está conosco há uns dez anos. Acho que Kit os

batizou de Triumph e Herald, mas não sei quem é quem.

— Nomes grandiosos. Eles são lindos.

— São mesmo. Kit era obcecado por carros, ainda mais os clássicos

antigos. Daí os nomes.

Rio sozinho. Alessia não sabe nada sobre carros britânicos antigos.

— Eles têm um parceiro só a vida toda, sabia? — acrescento, me

virando para ela com um grande sorriso.

Ela sorri e ergue o queixo, achando graça, mas se mostrando

orgulhosa.

— Eu sei várias coisas sobre cisnes.

Lógico que ela sabe.

— Esses dois criam seus filhotes aqui todos os anos.

E um dia nós vamos criar nossos filhos aqui também.

Pensar nisso me surpreende e me agrada.


Um dia.

Ela aperta minha mão, e fico imaginando se estaria pensando a

mesma coisa.

Na frente da casa, há um grande gramado de cerca de um hectare. A

metade mais próxima está muito bem aparada, formando listras. A área

é cercada por árvores antigas, carvalhos, olmos e faias, e pelo lago.

Agora que estou prestando atenção, percebo que é um cenário

deslumbrante.

— Quer dizer que qualquer pessoa pode vir aqui? — pergunta

Alessia dos degraus da casa, enquanto aprecia a vista.

— Pode, é só comprar o ingresso. Não é muito caro se quiser visitar

apenas os jardins. É muito popular no verão, as pessoas adoram fazer

piqueniques aqui. Atrás da casa ficam os estábulos. Fornecemos baias

para os moradores locais com cavalos, e um amigo de Maryanne

gerencia uma escola de equitação. É aqui que Maryanne e Caroline

deixam os próprios cavalos. Venha, vou mostrar o interior para você.

Alessia segue Maxim, que avança animado pelos degraus de pedra e

atravessa as portas duplas, entrando em um impressionante hall. Há

estátuas em pequenos nichos e detalhes decorativos em gesso por todo o

cômodo, até no teto. Alessia sente o peito apertado conforme tenta

absorver a imponência de um aposento que não passa de uma mera

entrada para essa casa imensa.

De trás da mesa da recepção, a mais jovem das duas mulheres ergue a

cabeça para nos cumprimentar.

— Olá, como vão? Estão aqui para o tour? — pergunta.

Maxim solta uma gargalhada, e a mulher mais velha levanta a cabeça.

— Ah, meu Deus! Maxim! Quer dizer, milorde.

— Olá, Francine. Como vai você?


— Vou bem, milorde. — Ela dá a volta no balcão, surpreendendo a

colega.

— Por favor, me chame de Maxim. É o meu nome. Já falei isso da

última vez que estive aqui.

— Eu sei, milorde, mas sou uma mulher antiquada. — Pela maneira

como ela sorri, seu carinho por Maxim é óbvio.

Ele passa o braço ao redor de Alessia e a puxa para perto de si.

— Francine, quero lhe apresentar minha esposa, Alessia.

— Sua esposa! — exclama Francine. — Ora, Lady Trevethick, que

prazer conhecer a senhora.

Alessia estende a mão, que Francine aperta com entusiasmo.

— Lady Caroline disse que o senhor tinha casado. Parabéns aos dois,

milorde.

Caroline. Ela esteve aqui?

— Obrigado.

— O senhor podia ter avisado que estava vindo…

Maxim levanta a mão para interromper Francine.

— Vamos voltar e fazer uma apresentação apropriada mais para o

final do mês. Eu só queria mostrar um pouco da casa para minha esposa.

Dar uma ideia do que ela assumiu.

Francine ri, de forma bem-humorada, os olhos brilhando para

Alessia.

— Eu conheço o conde desde que ele era um rapazinho.

Maxim logo a interrompe.

— Você é nova — diz ele, se virando para a mulher mais jovem atrás

do balcão.

— Este é o conde. O proprietário — murmura Francine para ela. —

Esta é Jessica. Ela está conosco há mais ou menos três semanas.

A jovem se levanta, abalada.

— Desculpe, senhor. Maxim. Hum… milorde.

— Bem-vinda a Angwin, Jessica. — Maxim estende a mão, e Alessia

o imita, pegando a mão frouxa e pegajosa de Jessica e apertando-a de

modo afável.
Jessica curva a cabeça em uma reverência breve, e as bochechas de

Alessia se ruborizam.

— Vamos dar uma volta — diz Maxim.

— Faça isso, senhor — replica Francine com um enorme sorriso. —

Vou avisar à Sra. Jenkins que o senhor está aqui.

Eles atravessam uma porta ao lado do hall e seguem por um corredor

atulhado de quadros.

— Você não me contou que ele era tão bonito! — Eles ouvem Jessica

cochichar para Francine.

Alessia olha para Maxim arqueando uma sobrancelha, e ele dá de

ombros e ri.

Alessia permanece calada, enquanto atravessamos Chipping Norton na

volta para Londres. Pego sua mão.

— É muita coisa. Eu sei.

Alessia aquiesce.

— Eu não imaginava que seria tão… grande. Maior do que… hum…

a Mansão, na Cornualha.

— Verdade. É a nossa maior propriedade, tanto a construção em si

quanto o terreno. A maior parte das terras é cultivada, e é de agricultura

orgânica. Meu pai estava à frente do seu tempo. Um ativista ambiental

no fim da década de 1970.

Sinto um aperto no coração e um nó doloroso se formando na

garganta. Sinto saudade dele. Do meu pai.

E de Kit.

Pigarreio.

— Os funcionários que tomam conta de Angwin são excelentes,

então a propriedade quase se administra sozinha.

— Mas você não mora lá.


— Não. Ficamos de vez em quando. Como você viu, temos um

apartamento na casa principal. Mas só isso. Sempre penso em Angwin

como um monumento histórico e um local de lazer para a comunidade.

É aberta ao público, que pode passear pela construção, ver como morava

a aristocracia rural, admirar as obras de arte…

Alessia concorda com a cabeça.

— Tantos cômodos…

— É. Eu sei. A manutenção da casa é astronômica. Mas conseguimos

mantê-la funcionando sem deixá-la definhar.

Ela abre um breve sorriso, e sinto meu couro cabeludo formigar

quando imagino o que ela pode estar pensando.

Será que está nos julgando? Minha família?

A riqueza?

Merda.

— Está tudo bem? — pergunto.

— Está. Está, sim. Só estou um pouco… humm… impressionada.

Mas obrigada por me mostrar sua... outra casa. Os funcionários

admiram você.

O quê? Suas palavras são inesperadas.

— Você acha?

Seu sorriso é carinhoso.

— Acho, sim. Todo mundo. Eles são… leais. É a palavra certa?

Eu rio.

— É. Acho que sim, mas não sei se concordo com você. Eles meio

que não têm escolha.

— Acho que eles torcem para o seu sucesso.

Sinto um calor desconhecido se espalhar pelo peito. Não esperava

ouvir que os funcionários me admiram. Todos os elogios em geral eram

reservados a Kit.

— Eu era o depravado da família — murmuro enquanto reflito sobre

o comentário de Alessia. — Kit era o irmão estável, maduro e

trabalhador. Mas, bom, ele não tinha outra opção.

— Depravado? — pergunta ela.


— Sem dúvida.

Eu lhe lanço o meu sorriso mais travesso, na esperança de amenizar o

clima, e, para meu alívio, funciona. Ela ri.

— Coloque uma música — digo, indicando o sistema de som com o

queixo, e Alessia mexe nos botões.

Graças à luz do pequeno dragão, Alessia observa Maxim dormir. Ele

parece mais jovem quando dorme. Ela afasta o cabelo dele da testa com

delicadeza e o beija com carinho. Depois se vira e fica deitada de costas,

observando os reflexos fluidos e dançantes no teto. A única coisa em que

consegue pensar é como uma única família pode possuir tantas

propriedades.

E agora ela é parte dessa família.

Ela tem tanto, enquanto outros… não têm nada.

Alessia fecha os olhos para bloquear os reflexos oscilantes no teto e

reprimir uma intensa sensação de culpa.


Capítulo Doze

Bleriana! A doce e jovem Bleriana está lá fora, junto às

portas trancadas do decorado hall de recepção da Residência

Angwin. Tentando entrar. Ela faz a porta tremer.

Bate os punhos no vidro das portas duplas.

No vidro.

Ela vai quebrar o vidro.

Ela está gritando. Mas Alessia não escuta nada.

Alessia tenta e não consegue abrir as portas.

E atrás de Bleriana… Dante e Ylli emergem da escuridão.

Sacos plásticos pretos abertos e prontos.

Alessia mergulha em uma escuridão sufocante.

Bleriana grita.

* * *

— Alessia! Alessia! Acorde! — A voz repleta de pânico de Maxim

invade a cena de terror de Alessia, puxando-a para a luz, tirando-a das

profundezas de seu pesadelo.

Com o coração acelerado, ela abre os olhos, o medo formando um nó

apertado no peito, se arrastando até a garganta e a asfixiando.

Maxim.

Seu salvador.

De novo.

Ele a encara com os brilhantes olhos verdes, a preocupação

estampada no rosto.

— Você está bem?


— Foi um sonho, um sonho ruim — balbucia Alessia e estremece, e

Maxim a abraça.

— Estou aqui com você — sussurra ele, apertando seu abraço e

curvando o corpo de forma protetora em volta dela. Ele beija a testa da

esposa.

Alessia sente os batimentos cardíacos desacelerarem, grudada no

marido tão querido, e inspira seu cheiro reconfortante, cheiro de

sabonete líquido, sono e Maxim.

— Hum — sussurra ela.

— Pode ficar tranquila agora — murmura ele na penumbra e se deita

com Alessia nos braços. — Durma, meu amor.

Ela fecha os olhos e, à medida que o medo vai sumindo, adormece

mais uma vez.

É meu primeiro dia no escritório depois dos acontecimentos

tumultuosos das últimas semanas. Quando o táxi para na frente do

prédio, fico pensando no que acontecerá hoje. Ainda estou inquieto com

o pesadelo de Alessia no meio da noite e seu grito por ajuda. Ela parecia

bem hoje de manhã e não se lembrava do sonho ruim, mas estou

preocupado que o trauma do passado esteja dando as caras. Ela sempre

parece bastante tranquila, mas talvez, agora que está segura, o choque

dos inúmeros sofrimentos pelos quais passou recentemente acabem

cobrando um preço.

Cara. Foi só um pesadelo.

Respirando fundo, afasto esses pensamentos, pago o motorista e subo

os degraus do prédio de meu escritório.

A recepcionista me cumprimenta com um sorriso alegre.

— Bom dia, Lorde Trevethick.

— Bom dia, Lisa.

— E parabéns, milorde. Pelo casamento.


— Obrigado.

Atravesso a sala da recepção, bato na porta de Oliver e entro. Ele abre

um grande sorriso. Acho que está contente em me ver.

— Maxim. Bem-vindo de volta, e parabéns. — Ele se levanta e

estende a mão.

— Obrigado, Oliver. — Apertamos as mãos, e fico agradecido por ele

estar mantendo tudo em ordem. — E obrigado por restaurar as

fotografias no meu apartamento.

— Você reparou! Foi um prazer. Você é um bom fotógrafo. A lua de

mel foi boa?

Sorrio.

— Foi, sim, obrigado.

— Temos uma pauta extensa, será que já devemos pôr a mão na

massa?

— Sim, lógico. Mas preciso de uns minutos. Decidi que chegou a

hora de me mudar para o escritório de Kit.

— Muito bem, senhor. — diz Oliver, com gentileza, e faz um gesto

em direção à porta da sala sagrada que foi ocupada por meu irmão e

meu pai. — Se precisar de qualquer coisa, estou bem aqui.

— Obrigado.

Atravesso o cômodo, agarro a maçaneta de metal e abro a porta do

santuário secreto. Respirando fundo para me estabilizar, adentro o

cômodo, ao mesmo tempo que sou acometido por uma onda de

nostalgia. O cheiro, o ambiente, a decoração… tudo lembra Kit.

As recordações são um soco no estômago.

Uma das paredes é repleta de livros e diversos objetos de decoração:

troféus e uma bola de polo, a miniatura de um Bugatti Veyron, o brasão

da família e alguns dos seus troféus de rali. A parede atrás da mesa tem

retratos, quadros, certificados e fotos, incluindo um grande

daguerreótipo da Mansão Tresyllian, na Cornualha. Ao lado, está minha

versão fotográfica em branco e preto, tirada com minha Leica. Estico o

braço para endireitar a foto e lembro que Kit sempre apoiou meu

interesse em fotografia.
A mesa é ornamentada, com entalhes intricados e um tampo de couro

preto embutido. Em cima dela, há mais retratos, com molduras

douradas, de nós, Caroline, e Jensen e Healey, seus queridos setters

irlandeses. Passo um dedo sobre a madeira fria e polida e depois tento

abrir as gavetas. Estão todas trancadas.

Alguém bate na porta, e Oliver entra na sala.

— Você vai precisar disso. — Ele mostra um molho de chaves e o

deposita sobre a mesa.

— Obrigado.

Ele dá uma espiada em volta.

— Também não venho aqui faz um tempo. — Ele olha a foto de Kit

cumprimentando alguma autoridade que não reconheço e depois me fita

de novo.

— Você também sente falta dele. — É uma afirmação que me causa

um aperto no peito.

— Sinto, sim — confirma ele, e pigarreia. — Essas chaves devem

abrir a mesa e o arquivo.

— Vamos começar nossa reunião? Podemos usar esta bela mesa

estilo Queen Anne.

Oliver ri.

— Vou pegar minhas anotações.

Suspiro ao tirar o casaco e o penduro no cabideiro, pensando como a

morte de Kit afetou tantas pessoas, inclusive Oliver.

— Qual é o primeiro item da pauta? — pergunto, quando ele volta.

— Talvez você deva emitir um comunicado à imprensa sobre seu

casamento. Os tabloides estão atazanando nosso diretor de comunicação.

— Sério?

Oliver assente.

Não quero a imprensa fuçando os detalhes do meu casamento.

— Vou pensar no assunto. E pode arranjar um computador para

mim?

— Óbvio. Vou providenciar hoje mesmo.

— Próximo assunto?
Alessia está no apartamento, sentada à mesa de Maxim, vasculhando a

internet no iMac dele. Está tentando descobrir como rastrear uma pessoa

vítima de tráfico. É uma tarefa impossível, ainda mais porque o interfone

não para de tocar. São jornalistas que estão na rua, querendo falar com

Maxim. Ela se faz de desentendida, e agora está de fones de ouvido,

escutando a interpretação de Angela Hewitt para os prelúdios e fugas de

“O Cravo Bem Temperado”, de Bach. Alessia ficou surpresa que

houvesse apenas algumas poucas artistas mulheres nos álbuns clássicos

da Apple Music. As várias cores que ecoam em sua cabeça a mantêm

tranquila enquanto lê um artigo atrás do outro sobre vítimas que

escaparam dos traficantes e assediadores e conseguiram abrigo na

Inglaterra graças aos esforços de diversas instituições de caridade.

É uma leitura preocupante.

Ela fica repetindo mentalmente o mesmo mantra: Podia ter sido eu.

Alessia estremece.

Se não tivesse fugido das garras de Dante e Ylli, Alessia teria a

própria história angustiante para contar, e se tornaria, muito

provavelmente, mais uma chocante estatística.

Um fragmento de seu pesadelo invade sua mente.

Bleriana batendo com força nas portas de Angwin.

O rosto manchado de lágrimas. Um medo selvagem e perturbador

nos olhos.

O Zot. O Zot. Pobre Bleriana.

Quando Alessia ergue a cabeça para ver as horas, percebe lágrimas

descendo pelas bochechas. Ela as enxuga logo, mais determinada do que

nunca a encontrar a amiga. De qualquer jeito.

Oliver e eu estamos concluindo a reunião. A reforma de Mayfair está

quase pronta, e chegou a hora de contratar um decorador. Preciso que


Caro decida se quer o projeto.

Pedi a Oliver uma relação completa das despesas de minha mãe no

último ano, o que significa que vou ficar a par do acordo de divórcio dos

meus pais. E ele ainda vai preparar uma lista com todas as casas mais

espaçosas pertencentes a nossa família que estão ou vão estar

disponíveis no futuro próximo.

Está na pauta de amanhã.

Durante toda a conversa, ignorei meu celular. Quando dou uma

espiada na tela, fico espantado ao ver que há uma tonelada de mensagens

e ligações não atendidas.

Que história é essa, porra? Você se casou!!!!

Quando vamos conhecer a sua ESPOSA?

Que história é essa que você casou?

Você não está mais solteiro?

Estou de coração partido!

Maxim. Você se amarrou!!!

PQP, cara! Você casou?!

Quem é a sortuda?

Posso fazer uma entrevista com você e sua noiva?

Merda! A última mensagem é de uma jornalista de uma revista de

fofocas. Trepei com ela muito tempo atrás.

Como é que todas essas pessoas descobriram?

— Você tem razão, todo mundo já está sabendo do meu casamento

— murmuro para Oliver, que está recolhendo seus papéis.

— Ainda dá tempo de enviar um comunicado à imprensa.

Reviro os olhos, me recusando a interagir com a imprensa conforme

deslizo o dedo por uma enxurrada de mensagens que Caroline me

mandou algumas horas atrás.


Podemos nos ver hoje?
Você precisa saber o que descobri.
Pode afetar você.

O que é agora, cacete?

Dá para esperar?
Não.

Alguém bate na porta do escritório enquanto Oliver se levanta.

— Entre — digo.

Lisa entra na sala.

— Sinto muito por interromper, milorde. Lady Trevethick está aqui.

Alessia! Meu coração dá um pulo e me levanto da mesa com um

enorme sorriso no rosto, pronto para receber minha esposa.

— Pode mandar entrar.

Lisa dá um passo para o lado, e Caroline entra, guardando o celular.

Ah.

— Esperando outra pessoa? — alfineta Caroline. — Você parece

decepcionado, querido.

— Oi, Caro. — Ignoro a provocação e dou um beijo em sua

bochecha. — Que surpresa agradável.

— Oliver. — Ela o cumprimenta, e ele faz um gesto rápido com a

cabeça antes de sair.

Caroline o observa deixar a sala, o rosto impassível, depois se vira

para analisar o cômodo.

— Faz tempo que não venho aqui. — Ela volta a atenção para mim,

os olhos expressando tristeza.

— Engraçado, o Oliver falou a mesma coisa — murmuro.

O nariz de Caroline fica graciosamente rosado, e ela balança a

cabeça, se recompondo.

— Eu estava aqui perto. E queria saber se você gostaria de almoçar.

— Acabei de voltar e estou ocupado, Caro.

Ela ri, um som triste e lamentoso.


— Você nunca diria isso nos velhos tempos.

— Verdade. O que posso fazer por você?

— Posso me sentar? Tenho uma coisa para mostrar para você.

— Lógico.

Indico a mesa e ofereço a cadeira da qual acabei de me levantar para

ela se sentar.

Sento a seu lado, e Caroline coloca a bolsa no colo e vasculha lá

dentro, evitando contato visual.

— Você sabe que andei mexendo nos pertences e nos papéis de Kit.

— Sei — concordo.

Aonde ela quer chegar?

— Bem, encontrei todo tipo de coisa. É impressionante o que pode

aparecer. — Ela parece nervosa.

— O que foi, Caro?

— Bem. — Ela engole em seco. — Isso pode ser tanto do seu

interesse quanto do de Maryanne.

Ela pega duas cartas da bolsa e as deposita na mesa na minha frente.

Olho para os envelopes, depois para Caro, e deixo a cabeça tombar para

o lado.

— Do que se trata?

— Acho que você devia ler.

Seu olhar apreensivo me provoca um calafrio. Pego ambas as cartas e

as leio por alto. Todos os pelos do meu corpo se arrepiam.

— Genético… o quê? — Quando me viro para ela, minha boca está

seca. — Por que o Kit ia ser encaminhado para um aconselhamento

genético?

— É essa a questão — sussurra ela.

— Você não sabe?

Ela balança a cabeça, os olhos arregalados, cheios de dúvida.

— Não. Foi uma surpresa para mim também.

Que porra é essa?

Releio ambas as cartas com atenção e verifico as datas. O

encaminhamento do clínico geral foi em outubro do ano passado, e a


clínica de aconselhamento genético respondeu marcando uma consulta

para novembro.

— Você encontrou mais alguma carta? Algum resultado?

Caroline balança a cabeça.

— Alguma data na agenda dele?

— Não. — Caro parece tão confusa quanto eu.

— Se Kit foi encaminhado para um aconselhamento genético, deve

haver algum motivo.

Ah, merda.

Sinto o sangue esvair do rosto.

Se Kit estava com algum problema médico genético, então eu

também devo ter.

E Maryanne.

Cacete.

Será que tem alguma coisa errada comigo?

Eu me forço a lembrar se há algum registro de problemas de saúde de

algum dos meus antepassados. Nada me ocorre.

— Talvez eu também devesse ser testado.

— Testado para o quê? Não fazemos ideia do que se trata —

argumenta Caroline.

É verdade.

— Talvez fosse apenas algo preventivo — continua Caro. — Você

sabe como é o Dr. Renton. Ele é sempre hipercuidadoso. Tenta inflar a

conta.

— O Kit estava doente?

— Não que eu saiba. Ele tinha dores de cabeça, mas você sabe disso.

— Ele sempre teve.

Merda. O que podia ser? Não faço ideia.

— Você ligou para o consultório do Dr. Renton?

— Liguei, mas eles não podem divulgar nenhuma informação. —

Caro parece frustrada.

Merda ao quadrado.

Eu me pergunto se minha mãe sabe.


— Você contou isso para Rowena?

— Não. Ela voltou para Nova York assim que chegamos de Tirana.

— Você sabia disso no casamento? — Minha voz sobe várias oitavas.

Os olhos de Caroline se arregalam, e tenho minha resposta.

E você não me contou nada, porra?

Eu a olho de cara feira. Posso ter algum problema, e acabei de me

casar!

Merda. No que eu fui meter Alessia?

Porém, antes que eu ficasse puto de verdade, somos interrompidos

por uma batida na porta, e Lisa entra carregando uma bandeja. Isso me

dá um minuto para conter a minha raiva.

— Tomei a liberdade de trazer um café — oferece Lisa, com um

grande sorriso.

— Obrigado — murmuro quando ela apoia a bandeja na mesa.

— Obrigada, Lisa — diz Caro, e Lisa permanece parada, sem jeito,

nos analisando por um instante.

— É só isso, por ora. Obrigado de novo. — Forço um sorriso, e fico

aliviado quando ela sai. — Você ligou para esse pessoal? — pergunto,

dando um tapinha na carta da clínica de aconselhamento genético.

— Liguei. Eles também não podiam me dizer nada, mesmo eu sendo

parente.

Mas que porra é essa?

— Acho que também não vão falar para você — diz Caroline com

delicadeza.

— Bom, talvez eu consiga algumas respostas com o Renton. Afinal,

ele é meu médico também. E ainda preciso registrar a Alessia no

Serviço Nacional de Saúde e pedir para que ele a atenda também.

Merda, talvez eu tenha que ligar para a Rowena para ver isso do Kit.

— Maxim, tenho certeza de que não é nada de mais.

— Como é que você sabe, porra? — grito, me levantando, e, para

minha vergonha, Caro se encolhe.

Merda. Merda. Merda.

Tenho vontade de berrar.


Estou tão bravo com ela agora quanto estava na Albânia quando

descobri que ela havia contado a Alessia sobre nós dois. Passo a mão

pelo cabelo e ando de um lado para outro em cima da porra do tapete

persa antigo.

Cara. Se controle.

— Vou investigar um pouco antes de contarmos para a Maryanne —

resmungo.

— Ela pode ajudar a entender um pouco a situação. Afinal, ela é

médica.

— Me deixe descobrir qual é o problema antes.

Ela é minha irmã, e é meu dever protegê-la, porra.

Caro suspira.

— Está certo. A outra coisa que eu queria conversar com você é

sobre a cerimônia fúnebre do Kit.

— Agora não.

— Bom, eu falei com o escritório do deão de Westminster.

— E aí?

— Eles sugeriram uma data em abril.

— Não é meio cedo?

— Será que é? — replica Caroline.

— Ah, droga, Caro. Não sei. Me deixe pensar no assunto. Isso tudo

é… coisa demais.

— Verdade — admite ela. — Tem certeza de que não quer ir almoçar

comigo?

— Tenho que sair daqui a pouco. Alessia e eu vamos nos reunir com

uma advogada para conversar sobre o status de imigração dela.

— Ah, é?

— É.

Caroline faz um bico, mas sua expressão se suaviza.

— Me desculpe — murmura. — Por não ter te contado no

casamento.

Desabo na cadeira atrás da mesa que agora é minha.

— Talvez alguma coisa aqui possa nos ajudar a entender essas cartas.
Pegando o chaveiro, tento a primeira chave de metal, a menor, que

parece a mais provável de servir. A quarta chave funciona e abro a

gaveta de cima, que contém um suporte com pastas suspensas.

Caroline se senta na cadeira em frente à mesa e espicha o pescoço

para ver se encontro alguma coisa. Dou uma conferida rápida nos

arquivos, mas eles parecem pessoais: uma série de recortes de revistas

de carros, uma divisória com cartas da London School of Economics,

alguns currículos, e uma pesada agenda de couro do ano passado. Eu a

pego, apoio na mesa e a folheio, apressado, verificando as datas

mencionadas nas cartas. Para meu azar, a agenda não oferece pista

alguma.

Sacanagem.

— Achou alguma coisa? — pergunta Caroline.

Balanço a cabeça.

As demais gavetas também não fornecem qualquer indício promissor.

Apenas alguns suprimentos de papelaria e suvenires das viagens de Kit

pelo mundo. Minha busca não dá em nada, mas tenho uma ideia.

— Cadê o notebook do Kit? E o celular? Ele tinha um diário?

— Não faço ideia.

— Como assim? Não estão junto com as coisas dele? Talvez estejam

aqui. Ou no cofre da Residência Trevelyan ou da Mansão Tresyllian?

Caroline levanta o queixo.

— Não sei — responde.

— Você pode checar?

Ela dá de ombros de maneira evasiva e nem um pouco a cara dela.

— Sério? — questiono.

Ela balança a cabeça, com um ar constrangido e um pouco

encabulado.

— Posso tentar — murmura.

— Vou marcar uma consulta com o Renton e tentar falar com a

clínica de aconselhamento genético.

— Espero que você tenha mais sorte do que eu. — Caroline se

levanta. — É melhor eu ir. Tenho certeza de que não é nada de mais,


Maxim.

Eu me ponho de pé, e nos encaramos. Estou imaginando mais uma

vez o que o Kit estava fazendo pilotando uma moto em alta velocidade

nas pistas de Trevethick no auge de um inverno gelado. Será que

Caroline está pensando o mesmo que eu? Que a notícia era tão ruim que

Kit preferiu tirar a própria vida?

Cacete.

Nós permanecemos calados. A respiração de Caroline está ofegante, e

as pupilas ficam maiores e mais escuras. Não gosto do que isso indica,

mas, antes que eu possa ter certeza, ela rompe o contato visual e dá uma

espiada na direção da porta.

— Desculpe — sussurra, e sai da sala, me deixando totalmente

confuso: sozinho, zangado e… com medo.

Olho para o relógio e percebo que tenho tempo suficiente para

caminhar até em casa e espairecer. Pego meu casaco e saio do escritório.

Oliver ergue a cabeça e franze a testa.

— Você está bem, Maxim?

— Estou. Tenho que sair.

— Conversou sobre a decoração com Lady Trevethick?

Merda!

— Não. Mas vou fazer isso. A não ser que você prefira ver isso com

ela.

Oliver fecha a cara, parecendo um pouco desconfortável.

— Eu preferia que você fizesse, Maxim — responde ele depois de um

instante.

— Tudo bem. Eu cuido disso. Nos vemos amanhã.

* * *

Desanimado, me arrasto pelas ruas secundárias de Chelsea rumo ao

apartamento. Até agora, o dia tem sido péssimo. Sinto como se estivesse

sendo contrariado a cada momento. Liguei para o Dr. Renton, meu

médico e de Kit, e marquei uma consulta para amanhã. Tomara que eu


consiga algumas respostas. A clínica de aconselhamento genético não foi

nada acessível e a médica que lidou com o caso de Kit está de férias,

mas marquei uma consulta com ela daqui a duas semanas. Até liguei

para minha mãe e deixei uma mensagem para ela me retornar… e nada.

É inacreditável como essa notícia me abalou.

Pode não haver nada de errado.

Por outro lado, alguma coisa pavorosa pode acontecer quando eu ficar

mais velho.

Cacete.

Não saber é que me deixa frustrado.

Quando viro a esquina da Tite Street que dá para o Embankment,

percebo algumas pessoas — em sua maioria homens — perambulando

perto da entrada do meu prédio.

Espera. Não são pessoas quaisquer!

Três indivíduos dessa gentalha caótica seguram câmeras fotográficas.

Paparazzi!

Por um milésimo de segundo, imagino quem eles estão esperando,

mas aí um homem mais velho de cachecol do Arsenal me avista.

— Lá está ele! — grita.

Puta merda. Estão me esperando!

Lorde Trevethick! Lorde Trevethick! Maxim!

Parabéns!

Poderia fazer alguma declaração sobre seu casamento? Sua esposa?

Quando vamos conhecê-la?

Meu humor vai de ruim para péssimo quando eles se aglomeram ao

meu redor, feito baratas. Abaixo a cabeça e passo no meio deles, sem

falar uma palavra.

Era só o que me faltava, porra.

Busco a segurança do prédio, enquanto alguns jornalistas berram

perguntas. Deixo-os na entrada e subo os degraus aos saltos, xingando a

pessoa que informou a imprensa sobre o casamento. Alessia não vai

gostar da atenção, tenho certeza disso.


Eu não era abordado por nenhum jornalista desde que estava com

Charlotte, uma ex-namorada que adorava atenção. Ela era atriz — atriz

não, desculpe, artista, como costumava se denominar — e aceitava sem

questionar qualquer tipo de atenção, em especial da imprensa. Reviro os

olhos ao me lembrar disso. Ela era extremamente ambiciosa e queria

fazer parte da alta sociedade de qualquer jeito. Ainda bem que

terminamos e ela seguiu em frente. Tirando a época em que saía com

Charlotte, consegui evitar ser alvo dos tabloides, mas de vez em quando

recebo algumas menções nas colunas sociais de publicações mais

conceituadas.

Destranco a porta de casa, entro no hall e paro.

Alessia está no piano, e reconheço a melodia de imediato: “Clair de

Lune”, uma peça que também sei tocar, mas sem a graciosidade dela. À

medida que escuto a música, maravilhado, a frustração das últimas horas

se torna insignificante, e, de repente, fico mais calmo e esperançoso.

Atravesso o hall sem fazer barulho, espreito a sala de estar e a observo.

De olhos fechados e cabeça inclinada, ela está rendida por completo à

música, que flui com naturalidade dela e através dela. De algum modo,

minha esposa sente a minha presença, se vira e sorri, o rosto se

iluminando ao me ver.

— Não pare — peço, me aproximando.

Alessia desliza um pouco pelo banco do piano, sem perder uma nota,

e me acomodo a seu lado, enroscando o braço ao redor de sua cintura

enquanto a música nos acaricia e nos prende.

Isso é sublime.

E tenho uma ideia. Coloco minha mão sobre a de Alessia, que logo

entende o que estou tentando fazer. Ela retira a mão, e eu assumo. Nós

nos atrapalhamos nas primeiras notas, mas observo sua mão esquerda,

deixando que ela me guie, e continuamos a tocar.

Juntos.

Fico emocionado de ser capaz de acompanhá-la sem a partitura na

minha frente. Ela torna fácil, porque está sintonizada com a música e seu

ritmo lânguido.
Seguir os movimentos dela me torna um pianista melhor.

É uma lição de humildade.

É revigorante.

Quando a última nota se desfaz no ar e desaparece, sorrimos um para

o outro, como dois tolos.

— Foi fantástico — sussurro.

Alessia ri, passando os braços ao redor de meu pescoço e puxando

meus lábios para os seus. Nós nos beijamos. Sua boca é cálida, molhada,

acolhedora e excitante, tudo ao mesmo tempo. Puxo-a para meu colo,

intensificando nossa conexão, nossas línguas celebrando um ao outro,

tanto que estamos ofegantes ao nos separarmos.

Ela apoia a testa na minha, seus olhos fechados.

— Senti saudades de você — sussurra ela.

— Ah, baby. Senti saudades também. E, por mais que eu queira levar

você para a cama, temos um compromisso agora com a advogada de

imigração.

Ela faz beicinho, mas se levanta, e dá para ver sua relutância em

deixar a segurança de meu colo.

— Estou pronta.

Ela me entrega nossos passaportes, nossa certidão de casamento e a

autenticação emitida pelo escrivão de Tirana, confirmando que a

certidão é legítima. Guardo tudo no bolso do paletó. E depois franzo a

testa.

— Só tem um probleminha. A portaria está cercada pela imprensa.

— Eu sei.

— Sabe?

— Eles tocaram o interfone. Perguntaram por você e me fizeram

perguntas.

— O que você fez?

— Eu disse que era sua faxineira e que você não estava em casa. E

depois parei de atender. — Ela morde o lábio inferior, com ar travesso.

Dou uma gargalhada.

— Brilhante. Pelo visto, nosso casamento é de interesse público.


— Eles ainda estão do lado de fora do prédio?

— Infelizmente, sim.

— Podemos sair pela lavanderia.

— Ótimo! Vamos.

Do lado de fora da escada de incêndio, Maxim tranca a porta da

lavanderia e sorri para Alessia.

— Nem me lembro a última vez que estive aqui!

Ela ri e depois fica séria. A última vez que usou a escada de incêndio

foi para fugir de Dante e Ylli, quando eles invadiram o apartamento. E

ela a usava com frequência para esvaziar a lixeira de Maxim.

— Vou atrás de você — diz ele, e os dois tomam cuidado ao descer

os seis lances até o beco lateral.

Ao passarem pelas latas de lixo, Alessia se lembra de ter vomitado

ali. Maxim pega sua mão e entrelaça os dedos nos dela.

— O que foi? — pergunta.

Ela balança a cabeça, relutante em lhe contar e ansiosa para se livrar

daquela lembrança horrível. O rosto doce de Bleriana aparece em sua

mente. Pobre menina. Será que ela conseguiu fugir dos sequestradores?

E quanto às outras?

Maxim não diz nada, deixando-a à vontade, e juntos se dirigem ao

portão do beco lateral. Maxim o abre e examina o exterior. A rua está

vazia.

— Foi assim que você escapou quando aqueles bandidos apareceram.

— Foi.

— Você devia estar com muito medo. Vamos. A barra está limpa.

Vamos pegar um táxi.

De mãos dadas, eles sobem a rua apressados, livres dos jornalistas, e

Maxim faz sinal para o primeiro táxi que avista.


Os escritórios da Lockhart, Waddell, Mulville e Cavanagh ficam na

Lincoln’s Inn Fields. Um estagiário nos leva até a sala de reunião.

— Aceitam um chá ou um café? — oferece ele, piscando rápido.

— Para mim, não. Alessia?

— Não, obrigada.

— Muito bem, Lorde e Lady Trevethick. Ticia Cavanagh já vem falar

com os senhores. — Ele sai, e indico uma cadeira para Alessia na mesa

de reuniões.

A Srta. Cavanagh é sócia da firma e foi muito bem recomendada por

Rajah como uma especialista na área.

A porta se abre antes que eu possa me sentar, e Ticia Cavanagh entra.

Ela está vestindo um terninho preto caro e uma blusa de seda branca. Na

mão, traz um bloco de anotações, e suas unhas vermelhas contrastam

com o amarelo do papel.

Ah, merda.

Nós nos encaramos e nos reconhecemos na mesma hora. A última

vez em que a vi, eu tinha acabado de desamarrá-la da minha cama.

Que outras surpresas o dia de hoje vai trazer?

Pigarreio.

— Leticia, que bom ver você de novo.


C a p í t u l o Tr e z e

— Lorde Trevethick — diz Leticia com seu sotaque irlandês,

salientando meu título. — Como vai? E sua esposa — ela enfatiza a

palavra esposa —, Lady Trevethick?

Ela dá um passo à frente, o rosto marcado por desdém ao estender a

mão para me cumprimentar. Quando aperta a minha um pouco forte

demais, sinto necessidade de me defender.

— Nós nos casamos recentemente.

Alessia franze a testa, os olhos desviando rápido para mim e então de

volta para Ticia Cavanagh enquanto as duas apertam as mãos.

— Como vai? — murmura Alessia como se a garganta estivesse seca,

e ela se vira de novo para mim, os olhos arregalados ao compreender a

situação.

Droga. Ela sabe.

Sinto um aperto no coração e fecho os olhos por um momento ao

perceber que vou ter que me explicar mais tarde.

Se eu soubesse… inferno.

Estou confuso por Leticia estar usando um apelido.

— Ticia?

— Aqui. É — responde ela, o tom sério, e percebo que não vai dar

nenhuma outra explicação, o que, é óbvio, ela não tem nenhuma

obrigação de me oferecer.

Eu me pergunto se ela vai nos pedir para sair ou passar nosso caso

para um colega.

— E então, como posso ajudar o senhor e sua… esposa? — Ela dá

um sorriso profissional que é quase um rosnado ao se sentar na

cabeceira da mesa, mas os olhos permanecem gélidos.


Eu me acomodo numa cadeira ao lado de Alessia.

— Alessia e eu nos casamos há pouco tempo na Albânia, e ela

precisa de uma licença de permanência por tempo indefinido para ficar

aqui.

Leticia tamborila as unhas vermelhas na mesa, e me lembro de ela

brandindo-as como armas.

Cara! Afasto esse pensamento. Rápido.

— Me conte. Como os dois se conheceram? E quando?

Olho de lado para Alessia com o que espero ser um sorriso

tranquilizador, mas ela não retribui. Minha esposa engole em seco e fita

as próprias mãos, que estão cruzadas no colo. Com um suspiro, volto a

atenção para Leticia.

— Alessia trabalhava para mim…

Enquanto Maxim resume os acontecimentos dos últimos meses para a

advogada bonita, Alessia tenta não deixar a insegurança tomar conta.

Ela se sente como um bloco de cimento afundando sob o peso das

relações anteriores de Maxim, e está com dificuldades para respirar.

Querida, ele dormiu com quase Londres inteira.

Parece que Caroline não estava exagerando.

Ticia, Leticia — qualquer que seja seu nome — é mais velha, uma

mulher elegante, inteligente e madura, com olhos cor de mel que não

revelam nada enquanto ela faz anotações no bloco de papel pautado. A

voz da advogada é leve, com um sotaque que Alessia não reconhece.

Parece ser uma mulher que não é enganada com facilidade, e há algo de

atraente no seu jeito, uma espécie de determinação implícita, que faz

Alessia se lembrar de sua avó.

Será que foi isso que atraiu Maxim?

Alessia tenta afastar esse pensamento. Ela não gostaria de ter essa

mulher como adversária, mas como uma aliada… que dormiu com seu
marido e arranhou as costas dele com suas unhas vermelhas.

O Zot. Não pense nisso.

Maxim conta tudo à advogada.

A parte do tráfico.

A prisão de Dante e Ylli.

Anatoli. O sequestro.

A viagem dele à Albânia.

A velocidade com que eles se casaram e a legitimidade questionável

do casamento deles.

Leticia levanta a mão, interrompendo-o.

— A senhora foi coagida a se casar? — pergunta ela direto a Alessia.

Maxim faz uma careta e abre a boca para falar, mas a advogada o

silencia com um olhar.

— Deixe sua esposa falar, Lorde Trevethick.

— Não! — declara Alessia. — De jeito nenhum. Se algo do tipo

aconteceu … foi o… hum… o oposto.

— O senhor foi coagido? — questiona Leticia com ironia, virando-se

para Maxim.

— Não — responde ele rápido. — O pai dela tem uma espingarda

intimidante, mas eu fui para a Albânia para me casar com Alessia. Por

amor.

Alessia levanta a cabeça e, para meu alívio, me oferece a sombra de um

sorriso. Leticia percebe e se recosta na cadeira, parecendo um

pouquinho mais relaxada.

— Então, os dois se casaram há uma semana.

— Isso.

Ela arqueia as sobrancelhas.

— Entendi. Estão com a certidão de casamento?

Procuro no bolso interno do blazer.


— Estamos. E uma autenticação.

Leticia dá uma olhada superficial nos documentos.

— Ótimo — murmura. — Vou precisar de uma cópia de cada para

mandarmos traduzir. E uma cópia dos seus passaportes.

Entrego-lhe tudo.

Leticia consulta suas anotações.

— Para não restar dúvidas — diz ela, fitando Alessia —, a senhora

foi ilegalmente traficada para dentro do país?

— Fui. Com outras garotas.

— Outras? Elas também escaparam?

— Não sei — responde Alessia baixo, a voz carregada de culpa.

— Lady Trevethick, isso não é sua culpa — diz Leticia, a voz firme.

— Agora, existe alguma prova do tráfico?

— Os homens que me sequestraram foram presos — informa Alessia.

— É um caso em andamento — acrescento.

— Esteve nos jornais há pouco tempo? Parte de uma gangue?

— Isso — confirmo.

— Eu li sobre o assunto.

— Eles pegaram tudo. Meu passaporte… — A voz de Alessia some.

Leticia olha para ela com empatia.

— Bem, se seu passaporte antigo aparecer pode ser uma pedra no

nosso sapato, mas vamos lidar com isso caso aconteça.

— Qual o pior cenário possível? — pergunto.

— Bem, acho que existe um risco de Lady Trevethick ser deportada.

— O quê? — Eu me viro para Alessia, que agora está pálida.

— Lorde Trevethick, esse é um risco pequeno, mas acredito que

temos um caso forte para mantê-la aqui, e com certeza ainda não

chegamos a esse ponto. — Sua atenção vai de mim para Alessia. Ela

parece estar com mais boa vontade. — A validação do seu casamento

pode ser um problema se qualquer pessoa mal-intencionada descobrir

que protocolos oficiais não foram seguidos.

— É por isso que queremos nos casar de novo. Aqui. Para não haver

dúvida — explico.
— Isso não é possível. Sob a lei inglesa, só há uma cerimônia válida

que cria o estado civil, e os senhores têm o que parece ser uma certidão

de casamento legítima, que foi autenticada. Se os dois se casarem de

novo, seu segundo casamento não vai ser reconhecido legalmente.

— Ah, eu não sabia disso.

— Os senhores precisariam ter a certidão de casamento original

anulada para se casarem de novo. Podem receber uma bênção aqui, se

for muito importante para vocês. Mas… — ela examina nossa certidão

de casamento e a autenticação mais uma vez — … acho que precisamos

confiar nas autoridades albanesas e na certidão que vocês receberam.

Parece estar tudo em ordem.

— Tudo bem. — Meu ceticismo está evidente no meu tom de voz. Eu

não esperava isso. — Minha única preocupação é o interesse

considerável da imprensa. Não quero nenhum repórter fervoroso se

intrometendo e descobrindo detalhes sobre nosso casamento.

— Você acha que isso pode acontecer?

— A imprensa estava na porta do nosso prédio hoje.

— Ah. Entendi. Certo, vamos cuidar disso se for necessário. — A

advogada se vira para Alessia e diz: — Primeiro, precisamos trocar seu

visto de visitante antes de podermos considerar um pedido de visto de

família para a senhora. A não ser que considere voltar à Albânia e pedir

um visto de cônjuge de lá.

— Não — responde Maxim na mesma hora.

Ticia contrai os lábios.

— Lorde Trevethick, eu estava me dirigindo à sua esposa.

Maxim faz cara feia, mas fecha a boca e permanece em silêncio.

— Por quanto tempo eu teria que ficar lá? — pergunta Alessia.

— Bem, se for um processo rápido, em geral dá para conseguir um

visto dentro de trinta dias, mais ou menos. A senhora vai ter que fazer
um teste de inglês e o Lorde Trevethick precisa ter um limite de renda

mínimo. — Ticia se vira para Maxim. — Acho que é seguro presumir

que Lorde Trevethick tem isso, além de possuir acomodação adequada

na Inglaterra.

— Eu tenho — garante Maxim de forma brusca.

— Então, a senhora quer voltar à Albânia?

— Não. Prefiro ficar com o Maxim.

— Tudo bem. Então a alternativa pode ser estudar aqui. A senhora já

pensou nisso?

Alessia está pensativa no táxi de volta para Chelsea. Ela não falou uma

palavra desde que saímos do escritório de Leticia. O trânsito está lento

em Westminster. Checo o horário: são cinco e meia da tarde, o auge da

hora do rush. Tenho várias ligações e mensagens perdidas, incluindo

uma de Caro, que estou ignorando. Joe encaminhou uma matéria de um

dos tabloides de Londres, que especula sobre nosso casamento e está

ilustrada com uma fotografia minha entrando no meu prédio hoje mais

cedo. Quando me tornei tão interessante? Isso está me deixando puto da

vida.

E ainda não recebi resposta da minha mãe.

E estou levando um gelo de Alessia.

Tem como esse dia piorar?

— Você quer sair para comer? — pergunto, na esperança de fazê-la

falar.

Alessia está observando o Big Ben enquanto damos a volta no

quarteirão.

— Não estou com fome.

— Alessia. Olha para mim.

Ela vira seus olhos escuros e magoados para mim, e eles partem

minha alma.
— O que aconteceu? Não sei no que você está pensando. Isso está me

enlouquecendo.

— Você teve um relacionamento com a advogada?

— Não. Foi coisa de uma noite só. Só sexo. Uma vez.

Bem, mais do que uma vez naquela noite, se é para ser exato.

Alessia dá uma olhada no taxista.

— Ele não consegue nos escutar.

— Maxim, eu estou tentando… meu inglês. — Ela fecha os olhos,

frustrada.

— Me diga.

Ela apruma os ombros e concentra o olhar escuro em mim de novo.

— Você tem um… baita de um passado, com muitas amantes. Não

sei por que isso me magoa tanto. Acho que… hum… fico ansiosa de não

ser o suficiente para você. Ou de você ficar entediado comigo.

Pronto. Ela falou. O medo mais sombrio de Alessia paira entre eles.

No banco de trás do táxi, Maxim desliza para junto dela e pega seu

queixo, prendendo-a com seu olhar verde intenso. Ele se aproxima dela.

— Nunca — diz Maxim com tanta convicção que Alessia sente um

arrepio de alarme. — Eu sou seu. De corpo e alma. Porra, Alessia! —

Ele a solta e se inclina para a frente, apoiando a cabeça nas mãos.

Ela solta o ar, chocada com a veemência de Maxim.

— Você está com raiva de mim.

— Não. Estou com raiva de mim mesmo, mas não acho que eu

mereça.

— Não — diz ela, baixo. — Não merece. Me desculpe.

Ele a fita e dá um sorriso torto.

— Você não precisa se desculpar. Como eu disse, tenho um passado.

Olhe, vamos só chegar em casa. Esse dia está uma merda.

Alessia apoia a mão no braço dele.


— Não está um dia tão ruim.

— Não? — Maxim se recosta no banco.

— Hoje de manhã conversei com a minha mãe. Ela está… hum… se

deleitando… essa é a palavra certa? Com os comentários sobre o

casamento. Esse é o assunto do momento em Kukës. Ela está feliz. Meu

pai está feliz.

— Essa é a palavra certa. Estou contente por seus pais estarem

felizes. E parece que não precisamos nos casar de novo, embora eu não

me importasse de fazer isso. Eu me casaria com você várias e várias

vezes até o fim dos tempos, se eu pudesse.

Alessia suspira, admirada com essas palavras, e o recompensa com

um sorriso hesitante.

— Eu também me casaria com você de novo. Mas é um alívio não

organizar outro casamento às pressas. Já fizemos isso uma vez.

Maxim pega a mão da esposa.

— Verdade. E foi um casamento lindo. É oficial. Estamos casados.

Foi o que nossa advogada disse.

— E hoje de tarde fizemos um dueto juntos.

Os lábios de Maxim se curvam em um sorriso deslumbrante.

— Aquilo foi incrível. Você é tão talentosa e fácil de acompanhar…

— Maxim faz uma pausa. — Você nunca estudou música formalmente,

não é? — Ele aperta a mão dela e a solta.

— Não. Aprendi em casa. Você sabe disso.

— Bem, não que você precise disso… Mas você já pensou em se

inscrever em uma escola de música? Aqui, em Londres, para formalizar

tudo o que você já aprendeu?

Alessia o encara, desconcertada, enquanto tenta avaliar suas palavras.

— Você poderia estudar. Podemos conseguir um visto de estudante

para isso.

Estudar. Música. Em Londres.

O coração de Alessia começa a martelar com uma empolgação

súbita.

— Isso seria caro.


Maxim ri de leve.

— Acho que podemos pagar — comenta com uma ponta de ironia.

— Viu? O dia não está tão ruim assim. — Ela dá um sorriso largo, e sua

alegria é contagiante.

— Não. — Retribuo sua expressão. — Vamos pesquisar quando

chegarmos em casa. Etiqueta e música. Vamos encontrar alguma coisa.

E basta isso para meu humor melhorar e a atmosfera entre nós se

transformar.

Há apenas dois paparazzi do lado de fora do nosso prédio quando

voltamos. Elaboro um plano de última hora e peço para o táxi nos deixar

na Tite Street.

Assim que saímos do táxi, Alessia dá a volta no quarteirão e caminha

em direção ao prédio. Óbvio que, como os paparazzi não fazem ideia de

quem ela é, não lhe dão muita atenção, embora eu perceba, da minha

posição estratégica, um deles comê-la com os olhos quando ela passa em

sua calça jeans justa, que valoriza as curvas.

Desgraçado nojento.

Depois que ela entra, eu vou, a cabeça baixa, ignorando as perguntas

dos jornalistas. Avanço rápido pela entrada do prédio e encontro Alessia

no elevador.

— Você não tem noção de como eu me diverti com isso. — Dou uma

risada. — Eles não fazem ideia de que minha esposa misteriosa passou

bem na frente deles.

As portas se fecham, e somos só nós dois naquele espaço apertado.

Os olhos de Alessia estão nos meus; ela me observa atentamente. Um

sorriso provocante surge em seu rosto, e logo sinto uma tensão entre as

pernas.

— Mais feliz? — pergunto.


Ela assente e agarra minha jaqueta, me puxando para junto de si. As

mãos de Alessia deslizam pelas minhas costas, e os lábios encontram os

meus. Damos um beijo. Demorado. Intenso. Eu a imprenso contra a

parede, pressionando meu pau ávido em sua barriga enquanto nossas

línguas se esfregam uma na outra.

— Maxim. — Ela suspira e se afasta um pouco, passa os dedos na

minha braguilha e apalpa minha ereção através da calça jeans.

Ah!

Quando o elevador para e a porta se abre, eu a pego no colo.

— Prenda as pernas ao meu redor, baby.

Ela obedece, os dedos no meu cabelo, nossas bocas unidas, enquanto

a carrego pela curta distância do elevador à porta.

Alessia dá uma risadinha quando Maxim passa a mão em volta de sua

coxa, tentando alcançar o bolso da calça jeans para pegar a chave de

casa.

— Não tem muito espaço na minha calça — murmura ele, tirando a

chave e destrancando a porta, com Alessia ainda no colo.

O alarme toca, mas ele o desarma, carrega Alessia até o corredor e a

coloca de pé.

— Por mais que que eu queira levar você para a cama, vamos

pesquisar as faculdades de música.

— Não. Vamos para a cama.

Ele recua, sua expressão confusa em aparente surpresa.

— Mas…

— Não. Cama. — Alessia é mais insistente.

Ele franze a testa e segura a cabeça da esposa, erguendo o rosto dela

para concentrar ali seus intensos olhos verdes. Por um momento, parece

perdido e confuso, mas logo fecha os olhos.


— O que eu fiz para merecer você na minha vida? — sussurra ele, e

gruda os lábios nos dela, enfiando a língua em sua boca, enquanto a

conduz de costas, em direção ao quarto.

Com as línguas duelando, ele continua se movendo até Alessia sentir

a cama tocar suas panturrilhas. Então para e, com um sorriso carnal e

malicioso, a empurra com delicadeza. Ela cai deitada em cima da cama,

uma mecha do cabelo cobrindo o rosto.

Ainda de pé, Maxim tira a jaqueta e a joga no chão. Com os olhos

brilhando, puxa a camisa de dentro da calça e começa a desabotoá-la.

Devagar. Um botão de cada vez. Seus lábios estão entreabertos, macios e

sensuais, sua respiração compassada, mas acelerando aos poucos.

Alessia lambe os lábios de expectativa.

Com a camisa aberta, revelando o tórax bronzeado e tonificado, ele

puxa um punho da camisa e o abre… e depois o outro.

Ele está se despindo para ela.

Num ritmo lento e sensual.

Alessia assiste. Fascinada. Ela o come com os olhos: o peito largo,

com poucos pelos, o abdômen bem definido, os pelos da barriga que vão

descendo por baixo do cós da calça jeans, formando um caminho.

Maxim não tira os olhos de Alessia. Ele nem está tocando nela, mas

ela está seduzida, a excitação se espalhando entre suas pernas, fazendo-a

se contorcer. Ele tira a camisa de seu jeito de sempre, por cima da

cabeça, que bagunça o cabelo, deixando-o despenteado como ela gosta.

Em seguida, joga a roupa no chão, na maior tranquilidade.

Ele abre o botão da calça.

E para.

Não!

Maxim se inclina e agarra o tornozelo de Alessia, retirando com

habilidade sua bota curta e a meia. Depois repete o processo com a outra

bota, deslizando o polegar até o peito do pé da esposa, já descalço,

fazendo-a se contorcer.

Ele se aproxima e abre a calça jeans de Alessia — com extrema

habilidade. Maxim é tão rápido que agarrou a barra da calça e a


arrancou antes que a esposa pudesse inspirar. Ele atira a peça no chão,

junto às próprias roupas.

— Você. Seu jeans. — Alessia aponta para a virilha do marido.

Maxim sorri e abre devagar o zíper, mas não tira a calça. Ele descalça

os sapatos e as meias. Em seguida, arranca a calça e a cueca e fica livre

em toda a sua glória.

Alessia arfa. Maxim vai para a cama e dá um beijo suave e molhado

entre as pernas dela, por cima do algodão macio da calcinha. Esse

contato manda um choque pelo corpo de Alessia, e ela arfa de novo, os

dedos emaranhados no cabelo de Maxim. Ele sobe e desce o nariz ao

longo da junção mais preciosa da esposa, arranhando suas coxas com a

barba por fazer.

— Sua calcinha está molhada, doce Alessia. Eu gosto disso. Gosto

muito.

Ele belisca com a boca a parte interna da coxa dela, seus lábios

cobrindo os dentes, e Alessia aperta o cabelo dele e puxa.

Ele se ajoelha entre as pernas dela, forçando-a para ficar numa

posição sentada, e, apressado, a despe da jaqueta e da camisa de manga

comprida e as joga ao lado do resto das roupas. Alessia fica então só de

sutiã e calcinha.

Ela estende o braço e acaricia o queixo de Maxim.

— Quer que eu raspe a barba? — pergunta ele.

— Não. Eu gosto. Bem demais. — Ela passa as unhas com delicadeza

pela bochecha do marido, que fecha os olhos.

— Tenho uma ideia — sussurra ele e, segurando a cabeça dela mais

uma vez, a beija.

Sua língua é insistente, dominando e possuindo a dela enquanto ele

os deita. Ele puxa para baixo o bojo do sutiã de Alessia, liberando o

seio, que tanto o quer, e, abandonando a boca da esposa, deixa um rastro

de beijos molhados pelo pescoço e pelo peito dela, até o mamilo duro.

O desejo flui pelas veias de Alessia, e os olhos escuros dela

encontram os verdes ardentes de Maxim, à medida que ele desliza o

queixo pelo bico sensível de seu seio.


Ah!

— Tem certeza que você não quer que eu faça a barba? — provoca

ele, e faz de novo, os olhos fixos nos dela.

— Não! — grita ela enquanto o mamilo endurece e cresce com o

toque dele.

— Está bom?

— Sim. — A pulsação de Alessia está disparada, bombeando sangue

para os seios, inchando os mamilos, que anseiam pelo toque dele, e

também para a virilha dela. — Por favor!

Ele repete a carícia, e ela arqueia as costas ao seu toque.

Maxim sorri, abaixa o bojo do sutiã cobrindo o outro seio e começa o

mesmo movimento sinuoso, roçando a barba na pele supersensível.

Ela agarra o edredom enquanto os lábios e o queixo de Maxim

descem, e ele se aninha entre suas coxas. Ele a beija, lá…

Então afasta a calcinha dela devagar e a beija lá. De novo.

Dessa vez, circulando o clitóris inchado com a língua.

O Zot!

Alessia fecha os olhos e arqueia as costas, e a língua dele continua

seu ataque sem pressa. Em círculos. Lambendo e sugando.

Ah!

Ele para e esfrega o queixo no ponto sensível, a barba causando uma

reviravolta nas terminações nervosas de Alessia.

— Të lutem!

— Em inglês — pede ele. E faz de novo.

— Por favor. Maxim.

Ele se senta, a vira de bruços e abre o fecho do sutiã.

Maxim se deita em cima dela, sua ereção se aninhando na bunda de

Alessia.

— Quer que eu coma você assim?

— Quero!

— Falando desse jeito, parece que você está necessitada.

— Estou mesmo.
Ela sente o sorriso dele na sua orelha, e, com delicadeza, Maxim

puxa o lóbulo dela com os dentes.

— Meu Deus, eu te amo, Alessia. Minha. Esposa.

Ele afasta os joelhos dela com os seus e a puxa a seu encontro.

Desliza o dedo por entre as nádegas de Alessia, e ela enrijece os

músculos ao sentir o dedo passar sobre seu cu.

— Algum dia, Alessia — sussurra ele, e então enfia o polegar dentro

dela, empurrando naquele ponto doce e bem profundo.

Os outros dedos dele vão para o clitóris dela. Formando círculos.

Provocando. Atormentando.

Ela emite um som abafado, o corpo em espasmos em volta do polegar

dele. O orgasmo a surpreende e se espalha para suas pernas.

Maxim tira o polegar e a vira. Observando os olhos atordoados de

Alessia, ele a penetra devagar, absorvendo a última de suas ondas de

choque.

Ele geme de aprovação e começa a se mexer. Com força. Rápido.

Levando Alessia ao mais alto clímax. Para ela não ter a oportunidade de

aterrissar. Ela está voando mais uma vez. Impulsionada por ele. Ele

paira sobre ela. A testa suando. Está incansável. Levando-a cada vez

mais alto. As pernas dela se enrijecem novamente, e ela grita quando

chega ao clímax pela segunda vez. Com mais intensidade e drenando

todas as suas forças. Alessia acha que pode ver o paraíso.

— Graças a Deus — exclama Maxim entre os dentes cerrados, e goza

demoradamente, desmoronando sobre ela e abraçando-a apertado.

* * *

Alessia abre os olhos quando Maxim sai de cima dela, deixando um

rastro viscoso e escorregadio de sêmen na parte de cima de sua coxa. Ela

não se importa. Deleita-se com aquilo.

Ele beija a sobrancelha da esposa e tira mechas de cabelo úmidas de

sua testa.

— Tudo bem?
— Mais do que bem — sussurra Alessia.

Ele acaricia o rosto dela com os nós dos dedos.

— Nunca pense que você não é suficiente. Por favor. Me parte o

coração você falar isso. Eu te amo. Não se esqueça disso. Esse

sentimento é novo para mim também. Só senti isso depois que conheci

você.

Ela estica o pescoço e o beija.

— Eu sei.

— Sabe? — Ele parece perdido de repente.

Ela aquiesce logo para tranquilizá-lo.

Nada mudou, Alessia.

Ele te ama.

O sorriso de Maxim é cauteloso.

— Ótimo. Olhe. Minha mão se encaixa perfeitamente. — Ele estica a

mão, a ponta do polegar e do dedo mínimo roçando nos mamilos dela.

Maxim sorri e ela dá uma risadinha, curtindo o lado brincalhão dele.

— Eu podia ficar deitado aqui e contemplar você o dia inteiro, mas

preciso ir ao banheiro.

Ele dá um beijinho nela, se levanta da cama e vai para o banheiro.

Alessia observa os movimentos do marido, com sua graciosidade

atlética habitual, a bunda branca e musculosa em contraste com o resto

do bronzeado.

Ela suspira conforme vai voltando à terra.

Ele é um amante excepcional.

Não que ela tenha qualquer experiência ou alguém com quem o

comparar… mas as palavras de Caroline a assombram. Promíscuo é

pouco. Ele é a prova viva do ditado: a prática leva à perfeição.

Alessia se enrola no edredom.

Maxim é o homem dela. O marido dela. E somente dela.

Ele disse isso…

Deveria ser suficiente.

Mas aquela voz irritante persiste. Por quanto tempo?


Capítulo Quatorze

Os reflexos do Tâmisa cintilam no telhado, me provocando, como

sempre fizeram ao longo dos anos. Não consigo cair no sono, embora

Alessia esteja dormindo profundamente a meu lado. Invejo sua

habilidade de dormir, mas fizemos amor duas vezes essa noite… meu

desespero me levou a trepar com minha esposa, então ela está exausta.

Eu a quero segura e feliz, e quero que ela saiba que venero o chão que

ela pisa.

Merda, se ela soubesse sobre Kit, será que ela me deixaria?

Por mais que eu tente reprimir esse tipo de pensamento, meu cérebro

continua remoendo a notícia que Caro me deu hoje. Com cuidado para

não acordar Alessia, saio da cama, pego o celular e a calça de moletom

no sofá e vou para a sala. Lá, eu me visto e fico parado do lado da

janela, encarando a noite com o olhar vago.

Liguei para minha mãe. De novo. E ela não atendeu.

Essa mulher é inútil, porra.

Ela é a única que pode dar uma luz sobre essa situação. Será que Kit

falou com ela? Confidenciou algo a ela? Minha mãe achava que Kit era

perfeito, então os dois eram muito próximos.

Para meu azar, não consegui deixar Rowena orgulhosa quando eu era

jovem.

Cara. Esquece isso.

Estou tentado a ligar para Maryanne, mas não quero preocupá-la, e

ela comentou que seus plantões eram de noite essa semana, ou seja, ela

vai estar ocupada no momento. Minha irmã trabalha demais,

considerando que não precisa.


Apoio o punho no vidro frio e encosto a testa ali. Observo a

escuridão e reflito sobre o dia, começando com a noite passada e a crise

de Alessia enquanto dormia. Como eu posso sobrecarregá-la com as

revelações de Caroline quando ela ainda está tendo pesadelos? Ela não

precisa saber disso, não agora. Ainda mais se está tendo dúvidas sobre

mim e meu… como ela chamou? Baita de um passado.

As mulheres.

Estou torcendo para tê-la tranquilizado. Não sei o que mais eu posso

fazer.

Apesar do gelo que ela me deu depois da reunião com a advogada,

minha doce esposa foi a salvação de hoje: me juntar a ela para tocar

“Claire de Lune”. Nós dois fazendo amor. Ela cozinhando. Essa noite

ela fez um cordeiro delicioso e alguma coisa mágica que levava

berinjela. Ela faz mágica na cozinha, mas acho que seu pai estava certo,

ela vai me engordar. Embora tenhamos queimado umas boas calorias

essa noite…

Uma imagem de Alessia em cima de mim, agarrando meus punhos,

com a cabeça para trás e gritando em êxtase invade meus pensamentos,

despertando minha libido e me deixando excitado e cheio de vontade.

Considero voltar para a cama, acordá-la e me perder nela de novo.

Cara. Deixe ela dormir.

Mas essas sensações efêmeras de alegria evaporam rápido. De olho

no reluzente rio escuro do parque Battersea, me sinto entorpecido

conforme minha mente é atormentada pelas notícias sobre Kit.

Em termos de saúde, estou ótimo. Na verdade, nunca me senti

melhor.

Porém, será que, no futuro, alguma coisa terrível vai me afetar? Ou

essa questão genética, qualquer que fosse, afetava somente Kit?

Continuo voltando à mesma teoria depressiva. Será que era por isso

que ele estava andando de moto nas pistas congeladas? A notícia era tão

devastadora que ele pensou Foda-se e pisou fundo na sua adorada

Ducati?

Não faço ideia.


E se as notícias eram tão ruins, isso significa que vou sofrer horrores?

E Maryanne também?

Caralho.

Graças a Deus pelo anticoncepcional.

Até descobrirmos o que está acontecendo, não posso pensar em

filhos. Posso?

Merda. Essa incerteza. Essa ignorância. Essa impotência. É uma

tortura.

Nada mudou.

Meu lado racional tenta me tranquilizar.

Mas não é verdade. O caminho que eu achei que já estava definido

mudou por completo.

Cara, você ainda não sabe disso.

Que inferno.

Abro minhas mensagens e leio a que Caroline me mandou mais cedo.

Você está com uma cara boa, Maxim.


Você sempre está.
Tenho certeza de que não é nada para se preocupar.

Ignoro seu elogio.

Não consigo dormir.


Fico pensando no Kit.

Eu também.

Me desculpe por hoje.

Não precisa se desculpar.


Onde está a albanesa?

Vá se foder, Caro.
Dizendo assim parece uma ofensa.
Minha amada esposa Alessia está dormindo.

PQP! Calma. Ela é mesmo albanesa!

Boa noite.
Maxim, não fique assim.
Apesar do motivo, foi bom ver você hoje.
Saudade.
Bj
C.

O que isso significa? Jogo o telefone no sofá, enojado. Não quero

lidar com as merdas de Caro, e fico pensando por que resolvi mandar

mensagem para ela. Volto para a cama e me deito ao lado de Alessia.

Quando faço isso, ela se mexe.

— Maxim — sussurra ela, sonolenta.

— Shh. Volte a dormir, baby.

Ela se encosta em mim, então sou forçado a abraçá-la. Em seguida,

ela deita a cabeça em meu peito.

— Estou com você — murmura ela, lutando contra o sono.

Sinto um emaranhado de emoções se formar na garganta quando

percebo que ela vai adormecendo e voltando aos sonhos, e nunca me

senti tão grato por minha esposa como agora.

Meu amor.

Dou um beijo em sua cabeça e fecho os olhos enquanto um nó de

medo e remorso ganha vida dentro de mim. Nós vamos conseguir

enfrentar isso? O que quer que seja?

Inspiro sua fragrância, e é um bálsamo contra a tristeza.

Estou com você. Essas palavras, com o sotaque dela, flutuam pelo

meu cérebro, me acalmando, e caio no sono.

* * *

Na manhã seguinte, fresca e gelada, ando até o consultório de meu

médico — que fica a algumas ruas de distância do nosso apartamento —

para a consulta e, espero, algumas respostas. A recepcionista ágil e

eficiente me conduz à sala dele assim que chego.

O Dr. Renton está usando seu terno elegante habitual e gravata-

borboleta vermelha. Com sessenta e tantos anos e cabelo ralo e


escorrido, ele se levanta quando entro na sala e me indica uma cadeira

na frente de sua mesa.

— O que posso fazer por você, Lorde Trevethick? — Ele me dá seu

típico sorriso paternal e volta a se sentar.

— Meu irmão fez um aconselhamento genético. O que sabe sobre o

assunto?

— Ah.

Ele é pego de surpresa, arqueando de imediato as fartas sobrancelhas

grisalhas. Inclina-se para a frente, e suas sobrancelhas voltam para o

lugar quando ele franze a testa. Renton apoia os cotovelos na mesa e

sustenta o queixo nas mãos.

— Não posso ajudar, milorde.

— Como assim?

— Seu irmão, por alguma razão, decidiu não compartilhar

informação alguma com você, e, como médico dele, não posso violar

sua privacidade. Tenho uma responsabilidade com ele.

Fico de queixo caído. Sem ar, observo estupefato enquanto ele cruza

as mãos no colo e permanece ali pacientemente esperando que eu diga

algo.

— Sua resposta é inaceitável. Meu irmão não está mais conosco.

— Sinto muito, Maxim. Não há nada que eu possa fazer. Como parte

do aconselhamento genético, antes de ser testado, seu irmão discutiu as

implicações e se queria contar ou não aos parentes de primeiro grau.

— Mas com certeza…

— Minhas mãos estão atadas.

— Eu acabei de me casar.

— Parabéns.

— Caralho, Renton.

Seus olhos azuis se estreitam e seu tom de voz fica mais sério:

— Não há necessidade de usar esse tipo de linguagem, milorde.

Bufo de frustração e, na minha mente, estou de volta a Eton, na sala

do diretor, sendo repreendido por algum ato insignificante.

Renton suspira.
— Você tem algum problema de saúde? — Ele está mudando de

assunto.

O quê?

— Não.

— Então essa é sua resposta. Sugiro que você deixe tudo isso para lá

e respeite a decisão do seu irmão.

— O Kit se matou por causa do diagnóstico?

Renton fica lívido.

— Maxim, o Lorde Trevethick anterior morreu em um acidente

horroroso.

— Isso mesmo. Ele não vai saber que você me contou! E quanto à

sua responsabilidade comigo? Sou seu paciente também.

— Mas você não está doente — responde ele com gentileza.

Olho irritado para ele, esperando intimidá-lo para que mude de ideia,

mas ele se recosta com o tal sorriso benevolente e percebo que não vai

ceder.

Bem, como essa porra é inconveniente.

Uma parte de mim admira a lealdade dele a Kit, então me controlo e

mudo de assunto.

— Gostaria que você atendesse minha esposa também. — Meu tom

de voz é petulante.

— Mal posso esperar para conhecê-la — declara Renton com

suavidade. — Isso é tudo, milorde?

Eu me levanto para sair.

— Estou decepcionado que você não possa me ajudar.

— Sinto muito por decepcioná-lo, Maxim.

* * *

Meu ânimo está péssimo à medida que o táxi preto segue com

dificuldade pelo trânsito a caminho do escritório. Estou furioso com

Renton. Talvez seja hora de encontrar um médico novo, alguém um

pouco mais jovem.


Alguém menos ético?

Merda.

Meu telefone vibra com uma mensagem. É minha mãe. Até que

enfim!

Acabei de aterrissar no Heathrow.


Preciso dormir.
Ligo mais tarde.

Porra! Não. Tento ligar para ela, mas vai direto para a maldita caixa

postal.

— Rowena. Me ligue. Isso não é a porra de um pedido. — Desligo e

olho mal-humorado pela janela do táxi.

A manhã clara e ensolarada parece estar zombando do meu humor.

Minha mãe está me enlouquecendo.

Por que ela não fala comigo?

Quando o táxi para do lado de fora do escritório, respiro fundo e

tento me acalmar. Pago o motorista e, com passos largos, entro no

edifício.

* * *

Oliver me encaminhou detalhes de três propriedades que ou estão

vazias, ou estarão vazias em breve, para Alessia e eu avaliarmos. Eu as

examino com cuidado, diante da escrivaninha, agradecendo a distração

enquanto bebo um café. Uma delas já foi um estábulo e é menor do que

meu apartamento, então a descarto de primeira.

As outras duas têm potencial para se tornar o lar de uma família.

Cacete.

Eu quero filhos… um dia. Parte do meu trabalho é proteger o legado

da minha linhagem. Mas, se há algo errado comigo, como posso

considerar formar uma família?

No entanto, Renton me perguntou como eu estava me sentindo.


Talvez essa seja uma maneira indireta de me dizer que não tenho

nada com que me preocupar.

Cara. Se controle.

Deixo de lado meus medos sobre filhos e decido ser otimista.

É hora de mudança, precisamos de espaço. Meus dias loucos de

solteiro acabaram.

Quem diria que eu ficaria feliz de permanecer em casa, aproveitar

uma comida caseira e fazer amor com minha esposa?

Vai ser bom para Alessia também.

Vamos poder traçar nosso caminho em um lugar novo, sem

lembranças do meu baita passado libertino. Essa associação é

desconcertante, ainda mais porque vem acompanhada de uma pontada

constante de culpa.

Por quê?

Não fiz nada errado.

Fiz?

Afasto esse pensamento.

Examinando os detalhes das propriedades, a casa em Cheyne Walk

tem uma vantagem. No final do jardim dos fundos, há um antigo

estábulo com uma garagem, onde cabem dois carros. Podemos usar para

os funcionários. Ainda não conversei com Alessia sobre a contratação

de uma equipe, mas isso significa que essa parte da vida dela vai ficar no

passado. Vou ter sempre recordações afetuosas de calcinhas cor-de-rosa

e uniformes azuis, mas ela vai estar ocupada com outras coisas. A escola

de música, se tudo der certo. A casa de Cheyne Walk também é boa

porque é entre meu aparamento e a Residência Trevelyan, onde Caroline

mora.

Talvez eu devesse pedir para Caro trocar. Ela podia ficar com meu

apartamento ou algum outro lugar menor. A Residência Trevelyan é

minha, afinal.

Não. Está cedo demais para abordar esse assunto, faz pouco tempo

desde a morte de Kit.

Pego o telefone e ligo para Caroline.


— Oi, Maxim. — Ela soa altiva e distante. Talvez seja porque a

repreendi por mensagem ontem.

Eu me faço de desentendido.

— Oi, o que foi?

— Não param de publicar matérias sobre você. E os jornalistas estão

me ligando. Querem saber sobre você e Alessia.

— Merda. Me desculpe, apenas ignore.

— Estou ignorando, mas você devia fazer alguma coisa. Talvez dar

uma espécie de festa de “apresentação” da sua esposa. Convide todo

mundo e aí você vai acabar com todo esse interesse exagerado.

A última coisa que eu quero ou preciso é a imprensa fuçando o nosso

casamento.

Mas eu não posso deixar Caro saber disso!

— Não é uma má ideia — despisto.

— Eu posso organizar para você! — oferece ela, entusiasmada.

Hum… não tenho certeza de como Alessia se sentiria em relação a

isso.

— Vou pensar no assunto. Estou ligando porque estamos em um

momento decisivo na reforma dos prédios em Mayfair. Você quer fazer a

decoração?

Caroline respira fundo.

— Sim, quero. Vai me dar alguma coisa para me concentrar e me

trazer de volta para esse mundo. Estou sentindo falta.

— Ótimo. Fico feliz.

— Além disso, posso precisar do dinheiro — acrescenta ela, soando

mais como ela mesma.

— Caro, você tem um fundo fiduciário imenso e o rendimento das

propriedades.

Ela bufa, indiferente, mas nenhum de nós menciona o testamento de

Kit e o fato de que meu irmão a deixou de fora dele.

Cara, não vá por esse caminho.

— Vou pedir para Oliver ligar para você e acertar os detalhes.

— Oliver! — exclama ela como se estivesse surpresa.


— Sim, ele vai colocar você em contato com a construtora. Tudo

bem?

Qual o problema dela com Oliver?

— Sim. Ok. Você está certo. Já contou a Alessia sobre as cartas?

— Ainda não. Você falou com Rowena?

— Não. Por quê?

— Ela está me evitando. Deixei inúmeros recados na caixa postal,

mas ela não retorna minhas ligações.

— A Rowena… é a Rowena.

— É verdade. Alguma novidade com o laptop do Kit? Estou em um

beco sem saída.

— O Dr. Renton não ajudou você?

— Ele não quis me contar.

— Aquele velho desgraçado de bico fechado.

— Pois é.

— Nenhuma novidade com o laptop. A verdade é que Kit nunca me

deu nenhuma senha. Nem daqui nem da Mansão. Por que você acha que

ele fez isso? — A voz de Caro fica trêmula no fim da pergunta, e

percebo que ela está chateada.

— Não sei. O Kit era o Kit… um pouco como a mãe dele.

— É. Ele era… — Sua voz diminui até um sussurro quase inaudível,

e quero me dar um soco.

— Vou pensar na sugestão da festa.

— Pense mesmo — diz ela, se animando. — Sabe, você devia me

deixar levar Alessia para fazer compras.

Ah, não sei se é uma boa ideia.

— Maxim, eu já disse, ela se veste como uma estudante.

— Engraçado você dizer isso. Sugeri que Alessia entrasse na

faculdade. Vai ajudar com o visto. Isso me lembrou: sua madrasta…

— Vacadrasta — me corrige Caro.

— Ela não é benfeitora do Royal College?

— É. Ah. Música. Para Alessia?

— Isso. O que você acha?

É
— Acho que é uma boa ideia. É óbvio que Alessia tem um talento

enorme.

— Bem, posso precisar contar com a ajuda da sua vacadrasta.

Caroline bufa.

— Boa sorte com isso. Nunca a vi sendo solícita nem receptiva. Não

sei o que meu pai vê nela.

Caro está sempre reclamando da esposa do pai dela.

— Você teve aulas de etiqueta? — Mudo de assunto.

— Óbvio que sim, Kit insistiu. Ele era um pouco chato com isso, na

verdade.

Inspiro rápido, chocado. Kit? Chato?

— É. Logo depois de nos casarmos — completa ela.

Kit insistiu que a esposa fizesse aulas de etiqueta!

Que esnobe. Eu não fazia ideia.

— Alessia quer fazer.

— É uma boa ideia. Vai dar mais confiança a ela. Funcionou para

mim. A que eu fiz era ótima. Em Kensington. Vou mandar os detalhes

para você.

— Obrigado. E só para reforçar: foi ideia da Alessia, não minha.

— Que moderno, hein, Maxim — resmunga Caro. — Minha oferta

está de pé. Vou ficar feliz de levar Alessia à Harvey Nicks. Com seu

cartão de crédito. — Ela dá uma gargalhada.

E me vejo sorrindo contra minha vontade.

— Vou falar com ela.

— Ótimo. Preciso me redimir.

— É, você precisa.

Oliver bate na porta e entra.

— Preciso ir. — Desligo e o encaro. — Falei com Caroline. Ela quer

fazer a decoração.

— Fico feliz que isso já esteja resolvido. Aqui estão as informações

que você pediu sobre os gastos da sua mãe. — Ele me entrega uma

planilha, e a linha de baixo salta da página, com todo seu esbanjamento.

Caralho!
Eu me viro para ele em choque.

— Pois é. — Os lábios dele estão contraídos em uma linha fina de

desaprovação.

— Isso é parte do acordo do divórcio?

— Aqui. — Ele me entrega um segundo documento. — Marquei os

valores que você precisa saber.

Examino apressado.

Uau. Um buraco de inquietação se abre em meu estômago ao me

intrometer nos assuntos de meus pais. O divórcio matou meu pai. Ele

morreu de coração partido, e nunca perdoei minha mãe pela morte dele.

— Isso é mais que o dobro da pensão dela.

— Sim, milorde.

— Certo. Vou dar um jeito nisso.

— Boa sorte, milorde. — Ele me oferece um sorriso solidário e sai.

Ligo para minha mãe e cai na caixa postal mais uma vez.

— Rowena. Estou prestes a cortar seu acesso aos fundos. Me ligue.

Desligo, depois telefono para o banco e tenho uma rápida conversa

com o meu gerente sobre minha mãe.

Em seguida, mando uma mensagem para Maryanne.

Por favor, peça a sua mãe para me ligar.


Deixei inúmeras mensagens.
Todas em vão.

Preciso de respostas. E estou chocado que minha própria mãe não

faça a gentileza de retornar minhas ligações. A vida que eu conhecia está

por um fio, todas as minhas esperanças e sonhos vagos se encontram

suspensos.

Que inferno.

Se essa tática não funcionar, não sei o que vai.


Alessia desembrulhou, limpou e guardou todos os utensílios de cozinha

que ela e Maxim compraram on-line na John Lewis. Limpou. Poliu.

Lavou. Tudo. A cozinha está impecável. Ela preparou o jantar. Praticou

diversas peças no piano. Agora está sentada na escrivaninha de Maxim,

debruçada sobre o computador, comparando cursos de música e

tomando notas. Enquanto analisa as vantagens da Royal Academy em

relação ao Royal College, sua atenção se desvia para o cartão de visitas

de Ticia Cavanagh em cima da mesa. Ela se lembra da declaração

chocada da advogada ontem.

Outras? Elas também escaparam?

O rosto doce de Bleriana surge em sua mente, rindo de uma das

piadas de Alessia quando elas estavam na caçamba daquele caminhão

horrível e fedorento. Talvez Ticia possa ajudar a encontrá-la. Ela é

advogada, sabe como fazer isso, certo?

Ignorando seus sentimentos conflitantes — essa mulher transou com

seu marido, sabe? —, ela pega o celular e liga para Ticia.

— Escritório de Ticia Cavanagh — atende uma voz masculina.

— Alô. Hum. Aqui é Alessia Trevelyan. Eu queria falar com Ticia

Cavanagh.

— Vou ver se ela está disponível.

A linha fica muda, mas um instante depois Ticia atende.

— Lady Trevethick, como posso ajudar?

— Por favor, me chame de Alessia. Hum… Eu estou, é…

— É sobre seu marido? — pergunta Cavanagh com uma pressa

sussurrada e afetada.

— Não. Não. Não é. Eu acho que… hum… vocês se… conheceram

antes de mim.

Alessia não acredita que está falando sobre Maxim dessa maneira. Há

um silêncio constrangedor, e Alessia escuta Ticia inspirar com força.

— Eu também acho — diz ela, enfim, e sua resposta é um alívio.

Vá direto ao assunto, Alessia.

— Estou ligando por causa das outras garotas que foram traficadas

junto comigo. Eu quero encontrá-las. Bem, uma delas, pelo menos. Se


puder encontrar as outras, seria bom também.

— Entendi. Não sei se consigo ajudar, mas o que você pode me

contar?

* * *

Alessia está recostada na cadeira de Maxim encarando suas anotações.

Ticia lhe deu o número de um detetive particular que presta serviço para

o escritório dela. Ele é discreto, mas caro. Ela quer ligar para ele —

afinal, agora tem recursos para isso. Mas será que deveria pedir a Maxim

primeiro? O dinheiro é dele. Ele aprovaria? Ela não sabe. Talvez, como

Ticia, ele ache que é uma tarefa impossível, uma vez que Bleriana e as

outras garotas podem estar em qualquer lugar do país.

Mas Alessia precisa tentar.

E aí ela vai ter alguma coisa para fazer.

Por mais que goste de ficar no apartamento, está começando a se

sentir meio claustrofóbica. Precisa sair um pouco.

Mas deveria consultar o marido?

Seu telefone toca, e é como se ela tivesse invocado Maxim só de

pensar nele.

— Oi — diz ele, e o calor na sua voz aquece o coração dela.

— Oi. Como está o trabalho?

Ele saiu cedo naquela manhã e estava preocupado com alguma coisa.

Alessia imaginou que tivesse a ver com o trabalho.

— Tudo bem. Tenho uma surpresa para você. Vou mandar um

endereço para você por mensagem. É uma caminhada rápida saindo do

apartamento. Encontro você lá em meia hora.

Ela suspeita que ele está sorrindo. Está animado com alguma coisa.

— Está bem — diz ela, sorrindo de volta.

— Trinta minutos.

Ele desliga, e uma mensagem aparece na tela do celular dela. É um

endereço em Cheyne Walk, o que significa que Alessia ainda tem tempo
suficiente para dar um telefonema e começar sua missão para encontrar

Bleriana.

Ando de um lado para outro em frente à casa em Cheyne Walk e dou

uma olhada na rua para ver se avisto Alessia. Nossa nova casa em

potencial fica atrás dos jardins do Chelsea Embankment, e, se Alessia

gostar daqui, isso significa que não vou precisar sofrer com os reflexos

da água que de vez em quando me incomodam no teto do quarto. Espero

que ela goste, acho que atende bem às nossas necessidades.

Entre a vegetação, tenho vislumbres do Tâmisa. Dou uma pausa e

inspiro uma lufada de ar, detectando o familiar cheiro de lama do rio.

Estou em casa.

Quando reparo, Alessia está descendo a rua, vindo em minha direção.

Seu rosto se ilumina assim que me vê, e corro para encontrá-la.

— Oi. — Pego sua mão. — Venha. Estou empolgado para mostrar

uma coisa.

Seu sorriso de resposta me anima, e a conduzo para o portão de ferro.

A expressão dela é inquisitiva, a curiosidade atiçada enquanto digito o

código na fechadura eletrônica. O portão abre com um rangido, e

caminhamos pelas lajotas até a reluzente porta preta coberta por uma

magnífica claraboia.

Maxim tira algumas chaves do bolso e destranca a porta.

— Isso aqui pode ser nosso se você quiser — diz ele e gesticula para

Alessia entrar.

A casa inteira?

Deve ter quatro andares!


Eles encontram um corredor largo, que dá para uma sala de jantar

elegante e, mais além, para uma cozinha grande e moderna, parecida

com a de vidro do apartamento de Maxim. Para além das portas de

correr envidraçadas no fim do cômodo, há um jardim bem-cuidado e, do

outro lado do pátio, o que parece ser mais uma casa.

— Isso. Duas casas. Podemos transformar a de lá em dependências

para os funcionários. — Maxim aponta naquela direção.

Funcionários!

— Ah — diz Alessia.

No andar de cima, abarcando toda a sua extensão, há uma sala de

visitas enorme, decorada com bom gosto em tons de creme, bege e

cinza.

— Podemos redecorar — comenta Maxim, a testa franzida,

parecendo preocupado.

— É lindo — elogia ela de forma automática.

Alessia fica intimidada só com o tamanho da casa. São cinco quartos,

todos suítes. A suíte principal engloba um quarto grande, um banheiro

com duas pias — de mármore! —, uma banheira oval, um chuveiro

grande o suficiente para quatro pessoas e dois closets grandes o bastante

para ela e Maxim.

— O que você achou? — Maxim a encara com ansiedade.

— Quer se mudar para cá?

— Quero. Precisamos de mais espaço.

— Cinco quartos?

— Você prefere uma coisa menor? — Ele franze as sobrancelhas.

— Eu não tinha pensado em um lugar tão grande… mas acho que um

dia vamos ter filhos. — Ela cora ao pensar nisso, embora não saiba por

quê.

— É. Um dia — concorda ele, baixinho, e fecha os olhos como se

essa fosse uma ideia dolorosa.

— Um dia — reforça Alessia, enquanto se pergunta por que isso seria

um pensamento doloroso para ele. — Você quer filhos. Não quer?


Ele aquiesce, mas seus olhos dizem outra coisa. Maxim está com

medo.

Por quê?

— Podemos colocar um piano aqui? — pergunta Alessia com

entusiasmo, para distraí-lo.

Ele ri.

— Óbvio. Não vou deixar o piano de cauda para trás. Deixe eu

mostrar o porão.

De mãos dadas, vamos andando de volta para o apartamento.

— Você já morou lá? — pergunta Alessia.

— Não. Nunca nem tinha entrado lá até hoje.

— Você gostou?

— Gostei. — Aperto a mão dela. — E você? Podemos criar nossas

próprias lembranças lá.

Alessia me observa com o que parece ser admiração ou alívio, não

sei, mas me oferece um lindo sorriso.

— É. Vamos ser só nós.

Viramos na esquina e fico aliviado ao não ver nenhum paparazzo

esperando na frente do prédio. Somos notícia velha.

Na hora em que entramos no apartamento, meu telefone toca.

É minha mãe. Até que enfim.


Capítulo Quinze

— É Rowena. Preciso atender — murmuro e deixo Alessia fechar a

porta do apartamento.

Sigo para a privacidade do nosso quarto e atendo a chamada.

— Rowena. Muito obrigado por retornar minha ligação. — Cada

palavra é carregada com bastante sarcasmo.

— Maxim. Suas mensagens são de uma tremenda grosseria. Por que

eu não iria querer falar com você? E que porra é essa que você falou, de

me cortar?

Falando palavrão agora! Minha mãe está irritada.

— É isso mesmo que eu falei. Liguei para você há dias e você não

respondeu. Isso, sim, foi de uma tremenda grosseria.

— Quando você aprender a ser um pouco mais gentil na hora de

deixar mensagens, vai receber respostas mais rápidas. Você pega mais

moscas com mel do que com vinagre, Maxim. É óbvio que um homem

com o seu apetite entende isso.

O quê?!

— Que Deus ajude o nosso patrimônio, com você vociferando no

telefone com todo mundo — continua ela.

— Isso faz de você a mosca nessa analogia — devolvo, ríspido. — E

é só você que provoca essa reação em mim, mãe. E não acho que você

esteja em posição de dar lições sobre apetites.

Ela respira fundo.

— Então você cortou meu acesso aos fundos para me controlar?

— Não. Eu cortei porque você está gastando mais que a pensão à

qual tem direito segundo o acordo do divórcio.

Ela fica muda do outro lado da linha, e sei que está fervendo de raiva.
— Você achou que eu não fosse perceber? Talvez Kit fechasse os

olhos para isso.

De novo, não recebo resposta. E isso não está me ajudando. Respiro

calma e profundamente, tentando controlar a raiva.

— Mas não foi por isso que liguei. Você sabia que o Kit estava

procurando aconselhamento genético?

Ouço um suspiro alto do outro lado da linha.

— O quê? — sussurra ela, e sei pelo tom baixo que ela está muito

chocada.

— Isso mesmo. Eu esperava que você pudesse me explicar o motivo.

— Não — retruca ela, abafando uma exclamação de revirar o

estômago, o que faz meu couro cabeludo se arrepiar e toda a minha

atitude mudar.

— Como assim “não”? O que você sabe? — questiono, sem ar.

— Isso não tem nada a ver com você, Maxim. Nada. Apenas esqueça

o assunto. — Ela é seca e parece desesperada.

— O que você quer dizer?

— Esqueça isso! — grita ela, e a ligação cai.

Ela desligou na minha cara!

Rowena nunca fez isso antes, e ela estava gritando, o que é o extremo

oposto de seu normal — geralmente ela é fria e distante. Telefono para

ela e a ligação vai direto para a caixa postal. Tento novamente, mas

Rowena continua não atendendo.

Alguma coisa está errada. Muito errada. Em um abismo de confusão,

olho para meu celular.

Que porra é essa?

Ligo para Maryanne e cai na caixa postal.

— M.A., me ligue. A Nave Mãe anda mais irracional que o normal.

Quando guardo o aparelho no bolso, ele vibra.

Verifico a tela e atendo.

— M.A.

— Maxie. Que diabos você disse para sua mãe? Ela acabou de bater a

porta quando saiu.


Droga. Preciso abrir o jogo com minha irmã.

— Minha mãe! Ela é sua mãe também. E eu não queria incomodar

você com isso, Maryanne.

Dou uma breve explicação sobre as cartas que Caro encontrou do

médico de Kit e da clínica de medicina genética, assim como a recusa do

Dr. Renton em me dar mais informações e agora a recusa de nossa mãe

também.

— E você não pensou em contar para a única médica da família? —

vocifera Maryanne.

— Eu não quis preocupar você. Sei que você é ocupada.

— Maxim! Você é tão babaca às vezes. O que exatamente sua mãe

disse?

— Em poucas palavras, sua mãe disse que isso não é da minha conta.

— Que estranho.

— É mesmo.

— Ah — sussurra Maryanne, como se tivesse acabado de pensar em

alguma coisa bem desagradável.

— O quê?

— Te ligo depois.

— Maryanne…

Ela desliga.

O que é isso?!

Minha família está me enlouquecendo.

Alessia tenta conter a ansiedade, mas ela se expande em seu peito,

fazendo o coração disparar. O que houve? Por que Maxim está

atendendo a uma ligação da mãe em particular? Ele não costuma

guardar segredos. Mas o que ele não quer que ela escute? O que ele tem

a esconder?
Ela vai para a cozinha — não quer ficar tentada a pressionar o ouvido

na porta e escutar. Para se distrair, se ocupa com os preparos finais do

jantar, mas não consegue parar de pensar em como Maxim tem andado

preocupado nos últimos dias.

Menos na cama.

Ela franze a testa com esse raciocínio. O encontro surpresa com Ticia

Cavanagh e a forma como Alessia reagiu ao descobrir o passado dos

dois pelo visto não eram a única preocupação de Maxim. Na noite

anterior, enquanto pesquisavam faculdades de música, ele parecia

distraído com alguma coisa, tanto que ela perguntou se ele queria

continuar. Ele havia assegurado que sim, mas algo o estava

incomodando. Ainda está. Alessia sente isso.

Maxim está apoiado no batente da porta, observando-a enquanto ela

rala parmesão, até que ela para e o encara. Ele parece ansioso,

desnorteado.

Ah, não.

— O que foi? — pergunta Alessia.

Maxim entra na cozinha e passa a mão pelo cabelo, deixando-o

despenteado e bagunçado, do jeito que Alessia gosta. Mas seus olhos

estão arregalados de incredulidade e confusão, como se ele estivesse

lutando contra alguma reviravolta interna.

— O que sua mãe disse? — questiona Alessia.

— Ela desligou na minha cara. — Ele levanta as mãos com

desânimo. — E preciso de respostas dela… — Sua voz enfraquece, mas

ele se aproxima e acaricia o rosto da esposa com os dedos, o contato

reverberando de forma tentadora pelo corpo dela. — Não é nada com

que você precise se preocupar.

— Mas você está preocupado — murmura ela.

A postura dele muda, a mandíbula se contrai, e ele passa a mão pelo

cabelo de novo, a frustração evidente.

— Você quer ir vê-la? — sugere Alessia.

— É uma ideia tentadora. Rowena fica com Maryanne quando está

em Londres, numa townhouse em Mayfair. Ela se divide entre lá e seu


apartamento em Manhattan. No momento, está aqui. — Ele consulta o

relógio. — Talvez eu possa ir até lá e confrontá-la. — Mas sua boca vira

para baixo e ele balança a cabeça.

— De quais respostas você precisa?

Ele solta o ar.

— De verdade, não se preocupe. É uma coisa que Caroline me

mostrou na segunda…

— Caroline? — Na mesma hora, Alessia fica em alerta.

Maxim franze a testa, e seus olhos se arregalam, como se tivesse sido

pego em flagrante.

— É. Ela foi ao escritório com algumas cartas do Kit.

— Ah.

Caroline.

Por que ela vai ver Maxim no escritório dele? Alessia nunca foi lá.

Ela sabe que não é ciúme o que a está incomodando, só não quer o

marido sozinho com a cunhada.

Sua ex-amante.

Porque, no fundo, ela não confia em Caroline.

Será que Alessia confia no marido? Afinal, ela só está sabendo agora

dessa visita que aconteceu ontem.

Alessia ignora a voz insistente em sua cabeça enquanto Maxim

contrai os lábios e fecha os olhos. Quando volta a abri-los, parece

irritado.

— Alessia. Não é nada para você se preocupar. Vamos sair, preciso

de uma mudança de ares. Vamos comer fora. — Ele parece exasperado.

— Tudo bem — concorda Alessia. Ela pode assar a lasanha amanhã.

Ou congelar.

Maxim semicerra os olhos.

— Podemos ficar em casa se você quiser. Você precisa me dizer o

que quer fazer, isso é uma parceria. — Ele balança a mão entre eles, o

tom de voz seco.

Ele está chateado com ela?


De repente, Alessia sente como se eles estivessem à beira de um

precipício, e ela não sabe o que dizer ou fazer.

Por que ele está tão agitado? Ele não contou sobre a visita de

Caroline nem das cartas de Kit.

Como ela deveria se sentir a respeito disso?

No entanto, ela percebe que ele está abalado com alguma coisa, e não

acha que tem a ver com Caroline. E Alessia não quer ser mais uma

preocupação.

— Podemos conversar sobre a casa — acrescenta ele em um tom

mais gentil.

Ela aquiesce e, por instinto, estende a mão e pega a dele.

— O que quer que esteja acontecendo, você vai dar um jeito. Você

sempre dá — diz Alessia, se aproximando, e o abraça apertado.

Fico tocado com a fé de Alessia em mim, embora eu ache que ela esteja

equivocada. Mesmo assim, seu carinho e suas palavras me acalmam, e

um calor se espalha por meu peito enquanto relaxo aos poucos nos seus

braços. Segurando-a bem apertado, beijo sua cabeça, agradecido que ela

esteja comigo.

— Tanto minha mãe quanto minha irmã estão se comportando de um

jeito estranho.

— Isso é… hum… frustrante — diz Alessia. — Podemos sair. Vou

trocar de roupa.

— Você está linda de calça jeans.

Paro, seguro as mãos dela e as levanto no ar como se estivéssemos

prestes a dançar. Observo seu corpo, ignorando o aperto familiar abaixo

da minha barriga.

Caro está certa.

Alessia precisa de roupas que combinem com uma condessa, não

com uma estudante.


— Vamos fazer compras. Você precisa de roupas. Roupas adequadas.

Alessia o encara, perplexa.

— É. Vamos fazer isso. — Checo as horas. — A Harvey Nicks ainda

está aberta.

— Mas… mas… eu não sei nem por onde começar.

— Lá existe um serviço de personal shopping. Vamos começar por

aí.

E vai ser uma distração maravilhosa de toda essa merda.

Alessia sente a cabeça girar. Em menos de noventa minutos, ela se

tornou a orgulhosa proprietária de um “armário cápsula” com “peças-

chave” que vão servir para os próximos meses. O custo de tudo é

espantoso, mas Maxim parece radiante e, bem no fundo, Alessia

também está. Ela não vai mais se sentir como uma faxineira quando

estiver do lado de Caroline.

Maxim rabisca o endereço para entrega no papel timbrado e entrega à

personal shopper.

— Vai estar tudo lá amanhã de manhã, Sr. Trevelyan.

A jovem pisca os cílios para Maxim, mas ele a ignora. E não a

corrige sobre o título.

— Vamos comer? — Maxim pega a mão de Alessia.

— Vamos. E obrigada. Por tudo isso — diz Alessia, olhando para as

sacolas cheias de roupas e sapatos novos.

— Não precisa me agradecer. — Ele franze a testa, como se um

pensamento monumental tivesse acabado de lhe ocorrer. — Quero

cuidar de você. — Ele se aproxima e dá um beijo rápido nela. — Vamos

atravessar a rua e jantar no Mandarin Oriental.

Alessia segura a nova bolsa Yves Saint Laurent e, de mãos dadas, eles

saem da loja, com as palavras de Maxim martelando na cabeça dela.

Quero cuidar de você.


Alessia não tem certeza de como se sente em relação a isso. Ela quer

ser mais do que um bem entregue de seu pai para seu marido. Sua breve

tentativa de liberdade quando veio para o Reino Unido foi sua primeira

experiência sendo independente. Para seu azar, falhou. Mas ela

encontrou Maxim. Só que agora ela está um pouco perdida.

Ele quer uma parceria.

O que ela pode fazer para contribuir na parceria?

Maxim aperta a mão dela mais forte, distraindo-a, e eles atravessam a

rua, desviando dos carros, até o magnífico prédio que é o Mandarin

Oriental Hyde Park.

— Por aqui — indica ele, e os dois vão em direção ao restaurante The

Aubrey.

Alessia coloca a língua entre os lábios com determinação enquanto

segura os hashis, e me lembro da primeira vez que ela os usou, em

Mustique. O chef tinha preparado um banquete de sushis e sashimis, e,

com minha esposa no colo, envolvi suas mãos com as minha e

demonstrei como usar. Como sempre, ela aprendeu depressa.

— Você se lembrou de como usar o hashi.

Ela me dá um sorriso rápido e confiante enquanto pega um hamachi.

— Então, você gostou da casa?

— Como eu poderia não gostar da casa, Maxim? É linda.

— Ótimo. Vou preparar tudo para nos mudarmos para lá. Mas, se

você quiser redecorar, é melhor fazermos isso antes da mudança.

— Eu gosto de como está agora. Talvez a gente possa morar lá antes

de decidir se precisa de uma redecoração.

— Isso parece sensato.

Meu celular vibra. É uma mensagem de Maryanne.

Mamãe está no aeroporto.


Está voltando para Nova York.
Dou a Alessia um olhar de desculpas e respondo a minha irmã.

O quê? Por quê?

Ela não falou.


Mandou uma mensagem do portão.

Só isso. Nenhuma explicação?

Nada!

Mas que diabos?

Ela acabou de vir de Nova York e agora está voltando.

— Com licença — murmuro para Alessia.

Saio da mesa e ligo para minha mãe enquanto entro no átrio. Como

eu temia, a ligação vai direto para a caixa postal.

— Mãe, por favor? O que está acontecendo? O que você sabe? É

alguma coisa séria? Eu acabei de me casar. Eu… eu… nós queremos ter

filhos. Me ligue. Por favor.

Estou tentado a ir a Heathrow e seguir minha mãe até Manhattan,

mas sei que já perdi o último voo da noite. Talvez meu apelo possa

invocar um sentimento maternal, se ainda restar algum nela.

Cara.

Minha mãe não é conhecida pelos sentimentos ou instintos maternais.

Caralho.

Talvez Alessia e eu possamos ir juntos ver minha mãe?

Droga. Alessia vai precisar de um visto.

Volto para a mesa e ela olha para mim.

— Tudo bem?

— Tudo. Liguei para Rowena de novo e deixei um recado. Ela voltou

para Nova York, então não vou ter notícias dela esta noite. Vamos

aproveitar nosso jantar.

Tomo um gole de saquê, e Alessia levanta seu pequeno copo de

porcelana.

— Gëzuar, Maxim.
— Saúde, minha querida esposa.

— No Japão, tem o saquê, na Albânia, o raki. O que os ingleses têm?

— Gim, eu acho. Existem muitas destilarias novas surgindo para

matar a sede do país por gim inglês.

Ela sorri.

— Eu quero provar.

Não tenho nenhuma reunião de manhã.

— Certo. Podemos providenciar isso.

* * *

É meia-noite e minha esposa bebeu demais. Eu já a tinha visto alegrinha

antes, quando estávamos na Cornualha e ela levou um tombo no mar,

mas ela nunca ficou assim.

E é minha culpa.

Alessia começou a beber há pouco tempo, e eu devia ter prestado

mais atenção nela. Aposto que vai estar de ressaca amanhã.

— Venha, princesa. Pode se apoiar em mim.

Eu a seguro com firmeza do meu lado enquanto cambaleamos para

fora do Loulou’s sob uma chuva de flashes de fotógrafos e entramos no

táxi. Do banco de trás, oriento o taxista a nos levar para casa e mantenho

um braço em volta de minha esposa.

Alessia me oferece um sorriso torto.

— Maxshim.

— Acho que você bebeu muito saquê e gim, baby.

— Ééé. Eu gosto de gim. É divertido. Foi divertido — se corrige ela.

— Muito bom conhecer seus amigos.

— Você os impressionou.

— Você tem muitos amigos. Mulheres também. Com quantas você já

teve relações… sexuais?

Epa!

— O quê?
— Com quantas? — Ela me encara, os olhos escuros desfocados. Ela

fecha um deles e semicerra o outro, tentando parecer séria.

— Vamos conversar sobre isso quando chegarmos em casa.

Quando começamos nossa noite, eu não sabia que acabaríamos na

Hertford Street. Mas depois desses últimos dias de merda, acho que nós

dois precisávamos espairecer um pouco.

Tanto assim?

Puxo Alessia mais para perto e beijo sua testa. Ela levanta o rosto e

faz biquinho, com uma expressão adorável.

Como eu posso resistir?

Dou um beijinho na boca dela.

— Por que tantas amantes, Maxshim? Não entendo.

— Podemos falar sobre isso quando você estiver sóbria?

Ela avalia minha resposta.

— Podemosss. Não vou esquecer.

Ah, eu espero que esqueça.

Estou preocupado com esse interrogatório. Pensei que já tivéssemos

resolvido essa questão. Ela parece obcecada com a vida sexual que eu

tinha antes de conhecê-la, e não sei por quê. Não me comportei de

maneira inadequada com nenhuma das mulheres que encontramos hoje.

Ou me comportei? Eu fui simpático. Mas só isso. Fui simpático até

mesmo com Natasha e Sophie, com quem só tive um caso de uma noite.

Suspiro e afago o cabelo de Alessia, pensando em como tranquilizar

minha esposa.

Maxim senta Alessia na beira da cama.

— Vamos tirar sua roupa.

Ele fica de joelhos e tira as botas dela.

Alessia estende o braço, passando os dedos pelos cabelos dele.

— Tão macio — sussurra ela.


Maxim puxa as meias dela, depois se levanta e luta para tirar a

jaqueta de Alessia.

— As fotos aqui — diz Alessia, e perde o equilíbrio enquanto vira

em direção às imagens de mulheres nuas. — Você conhece essas

mulheres?

— Conheço. — Ele joga a jaqueta dela no sofá.

— No… hum… sentido bíblico.

Porra.

Maxim segura o queixo dela, a forçando a se concentrar nele. Ela

estreita os olhos para focá-los.

— Alessia, você precisa parar com isso. Para a sua sanidade e a

minha. Vou tirar essas fotos daí. Foi insensível da minha parte deixá-las.

Amanhã eu faço isso.

Ele se inclina e a beija, sua língua quente e molhada, e Alessia coloca

os braços em volta do pescoço dele, puxando-o para a cama. Ele cai ao

lado dela, ainda nos seus braços.

À luz do abajur, ela o analisa.

Seu marido.

Seu amante.

Seu sedutor.

Os olhos dele reluzem, em um tom de esmeralda brilhante, as pupilas

dilatadas. Ela passa os dedos pelo queixo de Maxim, com a barba rala, e

traça o contorno de seus lábios macios, que se entreabrem quando ele

inspira.

— Eu te amo — sussurra ela. — Mas não quero ser uma propriedade.

— Uma propriedade? — Os olhos dele agora estão cheios de dúvidas.

— Você quer uma parceira. O que eu trago para a nossa parceria?

Ele arfa.

— Tudo.

Aquela palavra é uma oração. Com a garganta seca de repente,

Alessia pega o rosto dele.

— Ei. De onde veio isso? — Maxim observa os olhos dela,

atentamente, e a visão do rosto preocupado e amado dele fica borrada


devido às lágrimas dela. — Alessia, o que houve?

Ela balança a cabeça, a pergunta pairando em sua mente.

Tantas mulheres.

— Me diga — implora ele, e ela não responde. — Ah, meu amor,

vamos dar um jeito nisso. Vai ficar tudo bem. Tenha fé. — Ele beija a

testa dela. — Eu te amo. — Ele a puxa para um abraço e a aperta.

O nó na garganta dela se dissolve aos poucos, e sua ansiedade

diminui até Alessia cair em um sono profundo.

A respiração de minha esposa se acalma, e sei que ela adormeceu. Não

quero perturbá-la, então não me mexo. Em vez disso, encaro o teto,

confuso. O que levou àquela crise emocional? Foi tudo ação da bebida?

Achei que ela estivesse feliz. Mas será que eu estava me iludindo? Tenho

estado tão focado nos meus problemas que não pensei em como Alessia

estava se adaptando à nova vida em Londres. Ela tem sido presente e

atenciosa, me consolando enquanto lido com minha mãe e a misteriosa

questão genética de Kit. Mas ainda estou relutante em lhe contar a

verdade, porque vai deixá-la mais ansiosa.

E ela pode reconsiderar nossa relação.

Cara. Não pense nisso.

Ficar confinada no apartamento pode estar afetando Alessia. O lugar

está impecável, percebi isso, mas ela precisa de mais. Ela precisa de

amigos. Ela está aqui sozinha, isolada, e só tem a mim.

Merda. Cara.

Amanhã vamos começar a fazer suas candidaturas para os

conservatórios de música de Londres e encontrar uma escola de

etiqueta. Ela vai ficar menos isolada e ter mais coisa para fazer. Se é isso

que a está incomodando, então essas iniciativas vão ajudá-la.

É você, cara. Você a está incomodando.

As porras das suas trepadas.


Suspiro. Caroline ter aberto o bico não ajudou. Entendo por que

Alessia tem suas ressalvas quanto a Caro. Ao revelar nosso passado, ela

plantou a dúvida na mente de Alessia sobre minha fidelidade, e depois

nos encontramos com Leticia, o que só piorou as coisas. Esfrego o rosto,

tentando esquecer aquele momento constrangedor. Alessia vem se

deparando com minhas antigas aventuras sexuais desde que me

conheceu.

Suspiro e um pensamento me ocorre. Talvez ela esteja com

dificuldades devido às diferenças culturais. Um aspecto que observei na

vida em Kukës foi a segregação casual entre homens e mulheres.

Talvez seja isso. Ela não entende que aqui as pessoas podem transar e

ser amigas.

Por que tantas amantes?

É uma boa pergunta, e acho que essa é a resposta. Aqui, sexo é uma

atividade recreativa para muitos, inclusive para mim. Ainda é, porém

fica muito mais satisfatória com minha esposa.

Por que isso?

Amor?

É. Amor.

Evitar intimidade era um estilo de vida para mim, e nunca foi uma

questão até eu conhecer Alessia e me apaixonar.

Pronto. É isso. E ela não entende. Dou um sorriso. Aliviado. Acho

que decifrei o que há por trás de sua ansiedade.

Com delicadeza, me desenrosco da minha garota, me levanto e me

dispo.

Antes de ir até o banheiro, retiro as duas fotografias da parede e as

guardo no closet.

Uma pena. Eu gosto dessas fotos.

São alguns dos meus melhores trabalhos.

E é verdade, eu conheci as duas no sentido bíblico. Ou devo dizer no

sentido recreativo?

Quando saio do banheiro, me sinto muito mais calmo. Com cuidado,

abro a calça jeans de Alessia e a retiro. Cubro minha esposa com o


edredom, subo na cama e me aninho a seu corpo adormecido.

— No que você está pensando, baby? — Beijo a cabeça dela, e ela

murmura o meu nome.

Em mim?

Esse pensamento me satisfaz muito mais do que deveria.

Talvez ela esteja se sentindo sobrecarregada aqui. Uma nova vida com

um ex-pegador, um libertino.

Talvez seja essa a questão.

Ela precisa entender que tudo isso ficou no passado.

É. É isso.

Fecho os olhos e, com o cheiro de Alessia invadindo meus sentidos,

adormeço para sonhar com o meu amor.


Capítulo Dezesseis

O cheiro de café fresco me acorda do meu sonho encantador.

Alessia.

Uniforme de limpeza de náilon azul.

Calça de pijama do Bob Esponja.

Calcinha rosa.

Abro os olhos e a encontro parada ao lado da cama, vestida em seda

creme, linda como sempre, a não ser pelo sorriso inseguro.

— Bom dia — diz ela ao apoiar uma xícara de café na mesa de

cabeceira.

— Bom dia, meu amor. Obrigado pelo café.

— Já passou das nove e meia.

— Nossa, dormi demais. — Esfrego o rosto e me sento enquanto ela

se acomoda na cama do meu lado. — Como você está se sentindo?

— Bem. Estava com dor de cabeça.

— Melhorou?

Ela aquiesce.

— Me desculpe. Eu não queria ficar tão bêbada. Espero que não

tenha envergonhado você.

— Querida, não precisa se desculpar. Você não me envergonhou de

forma alguma. — Estou chocado que ela sinta que precisa se desculpar.

— Meus amigos adoraram você. Como não adorar?

— Foi legal conhecer todo mundo.

— Espero que você tenha gostado deles. Preciso confessar que eu

bem costumava ser assim na maioria das noites, sempre bêbado em

algum bar. Conhecer você deve ter salvado meu fígado.

O olhar dela abranda.


— Gostei de seus amigos. Eles são divertidos. E gostei do gim.

Talvez bem demais.

Ela se concentra nas próprias mãos, no colo.

— Gostou? Que bom. Talvez amigos e gim com moderação da

próxima vez. — Passo os dedos embaixo de seu queixo, virando o rosto

dela para o meu. — Você falou algumas coisas ontem à noite. Eu ando

tão absorto nos meus problemas que não tenho perguntado se está tudo

bem com você ou se tem alguma coisa que eu possa fazer para tornar

essa nova vida mais fácil.

— Só voltamos da lua de mel há alguns dias.

— Eu sei. Mas mesmo assim…

Ela engole em seco e enrijece o corpo, como se estivesse reunindo

forças, e não sei o que vai dizer. Do nada, fico tão apreensivo que sinto

um embrulho no estômago.

— Maxim, quero tentar encontrar uma das garotas que foi traficada

comigo.

Meu alívio é instantâneo.

— Ah. Tudo bem — respondo com cautela. — Mas como você vai

fazer isso? Ela pode estar em qualquer lugar.

— Eu falei com a Ticia Cavanagh.

Merda. Minha apreensão volta com força total.

— E aí?

Ela sorri, e acho que está me lendo como o livro aberto que eu sou.

— Não falamos de você. Embora talvez devêssemos… hum,

comparar impressões?

Ela está me provocando!

— Alessia! — Não sei se digo para deixar essa porra para lá ou fico

feliz pelo bom humor dela.

— Ela me deu o número de um detetive particular — explica Alessia

com pressa —, que talvez possa ajudar. Preciso encontrar Bleriana.

Volto a olhar para ela sem expressar meus sentimentos, enquanto

minha ansiedade volta.

Isso parece ser uma tarefa impossível.


— Ela só tem dezessete anos — continua Alessia, a voz baixa.

— Ah, meu Deus. Isso é horrível. — Fecho os olhos, sem querer

imaginar o horror que Alessia e a jovem amiga sofreram. — Ela também

fugiu?

— Acho que sim. Eu corri para me salvar. Não tive tempo de

checar… — As palavras saem com uma pitada de culpa.

Não!

Eu a puxo para meu colo e a abraço.

— Eu não quis dizer… Meu Deus, Alessia. Fico muito feliz que você

tenha escapado. Só Deus sabe o que teria acontecido… — Cenários

terríveis passam pela minha cabeça. — Olhe, não acho que seja uma boa

ideia você se envolver com aquele mundo abominável de novo. Mesmo

de longe. Nunca vou me perdoar se alguma coisa acontecer com você

por causa dessa sua busca.

Ela fica tensa.

— Não vou perder você de novo. — Eu a seguro mais forte e enterro

o nariz no seu cabelo. — Por favor.

— Mas…

— Não. Alessia. — Inspiro seu cheiro. — A resposta é não. É um

risco muito grande. Vou falar com o Tom. A empresa dele também faz

trabalho de investigação. Não tenho certeza se eles localizam pessoas

desaparecidas, mas talvez ele possa ajudar.

Ela se afasta. Seus olhos muito escuros se iluminam, e não sei se ela

vai me enfrentar nessa.

— Obrigada — diz Alessia e coloca os braços em volta de meu

pescoço. — Se o Tom puder encontrar a Bleriana… — Sua respiração

está quente de novo junto a minha pele, mas sua voz trava. — Eu… Eu

tive sorte. E me sinto culpada. Eu consegui escapar.

Meu sangue gela nas veias.

— Ah, meu Deus. Não. Nunca se sinta assim. De jeito nenhum,

Alessia.

Se aqueles bandidos a tivessem pegado… Fecho os olhos mais uma

vez, imaginando o inferno. E Alessia no meio de tudo.


— Nunca se sinta assim, minha querida. Nunca. Não estou pedindo.

Estou mandando. Aqueles homens eram monstros.

Aninho a cabeça dela em minhas mãos e ela se vira para mim.

— Tudo bem — sussurra, e depois de um segundo seus dedos se

enrolam no meu cabelo e ela leva meus lábios aos seus.

* * *

— Meu café está frio. — Passo o nariz por Alessia, deitado do lado

dela, exausto.

Ela dá uma risadinha.

— Posso fazer mais para você. E alguma coisa para comer.

— Não. Não vá. Eu faço. Para você também. — Beijo o rosto dela.

— Não! — Os dedos dela se apertam no meu cabelo, as unhas

arranhando o couro cabeludo. — Não vá.

Ela pressiona seus seios fantásticos contra meu peito e enrola a perna

em volta de meu quadril.

Nossa… de novo!

* * *

Estou parado embaixo do chuveiro, afastando minha ressaca com a água

e me sentindo mais firme.

É o sexo.

Duas vezes em uma manhã… posso me acostumar com isso.

Alessia é voraz. Quem diria? Sorrio sob a água que cai em mim.

Ela parece muito mais feliz hoje, e volto a pensar em seu estado

emocional ontem à noite. Acho que ela está sofrendo por ficar

confinada, não ter amigos aqui e ainda sentir essa culpa por ter

escapado. Talvez as lembranças da minha vida antiga também não

colaborem.

Alessia e eu ainda estamos nos conhecendo. Mas, em geral, ela é

muito contida e tranquila, então sua crise foi uma surpresa.


Estou feliz que tenhamos conversado. Vou ligar para o Tom hoje e

botar em ação o que provavelmente será uma busca inútil, mas, pelo bem

de Alessia e de sua amiga, podemos tentar.

Desligo o chuveiro, saio meio cambaleante e examino meu queixo,

pronto para fazer a barba.

Não. Hoje não.

Deixo a barba assim — minha esposa gosta — e volto para o quarto

com uma toalha amarrada na cintura. A cama já está feita.

Você pode até tirar a garota da Albânia… Sorrio.

Estou feliz que ela esteja longe da Albânia.

Comigo.

Não tenho certeza do que pensar de sua missão, no entanto. É

inteligente? Imagino que não dê em nada. Como é possível encontrar

uma imigrante sem documentos e vítima de tráfico?

Podemos tentar de uma distância segura, mas de jeito nenhum vou

deixar alguém puxá-la de volta para aquele submundo abominável.

Preciso mantê-la segura.

* * *

Oliver está repassando os relatórios mensais de lucros e perdas de cada

uma das propriedades. Estamos surpreendentemente bem, e sei que foi

uma boa ideia seguir meu instinto e não mexer em nada até eu entender

direito como tudo funcionava.

— Então não estamos tendo lucros enormes em nenhuma das casas,

mas é suficiente — conclui Oliver.

— Estou pensando em uma maneira de reinvestir esse lucro em cada

uma das propriedades.

Oliver arqueia uma sobrancelha, surpreso pela minha rara

demonstração de espírito empreendedor, tanto que me deixa com

vontade de rir.

— Estou pensando em gim, Oliver. Gim Trevethick.

— Veja só, essa é uma ideia interessante.


— Vou conversar com Abigail Chenoweth, em Rosperran, sobre sua

plantação de batata. E Michael, na Mansão, sobre o celeiro do pasto

norte.

Oliver assente.

— Lá poderia ser um bom lugar para uma destilaria.

Alessia aperta o interfone da porta simples em uma ruazinha de Covent

Garden, que ostenta uma placa discreta: DPMP. Detetives Particulares

Maddox Peacock.

— Alô — responde uma voz ríspida e amorfa.

— Alô. Meu nome é Alessia Dem… Trevelyan. Tenho uma reunião

marcada. — Ela não teve coragem de contar a Maxim que já tinha

marcado uma reunião com o detetive particular.

Que mal isso podia fazer?

Duas firmas procurando Bleriana poderiam render melhores

resultados.

Ela sabe que está escondendo algo do marido e se sente culpada, mas

como Maxim uma vez lhe disse: é melhor pedir perdão que permissão.

Ela pediu permissão.

Ele disse que não.

Um não enfático.

O Zot. A porta se abre e Alessia entra em um corredor imundo e sobe

o lance de escadas. Em cima, há uma sala de espera com poltronas

acolchoadas e uma mesa de centro. A porta de um dos escritórios se

encontra aberta, e um homem alto e robusto de cabelo louro bem cheio a

cumprimenta.

— Alessia Trevelyan, sou Paul Maddox.

Seus olhos azuis brilhantes a avaliam de uma maneira fria enquanto a

mão enorme encobre a dela em um aperto firme.

Alessia engole em seco, tentando não se sentir intimidada.


— Por aqui, por favor.

Ele a conduz para dentro de uma sala pequena e bagunçada que seus

ombros largos parecem preencher e lhe indica uma cadeira na frente de

uma mesa de madeira com papéis empilhados.

Alessia se senta e espera ele fazer o mesmo.

— O que posso fazer por você, Sra. Trevelyan? — pergunta ele ao

focar na aliança de casamento de Alessia.

Ela percebe que ele a está avaliando. Está contente por estar usando

uma das calças novas de alfaiataria, blusa de seda creme, jaqueta preta e

mocassins Gucci.

— Estou procurando uma pessoa desaparecida e quero rastrear uma

família.

— Esses dois assuntos são interligados?

— Não. Estou tentando encontrar uma garota que foi traficada da

Albânia para a Inglaterra, e gostaria de rastrear a família de uma mulher

inglesa. O nome dela é Virginia Strickland.

Alessia retira da bolsa uma pequena foto em preto e branco de sua

avó quando era jovem. Ela usa pérolas e um suéter escuro com mangas

curtas, a cabeça inclinada para o lado, e seu sorriso ilumina o retrato.

Ela a entrega a Maddox.

— Entendi, Sra. Trevelyan. Dois casos. Vou fazer algumas anotações.

Depois da reunião com Oliver, ligo para Tom e lhe pergunto se é

possível encontrar alguém que foi traficada para nosso país.

— Bem, é um desafio — admite Tom depois de eu explicar a

situação, e quase posso ouvir as engrenagens rodando em seu cérebro.

— Quantas mulheres?

— Acho que eram seis, incluindo Alessia.

— Que coisa horrível.

— É. Alessia tentou ajudar as outras quando ela fugiu.


— Onde foi isso?

— Tudo o que eu sei é que era uma parada de estrada.

— Talvez possamos rastrear as garotas. Mas é uma tarefa difícil.

Preciso de mais informações. Posso fazer perguntas para a polícia.

Tenho um contato lá. Você conhece. Se lembra do Spaffer, da escola?

— Como eu podia esquecer?

Charlie Spafford era um valentão de dar medo. Não é de se espantar

que virou policial.

— Ele é um figurão na Polícia Metropolitana. Vou ligar para ele.

Acho que está na divisão de crimes organizados, pode saber alguma

coisa sobre os traficantes que você apanhou na Cornualha. Vou ver se

apareceu alguma pista que possa nos ajudar a encontrar as garotas.

— Parece um bom plano, mas não quero que sua investigação

envolva a Alessia.

Não precisamos do sargento Nancarrow na nossa cola.

— Entendi, meu velho. Eu não tinha ideia do quão traumática tinha

sido a experiência da Alessia.

— Ela precisa ficar fora dessa história toda. Ela estava aqui

ilegalmente.

— Certo. Mas eu quero conversar com ela. Se ela tiver alguma

lembrança de onde estava, podemos descobrir qual parada de estrada

era, e algumas das garotas ainda podem estar na região.

— Vou falar com ela.

— Positivo, entendido.

Reviro os olhos. Ele não consegue se desligar do Exército.

— Obrigado, Tom.

Encerro a chamada e checo o telefone pela milionésima vez à espera

de mensagens. Ainda não recebi nada de minha mãe.

Qual é o problema dela, porra?

E sei, bem no fundo, que é porque ela me despreza. Ela sempre

desprezou. Para ela, a prioridade sempre foi Kit. Kit isso. Kit aquilo.

Antigamente, eu não me importava, mas agora parte meu coração, e

fico pensando o que fiz quando era mais novo para merecer tanto
desdém.

Foda-se. Ela que vá para o inferno.

Contudo, há mensagens de Caroline.

Você foi ao Loulou’s sem mim!

Como você sabe?

Você é notícia no Daily Fail.

PQP!!!

É. Trocando as pernas.
O Conde Bêbado com a Esposa Misteriosa?

Merda.

Apenas ignore.

Ainda estão ligando para cá.


Blake está se esquivando deles.

Ótimo.

Estou com saudades de sair.


Quanto tempo eu preciso ficar em isolamento?

Você que decide.

Recebi um convite para a festa do Dimitri Egonov.


É sábado.
Você vai?

Eu sempre achei ele um pouco suspeito.


Pelo menos o pai dele é.
Você está pronta para encarar o mundo de novo?

Meu telefone toca. É Caro.

— O quê? — pergunto.

— Acho que estou pronta. Legal você se importar.

Merda. De uma maneira fraterna, Caro! Não quero que ela entenda

da maneira errada.
— Não tenho certeza se consigo suportar mais uma noite em casa —

continua ela. — E as festas do Dimitri são ótimas. Todo mundo vai estar

lá.

— Vou pensar.

— Na verdade — diz ela, entusiasmada—, essa pode ser a ocasião

perfeita para lançar Alessia.

— Ela não é um foguete!

Caroline ri.

— Escute, Maxim. Todo mundo vai estar lá. É perfeito. E ela vai

precisar de um vestido novo. Alguma coisa superglamourosa. Por favor,

me deixe fazer compras com ela!

— Caro, não quero jogar a Alessia no meio da alta sociedade assim.

— Ela vai ficar bem. Ou ela explode ou flutua, para combinar com

sua analogia de foguete.

— Foguetes não flutuam. Eles voam.

— Ela vai voar. Ela vai até as estrelas! Ela é adorável. Tenho que

admitir.

Isso ela é, realmente.

Não é uma má ideia. E Alessia precisa de amigos, é o lugar perfeito

para fazer conexões.

— Vou falar com ela.

— Você não pode escondê-la para sempre. Você não tem vergonha

dela, tem?

— Vá se foder, Caro. Óbvio que não.

— Vai ser divertido. E eu preciso de um pouco de diversão. E

comente com ela a ideia de ir às compras!

— Bem, eu acho que ela está se sentindo sozinha. Então vou pensar.

Preciso ir.
— Está tudo bem? — pergunta Alessia quando Maxim se inclina

daquela maneira tão casual contra o batente da porta da cozinha.

É um hábito dele que Alessia aprecia. Ele gosta de ficar recostado lá

observando-a, e assim ela pode admirá-lo: o cabelo está desgrenhado, a

barba, por fazer. É uma imagem bem-vinda. Maxim acabou de voltar do

trabalho, e seu rosto está tenso, a mandíbula contraída.

— Está tudo bem. Só mais um dia no escritório — responde.

Ele sorri, e Alessia o abraça e inclina o rosto para um beijo.

Maxim atende ao pedido com vontade, a boca firme e exigente contra

a dela.

— Assim está melhor — sussurra ele.

Ela dá um sorriso.

— O jantar está no forno.

— Como foi seu dia?

— Começou muito bem. Muito bem mesmo.

— Ora, Lady Trevethick, do que você está falando?

Alessia sente o rosto queimar e pisca.

— Acho que você sabe do que estou falando — responde.

— Eu sei.

Maxim a beija de novo. Por mais tempo dessa vez, e os dois ficam

sem ar quando ele se afasta. Ele roça o nariz no dela.

— Sério. Como foi o seu dia? — insiste ele.

Conte a ele.

Alessia está em dúvida se deve contar a Maxim sobre Paul Maddox

porque o marido está remoendo alguma coisa, e ela não tem certeza de

como ele vai reagir se descobrir que ela não fez o que ele queria. Assim,

ela o distrai com uma pergunta.

— Foi bom. Você teve alguma notícia de sua mãe?

A expressão dele se fecha na hora, e Alessia sabe que é isso que o

está incomodando.

— Não — diz ele. E dá um suspiro. — Mas falei com Tom. Ele quer

conversar com você. Sobre sua amiga.

— Bleriana?
— Isso. Ligue para ele depois do jantar.

— Posso ligar para ele agora.

— Vou mandar o número dele para você.

Pouco depois das nove da noite, Alessia e eu estamos sentados à mesa,

observando o computador. Eu me sinto como se estivesse fazendo

vestibular de novo, mas é uma distração bem-vinda. Inscrevemos Alessia

em um curso de etiqueta social intensivo de uma semana na escola

recomendada por Caroline.

— Caroline também fez esse curso?

Alessia não conseguia acreditar.

— Fez. Kit insistiu. — Dou de ombros, ainda chocado com isso.

Também preenchemos quatro candidaturas para conservatórios de

música em Londres. O preferido dela é o Royal College of Music porque

dá para ir a pé.

— Não sei se meu inglês vai ser suficiente — comenta Alessia.

— Você vai se sair bem. E tomara que possa começar no verão,

depois da Páscoa. Você disse que sua mãe ia mandar seus diplomas.

Ela dá uma risadinha.

— É. Meu Matura Shtetërore. Eu devia ter trazido. Não sabia que ia

precisar.

— Você teve nota máxima em inglês, isso vai ajudar. — Solto o ar,

uma sensação otimista de realização crescendo no peito. — Agora que

terminamos isso, o que você quer fazer?

— Está tarde.

— Não está tão tarde. Eu sei o que quero fazer.


Ele sorri, de uma maneira juvenil e descontraída, e pega a mão dela ao

se levantarem da mesa. Ele vai em direção à mesa de centro na frente do

sofá e pega um dos controles remotos. É a primeira vez desde a lua de

mel que ele parece realmente de bom humor.

— Sente-se — diz Maxim, e Alessia se acomoda no sofá ao lado

dele.

Vamos ver TV?

Alessia está surpresa. Eles nunca viram televisão juntos, nem mesmo

em Kukës. A enorme tela plana ganha vida com um zumbido eletrônico

de estática, mas em vez de um programa de TV, há uma estranha logo

branca em um fundo preto.

— Aqui. — Maxim lhe entrega um controle de videogame.

Ela franze a testa para ele.

— Call of Duty? — sugere ele.

Ela dá um sorriso malicioso.

— Isso quer dizer cumprir com o dever, certo? Achei que a gente

sempre cumprisse com o nosso dever.

Maxim ri.

— Dever? — brinca ele, fingindo pavor, depois se lança sobre

Alessia, e ela de repente se vê deitada no sofá, o peso dele pressionando-

a contra as almofadas macias. Ele sorri. — Dever, Lady Trevethick?

Ela dá risadinhas.

— Bem, dever e prazer.

Ele dá um beijo rápido nela e se senta.

— Seu inglês está melhorando bastante. Mas não é isso. Quero jogar

um jogo que eu sei que consigo ganhar. É disso que o meu ego está

precisando.

Alessia ri e se endireita ao lado dele.

— Como você sabe que pode ganhar de mim?

— Não vi um PS4 em Kukës. E você está segurando o controle de

cabeça para baixo. Aqui, vou ensinar a você.

Jogo! Ele joga videogames! Esse é um lado de Maxim que ela ainda

não tinha visto.


— Tudo bem? — pergunta ele, os olhos verdes brilhantes, mas menos

seguros.

— Ótimo! — declara Alessia, animada, já que nunca jogou

videogame antes.

— Certo. Vamos começar!

Maxim não está para brincadeira.

— Então, como está indo seu dever até agora? — sussurro contra a pele

macia da coxa interna dela.

— Maxim. Por favor. — Ela agarra meu cabelo, tentando fazer com

que eu me mexa entre suas coxas.

Agarro suas mãos e as seguro com força ao lado do corpo dela.

— Ah, não — digo.

Sopro com delicadeza seu clitóris e, em seguida, vou com a língua,

provocando a pequena protuberância inchada. Ela geme, falando meu

nome de modo distorcido, e o som é gratificante. Endurece meu pau. É

um prazer tão inebriante excitar e provocar minha esposa fogosa… Paro

porque acho que ela está quase lá e traço um caminho de beijos

molhados, passando pelos lábios depilados e subindo pela barriga

quente e macia.

— Por favor. Maxim. — É um gemido desesperado.

Belisco o osso de seu quadril, beijo o buraco doce de seu umbigo e

depois roço os lábios ao subir por seu corpo, para as curvas dos seios,

onde os mamilos estão duros e prontos, implorando por mim.

— Ah, Alessia — sussurro em êxtase enquanto tomo um de cada vez,

sugando e os provocando até que eles estejam muito volumosos e ela

esteja se contorcendo embaixo de mim, os quadris se mexendo de

maneira afoita.

Eu me ergo acima dela, e seus olhos deslumbrados encontram os

meus, cheios de desejo e amor. Solto uma das mãos de Alessia e,


devagar, enfio dois dedos dentro dela.

Ah! Ela está tão molhada e pronta para mim…

— Baby — murmuro enquanto ela inclina a pélvis ávida para

encontrar meus dedos.

Ela está muito perto de gozar. Libero meus dedos e logo viro o corpo

dela de bruços. Segurando seus quadris, em um movimento rápido, eu a

puxo para vir de encontro ao meu pau tenso.

— Ah! — Ela geme e toma impulso para trás, vindo em minha

direção, desejando e tomando tudo de mim.

Ah, minha garota com tesão.

Cumprindo com seu dever.

Eu me perco várias vezes na minha esposa, e o tempo e o espaço

ficam suspensos. Somos apenas nós. Agora. Neste momento de amor.

Ela solta mais um gemido embaralhado e enrijece o corpo embaixo de

mim quando chega ao clímax. Seu corpo pulsa em volta de mim

enquanto ela aproveita seu orgasmo. Eu não paro. Quero tudo. Continuo.

Entrando e saindo dela. Puxando as costas dela contra mim. Fazendo

força e mais força, até não conseguir mais me conter.

Gozo. Alto. Gritando o nome dela e caindo em cima de Alessia.

Envolvendo-a com meu corpo.

Segurando-a firme à medida que nós dois voltamos ao presente.

Dever cumprido.

Estou escorregadio e grudento do nosso suor combinado. Isso.

Também estou exausto.

Porra, isso foi bom.

Beijo seu rosto, ela ainda está ofegante embaixo de mim.

— Uau… — sussurro em seu ouvido.

Ela abre um sorriso cansado.

— Nossa. Uau.

— Dever cumprido, baby.

Deslizo para fora dela, aproveitando completamente o movimento.

Suas costas. Sua bunda. Seu sexo.

Nossa.
Uau.

Alessia solta uma expiração, e seu sorriso parece sonolento.

— Você também cumpriu seu dever.

Esfrego meu nariz na orelha dela.

— Fico feliz de ouvir isso. E ainda ganhei de você no Call of Duty.

Acho que hoje foi um dia bom.

— Amanhã eu vou treinar. Daí vamos ver.

Dou uma risada.

— Meu Deus, eu te amo.

E, à luz do pequeno dragão, ela fecha os olhos com um sorriso bem

satisfeito no rosto, e aquilo me faz sentir que tenho algum valor, afinal.
Capítulo Dezessete

Os dedos de Alessia repousam nas teclas, as notas finais da fuga de Bach

ecoando por toda a sala, os azuis vibrantes se dissipando à medida que o

som diminui. Se, e é um grande se, ela conseguir uma entrevista para

uma das escolas de música de Londres, vai precisar fazer um teste. Ela

tem tocado todo o seu repertório nos dois últimos dias e tentado decidir

qual a melhor opção. Maxim acha que Alessia iria arrasar se tocasse o

terceiro movimento da “Sonata ao Luar”. Ela sorri, relembrando como

ele parecia sincero e entusiasmado quando deu essa sugestão.

Alessia quer arrasar.

Totalmente.

Estudar em Londres é uma ideia que ela nunca contemplou antes.

Está animada, e seus pais, encantados. Ela não quer fracassar — quer

ser motivo de orgulho para Maxim. Na semana que vem, Alessia vai

começar as aulas de etiqueta que Caroline recomendou. Ela achava

estranho o fato de Caroline, uma mulher tão refinada e segura de si, ter

precisado frequentar esse tipo de curso. Sempre imaginou que a

elegância de Caroline fosse natural. Alessia quer aprender a se

comportar da mesma maneira para poder transitar à vontade pelos

círculos frequentados por Maxim.

Seu sorriso se desfaz.

Ela gostaria de saber como ajudar o marido. Maxim ainda está

distraído e frustrado porque a mãe não tem retornado suas ligações. Ele

lhe garantiu que não há motivos para se preocupar, mas ela não

consegue evitar. Alessia o ama e quer ajudá-lo. Para ela, a relação dele

com a mãe é incompreensível. Ela tem certeza de que Maxim ama a


mãe, mas será que gosta dela? Alessia acha que não. E seu instinto diz

que a mãe sente a mesma antipatia por Maxim.

Por quê?

Talvez Rowena fale com Maxim hoje e acabe com sua infelicidade.

Alessia verifica o telefone para ver se o marido enviou alguma

mensagem. Não há nada dele, mas um e-mail de Paul Maddox acabou

de chegar em sua caixa de entrada. Seu couro cabeludo se arrepia, e ela

sente um embrulho no estômago.

Maddox tem informações sobre a família da avó.

Já?

Ela liga para o detetive, seus dedos trêmulos.

— Maxim. Max!

— Desculpe. O quê? — Ergo o olhar da mesa e vejo Oliver de pé à

porta.

— Posso entrar?

— Óbvio.

Merda. Cara. Presta atenção.

— Eu trouxe alguns folhetos de equipamento de destilaria, conforme

você pediu. Tenho meu favorito, veja o que acha. Existem muitas regras

e regulamentos a cumprir, mas nada incontornável. A segunda pergunta

que quero fazer é sobre a propriedade de Cheyne Walk. Você quer

redecorar a casa antes de se mudar?

— Parece que foi recém-decorada.

— E foi mesmo. Está pronta para os próximos inquilinos.

— Alessia gostou da casa, mas acho que com o tempo ela vai preferir

algo menos… bege.

Oliver ri.

— Verdade. Você já sabe quando vai se mudar?

— Ainda não. Em breve, imagino.


— Quando você quiser, Maxim.

— Vou falar com Alessia. Eu devia trazê-la aqui para conhecer todos

vocês.

— Devia mesmo. — Ele assente. — Vamos ter um imenso prazer de

conhecer a nova Lady Trevethick. Aliás, a imprensa continua

telefonando.

— Eles vão se cansar.

— Eles estão firmes e fortes todo santo dia.

Dou de ombros.

— Quero manter Alessia fora dos holofotes. Tenho certeza de que ela

não vai se sentir confortável se a imprensa ficar fuçando muito.

— Humm, talvez. Ou você podia mostrar logo sua esposa para o

mundo, e aí a imprensa talvez deixe vocês em paz.

— Talvez — murmuro, sabendo que Caro tem a mesma opinião.

— Maxim, você está bem? — pergunta ele, ao deixar os folhetos na

minha mesa.

— Estou, sim. Obrigado, Oliver.

Ele aquiesce, mas franze a testa em sinal de preocupação quando sai.

Dou uma espiada no celular. Nada ainda da minha mãe. Como ela

pode ser tão insensível?

Mando mais uma mensagem, mudando para o modo superbajulador.

Mamãe, por favor.


Me ligue.
Estou suplicando.

Minha consulta com o responsável pelo aconselhamento genético de

Kit é só daqui a uma semana, e preciso saber: Sou uma bomba-relógio

ambulante ou não?
— Foi fácil localizar o único parente vivo de Virginia Strickland. Ela

tem um irmão. Vou enviar um e-mail para a senhora com tudo o que

descobrimos — diz Paul Maddox.

— Obrigada — responde Alessia, sentindo-se zonza. Ela não

esperava ter novidades tão rápido. — O senhor tem alguma informação

sobre Bleriana?

— Não, Sra. Trevelyan. Ainda não. Encontrar sua amiga é bem mais

complicado. Mas, como os homens que a traficaram estão presos e existe

uma investigação criminal em curso, temos esperança de talvez

conseguir uma pista com nossos contatos na polícia.

Alessia lembra que Tom também mencionou ter um contato na

polícia. Ela estremece.

Dante e Ylli.

Ainda presos.

Graças a Deus.

Ela suspira.

— Está certo.

— Vou dar como encerrado o caso de Virginia Strickland. Quanto à

sua amiga, vamos continuar procurando. Vou lhe mandar uma fatura

detalhada, mas, com o adiantamento que a senhora nos deu, temos

fundos suficientes para mais uma semana ou duas, dependendo de como

avancem as investigações.

— Obrigada.

— Eu entro em contato assim que tiver novidades.

Ele desliga e Alessia checa o e-mail. Dito e feito: lá está uma

mensagem de Maddox com um PDF anexado. Ela clica para abrir o

documento e o lê. Há informações sobre os pais de Nana e, mais

importante, sobre o irmão mais velho de sua avó.


TOBIAS ANDREW STRICKLAND

Data de 4 de setembro de 1952

Nascimento:

Idade: 66 anos

Endereço: Residência Furze, Parque de Kew, Kew, Surrey,

TW9 3ZJ

Estado Civil: Solteiro

Trabalho: Professor de Música Emérito Worcester

College. Oxford.

Alessia tem um tio-avô que foi professor de música! O talento

musical deve ser um traço de família. Virginia ensinou piano a Shpresa,

e ambas ensinaram a ela. Alessia logo checa o Google Maps e descobre

que Kew fica a apenas alguns quilômetros de Chelsea. Enquanto analisa

o mapa, um frisson percorre suas costas.

Kew fica logo depois do rio em relação a Brentford.

Onde ela morou por alguns meses.

Ele estava tão próximo!

Alessia fica perplexa.

Ela passou muito tempo preocupada pensando onde iria morar,

enquanto ele estava logo ali, do outro lado do rio.

Ela devia ir visitá-lo e se apresentar. Contar sobre a sobrinha na

Albânia. A mãe de Alessia vai ficar radiante, sem dúvida. Ela pega o

celular.

Será que devo contar a Maxim?

Talvez seja melhor ela conhecer Tobias primeiro.

Alessia pula para o piano, senta-se no banco e inicia seu prelúdio

favorito para celebrar.


Caroline me manda uma mensagem quando estou no táxi a caminho de

casa.

Vou levar a Alessia para fazer compras amanhã.


Nada de desculpas.
Avise a ela.

Ela pode não querer fazer compras!

Maxim, ela é mulher.


Ela vai querer.
E não estou dando opção.
Vocês vão à festa do Dimitri.

Merda. Caro não vai desistir disso. Porém, por outro lado, Alessia

precisa sair mais e conhecer mais gente. E, para ser sincero, depois da

semana passada, eu também preciso. Seria uma boa distração encontrar

todo mundo. Tom e Joe vão estar lá, com certeza. Oliver sugeriu que eu

apresentasse Alessia para o mundo. Seria uma ótima oportunidade de

fazer isso.

Tudo bem!
Nós vamos.

Maravilha!
Passo aí de manhã.
Fale com a Alessia.

Caro é mandona demais, e não sei se Alessia vai estar a fim. Depois

do comportamento de Caroline antes do casamento em Kukës, eu diria

que tem cinquenta por cento de chances de Alessia não querer ir. Mas

Caro pode ser implacável, então talvez ela consiga convencê-la. Preciso

avisar a minha esposa.

Meu celular vibra de novo, com um número que não reconheço.

— Trevethick — atendo.

— Lorde Trevethick. Meu nome é Donovan Green. Trabalho no

Weekend News.

— Como você conseguiu o meu número?


— Lorde Trevethick, é verdade que o senhor se casou com sua

faxineira, Alessia Demachi?

Sua pergunta me deixa sem ar, sinto como se ele tivesse me dado um

soco no estômago. Desligo sem fazer qualquer comentário. Como esse

jornalista desgraçado e repugnante conseguiu meu número, porra? E

como ele descobriu o nome de Alessia?

O telefone toca de novo, mas bloqueio o número.

Puta que pariu.

O que devo fazer agora? É melhor eu avisar aos pais de Alessia que

algum jornalista pode aparecer na porta deles em busca de uma história.

Sei que Shpresa vai ficar calada, mas meu sogro, que, tenho que admitir,

gosta de um pouco de drama e atenção, pode não ficar tão reticente.

Talvez eu deva oferecer alguma coisa para esses abutres.

Amanhã à noite, Alessia e eu vamos à festa anual de primavera de

Dimitri Egonov. Todo mundo que é importante e poderoso — ou nem

tanto — estará lá. Logo, não haverá mais dúvidas. O mundo vai saber

que estamos casados, e o jornalista desgraçado e repugnante do Weekend

News pode ir se foder.

O táxi para em frente ao meu prédio, e é um alívio que não haja

jornalistas nem paparazzi a postos. Pago ao motorista e corro para

dentro, ansioso para ver minha esposa.

* * *

Alessia se desenrosca de mim quando ambos retornamos à terra. Roço

o nariz embaixo de sua orelha, naquele ponto onde sinto sua pulsação, e

me viro de lado, trazendo-a entre meus braços.

— Você é meu mundo — murmuro, mantendo-a bem perto de mim.

É sábado de manhã, e gostaria de passar o dia inteiro me perdendo

em minha esposa.

Ouvimos o interfone tocando.

— Que porra é essa? — resmungo.

Será que é a imprensa?


— Podemos ignorar? — sussurra Alessia junto a meu pescoço, sua

respiração fazendo cócegas em meus pelos finos.

O interfone toca de novo, e dessa vez uma voz confusa ecoa pelo

corredor.

— Caralho. — Eu me sento.

Que diabos é isso?

— Acha que é aquele jornalista? — Alessia arregala os olhos,

alarmada.

— Acho que não.

O barulho soa de novo, o que me faz pular da cama e vagar nu até o

hall para atender ao interfone.

— Alô — resmungo no microfone.

— Oi. Sou eu.

— Caro. O que aconteceu?

Merda! Na noite passada me esqueci de contar a Alessia que Caroline

queria levá-la para fazer compras. Acabei me distraindo por causa do

jornalista.

— Estou aqui para buscar a Alessia. Eu falei para você. Me deixe

entrar.

Merda. Aperto o botão de abrir e ando em silêncio até o quarto, onde

Alessia está de pé, enrolada na colcha.

— Caroline está subindo — murmuro, enquanto procuro minha calça

jeans. — Ela quer levar você para fazer compras. Quer ir?

— Comprar o quê?

— Roupas.

— Eu tenho roupas.

— Para a festa de hoje.

— Que festa?

Cacete. Esqueci disso também!

— Nós vamos a uma festa. De um conhecido. Quer dizer, se você

quiser.

— Tudo bem — diz ela, mas os olhos estão arregalados,

demonstrando dúvida.
— Deve ser divertido. Vá tomar um banho. Eu faço sala para

Caroline. — Fecho a braguilha da calça.

A campainha toca, e Alessia me lança um olhar hesitante e

inescrutável antes de entrar apressada no banheiro. Carregando uma

camiseta, caminho devagar para abrir a porta.

— Bom dia, Maxim — diz Caro, animada, oferecendo a bochecha

para um beijo rápido.

Eu a cumprimento, depois visto a camiseta para que ela não fique

olhando meu tórax.

— Você ainda está se vestindo? Será que interrompi uma trepada?

— Vá à merda, Caro.

— Sim. Eu adoraria tomar um café. Vou fazer. — Ela segue

descontraída até a cozinha, me deixando descalço no corredor.

Eu a sigo.

— Onde está Alessia? — pergunta.

— No banho. Café puro. Sem açúcar, por favor.

— Eu sei como você gosta do seu café — replica ela.

Alessia toma banho em tempo recorde. Ela não confia em Caroline e não

quer deixar a concunhada sozinha com Maxim, que, afinal, é ex-amante

dela. Aquela mulher ainda o ama, ou pelo menos é o que Alessia acha.

Enrolada em uma toalha, Alessia dispara para o quarto de hóspedes

— onde guarda suas roupas — para se enxugar e se vestir.

Maxim e Caroline estão na cozinha. Alessia o escuta rir de algo que a

outra diz. E isso a instiga a ser ainda mais rápida. Três minutos depois,

ela está pronta, vestindo uma calça preta e uma camiseta branca de

manga comprida, com mocassins Gucci.

— Bom dia, Alessia — diz Caroline, animada, quando Alessia entra

na cozinha. — Você está bonita.


— Obrigada — responde Alessia, surpresa com o elogio. — Você

também.

Caroline usa calça jeans escura, botas de cano longo e um casaco de

tweed acinturado. Ela abraça Alessia por um instante e lhe dá um

beijinho na bochecha.

— Desculpe interromper a trepada da manhã — comenta Caroline,

piscando um olho.

Alessia cora e volta sua atenção para Maxim. Ele lhe entrega um

café.

— Aqui. Ignore a Caroline.

Alessia sorri e aceita o café.

Por que essa mulher é tão atrevida? Será que todas as inglesas são

assim?

Ou isso é esquisito porque Caroline conhece Maxim intimamente, e

os dois já tiveram suas “trepadas”?

— Quer ir fazer compras? — pergunta Caroline, nada abalada pelo

que acabou de dizer. — Podemos achar alguma coisa maravilhosa para

você usar na festa. E para mim também!

— Claro — responde Alessia.

— Ótimo. — Caroline abre um sorriso.

Caroline intimida Alessia. Em todos os sentidos. Mas esta Caroline

alegre e amigável é algo novo.

Alessia bebe o café num gole só.

— Vou pegar minhas coisas.

Ela se dirige ao quarto de hóspedes para pegar o casaco e a bolsa.

— Quarto de hóspedes? Não me diga que vocês já estão dormindo em

camas separadas! — zomba Caroline. — Porque com certeza não é o

que parece, já que você me recebeu seminu.

Solto um suspiro exagerado, irritado com a provocação.


— Não. Só temos guarda-roupas separados.

— Ah. Olhe, eu entendo. Ela é um pedaço de mau caminho, não é?

— Ela soa melancólica, e inclino a cabeça em sinal de aviso. — Ah,

relaxe, Maxim. Vocês são recém-casados. Devem estar transando sem

parar.

Passo a mão pelo cabelo.

— Isso não é da sua conta, porra. Aonde você vai levar a Alessia?

— Knightsbridge ou Bond Street. Ainda não sei ao certo. Mas fiquei

pensando no que você falou.

— Ah, é?

— Sobre ela estar solitária. — Caroline olha para baixo, evitando

contato visual. — Sei como é. Tenho amigos, mas eram amigos do Kit

também, e é impressionante como o luto fez com que eles sumissem.

Seu rosto fica sério, e por um minuto ela parece devastada.

— Ah, Caro, sinto muito. — Sem pensar, me aproximo e a abraço.

Ela me dá um sorriso fraco e agradecido.

— Talvez eu possa virar amiga da sua esposa.

— Eu acharia ótimo. Espero que sim.

Alessia escuta a conversa dos dois do corredor. Ele de fato ama a esposa

do irmão. Suas palavras são doces e afetuosas.

Mas não da maneira como ama Alessia.

Você é meu mundo.

E ele quer que as duas sejam amigas.

Ela suspira. Vai tentar, por Maxim.

Alessia pendura a bolsa no ombro e entra na cozinha. Caroline e

Maxim se afastam. Não com um ar de culpa — não há nenhum motivo

para se sentirem culpados, Alessia consegue perceber isso, mas ainda

assim… Ela gostaria que Caroline mantivesse as mãos longe de seu

marido.
— Vamos? — pergunta.

— Lógico — exclama Caroline com um entusiasmo exagerado.

— Não cometam nenhuma loucura — avisa Maxim, e se inclina para

dar um beijo rápido e intenso em Alessia.

— É óbvio que vamos cometer alguma loucura. É uma festa do

Dimitri. — Caroline pisca um olho para Alessia de novo, pega sua mão,

e juntas saem porta afora.

Alessia com Caroline. Não tenho certeza de como me sinto a respeito

disso. Não quero que Caro incomode minha esposa de novo. Embora ela

parecesse arrependida de verdade depois da última vez, Caro é como um

elefante em uma loja de cristais, no que se refere aos sentimentos das

outras pessoas. Eu não tinha notado antes… antes de Alessia.

Merda.

Alessia sabe se cuidar.

Não sabe?

O sentimento de apreensão que se tornou familiar desde quando perdi

Alessia reverbera em meu peito, e de repente fico um pouco abalado,

sozinho no silêncio que ecoa no corredor. Esta é a primeira vez que

estou sozinho no apartamento desde o desaparecimento dela.

Merda. Cara.

Controle-se.

Pego o telefone e mando uma mensagem para Joe.

Luta?

Mano! A madame deixou você sair?

Cara!!!
Minha madame está fazendo compras com a Caro.

Prepare o bolso!
Vou pegar minha espada.
A gente se vê no clube.
Alessia fecha os olhos enquanto Jimmy, um dos jovens funcionários do

salão, passa condicionador em seu cabelo. Ela está chocada pela maior

parte da equipe do salão ser composta de homens, e é a primeira vez que

teve o cabelo lavado por um homem. Sorri com malícia. Na verdade,

Maxim foi o primeiro homem a lavar o seu cabelo. Mas ambos estavam

nus no chuveiro. Essa experiência é muito diferente, e o jovem de dedos

vigorosos faz uma boa massagem. A sensação é maravilhosa e, depois

de uma manhã agitada, é uma pausa bem-vinda das compras com a

concunhada animada.

Caroline foi mais do que amigável, tagarelando sem parar e

oferecendo sua opinião em relação a tudo. Ela incentivou Alessia a

comprar duas roupas, quer dizer, dois vestidos de festa, que eram

absurdamente caros.

Querida, você vai ter que se acostumar a gastar dinheiro. É uma

questão de qualidade, não quantidade. Essas peças são clássicas e vão

durar anos, e você ficou incrível nas duas.

Alessia adorou os vestidos e espera que Maxim também goste.

Querida, ele vai amar!

Alessia também comprou sapatos de salto alto para combinar e uma

pequena bolsa preta de festa Chanel.

São os acessórios perfeitos para as roupas.

Depois das compras, almoçaram em um bar e beberam champanhe

enquanto Caroline enchia Alessia de perguntas sobre a vida na Albânia.

Caroline ficou fascinada e continuou o interrogatório amigável no

salão, enquanto pintavam as unhas das mãos e dos pés com um esmalte

vermelho-vivo.

A verdade, no entanto, é que Alessia se sente indiferente… essa não é

a vida pela qual sempre ansiou: gastar quantias enormes de dinheiro

com roupas e estética. Mas seu apartamento está impecável, suas roupas

e as de Maxim estão limpas e passadas… e de vez em quando uma

mulher precisa se mimar um pouco, ou pelo menos é o que diz Caroline.


— Humm. — Ela sorri, quase cochilando enquanto Jimmy continua

com a massagem, e agradecida por ter alguns minutos de paz.

— Cara, está fácil demais te derrotar. Você parece enferrujado. Está

tudo bem? — pergunta Joe ao tirar a máscara de esgrima, depois de

obter o ponto da vitória.

Olho perplexo para ele através da rede da minha máscara. Minha mãe

sumiu. Meu irmão pode ter se matado por causa de um problema

genético que talvez eu tenha, e um picareta nojento está fuçando meu

casamento.

— Só várias merdas acontecendo ao mesmo tempo — murmuro,

ofegante, ao tirar a máscara. — Além do mais, você hoje está lutando

bem demais para o meu gosto.

— Prática. Só isso. Com você casado, e o Tom todo apaixonado pela

Henry, fiquei sozinho.

— Estou arrasado por você, mano.

Ele ri e dá um tapinha nas minhas costas.

— Você vai à festa do Dimitri hoje?

— Vou.

— Vamos beber alguma coisa rápido, e aí eu libero você.

— Tudo bem. Mas tem que ser rápido mesmo. Preciso pegar umas

joias no cofre.

— Para sua condessa?

— Óbvio.

Joe sorri.

— Precisa de ajuda para escolher?

— Cara!

— Só estou perguntando.
Alessia e Caroline estão no banco de trás do táxi, voltando para Chelsea

depois das compras em Knightsbridge. O telefone de Alessia vibra. É

uma mensagem de Maxim.

Qual é a cor do seu vestido?


Bj
M

Um é preto.
O outro é vermelho.
Por quê?

Espere e verá!
Bj
M

— Era o Maxim?

Alessia confirma.

Caroline sorri e comenta:

— Acho que ele vai ficar satisfeito com o resultado de nossa saída

hoje.

— Espero que sim.

— Foi divertido.

— Foi mesmo — concorda Alessia, surpresa.

— Pena que este é meu último grande evento por um tempo — diz

Caroline.

— Último grande evento?

— É. Começo a trabalhar em um projeto para o Maxim na semana

que vem.

— Ah, é? — Alessia dá uma espiada em Caroline, que parece alheia

à expressão de alarme visível no rosto de Alessia.

— Antigamente eu era designer de interiores, e uma das propriedades

Trevethick, em Mayfair, está sendo reformada. Maxim quer que eu

acrescente meu toque especial.

Toque especial. O que isso significa?

Caroline trabalhando para Maxim. Isso é uma novidade.


Será que eles trabalham muito próximos?

Alessia se lembra dos dois se abraçando hoje de manhã, e um

calafrio aperta seu coração.

— E você gosta de trabalhar? — pergunta ela, tentando manter o tom

de voz neutro.

— Sim e não. Depende do cliente. Com Maxim vai ser tranquilo, mas

alguns clientes podem ser verdadeiros pesadelos. — Caroline faz uma

careta, e Alessia não consegue evitar uma risada, porque é uma reação

bem inesperada. — Pois é. Já tive uns clientes horrorosos, exigentes,

completamente loucos. Mas sinto falta de comprar essa briga. E, bom,

preciso mesmo voltar à luta, agora que, agora que Kit…

Caroline consegue transparecer uma autoconfiança que Alessia

inveja, mas basta uma menção ao falecido marido e essa faceta

desmorona: ela se encurva e seu rosto ganha um ar triste. Alessia

estende o braço e aperta a mão de Caroline, que a observa com seus

olhos muito azuis, brilhando de lágrimas não derramadas, e retribui o

aperto de mão.

— Obrigada — sussurra ela.

A compaixão de Alessia reluz em seu sorriso afetuoso, e elas seguem

viagem caladas por alguns minutos.

Alessia olha pela janela do táxi, imaginando como seria ter um

trabalho de verdade.

— Eu gostaria de trabalhar, mas não posso porque não tenho visto —

admite, quase para si mesma.

— Ah, é? — Caroline está surpresa.

— É frustrante. Eu gostaria de… humm… contribuir.

— Entendo. — Caroline parece pensativa. — Tenho certeza de que

você contribui de outras maneiras.

Ela oferece um breve sorriso para Alessia, que fica imaginando se a

outra está falando de sexo, mas não parece haver nenhuma malícia em

sua expressão.

— É, talvez eu enlouqueça um pouco por ficar tanto tempo dentro do

apartamento.
— Ah, você vai ter muito o que fazer depois que as coisas

acalmarem. Existem duas propriedades para supervisionar. Aliás, o

Maxim me perguntou sobre a escola de etiqueta. Recomendei a mesma

que frequentei. Era exatamente o que eu estava precisando na época. É

uma boa ideia frequentar as aulas.

— Fiquei espantada por você ter precisado ir.

Caroline bufa.

— Kit queria que eu fosse. Não sou da aristocracia, querida. Ele era

muito exigente sobre como as coisas têm que ser feitas.

— Ah. — Alessia está surpresa.

— Ele era um pouco esnobe, para falar a verdade. Tudo tinha que ser

de determinado jeito. Maxim não é assim.

— Não. — E Alessia espera que ela complete com ele se casou com

você, como um exemplo de como ele não é esnobe.

Mas Caroline não acrescenta isso.

— Depois que as aulas acabarem, você vai ter confiança para assumir

sua posição, e aí devia ir conhecer as duas propriedades como a

condessa de Maxim.

— É por isso que quero frequentar as aulas, para ganhar confiança.

— Você vai se sair bem.

Surpresa com a sinceridade e a ternura de Caroline, Alessia sorri, e a

concunhada retribui.

Caroline inclina o rosto para o lado enquanto avalia Alessia.

— Seu cabelo está tão bonito com a escova, com essas ondas suaves,

Alessia. — Ela suspira. — Eu invejo seu cabelo grosso. Parece tão

saudável. Você devia ir duas vezes por semana e pedir para o Luis mudar

o estilo do penteado toda vez. Eles vão abordar cuidados com a

aparência nas aulas de etiqueta. É divertido. Unhas. Cabelo. Tudo. Você

vai arrasar hoje à noite, querida. Vai ser apresentada para a alta

sociedade, todos estão morrendo de vontade de conhecer você. Depois

do evento, a imprensa deve parar de te aborrecer.

Alessia fica desconcertada com a franqueza de Caroline e pela

concunhada ter admitido que a inveja. A verdade é que Alessia gostaria


de ter a elegância, a postura e a autoconfiança da outra. Ela é o único

exemplo que Alessia tem para seguir em relação a como se vestir ou se

comportar. O fato de que vai frequentar a mesma escola de etiqueta de

Caroline dá a Alessia esperanças de que aprenderá o que precisa.

— Eu sei muito pouco sobre a festa de hoje.

— Maxim não falou do Dimitri?

Alessia balança a cabeça.

— Quem é Dimitri?

— Ele é filho de um oligarca russo. Bem mulherengo. Gosta de dar

festas suntuosas. Gasta rios de dinheiro. Você vai ver. Kit o conhecia

bem, Maxim nem tanto. Dimitri gosta de se cercar de gente influente,

glamourosa e bonita.

Uau. É óbvio que Maxim seria convidado para uma festa como essa.

E Caroline também.

Alessia só espera não decepcionar o marido.

— Dimitri faz de tudo para entrar na alta sociedade. Todo mundo

percebe isso, e dizem que o pai dele era da KGB. Fofoca das boas. E ele

sabe como dar uma festa. Vai ser divertido. — Ela sorri, sem perceber

que os nervos de Alessia agora estão à flor da pele.

Para ela, a festa parece cem por cento intimidante.

— Você é mesmo muito bonita. — Caroline muda de assunto e faz

uma pausa por um minuto enquanto Alessia se atrapalha sobre o que

dizer diante de tal afirmação. — Ele fica diferente com você. Protetor.

Você sabe do que estou falando. — O tom de voz de Caroline se suaviza,

deixando evidente seu carinho por Maxim. — Ele está completamente

apaixonado. Deve ser bom.

É uma mudança radical de assunto.

— É, sim — concorda Alessia, de modo rápido e firme. Ela sabe que

está marcando seu território.

— É admirável o que você fez. A vida toda, ele evitou intimidade.

Você conseguiu o impossível.

Alessia se mexe no banco, desconfortável com o rumo da conversa.

— Obrigada — murmura ela, porque não sabe o que dizer.


Por dentro, porém, tem vontade de gritar aos quatro ventos. Ele é

meu. Não encosta.

— Quer fazer alguma outra coisa agora? — oferece Caroline.

— Preciso ir para casa. Mas gostei do nosso dia, obrigada. — Alessia

se surpreende com a sinceridade daquilo, apesar de todos os

comentários íntimos e todas as perguntas pessoais de Caroline.

Foi divertido sair de casa e passar algum tempo com a concunhada.

Talvez ela não seja uma rival.

Talvez.

— Tenho que preparar o jantar — acrescenta Alessia.

— O quê? Você cozinha? Para ele?

— Cozinho.

— Uau. — Caroline está perplexa. — Acho que não é surpresa. Eu vi

você cozinhando um banquete com sua mãe na Albânia. Foi legal.

Íntimo. Você se dá bem com ela.

— É verdade. Você se dá bem com sua mãe?

Caroline solta um riso de escárnio.

— Ela mora no sul da França. Não a vejo com muita frequência. —

Ela coloca o cabelo atrás da orelha, como se estivesse se distraindo de

um pensamento desagradável, e continua: — E a comida no seu

casamento estava deliciosa. Eu não sei cozinhar, por isso conto com a

ajuda da Sra. Blake. — Ela abaixa a voz, como se a tristeza tivesse

retornado, e Alessia se lembra de escutar sem querer a conversa dela

com Maxim.

Caroline também se sente só.

— Você pode jantar com a gente, se quiser. Vou preparar alguma

coisa leve.

Caroline ri.

— Eu adoraria, mas tenho que me aprontar para a noite. E você

também. E eu queria perguntar uma coisa: será que posso ir com você e

o Maxim para a festa? Não gostaria de chegar sozinha.

— Lógico — garante Alessia de forma automática, sabendo que

Maxim não vai se importar.


— Obrigada — diz Caroline, com entusiasmo. — Estou ansiosa por

essa festa. Não saio desde o seu casamento. E preciso de algo animado.

Na verdade, por que vocês dois não vêm tomar um drinque comigo antes

da festa?

— Claro. — Alessia sorri, mas está nervosa de novo.

Ela está empolgada com a festa, apesar do pavor. Vai que comete

algum deslize… ou diz alguma coisa errada… ou… ou… Ela engole o

pânico crescente e entrelaça os dedos.

Alessia, se acalme. Vai ser divertido.

O que pode dar errado?


Capítulo Dezoito

Sinto a boca ficar seca. A luz do lustre do corredor refletida no cabelo

escuro de Alessia a faz parecer uma estrela de cinema. Ela está usando

um vestido de seda macia, na altura do tornozelo, justo na cintura e

amarrado no pescoço, expondo os ombros bem torneados. A saia

esculpe seus quadris, afunila nos joelhos e depois cai em faixas de

vermelho-rubi até os pés. Seus olhos escuros estão delineados, os lábios

tão vermelhos quanto o vestido, e o cabelo a envolve, caindo em ondas

macias e suaves. Ela é uma deusa. Afrodite. E ela é minha.

Pigarreio.

— Você está deslumbrante. — Minha voz sai rouca.

Ela sorri, tímida e doce, tudo ao mesmo tempo, e meu pau reage.

Cacete.

— Você está delicioso — diz ela.

Dou uma risada.

— Só uns trapinhos… esse é meu terno da sorte.

— Você pode se dar bem hoje à noite — provoca Alessia.

Pego uma mecha de seu cabelo entre os dedos.

— Espero que sim, mas só com você. Seu cabelo está lindo.

— Fomos a um salão. Um homem lavou o meu cabelo e outro

homem fez uma escova.

Uma pontada momentânea do que só posso presumir que seja ciúme

me invade.

— É mesmo? — Eu a puxo para meus braços. — Não sei como me

sinto a respeito disso.

Alessia dá uma risadinha.

— Também não sei como me senti com isso.


Com ternura, seguro seu rosto com as mãos e pressiono a boca de

leve na sua.

— Eu não aprovo.

— O meu cabelo?

— Não. Os homens. Mas, seja quem for, a pessoa fez um ótimo

trabalho. Venha, quero mostrar uma coisa para você.

Eu havia deixado três caixas de veludo em cima da mesa de jantar.

Abro as tampas, revelando seus segredos cintilantes. Alessia inspira,

admirada.

— Tudo isso é parte de uma coleção considerável do espólio

Trevethick.

Alessia fica impressionada. Na mesa, acomodadas sobre o veludo, estão

algumas das joias mais extraordinárias que já viu.

Diamantes.

Diamantes brilhando na luz suave do lustre.

— Talvez esses — sussurra Maxim, e pega um par de brincos

chuveiro. — Vamos ver como ficam.

Ele delicadamente leva o cabelo de Alessia para trás das orelhas e

coloca um brinco, depois o outro.

— Você está linda. Não precisa de nada, mas esses brincos são

dignos de uma deusa. E, nesse vestido, você é exatamente isso. Gostou?

Diante do espelho de moldura dourada na parede, Alessia fita a

mulher irreconhecível que a encara de volta. Ela parece e se sente…

diferente. Confiante. Poderosa.

— Amei — sussurra ela, os olhos procurando os de Maxim pelo

reflexo do espelho e assimilando a beleza do marido.

Os olhos cor de esmeralda brilham e os lábios se abrem quando ele

inspira. Está usando um terno preto e camisa branca.

Parece viril. Elegante. Lindo.


E sorri de modo encantador.

— Ótimo. Deixe que eu ponha esses outros no cofre.

— Você tem um cofre?

— Nós temos um cofre. Está no meu armário.

* * *

De mãos dadas, Alessia e Maxim sobem a Cheyne Walk em direção à

Residência Trevelyan. Alessia tenta conter o nervosismo, lembrando-se

da recepção nada entusiasmada da Sra. Blake no último fim de semana.

Como será que ela vai me tratar hoje?

— Esta casa pertence à minha família há gerações. Na verdade, desde

que foi construída — diz Maxim, abrindo o portão de ferro que dá em

um curto caminho de pedra no meio de um jardim bem-cuidado.

Eles param na frente de uma impressionante construção antiga com

uma reluzente porta preta que se parece com a porta da casa de Cheyne

Walk.

— Eu cresci aqui.

Alessia sorri.

— Tem fotos suas de criança aqui?

Maxim dá uma risada.

— Tem. Muitas. — Ele toca a campainha, que soa estridente dentro

da casa. — Você já conheceu a Sra. Blake. — Maxim contrai os lábios

em uma linha desanimada. — Ela está com a família há anos, desde que

meu pai era o conde. O marido dela, o Sr. Blake, é o mordomo.

— Tudo bem — responde Alessia, já se preparando

psicologicamente.

Um homem careca e corpulento, vestindo um imaculado terno preto,

abre a porta. Ele dirige os sagazes olhos castanhos para Alessia e depois

Maxim.

— Lorde Trevethick — cumprimenta e, com uma breve reverência,

segura a porta para eles entrarem.


— Blake. — Maxim tem uma expressão séria quando pega a mão de

Alessia e a conduz para o hall. — Esta é minha esposa, Lady Trevethick.

— Parabéns para o casal — diz ele, gentilmente. — Lady Trevethick,

bem-vinda à Residência Trevelyan. Posso pegar seus casacos?

— Caroline está nos esperando — responde Maxim, ao entregar o

casaco ao homem.

Imitando o marido, Alessia também retira o dela.

— Lady Trevethick — murmura ele ao pegar o casaco, os olhos

brilhando de admiração.

Alessia retribui o sorriso.

— Lady Trevethick está na sala de visitas, milorde. Preparem-se.

Acho que cosmopolitans estão no cardápio.

Maxim ri.

— Obrigado.

Blake faz um gesto afirmativo com a cabeça, dá meia-volta em seus

sapatos envernizados e, devagar, atravessa o comprido corredor com piso

em preto e branco. Alessia o segue com o olhar. As paredes são

adornadas com quadros e fotografias. Dois grandes lustres pendem do

teto, muito semelhantes aos do apartamento de Maxim, só que maiores.

Há um espelho de moldura dourada enfeitada acima de um antigo

aparador de madeira, onde dois elaborados abajures com cúpulas

douradas irradiam uma luz da mesma cor.

— A sala de visitas fica lá em cima — diz Maxim, sorrindo.

Suas passadas fazem barulho na ampla escada de uma bela madeira

castanho-avermelhada. Acima deles, nas paredes, há mais pinturas e

fotografias. Alessia nota uma de Maxim. Ele está mais jovem e posa ao

lado de um homem louro de cabelo cacheado, que parece um pouco

mais velho do que ele. Ambos vestem uniformes: culotes brancos, botas

de couro de cano alto e camisetas mais escuras com estampado na

frente. Maxim tem um taco longo apoiado num dos ombros, enquanto o

outro homem, que tem um ar arrogante e pomposo, descansa a mão em

um taco semelhante.

— Kit e eu em nossos uniformes de polo, uns cinco anos atrás.


— Vocês dois estão muito bonitos.

Maxim abre um sorriso, parecendo jovial e satisfeito.

— Obrigado.

Ele a conduz até uma porta no patamar da escada que dá para uma

ampla sala de visitas, onde Caroline os aguarda. Ela está impecável, em

um vestido longo preto de gala com um decote profundo, brincos de

pérola e um colar de pérolas comprido com um nó, recaindo entre os

seios. Ela dá um passo à frente e pega as mãos de Maxim e Alessia.

— Bem-vinda, Alessia, você está deslumbrante. Maxim. — Ela beija

a bochecha de Alessia e oferece a própria para Maxim.

— Caro. Você está linda. — Maxim lhe dá um beijinho.

— Espero de verdade que vocês estejam precisando de um

cosmopolitan. — Ela aperta as mãos deles, depois se vira e pressiona

um botão na parede. — Sentem-se.

Alessia olha ao redor, absorvendo o luxo e o ar de antiguidade do

espaço. É confortável, ainda que imponente. Uma lareira de mármore

com colunas impressionantes domina a sala, e há diversos sofás

estofados com estampas em vermelho. Há pinturas de paisagens e

naturezas-mortas, mas também fotos de Caroline e o marido, diversas de

um homem mais velho — que Alessia reconhece, de um retrato na

Cornualha, como o pai de Maxim — e outras de Maxim, Kit e

Maryanne quando crianças.

— Posso dar uma olhada nas fotografias?

— Óbvio, Alessia — responde Caroline. — Por favor, fique à

vontade.

Eles ouvem uma batida na porta, e Blake entra, se encaminhando

para um carrinho de bar prateado repleto de garrafas de bebidas

alcoólicas, cintilantes taças de cristal e uma coqueteleira.

— Esse vestido ficou bem em você — elogia Caroline. — Gostou,

Maxim?

— Gostei. Muito. — A expressão de Maxim se torna mais ardente

quando ele fita Alessia.

Alessia sorri.
— Obrigada — sussurra, acalentada pelo olhar do marido. Depois se

vira para examinar uma das fotos da família, corando um pouco.

Na imagem, Maxim devia ter nove ou dez anos. Ele era uma criança

linda. A mão do pai pousa no ombro do filho caçula, e Maryanne está de

pé entre Maxim e o irmão, que é mais alto e tem cachos louros

volumosos. Rowena se encontra de pé atrás de Kit, o braço em torno do

filho mais velho. Ela exibe um olhar cortante, como se estivesse

desafiando o fotógrafo a revelar a verdade.

Que verdade?

— Estou com aquelas coisas do Kit — menciona Caroline a Maxim e

aponta para uma elegante caixa de madeira na mesa de centro.

— Ah. — Maxim dá uma espiada dentro da caixa, os olhos de

repente arregalados de dúvida. — Humm…

— Agora pode não ser uma boa hora — acrescenta ela em voz baixa.

O clima na sala esfria, e se anima de novo com o chacoalhar

barulhento da coqueteleira. Todos se viram para Blake, que segura a

coqueteleira de prata no alto, com um floreio. Ele dá um largo sorriso —

parece estar se divertindo —, e Maxim também sorri, enquanto Caroline

ri e se aproxima de Blake junto à bandeja de bebidas.

— Deixe-me ajudar.

Com habilidade, Blake despeja a bebida em três copos de coquetel, e

Caroline adiciona um pedacinho de casca de laranja em cada um.

— Aqui — diz ela, entregando um copo para Alessia e outro para

Maxim. — Isso é um cosmopolitan. Ou, como dizemos, um cosmo.

— Cosmo — repete Alessia.

— Saúde — diz Caroline, sorrindo para Maxim.

— Gëzuar — dizem Alessia e Maxim em uníssono, e a reação de

Caroline é dar uma risada.

Alessia toma um gole. O sabor forte e cítrico é delicioso.

— Humm… o que tem nele? — indaga ela.

— Vodca, um pouco de Cointreau, suco de limão e suco de cranberry

— responde Maxim, a voz rouca quando os olhos encontram os da

esposa.
— Ah, pelo amor de Deus, arranjem um quarto, vocês dois —

exclama Caroline.

Maxim dá uma piscadela para Alessia, e Caroline continua:

— Achei que um coquetel com vodca poderia nos ajudar a entrar no

clima da festa do Dimitri.

Maxim assente.

— É. Vai ter muita vodca hoje. Vamos beber logo isso e sair.

Dimitri mora em uma mansão recém-reformada em Mayfair. A casa de

tijolos vermelha é baixa e mobiliada pelo designer de interiores mais

badalado da temporada. Já estive lá umas duas vezes. A decoração, a

mobília e as obras de arte são modernas, mas totalmente

desinteressantes. Nunca me senti muito à vontade perto dele, não que eu

o encontrasse com frequência, mas uma festa na casa de Dimitri é o

lugar para ser visto, e se vou apresentar Alessia como minha esposa, não

há ocasião melhor para isso. Sairemos em todos os tabloides amanhã de

manhã.

— Está pronta? — pergunto a Alessia quando nosso táxi para perto

da casa.

Ela aquiesce, os olhos escuros cintilando com a luz da rua.

— Caro?

— Estou. É hora de voltar à ativa — diz Caroline.

— Tudo bem. Vamos lá. Não respondam a pergunta nenhuma.

Quando saímos do táxi, vejo que todos da alta sociedade já estão

entrando na propriedade. Os paparazzi avançam com gritos e as câmeras

a postos.

Lorde Trevethick!

Maxim!

Olhe para cá!


Envolvo Alessia com o braço e dou a outra mão para Caroline, e

caminhamos no meio de um mar de flashes de câmeras e perguntas

gritadas em nossa direção. Parece interminável, mas apenas alguns

segundos devem ter se passado quando cruzamos a porta preta brilhante

e entramos na relativa segurança do pátio.

Embora ainda seja cedo, o lugar já está fervilhando.

Uma jovem atraente com cabelo penteado para trás e vestida de preto

da cabeça aos pés fica com nossos casacos, e nos encaminhamos para a

área da festa. No caminho, recebemos um shot de vodca de uma

garçonete que é uma cópia da atendente que guardou os casacos.

— Obrigada. — Alessia olha desconfiada para a bebida.

— Bem-vinda à casa do Dimitri — murmuro com uma voz

tranquilizadora enquanto dou conta de meu shot.

Uma coisa tenho que admitir: Dimitri serve vodca da boa.

Alessia engole o dela, assim como Caroline.

— Uau! Ai! É forte! — solta Alessia.

— É… talvez seja melhor não beber muito, né? Vamos encontrar o

Joe e o Tom. Eles devem estar aqui.

— Trevethick! — A voz estrondosa de Dimitri Egonov nos

interrompe. — Estou tão feliz que você veio. E quem é essa jovem linda?

O sotaque dele é tênue, mas presente. Acho que seria impossível ele

soar mais bajulador. E ainda por cima está usando um smoking branco,

como se fosse Gatsby ou Bogart.

— Esta é minha esposa, Alessia Trevethick. Alessia, nosso anfitrião,

Dimitri Egonov.

Ele pega a mão de Alessia e a leva até os lábios, os olhos escuros

ardentes nos dela.

— Os boatos são verdadeiros — murmura ele. — Minha querida

Lady Trevethick, você é maravilhosa.

— Sr. Egonov. — Alessia sorri, mas percebo que seu olhar não

parece muito animado.

— Você vai precisar ser cuidadoso com esta aqui… — me alerta

Egonov. — Ela é uma joia rara.


— Ela é, sim — concordo, desejando que ele largue a mão de

Alessia.

Tire as mãos da minha esposa.

Nunca me senti tão possessivo como agora.

— Por favor, aproveitem minha festa. Temos todo tipo de

entretenimento para o deleite de vocês aqui. Talvez da próxima vez você

seja meu DJ.

Jamais.

— Acho que meus dias como DJ são coisa do passado, Dimitri. —

Meu sorriso é educado, mas quero que ele solte minha esposa.

Ele enfim faz isso e se vira para Caroline.

— Lady Trevethick, como está linda hoje.

— Dimitri, querido. — Ela dá um beijo no ar em cada bochecha do

anfitrião, que a puxa para um abraço apertado.

— Sinto muito por sua perda — diz ele, mantendo-a grudada.

Caro me lança um olhar de pânico, mas é Alessia que pega a mão

dela.

— Caro, por favor, me mostre o lugar — pede Alessia com doçura.

— Obrigada, Dimitri — sussurra Caro, e, com um sorriso encantador

e sagaz, ele a solta e segue adiante.

Merda.

— Você está bem? — pergunto a Caro, cuja mão ainda está presa na

de Alessia.

— Estou. Ele é… meio exagerado.

— É, sim. Vamos pegar uma bebida.

Alessia está deslumbrada com a grandiosidade do evento. O pátio se

encontra coberto por um toldo de seda preta enfeitado com fios de

luzinhas decorativas. No centro, em um pedestal preto, há uma escultura

de gelo em forma de chamas altas que se espalham em todas as direções.


Iluminada por holofotes tremeluzentes em tons de vermelho e laranja, a

impressão é de que as chamas são reais. Três barmen estão postados

diante dela, servindo shots da vodca que desce pela escultura.

Como isso funciona?

— A vodca passa por um caminho escavado na escultura de gelo —

murmura Maxim. — Vamos ignorar isso e procurar champanhe.

— Vou tomar mais um shot — anuncia Caro, afastando-se e indo em

direção ao bar, onde cumprimenta uma jovem alta.

De forma brusca, Maxim dá meia-volta, como se estivesse evitando a

outra mulher, pega duas taças de champanhe de um garçom que está

passando e entrega uma delas a Alessia.

— Vamos para aquele lado ali, onde podemos ver e ser vistos —

indica ele.

O local está lotado de homens e mulheres extremamente elegantes.

Alessia reconhece alguns artistas de cinema, celebridades e políticos

britânicos que se lembra de ter visto no jornal que lia no trem de

Brentford. Às margens da multidão, vários homens fortes vestindo

ternos pretos e usando fones de ouvido observam todo mundo.

Seguranças? Para quê? Alessia não sabe.

Diversas pessoas se aproximam de Maxim para dar os pêsames pela

morte do irmão e para conhecer Alessia. Ela aperta uma mão após a

outra, ciente de que algumas mulheres lindas que lhe são apresentadas a

miram com uma inveja maldisfarçada. Ela se pergunta se Maxim já teve

relações com essas mulheres.

Alessia, não pense nisso.

Ela aperta o braço do marido com mais força.

Um fotógrafo pede para tirar uma foto, e Maxim a puxa para bem

perto de si.

— Sorria — sussurra ele. — Essa foto vai aparecer em todos os

tabloides amanhã, quero que o mundo veja que você é minha.

Alessia abre um sorriso enorme para ele, e, de repente, não tem mais

dúvidas. O fotógrafo dá alguns cliques, agradece e segue adiante.


— Trevelyan! — Eles ouvem um grito, e Tom se aproxima a passos

largos pelo meio da multidão, de smoking, arrastando Henrietta consigo.

— Querida Alessia, você está deslumbrante. Maxim, minha nossa, que

retorno triunfal. Todo mundo aqui quer conhecer sua nova esposa!

Henrietta se alegra quando vê Alessia.

— Você está linda — elogia ela.

Alessia retribui o sorriso.

— Obrigada, você também!

Maxim e Tom entram em uma conversa intensa. Alessia consegue

ouvir as palavras jornalistas intrometidos, segurança e kompromat, seja

lá o que isso signifique.

— Nunca vim aqui. Vamos explorar a casa? — Os olhos escuros de

Henry brilham, com uma mistura de curiosidade, alegria e um pouco de

travessura.

— Claro — responde Alessia, inspirada pelo entusiasmo contagiante

de Henrietta e, óbvio, pela própria curiosidade. Ela nunca esteve em

uma mansão de um oligarca russo.

— Aonde vocês vão? — pergunta Maxim assim que elas se afastam.

— Explorar. — Henry sorri, e Maxim fita as duas, os olhos atentos e

arregalados, refletindo sua preocupação com Alessia.

— Tomem cuidado — murmura ele.

Alessia sabe que o marido desaprova, mas não vai impedi-la.

— Vamos ter cuidado — garante ela com um sorriso meigo.

Ele faz um gesto afirmativo com a cabeça. Henrietta pega duas taças

de champanhe de um garçom, depois elas atravessam a multidão e

entram na casa.

A residência é impressionante, decorada em tons de bege, marrom e

creme, com toques de dourado por todos os lados. Os estofados são em

cetim e seda, tudo muito luxuoso. As paredes ostentam obras de arte

figurativas ou abstratas. É um cenário elegante, mas um pouco sem vida

para o gosto de Alessia. Nos diversos cômodos, os convidados

socializam, conversam, riem e bebem. Na sala de estar, quem circula ali

é entretido por uma dupla de mágicos. Um deles tira uma moeda de ouro
de trás da orelha de Henry. E o mais incrível é que, para puro deleite

dela, o mágico a deixa ficar com a moeda.

As duas continuam pela sala de jantar, onde está sendo servido um

abundante banquete. Alessia reconhece caviar e ovas de salmão, mas há

também bolinhos salgados e pãezinhos recheados. Pirozhki, lhe informa

Henry. A mesa, que deve acomodar vinte pessoas, está abarrotada de

comida. Garçons altos e atraentes estão a postos, o cabelo penteado com

gel para trás e uniformes pretos, prontos para servir. Henry e Alessia

escolhem caviar com blinis, bolinhos e pãezinhos recheados.

— Isso vai nos dar energia — declara Henry.

Carregando seus pratos, elas avançam para a sala seguinte, mais um

ambiente sem vida lotado de pessoas bonitas. Henrietta apresenta

Alessia a todos os que se aproximam. Uma mulher magra vestida de

preto as aborda, seu vestido solto parecendo um pouco grande demais.

— Então, você é a mulher que fisgou Maxim Trevelyan — diz ela

com a voz arrastada, enquanto seus olhos castanhos analisam Alessia de

cima a baixo.

— Maxim é meu marido — responde Alessia, seca, ciente de que

tem sido objeto de especulação, além de um ou outro olhar de

insatisfação, enquanto Henry e ela perambulam pela festa.

Mas ninguém foi tão debochado quanto essa mulher.

— Bonitinha você, hein? — comenta ela, e Alessia desconfia de que

a outra já bebeu demais.

— E você é?

— Arabella Watts. Maxim e eu namoramos há muito tempo. Tenho

que lhe dar os parabéns por fisgar um dos melhores partidos da

Inglaterra…

— Obrigada, Arabella — interrompe-a Henry. — Temos que

encontrar o Maxim. — Ela pega a mão de Alessia, e as duas passam

para outro cômodo. Ela sussurra: — Ex do Maxim. Ela é dependente

química e uma pessoa totalmente desagradável. Se bem que não tenho

certeza se as duas coisas estão relacionadas.

— Ah. Ex-namorada?

É
— É. Ele não contou para você?

— Mais ou menos. Ela não contou… humm… detalhes.

— Talvez tenha sido melhor — observa Henry. — Quer dizer, nós

não queremos ouvir sobre as ex-namoradas dos nossos parceiros, não é?

Alessia balança a cabeça. Ela não tem a menor vontade de ficar

pensando nas ex-amantes de Maxim.

E foram muitas.

Henry para perto de uma janela para que possam terminar de comer.

Nos momentos em que não é interrompida para apresentar Alessia a

alguém, Henry comenta sobre seu dia. Ela é enfermeira e conheceu Tom

enquanto trabalhava no hospital de veteranos em Londres. Alessia escuta

com atenção, se sentindo mais relaxada e superconfortável na presença

de Henrietta. Se pergunta brevemente onde Maxim deve estar.

Depois de comerem, e munidas de mais champanhe, as duas

vagueiam pelo corredor. A atmosfera entre os convidados está mais

animada e a conversa, mais alta e mais livre. Elas passam por uma

magnífica escadaria de madeira, que leva ao andar superior e ao porão,

de onde as luzes coloridas tremeluzem pelas paredes e pode-se ouvir

música bate-estaca.

Henry faz uma careta.

— É melhor não irmos lá embaixo — adverte ela, e as duas avançam

para a sala de estar principal.

É mais um cômodo luxuoso, mobiliado como os outros, mas nesse há

uma moderna lareira a gás, onde as chamas tremulam, o que oferece um

pouco de cor e vida para o espaço. Há um zumbido de animação da

turma de ricaços espalhada pela sala espaçosa, acompanhado de um

tilintar de copos de shot e de champanhe.

Acima delas, há um mezanino.

— Olhe — diz Henry ao avistar o piano de cauda lá em cima. Ela

sorri. — Vamos subir.

Henry termina seu champanhe, pega mais duas taças de um garçom e

se dirige à escada em espiral.


Alessia percebe que os convidados socializando na sala estão

seguindo-as com o olhar. Ela bebe seu champanhe de uma vez só e vai

atrás de Henry escada acima até o mezanino. Lá, se deparam com uma

biblioteca impressionante, repleta de livros organizados por cor e

tamanho, e o lustroso piano preto. Alessia respira fundo. É um

Bechstein.

— Olá. Você toca? — Um jovem de cabelo preto um pouco

despenteado, como o de Maxim, surge de trás de uma das estantes da

biblioteca. Seu sotaque lembra o de Dimitri.

— Eu, não — responde Henry. — Mas a Alessia aqui toca.

Ele dá um passo à frente. Seus olhos azuis cristalinos estudam o rosto

de Alessia e depois descem por seu corpo, então ela ergue o queixo para

confrontá-lo.

Ele sorri com malícia diante da tentativa de Alessia de intimidá-lo e

lhe oferece a mão.

— Grisha Egonov, e você é?

Alessia aperta sua mão, e na mesma hora um alarme toca em sua

cabeça. O aperto é forte demais, o sorriso caloroso demais. Ela retrai a

mão e resiste à vontade de limpá-la no vestido.

— Egonov. E Dimitri é seu…? — pergunta Alessia.

— Irmão. Bem, meio-irmão. Temos o mesmo pai.

— Alessia Trevethick.

— Ah! A nova condessa. — Ele faz uma reverência formal, pega a

mão dela de novo e beija os nós dos dedos. — Lady Trevethick.

Alessia sente um calafrio subir pelas costas.

— Esta é minha amiga Henrietta Gordon. — Alessia solta a mão dele

e apresenta Henry, que está observando Grisha com a mesma prudência

que Alessia.

Ele faz um gesto com a cabeça para Henrietta e volta a atenção para

Alessia.

— Seu sotaque. Você também não é daqui.

— Sou albanesa.
— Ah. Interessante. Por favor. — Ele faz um gesto em direção ao

piano. — Fique à vontade.

— Eu não quero… ahn… atrapalhar a festa.

Os olhos de Grisha brilham com uma intensidade que a deixa

desconfortável.

— Talvez seja disso mesmo que esta festa precisa. Ou talvez sua

amiga tenha exagerado quando disse que você sabe tocar?

Henry ri, dele, não com ele, e Alessia fita a amiga.

— Mostre para ele — Henry faz com a boca.

A atenção de Grisha vai de uma para a outra, a expressão arrogante e

de quem acha graça.

— Por favor. — Ele faz um gesto apontando o piano mais uma vez, e,

por não saber se algum dia terá a oportunidade de tocar em um

Bechstein de novo, Alessia concorda graciosamente com a cabeça.

Ela se senta no banco, pousa os dedos no colo e encara a beleza à sua

frente. O piano brilha sob as luzes embutidas, e as palavras douradas

brilham de forma irresistível na tampa do teclado, seduzindo-a a tocar.

Alessia pressiona o dó central, e a nota reverbera, profunda, bonita e

mais dourada do que o ambiente.

Perfeito.

Alessia ergue o olhar para Grisha, que segura o telefone e a observa,

curioso.

Ela vai mostrar a ele, babaca arrogante.

Alessia sorri e dá uma piscadela para Henry. Voltando-se para o

teclado, coloca as mãos nas teclas e inicia o “Prelúdio Nº 2 em Dó

Menor” de Bach, sua música de raiva.

A música ecoa pelo ambiente em tons de laranja e vermelho, mais

quente e ardente do que a escultura de gelo com as chamas lá fora, e

Alessia adora. Como bebeu um pouco, sente-se livre e ligeira, então

deixa a música dominá-la e apagar a existência do idiota arrogante a seu

lado.
Deixei Tom e Joe discutindo sobre por que rúgbi é melhor que futebol e

fui procurar Alessia. Ignorando o pânico que se forma em meu peito,

atravesso cada sala, enquanto os convidados de Dimitri me dão os

pêsames ou os parabéns pelo casamento com minha linda esposa que

acabaram de conhecer.

Onde diabos ela está?

É então que escuto. A música de Bach flutuando em meio ao

zumbido das conversas.

Alessia.

Ela se encontra na sala de estar principal. Sigo o som e, como a

multidão aglomerada na sala, olho para cima e a acho no mezanino com

Henry e Grisha, o babaca do irmão mais novo de Dimitri.

Agora que a encontrei, relaxo e escuto. Sei que é sua música de raiva

e fico imaginando o que Grisha disse para irritá-la.

— Maxim! — Eu me viro e vejo Charlotte cambaleando em minha

direção.

Minha ex-namorada.

Merda.

As duas estão aqui, embora eu tenha conseguido evitar Arabella.

Caroline estava conversando com Charlotte mais cedo. Eu fico me

perguntando qual era o assunto da conversa.

— Olá, Charlotte. — Levo o dedo indicador a meus lábios para

silenciá-la, porque quero apreciar minha esposa enquanto ela toca.

Charlotte vislumbra Alessia tocando a todo vapor.

— Saudades de você. — Ela pega minha mão. — Vamos descer? —

pergunta, mas seus olhos estão embaçados e ela cambaleia nos saltos

altos.

Ela está bêbada ou chapada, ou ambos, e fico um pouco chocado.

Será que ela não sabe que eu me casei?

Alessia termina o prelúdio e, quando as notas finais desaparecem no

ar, a multidão reunida explode em aplausos. Me solto de Charlotte e

bato palmas também, mas ela, me surpreendendo, agarra minhas lapelas


e planta os lábios com firmeza nos meus, pressionando a língua molhada

para dentro da minha boca. Percebo um flash ao longe.

Que. Porra. É. Essa?

Viro a cabeça e agarro suas mãos, empurrando-a com delicadeza e

me desvencilhando dela.

— Charlotte! O que você está fazendo, porra?

Alessia ouve os aplausos vindos de um lugar que parece a extremidade

da sala.

— Brava, Lady Trevethick — elogia Grisha. — Eu tinha minhas

dúvidas, mas foi impressionante.

— Obrigada — diz Alessia, que abre um sorriso para Henry, também

sorridente, antes de olhar para a plateia na sala de estar e reparar na

presença do marido.

Ele está beijando outra mulher.

E, de repente, o mundo de Alessia desaba.

O quê?
Capítulo Dezenove

Alessia desvia o olhar — a visão é dolorosa demais para suportar. Sua

cabeça roda e a bile sobe até a garganta. Ela engole o gosto amargo,

sentindo-se tonta. De repente, a sala fica quente e pequena demais.

Alessia começa a se perguntar se está se intrometendo na vida do

marido.

Talvez ele sempre se comporte assim.

Mas ela não tem como saber, já que eles nunca foram em um grande

evento social como este antes.

Ele é assim. É isso que ele faz. Caroline bem que avisou.

Alessia se levanta, titubeando de leve com o choque do que acabou

de testemunhar, e se recusando a olhar na direção dele de novo. Ela se

vira para Grisha.

— Preciso sair daqui.

— Você está bem? — pergunta Henry.

Alessia balança a cabeça.

Grisha franze a testa, em uma expressão de preocupação quase

tangível.

— Você está tonta?

Alessia assente. Ela só quer sair dali. Agora.

— Preciso de ar.

Franzindo a testa também, Henry se vira para olhar as pessoas lá

embaixo, agora interessadas em outras coisas.

— Vou procurar ajuda — oferece ela, se aproximando do parapeito

para esquadrinhar a multidão.

— Aqui. — Grisha pega a mão de Alessia e a leva até as estantes

repletas de livros, onde pressiona um botão oculto, e uma das partes gira
e se abre, revelando uma passagem escondida. — Me siga.

Alessia o acompanha, andando com dificuldade, e escuta o clique da

estante se fechando às suas costas.

— Sente-se, Charlotte. Você está bêbada. E, se você não ouviu, agora

sou um homem casado.

Em choque com seu comportamento, eu a levo até uma poltrona

vazia, para ela se sentar e não cair de cara no chão.

Ela me examina com uma expressão de desdém.

— Ouvi falar que você se casou com a sua diarista.

— Eu me casei com a mulher que eu amo.

Ela zomba.

— Ela está grávida? Bem século XVIII da sua parte, Maxim.

— Vá à merda, Charlotte — murmuro e dou meia-volta.

Ela agarra minha mão.

— Não acredito que você se casou.

— Pode acreditar. — Levanto a mão esquerda, os dedos abertos para

ela ver minha aliança.

Ela nunca se comportou assim. Eu me pergunto se está aqui sozinha

ou com o namorado. Olho ao redor, mas não encontro ninguém

prestando atenção nela.

— Você veio sozinha?

— Com um amigo.

— Cadê ele?

Ela faz um gesto para a multidão no pátio.

— A Caroline disse…

— O quê? — Meu couro cabeludo se arrepia. — O que foi que a

Caroline disse?

Charlotte balança a cabeça.

— Que você é capaz de trepar com qualquer uma.


Puta que pariu, Caro.

— Até eu. Ele me largou. — Ela se lamenta.

— Charlotte, mostre um pouco de dignidade, porra. A fila anda e

toda essa besteira. Agora, se me dá licença, vou procurar minha esposa.

Eu a deixo, me sentindo um pouco enojado depois de nosso encontro.

Olhando para o mezanino, consigo ver Henry espiando uma das estantes.

Uma sensação de alerta desce por minhas costas.

Onde está Alessia?

E onde está Grisha?

Avanço no meio das pessoas, ignorando as expressões curiosas e uma

ou outra condolência e felicitação, e subo acelerado a escada em espiral.

— Henry! Onde está a Alessia? — indago, de forma brusca.

— Maxim. Oi. Ela sumiu com o Grisha através dessa estante.

O quê? Por quê?

Começo a tatear as prateleiras e encontro o botão oculto. Aperto, e

aquela seção da estante gira e se abre.

— Era isso que eu estava procurando — exclama Henry.

— Venha. Vamos encontrar Alessia.

A passagem é iluminada por algumas luzes de LED embutidas, e

termina em uma porta que dá para um espaçoso terraço ao ar livre acima

da sala de estar. Em um canto escuro, entre vasos de plantas

exuberantes, um casal está fazendo sexo junto à parede. Capto um

vislumbre de cabelo louro, e fico aliviado de não ser minha esposa. Mas

noto uma mudança na luz. Uma cortina se fecha em uma sala do outro

lado do terraço.

Será que Grisha levou minha esposa para lá?

Com uma raiva repentina, disparo pela porta do terraço, viro à direita

e irrompo para dentro do quarto. Três homens em variados estágios de

nudez e excitação se viram para me encarar em toda a sua glória. Um

quarto homem está aspirando uma carreira de cocaína.

Merda.

— Me desculpe. — Ando para trás na mesma hora, quase trombando

em Henry, que está na minha cola. — Não entre ali. É uma área de
Ganimedes.

Um grito abafado vem do quarto:

— Achei que você tinha trancado a porra da porta!

— As festas do Dimitri nunca decepcionam — comenta Henry sem

fôlego.

— Acho que um deles era um ministro da Coroa. Venha. Alessia deve

ter descido.

Grisha conduz Alessia até a cozinha, onde ele vocifera com uma das

funcionárias em uma língua que Alessia supõe ser russo. A jovem se

apressa para pegar um copo d’água e volta para perto dele alguns

instantes depois.

— Aqui. — Ele entrega a Alessia o copo de cristal lapidado, e ela

toma um longo gole, agradecida.

Talvez Grisha não seja tão ruim assim.

— Você quer descer para o porão e descontrair um pouco? — oferece

ele, com um brilho no olhar.

— Não. No momento, eu gostaria de ir para casa — responde

Alessia, ainda cautelosa.

— Vou chamar meu motorista. — Ele pega o celular e faz uma

ligação. — Para onde?

Alessia dá o endereço no Chelsea Embankment e ele repassa as

ordens pelo telefone na mesma língua estrangeira e depois desliga.

— Meu motorista vai estar lá fora logo. Você pode sair pelos fundos,

como fazemos, e evitar as câmeras na frente de casa. — Ele tira um

cartão do bolso. — Me ligue. Quando chegar em casa.

— Por que você está sendo tão gentil? — pergunta Alessia.

Grisha dá um leve sorriso.

— Seria muito descortês de minha parte não ajudar uma mulher tão

bonita e talentosa.
— Obrigada — murmura ela, mas não consegue acreditar na própria

sorte, e um frisson de medo a faz estremecer.

Talvez ela tenha sido precipitada.

Maxim vai ficar furioso.

Ela ergue o queixo.

Bem, ela está furiosa. Como ele se atreve a trazê-la para esse evento

de gala para “anunciar” o casamento deles e depois beijar outra pessoa?

— O carro está aqui. Eu levo você lá fora — diz Grisha e lhe oferece

o braço.

Não consigo encontrar minha esposa. Fui ao porão, onde a diversão vai

esquentando. Várias pessoas estão nuas na piscina, e corpos se

contorcendo recobrem o piso do espaço pouco iluminando. Uma mulher

se joga sobre mim, lançando os braços em torno do meu pescoço, com

cocaína no lábio superior. Eu a afasto com delicadeza.

— Estou procurando minha esposa — rosno.

Depois de uma rápida inspeção no cômodo, confirmo que Alessia

não está ali.

Não que eu esperasse que estivesse, não minha esposa doce e

inocente.

Mas essas pessoas… É como se elas tivessem voltado a ser

adolescentes.

E devem estar sendo filmadas.

Cacete. Onde ela está?

Volto para o andar de cima, pego meu celular e ligo para Alessia mais

uma vez.

— Cadê você? — vocifero quando acabo em sua caixa postal de

novo, e tento pensar no que pode tê-la feito desaparecer.

Alguém de seu passado recente?

Quem sabe os traficantes.


Talvez eles a tenham capturado. De novo.

Esse é meu pior medo.

Merda. Encontro Tom e Joe.

— Joe, por favor, encontre a Caroline e garanta que ela chegue em

casa inteira. Tom, não consigo encontrar a Alessia.

— Henry me contou. Ela saiu atrás dela nas outras salas. Vamos

procurá-la. — Ele segura meu antebraço e aperta de leve. — Vamos

encontrar a Alessia. Não fique aflito, Trevethick.

Aflito! Eu estou surtando.

Faço um gesto com a cabeça, agradecendo, incapaz de falar, porque

há um leve risco de que eu perca o controle. Da última vez que Alessia

desapareceu, ela tinha sido sequestrada, caralho.

Meu celular toca, e sinto o peito tomado por esperança.

Merda, é o Oliver. Ignoro a chamada.

Alessia afunda no suntuoso assento de couro do Bentley SUV. A porta

de trás é muitíssimo pesada, e ela suspeita que o carro seja à prova de

balas. O motorista lhe dá uma olhada superficial pelo espelho retrovisor

e, sem dizer uma palavra, parte noite adentro.

Apenas agora, na privacidade do veículo, Alessia se permite repassar

o que viu.

Maxim beijando outra mulher.

Beijando. Outra. Mulher.

Ela fica com os olhos marejados.

Caroline tinha avisado.

Querida, ele dormiu com quase Londres inteira.

Maryanne havia tentado tranquilizá-la.

Libertinos reabilitados dão os melhores maridos.

Contudo, será que isso é verdade? Talvez eles nunca deixem de ser

libertinos. Mas isso significa que ele a ame menos?


Quero que o mundo veja que você é minha.

Será que isso é uma via de mão única?

Os cônjuges têm os mesmos direitos e deveres um com o outro. Eles

devem amar e respeitar um ao outro, manter fidelidade matrimonial.

Os votos deles a atormentam. Não significaram nada para ele?

O Zot. Era inevitável? Seu marido é apenas promíscuo demais.

Bonito demais. Charmoso demais.

Um nó se forma em sua garganta.

Seu Mister. Seu homem.

Bem no fundo, ela sabia que isso aconteceria.

Ela nunca foi suficiente.

Alessia, você tem se iludido.

O que ela vai fazer? Aceitar? Ir embora? Com o olhar desfocado,

Alessia encara pela janela do carro a escuridão no meio das luzes de

Londres.

Será que isso ia acontecer de uma forma ou de outra? Será que agora

ela precisa decidir entre ficar e partir? Por um minuto, Alessia pensa na

mãe e em como ela decidiu ficar com seu pai, que é muito pior do que

Maxim. Talvez essa seja a sina das mulheres, como tem sido desde o

início dos tempos. Uma frase do Kanun de Lekë Dukagjini vem à sua

mente: Gruaja është një thes, e bërë për të duruar.

Uma mulher é um saco feito para resistir.

Avisto Grisha saindo da sala de estar e vou até ele.

— Minha esposa? Cadê ela?

— Ela foi para casa, Trevethick. Você devia cuidar melhor dela.

Que merda é essa? Quero perguntar por que ela foi embora, mas não

é da conta dele, porra, embora ele pareça pensar que é.

— Como assim, para casa?


— Ela queria ir para casa. Pedi para meu motorista levá-la. — Seu

sorrisinho presunçoso me faz ter vontade de socar sua cara estúpida e

arrogante. — Ela não estava se sentindo bem. Você precisa mesmo…

Eu me afasto antes que perca o controle e dê um soco nele. Vou atrás

de Tom.

— Ela foi para casa. Diga ao Joe para ficar de olho em Caro. Na

última vez que vi, ela estava mais pra lá do que pra cá.

— Pode deixar, cara. Que bom que você já descobriu onde Alessia

está. Vou checar aquele jornalista de que você falou.

— Obrigado.

No guarda-volumes, entrego o recibo e pego não apenas meu casaco,

mas o de Alessia também. Ela saiu sem o casaco, porra. E nem se

preocupou em me avisar.

Puta que pariu.

O que foi que eu fiz?

Talvez ela esteja com dúvidas. Eu a trouxe para esse antro de

imoralidade e depravação, e ela ficou enojada. Convenhamos, Alessia

nunca tinha visto como os super-ricos podem se comportar.

Caralho. Não pensei nisso.

Saio de casa ensandecido, passo por um ataque de flashes dos

paparazzi e desço a rua para pegar um táxi.

Para o alívio de Alessia, o Bentley para na frente do prédio de Maxim.

O motorista sai e abre a porta, estendendo a mão para ela.

— Obrigada — diz Alessia, aceitando-a.

O homem aquiesce e a acompanha até o prédio. Ela tira as chaves da

bolsa e abre a porta. Quando já está lá dentro, o motorista dá meia-volta

e entra de novo no veículo.

Só quando chama o elevador é que ela se dá conta de que não há

paparazzi lá fora. Todos devem estar na casa de Dimitri e Grisha.


Graças a Deus.

No elevador, ela pega o telefone e manda uma mensagem para

Grisha, agradecendo e dizendo que chegou bem. Há algumas chamadas

perdidas de Maxim. Ela ouve seu recado enquanto o elevador sobe para

o sexto andar.

Cadê você? Ele soa zangado. Magoado. Confuso.

Seu marido nem sabe que se comportou mal!

Talvez nem ache isso!

Alessia dispara para fora do elevador e, usando a chave, entra no

apartamento e fecha a porta com força.

O alarme está desligado.

Eles não ligaram quando saíram?

O aroma enjoativo e familiar de um perfume caro paira no ar, e os

pelos da nuca de Alessia ficam em pé. O barulho de saltos altos a alerta

para uma presença no final do corredor. Na entrada da sala de estar, está

a mãe de Maxim.

Rowena.

No assento traseiro do táxi, minha raiva aumenta. Que merda ela estava

pensando? Me abandonar no meio da festa? Mas por quê? Não entendo

o que aconteceu. Será que Grisha disse alguma coisa? Ou Caroline?

Checo o celular. Há uma chamada perdida de Oliver, mas nada de

Alessia.

Será que ela conheceu Arabella ou Charlotte?

Meu couro cabeludo começa a pinicar.

Charlotte. Puta que pariu. Aquele beijo.

Alessia deve ter visto. É o único motivo que consigo imaginar que

explique por que ela saiu sem nem se despedir.

Meu alívio é monumental.


Foi isso. Recosto no banco, sentindo que finalmente descobri o que

aconteceu.

Mas espere. Foi a Charlotte que me beijou. Não o contrário. Não

estou de olho na minha ex. Não estou de olho em nenhuma outra

mulher. Alessia devia saber disso, ter certeza disso… Por que iria

duvidar de mim? E a ideia de que ela duvide de verdade me aborrece.

Ela está me punindo por algo que não é culpa minha, e me punindo com

o pior dos meus medos.

É desesperador.

De verdade. Estou furioso, porra.

Por que diabos ela iria pensar que estou interessado em qualquer

outra?

E, do nada, o pensamento ressoa como uma buzina em minha cabeça.

Por causa do seu passado.

Sua reputação.

Caralho.

Meu humor piora ainda mais. Vou ter que convencer minha mulher,

de novo, de que meu passado ficou para trás.

Em choque, Alessia continua parada no corredor enquanto Rowena a

encara.

Por que ela está aqui? Como ela entrou?

A sogra fecha a cara.

— Sozinha, com os brilhantes Trevethick, pelo visto. Não perdeu

tempo em botar as mãozinhas em nossas joias. Nos velhos tempos, esses

brincos eram um dos meus prediletos. Eles são um pouco demais agora,

não acha?

Alessia se recompõe.

— Olá, Rowena. Posso ajudar? Se estiver procurando o Maxim, ele

não está.
A mãe de Maxim cruza os braços, permanecendo no umbral, imóvel,

inabalável.

Hostil.

O Zot.

— Você está muito… bonita, querida. Mas nunca vai ser uma

condessa. Aqui, nós falamos que classe vem de berço. Quanto você quer

receber para sair da vida do meu filho?

Alessia sente como se tivesse levado um soco na barriga.

— O quê?

— Você me ouviu. — Rowena avança devagar na direção de Alessia.

— Meu amigo Heath tem feito uma pequena investigação. E você não

seguiu os procedimentos corretos nessa farsa de casamento com o meu

filho. Ele pode ser anulado com facilidade.

Pela segunda vez nesta noite, Alessia se sente um pouco tonta.

Heath? O amante da sogra?

Rowena sorri. Uma expressão tão gélida que provoca um calafrio em

Alessia.

— Eu preencho um cheque, e você pode ir embora e levar a vida para

a qual foi feita. Não esta, que não é para você. E nem para Maxim. Ele

precisa de uma pessoa com um nível de requinte e de refinamento que

você não é capaz de alcançar. Alguém com berço, que não vai

comprometer o legado dos Trevethick. E essa pessoa não é você,

querida. Afinal, o que pode dar a ele? Ele só se casou com você para me

magoar. Maxim é um homem que gosta de se divertir, tenho certeza de

que você entende o que quero dizer. Não vai demorar muito para ele ter

um caso. Ele não quer as obrigações que tem como conde e se

autossabotou ao se casar com você. Isso vai levá-lo ao fracasso. Você

percebe isso, não é? Então, quanto?

— Eu não quero nada de você — murmura Alessia, o coração

batendo de forma frenética. — E talvez, se você tivesse sido uma mãe

melhor, seu filho poderia ter mais respeito pelas mulheres e escolhido

alguém com todas as qualidades que você deseja em uma nora. Mas
talvez, porque você é mãe dele, a escolha tenha sido diferente. Ele

escolheu a mim. E fico feliz em dizer que não me pareço nada com você.

Rowena engole em seco, chocada.

Alessia caminha até a porta do apartamento.

— Acho que está na hora de você ir embora.

A chave faz um barulho na fechadura, e Maxim aparece.

Quando abro a porta, dou de cara com minha mãe e minha esposa se

enfrentando no hall, em um clima tão gélido que dá para congelar meus

colhões. Sinto um alívio de ver Alessia segura em casa, mas logo sou

tomado pela ansiedade.

Caralho, o que está acontecendo aqui?


Capítulo Vinte

Rowena e Alessia me encaram — minha mãe fria e irritadiça em um

Chanel preto, minha esposa, magnífica em um Alaïa vermelho —, e já

sei que as duas tiveram uma discussão acalorada. Os olhos de Alessia

brilham com lágrimas não derramadas, e desconfio que minha mãe se

comportou como uma verdadeira filha da puta.

Porém, magnífica ou não, agora também estou puto da vida com a

Alessia. Mais zangado do que nunca.

— Conversamos mais tarde — murmuro para ela, levantando um

dedo em forma de aviso. — Ainda assim, estou feliz que você esteja em

casa. Segura.

Tudo o que quero é agarrá-la, beijá-la e trepar com ela até que Alessia

esqueça tudo, menos eu, mas agora não é a hora. Viro-me para Rowena.

— Mãe, a que devemos o prazer de sua visita?

Ela franze os lábios vermelhos e me encara com os olhos

semicerrados, irradiando tensão e irritação. A campainha toca, nos

dando um susto, e, como estou bem do lado, abro a porta, imaginando

quem será a esta hora. Maryanne está na soleira, cabisbaixa e exaurida

em seu jaleco. Ela me lança uma expressão cansada, desconfiada, do

tipo talvez-eu-saiba-o-que-está-acontecendo-mas-não-tenho-certeza, e

entra arrastando os pés quando dou um passo para lhe dar espaço.

— Uma reunião de família a esta hora da noite. Que alegria. — Meu

sarcasmo esconde o fato de que fui pego de surpresa pela presença das

duas.

Porra, já passa da meia-noite, e estou prestes a ter uma briga gigante

com minha esposa, e achei que minha mãe estava em Nova York, me

ignorando.
Maryanne segue no rastro do perfume caro de nossa mãe, e elas vão

até a sala.

— Por favor, entrem. Sintam-se em casa — digo para as costas delas,

perplexo com a presença das duas em minha casa.

A Nave Mãe veio de Manhattan até aqui. Eu só queria que ela

retornasse minha ligação, não que aparecesse na minha casa, porra.

Penduro os casacos, me viro e noto Alessia me observando,

desconfiada. Ela não disse nada. Tento pegar sua mão, mas ela se afasta.

Tudo bem. Ela está puta.

— Vamos conversar sobre o que está chateando você, seja o que for, e

por que você saiu sem falar comigo, depois que eu conversar com a Nave

Mãe.

Alessia ergue a cabeça, os olhos flamejantes.

Tudo bem, ela está puta de verdade.

— Ela estava aqui quando cheguei — diz Alessia.

— No apartamento?

— É.

Como ela entrou, caralho?

— Vamos ver o que ela quer. — Com uma formalidade gélida, faço

um gesto para minha esposa seguir até a sala. — Pode ir na frente.

Fico aliviado quando ela faz o que pedi. Estou ansioso para ouvir o

que minha mãe tem a dizer, já que ela sentiu a necessidade de vir

pessoalmente.

Ela não faria isso em circunstâncias normais.

Rowena está de pé no meio da sala, e, pelo desprezo estampado no

rosto, suspeito que ela estava avaliando o cômodo e não o considerou à

altura. Ela me analisa da cabeça aos pés e chega à mesma conclusão.

— Olá, Maxim. — Seu tom de voz é direto e, se não estou enganado,

exausto.

Nada de delicadezas.

Nada de me oferecer a bochecha para eu lhe dar um beijo.

Nem mesmo o sarcasmo maldoso de sempre.


— Teve uma noite agradável, com ou sem a sua… esposa? — A

palavra esposa é um deboche.

Ah. Lá está ela. A Rowena que eu conheço. Caralho, o que foi que

ela falou para Alessia?

Olho para minha esposa de soslaio, imóvel a meu lado, os olhos

escuros como duas obsidianas. Ela fita minha mãe com uma hostilidade

mal disfarçada.

— O que eu ando fazendo com a minha esposa não é da sua conta. E

como você entrou no meu apartamento?

— Eu forcei o Oliver a me dar uma chave e o código do alarme. Ele

disse que ia mandar um e-mail para você avisando.

Ah. Eu me lembro da chamada perdida de Oliver. Vou ter uma

conversa séria com ele na segunda-feira, mas posso imaginar como deve

ter sido a discussão entre eles dois para ter chegado ao ponto de ele lhe

entregar as chaves. Maryanne, que não disse nada, dá de ombros,

parecendo cansada e surpresa, e desaba no sofá.

— Você e seu casamento duvidoso estão por toda a imprensa. —

Rowena franze a boca com desprezo.

— Mãe, você é a imprensa, porra! — retruco.

É por isso que ela está aqui? Meu casamento? Ou é pelo Kit?

Ela olha de cima, daquele seu jeito arrogante e irritante.

— Sou editora e proprietária de uma das principais revistas femininas

do Reino Unido. Não sou da imprensa sensacionalista.

Alessia se mexe, recuperando um pouco da compostura.

— Posso guardar seus casacos? E gostariam de um café? — Ela logo

se intromete.

— Por favor. — No sofá, Maryanne meio que suspira, meio que

arqueja. É óbvio que está exausta. — Aí podemos terminar com esse

espetáculo todo, e eu posso ir dormir um pouco.

— Francamente, Maryanne — repreende Rowena, os lábios

contraídos. — Vou ficar com meu casaco. E, sim. Eu gostaria de um

café. Café de verdade. — Seu tom de voz é o de uma mulher no


comando, mas só agora reparo que ela está agarrando um pequeno lenço,

como se sua vida dependesse dele.

Alessia ajeita a postura e levanta o queixo.

— É só o que nós temos. — Ela abre um sorriso breve e forçado para

a sogra, dá meia-volta e sai da sala de forma pomposa, em seu vestido

sensacional e batendo os saltos Jimmy Choo.

— Então, a que devemos essa honra, Rowena?

Ela vira os brilhantes olhos azuis para mim, e vejo neles… incerteza

e uma dor real. Fico totalmente confuso. Toda a animosidade que em

geral sinto em sua presença se evapora, me deixando vulnerável.

Uma bandeira branca toda acabada no meio de uma tempestade.

Cacete. Cara.

— Por favor. Se sente — sussurro, fazendo um gesto débil em direção

ao sofá.

Ela respira fundo.

— Não. Sente-se você. Vai precisar.

Faço o que ela manda sem questionar e me acomodo no sofá,

esperando a notícia devastadora que ela trouxe para mim e Maryanne.

Porque alguma coisa está errada.

Muitíssimo errada.

Ela se recompõe, daquela sua maneira peculiar — de um jeito que só

alguém que é editora, ex-condessa, ex-it girl conseguiria fazer —, e

levanta o queixo. Exatamente como minha esposa fez.

— Senti que sua mensagem sobre Kit e a situação dele merecia uma

resposta cara a cara. — Ela começa a andar de um lado para outro,

agarrada ao lenço bordado.

Maryanne e eu a observamos, os olhos bem abertos, sem arriscarmos

desviar a atenção um para o outro, enquanto nossa mãe continua a agir

completamente fora do normal.

— Você não tem nada com o que se preocupar, Maxim. Nenhum dos

dois tem nada com o que se preocupar. Nada.

Maryanne assente como se estivesse confirmando um diagnóstico.

Que porra ela sabe que eu não sei?


— Mama, por favor. Eu acabei de me casar. Nós queremos ter filhos.

Rowena contrai os lábios.

— Você pode tirar suas próprias conclusões. Repito. Não tem nada a

ver com você nem com Maryanne.

Franzo a testa, sem entender nada do que ela está dizendo, o que

podia estar errado com o Kit e por que isso não tem nada a ver comigo

ou com minha irmã.

— Ah, puta merda, você é tão devagar, Maxie! — explode Maryanne.

O quê?

— O papai não era o pai do Kit! — completa Maryanne, cada palavra

saindo de sua boca como uma exclamação.

* * *

Há momentos em que o mundo sai do eixo e começa a fazer uma

trajetória diferente e inusitada. Quando o mundo que você conhecia para

de existir e começa a assumir uma nova forma.

Como quando minha mãe deixou meu pai.

Como quando meu pai morreu.

Como quando Kit morreu.

E quando conheci Alessia… para o bem.

E agora, tudo o que eu sabia e acreditava desde minha infância sumiu

em poucas palavras devastadoras.

— Então, é isso. Você não tem nada com o que se preocupar —

repete Rowena, o tom de voz baixo carregado da tristeza de uma mãe

que perdeu o filho preferido.

Não filho dos meus pais.

O filho dela.

Seu menino dos olhos. Seu e só seu.

Alessia aparece na porta, trazendo uma bandeja com delicadas

xícaras de espresso e uma elegante prensa francesa que eu nem sabia que

tínhamos. Ela apoia a bandeja na mesa em frente ao sofá e me fita

cautelosamente antes de se sentar a meu lado.


Ninguém se mexe.

— O papai sabia? — A pergunta de Maryanne ecoa com uma

indignação válida no meio da atmosfera opressiva da sala.

— Sabia. — Minha mãe cerra os punhos.

— E ele levou sua vergonha para o túmulo — continua Maryanne no

mesmo tom.

— Levou — concorda Rowena, e fecha os olhos.

Ela se vira para mim, uma lágrima deslizando pela bochecha.

Merda. Nunca vi minha mãe chorar. Sinto minhas emoções entaladas

na garganta, aumentando e me asfixiando.

— Diga alguma coisa — murmura Rowena.

Mas não consigo. Fico sem palavras diante de sua infidelidade e

deslealdade, um mero observador casual da tragédia de uma família.

Meu pobre pai.

Meu exemplo.

Tudo faz sentido agora.

— Então, para não restar nenhuma dúvida — diz Maryanne,

levantando-se —, era o pai biológico de Kit que tinha um problema.

— Era. Ele morreu no ano passado por causa desse problema.

Puta merda.

O que eu devia sentir é… alívio. Mas não sinto nada.

Talvez apenas uma raiva profunda em nome de meu pai.

Em nome de Kit.

— Kit sabia? — As palavras saíram da minha boca.

Rowena faz um barulho abafado.

— Ele descobriu no Ano-Novo? — A voz de Maryanne está baixa,

recriminatória, enquanto as lágrimas enchem seus olhos.

Minha mãe infiel fecha os olhos mais uma vez, aperta o lenço e solta

um grito sobrenatural, apavorante, como se estivessem arrancando suas

entranhas.

Cacete. Ele sabia.

Foi por isso que ele saiu na moto, acelerando pelas pistas geladas da

propriedade.
Maryanne solta um som alto e parecido, os olhos verdes ardendo com

a monstruosidade dessa trágica notícia. Ela se põe de pé e sai da sala

feito um raio, desce o corredor e vai embora, batendo a porta.

— A Caroline sabe? — pergunto.

Minha mãe balança a cabeça.

— Ótimo. É melhor deixarmos assim. Agradeço por explicar tudo.

Acho que você deve ir embora agora. — Volto à personalidade neutra e

desinteressada que cultivei ao longo dos anos para lidar com a minha

mãe.

Ela aquiesce, incapaz de falar.

— Posso trazer alguma coisa? — oferece Alessia.

Rowena parece se recuperar e encara com desdém minha esposa linda

e solidária.

— Não. Não quero nada de gente como você.

Minha neutralidade dá lugar a um caldeirão fervente de raiva.

— Rowena, não se atreva a falar com minha esposa assim — aviso,

com o maxilar tensionado.

— Maxim. Agora você sabe. Você é filho do seu pai. Um cavaleiro

com armadura reluzente, um otário que não aguenta ver uma donzela em

perigo. Bem, esta donzela — ela aponta uma elegante unha vermelha

para si mesma — estava à altura da missão de manter o legado

Trevethick. Duvido que sua… diarista esteja. Você precisa de alguém da

sua classe, uma inglesa que compreenda as pressões do título e sua

posição na sociedade. Uma esposa que te ajude a desempenhar o papel

para o qual você nasceu e a proteger o seu legado. Além do mais, não é

como se seu casamento fosse legal. Heath andou investigando.

Alessia se encolhe como se tivesse sido atacada fisicamente.

Que merda é essa? Heath? Heath!

— Saia daqui. Saia daqui agora.


Maxim fica de pé, e Alessia também se levanta.

É uma demonstração de força. Dos dois juntos.

Rowena lança um olhar de superioridade e desdém para ambos, mas

Alessia percebe, através do véu de imparcialidade da sogra, o momento

em que o queixo de Rowena fica tenso e ela engole em seco. Está ferida

e magoada. Foi rejeitada pelos dois filhos e está descontando em Alessia

por ser um alvo fácil. Ela já foi vítima da língua maldosa de Rowena

nessa noite.

— E isso quando você enfim me chamou de “mamãe” — sussurra

Rowena para o filho. — Seria pedir demais que você mostrasse um

pouco de compaixão por mim, não é?

Ela dá meia-volta e começa a se afastar, confiante, os saltos fazendo

barulho no piso de madeira, ecoando pelo corredor até Rowena sair do

apartamento sem falar mais nada.

Compaixão? Por ela?

E ela sabe sobre nosso casamento, por causa de Heath! O peguete

dela! Merda!

Alessia vira o rosto delicado para mim, os olhos bem arregalados, e

solto o ar com força, sem me dar conta de que estava prendendo a

respiração.

— Você está bem? — pergunto, o coração disparado, bombeando

adrenalina para meu corpo, me preparando para uma discussão.

Estou pronto para brigar. Mas Rowena foi embora. Será que Alessia

quer brigar?

Ela aquiesce.

— E você?

— Não sei como devo me sentir depois dessa… notícia bombástica.

Sinto muito por você ter tido que testemunhar isso e sofrido as

consequências da fúria de Rowena.


Gesticulo para o ar, tentando assimilar o que acabou de acontecer.

Kit era meu meio-irmão.

Merda.

— Ouvi o que ela disse. Você sabia?

— Não. Estou perplexo. Minha mãe, um pilar da moral.

Pego a mão de Alessia e a puxo para meus braços.

Ficamos tontos e confusos nos braços um do outro por alguns

segundos — minutos, eu não sei — enquanto tento assimilar tudo o que

descobri. Tenho muitas perguntas. Estava tão atordoado que não

consegui questioná-la antes que ela saísse.

Meu pai sabia disso quando eles se casaram?

Quem era o pai de Kit?

Merda.

Alessia se afasta, e lembro que ainda temos que conversar.

— Era por isso que você andava distraído? — pergunta Alessia,

tentando se recompor.

— Era. Caroline foi ao escritório com as cartas do médico de Kit e de

um serviço de aconselhamento genético.

Alessia fica arrepiada e seu corpo enrijece. Por mais que queira, não

confia em Caroline. Mesmo depois das horas agradáveis que passaram

juntas hoje. Ela sabe que Caro está apaixonada por Maxim. Talvez

sempre tenha sido apaixonada por ele, mas se casou com o irmão por

causa do título, da riqueza e da posição social.

Maxim a observa, apreensivo.

— Ela precisava me mostrar as cartas. Eu contei para você.

— Ela disse que está trabalhando com você. Isso você não me

contou.

Maxim franze a testa.


— Não, não comigo. Para mim. Bem, para a família. Sinceramente,

Alessia… — Ele bufa, frustrado. — Caroline não é importante. Ela é o

último dos nossos problemas agora. O que é importante é que eu achei

que tinha um problema de saúde. Mandei uma mensagem para minha

mãe para descobrir se ela sabia alguma coisa sobre o Kit. Ela não quis

falar comigo. Até agora.

— E você também não me contou.

Maxim fecha os olhos e esfrega a testa.

— Não. Achei que você iria me deixar.

É a terceira vez nesta noite que Alessia sente falta de ar.

Uau. Como ele pôde pensar uma coisa dessas?

— Eu nunca deixaria você…

— Mas você me deixou, porra! — quase grito. — Na festa, hoje. Foi

embora sem nem se despedir. Por quê?

Os olhos de Alessia ficam desfocados e seu rosto se entristece, a

angústia nítida em sua mandíbula tensionada.

— Mas você… você… — murmura ela, incapaz de falar em voz alta,

ou sem desejar fazer isso.

Sinto um aperto no peito.

— O beijo? — No fundo, sei que é o que ela está tentando dizer.

Alessia encontra meu olhar e me encara com a mesma expressão

arrogante de minha mãe. Ela está se escondendo atrás disso, se

protegendo. Percebo isso agora, e me deixa arrasado.

— Charlotte estava bêbada. Ela foi minha namorada, e por algum

motivo bizarro se jogou em cima de mim. Me pegou de surpresa. Foi ela

que me beijou, e não o contrário. Eu a afastei, fiz ela se sentar, e saí para

procurar você. Daí você tinha sumido com o merda do Grisha! Grisha!

A raiva que flui pelas minhas veias me deixa mais exaltado. Eu me

afasto de Alessia e passo a mão pelo cabelo, tentando me controlar.


Merda do Grisha Egonov. Ele tem fama de babaca. Talvez tenha até

alguma ligação com o submundo do crime.

— Eu vi o beijo — diz Alessia em voz baixa. — Precisei sair. Grisha

me ajudou e chamou o motorista para me levar para casa. Ele foi gentil.

— Ele não é gentil! Você não pode confiar nele — replico, ríspido.

Em seguida, a seguro e a puxo para os meus braços. Quero sacudi-la,

mas não faço isso. — Você se colocou no que poderia ter sido uma

situação perigosa. Por que você faz isso? Por que você foge? Precisa

aprender a me enfrentar. Eu não fiz nada de errado. E nós podíamos ter

resolvido isso ali naquela hora.

— Eu achei… achei que talvez você se comportasse assim sempre —

retruca ela, apressada.

O quê? Não.

— Existem tantas — sussurra Alessia, e, nessas duas palavras, há um

mundo de mágoa que na verdade não consigo entender, e não posso

fazer nada a respeito.

— Alessia, estamos casados. Eu tenho um passado. Você sabe disso.

Mas só quero você. Mais ninguém. Não me importa o que minha mãe

diz. Não me importa o que o mundo diz. A imprensa… eles que se

fodam. Eu só quero você. E você me deixou, porra, mesmo sabendo

como eu fico preocupado com a sua segurança.

Apoio minha testa na dela e fecho os olhos.

Porra. Esta noite.

— Olhe, já está bem tarde. Tivemos nossa cota de drama por uma

noite. Vamos para a cama.

Dou um beijo em sua testa.

Alessia se sente como uma criança que foi repreendida. Ela gostaria de

não ter se afastado quando estava no mezanino, só para ter certeza de

que a história de Maxim é verdade. Soa tão plausível que deve ser. Ela
quer acreditar que essa é a verdade. Mas o marido estava escondendo

todas aquelas questões dela.

Será que ele acha que ela não consegue lidar com uma notícia dessas?

Será que ele a considera infantil?

Alessia é jovem e inexperiente. Mas não é uma criança.

— O que foi? — pergunta ele, os olhos verdes brilhantes ardendo ao

se concentrarem nos dela.

— Você devia ter me contado sobre seu irmão — diz ela, zangada.

— Eu não queria preocupar você até ter certeza do que se tratava. Por

favor. Estou cansado. As últimas horas foram uma merda. Vamos para a

cama.

Ele a solta, dá um passo para trás e eles se encaram.

Estão sensíveis. E tristes. E em lados opostos de um buraco enorme

que Alessia na realidade não entende.

Será que o buraco sempre esteve aqui, ou apareceu de repente?

Maxim fecha os olhos e, quando os abre de novo, estão turvos, com

uma expressão de derrota.

— Você está linda. Uma condessa nos mínimos detalhes, não importa

o que minha mãe disse. Sei que ela falou mais alguma coisa, e peço

desculpas por isso. Eu estou aqui. Eu te amo, mas, se isso não for

suficiente, não sei o que mais posso fazer. Estou cansado e vou para a

cama.

Ele se vira e sai da sala, os passos ecoando pelo corredor em direção

ao quarto, deixando Alessia hesitante e completamente só.


Capítulo Vinte e Um

No quarto, tiro o paletó e o jogo no sofá. Lá se vai meu terno da sorte.

Acho que vou queimá-lo. Me viro para a porta fechada, que nem um

idiota, e torço para que Alessia se junte a mim. Se ela não vier, não sei

como vamos ficar. Mas se vier, ela pode tirar minhas abotoaduras e me

despir. Iremos para a cama, vamos foder, ficar de conchinha e nos

abraçar. O dragãozinho chama minha atenção, apagado e sem vida.

Assim como eu, ele está sem energia, desanimado. Mas, onde quer que

Alessia durma, ela vai precisar dele, então talvez venha pegá-lo.

Tomara.

Não sei quanto tempo fico lá parado, atordoado e confuso, encarando

o pequeno pedaço de plástico moldado, mas não há sinal de minha

esposa. Ela abandonou tanto seu amigo dragão quanto a mim.

Retiro as abotoaduras e sigo para os botões, o cansaço me envolvendo

como um manto. Afundando na cama, eu me sento com a cabeça

apoiada nas mãos e tento processar as últimas horas.

Essa noite foi… intensa.

Lidei com uma ex-namorada bêbada, minha esposa sumida, minha

mãe infiel e suas revelações e seu brinquedinho sexual intrometido.

Cogito se teria sido Heath quem deu informações à imprensa. Ele

conhece as pessoas certas para fazer isso.

Filho da puta.

E a história do Kit. Meu meio-irmão.

Será que ele sabia? Rowena não respondeu a minha pergunta. Tento

relembrar a noite de Ano-Novo, quando estávamos na Mansão. Agora

não, Maxim!, ele tinha falado com rispidez enquanto saía enfurecido

pela porta de trás da cozinha, para a noite escura e gelada. E eu tinha me


virado e visto minha mãe seguir pelo corredor com pressa depois de sair

toda tensa do escritório de Kit, os saltos batendo em um ritmo

impactante e acelerado.

Será que eles estavam conversando? Brigando? Não me lembro de

ouvir ninguém aos berros. Porém, talvez eu só estivesse distraído, como

sempre.

Se ela contou ao Kit, então ele sabia que poderia perder tudo. Talvez

tenha ficado chocado, atordoado e furioso, e quem sabe tenha sido isso

que o impulsionara a pegar sua Ducati.

Sinto raiva. De Rowena.

E agora ela tem que carregar essa culpa.

A morte de Kit é culpa dela.

Ele tinha perdido tudo. Mas não exatamente. Apenas ele e Rowena

sabiam a verdade.

Puta que pariu.

É isso. Ela se sente responsável pela morte de Kit. Seu filho

preferido. A reação assustadora dela essa noite — o meio-grito, meio-

choro — foi prova disso. Eu não a tinha visto derramar uma lágrima por

ele até hoje à noite, quando a verdade foi enfim revelada.

Talvez, antes disso, ela tenha sofrido em silêncio.

Jamais saberei.

A não ser que ela e eu conversemos.

E isso não vai acontecer tão cedo.

Como seguir adiante depois disso?

Alessia cai no sofá, lágrimas brotando.

O que ela fez?

De alguma forma, durante a briga deles, ela se sentiu a vilã.

Mas por quê? Ela viu o marido beijando outra mulher, e foi embora

porque não queria assistir à traição dele. Fazia sentido, não? Depois ela
voltou para o apartamento dele e ainda foi criticada e menosprezada pela

sogra.

E insultada também!

Como se Alessia estivesse atrás de dinheiro!

Foi preciso recorrer a toda a sua força de vontade para não arrancar

os brincos das orelhas e jogá-los em Rowena.

Tudo o que Alessia quer é o amor de Maxim.

Isso você tem! A voz baixa e calma da sua consciência lhe relembra.

Ele diz isso o tempo todo. E falou mais uma vez agora mesmo.

O que ele fez para fazê-la pensar que não a ama?

Maxim explicou sobre o beijo. Ele não tem controle sobre a maneira

como as mulheres reagem a ele. Maxim provavelmente lida com esse

tipo de atenção desde a adolescência. E que homem fogoso não

aproveitaria?

Ele só mudou quando conheceu Alessia.

Ela viu a prova — ou a falta dela, no cesto de lixo do quarto dele.

Ninguém desde que vi você agarrada com uma vassoura no meu

corredor.

Só senti isso depois que conheci você.

A ira dela se dissipa, deixando um buraco no peito.

Ele não precisava se casar com ela. Podia ter ido embora. Mas

preferiu enfrentar a própria mãe por causa dela, e homens albaneses não

costumam fazer isso.

Maxim lhe deu o mundo.

Isso não é suficiente?

Por que ela é tão insegura?

As outras mulheres.

Todas elas. Incluindo as que Alessia conheceu. Caroline. Ticia.

Arabella.

Alessia. Alessia. Alessia.

Chega!

Ela precisa parar de se comparar com todas as mulheres com quem

ele dormiu.
Precisa aprender a confiar no marido. E depois que ele explicou sobre

aquele beijo, Maxim não lhe deu razão alguma para não confiar nele. E

se ela ainda duvidar dele, pode questioná-lo. Ele mesmo pediu. Discuta

comigo. Fale comigo.

Não é a primeira vez que ele diz aquilo. Você precisa me dizer o que

quer fazer, isso é uma parceria.

O buraco no peito dela fica mais fundo e sombrio. Ele recebeu

notícias perturbadoras e decidiu não compartilhar com ela porque

pensou que a esposa poderia ir embora.

Será que ele acha que ela é tão descomprometida e sem compaixão?

Onde está o senso de parceria na reação dela?

A culpa rasga seu coração como uma foice. Ela tem estado tão focada

nos próprios temores que não prestou atenção em como Maxim estava se

sentindo.

Maxim está em uma posição nova e difícil que ele não esperava; ele

se apaixonou, a resgatou de sequestradores, acabou de se casar e

guardou para si a notícia de que talvez tivesse uma doença que poderia

mudar sua vida.

Ele a protegeu disso.

E Alessia só está preocupada com o número de mulheres com quem

ele dormiu e suas ex-namoradas. Após a foice no seu coração, vem o

remorso, preenchendo o buraco e quase a sufocando.

O Zot. Idiota! Vá até ele!

E eu tenho que lidar com as inseguranças da minha esposa. Minha linda,

resignada e talentosa esposa que acha que não está à altura das mulheres

que vieram antes na minha vida. Rowena pode ser uma completa filha da

puta às vezes. Será que ela falou alguma coisa que está fazendo Alessia

repensar nossa relação?

Espero que não.


Contudo, não vou desistir. Só preciso de um tempo para botar minha

cabeça em ordem.

Minha doce e triste esposa.

Sinto um nó na garganta. Talvez Alessia nunca vá superar meu

passado. Isso a preocupa de uma maneira que não entendo. Talvez seja

nosso abismo cultural, mas, em minha defesa, posso afirmar

categoricamente que nunca olhei para outra mulher depois que a conheci

e estou tão obcecado por ela agora quanto antes.

Porém, eu não esperava me sentir tão… vulnerável.

Ou tão… triste.

E se ela for embora?

Porra! Isso é impensável.

Vou ficar devastado.

Eu me lembro de quando o Babaca sumiu com ela, de como foi

horrível. Esfrego o rosto, tentando afastar essa sensação, até que sinto o

cheiro de Alessia e ouço um roçar de seda. Uma brasa de esperança

ilumina a caverna na qual se encontra meu coração e abro os olhos. No

chão, vejo seus pés descalços, as unhas pintadas de vermelho. Quando

olho para cima, ela está parada em minha frente, e a imagem de seu

rosto molhado de lágrimas rasga minha alma.

— Ah, amor — murmuro e me levanto em um movimento rápido.

— Me desculpe. — A voz dela é quase inaudível.

— Ah, baby, me desculpe também. — Eu a puxo para um abraço,

inspirando seu cheiro e apertando com força o corpo dela contra o meu.

Conforme ela se aninha em mim, suas lágrimas encharcam meu

pescoço.

— Ei, amor, por favor, não chore — continuo.

Ela me abraça mais apertado e começa a chorar mais forte.

Cacete. É culpa minha. Eu fiz isso, e me lembro do choro dela no

quarto ao lado do meu no Esconderijo. Ela estava aflita daquela vez,

assim como agora.

Para falar a verdade, também estou. Aperto-a mais e a deixo chorar.

Talvez seja o que ela precisa. Sentando de novo na cama, embalo Alessia
no meu colo, balançando-a com delicadeza, e aquilo nos acalma. Talvez

seja disso que nós dois precisemos: colocar para fora as frustrações das

últimas horas.

É catártico.

Abraçar Alessia com força me deixa mais tranquilo. Minha linda e

resignada esposa precisa de mim. De mim.

Minha mãe estava certa.

Sou um otário que não aguenta ver uma donzela em perigo. Ou talvez

eu seja assim só com Alessia.

Por fim, ela se acalma, e estendo o braço para pegar um lenço de

papel na mesa de cabeceira.

— Aqui. Está melhor? — pergunto.

Ela aquiesce e limpa o nariz e os olhos borrados de rímel. Mas

mesmo assim… ela está linda.

Ainda mais linda.

— Ótimo. Eu também. — Beijo sua testa. — Deixe-me tirar você

desse vestido e podemos ir para a cama.

Eu a coloco no chão e me posiciono atrás dela. Empurro seu cabelo

para a frente do ombro e abro o vestido na altura do pescoço. Eu me

inclino e pressiono a boca em sua nuca, inspirando seu cheiro, e então

viro para me despir também.

Ela anda até o banheiro conforme tiro minha roupa e subo na cama.

Quando ela ressurge alguns minutos depois, está com o rosto lavado e

usando uma das minhas camisetas. Ela liga a luz do dragãozinho

enquanto puxo a colcha, aí sobe na cama, a meu lado, e se aconchega, a

cabeça em meu peito, o braço sobre meu corpo.

— Eu te amo — sussurra ela, e suas palavras se expandem dentro de

meu coração, preenchendo o vazio deixado pela infidelidade de minha

mãe.

— Eu sei. Eu também te amo.

Beijo o topo de sua cabeça, fecho os olhos e caio em um sono

exausto.
Meus passos ecoam de forma insistente no piso iluminado, e

meus olhos começam a piscar diante da claridade implacável

das lâmpadas fluorescentes.

Eu já estive aqui antes.

— Por aqui — indica a médica do pronto-socorro.

Ela para e me conduz até uma sala fria e mal iluminada —

o necrotério do hospital.

Não quero entrar. Não quero ver.

A médica da emergência me encara, os lábios vermelhos

franzidos.

Rowena?

— Para dentro — diz ela em um tom ríspido, impossível de

contrariar.

Lá dentro, em uma maca, embaixo de um lençol, está meu

irmão.

Kit.

Não! Aquele não é ele.

Sou eu deitado na maca… ferido e machucado… frio…

morto.

O quê?

De repente, observo Kit se inclinar e dar um beijo em

minha testa.

— Adeus, seu filho da puta — diz ele com a voz áspera, o

esforço por segurar as lágrimas pesando em sua garganta. —

Você consegue dar conta. Foi para isso que você nasceu.

Ele abre um sorriso torto e sincero, que reserva para os

raros momentos em que está fodido.

Kit! Não! Você entendeu errado.

Espere!

— Você consegue, Reserva — continua Kit, depois

desaparece.

Estou mais uma vez encarando-o, me inclinando sobre meu

irmão enquanto ele dorme. Mas, dessa vez, seu corpo


machucado indica que… ele não está dormindo. Ele está

morto.

Não! Kit! Não! As palavras não saem. Não consigo falar.

Está tudo errado.

E estou do lado de fora da sala, vendo minha mãe ir

embora apressada, os saltos provocando um barulho seco no

piso revestido à medida que ela se afasta cada vez mais.

Rowena! Mãe! Mamãe!

Acordo encharcado de suor, o coração batendo num ritmo furioso, o

sangue bombeando de forma frenética pelas veias, e tenho certeza de

que a cama está tremendo. Inspiro fundo para me acalmar e, aos poucos,

meu coração desacelera.

O quarto está silencioso e escuro. Não há nem mesmo os brilhos no

teto.

Alessia murmura alguma coisa ininteligível, mas volta a dormir.

Graças a Deus que ela está aqui.

Eu me viro para observá-la, apoio a cabeça no braço e reparo em suas

feições delicadas e adoráveis iluminadas pelo suave brilho do

dragãozinho.

É só um sonho.

Não. Um pesadelo. Um pesadelo profético.

Esfrego o rosto e me deito de costas, tentando afastar as imagens de

Kit e eu na maca fria.

Será que a revelação de minha mãe foi um choque para mim? Será

que eu sabia? Maryanne e eu somos uma mistura nítida dos nossos pais.

Kit não. Ele era louro de olhos azuis, determinado e imperioso. Um

pouco mais rígido, mais arrogante e cruel do que eu e Maryanne. Ele ter

obrigado Caro a fazer aulas de etiqueta foi uma surpresa para mim. Kit

sempre foi um pouco esnobe, e me pergunto se, bem no fundo, ele sabia

da verdade.

Cacete. Isso não muda nada. Ninguém precisa saber.

Eu devia ligar para Maryanne e perguntar como ela está.


Podemos manter isso entre nós — se minha mãe já não tiver revelado

tudo para Heath.

Quando viro para Alessia de novo, ela está me observando, os olhos

escuros brilhando na luz suave do dragãozinho.

— Acordei você?

— Não — sussurra ela, levando a palma à minha bochecha e me

acalmando no meio da tempestade.

Fecho os olhos, apreciando seu toque, e fico grato por Alessia me

distrair de meus pensamentos em ebulição.

— Você está bem? — pergunta ela. — Posso fazer alguma coisa?

Com meus olhos fixos nos dela, tento articular como estou me

sentindo, mas estou perdido em meu próprio turbilhão.

Alessia aquiesce como se entendesse e encosta a boca na minha.

— Você vai resolver isso. Até lá, estou com você. Me desculpe por

não estar aqui cedo… hum… antes. — Ela se aconchega mais perto,

apoiando a cabeça em meu peito, e coloco um braço em volta dela, em

um abraço apertado.

— Está tudo bem, baby — murmuro. — Eu devia ter te contado.

Quando não está brava comigo, Alessia é minha estrela-guia, e ao

senti-la tão perto, seu cheiro me inebria e me acalma.

Quando Alessia adormece novamente, fecho os olhos e me junto a

ela.
Capítulo Vinte e Dois

Acordo sobressaltado. É uma manhã clara de primavera e, quando olho

para o lado, vejo que estou sozinho.

Cacete. Será que ela está aqui?

Pulo da cama, visto minha calça jeans e saio do quarto. Alessia está

concentrada, inclinada sobre a bancada da cozinha. Ela sova massa de

pão com força, como se estivesse com raiva, ou como se sua vida

dependesse daquilo. Não tenho certeza de qual das duas opções. Está

descalça, e noto quando um fio de cabelo se solta de seu rabo de cavalo

e cola em sua bochecha e embaixo do queixo. Ela balança a cabeça para

o fio cair, olha para cima e congela quando me vê.

— Bom dia. — Minha voz é um sussurro.

— Oi — diz ela e se endireita.

Ela usa uma calça jeans justa e uma camiseta mais justa ainda, e não

para de se mexer, mas os olhos escuros estão cautelosos.

Será que é ressaca pelo desastre de ontem?

— Você está bem?

Alessia contrai os lábios, lava a mão rápido e pega o celular na

bancada.

— Minha mãe. Ela me mandou isso. Ela tem um alerta do Google.

Sinto um aperto no coração quando minha esposa me entrega o

telefone e, óbvio, vejo uma matéria com o título “O Conde, a Ex e a

Esposa”. Uma série de fotografias da noite passada acompanham o

texto: Alessia, Caroline e eu chegando na festa, nós três juntos e uma

foto de Charlotte me beijando. Nela, fica evidente que estou tentando

afastá-la, mas tenho certeza de que comprovar isso não era a intenção

quando escolheram publicar essa foto. Volto a atenção para Alessia.


— Adorei a que estamos nós dois. — Eu lhe devolvo o celular. —

Sua mãe que mandou, é?

Alessia assente e apoia o telefone na bancada.

— Ela está preocupada.

— Você a tranquilizou?

— Sim.

— Ótimo. Você está tranquila?

Ela morde o lábio, os olhos cheios de lágrimas, e tenho minha

resposta. Estendendo o braço, passo o polegar por seu trêmulo lábio

superior.

— Você não queria ter que passar por isso, né?

Ela inspira com força, e fico com medo do que vai dizer. Mas ela

passa a língua no meu polegar, depois faz um bico com os lábios e beija

a ponta do meu dedo. Sinto um arrepio viajar como um trovão para

minha virilha, aquecendo tudo no caminho, e abafo um gemido, pego

completamente de surpresa.

Fixos em mim, os olhos de Alessia se abrem mais um pouco.

Não de medo ou raiva.

Do mesmo arrepio de desejo.

Ela suspira com força, secando meu polegar molhado por seu beijo, o

que faz meu sangue disparar.

Lá para baixo.

Os olhos dela seguem o mesmo caminho, e meu pau se anima quando

ela solta minha mão.

— Alessia — sussurro, e não sei se é um pedido ou aviso.

Seus olhos escuros encontram os meus. As lágrimas já não estão

mais ali; há apenas uma expressão ardente, cheia de promessa carnal. Eu

me aproximo e me sinto inundado pelo cheiro e o calor de seu corpo. A

única coisa que quero é agarrá-la, tirar sua calça e foder com ela na

bancada da cozinha. Mas quero que ela tome a iniciativa.

— O que você quer, meu amor?

Hesitante, ela levanta a mão e percorre meu lábio inferior com o

polegar.
— Não, eu não queria ter que passar por isso. Mas eu quero você.

Suas palavras são proferidas com suavidade.

E nelas. Há esperança. Para nós.

Meus sentidos ficam mais aguçados, sinto o ar pesar entre nós,

carregado de desejo e promessas.

E fogo.

E expectativa.

É inebriante e viciante.

Eu nunca me senti assim com ninguém. Minha doce e sedutora

esposa. Ela lançou um feitiço sobre mim e não tem ideia de como sua

mágica me afeta.

Ou talvez tenha.

— O que você quer, Alessia?

— Você — sussurra ela, e passa a ponta dos dedos pelo meu peito,

disparando uma corrente elétrica pelo meu corpo.

Meus mamilos se contraem com o toque, e sinto um arrepio descer

pela barriga e os pelos que vão do umbigo até lá embaixo. Alessia vai até

o botão da calça. Mantendo os olhos em mim, ela o abre com um

movimento ágil. E seus dedos descem mais, envolvendo minha ereção

pesada através da calça jeans.

— Eu sou seu.

Inclino a pélvis, provocando uma fricção contra a palma de sua mão,

e fecho os olhos, cerrando as mãos para me impedir de envolvê-la em

meus braços.

Por entre as pálpebras pesadas de desejo, Alessia observa o marido.

Você vai ter que lutar por ele. As palavras de sua mãe na ligação

daquela manhã soam em sua cabeça. E ela vai. Usando todas as armas

de que dispõe.

Ela o ama.
Ela sabe disso.

Ela o quer.

E ela quer que ele a queira. Alessia passa os dedos sobre a ereção

dele mais uma vez. O pau rígido do marido significa que ela conseguiu.

Seduzir o marido é uma sensação inebriante.

Ou talvez ele é quem a esteja seduzindo…

Ela não se importa.

O que ela não queria era ter que lidar com as outras mulheres.

Entretanto, elas não significam mais nada para ele. Maxim disse isso,

e ela escolheu acreditar. Embora haja evidências questionáveis

espalhadas por todos os jornais. Na fotografia, Alessia consegue ver que

ele estava tentando afastar a mulher.

E agora ela o quer. Mas ele não tocou nela desde que o polegar dele

roçou seu lábio.

É frustrante.

Discuta comigo. Fale comigo.

Essas foram as palavras dele.

— Me fode — diz ela, porque é o que ela quer.

Aqui. Agora.

Maxim geme e dá um passo à frente. O corpo dele arde perto de

Alessia. Ele segura o rosto dela e a beija com paixão. Sua língua ávida

encontra e provoca a da esposa, e Alessia agarra o cabelo de Maxim e

desfruta daquele beijo. Querendo mais, dando mais. Quando ambos

perdem o fôlego, ele se afasta de forma brusca e fica de joelhos. Com

habilidade, desabotoa a calça jeans de Alessia e a puxa para baixo, com

a calcinha. Agarra as coxas nuas da mulher e aproxima Alessia de seu

nariz e sua boca.

— Ah. — Ela geme e agarra a bancada para se equilibrar.

A língua de Maxim está nela.

Para valer.

Provocando.

Fazendo círculos.

Levando-a ao êxtase.
Deixando-a cada vez mais molhada.

Alessia inclina a cabeça para trás, agarrando o cabelo dele com uma

das mãos, a outra segurando a bancada, e ela geme, se rendendo às

habilidades magistrais de Maxim.

Acho que vou explodir. De pé, pronto para penetrar minha esposa,

agarro sua bunda magnífica e a apoio na bancada.

— Nunca transei aqui — murmuro enquanto abro a calça, liberando

meu pau duro.

Alessia aprova a ideia e enrosca as pernas em mim, me puxando para

mais perto, cravando os calcanhares na minha bunda. Ela apoia os

braços nos meus ombros, e nós dois paramos, nos encarando, nossa

respiração se misturando. Ela me beija. E se afasta.

— Estou sentindo meu gosto — sussurra ela.

— Melhor sabor do mundo.

Ela sorri — o rosto inteiro se iluminando como um dia alegre de

primavera — e pega meu rosto, levando minha boca à dela, e nos

beijamos, os lábios cobertos de uma combinação inebriante da excitação

de Alessia e a minha saliva.

Estão escorregadios e molhados.

E maravilhosos.

E, bem devagar, penetro minha esposa.

— Ah. — Ela geme, se inclinando para trás e batendo a cabeça no

armário. — Ai!

Ela ri, e seguro sua cabeça, sabendo que ela não se machucou, então

enfio mais forte e mais fundo dentro dela. Ela se agarra a mim enquanto

estabeleço um ritmo intenso, do tipo esqueça-todo-o-resto. Ela morde

minha orelha, sua respiração quente e forte em meu ouvido enquanto me

perco nela.

E sinto Alessia. Se deixando levar. Cada vez mais.


Continuo, banindo todos os pensamentos sobre a noite passada, só eu

e ela existimos nesse momento.

Alessia.

Ela está em êxtase, e me leva junto.

— Maxim — grita ela quando goza, e o poder de seu orgasmo me

leva ao limite.

Chego ao clímax de forma intensa e rápida, dentro de minha linda

esposa.

— Estou com farinha no bumbum — murmura Alessia.

Maxim ergue o rosto dela e ri.

— Está aí uma frase que eu nunca pensei que fosse ouvir. — Ele

desce o nariz pelo dela e a beija com doçura.

Ele ainda está dentro dela, e nenhum dos dois parece querer se mexer.

— Eu te amo, Lady Trevethick.

— Eu te amo, Lorde Trevethick.

— Ótimo.

Ela o abraça com força, mantendo-o ancorado dentro dela.

— Se você beijar mais alguém, vou remover esse órgão — diz ela,

enterrando os calcanhares na bunda nua dele.

Maxim ri e se separa dela.

— Entendido, minha dama.

Alessia sorri.

— Vou lutar por você — diz ela enquanto ele veste a calça jeans.

Com os olhos verdes brilhando, ele acaricia o rosto de Alessia,

traçando o contorno de seus lábios com os polegares.

— Ah, meu amor, você não precisa lutar por mim. Eu sou seu.

Sempre serei. Vou ser seu por quanto tempo você me quiser.

Alessia fica sem fôlego com as palavras apaixonadas dele.

Ele a avalia, parado entre as pernas dela.


— O que eu posso fazer para convencer você?

Ela franze a testa. Aonde ele quer chegar?

— Já sei — continua Maxim, o rosto se iluminando com uma súbita

inspiração. — Vamos ter um bebê.


C a p í t u l o V i n t e e Tr ê s

Alessia arfa e encara aqueles olhos verdes brilhantes, pega de surpresa.

— Um bebê? — repete com a voz esganiçada.

Ele dá um beijo suave no canto da boca da esposa.

— Isso. Um menino. — Ele a beija de novo. — Depois uma menina.

— Outro beijo. — Depois um menino de novo. — Mais um beijo. — E

outra menina. — Ele beija sua boca.

Alessia dá uma risadinha.

— Quatro filhos! Não tenho certeza de que funciona assim.

— Eu sei como funciona — resmunga ele, achando graça.

— É o seu dever?

Maxim ri.

— Ah, meu amor. Engraçada e talentosa. Nunca mude. — Ele roça o

nariz dela no seu.

— Meu bumbum está coberto de farinha e você quer bebês.

Ele assente.

— Posso tomar banho primeiro?

Ele sorri e olha para a bancada do lado dela, onde a massa foi

deixada de lado, mas continua crescendo.

— Eu preferia café da manhã. — Ele a beija de novo, e ela se

desvencilha.

— Me ajude a descer daqui e eu faço o café da manhã para você.

— Só se você me prometer não colocar de volta a calça nem a

calcinha. — Ele a levanta da bancada com delicadeza e a desliza para

baixo junto ao próprio corpo até os pés de Alessia tocarem no chão. Ele

segura a cabeça dela. — Eu quero filhos. Muitos. Pensei… — Ele engole

em seco. — Pensei que com a condição de Kit, talvez …


— Ah, Maxim — sussurra Alessia, percebendo que esse era mais um

motivo de angústia para ele nos últimos tempos.

Ela se inclina, levando os lábios aos dele, e o beija, um gesto doce e

arrependido.

Toda aquela preocupação e ela não fazia ideia.

— Vamos tomar café da manhã e conversar sobre isso.

— Podemos sair — oferece Maxim.

— Eu gosto de fazer café da manhã para você, Maxim. Eu quero

cuidar de você, assim como você quer cuidar de mim. Isso é uma

parceria.

Os dedos de Alessia afagam meu cabelo, nós dois deitados na cama.

Exaustos. Saciados. Juntos. Com minha cabeça apoiada em sua barriga,

eu me viro e beijo sua pele macia, imaginando que nosso filho já está ali

dentro.

Alessia não tem a mesma urgência que eu. Ela não percebe que estou

tentando prendê-la a mim de qualquer maneira, mas conversamos, e ela

está certa. Ela é jovem e quer ver um pouco do mundo antes de termos

filhos.

Cara. No que você estava pensando?

Fico imaginando o tipo de avó que minha mãe seria.

Suspiro. Não faço ideia de como consertar nossa relação.

Mas será que eu quero?

— O que foi? — pergunta Alessia.

— Estava pensando na minha mãe.

Alessia enrijece.

Merda.

— Ela ofendeu você?

Alessia fica muda, e seus dedos param de mexer no meu cabelo,

então viro a cabeça para cima, na direção dela.


Ela engole em seco, os olhos brilhando.

— Ela perguntou quanto dinheiro eu queria para deixar você.

Puta. Que. Pariu!

Eu sento, me recosto nos travesseiros e puxo minha esposa para meus

braços.

— Sinto muito.

— Fiquei magoada e com raiva, mas ela só estava fazendo isso

porque achava que era… para o seu… hum…

— Para o meu bem?

— É. Isso.

— Não é para o meu bem de jeito nenhum. Aquela mulher não

saberia o que é bom para mim nem se estivesse na cara dela. Você não

merece ouvir esse tipo de coisa. Pelo contrário … — Eu paro, porque o

que estou prestes a dizer sobre minha própria mãe é… inadequado pra

cacete. — Quem ela pensa que é? — Balanço a cabeça sem acreditar e

beijo a cabeça de Alessia.

— Bom, ela veio aqui e teve coragem de contar pra você e sua irmã

cara para cara sobre o irmão de vocês.

— Bem, você está sendo generosa. Mas acho que está certa. —

Ofereço um sorriso. — E é “cara a cara”.

Alessia sorri.

— Aí está ele. Meu professor de inglês.

— Estou disponível sempre que você quiser.

— Eu quero você para sempre. — A sinceridade e o amor de Alessia

estão em cada sílaba. Ela diz as palavras com tanta tranquilidade que

aquilo preenche minha alma.

Enrosco meus dedos nos dela e os levo a meus lábios. E pensar que

brigamos ontem à noite… Imagino o que teria acontecido se minha mãe

não tivesse feito aquela aparição inconveniente.

— Fico pensando por que ela veio lá de Manhattan para nos contar

tudo de uma maneira tão hostil.

— Talvez ela estivesse se punindo? — sugere Alessia.

Uau.

É
— É um bom chute. Você acha?

Ela balança a cabeça. É apenas uma hipótese, mas é possível. Talvez

minha mãe esteja com vergonha.

Quem sabe? Ela é capaz de sentir vergonha?

— Vamos sair para almoçar? — convido, e Alessia sorri. — Talvez

tenhamos que driblar a imprensa depois daquela matéria sórdida —

acrescento.

Alessia dá de ombros.

— Não precisamos dar nenhuma declaração.

Abro um sorriso.

— Isso mesmo.

Na segunda-feira de manhã, Alessia e Maxim deixam o apartamento

pela saída de incêndio para evitar o aglomerado de repórteres do lado de

fora do prédio. Maxim chama um táxi e eles se acomodam no banco

traseiro rumo à Academia de Etiqueta e Boas Maneiras de Londres,

felizes por terem escapado.

— Que lugar é esse? — pergunta Alessia, indicando com o queixo

um prédio enorme meio gótico.

— É o Museu de História Natural. Devíamos ir. Do lado fica o

Museu de Ciências. Passei muitas tardes de sábado lá. Nossa babá na

época era apaixonada por ciências. Mas tem um espaço incrível para as

crianças brincarem e explorarem.

Alessia sorri.

— Um dia vamos levar nossos filhos.

Maxim olha para ela.

— Ou a babá vai. — Ele encosta no joelho dela e o acaricia.

— Babá? — Alessia não pensou que talvez eles tivessem alguém para

ajudar a cuidar dos filhos.

É
— É só uma ideia. Eu tive uma babá. Bem, na verdade, várias. E olhe

como deu certo para mim.

Alessia ri. E Maxim faz uma careta, fingindo estar ofendido.

— O que você está insinuando? Eu não sou a epítome do homem

bem-educado?

— Óbvio que é. — Ela dá uma risadinha. — Você tem excelentes

maneiras. E, depois dessa semana, eu também vou ter. — Ela bate no

joelho dele, abafando uma risada.

O táxi para do lado de fora de um impressionante prédio branco em

Queen’s Gate, South Kensington.

— Chegamos.

Maxim abre a porta e sai. Alessia vai atrás dele, olhando para cima,

para a arquitetura ainda mais imponente.

— Quer que eu entre com você? — oferece Maxim.

Alessia tenta conter um sorriso. Ele está inquieto a manhã inteira,

como uma galinha com seus pintinhos. É um lado dele que ela ainda não

conhecia.

— Vou ficar bem.

— Me mande uma mensagem se precisar de alguma coisa.

Ele dá um beijo rápido nela e volta para o táxi, e Alessia sobe os

degraus de pedra para a porta preta brilhante.

Tantas portas pretas brilhantes em Londres…

Ela tenta ignorar o nervosismo e toca a campainha de bronze. A porta

abre com um zumbido, e Alessia entra em um corredor amplo pintado

de um tom resplandecente de branco. De trás da mesa da recepção, uma

jovem com um terninho cinza levanta a cabeça, uma expressão simpática

no rosto.

— A Academia de Etiqueta… — pergunta Alessia.

— Primeiro andar. A recepção é na porta à esquerda.

— Obrigada — diz Alessia, surpresa por ser interrompida.

Ela sobe a ampla escada, que range a cada passo. Quando chega no

primeiro andar, vira à esquerda em direção à porta com uma placa

discreta onde se lê: AEBML. Dentro da sala branca com pé-direito alto,
ela é recebida por uma mulher mais velha vestida de forma requintada,

com pérolas nas orelhas e no pescoço e carregando uma prancheta.

— Bom dia — cumprimenta a mulher, o sorriso simpático indo até

os brilhantes olhos castanhos.

— Olá — responde Alessia.

— Meu nome é Belinda Donaldson, sou a diretora, e vou fazer sua

matrícula. Usamos o primeiro nome das nossas alunas aqui na Academia

para proteger a identidade de todas.

— Meu nome é Alessia.

— Excelente. Bem-vinda, Alessia. Você foi a primeira a chegar.

Pontualidade é a educação dos reis… e rainhas. Por favor, sirva-se de

chá ou café e sente-se.

Alessia enche uma das delicadas xícaras de café e se senta. Ela

observa enquanto as demais mulheres chegam e são recebidas de uma

maneira parecida por Belinda. São todas elegantes, algumas de vestido,

outras de calça como ela, e a maioria é jovem, porém há uma mulher

mais velha, que deve ter uns cinquenta e poucos anos. Alessia fica feliz

por estar usando sua nova calça preta, camisa branca e blazer; saber que

está bem-vestida aumentou sua confiança. Pela primeira vez, sente que

seu lugar é com essas mulheres.

Uma jovem de cabelo ruivo esvoaçante entra na sala esbaforida e aos

tropeços.

— Oi — diz ela, tentando recuperar o fôlego. — Achei que eu fosse

me atrasar.

Belinda a avalia com frieza.

— Bom dia. Não precisa ter pressa, você ainda tem tempo.

— Ótimo. Obrigada. Meu nome é Tabitha, Lady…

— Tenho que interrompê-la, Tabitha. Aqui usamos somente o

primeiro nome. Por favor. Sente-se e se sirva de chá ou café. Vamos

começar em breve.

Depois de um delicioso almoço em um pub no dia anterior, Alessia e

Maxim foram a uma exposição de arte pré-rafaelita na Tate Britain, uma

galeria perto da casa deles. O cabelo ruivo comprido e o vestido de


chiffon esvoaçante de Tabitha fizeram Alessia se lembrar de uma das

representações dos quadros.

As mulheres voltam a conversar em voz baixa, e Tabitha se senta ao

lado de Alessia.

— Oi, meu nome é Tabitha. Achei que estava atrasada! — Ela faz

uma careta e Alessia sorri, se sentindo um pouco mais relaxada ao se

apresentar.

Ela fica encantada com o sorriso alegre de Tabitha.

— Eu cheguei cedo demais — confessa Alessia. — Estou nervosa.

Tabitha abre um sorriso enorme, como se tivesse encontrado uma

amiga que não via há muito tempo.

— Você vai ficar bem — diz, e Alessia se sente mais leve e confiante.

No domingo, recebi milhares de mensagens sobre a festa de Dimitri e as

fotos de Alessia e da maldita Charlotte. Eu as ignorei, escolhendo

aproveitar a companhia de minha esposa. E tivemos um dia realmente

maravilhoso… parece que viramos uma página. Sobrevivemos à nossa

primeira grande discussão, à visita e às revelações da minha mãe e à

atenção extremamente indesejada da imprensa.

E até que enfim Alessia parece estar se impondo.

Se você beijar mais alguém, vou remover esse órgão.

Balanço a cabeça, sorrindo ao pensar em minha esposa possessiva e

ciumenta.

No entanto, quando me sento à mesa e tento ler as regras para destilar

álcool no Reino Unido, não consigo me concentrar. Meu cérebro

continua pensando nas revelações de minha mãe, analisando todos os

mínimos detalhes. Liguei e deixei mensagens para Maryanne, mas ela

ainda não retornou.

Será que ela está com raiva de mim?


Acho que provoquei a situação, já que não contei a Maryanne sobre o

aconselhamento genético de Kit.

Cacete.

E não sei direito como devo me sentir depois das notícias chocantes

de Rowena.

Estarrecido?

Perturbado?

Furioso?

É, tudo isso junto.

Cara, se controle.

* * *

Minha segunda reunião do dia é na reforma do prédio em Mayfair, com

Oliver e Caroline. Vamos analisar o projeto e os planos de decoração

para os halls de entrada, as áreas comuns e o apartamento modelo.

Caroline e Oliver já estão à porta, conversando amenidades de uma

forma desconfortável, pelo visto. Oliver, por alguma razão, parece um

pouco nervoso, enquanto Caroline o observa com frieza, mantendo

distância.

— Maxim! — Caro se alegra, e me recebe com um beijinho na

bochecha.

— Então, o que você acha? — pergunto.

— Esse espaço é bem iluminado e arejado, podemos fazer muita

coisa aqui, só depende de você. O que você quer que esse espaço

transmita? Qual o seu objetivo?

Não tenho certeza se ela está me zoando ou não. É a primeira vez que

trabalhamos juntos.

— Quero uma decoração clássica, atemporal, algo que eu não precise

mudar todos os anos.

Oliver sorri, aprovando.

— Isso. Pragmático — reforça ele.


— Você está parecendo o Kit — repreende Caroline, e um

emaranhado de emoções conflituosas invade minha garganta.

Kit. Meu meio-irmão.

E Caro não sabe.

— Obrigado — murmuro. — Vou tomar isso como um elogio.

Ela sorri.

— Foi minha intenção.

— Vamos ver as áreas comuns para você ter uma ideia de todo o

trabalho necessário — intervém Oliver, o olhar fixo em Caroline.

Ela lhe oferece um sorriso frio e educado.

— Posso esboçar algumas ideias e tirar algumas fotos enquanto

andamos.

Alessia está prestando atenção em Jennifer Knight, a professora de

etiqueta social e dona da escola.

— Nossa missão é permitir que todas vocês estejam aptas a

apresentarem as melhores versões de si mesmas. Vocês terão confiança

para entrar em qualquer lugar e saber exatamente como se comportar.

Da sala de reuniões ao salão de festas, vocês estarão preparadas para

lidar com qualquer trabalho ou situação social. Vamos começar com o

básico: apresentações, tanto formais quanto informais, quais títulos

vocês devem usar e, apesar de mantermos o foco na etiqueta britânica,

diferenças culturais das quais devem estar cientes. Assim, vão ser

capazes de fazer qualquer pessoa que conheçam ou cumprimentem se

sentir confortável e respeitada. — Jennifer abre um amplo sorriso para a

turma. — Peço que abram na primeira página da apostila para

começarmos.

Alessia segue à risca as orientações, enquanto Tabitha tenta não

parecer entediada, sem muito sucesso.


— Acho que tenho tudo de que preciso — conclui Caroline.

— Excelente. — Oliver dá um sorriso raro e aliviado.

— Vocês têm um orçamento em mente? — Caro se dirige a mim.

— Faça os projetos e nos dê opções — declaro, e Oliver assente em

aprovação mais uma vez, acho, o que é encorajador.

— Certo. Isso não vai ser muito difícil. Se já tivermos terminado,

podemos tomar um café, Maxim?

— Lógico. Tem um café do outro lado da rua. Oliver, nos vemos no

escritório.

— Tudo bem. Aguardo seu retorno, Caroline — diz ele com rigidez.

Qual o problema com esses dois?

* * *

— Tem alguma coisa incomodando você? — pergunto, observando

Caroline se sentar na banqueta.

— Sim. Você conseguiu conversar com Rowena?

Eu me sento na cadeira em frente a Caro e tenho dificuldade para

falar.

— Sobre o quê?

— Sobre o problema genético de Kit.

Pigarreio.

— Sim. Claro. Eu conversei com Rowena. Ela disse que não há nada

com que me preocupar.

Caro semicerra os olhos, me prendendo com seu olhar curioso. Por

dentro, estou me debatendo. Essa não é uma conversa que eu esperava

ter agora. Ainda estou absorvendo a bomba lançada por minha mãe.

— O que você não está me contando? — O tom de voz de Caro é

rude. Ela está irritada.

— Nada.

— Maxim, você está mentindo. Eu conheço você. Seu rosto inteiro

fica imóvel enquanto seu cérebro não para de pensar no que dizer.
— Não é verdade! E eu já falei. Ela garantiu que não há nada com

que se preocupar.

— Era tudo alarme falso?

Só digo “aham” e espero que ela acredite. Não quero mentir para

Caro.

— Estou tentando organizar a homenagem fúnebre para o Kit, e você

não confirma a data e Rowena não atende as minhas ligações.

— Ah. — Droga.

Eu tinha me esquecido da homenagem fúnebre.

— Ela não costuma me ignorar assim — continua Caro. — Não sei

se eu a ofendi. Mas deve ter algum motivo. Você pode falar com ela?

— Ela também não está falando comigo.

— Sério? Por quê? Você acha que ela está bem?

— Não sei.

— Quando você falou com ela?

— No fim de semana.

Caroline bufa.

— Maryanne também desapareceu. Talvez elas tenham viajado

juntas.

— Talvez. Você tem uma lista de convidados para a homenagem?

— Tenho. Vou te mandar e você pode acrescentar pessoas. Estou

esperando os convidados da sua mãe.

— Falei para Rowena que eu escreveria o discurso fúnebre.

— Podemos discutir as leituras?

— Quando você quiser. Alessia está no curso de etiqueta esta

semana.

— Ótimo. Ela vai se sentir muito mais confiante depois. E vai fazer

novas amigas.

— Isso.

— Você está preocupado? — zomba Caroline. — Pelo amor de Deus,

Maxim. Ela é adulta.

— Eu sei. Eu sei. Mas o sequestro. Eu… eu… — Dou de ombros.

O que eu posso dizer? A segurança de Alessia é minha prioridade.


— Sim, mas ela está aqui agora, com você. Ela vai ficar bem.

— A propósito, o que você disse para Charlotte Hampshire na festa

do Dimitri?

— Nada! — responde ela, rápido demais, mas não tenho certeza se

acredito.

— Caro? — Arqueio uma sobrancelha como advertência.

O que você disse?

— É por causa daquela foto? Está em todo lugar. Você e Alessia

brigaram?

— Foi essa a sua intenção? Causar uma crise no meu casamento? —

Eu lhe dirijo uma expressão séria, e o clima entre nós fica tenso.

Caroline arregala os olhos.

— Não? Por que eu faria isso? — pergunta ela, num tom de falsa

indignação. — É isso que você acha?

— Caro, eu não sei o que pensar. Mas Alessia e eu estamos bem.

Pare de interferir, porra, ou vai haver consequências.

Ela fica irritada, mas permanece em silêncio. É óbvio que ela falou

alguma coisa para Charlotte.

— E o que houve entre você e Oliver? — pergunto, tentando mudar

de assunto.

— Do que você está falando? — diz ela de maneira ríspida.

— Não sei, mas havia uma energia estranha entre vocês.

— Ah, pelo amor de Deus. Você está delirando. Acho melhor ir

embora e me concentrar nesse trabalho. — Ela se levanta. — Me avise

se tiver notícias de Rowena.

— E isso é tudo por hoje, senhoras — diz Jennifer. — Amanhã, vamos

abordar a questão da comunicação. Desde mandar mensagens de texto a

escrever cartas. Obrigada por seu tempo e sua atenção hoje.


Ela sorri, e Alessia quase relaxa o corpo de alívio, mas se contém, já

que suportou uma tarde inteira de aulas de comportamento e aprendeu

sobre posturas corretas.

— Estou desesperada para beber alguma coisa — sussurra Tabitha do

lado dela. — Por favor, diga que você vai comigo.

— Hum… — Alessia hesita.

É a primeira vez que isso acontece, que uma estranha a convida para

uma bebida. Mas ela gostou de Tabitha. Elas têm a mesma idade.

Maxim não vai se importar.

Vai?

— Não me diga que você precisa voltar para o seu marido, Alessia.

— Como você…?

— Sua aliança. Imaginei que você era casada. Mas você parece

incrivelmente nova para ser casada.

Alessia sorri.

— No meu país, é normal se casar jovem.

— Me conte tudo enquanto bebemos alguma coisa! Por favor.

Meu celular vibra. É uma mensagem de Maryanne. Até que enfim.

Estou em Seattle.
Mando mensagem quando estiver em casa.

Você está bem?

Não. Ainda abalada com as revelações de nossa querida mamãe.


Vim pra cá para me recuperar.

Como você conseguiu uma folga?

Com jeitinho!

O quê?! A resposta dela me faz rir. É a mensagem mais não

Maryanne possível. Mas estou feliz que ela ainda esteja falando comigo e
que esteja descansando. Será que ela foi ver o cara que conheceu quando

foi esquiar? Não ouso perguntar.

Aproveite.

Pode deixar.
Você está bem?

Aham.

Maxie, era seu desde o início.


Não de Kit.

O quê?

O título de conde.
Era seu.

Meu couro cabeludo se eriça.

Era meu desde o início.

Eu era o visconde. Depois o conde.

Não Kit.

Isso é difícil de engolir.

Eu sei. ♥
Mas era você, Maxie.
Sempre foi você.
Lembre-se disso.
Coitado do Kit. Descobrir daquela maneira.
Ele deve ter ficado furioso.

É. Não consigo parar de pensar nisso.

Queria saber o que ele tinha.

O que ele tinha?

A condição genética dele.

Alguma coisa horrível, imagino.


Não quero saber.
Coitado dele.
É. Talvez você esteja certo.
Nós amávamos ele.

Amávamos, sim.

Vou voltar no fim dessa semana.


Aí podemos conversar.
Preciso levantar.
Vamos andar em um catamarã gigante.

Se cuide.
Bj
M

Suspiro. Maryanne ainda está falando comigo, diferente de minha

mãe. E ela está focada em uma coisa na qual eu não tinha pensado.

Minha família é obcecada com linhagens sanguíneas desde que o título

de conde foi criado nos anos 1600. Minha mãe também era movida pelo

legado. Aquilo foi incutido em todos nós.

Em Kit, em especial.

Que ironia.

E, com a morte dele, o segredo de minha mãe morreu. E ninguém

nunca vai precisar saber.

Ela não precisava nos contar.

Ela podia ter dito que as questões genéticas de Kit eram um alarme

falso. Talvez Alessia tenha razão. Ela está se redimindo de seus pecados.

Suas mentiras.

Droga. Preciso falar com ela. Mas, depois do que ela disse para

minha esposa, não tenho certeza se a quero em nossa vida.

Meu celular vibra de novo, e acho que pode ser Maryanne, com mais

pérolas de sabedoria. Mas é Alessia.

Vou a um bar com uma mulher que conheci no curso.


Vou tentar não chegar tarde.

Sinto uma inquietação apertar o peito. Não tenho certeza de como me

sinto com Alessia solta em Londres com uma estranha. Relembro o que
Caroline disse mais cedo.

Pelo amor de Deus, Maxim. Ela é adulta.

É verdade. Mas antes ela era superprotegida, de uma forma quase

claustrofóbica. Eu vi. Vivi aquilo por uma semana.

Parece ótimo. Já terminei aqui.


Posso encontrar vocês?

Sim!!
Estamos no Gore.
Bjs

Alessia está fascinada por Tabitha. As duas bebem gim-tônica, e Tabitha

conta que mora em um castelo na Escócia, embora Alessia não consiga

distinguir um sotaque escocês. Tabitha terminou o curso de história da

arte no ano passado na Universidade de Bristol e está em um ano

sabático fazendo trilhas entre o Quênia e a Tanzânia com uma amiga.

Parece empolgante e mais audacioso que qualquer coisa que Alessia já

fez. Exceto pela viagem horrível para a Inglaterra, mas Alessia decide

manter essa história em segredo.

— Ah, olhe, Maxim Trevelyan acabou de chegar, ou devo dizer

Maxim Trevethick agora.

— Ah. — Alessia se vira e vê Maxim atravessando o salão.

— Eu não o conheço. Mas minhas irmãs o conhecem. Sabe? No

sentido bíblico.

O humor de Alessia muda.

— Elas são gêmeas.

Gêmeas!

— Ouvi falar que ele se casou, mas não sei quem é a sortuda que

fisgou ele.

Maxim vê Alessia, e o rosto dele se ilumina com o que ela suspeita

que seja alívio.


— Ah, meu Deus, ele está vindo para cá!

Alessia se vira para Tabitha.

— Maxim Trevethick é meu marido.

Tabitha cospe o gim.

— Ah, meu Deus.

— Eu sou a sortuda que… hum… fisgou ele.

— Ah, não. Me desculpe pelo que eu disse.

Alessia a tranquiliza com um sorriso.

— A reputação dele é… exagerada.

— É. É mesmo! — diz Tabitha apressada, o rosto corado.

Alessia se levanta quando Maxim se aproxima delas. Ele a beija com

doçura, um gesto adequado para um lugar público.

— Oi, amor. Tudo bem? Como foi o primeiro dia? — O tom rouco de

Maxim sugere que ele está lhe fazendo uma pergunta indecente.

— Bom. Obrigada. — Alessia está um pouco ofegante. — Deixe eu

te apresentar a Lady Tabitha.

— Tudo bem? — diz Maxim.

— Lorde Trevethick. — Tabitha oferece a mão, e Maxim aceita. —

Sinto muito pelo seu irmão.

— Ele faz muita falta. Posso me sentar com vocês?

— Lógico. — Tabitha chama o garçom, e Maxim pede um old

fashioned.

— Então, o que vocês aprenderam hoje? — Maxim vira para Alessia,

os olhos brilhando de curiosidade.

— Como se sentar. Andar. E como dizer oi. — Alessia ri.

— Ah. O básico. — Ele ri de volta. Maxim está deslumbrante, com

um ar devasso.

— Eu preciso mesmo ir embora — diz Tabitha.

— Por favor, não vá por minha causa — insiste Maxim.

— Eu preciso voltar para casa.

Tabitha levanta, e Maxim faz o mesmo. Alessia sabe que ele não

precisa de aula nenhuma, é naturalmente elegante.

— Eu pago a conta — oferece ele.


— Obrigada. Alessia, vejo você amanhã. — Tabitha acena de forma

envergonhada.

— Já mal posso esperar — despede-se Alessia.

Ele volta a se sentar.

— Gêmeas? — pergunta Alessia.

Ele franze a testa, depois olha para Tabitha indo embora.

— Ah. Aquela Tabitha. — Ele se vira para Alessia. — Você quer

mesmo saber?

Alessia sente as bochechas quentes, mas revira os olhos.

— Não.

Ele ri.

— Essa, sim, é uma reação adequada. Um bom revirar de olhos.

Alessia sorri, apesar da apreensão. Ela se aproxima dele e o beija

mais uma vez.

Ela está aprendendo, está mais madura. Passado é passado.

— Vamos comer fora? — sugere ele. — Pode ser aqui, se você quiser.

No banco de trás do táxi, Alessia me analisa.

— Como você está?

Suspiro.

— Estou me sentindo melhor. O jantar foi uma boa distração. E

Maryanne enfim respondeu minhas mensagens. Ela está em Seattle, mas

disse para conversarmos quando ela voltar.

— Teve notícias de sua mãe?

Bufo.

— Acho que ela não vai aparecer por um tempo.

Alessia pega minha mão.

— Ela é sua mãe…

— Eu sei. — Engulo em seco. — Vai levar um tempo.

Ela aquiesce em solidariedade.


— Você quer falar sobre isso?

— O que ainda há para dizer? Minha mãe se provou ser tão hipócrita

quanto eu achei que fosse. E cruel. E uma terrível esnobe.

— Ela é… humana.

Dou risada, mas é um som vazio.

— Essa deve ser a primeira vez que alguém diz que Rowena é

humana.

Alessia sorri e pergunta:

— O que você quer fazer?

— Bem, eu preciso ler sobre como destilar.

— Destilar algum sentimento contra sua mãe?

Dou uma risadinha.

— Não. Destilar gim.

A expressão de Alessia se ilumina.

— Quero fazer meu próprio gim. Minha esposa gosta.

O táxi para em frente ao prédio e é cercado por fotógrafos.

— Caralho — xingo baixo. — Pronta?

Alessia assente.

— Não diga nada. Deixe que eu saio primeiro e abro sua porta.

— Tudo bem.

Faço isso e envolvo Alessia com meu braço enquanto nos

encaminhamos para dentro do prédio.

Trevethick! Trevethick!

E sua relação com a Srta. Charlotte Hampshire?

O que sua esposa tem a dizer?

Nós os ignoramos, mas Alessia para na entrada do prédio.

— O que foi? — pergunto.

Ela agarra minha lapela, em seguida passa as mãos em volta de

minha nuca e puxa minha boca para a dela. Diante de uma explosão de

flashs de fotógrafos, ela pressiona o corpo contra o meu e me beija com

paixão, sua língua insistente e possessiva.

É… sensual.

Ela me pega de surpresa.


Quando nos afastamos, nós dois estamos sem ar. Alessia abre a porta

e, sem olhar nem uma vez para a multidão alvoroçada, me conduz para

dentro do edifício.

Uau.

No elevador, eu a agarro, sedento por ela, e nos beijamos até o sexto

andar.

— Sabe, podíamos cumprir com o nosso dever de novo — murmuro

junto a sua boca.

Ela inclina a cabeça para trás e ri.

Alessia brinca com o cabelo de Maxim, os dois deitados na cama, logo

após fazerem amor. Os braços e as pernas dela estão fracos e seu

coração desacelera. Maxim descansa a cabeça na barriga da esposa, sua

posição preferida depois de fazer amor, e desenha lentamente um círculo

em volta do umbigo dela. Alessia sabe que ele está preocupado.

— Meu pai sempre me defendeu. — Maxim quebra o silêncio. — E

agora faz sentido.

Alessia para as carícias, e ele vira seus olhos verdes brilhantes para

ela.

— Estou pensando se minha mãe protegia tanto Kit por causa da…

indiferença de meu pai por ele. Não, indiferença é uma palavra forte. Eu

não percebi na época. Estava muito envolvido nas minhas coisas, mas,

pensando nisso agora, talvez eu fosse o preferido de meu pai.

— Ninguém suspeitava?

— Não. Acho que não… — Ele se interrompe. — Não. Espere.

Minha mãe e meu pai tiveram uma briga imensa com meu tio Cameron.

Talvez ele soubesse.

— Ele nunca disse nada?

— Não. Nunca. — Maxim apoia a cabeça na barriga dela mais uma

vez. — Ele fugiu para Los Angeles no fim dos anos 1980. Mas Kit
também nunca se sentiu confortável com Cameron. Nós não fomos

visitá-lo quando estávamos no Caribe no Natal passado. Agora eu sei

por quê.

Eles ficam calados enquanto digerem essa informação. Alessia

percebe que a única pessoa que pode ajudar com essas questões é

Rowena.

— Você vai falar com sua mãe? — pergunta ela.

Maxim bufa.

— Já tínhamos uma relação complicada antes. Não nos vejo nos

recuperando disso.

Alessia não diz nada, mas acaricia o cabelo dele mais uma vez. Ela

quer dizer que, apesar do que ele e Alessia sentem em relação a Rowena,

talvez o marido devesse escutar a versão da mãe. Eles não sabem todos

os detalhes, mas Alessia não acha que Maxim já esteja pronto para ouvir

aquilo.

Algum dia.

Em breve.

Afinal, Rowena ainda é mãe dele.


Capítulo Vinte e Quatro

Tabitha vai direto para Alessia assim que entra na sala de aula.

— Bom dia, Alessia. Me desculpe por ontem.

Alessia balança a cabeça.

— Não se preocupe.

— Sabia que você viralizou? — pergunta Tabitha.

— Não. O quê? Onde?

— Aqui. Eu pesquisei seu nome no Google ontem depois da minha

gafe horrível. E olhe. Foi isso que eu encontrei.

Ela mostra um vídeo que Grisha Egonov postou no Instagram de

Alessia tocando piano na festa de Dimitri.

— Você é muito boa — elogia Tabitha.

— Obrigada — diz Alessia, de forma automática.

Ela está atônita. Não se lembra de Grisha a filmando. Estava absorta

demais na música. O post tem mais de oitenta mil curtidas e milhares de

comentários. A legenda diz: Lady Alessia, Condessa de Trevethick.

Linda e talentosa.

Ela olha boquiaberta para Tabitha, que sorri.

— Grisha não está errado.

— Bom dia a todas. — Jennifer Knight chama a atenção das

presentes, interrompendo a conversa delas. — Hoje vamos discutir

comunicação escrita e a forma correta de escrever a alguém, seja por

carta ou e-mail.
Abigail Chenoweth, da fazenda Rosperran, e Michael Harris, o

administrador da Mansão Tresyllian, estão bastante animados com a

ideia de produzir gim. Encerro a chamada com eles satisfeito. Se

conseguirmos acertar nesse projeto, teremos essa nova fonte de receita e

poderemos oferecer empregos aos moradores das cidadezinhas em volta.

Precisamos cumprir uma infinidade de burocracias para obter as licenças

necessárias, fazer o planejamento e tudo o mais, porém tenho que

admitir que estou animado.

Meu primeiro projeto para nossas propriedades. E tudo inspirado em

minha esposa.

Meu celular vibra. É Caroline.

— Caro.

— Oi. Você viu o vídeo da Alessia?

O que foi agora?

— Vídeo? Não.

— Ela está no Instagram do Grisha.

— O que ela está fazendo no vídeo?

— O que você acha que ela está fazendo? Está tocando o piano dele.

E não se preocupe, querido, isso não é uma metáfora. — Caro ri da

própria piada de mau gosto.

— E daí? — Eu sei que ela estava tocando piano. Eu estava lá!

— A vacadrasta viu. Ela quer saber se Alessia se candidatou ao Royal

College of Music.

Uau!

— Sim. Ela se candidatou.

— E que nome ela usou?

— Alessia Trevelyan.

— Ótimo. Vou avisar.

— Vocês duas estão se falando?

— Ela me ligou. Achei que meu pai podia estar doente ou coisa pior,

então atendi à ligação. Mas não, ela queria saber de Alessia e perguntou

se você ainda é DJ.

— Por quê?
— A Pirralha Demônia vai fazer dezoito anos e quer uma rave nos

jardins de Horston.

— Sua irmãzinha já vai fazer dezoito anos? Como diabos isso

aconteceu?

— Meia-irmã! — corrige ela, com rispidez. — E, sim. Cordelia já

está na idade de espalhar sua demonice. Vai ser um terror.

— Caro, eu não vou ser DJ de ninguém, a não ser que sua madrasta

coloque Alessia naquela faculdade. Nesse caso, posso reconsiderar. É a

única maneira de ela conseguir um visto sem precisar voltar para a

Albânia.

— Ah. Entendi. Então seus dias de DJ já eram? — Caro soa surpresa.

— Não tenho tempo. Além disso, os babacas que traficaram Alessia

roubaram meu equipamento e não tive tempo de comprar outro.

— Ah. — Caro fica em silêncio por um momento, mas, antes de eu

conseguir dizer alguma coisa, ela continua: — Vou falar para ela. Mas a

Pirralha Demônia vai ficar muito decepcionada. Você sabe que ela tem

um crush gigante em você.

— É mesmo? — Porra, como eu devo reagir a isso?

Caroline suspira, e não sei direito por quê.

— Enfim — diz ela. — Eu devo ter alguns esboços para você no

meio da semana que vem.

— Maravilha. Obrigado, Caro. — Desligo, aliviado por ela ter

mudado de assunto, e abro o meu Instagram.

Alessia viralizou!

Será que ela sabe?

Procuro Grisha e encontro o perfil dele. E óbvio que há diversas fotos

dele na festa ao lado de atores famosos, personalidades da TV e

modelos. Mas também há um vídeo de minha esposa tocando Bach

como se tivesse nascido para fazer aquilo.

Uau. O vídeo já tem cem mil curtidas.

Eu não queria admitir isso, mas Grisha tem razão: Alessia é linda e

talentosa.

E minha.
Faço uma pausa no trabalho e assisto ao vídeo de novo. Depois mais

uma vez. Na quarta, um movimento ao fundo chama minha atenção.

Dou um sorriso. Preciso mostrar a minha esposa.

A aula termina cedo, e Tabitha convida Alessia para tomar um chá. Mas

Alessia recusa com delicadeza e pede para deixar para a próxima, já que

tem planos. Ela olha o relógio: três e meia. Ainda tem tempo, já

repassou o caminho algumas vezes na internet. Na rua, despede-se de

Tabitha e, imitando o gesto de Maxim, chama um táxi e entra nele.

— Para onde, moça? — pergunta o taxista.

— Parque de Kew, por favor.

Alessia se recosta no banco e pega o celular para mandar uma

mensagem para Maxim.

Olá, milorde
Terminamos cedo hoje.
Vou sair.
Bjs
A

Alessia quer ver onde seu tio-avô mora. Talvez até mesmo conhecê-

lo. Nas aulas de hoje, ela lhe escreveu uma carta, e espera passá-la por

baixo da porta dele. Depois que conseguir encontrá-lo, vai contar ao

marido que foi atrás do parente. Afinal, Maxim não queria que ela

contratasse um detetive particular.

E foi o que ela fez.

Seu celular apita.

É uma mensagem do marido.

Boa tarde, milady.


Eu adoro quando você me manda mensagem.
Sair para onde? Mentes curiosas precisam saber.
Posso te encontrar, se quiser.
Bj
M

Ah, não.

Vou a Kew.
Não vou demorar.
Vejo você mais tarde.
Bjs

O que diabos Alessia está fazendo em Kew? Da última vez em que estive

perto daquela parte da cidade foi quando dirigi até Brentford depois que

aqueles babacas aparecerem em meu apartamento e Alessia

desapareceu. Você é filho do seu pai. Um cavaleiro com armadura

reluzente, um otário que não aguenta ver uma donzela em perigo.

A lembrança das palavras de minha mãe azeda meu humor, e minha

preocupação com Alessia aumenta.

O que você está fazendo em Kew?

Alessia bufa. Seu marido se preocupa demais. Ela percebe isso pelo

tom brusco da mensagem dele. Achou que o tranquilizaria ao avisar que

estava saindo, mas parece que o deixou mais ansioso. Ela responde à

mensagem.

É uma surpresa.
Não se preocupe!!! :D
Bjs

A mensagem de Alessia é mais ou menos tranquilizadora.

Pelo amor de Deus, Maxim. Ela é adulta.


Tudo bem.
Se cuide.
Me avise quando estiver vindo para casa.
P.S.: Não sei se gosto de surpresas!

Alessia suspira, aliviada. Essa mensagem faz mais o estilo dele. Quem

sabe seu marido tenha recuperado o senso de humor. Sentindo-se mais

tranquila, Alessia olha pela janela do táxi e avista uma mãe empurrando

um carrinho de bebê. Ela imagina como Maxim seria se ela ficasse

grávida. Ele provavelmente se preocuparia mais ainda.

Um filho de Maxim.

Ela ama a ideia.

Mas ainda não. Ficou chocada quando ele abordou o assunto no fim

de semana. Contente por saber que ele quer filhos, mas a tentação de

estudar em uma das melhores escolas de música do país é grande

demais.

A maternidade pode esperar.

Porém, se ele insistir, talvez ela considere. Ela também quer filhos.

É. Ela podia se ver fazendo isso.

Seus pais ficariam animados e Maxim também.

Contudo, ele concordou em esperar. Ele também quer mostrar a ela

uma parte do mundo.

Meu celular toca. É um número que não reconheço.

— Trevethick.

— Lorde Trevethick, aqui é Ticia Cavanagh.

— Olá, Ticia. Por favor, me chame de Maxim. — Nossa, nós já nos

pegamos, pelo amor de Deus. — Qual a novidade?


— Estou ligando para contar que, como pensamos, todos os

documentos de seu casamento são completamente legítimos.

Pesquisamos a fundo. Vocês são legalmente casados.

Dou uma risada, mais de alívio que de qualquer outra coisa.

— Essa é uma grande notícia.

Depois de tudo, o plano de Demachi e Tabaku funcionou.

— Vocês já começaram a procurar um lugar para a Lady

Trevethick…

— Alessia, por favor.

— Para Alessia estudar? Estou preocupada com todo esse interesse

da imprensa em vocês.

— Ah. Você viu?

— Vi. E você deveria ficar preocupado. Se o departamento de

imigração descobrir que Alessia estava aqui ilegalmente no início do

ano, eles podem negar um visto de família. E você também pode se

encrencar, pois violou as leis de imigração, já que ela trabalhava para

você e não tinha o visto correto para isso.

— Ah, merda.

— Pois é. Vou acompanhar o caso com um colega para descobrir

como a investigação da polícia sobre os traficantes está prosseguindo e

se eles têm alguma coisa que possa ligar sua esposa ao crime. Isso tudo

vai ser feito de forma anônima, mas o custo vai sair do seu

adiantamento. Então, estou perguntando se…

— Vá em frente. Sem dúvida. E se o adiantamento não cobrir, me

avise.

— Certo. Ótimo.

— Espero conseguirmos matricular Alessia em um dos

conservatórios de música de Londres.

— Eu vi o vídeo. Ela é muito talentosa.

Sorrio, mas balanço a cabeça. Minha esposa viralizou!

— Ela é talentosa, sim, e quer estudar no Royal College.

— Boa sorte. Nesse meio-tempo, seria bom se chamassem um pouco

menos de atenção.
— Entendido. Devemos ir para a Cornualha. Vamos ficar fora dos

holofotes lá. Obrigado por avisar.

— De nada, Maxim.

Ela desliga, e meu cérebro começa a processar a conversa. Talvez

tenha sido um erro ir à festa de Dimitri.

Viralizar justo agora!

Alessia passa o dedo pelo pingente de cruz da avó pendurado no

pescoço. O frio na barriga aumenta quanto mais se aproxima de Kew. O

táxi para em um sinal vermelho, e Alessia consegue ver a ponte Albert à

frente e a estrada para Brentford à direita. Ela se lembra de como era

feliz morando com Magda e seu filho por aquelas poucas e preciosas

semanas. Michal lhe disse pelo Facebook que ele e Magda estavam bem

no Canadá. Ele tem muitos amigos novos e está aprendendo a patinar. E

tem vontade de jogar hóquei no gelo como o padrasto, Logan. Por seus

posts, ele parece feliz, assim como Magda.

Sem querer, Alessia pensa na rabugenta Sra. Kingsbury e na Sra.

Goode. Suas antigas clientes. Será que elas têm faxineiras novas?

Alessia balança a cabeça. Muita coisa mudou em sua vida desde

então.

O sinal fica verde e o táxi segue adiante, atravessando a ponte Albert

e em seguida entrando em uma rua lateral. O carro para perto de uma

casa velha e grande que poderia pertencer a Cheyne Walk. É uma das

várias casas ao redor de um bonito pasto verde, cercado por plátanos

enormes. Alessia paga ao taxista e sai do carro.

Ele vai embora, deixando-a na casa do tio-avô. O imóvel é impecável.

Há uma árvore bem podada na frente, e, através de uma grande janela,

Alessia vê um piano de ¼ de cauda.

Um piano!

Ele também toca?


O coração dela começa a martelar de animação, ansiedade e um

pouco de medo, mas, naquele momento, ela decide falar com ele.

Ele talvez a mande ir embora.

Ela segura firme a pequena cruz dourada que pertencia a sua Nana,

irmã dele, e, decidida, anda até a porta preta brilhante e toca a

campainha. O som é baixo do lado de dentro e, segundos depois, uma

senhora com o cabelo preso em um coque arrumado abre a porta.

— Olá. Posso ajudar? — pergunta ela.

— Estou aqui para ver Tobias Strickland.

— A senhorita marcou um horário com ele? — pergunta ela com

firmeza.

— Não. Eu estava esperando que ele me recebesse. Sou neta da irmã

dele. Hum… Sobrinha-neta dele.

Considerando as preocupações de Leticia Cavanagh, ligo para Tom

Alexander para saber se ele fez algum progresso na busca pela jovem

amiga de Alessia e se tem alguma atualização sobre a investigação da

polícia.

— Trevethick. Tudo bem? Imagino que você tenha encontrado sua

esposa.

— Encontrei. Grisha ofereceu o motorista dele para levar Alessia em

casa.

— O quê? Por quê?

— Você não lê as notícias, Tom?

— Você está brincando? Óbvio que não. Já te falei. Não me dou ao

trabalho de ler aquelas bobagens, a não ser que eu tenha um cliente que

esteja nas manchetes. Sugiro que você faça o mesmo. Ignore aqueles

babacas.

— Você está certo. Mas, se por um acaso vir alguma manchete

sensacionalista, Charlotte, minha ex…


— A atriz? A que não era tão boa assim? Que sempre faz papel dela

mesma?

Apesar da gravidade da situação, dou uma risada pela sinceridade de

Tom.

— Isso. Essa mesma. Ela me agarrou. — Há uma pausa esquisita na

conversa e continuo falando: — Alessia viu e entendeu errado. Mas,

enfim, não liguei para te contar essa história. Quero saber se você

descobriu alguma coisa sobre a amiga da Alessia.

— Nadinha sobre a garota. Mas os detalhes que Alessia nos deu são

tão vagos que eu ficaria surpreso se conseguíssemos encontrá-la. Eu

falei com Spaffer, ele é o responsável pelo caso. Eles ainda estão

reunindo provas e disse que um detetive particular tem feito perguntas

sobre esse caso.

Sinto um arrepio descer pelas minhas costas.

— Seriam jornalistas? — pergunto.

— Ele não sabe. Mas houve uma operação recente em um lugar em

South London, encontraram quatro jovens lá.

— Merda. Sério?

— Sério. O Exército da Salvação está cuidando delas.

— Alguma delas é albanesa e se chama Bleriana?

— Acho que não. Mas não dá para ter certeza se não falarmos direto

com elas.

— O que vai acontecer com elas?

— Para ser sincero, não sei.

— É deprimente pra caralho.

— É, sim, cara. Vamos continuar trabalhando. Ver se conseguimos

encontrar essas mulheres.

— Boa sorte.

— Ah, e antes que eu me esqueça: você não precisa se preocupar com

aquele jornalista que ligou para você.

— É mesmo?

— Não. Ele não sabe de nada. — Tom parece categórico.

Tudo bem então.


— Obrigado pela atualização.

A senhora com o coque arrumado deve ter por volta de cinquenta anos.

Ela espia atrás de Alessia para ver se a jovem está acompanhada e em

seguida a julga com o olhar. Alessia fica aliviada quando a mulher abre

passagem — ao que tudo indica, ela passou na inspeção.

— Não sabia que o professor Strickland tinha uma sobrinha. Muito

menos uma sobrinha-neta. É melhor você entrar.

Ela abre espaço para Alessia no corredor. O hall é muito parecido

com o da Residência Trevelyan, onde Caroline mora, e Alessia conclui

que as duas casas devem ter sido construídas mais ou menos na mesma

época.

— Venha comigo — instrui a mulher, e conduz Alessia para uma sala

espaçosa com uma lareira proeminente, uma cornija imponente e portas

francesas que dão para um exuberante jardim nos fundos.

Sentado em uma escrivaninha, na frente de um laptop, está um

homem com uma cabeleira grisalha, um bigode excessivamente curvado

e barba. Ele levanta a cabeça e a observa com um olhar curioso. Seus

olhos são do mesmo tom azul-claro dos da amada Nana, a boca do

mesmo formato, cercada por rugas que revelam a predisposição dele a

sorrir. É a versão masculina da avó de Alessia. De repente, ela sente a

garganta tomada por diversas emoções e não consegue falar.

— Bem, minha querida — diz ele. — O que posso fazer por você?

Como ela não responde, ele franze a testa, confuso, olhando de

Alessia para a mulher, que Alessia suspeita ser uma serviçal. Serviçal,

não. Funcionária.

— Ela disse que é sua sobrinha-neta, professor.

O rosto dele fica pálido, então o homem vira seus grandes olhos

luminosos para Alessia.

— Alessia? — sussurra ele.


O quê?! Ele a conhece!

Lágrimas brotam nos olhos dela, que confirma com a cabeça, sem

conseguir falar.

— Ah, minha querida! — exclama ele, se levantando da cadeira. Ele

dá a volta na mesa e pega as mãos dela. — Nunca pensei… — A voz de

seu tio-avô falha com um engasgo, e os dois se encaram, de mãos dadas.

Ela assimila as rugas em volta dos olhos dele e o bigode ridículo, que

faz curva nos cantos. A barba impecável. A impressionante cabeleira,

como a da avó.

— Virginia? — sussurra ele.

Ele não sabe.

Alessia balança a cabeça.

— Ah, não — diz ele, e lágrimas aparecem em seus olhos.

Ele aperta as mãos dela enquanto os dois se entreolham por vários

segundos, e incontáveis emoções passam por seu rosto ao absorver a

notícia. Por fim, as lágrimas de Alessia caem, descendo pelo rosto

quando ela se lembra de sua querida Nana. Tobias puxa um lenço de

algodão do bolso da calça e enxuga o rosto.

— Minha querida, estou arrasado. Minha irmã tão amada… Eu

sempre me perguntei como estaria ela. Não tenho notícias dela há muito

tempo. Eu esperava… — Ele inspira. — Sra. Smith. Chá. Por favor.

Você aceita um chá, minha querida?

Alessia assente e retira um lenço da bolsa. A Sra. Smith, cujo sorriso

gentil demonstra que sua atitude foi de desconfiada para solícita, sai da

sala às pressas.

— Essa cruz dourada. Parece familiar. Era dela?

— Era! Era, sim. — Os dedos de Alessia voam para o pescoço na

mesma hora, e ela mexe na cruz. — É o meu bem mais valioso. Eu

amava muito minha avó.

Ele sorri. Um sorriso triste.

— Eu me lembro dessa cruz. Meus pais eram terrivelmente

religiosos. Ginny também. Foi por isso que ela foi para a Albânia, para

espalhar a Palavra de Deus durante o período comunista. — Ele balança


a cabeça, como se tentando se livrar de alguma memória desagradável.

— Vamos para a sala de visitas.

Ele conduz Alessia em direção à porta.

* * *

— Eu não tinha o endereço de Ginny, mas ela me escrevia de vez em

quando. Foi assim que eu soube de você. Acho que ela ficava

preocupada que os meus pais fossem “resgatá-la” das profundezas da

Albânia. Eles não aprovavam o casamento dela de jeito nenhum. —

Toby suspira. — Uma história horrível. Eles perderam a filha.

— O casamento acabou sendo uma coisa boa. Ela amava muito o

marido. Ele era um homem bom. A filha dela, minha mãe, teve menos

sorte, mas parece que isso mudou.

— Sua mãe, Shpresa?

— Isso.

— Então, Alessia, me fale mais sobre você. Por que você está na

Inglaterra? Me conte tudo.

— Amor, cheguei — exclamo quando fecho a porta de casa.

Está um silêncio mortal no apartamento, e a ansiedade e a

insegurança que senti desde que Alessia avisou que ia sair vêm com

força total.

— Alessia! — grito, no caso de ela estar em um dos banheiros ou

mexendo no armário.

O vazio ressoante no apartamento é algo que eu nunca havia notado

até Alessia se mudar para cá.

Droga. Nos esquecemos de ligar o alarme.

E ela disse que mandaria mensagem. Fazendo uma careta, pego o

telefone e ligo para ela. Mas toca até cair na caixa postal.

— Onde você está? — pergunto e desligo, suspirando de frustração.


Alessia pode cuidar de si mesma.

Não pode?

Ela lidou com minha mãe. Lidou com Grisha.

Sinto uma pressão no peito devido à angústia que já me é familiar

desde que Alessia foi sequestrada. Mando uma mensagem e tento

manter um tom descontraído.

Onde você está?


O apartamento fica frio e solitário sem você.
Bj
M

Além disso, estou com fome. O que não vai ajudar no meu humor.

Sentindo-me péssimo, vou até a cozinha, onde a geladeira está repleta de

comidas gostosas.

Não. Mudo de ideia, vou para o quarto e coloco uma roupa esportiva.

Correr vai desanuviar minha mente, e minha esposa estará de volta

quando eu retornar.

— Não acredito que você estava morando do outro lado do rio. Que

incrível! — comenta Toby.

— É. Eu era feliz lá — responde Alessia.

— Mas West London é melhor, é o que dizem. — Ele dá um sorriso

afetuoso.

Alessia checa o horário. Já passa das seis!

— A hora! Preciso ir. Meu marido vai ficar preocupado.

— Tenho certeza de que vai mesmo. Maxim, você disse?

— Isso. Esse é o nome dele. — Alessia não contou a Toby sobre o

título de Maxim. Vai deixar isso para o próximo encontro. — Mal posso

esperar para vocês se conhecerem. Ele é um homem bom. — Ela se

levanta e olha para o piano.

— Você toca?
— Sim. Toco. Nana ensinou minha mãe e elas me ensinaram. O

senhor toca?

Ele dá uma risada.

— A musicalidade está no nosso sangue. Infelizmente, não toco mais

tanto quanto antes. — Ele levanta as mãos e remexe os dedos. — Eles

não são mais os mesmos, mas estudei música a vida toda. Agora, sinto

que é mais uma ciência que uma arte, ainda que tenha começado com

uma explosão de cores para mim.

— O senhor tem sinestesia?

— Tenho, minha querida. — Ele fica surpreso. — Mas eu chamo de

cromestesia.

Alessia sorri.

— Cromestesia. Nunca ouvi falar.

— É específico. Se refere à sinestesia com cores.

— Eu tenho isso!

— Rá — exclama ele, e pega as mãos dela. — Nunca conheci outro

sinestésico! E quando finalmente conheço, somos parentes! Como você

vê as cores?

— Elas combinam com os tons. E o senhor?

— A minha é menos definida, mas, escute, podemos discutir isso

outra hora. Sei que você precisa ir. Vou pedir um Uber para você. E

enquanto esperamos ele chegar, você pode tocar alguma coisa para mim?

Alessia está zonza de alegria quando entra no carro. Toby acena da porta

para se despedir, e ela retribui o gesto com entusiasmo até não conseguir

mais vê-lo. Ela se abraça quando o carro vira e diminui a velocidade no

trânsito da ponte. Toby é atencioso, gentil, musical e superinteligente,

porém, o mais importante: ele está interessado nela e em sua vida de

uma maneira que seus parentes homens na Albânia não estão, e ele quer
muito conhecer o marido dela. Ela pega o celular na bolsa para ligar para

Maxim e se desculpar por não mandar mensagem, mas acabou a bateria.

O Zot!

Bem, não há nada que ela possa fazer até chegar em casa. Então se

recosta e repassa toda a conversa com Toby. Seu tio-avô. Sinestésico.

— Amor, cheguei! — anuncio para o apartamento vazio assim que volto

de meu exercício.

As endorfinas que surgiram graças à corrida desaparecem quando

vou tomar banho.

Onde diabos ela está?

Por volta das sete da noite, estou arrancando os cabelos. Deixei mais

mensagens, porém minha esposa ainda não deu notícias. Não tenho

ninguém para ligar, nada que possa fazer. Estou impotente.

Detesto não saber onde nem como ela está.

Perambulo pela sala e, toda vez que passo pelas portas duplas que

dão para o corredor, checo a porta da frente, desejando que Alessia

apareça.

Eu. Vou. Enlouquecer.

Cacete.

Ando pelo corredor silencioso. De repente, me sinto sufocado. Não

sei onde minha esposa está e, por alguma razão desconhecida, me vem a

lembrança do Louboutin de minha mãe fazendo barulho no piso de

madeira quando ela saiu, e me dou conta de que já perdi outro membro

da família esta semana.

Será que aquela foi a última vez que a vi?

E, por mais que Rowena me tire do sério, esse pensamento é

deprimente.

Ela é minha mãe.

Mamãe.
Caralho.

Como vamos superar essa?

Afasto essa sensação miserável e mando uma mensagem para ela.

Precisamos conversar sobre a homenagem para Kit.


Quando não estiver mais irritadinha, talvez possa me ligar.

Quero acrescentar sua vagabunda traidora, mas não faço isso. Ela é

minha mãe. Em seguida, envio uma mensagem para minha esposa

sumida. De novo.

Estou enlouquecendo aqui!


Me ligue.
Por favor.
M

De repente, a chave faz barulho na porta e vejo Alessia. Ela está bem.

Quando nos entreolhamos, seu sorriso caloroso ilumina o corredor

escuro e meu coração. Sinto um misto de alívio e raiva.

Que bom que ela está bem, porra.

Porém, assim que ela pisa no corredor, a raiva triunfa, e meu grito

ecoa pelas paredes:

— Onde você estava, caralho?


Capítulo Vinte e Cinco

Alessia fica paralisada. Vou até ela, querendo descarregar minha raiva.

Estou dominado pela fúria, mas, quando me aproximo, Alessia levanta o

rosto para o meu, uma imagem de inocência e beleza e olhos escuros

encantadores.

— Me desculpe. Minha bateria acabou — murmura ela.

— Ah.

Não era isso que eu esperava que ela dissesse. Estava esperando uma

discussão vigorosa que fosse me ajudar a me livrar da frustração e do

medo. Seu simples pedido de desculpas e explicação me deixam sem

ação, e meu humor melhora em um milésimo de segundo.

— Eu estava preocupado — resmungo.

Hesitante, como se ela estivesse prestes a enfrentar um leão, Alessia

leva a mão a meu rosto e faz um carinho.

— Eu sei. Me desculpe.

Suspirando, apoio minha testa na dela e fecho os olhos. Levo um

momento para me acalmar. Devagar, eu a envolvo nos braços, puxando-a

para perto de modo que ela se molda em mim, me inundando com seu

calor tranquilizante. Ela me beija.

— Me desculpe. Perdi a noção do tempo.

— Onde você estava?

Ela sorri.

— Se você prometer não ficar enfezado, eu conto.

— Não. Eu não prometo, não. Não mesmo. Eu já estou enfezado.

Você tem uma tendência enlouquecedora de se colocar em situações

perigosas. Me conte.

— Fui conhecer o irmão da minha avó, meu tio-avô.


Maxim dá um passo para trás, soltando Alessia.

— Tio? Você tem família aqui?

Ela assente, ainda radiante por ter encontrado seu parente.

— Por que eu ficaria chateado? Ele mora em Kew? Como você

descobriu?

Alessia pega a mão de Maxim e o leva para a cozinha.

— Sente — diz ela e aponta para a cadeira da cozinha.

Ele franze a testa, confuso, mas obedece e olha para a esposa, na

expectativa, com seu cabelo despenteado e os olhos verdes que não

brilham mais de raiva, e sim de curiosidade.

— Lembra quando eu falei com você sobre encontrar Bleriana?

Maxim fica imóvel, e Alessia não sabe como ele vai reagir.

— Fui ver aquele detetive.

— Entendi. E aí?

— Pedi para ele encontrar a família da minha avó.

— Ah.

— E Bleriana — sussurra ela, como se estivesse confessando uma

maldade enorme.

— Apesar de eu ter pedido para você não fazer isso. — Maxim

contrai a boca, e, pelo olhar gélido do marido, ela sabe que ele está

irritado.

Alessia assente. Tenta não se sentir culpada, mas não consegue.

Maxim balança a cabeça, pega a mão dela e a puxa para seu colo.

— Como assim, Alessia? Não quero você envolvida naquele mundo,

mesmo a certa distância. Tom ainda não conseguiu muita coisa, mas ele

está investigando. Ligue para o detetive e peça para ele parar. Deixe Tom

lidar com isso. Alguém em quem eu confio. Por favor.

— Tudo bem — responde ela. — Me desculpe. Eu só estou ansiosa

para encontrar Bleriana.

Maxim suspira.
— Eu entendo. Mas por que você não me contou que ia encontrar seu

tio-avô? Eu teria ido com você.

— Eu não estava planejando me encontrar com ele. Ia só entregar

uma carta. Aprendemos sobre correspondência e como escrever cartas

hoje na aula. Mas aí eu olhei pela janela e reparei que havia um piano na

sala. Quando vi aquilo, senti que era… o destino.

Ela dá de ombros, tentando demonstrar o quanto se sentiu impelida a

bater na porta depois de ver o instrumento.

Maxim suspira de novo.

— Entendi. Bem, se você tiver mais algum parente escondido, vou

ficar feliz em te levar para encontrá-lo. Me deixe fazer isso. Por favor?

— Tudo bem.

— Me conte sobre ele.

Alessia beija o rosto de Maxim.

— Obrigada por não ficar tão enfezado comigo.

— Eu ainda estou um pouco enfezado com você. E não usamos muito

“enfezado” nesse tipo de situação. É meio esquisito. Falamos “bravo”. E

eu estava desesperado mais cedo, porra. Fiquei preocupado.

— Eu sei. Me desculpe. Devo começar a cozinhar? Está com fome?

Maxim se recosta, um sorriso relutante puxando os cantos da boca.

— Estou. Morrendo de fome.

Ela sorri e acaricia o rosto dele. Seu marido está bravo de fome.

— Vou cozinhar e contar tudo sobre ele.

— Então ele estava logo do outro lado do rio quando você morava em

Brentford? — pergunto, observando Alessia mexer o molho de tomate.

— Tão perto e tão longe.

— É. É uma casa bem grande. Ele é músico também, mas era

professor. Em Oxford. Professor universitário de música. Ele tem

sinestesia como eu, mas ele chama de… hum… cromestesia.


— Uau. — Qual a probabilidade? — Será que é genético?

— Acho que sim!

Ela sorri enquanto acrescenta algumas alcaparras. Seja lá o que for

que ela está cozinhando, o cheiro é delicioso. É tão bom que merece

uma taça de vinho tinto encorpado.

— Vinho? — ofereço a Alessia.

— Por favor. Ele quer conhecer você. E minha mãe!

— Ele não conhece sua mãe? — Pego uma garrafa.

— Não. Ele nunca foi à Albânia. E minha mãe não sabe que ele

existe. Minha avó foi rejeitada pela própria família por se casar com um

albanês. — A voz de Alessia some, e ela mexe o molho.

Merda.

Minha família não a rejeitou.

Ou rejeitou? Minha mãe…

— Isso é horrível — murmuro, afastando aquele pensamento na

mesma hora.

— Mas ele sabia de mim. Ela escrevia cartas para ele de vez em

quando.

— Ele devia ir conhecer sua família. Eu recomendo, apesar de seu

pai ser assustador. Você contou para Shpresa? — Abro o vinho e sirvo

duas taças.

— Não. Mas vou contar depois do jantar. — Ela escorre o espaguete

e acrescenta o molho, misturando. — Está pronto.

Alessia coloca o último prato no lava-louça, limpa a bancada, tira o

celular da bolsa e o conecta ao carregador. Maxim está no piano da sala.

Ela não o ouve tocar desde o dueto que fizeram juntos. Alessia se inclina

contra o batente da porta e escuta por um momento. Ele está

improvisando uma melodia em Lá menor. As notas brilham pela sala e


pela cabeça de Alessia em um azul vibrante, soando alegres, calorosas e

cheias de esperança, algo incomum para um tom menor.

Ele parece… feliz.

Alessia sorri. A música é um contraste completo com a composição

melancólica de Maxim que ela tocou para ele há não muito tempo no

Esconderijo, na Cornualha. Ele se vira, percebendo a presença da

esposa, então ela se aproxima e se senta ao lado do marido no piano.

— Essa é uma melodia mais feliz.

— E por que será? — Maxim dá um sorriso afetado, e ela retribui. —

É de Interestelar.

Alessia franze a testa.

— O filme? — pergunta ele.

— Não conheço.

— Ah. Precisamos assistir. É incrível. E ainda tem a trilha sonora

maravilhosa do Hans Zimmer. — Ele para e coloca o braço em volta

dela. — Aliás… Falei com Leticia hoje.

Alessia fica tensa. Apesar de gostar de Ticia, ela não gosta que ele

fale com mulheres com quem já teve relações sexuais.

Alessia! Pare.

Maxim continua, sem perceber a tensão dela — ou escolhendo

ignorar.

— Ela disse que devíamos manter a discrição e evitar a imprensa.

Então, quando você tiver terminado seu curso, acho que devíamos ir

para a Cornualha. Tenho trabalho a fazer na Mansão, de qualquer forma.

Sei que tínhamos ficado de embalar tudo do apartamento esse fim de

semana para nos mudarmos, mas talvez possamos contratar alguém para

fazer isso por nós. Ou podemos esperar.

Alessia fica animada.

— Eu amo a Cornualha — diz ela, ofegante. — Principalmente o

mar.

— Eu também. — Maxim beija a cabeça dela. — Está resolvido

então. Podemos ir na sexta à noite. E até lá podemos ficar em casa e

assistir a uns filmes. Ver Netflix e relaxar, sabe.


— Achei que essa fosse outra maneira de dizer sexo no sofá.

Maxim ri.

— Podemos fazer isso também. — Ele lhe dá um beijo rápido.

— Toque um pouco mais de Interestelar.

— Eu me sinto um pouco tímido de tocar para você.

Ela ri.

— Por quê? Não, por favor. Eu amo suas composições.

— Bem, essa não é minha. Mas, se você escutar, provavelmente vai

conseguir tocar melhor que eu.

— Maxim, só toque.

Ele sorri.

— Sim, madame.

* * *

Com a música de Interestelar ainda soando na cabeça, Alessia pega o

telefone para fazer uma chamada de vídeo com a mãe. Há diversas

mensagens de Maxim, e a cada uma ele soa mais desesperado e

perturbado. Alessia tenta não se sentir culpada. Não queria preocupá-lo.

Há e-mails de quatro faculdades para as quais ela se candidatou. O

que ela lê primeiro é do Royal College of Music.

Um teste!

Eles estão ansiosos para vê-la.

Uau! Alessia corre de volta para a sala. Maxim olha para ela.

— Fui chamada para um teste no Royal College of Music!

Ele sorri e aplaude, se levantando devagar.

— Minha esposa talentosa. Que notícia fantástica!

Alessia abre os outros e-mails e descobre que todas as faculdades

estão interessadas nela.

Ela se vira boquiaberta para Maxim.

— Todas elas me chamaram para um teste!

— É óbvio! Seriam bobos se não tivessem feito isso. — Ele segura a

cabeça de Alessia entre as mãos. — Você é linda. Talentosa. E sou


muito feliz por você ser minha esposa. — Ele roça a boca na dela. — Vá.

Conte para sua mãe.

Alessia sorri, radiante, e volta à cozinha para ligar para Shpresa com

as boas notícias.

Talvez eu me preocupe demais. Alessia está ótima. Ela voltou sã e salva.

Ela é uma adulta capaz de cuidar de si mesma, pelo amor de Deus.

Que foi sequestrada.

Duas vezes.

Caralho.

Eu pensei… O que eu pensei? Que ela tinha ido embora? Que tinha

sido sequestrada de novo?

Cara. Deixe disso.

Ela está ótima. Está aqui.

Tomo um gole do Bordeaux — que já deu uma respirada agora — e

penso por um momento se eu deveria atacar a adega da Residência

Trevelyan antes de Caroline beber tudo.

A campainha toca. A da porta, não a do interfone do prédio.

Quem diabos é?

Rowena?

Uma sombra se avoluma do outro lado da porta. É um homem, não

uma mulher. Eu abro.

Caralho. É ele.

Com o cabelo todo penteado para trás com gel, sapatos finos e casaco

caramelo caro.

A porra do Anatoli. Babaca.

— Oi, inglês — diz Anatoli, com uma arrogância e uma prepotência

que me fazem querer nocauteá-lo.

— O que você está fazendo aqui, caralho?

— Vim ver você.


Eu!

— Por quê?

— Não vai me convidar para entrar?

— Não. Vou dizer para você se foder.

— E dizem que os ingleses são tão educados. — Ele dá um passo

para dentro e, contra minha vontade, o deixo entrar.

Que merda é essa?

No corredor, ele para e se dirige a mim.

— Onde está sua esposa? A mulher que devia ser minha esposa? Ela

já cansou do esnobismo da classe alta e abandonou você?

— Você quer dizer a mulher que você maltratou, sequestrou e

arrastou pela Europa?

Alessia aparece no corredor e fica pálida quando vê o Babaca.

— Eu tirei ela do país sã e salva. Ela está de volta legalmente. Fiz um

favor para vocês dois — zomba Anatoli, o olhar cortante.

— Anatoli — sussurra Alessia. — Mas o que é que você está fazendo

aqui?

A expressão dele muda, os olhos azul-claros ficando mais ternos

enquanto a examina.

— Estou aqui a negócios — responde ele em albanês. — É bom ver

você, carissima. Você parece bem. Seu pai disse que um jornalista ligou

para a casa dele. Ele o dispensou. A imprensa não gosta muito de você,

como eu falei. Os ingleses são muito esnobes. Eles dizem que seu

casamento não é legal.

— Mas sabemos que isso não é verdade! — protesta Alessia.

Anatoli faz uma careta.

— Jak também me disse que você não está esperando bebê. Você

mente muito bem.

Alessia ruboriza.
— O inglês está cuidando bem de você? — murmura ele.

— Chega — exclama Maxim. — Vocês dois falem inglês ou eu vou

jogar ele na rua.

Maxim olha irritado para Alessia, como se fosse culpa dela que

Anatoli está parado no corredor do apartamento dele.

Alessia franze a testa e vai para o lado de Maxim. Ele passa o braço

em volta dela e a puxa para perto.

— Não faça tempestade em um copo d’água, inglês. Eu vim ver você.

— Me ver. Que caralho você quer comigo? E por que eu ia querer ver

você?

— Que boca-suja. E isso vindo de uma aristocrata.

Maxim fica tenso, e Alessia se preocupa que ele possa perder o

controle e bater em Anatoli, como já fez antes. Ela agarra a camisa dele.

— Por que você está aqui? — interrompe ela.

— Foi seu pai que me mandou.

— Baba? Por quê?

— Eu já falei. Tenho um recado para o inglês.

— E meu estimado sogro não podia mandar o recado através da

filha? — zomba Maxim.

— Jak não é fluente em inglês. Mas eu sou. — O sorriso presunçoso

de Anatoli é irritante, o sarcasmo evidente. — E é particular. O recado é

só para você. Não para a filha amada.

Maxim fica incrédulo.

— Você aparece aqui tarde da noite, entra na minha casa sem ser

convidado e ainda quer fazer exigências?

— Preciso falar com você. É coisa de homem. E só de homem. —

Anatoli lança um olhar incisivo para Alessia.

— Eu não vou a lugar nenhum — declara ela, séria. — Se você tem

alguma coisa para falar para meu marido, pode falar para mim também.

Não estou mais em Kukës.

— Não, carissima. Isso é só para os ouvidos do seu marido.

É
Alessia se vira para mim, perplexa. É óbvio que ela não tem ideia de por

que o Babaca apareceu na nossa porta. Suspiro.

— O nome dela é Alessia. Ou Lady Trevethick, para você. Agora,

diga o que tem a dizer e depois pode ir embora. — Dou um sorriso e me

seguro pra não mandá-lo ir se foder. Anatoli estreita os olhos.

— Existe algum lugar reservado aonde podemos ir?

Puta que pariu.

— Na verdade, não. A não ser que seja lá fora. Essa casa é de Alessia

também.

— Maxim, por que você não vai para a sala e eu trago outra taça de

vinho para você?

— Aí está ela! — Anatoli sorri. — Alessia, você é uma mulher

albanesa até a alma.

O rosto dele se ilumina. Ele ainda é apaixonado pela minha esposa.

É repugnante.

— Não. Babaca, você não é bem-vindo nessa casa. Você tirou Alessia

daqui contra a vontade dela. Ameaçou e agrediu ela. E você ainda tem a

audácia de aparecer aqui e esperar ser convidado para entrar…

— Sou sócio do pai de Lady Trevethick. E ele tem um recado para

você, babaca.

Alessia fica tentada a se colocar entre os dois, que se fuzilam com o

olhar.

— Vamos levar isso lá para fora — diz Maxim entre dentes cerrados.

Alessia se vira para ele, os olhos arregalados e o rosto marcado pelo

pânico. Ele abre um sorriso para tranquilizá-la e volta sua atenção para

Anatoli.
O olhar gélido do Babaca não me intimida.

— Você está armado? — pergunta Alessia de repente, as palavras

saindo de sua boca com uma pressa ofegante e transtornada.

Que porra é essa?

Ele balança a cabeça.

— Dessa vez, não. — E dá um sorriso malicioso. — Vim de avião.

Certo, inglês, vamos fazer isso do seu jeito.

Não quero nem pensar no motivo que levou Alessia a fazer aquela

pergunta. Por isso foi tão fácil levá-la… o monstro estava armado, porra.

Furioso, eu o encaro, tentando me controlar. Ele trouxe a porra de uma

arma para minha casa e ameaçou minha esposa.

Ou me ameaçou.

Foi assim que ele conseguiu levá-la.

Uma porra de um monstro.

— E aí, inglês? — diz ele.

Sinto o sangue ferver, mas pego minha jaqueta e saio, sem me

importar em esperar por ele. Não vou de elevador; desço a escada com

pressa, impulsionado pela raiva, e logo alcanço o pequeno saguão no

térreo.

Vamos resolver isso. E depois ele vai embora.

Para sempre. Tomara.

Ele me segue pela escada, e sei que não esperava que eu descesse tão

rápido, porque está ofegante quando chegamos lá embaixo.

Fico feliz de ver.

O canalha maldito trouxe uma arma para minha casa.

— Aqui — grita ele quando chega no saguão antes de eu sair do

prédio. — É iluminado.

Ele tira do casaco um recorte de jornal e o entrega para mim. É de

um jornal albanês, então não entendo as manchetes, mas há fotografias

encardidas de dois homens.

Os pelos da minha nuca se arrepiam quando os reconheço.

Aqueles filhos da puta!

Os traficantes.
Viro a cabeça para ele.

— São esses? — pergunta.

Confirmo com a cabeça.

— Por quê?

Ele não responde e então pega um segundo recorte de jornal. É a foto

de Charlotte me beijando.

Ah, merda.

— Isso chegou na Albânia?

— Chegou. Em todos os jornais. Jak acha que você devia ser mais

discreto com seus casos.

— Ei! — Levanto a mão. — Não é o que parece.

— Não?

— Não. Para sua informação, não estou tendo um caso. E também

não é da sua conta. Nem da de Jak.

— Alessia viu isso?

— Lógico que viu. Ela estava lá.

— Ah.

Ele fica tão desanimado que quase sinto pena dele. O coração dele

ainda bate forte por minha esposa. Ele a ama. Da sua maneira.

Que idiota.

— Olha — diz ele, de forma ríspida. — Se você fizer merda, eu vou

aparecer. Estou esperando. É óbvio que a imprensa nojenta desse país

não a aprova. O esnobismo e o desdém estão em cada palavra que eles

escrevem sobre ela. Vou estar no país natal dela, onde nós amamos a

Alessia. Eu amo a Alessia.

— Não, você não ama. E fique longe da minha esposa. Se você não

tivesse tratado ela mal, talvez ela estivesse com você agora. Mas você

tratou. Você fez merda. E ela é minha agora. De todas as maneiras. E eu

não estou nem aí para a porra da imprensa. Esqueça Alessia. Agora você

pode ir embora.

Subo a escada aos saltos, sem olhar para ele. Quando chego no último

andar, já gastei energia suficiente para me acalmar.

Alessia ainda está no corredor.


— Cadê ele? O que ele queria? — pergunta ela.

— Nada de importante.

Ela coloca as mãos nos quadris.

— Maxim. Me conte.

E, de repente, eu quero rir. Ela foge para encontrar o tio sem falar

uma palavra. E agora aqui está ela, exigindo respostas.

— Você quer mesmo saber?

— Quero. E por que você está sorrindo?

— Porque você está me fazendo sorrir.

— Me conte!

— Seu pai quer que eu lide com minhas amantes de uma maneira

mais discreta.

Alessia fica pálida, olhando perplexa para mim, como se eu tivesse

acabado de dar um tapa nela.

Merda. Eu estava brincando!

— Ei. É bobagem. Anatoli tinha um recorte de um jornal albanês

com uma foto com a Charlotte. — E de repente me sinto inspirado.

Estendendo o braço, pego a mão de Alessia. — Deixe-me mostrar uma

coisa.

Eu a guio para dentro da sala, me sento à mesa e coloco Alessia em

meu colo. Ligo o iMac, abro o Instagram e encontro o vídeo de Alessia

no piano.

— Assista — digo, enquanto admiro a performance primorosa de

minha esposa tocando Bach.

Ela se contorce em meu colo, desconfortável.

— Está ótimo, não se preocupe — murmuro.

Alessia assiste ao vídeo, notando seus dedos em ação e o som saindo do

piano. É bom. O tom é suave, mas vivo. Quando ela termina a peça, há

uma explosão de aplausos do público. Maxim pausa o vídeo.


— Está vendo? — pergunta ele e, com o cursor, circula algumas

figuras borradas no fundo.

Alessia sente um arrepio. Lá está Maxim, se afastando enquanto

Charlotte o beija. Ele gira a cabeça, pega as mãos dela e as tira com

delicadeza.

Ele a empurrou.

Alessia se vira para ele.

— Ela beijou você.

— Eu falei. Ela me beijou.

— Eu acreditei em você.

— Acreditou mesmo? — diz ele, olhando de esguelha, os lábios

curvados em um sorriso provocador.

Alessia ri e joga os braços em volta do pescoço dele.

— Acreditei. De verdade. Óbvio que eu acreditei em você.

— E devia mesmo. Vamos ver alguma coisa na Netflix e relaxar?

Com as mãos no cabelo de Alessia, Maxim a beija, a língua

invadindo sua boca, tirando-lhe o fôlego e fazendo seu coração cantar.


Capítulo Vinte e Seis

— Foi uma boa reunião. Você já está pegando o jeito, Maxim. — Oliver

junta seus papéis com um sorriso generoso, por isso não acho que esteja

sendo sarcástico, apenas sincero.

É reconfortante e, ao mesmo tempo, uma lição de humildade.

Acabamos de conversar com os administradores imobiliários das

divisões de propriedades residenciais e comerciais. Fico satisfeito por

tudo ter corrido bem, embora eles estejam monitorando o setor de varejo

(por conta das vendas on-line), e a rotatividade de nossas propriedades

de varejo esteja alta.

— Eu senti que fluiu bem. Tão bem, na verdade, que estou pensando

em matar o resto do dia de trabalho e voltar para casa.

— Bons planos. Você vai para a Cornualha, não é?

— Sim, estou tentando ficar longe da imprensa.

— Boa sorte com isso.

— Tenha um bom fim de semana. E obrigado, Oliver. Por tudo.

— Só estou fazendo o meu trabalho, milorde. Tenha um ótimo fim de

semana.

Oliver se retira, e me lembro de quando achei que ele não estava

muito interessado em me ajudar. Bom, eu estava errado. Ele é valioso

para mim e para o grupo.

Desço os degraus até a rua e me deparo com uma fresca tarde de

março. Decidi ir a pé para casa, já que tenho tempo de sobra e quero

esticar as pernas. Só consegui correr duas vezes esta semana, e pretendo

me exercitar um pouco mais na Cornualha.

Alessia termina o curso hoje e comentou que depois vai tomar uns

drinques com as colegas. Fico tentado a ir com ela, mas não fui
convidado, e tenho que dirigir à noite.

Cara. Deixe ela curtir.

Ao atravessar a praça Berkeley, uma comichão incômoda se irradia

pelas minhas costas, e me viro para olhar para trás.

Será que tem alguém me seguindo?

Jornalistas? Paparazzi?

Não consigo ver ninguém agindo de modo suspeito, mas acelero o

passo mesmo assim.

Cara. Controle-se.

Ando mais rápido e até cogito pegar um táxi, mas preciso me

exercitar.

A sensação desconfortável me segue até o Chelsea Embankment, e

fico aliviado ao não encontrar ninguém da imprensa na frente de nosso

prédio. Entro a passos largos e corro escada acima, grato por estar em

casa.

Alessia está sentada entre Tabitha e duas das colegas de curso no bar do

The Gore, desfrutando de uma taça de champanhe. O clima entre elas é

alegre, de celebração.

— Acho que meu pai vai notar que meus modos melhoraram muito.

Ele vai ficar satisfeito. Assim espero — murmura Tabitha. — Ele quer

que eu me case o mais rápido possível, como as minhas irmãs. Nem

parece que estamos no século XXI. Foi o seu marido que mandou você

fazer esse curso?

Alessia sorri.

— Não. Foi uma decisão minha, e gostei muito. Aprendi tanta coisa.

No primeiro banquete que nós dermos, você tem que ir.

— Banquete completo, com menestréis e tudo? Pode contar com a

minha presença!

Alessia dá uma risada.


— Não tenho certeza sobre os menestréis, mas Maxim tem guitarras.

Se bem que nunca o vi tocar. Vamos nos mudar em breve. Espero dar

uma festa lá.

— Ah! Uma festa de casa nova. Seria o máximo. Quando vocês vão

se mudar? E para onde? Me conte tudo.

Estou me preparando para tomar banho quando o interfone toca.

O que é agora?

Melhor não ser um jornalista.

No hall, atendo.

— Alô?

— Alô. Alessia. Por favor — diz uma voz feminina baixinha e

hesitante.

— Quem é?

— Amiga. Amiga Alessia. Por favor. — O desespero em sua voz

deixa os pelos de minha nuca arrepiados. O inglês não é a primeira

língua dela.

— Sexto andar. Use o elevador. — Aperto o portão para abrir lá

embaixo.

Vamos ver quem é.

Tabitha abraça Alessia.

— Adorei conhecer você — diz ela, de forma calorosa. — Por favor,

por favor, vamos manter contato.

Alessia retribui o abraço.

— Vamos, sim. E foi ótimo mesmo. Sinto que ganhei uma amiga.

— E agora nós duas sabemos como nos sentar corretamente. A

postura é importante. — Tabitha imita a professora, e Alessia ri.


— E eu aprendi a diferença entre um garfo para saladas e um garfo de

mesa. Minha vida agora ficou… hum… plena.

Tabitha abre um sorriso.

— Tenho que ir. Maxim está me esperando — diz Alessia.

— Não fique na Cornualha para sempre. Me ligue.

— Pode deixar. Tchau.

Alessia aperta a mão de cada uma e se despede apressada das

colegas. Logo está na rua, onde acena para um táxi e dá seu endereço

para o motorista.

Abro a porta do apartamento e espero o elevador. Quando ele chega, sai

de dentro uma jovem baixinha. Ela tem cabelo escuro comprido e me

fita com os olhos escuros e apreensivos. Suspeito que já viram muita

coisa neste mundo.

— Olá — começo com prudência. — Posso ajudar?

— Alessia?

Ela está um pouco ofegante. De nervoso? Não sei. Ela é bonita de

uma maneira sutil, usa roupas descombinadas e permanece ali imóvel de

um jeito estranho, a certa distância de mim. Reconheço a mesma

hesitação que Alessia tinha comigo… com os homens.

Jesus Cristo, de onde surgiu esse pensamento?

— Ela não está aqui no momento, mas está vindo para casa.

Ela franze a testa, e me afasto para o lado, convidando-a para entrar

no apartamento.

— Pode esperar aqui. Qual é seu nome?

— Meu? — pergunta ela.

— É, seu nome. Eu sou o Maxim. — Coloco a mão no peito.

— Bleriana.

— Bleriana! — exclamo, meu rosto se alegrando. — Alessia estava

procurado por você. Entre.


Ela aperta os punhos, como se reunindo forças, e seus olhos escuros

deixam transparecer segredos penosos e horríveis por trás de seu brilho.

Merda.

Sorrio de modo tranquilizador, porque não sei o que mais posso

fazer. Ela leva alguns minutos para decidir se entra ou não, se confia em

mim ou não. Então, umedece os lábios e, seja por curiosidade ou

desespero, dá um passo para a frente e entra no apartamento. Fico bem

afastado, tentando não assustá-la, e fecho a porta. No corredor, pego

meu celular e ligo para Alessia, mas cai na caixa postal.

Droga.

Mando uma mensagem sob o olhar atento de Bleriana.

Tenho uma surpresa para você.


Venha para casa.
Bj
M
P.S.: Uma surpresa boa.

— Acho que Alessia já está a caminho de casa. Ela não deve

demorar.

Bleriana me encara com um olhar assustado, um pouco como minha

esposa costumava fazer.

Pelo que será que essa mulher passou?

— Você fala inglês?

Ela mexe a cabeça para cima e para baixo e depois a balança de um

lado para o outro.

— Tudo bem. Quer beber alguma coisa? — Com a mão, faço a

mímica de uma xícara nos lábios.

— Não. Obrigada. — Sua voz é suave e vacilante, e os braços estão

cruzados na frente do corpo.

Desconfio que esteja tentando se esconder, ficar invisível.

Ah, meu bem. Eu estou vendo você.

— Venha. Pode esperar aqui. — Atravesso o corredor e a conduzo até

a sala de estar. — Sente-se.


Bleriana se senta na pontinha do sofá, rígida e assustada, irradiando

uma tensão que não consigo nem imaginar. Ela aperta as mãos no colo

enquanto os olhos arregalados disparam para todos os lugares,

analisando o ambiente. Fico imaginando se está procurando uma rota de

fuga.

Eu me mantenho de pé perto da porta, pensando no que devo fazer ou

dizer.

— Humm. Está com fome? — Com as mãos, imito alguém comendo.

Ela franze a testa e então mexe a cabeça para cima e para baixo, mas

depois balança a cabeça.

É óbvio: ela é albanesa.

— Sim. Não?

— Não.

Checo as horas.

— Alessia. Vai chegar logo.

O táxi para na frente do prédio, e Alessia salta e paga ao motorista. No

saguão, tem que esperar pelo elevador e desconfia que a Sra. Beckstrom

acabou de chegar do passeio com Hércules, a julgar pelo tempo que o

elevador leva para vir do último andar. Enquanto aguarda, ela pega o

celular na bolsa. Há uma chamada perdida e uma mensagem de Maxim.

Uma surpresa?

Alessia sorri, intrigada, quando enfim entra no elevador. Está

animada para ir à Mansão. Talvez a surpresa tenha algo a ver com a

Cornualha.

Assim que ela abre a porta do apartamento, Maxim está de pé no fim

do corredor, vestindo calça de alfaiataria e uma camisa branca. O cabelo

está despenteado, os olhos verdes, brilhantes, e ele sorri, aliviado ao vê-

la.

— Ainda bem que você chegou. Tem uma amiga sua aqui!
— Alessia! — Seu nome ecoa cheio de esperança pelo hall, e uma

jovem surge na porta da sala.

As duas se encaram, boquiabertas, nenhuma delas acreditando no que

está vendo.

Bleriana!

— O Zot! O Zot! O Zot! — A emoção transborda do peito de Alessia,

subindo até a garganta. Ela dispara pelo corredor e abraça Bleriana. —

Você está aqui. Mas como? Você está bem? Conseguiu fugir?

Bleriana começa a chorar, e as lágrimas de Alessia vencem o nó de

esperança, alegria e incredulidade que se formava em sua garganta, e as

duas mulheres se abraçam e soluçam juntas.

Caramba. Mulheres aos prantos. Mulheres aos prantos conversando em

albanês, num ritmo rápido e intenso.

Por um momento, eu me sinto sufocado por esse reencontro emotivo.

Alessia vira o rosto banhado de lágrimas para mim.

— Como?

Balanço a cabeça.

— Não sei. Ela apareceu aqui do nada. Talvez tenha me seguido do

escritório. Pergunte a ela.

Alessia indaga Bleriana, que agora vira para mim seu rosto molhado,

porém mais esperançoso, e responde.

— Sim. Ela seguiu você — confirma Alessia.

— Bem que eu desconfiei que estava sendo seguido. Vou tomar um

banho e deixar vocês conversarem por alguns minutos.

Alessia pega minha mão.

— Obrigada — faz com a boca.

— Por mais que eu queira levar o crédito, não fiz nada. Ela é que nos

encontrou.
Alessia se vira para Bleriana.

— Me conte. Como você nos encontrou? Estávamos procurando

você. Você fugiu? — Ela pega a mão de Bleriana, e as duas se sentam

no sofá.

— Eles me pegaram. — Bleriana murmura as palavras como se

estivesse confessando um pecado horrível. Parece estar sentindo um

medo e um pavor tão profundos que a sensação de repulsa em Alessia

faz a bile subir até sua garganta.

Ela abraça Bleriana e a aperta com força, como se nunca mais fosse

soltá-la.

— Você está aqui agora. Está segura.

Bleriana soluça, como se uma represa tivesse rompido dentro dela, e

se agarra em Alessia como se a amiga fosse seu bote salva-vidas em um

oceano de atrocidades, horrores e abusos terríveis. Alessia a embala com

ternura, como Maxim fez com ela, as duas derramando lágrimas e mais

lágrimas. E mais. E ainda mais.

— Você está segura. Estou com você — murmura Alessia repetidas

vezes, confortando Bleriana e a si própria ao mesmo tempo.

Isso podia ter acontecido com ela.

Depois de um tempo, Bleriana se acalma e esfrega o nariz e os olhos

com o lenço de papel que Alessia lhe entrega.

— Se você quiser me contar, estou aqui. Vou escutar.

O lábio inferior de Bleriana treme, e ela conta sua história em uma

voz lenta e falha, enquanto Alessia escuta e morre um pouco por dentro.

Da porta, eu as observo conversando em voz baixa, mas de forma

intensa. Não entendo o que estão falando, mas a compaixão de Alessia

por essa jovem sofrida repercute por todo o seu corpo. O modo como ela

segura as mãos da garota e afaga suas costas, o olhar cheio de afeição e

preocupação. Ela está concentrada em Bleriana, e nada mais.

É
É… comovente.

Seja o que for que Bleriana esteja contando a Alessia, é angustiante

para ambas. Dou meia-volta — é doloroso demais de assistir, e minha

imaginação mórbida está a mil.

Merda. Merda. Merda.

— Como você nos encontrou? — pergunta Alessia. — Nós tínhamos

contratado pessoas para procurar você.

— Nós fomos… resgatadas. Pela polícia inglesa. Uma instituição de

caridade tem me ajudado, agora estou morando com uma família

inglesa. Eles são bons. Ainda estou esperando para ver se posso ficar na

Inglaterra. Mas aí eu vi os jornais e reconheci você.

— Ah! — E, por um momento, Alessia se sente grata pela imprensa

britânica.

— O casal que está me hospedando tem uma filha. Ela se chama

Monifa, e é muito gentil. Ela procurou seu nome na internet, aí

descobrimos quem era seu marido e onde ele trabalhava. Então decidi

vir a Londres procurar você.

— E você me achou. — Alessia irradia alegria, e é retribuída com

um sorriso radiante de Bleriana, apesar das lágrimas.

— Mas me conte. Lady Trevethick. Como isso aconteceu? — Os

olhos de Bleriana estão brilhando de curiosidade, o pesar por um

momento escondido por trás da felicidade pela amiga.

— É uma longa história.

Volto para perto da porta quando ouço risadas. Sob o cuidado meigo e

sereno de Alessia, Bleriana parece mais relaxada, e não aquela garota

angustiada que apareceu no apartamento. Sua expressão está mais suave,


e há um vestígio da jovem bonita que ela é, apesar dos inimagináveis

horrores pelos quais passou.

Meu único receio é que ela traga à tona o trauma e os pesadelos de

Alessia. Eu não queria que ela voltasse àquele mundo pavoroso. No

entanto, aqui estamos.

Droga. Estou escondido como um espectador, me sentindo

completamente inútil.

O que posso fazer?

E me dou conta de que isso era o meu normal.

Era assim que eu me sentia o tempo todo. Inútil.

Só depois de conhecer Alessia foi que me senti digno e passei a ter

um objetivo.

Cacete. Afasto esse pensamento, pois é um pouco perturbador.

Nossos planos de ir para a Mansão hoje à noite foram por água

abaixo, então vou até a cozinha e ligo para Danny.

— Ah, milorde. Que pena. Estávamos tão ansiosos para ver o senhor

e nossa nova condessa.

— Surgiu um imprevisto, mas devemos ir amanhã. Eu aviso.

— Está bem, Maxim.

Em seguida, ligo para Tom e lhe digo para suspender a busca por

Bleriana.

— Ela apareceu aqui.

— Veja só, Trevethick. Quem diria!

— Pois é.

Depois de terminar os telefonemas, volto para a sala de estar.

— Senhoras. Vamos comer?

Alessia dá um pulo.

— Maxim! Desculpe. O tempo voou.

— Tudo bem, podem continuar conversando. Vou pedir comida.

— Não. Não. Eu posso cozinhar. Não vamos para a Cornualha hoje à

noite?

— Vamos amanhã.

Alessia se vira para Bleriana.


— Você pode ficar? Está com fome?

O sorriso de Bleriana diz que sim.

Alessia prepara costeletas de carneiro grelhadas, com azeite, alho e

alecrim. Depois começa a fazer uma salada com queijo feta, cebola,

tomate e vários tipos de alface. Bleriana a ajuda a cortar a cebola e o

tomate. Maxim abre uma garrafa de vinho tinto para os três.

— Alessia, veja com Bleriana onde ela está hospedada — diz

Maxim, servindo o vinho.

— Reading — responde Bleriana quando Alessia pergunta.

— Ela pode passar a noite aqui? — indaga Alessia.

— Querida, não precisa pedir minha permissão. Esta casa também é

sua, e ela é sua amiga.

— Eu queria checar se você concorda.

— E por que eu não concordaria? — Ele franze a testa. — Mas será

que Bleriana pode? Ela precisa voltar a Reading hoje à noite? Precisa

dizer a alguém onde está?

— Bem lembrado. — Alessia abre um sorriso para o marido.

Ele é tão competente.

E faz as perguntas certas.

Alessia pergunta para Bleriana, que diz que pode passar a noite, mas

tem que ligar para a família com quem vive para avisar.

— Eu tenho um telefone. Eles vão ficar ansiosos se eu não ligar. Vou

fazer isso agora.

Ela vai até o corredor para dar o telefonema, deixando Alessia e

Maxim sozinhos pela primeira vez desde que ela chegou. Maxim abraça

a esposa e passa o nariz no pescoço dela, debaixo da orelha.

— Já falei que eu te amo? — sussurra ele.

Os lábios dele na pele dela e as palavras suaves bem no seu ouvido

provocam calafrios nas costas de Alessia.


— Que sorte a minha ter você. — Ele a beija e depois mordisca o

lóbulo de sua orelha, pegando Alessia de surpresa e fazendo-a dar um

grito.

Ela se vira em seus braços.

— Que sorte a minha ter você. Obrigada por ser tão compreensivo

com a Bleriana. — Ela se estica e o beija.

— Por que não seria? Ela comeu o pão que o diabo amassou. Se ela

mora em Reading, podemos levá-la até lá amanhã a caminho da

Cornualha.

— Tudo bem.

Alessia quer perguntar se Bleriana pode ir para a Cornualha com

eles, mas decide esperar a hora certa.

— Bleriana está bem no quarto de hóspedes? — pergunto quando

Alessia entra debaixo das cobertas.

— Ela está melhor agora que tem o dragãozinho. — Alessia se aninha

em mim e passa a mão por meu tórax e minha barriga, deixando-a

descansar embaixo da cintura do pijama. — Você está vestido —

murmura, enquanto seus dedos roçam a ponta dos meus pelos púbicos,

acordando meu pau.

— Estou vestido, sim. Nós temos uma hóspede. Não quero que ela

tome nenhum susto no meio da noite.

Ela tira a mão, para minha decepção, e a desliza por meu corpo até o

queixo, onde agarra meu rosto. Aproximando-se de mim, ela sussurra:

— Obrigada. — E me dá um beijo rápido e terno.

— Ah, não. Eu quero muito mais do que isso.

Puxando-a para meus braços, eu nos giro, de modo que ela fica

deitada embaixo de mim, o cabelo escuro espalhado no travesseiro, os

olhos escuros me fitando, o corpo encaixado no meu.

Eu faço uma pausa, apreciando minha esposa.


Porém, alguma coisa está errada.

— Obrigada — repete ela, mas dessa vez é uma súplica baixa e

sussurrada, com o ar sério.

Ela segura meu rosto e seus olhos ficam marejados de lágrimas.

Sinto falta de ar.

Ah, meu Deus.

Não.

Sua súplica suave quase acaba comigo e com meu desejo. Eu a aperto

e rolo de volta, mantendo-a firme em cima de mim.

Podia ter sido ela.

Foi isso o que ela pensou.

Podia ter sido ela.

Mas ela conseguiu fugir.

Minha garota. Minha esposa. Minha esposa tão linda.

Alessia solta um soluço ofegante e começa a chorar, e eu a abraço

enquanto ela absorve as dores de sua jovem e querida amiga e talvez de

si mesma e tudo o que também suportou.

Beijo sua cabeça e murmuro:

— Estou com você. Desabafe. Você está aqui comigo. Está segura.

E minhas próprias lágrimas ficam alojadas como um bloco de

cimento na garganta.
Capítulo Vinte e Sete

Quando me mexo, Alessia está pressionada contra mim, o traseiro

encostado na minha virilha, nós dois deitados de conchinha. Meus

braços a envolvem, e minhas narinas se enchem de seu perfume

delicioso e excitante.

Meu pau, frustrado pela noite passada, está ávido para entrar em

ação. De olhos fechados, beijo o cabelo de Alessia.

— Bom dia, meu amor — murmuro e escuto um arquejo que não saiu

de minha esposa.

Que porra é essa?

Abrindo os olhos, levanto a cabeça, e Bleriana, deitada junto a minha

esposa no outro lado da nossa cama super king, me encara com os olhos

enormes e as bochechas coradas.

Por um instante, fico perplexo.

Quer dizer, não é a primeira vez que acordo com mais de uma mulher

na cama, mas nunca nessas circunstâncias.

— Bom dia — repito, sem saber o que dizer, e sentindo minhas

bochechas ficarem vermelhas enquanto minha ereção murcha.

Ao despertar, Alessia se contorce colada a mim e roça em meu pau,

trazendo-o na mesma hora de volta à vida. Ela estende o braço e coloca

a mão na bochecha de Bleriana.

Espere aí! E eu?

— Bom dia. Você dormiu bem? — pergunta Alessia, a voz suave e

acolhedora.
Bleriana pisca algumas vezes.

— Dormi. Muito bem. Seu marido está acordado. Ele está bravo?

Alessia sorri.

— Não, por que estaria bravo? — diz e, com um sorriso malicioso,

continua: — Acho que ele já acordou nesta cama com mais de uma

mulher.

Bleriana arqueja de novo, escandalizada, mas achando graça da

franqueza da amiga, e depois cai na gargalhada. Alessia a acompanha.

— Eu não devia ter dito isso para você. Ainda bem que ele não

entende albanês. — Alessia se vira para encarar o marido.

Minha esposa está aos risos, despenteada e sonolenta. Linda como

sempre.

— Bom dia, Lady Trevethick. Tem alguma coisa que queira me

contar? Parece que recebemos uma clandestina no meio da noite.

O olhar de Alessia brilha de malícia e amor, e, para meu alívio, a

angústia da noite passada parece uma recordação distante. Os olhos

escuros estão focados em mim, e a única coisa que vejo neles é sua

adoração. Eu estou louco de desejo por ela. Mesmo com nossa plateia

presente.

Porém, mesmo querendo, não posso trepar com ela agora, por causa

de… Bleriana.

— Espero que você não se importe. Bleriana ficou com medo de

noite. Ela apareceu aqui. Eu me afastei um pouco, e nós não acordamos

você. Tem mais espaço nesta cama do que no quarto de hóspedes. E o

mais importante é que você está aqui, nos protegendo de nossos

pesadelos.

— Achei que essa responsabilidade fosse do dragãozinho.

— E é. Mas você também faz isso. Sempre.


Ela acaricia minha bochecha, os dedos roçando em minha barba por

fazer. O contato de sua pele com a minha e suas palavras doces têm um

efeito imediato em meu pau.

— Ah, Alessia — murmuro e a beijo de leve nos lábios, embora eu

quisesse fazer muitas outras coisas.

Maldita situação empata-foda!

Para mostrar meu desejo, empurro os quadris para a frente,

encostando meu pau duro em Alessia.

— Eu podia sair da cama, mas aí me denunciaria.

— Maxim!

Abro um sorriso. E dou um beijo rápido em sua testa.

— Vai levar uns minutinhos.

— Vamos fazer café. — Alessia sorri, então ela e Bleriana levantam

da cama.

— Ele obriga você a fazer café da manhã todo dia? — pergunta

Bleriana, quando estão na cozinha, franzindo a testa em desaprovação.

Alessia ri.

— Não. Ele também prepara o café da manhã, mas gosto de fazer

essas coisas para ele. Maxim é um homem bom. Eu o amo demais.

— Dá para ver. Você tem sorte.

— Tenho mesmo. — O rosto de Alessia se ilumina.

Depois do banho, Alessia veste apressada uma calça jeans e um suéter,

enquanto Bleriana se arruma no banheiro do quarto de hóspedes.

Maxim já tomou banho e se vestiu, e agora está sentado ao

computador na sala de estar quando Alessia o interrompe:

— Milorde, tenho um pedido.


Ele desvia a atenção da tela e a fita.

— Por que você está tão longe? — Ele a puxa para o colo. — O que

foi, milady? — Ele esfrega o nariz no dela. — Se você quer saber se

Bleriana pode ir com a gente para a Cornualha, eu preferia que ela não

fosse.

— Ah. — Alessia joga o peso do corpo no dele, decepcionada.

— Meu amor, não é o que você pensa — logo retoma Maxim. —

Quando a Leticia ligou essa semana, ela disse que o Serviço de

Imigração pode recusar um visto de família para você se descobrir que

esteve no país ilegalmente. Você foi traficada para cá com a Bleriana, e a

polícia já sabe quem ela é. — Uma ruga se forma entre suas

sobrancelhas. — Fico preocupado de alguém descobrir a relação entre

vocês duas, e se a imprensa souber disso…

— Ah. — Alessia empalidece.

— Pois é. Mas podemos pedir para Leticia agilizar a questão do asilo

para a Bleriana. É a especialidade dela, e Bleriana pode até conseguir

um visto antes de você.

— Tudo bem — diz Alessia, mas ainda se sente insegura em relação

a Maxim e Ticia.

Alessia! Ticia é uma especialista.

— É um bom plano. Você fala com a Ticia?

Ele sorri.

— Vou mandar um e-mail para ela agora. Depois que tudo se

resolver, Bleriana pode ir à Cornualha quando você quiser. Mas prefiro

que ela durma no quarto dela.

— Ela está… hum… trauma… traumatizada — diz Alessia em voz

baixa.

— Eu sei. — Ele coloca o cabelo de Alessia atrás da orelha. — Mas

não é apropriado. — Maxim dá de ombros, com um sorriso pesaroso.

Alessia aquiesce, entendendo. Se os funcionários descobrirem, vão

imaginar o pior.

— Bleriana é muito nova — diz ele. — Ela quer voltar para a

Albânia?
— Não. Ela vai ser rejeitada. O estigma… — A voz de Alessia falha.

— Uau. Isso é horrível. E os pais dela?

Alessia balança a cabeça em resposta à pergunta não formulada por

Maxim.

— Tudo bem. Vamos levar Bleriana de volta para Reading e entrar

em contato com Leticia.

Sentada ao lado de Alessia no banco traseiro do maior carro de Maxim,

o Discovery, Bleriana permanece calada. As duas estão de mãos dadas e

de vez em quando conversam trivialidades, mas Alessia sente a

ansiedade da amiga crescer à medida que vão se aproximando de seu

destino. Maxim sai da autoestrada e avança em direção ao centro de

Reading.

— Queria poder ir com você — confessa Bleriana em voz baixa.

— Eu sei. — Alessia aperta a mão dela e dá uma espiada em Maxim.

Os olhos dos dois se encontram no espelho retrovisor, e ela fica

pensando se deveria pressionar Maxim a mudar de ideia.

— Tenho que ficar aqui por causa das reuniões — explica Bleriana.

— Ah, é? — Essa notícia consola Alessia um pouquinho. —

Reuniões?

— É. Com um terapeuta. E um assistente social.

Bleriana não pode ir à Cornualha.

— Entendi. Fico feliz que você esteja fazendo terapia.

— Quando vou ver você de novo?

— Em breve. Prometo. Você tem meu número, pode me ligar a

qualquer hora.
Nós paramos na frente de uma modesta casa geminada nos arredores da

estação de Reading. Saio do carro e me junto a Bleriana e Alessia na

estradinha da propriedade. Assim que a porta se abre, uma mulher de

meia-idade sai. Seu sorriso é amigável, e os dentes reluzem em contraste

com o tom escuro de sua pele quando ela sorri.

— Bleriana, bem-vinda de volta.

Um homem pálido, calvo e corpulento, de cinquenta e poucos anos,

aparece atrás dela, usando calça jeans e uma camisa de futebol do

Reading F.C. Seu sorriso é tão caloroso e amistoso quanto o da esposa.

Suponho que sejam casados, a família que está acolhendo Bleriana.

Alessia se apresenta como Alessia Trevelyan e me apresenta como seu

marido. Gosto que ela não saia exibindo seu título. Às vezes, é a melhor

coisa a se fazer.

E ela entendeu isso.

O Sr. e a Sra. Evans parecem ser ótimas pessoas, mas, quando nos

convidam para tomar um chá, recuso com toda a educação. Quero pegar

a estrada.

Bleriana se vira, abraça Alessia e murmura um adeus choroso em

albanês; em seguida, a certa distância, faz um gesto com a cabeça, se

despedindo de mim.

— Venha. — Estico a mão para minha esposa, e caminhamos para o

carro.

No banco do carona, Alessia dá um aceno de adeus, os olhos

brilhando, e sei que está quase chorando. Ponho o Discovery em marcha,

desço a rua e pego a mão de minha esposa.

— Ela vai ficar bem. Eles parecem boas pessoas.

— E são, mesmo. Bleriana está impressionada com a bondade dos

dois.

— Logo vocês se encontrarão de novo.

Alessia faz que sim e se vira para olhar pela janela do carro.

— Se incomoda se eu puser uma música? — pergunto.

— Não.

— Algum pedido?
Ela vira seus olhos escuros e tristes para mim e balança a cabeça.

— Ah, baby. Quer que eu dê meia-volta para pegar a Bleriana?

— Não. Não. Não podemos fazer isso. Ela tem compromissos

marcados com um assistente social e um terapeuta.

Suspiro aliviado.

— Estou contente que ela tenha apoio. Ela vai ficar bem. Bleriana é

uma garota independente, assim como você. Ela conseguiu te encontrar

sozinha, foi muito corajosa.

Alessia me dá um sorriso tímido. E sou tentado a relembrar-lhe que

ela estava chorando na última vez que fomos à Cornualha, mas decido

não mencionar o assunto. Em vez disso, ligo o rádio e coloco na BBC

Radio 6. Eu me deixo inundar pela voz de Roy Harper e sua canção

“North Country”, de 1974.

Humm. Queria aprender a tocar isso no violão.

— Quer parar para almoçar? — indaga Max.

— Não estou com fome. — Alessia sente o coração pesado.

— Não aceita nem um panini?

Ela sorri, relutante.

— Parece que foi há tanto tempo.

Maxim ri.

— Foi mesmo. Um mundo de distância. Estou com fome, vamos dar

uma parada, por favor?

O sorriso de Alessia se amplia.

— Lógico. Não quero que você fique com fome.

Quando estacionamos em uma parada de beira de estrada em

Sedgemoor, Alessia fica grudada a meu lado, de mãos dadas comigo.


Compramos dois mistos-quentes e cafés, mas decidimos comer no

caminho.

— Algum dia você não vai pensar duas vezes quando tiver que parar

no meio da estrada — tento tranquilizar Alessia quando abro a porta do

carro.

— Assim espero — replica ela, mas seus olhos me seguem conforme

dou a volta, e sei que ela não se sente segura.

Pensar nisso é deprimente. Eu sabia que isso poderia acontecer se ela

fosse exposta de novo a seu passado recente e àquele submundo.

Vai levar tempo, cara.

Tempo.

Assim que me sento, deixo o copo de café em um suporte, tiro o

sanduíche da embalagem e dou uma grande mordida. Ligo o carro e saio

da vaga.

— Você não chegou a me contar sobre o último dia do curso. Como

foi? — pergunto, com a boca cheia e manteiga escorrendo pelo queixo.

Ela ri antes de me entregar um guardanapo, e o som enternece meu

coração.

— O curso foi muito… humm… informativo. Vamos ver. E fiz

algumas amigas. Em especial, a Tabitha.

— Que ótimo.

De soslaio, eu a observo dar uma pequena mordida no sanduíche

enquanto pensa sobre alguma coisa. Seu guardanapo está no colo na

posição correta, o que me faz sorrir. Ela é uma dama, certamente.

— Acho que vão ajudar.

— As aulas?

— É. Quero provar para sua mãe e gente como ela que sou digna de

você e do seu… legado.

Sua declaração, dita naquela voz suave, é um soco no estômago. E o

impacto vai até a minha alma.

Puta que pariu.

Rowena deve ter falado alguma coisa maldosa e mordaz na semana

passada, e minha pobre esposa levou para o coração o veneno destilado


por minha mãe. Lembro-me do que ela disse quando estávamos os três

na nossa sala, o que já foi bastante ofensivo.

Você precisa de alguém da sua classe, uma inglesa que compreenda

as pressões do título e sua posição na sociedade. Uma esposa que te

ajude a desempenhar o papel para o qual você nasceu e ajude a

proteger o seu legado.

O rancor que alimentei por Rowena — que faz parte da minha vida

desde que ela nos deixou, tanto tempo atrás — grita em meu peito, e

seguro o volante com mais força. O ressentimento é meu companheiro, e

nunca desaparece por completo.

— Você é mais do que digna de mim… — murmuro, tentando

controlar meu humor. — Você é digna de tudo. Nunca duvide disso, por

favor. — Sorrio para ela, me desculpando. — A Rowena deve ter dito

alguma coisa horrível para você. Só posso pedir desculpas.

Alessia suspira.

— Ela estava irritada, Maxim. Ela acha que você se casou com

alguém que não está no seu nível… uma mulher estrangeira, sem nada, e

ela estava lá para confessar… humm…

— Os pecados dela? — completo com desdém.

— Ela estava lá para acabar com… as suas preocupações. Você devia

ouvir o que sua mãe tem a dizer sobre a história do Kit. Às vezes as

mulheres se encontram em… — ela engole em seco — … situações

difíceis.

Respiro fundo. Minha esposa doce e compassiva me lembrando da

realidade brutal do mundo. Ela sabe do que está falando. Foram suas

experiências penosas que a trouxeram até mim.

Fico espantado.

Minha garota linda. Defendendo minha mãe.

Sinto a garganta se fechar e pigarreio.

— Como está seu sanduíche? — pergunto, porque estamos

adentrando um território difícil.

Não quero sentir nenhuma compaixão por minha mãe.

Ela nos abandonou.


Ela foi cruel com minha esposa.

— Delicioso — sussurra Alessia, e, quando lhe dou uma espiada,

percebo que ela sabe muito bem o que estou fazendo.

Mudando de assunto. Indo para longe do tema sensível que é a

mamãe.

Cara.

— Você é boa demais com a minha mãe. Mas vou pensar no assunto

— digo e, como não quero falar da Nave Mãe, ligo a música.

Pouco depois das cinco da tarde, com o sol já baixo no céu, viro à direita

no portão norte, passo pelo mata-burro e pego a pista norte da

propriedade. Alessia se inclina para a frente para observar a extensão de

pasto à nossa direita. Não estivemos nessa área antes.

— Você tem vacas!

— Temos gado, sim. Criado de forma orgânica.

— Elas são tão bonitas!

Dou uma risada.

— É Devon.

Alessia se vira para mim, a testa franzida.

— A raça. Do gado.

— Ah.

— Você pode ver os animais de perto mais tarde.

Alessia sorri.

— Ainda não tem cabras.

Eu rio.

— Nada de cabras.

Ela olha para a frente e fica boquiaberta quando avista a Mansão

Tresyllian. A imponência dessa casa nunca deixa de impressionar.

Também sempre me afeta. De repente, sinto um aperto no peito. Estou


trazendo minha esposa para um lugar que será um lar para ela, para

nossos filhos e espero que para os filhos deles também.

Cacete.

Cara. Calma.

É um pensamento e tanto.

Que vem acompanhado de emoções e tanto.

Chega.

Deixo isso para lá. Esse lugar tem sido meu refúgio, e espero que

Alessia também seja feliz aqui.

Dou a volta no caminho, passo sobre o segundo mata-burro — o que

faz nossos dentes chacoalharem — e contorno os estábulos antigos,

chegando até perto da porta da cozinha, onde estaciono o Discovery.

Desligo o motor e me viro para Alessia.

— Bem-vinda ao lar, minha esposa.

O sorriso de Alessia ilumina seu rosto.

— Bem-vindo ao lar, milorde.

A porta da cozinha se abre, e Danny surge na entrada, apertando as

mãos de ansiedade, a alegria estampada nos cintilantes olhos azuis e no

sorriso radiante. Atrás dela, Jensen e Healey, os amados setters

irlandeses de Kit, aparecem correndo pelo cascalho, curiosos para ver

quem chegou.

Saio do carro, e os cachorros pulam, felizes em me ver, querendo

atenção.

— Oi, meninos!

Acaricio os dois atrás das orelhas. Eles voltam a atenção para Alessia

quando ela para a meu lado. Minha esposa faz carinho em ambos, um

pouco mais reticente do que eu.

— Bem-vindos, milorde e milady! — diz Danny, superefusiva.

Essa não é uma reação normal da Danny.

Ela pega a mão de Alessia.

— Estou tão feliz de ver a senhora de novo!

— Obrigada, Danny — diz ela. — Por favor, me chame de Alessia.


— Não precisa ser tão formal, Danny. Pelo amor de Deus. — E lhe

cumprimento com um beijo rápido. — É bom ver você.

— Sinto o mesmo, milorde. — Ela afaga meu rosto, parecendo um

pouco chorosa.

Ah, assim não dá.

— Maxim. Por favor — peço a Danny. — Mas esperem. Preciso fazer

uma coisa antes. — Pego a mão de Alessia e a carrego no colo, fazendo-

a soltar um gritinho agudo de surpresa.

Os cães pulam e começam a latir. E, em vez de entrar pela cozinha,

dou a volta, andando com dificuldade pelo cascalho, até a entrada

principal da casa.

— O que você está fazendo? — Alessia ri, segurando-se em meu

pescoço.

— Estou levando você para a porta principal. Nós devíamos entrar

pelo saguão, para deixar os casacos e as botas, mas todo mundo usa a

porta da cozinha, porque é a parte mais agradável da casa. Mas como

você é a nova condessa, acho que deve entrar pela frente.

Quando dou uma olhada para trás, os cães estão nos acompanhando,

mas Danny desapareceu. Sei que ela está se dirigindo à porta principal

pelo interior da casa. Viro a esquina e sigo o caminho ladeado de teixos

antigos até a porta da frente. É uma caminhada mais curta para Danny,

que abre a velha porta de carvalho. Ao seu lado, Jessie, nossa cozinheira,

e Brody, um dos funcionários, estão prontos para nos receber.

Carrego Alessia para dentro e a coloco no chão no corredor, em

frente ao brasão de minha família e à equipe de funcionários.

— Bem-vinda, condessa Trevethick — digo, segurando seu rosto e

lhe dando um beijo terno que mexe com minha alma.

Minha esposa.

Aqui. Até que enfim.

— Ahh. — Há um som coletivo de aprovação, e tenho que me

lembrar de que não estamos sozinhos.

— Sejam bem-vindos. E parabéns — diz Jessie.


— Obrigado. Danny, Jessie, Brody, quero apresentar a vocês Alessia,

condessa de Trevethick.

Alessia está comovida com a recepção calorosa e inesperada. Todos da

casa, até mesmo os cachorros, estão encantados em vê-la. Danny e Jessie

saíram para preparar chá, e Brody foi trocar lâmpadas em algum lugar.

Os cães, sentindo que poderiam ganhar algum petisco, seguiram Danny

e Jessie.

Maxim e Alessia ficam sozinhos no hall e se entreolham. Em algum

lugar próximo, o tique-taque de um relógio antigo bate em um ritmo

persistente.

— Como você está se sentindo? — pergunta Maxim.

Ele coloca uma mecha solta de cabelo atrás da orelha de Alessia, os

olhos ardentes fixos nos dela. O toque delicado dele percorre o corpo de

Alessia, despertando-o.

— Bem. Muito bem — sussurra ela, incapaz de desviar a atenção dos

olhos verdes penetrantes, que se intensificam ao encará-la.

— Não faz tanto tempo assim que estivemos aqui.

— Não. Mas foi em uma vida passada.

— Foi mesmo — murmura ele e passa o polegar pelo lábio inferior

de Alessia, enviando uma descarga de eletricidade para todos os

músculos, tendões, ossos e tecidos da esposa.

É excitante.

— Eu conheço esse olhar — sussurra ele, as palavras quase

inaudíveis.

— Eu conheço o seu olhar.

Ela consegue sentir. O desejo dos dois, fluindo entre eles. Elétrico.

Mágico. Uma alquimia especial e única.

— Vamos para a cama — murmura Maxim, os olhos tomados de

admiração carnal e promessas ousadas.


Como ela poderia resistir? Por que resistiria?

— Vou adorar.

Ele sorri, pega a mão dela e a conduz para a incrível escadaria, com

seus balaústres com figuras de águias de duas cabeças.

— Vamos apostar corrida? — desafia ele com um sorriso malicioso e

sobe aos pulos, de dois em dois degraus.

Alessia segue, tentando não rir.

Maxim espera no topo da escada, todo despenteado, um sorriso

devasso no rosto.

— Ansioso? — provoca Alessia, um pouco ofegante, e ele ri e se

agacha de repente, agarrando-a pelas coxas e puxando-a para cima do

ombro.

Ela ri na mesma medida.

— Pode crer — exclama ele e dá uma palmada em sua bunda antes

de avançar pelo corredor em direção ao quarto, com Alessia quicando

em seu ombro.

Para sua sorte, o quarto não é longe. Lá, ele a coloca de pé e os dois

se encaram, extasiados, trocando olhares, sorrisos e desejo.

— Eu te amo — sussurra ele e se abaixa, grudando a boca na dela,

deslizando devagar os braços ao redor do corpo de Alessia e puxando-a

para si.

Eles se beijam. Sem parar. Saboreando e provocando um ao outro, se

perdendo no outro, por meio de suas línguas, lábios e dentes. Alessia

agarra o cabelo castanho sedoso de Maxim, enquanto ele segura sua

cabeça e desliza as mãos pelo corpo dela, até o traseiro, apertando-o

com força e deixando Alessia grudada no pau cada vez mais duro.

— Seu gosto é tão bom — murmura ela, quando os dois pausam para

recuperar o fôlego.

— O seu também, baby. O seu também. Eu quero tanto você. Mas,

primeiro, só quero abraçar você. Aqui. Agora.

Ele aperta mais os braços ao redor da esposa e encosta a testa na dela.

Ela sorri para si mesma e para ele enquanto respira fundo, e os dois

ficam um nos braços do outro, um momento de paz no olho de seu


furacão apaixonado.

Eles permanecem abraçados.

Um pertence ao outro.

— Ah, Maxim. Eu te amo — sussurra ela. — Mais do que você

imagina.

— Mas eu imagino.

Porém, o amor, a gratidão e o desejo de Alessia não podem esperar

mais tempo.

— Eu quero você — murmura ela, pegando o suéter de Maxim e

tirando-o pela cabeça.

Ela puxa a camisa dele para fora da calça e começa a desabotoar.

Fico parado o mais imóvel possível, dado que minha vontade é atacar

minha esposa.

Agora.

Eu a deixo me despir. Ela está tão motivada por seu desejo quanto eu.

Meus dedos estão coçando para despi-la, mas fico feliz de atiçar o fogo

no meu sangue só de olhá-la.

Ela enfia a mão no cós da minha calça jeans e abre o botão.

— Sua vez — digo, fazendo-a parar, e removo seu suéter com um

movimento rápido.

Em seguida, me ajoelho a seus pés e tiro suas botas, uma de cada vez,

e depois suas meias. Volto a ficar de pé e, sob o olhar firme de minha

esposa, tiro meus sapatos e minhas meias.

Estou pronto.

Totalmente pronto.

— Tire a calça. Agora — murmuro.

Alessia arqueja, com um olhar cada vez mais intenso, dá um passo

para trás, desabotoa devagar a calça jeans e abre a braguilha lentamente.

Me provocando!
Depois ela rebola, balançando sua bunda gostosa, empurra a calça

para baixo e a retira.

Minha linda esposa, parada diante de mim usando um belo conjunto

de calcinha e sutiã de renda.

Porra. Tiro um momento para apreciar a visão deslumbrante.

Ela é maravilhosa.

Alessia leva as mãos para trás, solta o sutiã e o joga para mim. Ela ri

quando o pego. Depois, se contorcendo, tira a calcinha.

— Você é tão bonita, Alessia.

— Agora você — diz ela com um olhar imperioso, sensual à beça.

— Sim. Milady. — Tiro a calça e a cueca, apressado, de modo que

meu pau mais do que pronto salta livre, cheio de tesão por ela.

Alessia sorri com malícia e se aproxima, me agarrando.

É minha vez de arquejar.

Seus dedos estão frios!

— Ai!

Alessia ri, assim como eu.

— Chega! — Eu a agarro pela cintura e a ergo do chão. — Enrosque

as pernas em mim, linda.

Ela obedece, e, ainda carregando-a, caminho até nossa cama e me

abaixo até deitarmos nela e eu ficar aninhado entre suas coxas.

— A primeira vez. Como marido e esposa. Aqui — sussurro, de

repente acometido pela importância histórica daquilo, ou de legado, ou

de algo que nos transcende.

Ela me encara e afasta meu cabelo da testa com ternura.

— Marido — murmura ela, e a palavra ecoa entre minhas pernas.

Caralho.

Quero estrar dentro dela. Passo a mão por seu corpo, roçando o

mamilo, que reage, e continuo, minha mão celebrando as curvas de sua

pele, seguindo pela barriga e passando sobre seu sexo. Devagar, enfio um

dedo em seu interior molhado e quente. Ela ergue os quadris na direção

de meu dedo e toma impulso contra minha mão, desejando extravasar.

Ah, baby.
Retiro o dedo e devagar a penetro e colo minha boca na dela, minha

língua tão ávida quanto meu pau. Seu corpo se alinha ao meu, e ela

enrosca os braços e as pernas em mim, me abraçando com força. É

inebriante.

E não consigo mais resistir.

Começo a me mexer.

Com força.

Rápido.

Reivindicando a mulher que é minha esposa.

Levando-a ao êxtase, enquanto suas unhas arranham minhas costas.

Sem prestar muita atenção nisso, esqueço tudo que não seja ela e

desejo que deixe marcas em mim.

Sou dela.

Ela é minha.

Para sempre.

— Maxim — grita ela ao gozar, e me perco também, gozando dentro

da única mulher que já amei.

Minha esposa.
Capítulo Vinte e Oito

Alessia faz um intervalo, depois de praticar as peças que vai tocar no

teste, e observa Maxim pelas janelas da grande sala de música. Ele

percorre devagar o caminho de acesso com Michael, o administrador da

propriedade. Está vestindo sobretudo e galochas, segurando o que parece

ser uma bengala enquanto anda pelo terreno. Eles estão no meio de uma

conversa animada, quem sabe sobre a destilaria, o projeto pelo qual

Maxim está apaixonado. Ele está empolgado para tirar a ideia do papel.

Atrás dele, Healey e Jensen vão pulando pela pista, parando para

farejar alguma coisa e marcar território, como os cachorros costumam

fazer. Mesmo de onde está, Alessia percebe que os animais estão

encantados com seu marido. Eles o adoram.

E ela também o adora.

Maxim e Michael riem de alguma coisa que Michael diz, e aquece o

coração de Alessia ver Maxim tão feliz. Esse lugar é perfeito para o

marido. Ele parece o senhor da mansão e fica muito mais relaxado na

Cornualha do que em Londres. E como culpá-lo? O ritmo ali é mais

tranquilo, e faz Alessia se lembrar de sua terra natal.

No pasto atrás deles, os cervos se amontoam ao redor do cocho de

água. Maxim faz uma pausa para admirar o rebanho com Michael.

Alessia se distrai com o som de passos.

— Ah, que prazer ouvir a senhora tocar, milady — diz Danny. —

Trouxe um café. — Ela apoia uma bandeja com um pequeno bule, uma

xícara e seu pires no aparador próximo.

— Obrigada.

— Sua Senhoria sempre gostou dos cervos — murmura ela, ao olhar

pela janela.
Alessia aquiesce.

— Na última vez que estivemos aqui, vi um macho grande na estrada.

Ele parou bem na nossa frente.

— É mesmo? Eu nunca vi. — Danny parece chocada.

— Por que isso é surpreendente?

— Maxim não contou?

— Não.

— Sobre a lenda?

Alessia balança a cabeça.

— Ah, esse menino — zomba Danny. — Diz a lenda que a primeira

condessa, Isabel, encontrou um cervo macho adulto na floresta pouco

depois de seu casamento com o primeiro conde. O cervo disse para ela

que, se a sua família tomasse conta do rebanho selvagem, seria

abençoada com uma vida longa e muitos filhos. E foi isso mesmo que

aconteceu. A propriedade Trevethick tem sido um abrigo para esses

bichos. Eles são considerados um sinal de boa sorte. É por isso que

existem dois cervos no brasão da família. Eles simbolizam proteção para

o condado, a propriedade e a família, milady.

— Eu não sabia disso. Eles não são… hã… caçados?

Danny balança a cabeça.

— Não. Há séculos que isso não acontece. De dois em dois anos, são

abatidos de forma piedosa, para manter uma população sustentável. E a

carne de caça é muito cobiçada por aqui. Mantém o rebanho forte e,

enquanto o rebanho estiver forte, os Trevelyan e os Condes de Trevethick

também permanecem fortes.

Alessia não sabe o que dizer, mas um sentimento de esperança em

relação ao futuro, um futuro para ela e o marido, percorre sua pele.

Afinal, o cervo que avistaram quando Maxim a levou para praticar tiro

parecia a estar acolhendo. Ela sorri para Danny.

— É um bom presságio, milady. A família Trevelyan é responsável

pelo bem-estar da propriedade, do vilarejo e das florestas, campos e

pastos em torno. O terreno se expande em muitos milhares de hectares.

E a família e as pessoas próximas os mantêm unidos e prósperos desde a


década de 1660. Que assim perdurem. — O sorriso de Danny reflete o

de Alessia. — Agora, depois de tomar o café, fiquei pensando se

gostaria de ver os apartamentos privados e o sótão, apesar de aquele

andar ser mais reservado para os funcionários e para depósito.

— Eu gostaria muito de fazer isso. Obrigada, Danny.

Alessia aprecia bastante as excursões pela casa com a governanta.

Danny explicou em detalhes cada cômodo que está aberto (pois nem

todos estão), sua história e para que servem. Já apresentou Alessia à

maior parte dos funcionários, que, até o momento, mostraram-se

amáveis e acolhedores. Alessia admira muito a mulher que mantém a

casa toda funcionando tão bem. E se sente segura nas mãos de Danny;

afinal, foi ela que cuidou de Alessia depois da tentativa de sequestro.

E é óbvio que Danny tem um carinho enorme por Maxim, que sente

o mesmo. Ela parece agir de maneira mais maternal do que a própria

mãe dele…

Alessia!

Ela tenta não pensar em Rowena de forma tão dura, mas às vezes é

impossível. No entanto, talvez Alessia possa fazer alguma coisa para

ajudá-los a se reconciliar.

Mas o quê?

— E ainda precisamos tomar providências importantes quanto às

mudanças de quarto: Sua Senhoria vai para o quarto do conde e a

senhora para o da condessa. — diz Danny, e Alessia logo para de

divagar.

— Quarto da condessa?

— Sim. Cada um tem os próprios aposentos aqui.

Quartos separados!

— Às vezes é bom ter um refúgio — diz Danny, como se tivesse lido

seus pensamentos.

Refúgio? Alessia não entende o que isso significa e não gosta de falar

ou de pensar em dormir separada de Maxim.

Será que Maxim quer isso? Dormir sem ela?

Como um antigo costume gheg! A ideia a deprime na mesma hora.


— Nossa, milady. Não vai ser desse jeito — comenta Danny. — Vou

lhe mostrar depois de seu café.

Michael e eu inspecionamos os carros nas antigas estrebarias. Esses

modelos clássicos e vintage eram a alegria e o orgulho de Kit. Quase

posso vê-lo caminhando em minha direção, vestindo um macacão

imundo, as mãos cobertas de graxa e cheirando a gasolina e Swarfega.

Ele estaria com seu boné de tecido e um trapo oleoso se projetando do

bolso e estaria feliz demais, porra.

E aí, Reserva, topa dar uma volta nesta Ferrari?

Ele adorava este lugar.

Ele adorava os carros.

Eu, nem tanto. Porém, não me incomodava em dar uma volta pela

propriedade de vez em quando em uma das máquinas.

E agora tenho que decidir o que fazer com elas.

— Você está certo, Michael. Aqui seria muito melhor para uma

destilaria. É mais seguro, mais perto da casa, há espaço para expandir e

essas antigas estrebarias estão em melhores condições do que o celeiro

do pasto norte.

— O único problema são os carros.

— Vou vender. Não preciso de todos eles.

Michael dá um sorriso pesaroso. Sei que vendê-los deixaria Kit de

coração partido, mas ele não está mais aqui.

— Vou ficar com o Morgan e me livrar do resto. Vou perguntar a

Caroline se ela quer algum, mas duvido muito. Os carros eram uma

paixão de Kit, não dela.

— Sim, milorde.

Volto para a casa, entrando pelo saguão, enquanto Michael retorna a

seu escritório. Tivemos uma manhã proveitosa, e estou pronto para o

almoço. Michael estava falando sobre as vantagens da agricultura


regenerativa. Pelo visto, esse é o próximo estágio da agricultura

sustentável. Prometi estudar o assunto e tentar entender o motivo de

tanto estardalhaço.

Encontro Alessia na sala de estar, sentada em uma mesa já posta para

o almoço. Ela ergue o olhar do livro de Daphne Du Maurier que estava

lendo, a ansiedade estampada no rosto.

— O que foi? — pergunto quando tomo a cadeira a sua frente.

— Você quer dormir separado?

— O quê? Não. Do que você está falando?

— Danny estava me contando sobre mudar de quarto.

— Ah. — Cai a ficha. — Não tenho certeza se quero mudar de

quarto. Você quer?

— Não. Quero ficar com você.

Dou uma risada.

— Fico feliz de ouvir isso. Podemos dormir onde quisermos. O

quarto do conde foi do meu pai e do meu irmão. — Dou de ombros. Não

estou a fim de me mudar para lá. — E sobre os aposentos da condessa,

depende de você. Não são longe do meu quarto, e tem um closet que

pode ser útil. Você não precisa dormir lá. Eu preferia que você dormisse

comigo. A não ser que eu ronque.

Ela ri.

— Ótimo. Foi o que pensei. E você não ronca.

— Tenho uma ideia do que podemos fazer hoje à tarde — mudo de

assunto.

— Ah, é? — Alessia inclina a cabeça com uma expressão de flerte, e

sei que ela está pensando em sexo.

Caio na gargalhada.

— Não. Vou ensinar você a dirigir.

— Dirigir?! Eu?

— É. Você não precisa ter carteira para dirigir em uma propriedade

privada. Podemos usar o Defender, ou talvez um carro menor, e vou

ensinar a você.

Danny entra, trazendo dois pratos.


— Almoço, milorde.

Reviro os olhos.

— Maxim. É o meu nome.

— Maxim, milorde. — Danny acata, e coloca os pratos na mesa. —

Salada niçoise com um toque da Cornualha.

— Toque da Cornualha? — pergunto, curioso, examinando o prato.

— Sardinhas, senhor, em vez de anchovas.

Eu rio.

— Tudo bem, então.

* * *

— Firme, acelera mais um pouquinho e vai tirando o pé da embreagem

devagar — oriento Alessia.

Estamos no Defender que Danny dirige para se deslocar pela

propriedade. Está bastante usado, mas ainda é útil.

Concentrada, Alessia segura o volante como se sua vida dependesse

dele. O carro de repente dá um solavanco e morre, e Alessia pisa com

força no freio.

Sou arremessado para a frente, o cinto de segurança pressionando

meu peito.

— Epa!

Alessia solta uma série de ofensas em sua língua materna, que nunca

a ouvi dizer antes.

Ela não ficou nada satisfeita.

— Tudo bem — tranquilizo-a. — É só uma questão de achar o ponto

de equilíbrio na embreagem quando o motor dá a partida. Você só

precisa acelerar um pouquinho mais. Vá com calma, temos a tarde toda.

E não tem problema, dirigir pode demorar um pouco para aprender.

Ela faz uma careta rápida e determinada e liga o carro de novo.

Minha garota não vai desistir.

— Vá devagar. Passe a marcha — murmuro.


Ela luta com o câmbio para pôr em primeira de novo, e fico pensando

se devíamos ter escolhido um carro mais fácil.

Se ela conseguir dirigir este carro, vai conseguir dirigir qualquer um.

— Muito bem. Respire fundo. Você consegue.

A marcha arranha quando ela engata a primeira e dá partida no motor

mais uma vez.

— Bem lento. Sem acelerar muito.

Ela me encara, zangada de novo, e calo a boca porque, se não fizer

isso, desconfio que ela ficará tentada a arrancar um dos meus braços.

Nunca ensinei ninguém a dirigir. Eu mesmo aprendi aqui, na

propriedade, quando tinha quinze anos. Foi uma das últimas coisas que

meu pai fez antes de morrer. Ele estava calmo e me encorajava. Tenho

muito carinho por essa lembrança. Ele era um ótimo professor.

Quero agir da mesma forma com Alessia.

A passo de tartaruga, seguimos adiante.

Isso! Comemoro mentalmente para não distrair Alessia, e

atravessamos devagar o caminho de cascalho atrás dos estábulos.

— Ótimo, agora a segunda. Embreagem. Segunda marcha. Passe a

marcha com calma.

Sua língua aparece de novo, e Alessia passa para a segunda de forma

suave, deixando o Defender ganhar um pouquinho de velocidade.

— Muito bem! Ótimo. Com calma. Siga reto em direção aos portões.

Isso. Bom!

Com cuidado, Alessia dirige até os portões, onde fica o mata-burro.

— Vamos pegar a pista. Mantenha assim.

Ela consegue passar entre as colunas dos portões e segue descendo a

pista. Um sorriso selvagem surge em seu rosto, e é contagioso.

— Você está indo bem. Mantenha a atenção na estrada.

Ela continua a dirigir pela pista, devagar, mas com firmeza,

concentrando-se ao máximo. De vez em quando, passa a língua nos

lábios.

É muito sensual.
Porém, agora não é hora de lhe dizer isso. Ou pensar nisso — é o tipo

de coisa que distrai.

— Você está indo muito bem. Mas fique atenta, pois pode aparecer

algum cervo na pista. Eles devem se afastar quando ouvirem nosso

barulho. É melhor não colidir com um cervo. Kit fez isso. Uma vez…

Merda.

E olhe o que aconteceu com ele.

Cacete.

Pigarreio e tento afastar minha tristeza. De repente, me vem à mente

uma lenda sobre os cervos e seu vínculo com a propriedade, mas não me

lembro direito da história. Vou tentar recordar para contar a Alessia.

— No final da pista, perto da guarita norte, vamos virar à esquerda.

Depois vamos fazer uma excursão em zigue-zague pela propriedade.

Alessia está eufórica. Não consegue acreditar que está dirigindo. Mas,

acima de tudo, está animada porque não quer decepcionar Maxim. Pelo

visto, ele a considera capaz de fazer isso.

E é verdade.

A fé de Maxim nela é tocante.

Quando fazem uma curva na pista, ela avista a guarita, o mata-burro

e a encruzilhada com três direções.

Ela entra em pânico por um minuto.

Qual é a esquerda?

O Zot!

Em vez de fazer a curva, ela pisa fundo no freio, arremessando os

dois para a frente e deixando o carro morrer.

— Desculpe! — diz ela.

— Sem problemas. Não precisa se desculpar. Você se lembrou do

freio e parou o carro. Essa é a coisa mais importante. Não tem certeza

onde é a esquerda?
Alessia ri, mais de nervoso do que por estar achando graça.

— Não. Eu me confundi.

— Tudo bem. Você poderia ter ido para qualquer lado. Tudo isso faz

parte da propriedade. Desligue o motor. Coloque o carro em ponto

morto e use o freio.

Alessia segue as instruções de Maxim e respira fundo.

Ela consegue fazer isso!

— Quer tentar de novo?

Ela aquiesce.

Maxim aponta para a frente.

— Adiante.

Ela vira a chave, o motor ronca e começa a funcionar. Alessia pisa no

pedal da embreagem, querendo mostrar quem manda ali, e coloca a

primeira. O sistema de câmbio emite um horrível barulho de arranhado.

Alessia olha para Maxim, que estremece. Ela volta a mirar a estrada e

acelera, tirando o pé da embreagem e soltando o freio de mão. E então,

eles avançam mais uma vez.

O carro não morreu!

Alessia está rindo à toa.

Ela gira o pesado volante, e o veículo vira devagar para a esquerda e

prossegue na pista.

— Agora a segunda? — sugere Maxim, com delicadeza.

Ela assente e muda a marcha, mantendo o carro em curso. Eles

passam por um dos campos, e Alessia logo avista Jenkins em um trator

puxando um trailer. Ele acena para os dois, e Maxim retribui, mas

Alessia mantém as mãos firmes no volante. Enquanto seguem pela pista,

o marido continua a lhe oferecer apoio.

Ele está satisfeito.

Alessia avista mais uma guarita e diminui a velocidade ao se

aproximar. Do outro lado do portão, uma pequena motocicleta surge de

repente e atravessa a pista. O motorista usa calça e botas pretas, e, presa

na garupa, há uma caixa de transporte portando o que parece ser um

passageiro peludo e pequeno. Como a moto segue pela estrada sem


diminuir velocidade, Alessia pisa no freio, mas não deixa o carro

morrer!

Boa, Alessia!

— Merda. É o padre Trewin — diz Maxim. — Pilotando rápido

demais. Só pode ser a vontade de Deus que ele ainda chegue inteiro nos

lugares. É melhor seguir atrás.

Alessia obedece e acelera para ver se consegue alcançar a moto.

— Com calma — alerta Maxim, e ela desacelera de novo. — Vamos

encontrar o padre em casa. Ele deve ter vindo para nos parabenizar. Ou

veio me repreender por não ter ido à missa ontem. Provavelmente as

duas coisas.

Alessia para ao lado do padre, que está soltando Boris, seu cãozinho

Norfolk terrier, da caixa de transporte na traseira de sua moto. Jensen e

Healey estão ansiosos esperando para brincar, os rabos abanando de

modo frenético.

Desço do carro, dou a volta para abrir a porta de Alessia e me viro para

cumprimentar o padre Trewin.

— Maxim, milorde. Parabéns pelo casamento. Como está? — Ele

estende a mão e aperta a minha com firmeza.

— Bem. Obrigado, padre. Quero apresentar minha esposa, Alessia, a

Condessa de Trevethick.

— Lady Trevethick, que prazer vê-la de novo.

— Padre Trewin, como vai? — Alessia e o clérigo apertam as mãos.

— Gostaria de tomar um chá com a gente?

— Eu adoraria. — Ele nos oferece um sorriso largo, bondoso,

especial-para-os-paroquianos.

Entramos na casa pelo saguão e seguimos pelo corredor oeste, onde

nos deparamos com Danny.


— Boa tarde a todos — nos cumprimenta Danny. — Como foi com o

carro, milady?

— Era um caminhão — exclama Alessia, alegre. — Mas consegui

dirigir.

— Que bom.

— Você pode nos trazer um chá? — pede Alessia.

Danny sorri.

— Sim, milady. Na sala de estar oeste?

Alessia me olha. Aquiesço.

— Por favor.

* * *

— Não vimos você na missa do domingo — diz o padre Trewin.

Cacete. Eu sabia. Vou ouvir um sermão.

— É verdade. Tive que ficar aqui para ver como as coisas estavam —

murmuro, desesperado para mudar de assunto.

Eu me abaixo e faço carinho atrás das orelhas de Boris, me

perguntando onde estão Jensen e Healey.

— E eu estava mostrando a propriedade para minha esposa —

acrescento.

— Bem, milorde, como eu disse antes, temos que dar o exemplo.

Talvez no domingo que vem você possa fazer uma das leituras.

O quê?

Pigarreio.

— Lógico, eu adoraria — digo.

Mentiroso.

— O seu irmão era um grande apoiador de nossa igreja.

Típico do Kit. O certinho!

Sorrio, sentindo o coração apertado.

Kit era assim, o conde perfeito. Já eu, sou o oposto.

Cara. Que ironia.

— Você escolhe a leitura? — pergunto.


— Lógico. E podemos contar com a presença de Lady Trevethick

também? — Ele lhe dirige os olhos brilhantes.

Alessia sorri e olha para mim, pedindo ajuda em silêncio.

— Alessia nasceu na Albânia, onde a religião foi proibida durante

muitos anos. Mas a família dela é católica. Como pertencentes à Igreja

Alta, acho que isso não vai ser um problema.

— Somos uma igreja ecumênica e acolhemos todas as crenças.

— Ótimo. Estarei lá — garante Alessia.

Danny entra e apoia uma bandeja com xícaras na frente de Alessia.

Ela aquiesce e sai da sala.

— Quer chá, padre Trewin? — pergunta Alessia.

— Sim, por favor, condessa.

Se o uso de seu título a perturba, Alessia não deixa transparecer

nada. Ela pega o bule e enche uma xícara, usando o coador que Danny

trouxe, depois a entrega para o padre com o pires e uma colherzinha de

chá. Oferece-lhe leite e açúcar, depois enche uma segunda xícara, que

passa para mim junto ao pires.

Escondo o sorriso e aceito a xícara. Ela aprendeu a servir o chá de

maneira adequada.

— Obrigada, meu amor.

Ela me dá um sorriso levado antes de servir, e percebo que Alessia

sabe que eu notei que ela está pondo em prática o que aprendeu no curso

de etiqueta.

Ela não errou nem um mínimo detalhe.

E eu esperaria menos do que isso?

Ela é incrível. E adorável.

E sei que ela fez isso por mim.

E talvez por si mesma.

Volto a atenção para nosso convidado, que percebe que Alessia e eu

estamos sorrindo um para o outro como dois bobos. As bochechas do

padre ficam mais rosadas e ele olha de mim para minha esposa.

Sim. Estamos apaixonados.

Lide com isso.


O que me faz lembrar…

— Padre Trewin, eu estava planejando me casar de novo com Alessia

aqui no Reino Unido, quando voltássemos, mas uma fonte segura me

informou que não é possível. Por isso, gostaria de saber se podemos

receber uma bênção na igreja. Seria uma oportunidade para celebrarmos

aqui também. De preferência no verão…

— Que ideia esplêndida. Óbvio que podemos fazer isso. Vou ficar

muito feliz.

* * *

Alessia acompanha o padre Trewin até sua moto. Ele está cada vez mais

encantado com minha esposa. Acho que ela ganhou um fã. Dirijo-me ao

escritório para fazer algumas anotações sobre a destilaria, procurar

alguém interessado em comprar os carros de Kit e ler sobre agricultura

regenerativa, a nova paixão de Michael.

Quando desvio o foco do computador, já entardeceu. Minha cabeça

está a mil com o que aprendi sobre agricultura sustentável. Recosto na

cadeira e dou uma conferida ao redor para descansar meus olhos.

Na verdade, não entro nesse escritório para trabalhar desde que Kit

morreu. Só vim aqui no dia em que Oliver me explicou sobre o assalto

no Chelsea Embankment e, antes disso, quando visitei a Mansão pela

primeira vez já como conde, sentei-me aqui para conversar com os

funcionários da propriedade.

Uma melodia suave percorre os corredores, vinda da sala de música.

Alessia está ao piano, sem dúvidas praticando para o teste. Enquanto

tento descobrir o que ela está tocando, observo a mesa que antes foi de

meu irmão e de meu pai. Há vários objetos que pertenciam aos dois: a

caixa de chá georgiana de meu pai, onde ele guardava clipes e outras

bobagens, e duas miniaturas de Bugattis vintage da década de 1960, que

também pertenciam a meu pai, e com as quais Kit adorava brincar. Meu

pai e meu irmão compartilhavam a mesma paixão por carros.

Eles eram próximos.


E aqui estou eu, vendendo sua estimada coleção.

Kit. Desculpe, cara.

Abro a caixa de chá, mais por nostalgia do que curiosidade, tentando

sentir alguma essência de meu amado pai.

Há um pequeno conjunto de chaves em cima de uma chave um pouco

maior. A chave do cofre.

O cofre!

Talvez o laptop e o celular de Kit estejam lá. E quem sabe um diário.

Pego a chave, me levanto e abro o grande armário de madeira

embutido que antes servia como guarda-louça e que agora abriga o velho

cofre Cartwright & Sons. A chave maior entra na fechadura. A destranco

e vejo o laptop de Kit.

Mas nada do celular nem do diário.

Há também vários papéis, mas não tenho energia para analisá-los

agora. Pego o computador e o coloco na mesa.

Talvez o diário esteja dentro de uma gaveta.

Tento abrir uma delas, mas está trancada.

Uma das chaves da penca pequena abre a gaveta e, devagar, eu a puxo

e encontro o diário de couro marrom gasto de Kit, assim como seu

iPhone descarregado.

Ignoro o celular e o computador porque devem estar protegidos por

senha. Ou seja, vou precisar de ajuda para hackear os dois.

É o diário que vai responder às minhas perguntas.

Sinto uma tensão no couro cabeludo quando o retiro da gaveta com

ambas as mãos, e o apoio em cima do laptop. Eu o encaro por um

minuto antes de decidir invadir a privacidade de meu irmão. Devagar,

com um leve tremor na mão, desfaço o nó da tira de couro gasta e puxo a

capa. O diário abre na última entrada.

2 de janeiro de 2019

Merda! Merda! Merda!

Mil vezes merda!


Estou fodido!

Rowena filha da puta!!!

Primeiro minha esposa, agora minha mãe!!!


Capítulo Vinte e Nove

Cada pelo do meu corpo fica em pé devido ao choque enquanto leio e

releio o que Kit escreveu.

Primeiro minha esposa, agora minha mãe.

As palavras ficam se repetindo na minha cabeça.

Minha esposa? Caroline?

E a culpa cresce como um tsunami em meu peito.

Mas. Mas… nós… nós… Kit já estava morto quando Caro e eu

transamos. Eu nunca a toquei enquanto eles estavam juntos.

Nem uma única vez.

Antes de eles ficarem juntos, sim, é verdade. Mas não enquanto eles

eram um casal.

Primeiro minha esposa!

Será que ela estava tendo um caso? E ele descobriu?

Foi por isso que não deixou nada para ela no testamento?

Faz sentido. Foi algo surpreendentemente cruel. E Caroline ficou com

raiva... mas aceitou sem protestar.

Será que ela descobriu que ele sabia?

Será que ele a confrontou?

Deve ter sido isso, já que o testamento foi modificado em setembro

do ano passado.

Mas um caso com quem? Uma pessoa? Duas? Mais?

Cacete. Coitado do Kit.

Fico me lembrando do Natal no Caribe. Não havia qualquer sinal de

problemas entre eles. Ou talvez eu não tivesse notado porque estava

ocupado demais fodendo com as turistas.

Ai, merda.
As próximas páginas devem responder minhas dúvidas.

Será que me atrevo a olhar?

Será que quero mesmo saber?

Alguém bate na porta, e levo um susto. Fecho o diário e, por instinto,

me inclino sobre ele para escondê-lo. Danny entra, e devo estar com uma

expressão terrível de culpa, porque ela permanece calada.

— Tudo bem, milorde?

— Tudo. Tudo, sim. O que foi, Danny?

— A condessa saiu com Jenkins para ver as ovelhas. Ela não queria

incomodá-lo. Mas queria ajudar. Temos vinte e sete fêmeas parindo

agora mesmo.

— Isso tudo?

— Sim, milorde.

— Mas ainda estamos no início da estação! — Franzo a testa. São

muitas ao mesmo tempo. — É melhor eu ir ajudar também.

Levanto-me e levo o diário de Kit. Não quero nenhum intrometido

lendo isso aqui. Por impulso, pego a Leica M6 que trouxe de Londres e

verifico se ela tem filme.

— Vou esperar para servir o jantar, milorde.

— Está bem, obrigado. Não tenho ideia da hora que vamos voltar.

Alessia e Jenkins seguem no Defender, que anda aos solavancos em uma

das pistas. Está escuro e, à beira da estrada, os altos espinheiros e

gramíneas parecem se assomar no meio da noite. Por isso, Alessia está

contente de não ser ela a motorista. Jenkins dá uma espiada nela, a testa

franzida de preocupação.

— Milady. — Jenkins quase grita acima do barulho do motor.

— Alessia.

— Sim. Tenho que perguntar… — Ele para de falar, como se

estivesse relutante em continuar a frase.


— O que é, Jenkins?

Ele pigarreia.

— A senhora… está esperando?

Alessia franze a testa. Esperando o quê? O que isso significa?

Jenkins puxa a própria orelha.

— A senhora… está grávida, milady?

As bochechas de Alessia ficam vermelhas, e ela espera que não seja

perceptível no escuro do carro.

— Não! — exclama ela. — Por que... por que está perguntando isso?

Os ombros de Jenkins cedem quando ele relaxa.

— Ainda bem, milady. Mulheres grávidas não devem se aproximar de

ovelhas parindo.

— Ah. Ah, sim. Entendo. Desculpe.

— Não tem motivo para se desculpar, senhora. Esqueci de perguntar

antes.

Alessia exibe um rápido sorriso.

— Eu sei que mulheres grávidas não devem se aproximar de ovelhas

e cabras.

— Cabras?

Alessia ri.

— É. Na minha terra nós temos cabras.

Ele vira perto de uma grande construção, que Alessia percebe ser um

enorme celeiro. Jenkins para ao lado de uma porta de aço, onde mais

três carros estão estacionados.

— Chegamos — diz ele. — Que bom que a senhora se agasalhou

bem.

O celeiro é cavernoso e frio, e deve haver cem ou mais ovelhas lá

dentro. Várias estão balindo alto por conta das contrações do parto; elas

foram afastadas para baias menores, longe das ovelhas prenhes. Nas

baias, alguns cordeiros recém-nascidos já estão sendo cheirados e

lambidos pelas mães, enquanto eles fuçam as tetas inchadas em busca de

leite. Alguns poucos funcionários da propriedade estão ocupados com os

partos.
Ela e Jenkins chegam bem a tempo de assistir a um dos funcionários,

que Alessia ainda não conhece, auxiliar no parto de uma ovelha. Usando

luvas cirúrgicas, o rapaz limpa o focinho do filhote para ajudá-lo a

respirar e o coloca na frente da mãe para ser lambido e limpo. Ele pega

um frasco e aplica um pouco do unguento, que Alessia conclui ser iodo,

no umbigo do filhote.

— Boa noite. — Ele faz um gesto com a cabeça, cumprimentando

Alessia. — Ah, lá vem outro — diz o jovem e se senta de novo,

enquanto a ovelha dá à luz mais um filhote. — Boa menina. Vamos com

calma agora — tranquiliza ele a nova mamãe e repete os mesmos

procedimentos de limpeza com o recém-nascido.

— Onde estão as luvas? — pergunta Alessia a Jenkins.

— O posto de trabalho fica ali. — Jenkins indica com o queixo. Seus

olhos estão nas ovelhas e em quem será a próxima a parir. — Tentamos

deixar elas parirem sozinhas. Elas acasalaram com carneiros Suffolk da

Nova Zelândia. Isso significa que as crias devem ter ombros mais

estreitos e cabeças mais finas. Fica mais fácil de parir. No entanto,

algumas ovelhas precisam de ajuda, milady. É bom ficar de olho. Em

geral, elas não entram em trabalho de parto todas ao mesmo tempo.

Alessia sorri para o jovem funcionário, que agora está tentando

colocar os dois filhotes para mamar.

— Colostro. Muito bom para os recém-nascidos — explica ele, e

sorri.

Alessia se dirige ao posto de trabalho, espalha desinfetante na palma

das mãos, prestando uma atenção especial à região entre os dedos, e

depois coloca luvas descartáveis. Jenkins faz o mesmo.

— Todo mundo tem que ficar a postos, observando e checando se

elas estão em sofrimento.

Alessia aquiesce.

— Eu já fiz isso, só que com as cabras. E não eram tantas assim.

Jenkins abre um largo sorriso.

— A senhora vai se adaptar direitinho, milady.


Estaciono perto do celeiro da fazenda da família, pego minha câmera e

salto do carro. Guardei o diário de Kit no porta-luvas e o tranquei. Acho

que está a salvo lá. Dentro do celeiro, olho ao redor à procura de minha

esposa, mas não consigo encontrá-la. Há cerca de trinta ovelhas nas

baias de parto. Localizo Jenkins, que está na mais próxima ajudando um

animal, e me agacho para falar com ele.

— Milorde.

— Todas ao mesmo tempo? O que fizemos para merecer isso?

— Vai ver é a lua — diz ele enquanto traz um carneirinho ao mundo.

A mãe está ansiosa para limpá-lo.

Jenkins se afasta. Eu rio.

— O que posso fazer para ajudar? E onde está minha esposa?

— Alessia está no meio disso tudo, em algum lugar por aí. Ela quis

ajudar.

Franzo a testa. Será que ela sabe o que está fazendo? Mas não

compartilho esse pensamento em voz alta.

— Muito bem, vou me aprontar.

Sigo até o posto de trabalho, desinfeto as mãos e boto luvas azuis.

Dali, avisto Alessia, o cabelo sinuoso em uma longa trança nas costas.

Ela está em uma baia, limpando o focinho de um cordeiro recém-

nascido e o posicionando na frente da mãe. Quando me aproximo, eu a

ouço falando em albanês.

— Hej, mama. Hej, mami, ja ku është qengji yt. Hej, mami, ja qengji

yt.

Com delicadeza, ela afaga o focinho da ovelha e repete o que acabou

de dizer, seja o que for, em seu tom reconfortante, depois se recosta para

ver se a ovelha vai parir mais um filhote.

De repente, me sinto tomado por uma onda de emoção que cresce em

meu peito e me deixa paralisado. Sinto o coração transbordando. Cheio

a ponto de explodir, só de observar minha adorável esposa interagir com

uma ovelha. Uma ovelha Trevethick.


Uma das nossas.

Nunca vi Caro ou minha mãe ajudarem assim na propriedade.

E, nesse momento, sei que Alessia é a melhor coisa que já me

aconteceu.

Que nos aconteceu.

A todos nós. Aqui. Agora.

Pigarreio para tirar o nó da garganta quando me ajoelho ao lado da

baia.

— Oi — sussurro, a voz rouca.

— Olá.

Ela sorri, feliz de me ver, e parecendo confortável naquele lugar. Ela

está imunda, com sangue, muco e só os céus sabem o que mais nas

luvas, na calça e no suéter; mas está radiante.

— Você está bem?

Ela assente.

— E este pequenino também. — Ela afaga a cabeça do cordeirinho.

— A mamãe se comportou muito bem. Talvez ela tenha mais um.

— Pelo visto você não é uma marinheira de primeira viagem, né? —

pergunto.

Ela franze a testa.

— Não é a primeira vez que faz isso — explico.

— Não. Nossos vizinhos… Eles foram ao nosso casamento. Eles têm

cabras. Já ajudei quando elas estavam prenhes. Muitas vezes.

— Alessia, você nunca deixa de me surpreender. Sorte a nossa de

você estar aqui.

Ela desconsidera o elogio com um gesto de quem faz pouco-caso.

— Você também já fez isso? — pergunta.

Eu rio.

— Também não é minha primeira vez. Vou ver onde precisam de

ajuda. Mas primeiro… — Ergo a câmera e observo minha esposa linda e

desarrumada através das lentes enquanto ela sorri para mim, e pressiono

o obturador. — Quero tirar outras, não tenho muitas fotos suas. E, neste

exato momento, você está linda pra caralho. É melhor eu ir.


Ela sorri, deslumbrante, só para mim, e reluto em deixá-la, mas o

dever me chama.

* * *

São três da madrugada quando levo Alessia para o chuveiro para que ela

possa tomar um banho. Estamos exaustos e sujos após um turno

completo no estábulo de ovelhas. Porém, temos setenta e dois novos

cordeirinhos. Acho que nunca trabalhei tão duro na minha vida, mas

estou animado. Apenas um natimorto, nenhum rejeitado, e todas as

ovelhas em boas condições. Foi um início épico da temporada de

procriação. E fico muito contente que estávamos aqui para ajudar.

Agora, eu preciso ajudar minha esposa a se limpar e levá-la para a

cama.

De olhos fechados, Alessia se apoia em mim sob a agradável água

quente.

Meu amor.

Ela é absolutamente incrível.

Alessia enrolou a trança em um nó para mantê-la longe da água. Pego

esponja e sabão e, com delicadeza, começo a lavar suas mãos, seus

braços e seu rosto. Depois, ela fica me esperando enquanto eu me lavo.

Maxim enxuga Alessia com a toalha. Ela mal consegue manter os olhos

abertos, até seus fios de cabelo devem estar exaustos. Mas ela está se

sentindo satisfeita. Finalmente conseguiu retribuir toda a ajuda que

Maxim e os funcionários da propriedade, que a acolheram com tanto

carinho, lhe ofereceram.

— Podemos ir para a cama agora? — balbucia ela.

Com delicadeza, Maxim segura o queixo da esposa, que abre os

olhos.
— Seu desejo é uma ordem, Lady Trevethick. Obrigado por essa

noite. Você foi espetacular. Deve estar morrendo de fome. — Ele roça os

lábios nos dela.

— Não. Só cansada. Cansada demais.

Ela sorri, sonolenta. Ele deixa a toalha cair, levanta a esposa do chão

e a coloca na cama.

Alessia pegou no sono antes que eu pudesse cobri-la com o edredom.

Tiro uma mecha solta de cabelo do seu rosto, e ela não se mexe.

— Minha garota forte e corajosa. Obrigado — sussurro e beijo sua

testa.

Termino de me enxugar, visto o pijama e deito na cama, onde me

aconchego ao lado de minha esposa e inspiro seu perfume.

* * *

É o barulho das xícaras que me acorda. Danny entrou em nosso quarto

com uma bandeja de café da manhã muito bem-vinda. O cheiro é

irresistível, e fico com água na boca.

Estou com uma puta fome.

— Bom dia, Vossa Senhoria. Eu soube que a noite foi bem animada.

— Bom dia — murmuro, sem querer acordar.

Abro os olhos e noto os de Alessia piscando, mas eles se fecham de

novo.

Danny deposita a bandeja na beirada da cama.

— Já passa das onze horas, milorde. Achei que iam precisar tomar o

café da manhã — diz, e não consigo me lembrar da última vez em que

ela me trouxe o café na cama.

Devo ter caído nas graças de Danny.

Ou talvez seja Alessia.

Provavelmente é Alessia.
— Obrigado, Danny.

Eu me sento, e Alessia continua dormindo pesado ao meu lado.

Danny baixa o olhar para minha esposa adormecida, com uma expressão

suave e doce e uma ternura que acho que nunca vi antes.

— Ah, milorde, sua escolha foi acertada — diz ela.

Danny se endireita, pigarreia, pega nossas roupas imundas do chão e

sai do quarto.

O cheiro do café da manhã é delicioso.

Bacon, ovos, cogumelos, torrada.

Trago a bandeja para perto, e Alessia desperta.

— Sinto cheiro de comida — comenta ela, sonolenta.

— Está com fome? — pergunto.

Ela me oferece um sorriso sonolento.

— Morrendo de fome.

Alessia ainda está se familiarizando com o ritmo da casa. De manhã,

depois de tomarem banho e de se vestirem e talvez fazerem amor, ela e

Maxim tomam o café da manhã com os funcionários na cozinha.

Depois, ela e Danny conversam sobre o cardápio do dia, as reservas e as

exigências para as casas de veraneio, que incluem o Esconderijo, assim

como quaisquer questões e tarefas que precisam ser terminadas. Quando

tudo está resolvido, Alessia vai ao celeiro para auxiliar as ovelhas nos

partos e ajudar a levar as mães e suas crias para baias separadas do

restante dos animais.

Alessia até dirigiu um carro sozinha.

Sem Maxim.

Ele ficou ansioso, mas a deixou ir.

E ela se saiu bem.

Precisa fazer o exame para tirar a carteira de motorista.

Tudo a seu tempo, Alessia!


Durante a semana, a fazenda foi agraciada com 197 cordeiros, e

ainda mais virão.

Alessia passou outras duas noites ajudando nos partos das ovelhas. E

adorou.

Ela adora este lugar.

Ela adora se sentir… útil.

Agora conhece todos os funcionários pelo nome e sabe diferenciar

aqueles que moram lá dos que moram no vilarejo Trevethick, que fica

perto, e dos que moram bem mais longe. Todos estão encantados com o

fato de ela os ajudar no trabalho.

E ela é milady.

Para todo mundo.

No início da noite, ela passeia com Jensen, Healey e o marido. Os

cachorros adoram Maxim quase tanto quanto ela — embora ele lhe

assegure que os animais eram de Kit. Os quatro perambularam por toda

a propriedade enquanto Maxim conta histórias de sua juventude e suas

incontáveis travessuras. Em sua mente, Alessia criou uma imagem de

Maxim e os irmãos levando uma vida tranquila naquela propriedade.

Não é surpresa que ele ame tanto esse lugar.

Os dois fizeram algumas caminhadas ao longo da praia Trevethick, e

ela respirou o ar puro e salgado do mar.

Ele lhe deu o mar… de novo.

E ela adorou.

Amanhã, porém, será diferente. Após a missa, eles vão voltar para

Londres, pois Alessia tem um teste marcado para segunda-feira. Ela tem

estudado durante as tardes, perdendo-se nas cores das notas na grande

sala de música.

Maxim também tem andado ocupado. Além dos planos para a nova

destilaria, ele tem mergulhado no conceito de agricultura regenerativa.

Hoje à noite, na Mansão, vai promover um encontro de todos os

arrendatários com um fazendeiro que veio de um lugar chamado

Worcestershire — que Alessia acha impossível pronunciar. Serão

oferecidos petiscos e bebidas; Danny, Jessie e Melanie, uma das


ajudantes de Danny, vão se encarregar de servir, mas Alessia também

vai ficar a postos. Ela está ansiosa pela reunião, pois será a primeira vez

que vão receber convidados na Mansão, e ela também quer conhecer

mais essas novas práticas de agricultura.

A única preocupação de Alessia é Maxim. Às vezes, ele parece um

pouco distraído. Ela não tem certeza se foi a desavença com a mãe ou

alguma outra coisa. Perguntou se estava tudo bem e ele disse que sim.

Na verdade, Maxim vive dizendo que nunca foi tão feliz.

Está tudo bem.

Estamos aqui juntos.

Eu estou amando a vida neste exato momento.

Graças a você. Eu te amo.

Alessia sente o mesmo, mas gostaria que ele se reconciliasse com

Rowena, porque, bem no fundo, ela desconfia que o marido esteja

sofrendo.

Sentado à escrivaninha, repasso as anotações para o encontro desta

noite. Estou animado. Michael, que administra a fazenda, tem me

incentivado muito. Meu pai estava à frente de seu tempo quando passou

para o cultivo orgânico. O pai de Michael, Philip, que administrava

nossa fazenda na época, ajudou a persuadir os arrendatários a seguir

esse mesmo caminho. Hoje, com a ajuda de Michael, espero convencer

os arrendatários da região de que a agricultura regenerativa é o próximo

passo em nossa jornada ecológica. A agricultura regenerativa e

sustentável é o melhor caminho: ajuda a propriedade, nossos produtores,

nossa terra, a região e o planeta. Ela alimenta e repara o solo, promove o

sequestro de carbono e aumenta a biodiversidade. Durante minha

pesquisa sobre o assunto, me tornei um fã apaixonado. Um fazendeiro

de Worcestershire chamado Jem Gladwell é um defensor da causa e vem

à reunião de hoje à noite. Sua grande fazenda emprega as mais recentes


técnicas regenerativas, e ele se converteu de tal forma a essa prática que

quer divulgá-la e conversar com outros fazendeiros sobre o tema.

Estou ansioso para conhecê-lo, e ele vai passar a noite aqui.

Nosso primeiro convidado!

E, se o evento de hoje for um sucesso, espero poder repetir esse

processo em Angwin e Tyok.

Depois de terminar minhas anotações, verifico meu e-mail, e aí me

lembro de Caroline e do diário de Kit. Eu o escondi no cofre e guardei a

chave. Não li mais nenhuma página, porém estou dividido. Não sei se

quero descobrir mais ou se devo deixar os segredos de Kit guardados.

Afinal, ele não está mais entre nós.

Eu devia deixá-lo descansar em paz.

Mas aquilo me atormenta… Caroline, infiel.

Não é de se estranhar que trepamos quando ele morreu. Achei que era

um tipo de laço que nos unia para conseguir lidar com o luto. Talvez

fosse, mas, quando paro para pensar, nem eu nem ela tentamos evitar.

Merda.

Será que ela foi infiel durante o casamento deles?

Ela disse que o amava.

E ficou arrasada quando ele morreu.

Arrasada o suficiente para dormir comigo?

Caralho.

Detesto ser atormentado por esses pensamentos. Nenhum de nós dois

se comportou bem.

Caro me mandou suas ideias para a decoração dos prédios de

Mayfair. Há três opções, todas boas, mas não vou discuti-las com ela

ainda. Oliver quer a opção mais barata, mas isso não é surpresa. Vamos

voltar a Londres amanhã à noite para passar alguns dias na cidade, aí

dou um jeito de falar com ela.

Ouço uma batida leve na porta, e Melanie, uma das auxiliares de

Danny que mora no vilarejo, aparece na porta.

— Boa tarde, Vossa Senhoria. O sargento Nancarrow está aqui para

ver o senhor.
O quê? Merda!

A ansiedade cresce em meu peito. O que ele quer? Entrevistar

Alessia? Em um sábado? Achei que tínhamos evitado tudo isso.

— Ofereça algo para ele beber e o leve para a sala de visitas

principal. Já estou indo.

— Sim, milorde.

Suspiro. O que será que ele quer, afinal?

* * *

Quando entro na sala, Nancarrow está tomando uma xícara de chá e

examinando os retratos de família expostos em uma das mesas Queen

Anne. Notas musicais flutuam da sala de música, onde Alessia encontra-

se ao piano.

Controle-se, cara.

— Sargento Nancarrow. Boa tarde.

Ele se vira, e estendo a mão.

— Milorde. Bom ver o senhor.

Apertamos as mãos, eu o conduzo até onde Melanie apoiou a bandeja

com o chá, e ambos nos sentamos.

— Parabéns pelo casamento — diz e me oferece um sorriso gentil.

Por enquanto, tudo bem.

— Obrigado. Como posso ajudar?

Ele suspira e repousa sua xícara, assumindo uma expressão séria.

— Trago novidades, milorde. Uma notícia triste. No início desta

semana, os dois homens que prendemos na sua propriedade foram

assassinados enquanto estavam sob custódia.

Sinto uma pressão na cabeça e uma súbita tontura. Tenho certeza de

que estou ficando pálido.

Puta que pariu.

— Como?

— Os detalhes ainda não foram divulgados — murmura ele, me

encarando.
Eu me recosto na cadeira, perplexo, e uma lembrança do Babaca me

mostrando o recorte de jornal surge na minha mente.

— Achei que o senhor devia saber. O caso contra eles vai ser

suspenso, mas nem o senhor nem Lady Trevethick vão precisar

testemunhar em juízo.

— Entendo — sussurro, minha cabeça indo a mil.

Será que Anatoli assassinou os homens?

Será que ele faria isso?

Ou ele mandou alguém fazer esse trabalho?

Puta que pariu. Será que devo contar isso ao Nancarrow?

— Eu também queria devolver isso ao senhor. — Sua voz se suaviza,

e ele me entrega uma grande sacola de compras da Tesco.

Lá dentro estão meu laptop e minhas mesas de som.

— Como conseguiu achar isso?

— O equipamento estava no porta-malas do carro deles. Nós

estávamos guardando o veículo e esses itens como evidência, mas agora

o caso foi encerrado. — Ele dá de ombros. — Os números de série

coincidem com os das peças que o senhor perdeu. Achei melhor

devolver.

— Obrigado.

Sua expressão fica mais séria, e não sei o que isso pode significar.

— E também tinha isso. — Ele enfia a mão no bolso, pega um

envelope pardo e o entrega a mim. — Nós achávamos que a Polícia

Metropolitana ia pedir todas as provas, mas acabaram não pedindo. E,

bem, agora não faz mais sentido.

Intrigado, abro o envelope e vejo o antigo passaporte de Alessia.

Merda.

Nossos olhares se encontram, e não faço ideia do que ele vai dizer.

— Achei que Lady Trevethick podia querer isso de volta, milorde.

Estou atordoado, em completo silêncio.

Ele sorri diante de meu silêncio.

— E podemos encerrar essa história por aqui.


Eu o encaro, pasmo, sem ter certeza se acredito no que ele está

insinuando.

— Obrigado — digo sem pensar.

— Ouvi falar que ela causou uma boa impressão aqui, milorde.

— Maxim. Por favor.

Ele sorri.

— Maxim.

— Ela causou, sim. Em todos nós. É ela agora, tocando.

— Piano?

— É.

— Eu gosto bastante de Beethoven.

— Venha conhecer minha esposa. Ela não se importa com plateia.

— Não quero me intrometer.

— Está tudo bem. Venha.

* * *

— Adeus, sargento Nancarrow — diz Alessia, quando eles apertam as

mãos.

— Foi um prazer, milady. — O rosto dele cora, e sei que minha

esposa cativou mais um coração.

— Milorde. Maxim — corrige-se ele, e, com um gesto da cabeça, se

dirige para a viatura.

Solto o ar. Ele não mencionou a morte dos traficantes para minha

esposa, e decido não compartilhar essa informação por enquanto. Sei

que isso pode deixar Alessia abalada.

— Ele parece muito simpático — comenta ela, mas soa em dúvida.

— Por que veio até aqui?

— Ele veio devolver o equipamento que aqueles babacas roubaram

do meu apartamento e também isso. — Retiro o antigo passaporte de

Alessia do bolso.

— O Zot! Ele sabe! — Ela morde o lábio inferior, os olhos

arregalados de preocupação.
— Sabe, mas preferiu nos dar o benefício da dúvida. Ele não vai dar

prosseguimento ao caso.

Alessia franze a testa.

— Mas quando Dante e Ylli forem julgados… — Seu tom de voz

baixa, e mudo meu foco para o carro de Nancarrow desaparecendo na

pista. — Maxim, o que foi?

Merda.

— Me fale!

Eu me viro para Alessia, que parece tensa.

Droga.

— Eles morreram na prisão.

— O quê? Dante e Ylli? Os dois? — Mal consigo ouvir sua voz.

Confirmo com um gesto da cabeça.

— Por isso que o Nancarrow veio aqui, na verdade…

— Eles estão mortos — sussurra ela de novo, como se não estivesse

acreditando.

— Parece que sim.

— Assassinados?

— Isso mesmo.

Ela me encara, e eu a observo, enquanto uma dezena de emoções

passam por seus olhos, até que eles se endurecem. Ficam frios.

Insensíveis. Algo nada típico de minha garota.

— Ótimo — diz Alessia, com tanta veemência que me deixa um

pouco chocado. — Tomara que apodreçam no inferno.

Uau. Mas é isso. Tomara mesmo.

— Isso também significa que não vai haver julgamento. Estamos

livres desse caso — murmuro.

Seus olhos escuros começam a lacrimejar.

Merda. Não.

— Por favor, não chore. Não por eles. — Eu a envolvo nos braços,

puxando-a para perto e beijando seu cabelo.

— Não. Não por eles. Pelas vítimas deles. Mas estou aliviada.

Estamos livres.
— Estamos, sim.

Ela suspira, e seu corpo relaxa em meus braços, como se um grande

peso tivesse sido removido.

— Que alívio. — Ela inclina a cabeça e eu a beijo, me rendendo a seu

feitiço enquanto seus dedos se enroscam em meu cabelo.

Ela se afasta, me premiando com seu doce sorriso.

— Pronto. Agora só precisamos que você fale com a sua mãe.

Dou um riso de escárnio e balanço a cabeça.

— O quê? Que bela mudança de assunto. E é a minha mãe que

precisa falar comigo. Mandei uma mensagem para ela.

— Você mandou? Ótimo. Ela vai responder. Ela te ama, só não estava

preparada para contar toda a história dela. Apenas… humm… as partes

chocantes. E você não estava preparado para escutar.

Fico tenso.

— Não sei se algum dia vou estar pronto para escutar, e não sei se

algum dia ela me amou. Ela amava o Kit.

Alessia acaricia meu rosto.

— Óbvio que ela te ama. — Ela leva minha boca para junto da sua.

— Como ela não ia te amar? Você é filho dela… e eu te amo —

sussurra.

Ouvimos uma tosse no corredor e nos endireitamos, nos afastando

um do outro.

— Danny?

— Milorde. Jem Gladwell está aqui para ver o senhor.

— Ótimo. Leve o Gladwell para a sala de estar principal.

* * *

Estamos largados na cama, mas deveríamos estar dormindo.

— Podemos voltar para cá? — pergunta Alessia, a cabeça

descansando no travesseiro, e eu a encaro enquanto ela delineia com o

dedo o contorno de minha tatuagem.

Faz cócegas, mas adoro esse carinho.

É É
— É lógico que vamos voltar para cá. É nossa casa.

— Mas logo. — Ela segura meu rosto entre as mãos.

— Depois que você terminar seus testes. Sem dúvida.

— Ótimo. Gosto muito daqui.

— Eu também. Eu me sinto cheio de esperança neste lugar. E agora

tenho mais esperança ainda pelo futuro daqui e da propriedade como um

todo. Acho que Gladwell foi uma inspiração.

— É verdade. E engraçado também. Ele é… hum… uma boa

companhia?

— Ele é uma boa companhia, sim. Estou ansioso para me encontrar

com ele de novo quando ele for a Angwin. — Eu a puxo para meus

braços. — Acho que ele gostou de você. — Roço o nariz embaixo de sua

orelha, onde sinto sua pulsação.

Alessia se contorce e ri em meus braços.

— Isso faz cócegas.

Paro e fito seu lindo rosto.

— É melhor irmos dormir. Amanhã de manhã tenho que fazer a

leitura na igreja, e depois temos uma longa viagem até Londres.

— Está nervoso por causa da leitura?

Eu me recosto nos travesseiros, pensando na resposta, e Alessia se

aconchega em mim.

— Não. Não estou nem um pouco nervoso. Eu me sinto meio

hipócrita, na verdade. Não sou religioso, nunca fui. Mas Trewin está

certo. Ele está aqui em prol da comunidade, e preciso assumir meu papel

e me colocar em prol da comunidade também, quer eu goste ou não.

Esta noite, escutando e observando todos os arrendatários e funcionários

da propriedade, percebi que nos juntamos para compor uma unidade

coesa. Todos trabalhamos para o bem da comunidade. E você e eu

somos parte disso. Nunca pensei assim antes… quando Kit estava no

comando. Agora, quero fazer parte disso mais do que nunca. É

importante manter esse lugar unido e próspero para nós e para aqueles

que moram em Trevethick e arredores. Nós somos o coração de

Trevethick.
Os olhos escuros de Alessia estão cintilando. Neles, vejo sua

esperança e, me atrevo a dizer, admiração.

— Também quero ser parte disso — murmura ela.

— Ah, baby, você já é. Mais do que imagina.

— Adorei nosso tempo aqui. Não consigo acreditar que essa agora é a

minha vida. Parece um sonho. Obrigada.

Passo os dedos por seu rosto.

— Não, meu amor. É a você que tenho que agradecer. Este lugar

ganhou vida com você aqui.

Alessia balança a cabeça como se não acreditasse no que estou

dizendo e me beija. Da melhor maneira, com sua mão deslizando por

meu corpo… despertando tudo.

De novo? Ah, cara!


C a p í t u l o Tr i n t a

— Você quer que eu espere? — pergunta Maxim.

Eles estão no impressionante saguão do Royal College of Music, com

seu piso de mosaico ornamentado. O teste de Alessia é dali a quarenta

minutos.

— Não sei quanto tempo vai demorar. Mas eu vou ficar bem. —

Alessia ignora o coração disparado para tranquilizar o marido. — Você

tem que trabalhar. Passo no seu escritório depois.

Ele franze a testa, inseguro, e ela apoia a mão no peito do marido,

sentindo o calor de seu corpo através da camisa.

Reconfortada pelo calor dele, o coração dela desacelera.

— Vou ficar bem — repete ela e inclina a cabeça para um beijo.

— Tudo bem. Vejo você no escritório. Boa sorte — diz ele, depois dá

um beijo rápido na esposa. — Como dizemos aqui, merda.

Alessia franze a testa e abaixa a cabeça.

Merda?

Maxim segura o queixo dela entre o polegar e o indicador e a encara

com seus olhos verdes brilhantes, que reluzem, achando graça.

— É só uma expressão para desejar boa sorte.

— Ah. — Alessia retribui o sorriso dele.

— Vá. Se aqueça. Você vai conseguir.

Alessia pega a bolsa, dá uma última olhada em seu lindo marido e

segue o jovem estudante que espera pacientemente por ela.

Eles sobem os dois lances de escada e passam por um corredor. O

estudante se apresenta como Paolo e lhe dá as boas-vindas à faculdade.

Ele está vestido de maneira informal, com calça jeans e suéter, e Alessia
espera que ela própria não esteja arrumada demais, em seu terninho

preto. Ele para e abre a porta para uma pequena sala de ensaios.

— Pode ensaiar aqui. Volto para levar você para o teste em uns vinte

minutos.

— Obrigada — diz Alessia, estudando o espaço e, o mais importante,

o piano vertical Steinway e o banquinho diante dele. São as únicas

mobílias na sala.

Paolo fecha a porta, e Alessia coloca a bolsa no chão e se acomoda

no banco.

É isso. Ela está aqui. Treinou sem parar. Sabe a peça de trás para a

frente. Assistiu a vídeos do YouTube sobre técnicas de teste e o que

esperar. Ela está pronta.

Respirando fundo, ela leva as mãos às teclas e começa a se aquecer,

amando que o tom do piano é quente e imediato nesse casulo à prova de

som.

No táxi a caminho do escritório, meu celular vibra, e acho que deve ser

Alessia. Não. É mais uma mensagem de Caroline. Ela já me mandou

algumas nos últimos dias implorando um retorno sobre as propostas.

Pelo amor de Deus, vamos nos encontrar agora de manhã. Eu não

sabia que ela era uma profissional tão carente! Agora ela está tentando

uma outra tática.

Como estava a Cornualha?


Estrada A303 ou M5/M4?

Apesar de tudo, sua mensagem me faz rir.

Você sabe que eu detesto a A303


É para aposentados!
Até mais tarde
Meus olhos se desviam para a mala gasta a meu lado no banco.

Dentro dela estão as anotações da reunião com Jem Gladwell, que quero

compartilhar com Oliver, e o diário de Kit — cuja mera existência está

acabando comigo.

Será que eu devo ler?

Merda.

Talvez eu devesse queimar esse negócio.

Alessia acalma os nervos, entra na sala para o teste e se depara com os

representantes do corpo docente, dois homens e uma mulher, sentados

atrás de uma mesa comprida. Essa sala é mais arejada do que a outra —

grande o suficiente para abrigar um piano de cauda Steinway no centro

— e há uma grande janela que dá para o Royal Albert Hall.

O homem mais velho se levanta de trás da mesa.

— Alessia Trevelyan. Bem-vinda. Eu sou o professor Laithwaite, e

esses são meus colegas, a professora Carusi e o professor Stells.

Alessia e o professor apertam as mãos.

— Bom dia, professor. Bom dia — diz ela para os outros, que a

cumprimentam com um sorriso.

— Você está com suas partituras?

— Estou. — Ela retira todas as folhas da bolsa e as coloca em cima

da mesa na frente dos tutores.

— Por favor, sente-se ao piano.

— Obrigada.

— Ah. Qual é esta? — pergunta a professora Carusi ao olhar uma das

partituras. — Valle e Vogël?

— Sim. De um compositor albanês. Feim Ibrahimi.

— Por favor. É curta. Vamos escutar. E depois passamos para o Liszt.

Alessia assente, feliz por eles quererem ouvir um dos principais

compositores de seu país. Ela inspira fundo e apoia os dedos sobre as


teclas, a familiaridade do teclado a acalmando. E começa a tocar. A

música é viva e expressiva, uma homenagem a uma canção folclórica

albanesa jorrando pela sala em nuances de roxos e azuis, se

transformando em tons de azul mais claro. Quando as notas finais se

extinguem, Alessia coloca as mãos no colo, inspira fundo mais uma vez

e começa o Liszt. As notas a levam de volta ao apartamento em Chelsea,

a neve rodopiando do outro lado da janela enquanto ela tocava para

Maxim pela primeira vez.

— Chega, obrigado — interrompe o professor Laithwaite no início

do penúltimo crescendo.

— Ah.

— O Beethoven. Eu gostaria de ouvir a partir do trigésimo sétimo

compasso. — pede Stells.

— Tudo bem — diz Alessia, um pouco abalada.

Será que eles detestaram? Ela foi mal?

Ela suspira conforme sua mente busca as tonalidades do trigésimo

sétimo compasso na partitura. Em seguida, leva as mãos às teclas mais

uma vez e começa a verter seu coração e sua alma para o resto da peça

enquanto a música explode em tons de vermelho e laranja em volta dela.

O sorriso radiante e o aperto de mãos caloroso de Oliver sugerem que

ele está feliz de me ver.

— O que você achou de Gladwell? — pergunta ele.

— Achei que ele foi fantástico. E, o mais importante, nossos

arrendatários também gostaram dele.

Oliver bate palmas, animado, o que é bem atípico.

— Michael tem tentado tirar do papel essa ideia de agricultura

regenerativa há mais de um ano.

— Ele não me contou isso.

— Pois é. Mas Kit não tinha interesse.


Oliver balança a cabeça e olha para o outro lado, como se estivesse

envergonhado ou tivesse falado demais, e percebo que ele não quer ser

desleal ao amigo, meu irmão.

— Bem, acho que Kit perdeu uma oportunidade. Estou animado com

isso. Nosso próximo passo é falar com os arrendatários de Angwin e

Tyok. Gladwell está disposto a fazer isso. Precisamos conversar sobre

comprar ou alugar o equipamento necessário. Vai ser caro.

— Podemos separar uma verba para isso. Vou conversar com cada

administrador das propriedades e marcar uma reunião.

— Ótimo. Alguma coisa urgente?

— Só a decoração de Mayfair.

— Caroline?

— Isso. — E acho que nunca o ouvi falar aquela palavra com tão

pouco entusiasmo.

— Algum problema?

— Não. Claro que não. — Oliver pigarreia e vou para meu escritório.

Que estranho.

O primeiro item na minha agenda é ligar para Leticia e contar as

novidades do sargento Nancarrow.

— E por que você quer estudar no Royal College of Music? — pergunta

a professora Carusi, os olhos astutos avaliando Alessia.

— Preciso construir uma base para minha música. Minha educação

musical até hoje foi… hum… bem regional. Não, provinciana, e eu sei

que posso ir além com a instrução correta.

— Onde você acha que precisa de ajuda?

— Na minha técnica. Quero desenvolver minha voz, minha maneira

de tocar. E meu vocabulário musical.

— Com que finalidade? — pergunta o professor Stells.

— Eu adoraria me apresentar. No mundo todo.


Alessia não consegue acreditar que falou isso em voz alta.

Eles aquiescem como se isso pudesse ser uma possibilidade, e

Alessia fica empolgada. Ela não quer contar que a outra razão para estar

ali é porque necessita de um visto de estudante.

— Bem, obrigada por vir. Você vai fazer testes em outros

conservatórios?

— Vou.

O professor Laithwaite assente.

— Entraremos em contato.

* * *

Alessia não tem ideia de como se saiu, mas fica aliviada que acabou.

Ela sabe que tocou bem… mas será que foi bem o suficiente? No táxi,

em um impulso, ela liga para o tio-avô.

— Alessia, minha querida. Tudo bem?

Ela o atualiza sobre a última semana na Cornualha e conta sobre o

teste.

— Quem você encontrou?

— O que você quer dizer?

— Quem avaliou o teste?

Alessia conta.

— Hum… Só gente boa. Você vai se sair bem. Tenho certeza. Já

contou para sua mãe? Ela vai ficar animada. Temos nos falado com

frequência, mas o inglês dela não é tão bom quanto o seu.

Alessia sorri, feliz por eles estarem mantendo contato.

— Não. Vou ligar para ela agora.

— Bem, boa sorte, minha querida. Depois me conte como você se

saiu e quando podemos nos encontrar de novo.

Em seguida, Alessia liga para a mãe para relatar as novidades.

À
À minha mesa de reuniões, converso com Caroline e Oliver sobre os

projetos para a decoração dos prédios de Mayfair, e fica evidente que ela

está se dedicando bastante. A primeira opção é luxuosa e elegante; a

segunda, sofisticada e aconchegante, mas delicada; a terceira, arrojada,

porém minimalista. Tenho que admitir, todas são bem diferentes, mas

excelentes. Caro tem um ótimo gosto.

— Acho que prefiro a segunda opção.

Não é a mais cara, porém também não a mais barata. Dou uma

espiada em Oliver para ver se ele está de acordo.

— Concordo — afirma Oliver, assentindo.

— Ótimo. Vamos lá, então — diz Caroline, feliz consigo mesma.

— Ótimo. Se me dão licença. — Oliver se levanta da mesa e sai.

Caroline o observa se afastar com a testa franzida. Depois, se volta

para mim.

— Então, como foi na Cornualha? Alessia se adaptou?

— Foi ótimo, obrigado. Foi bom voltar lá. Alessia gostou muito. Ela

é maravilhosa. Ajudou com os partos das ovelhas.

— Hum… Sério? — Caroline franze mais a testa.

— É — continuo, ignorando a reação dela. — Ela sabia direitinho o

que fazer. Na verdade, ela quer voltar à Cornualha assim que possível.

Acho que ela fica mais à vontade na Mansão.

— E por que não ficaria? Lá, ela tem quem faça tudo para ela, e é

bem rural.

— Na verdade, ela não quer ter gente a servindo — replico, com

rispidez. — E o que você quer dizer com isso?

— Ah, pelo amor de Deus, Maxim. Dá um tempo. Acho que ela está

um pouco intimidada pela vida em Londres, só isso. E quem não ficaria?

Ela parece mesmo atrair muita atenção quando está aqui. Não é uma

surpresa — resmunga Caroline e começa a guardar o portfólio.

Em vez de começar uma discussão, mudo de assunto.

— Vou vender a coleção de carros de Kit. Você quer algum?

Ela para, como se estivesse refletindo sobre aquilo, depois balança a

cabeça.
— Não. Aquilo era uma coisa do Kit. Não minha.

— Tem certeza?

Ela confirma.

— Preciso tirar minhas coisas do quarto da condessa — acrescenta,

com um pouco de tristeza.

— Sem pressa. Nós ainda estamos no meu quarto.

— Ah. — Ela arqueia as sobrancelhas.

Viu, Alessia não é a alpinista social mercenariazinha e que não

perde tempo que você acha, Caro!

— Então, quais são os planos enquanto vocês estiverem aqui?

— Não sei quanto tempo vamos ficar. Alessia tem testes no RCM,

RAM, Guildhall e mais algum lugar. Não lembro qual.

— Todos eles!

— É. Ela é talentosa. E ela precisa entrar em algum deles para

garantir o visto. Senão, ela vai ter que voltar à Albânia por mais ou

menos um mês. E nós não queremos isso.

Caroline revira os olhos.

— Pelo amor de Deus. Não é como se ela estivesse vivendo às custas

do Estado. Não sei por que isso é tão difícil.

Suspiro.

— Também não sei — digo. — Mas é o que nosso governo acredita

que precisamos. É extremamente irritante.

— Concordo. — Ela pega o portfólio e dá a volta na mesa, mas para

e nota o diário de Kit em minha escrivaninha.

Cacete. Eu devia ter guardado.

Caroline fica pálida na mesma hora.

— Você achou — diz ela com a voz quase inaudível, o que logo a

entrega.

— Achei. Estava em uma gaveta trancada na mesa do Kit na Mansão.

Ela vira o rosto para mim, os olhos arregalados e receosos, ficando

cada vez maiores e mais intensos à medida que os segundos passam.

Nos encaramos, e o peso do pequeno caderno de couro desgastado vai


deixando o clima mais tenso. O peso das últimas palavras escritas por

Kit.

— Diga alguma coisa — sussurra ela.

— O que você quer que eu diga, Caro? — Dou de ombros. Isso não é

da minha conta.

— Você leu?

Abro a boca e fecho de novo.

— Maxim. Me fale!

E eu sei que ela vai insistir até descobrir a verdade.

— Você leu. Dá para ver. Você nunca consegue esconder nada de

mim.

Caralho.

— O último registro.

Ela engole em seco.

— O que dizia? — As palavras dela são quase inaudíveis.

Ouvimos batidas na porta e Oliver aparece, com um sorriso educado

e irradiando uma maldita animação enquanto conduz Alessia para

dentro. Meu humor melhora assim que ela entra na sala. Minha esposa é

a cavalaria, me salvando de uma conversa mais do que constrangedora.

— Estou interrompendo? — pergunta Alessia, sem parecer

indelicada.

— Não. Óbvio que não. — Feliz, dou um passo à frente e beijo de

leve seus lábios. Todas as outras pessoas desaparecem. — Como foi?

Ela dá de ombros, mas sorri.

— Não sei. Vamos ver. Gostei da sua sala. — Ela olha em volta. —

Oi, Caroline — cumprimenta ela com doçura.

— Alessia, querida. Tudo bem? — Caroline parece recuperar as

forças e dá dois beijinhos em minha esposa.

Oliver já saiu da sala.

— Caroline estava mostrando os projetos da reforma dos imóveis que

eu te falei.

Alessia volta os olhos escuros para mim e assente, mas há um ar

inquisitivo em sua expressão.


Porra. Ela sabe que tem alguma coisa acontecendo.

Eu não tinha comentado com Alessia sobre as últimas palavras

escritas por Kit, em parte porque não é da minha conta, muito menos da

minha esposa, e em parte porque não sei o que ela acharia de eu invadir

a privacidade de Kit. Mas a principal razão é que percebi que Alessia

ainda não confia totalmente em Caroline, e não quero dar mais motivos

para minha esposa ter dúvidas sobre ela.

— É melhor eu ir. Ah, mais uma coisa — diz Caroline, a voz

cortante. Ela joga o cabelo para o lado, voltando à sua personalidade

descolada habitual. — Sua mãe finalmente me ligou.

Ah!

— Ligou?

— Ela quer adiar a homenagem fúnebre para o Kit até o outono.

— O que você acha disso?

— Acho que seria um pouco tarde demais. Sabe, o evento é uma

forma de encontrar paz de espírito. Uma maneira de dar um último

adeus. — Ela desvia o olhar, para esconder a emoção ou a vergonha, não

sei.

— Sim, lógico. Vamos conversar com ela. O que será que Maryanne

acha?

Caro assente. Ela contrai a boca como se estivesse contendo o luto. E

eu me forço a lembrar que Kit descobriu que Caro foi infiel — ela é

muito boa no papel de viúva enlutada.

— Rowena está em Londres? — pergunta Alessia.

— Está.

O olhar de Alessia vai de Caro para mim.

— Você devia conversar com ela. E talvez convencê-la de que…

hum… o mais cedo... quer dizer... quanto antes, melhor.

— Ela vai lá em casa hoje à noite. Talvez vocês possam ir jantar com

a gente — oferece Caro.

— Aceitamos com prazer — declara Alessia sem hesitação, pegando

minha mão para eu não me opor.

O quê?
C a p í t u l o Tr i n t a e U m

Minha esposa tem feito uma campanha silenciosa para eu me reconciliar

com a Nave Mãe desde o colapso de Rowena. Alessia acha que eu não

percebi, mas é surpreendente ela ficar tão entusiasmada para encontrar

minha mãe, levando em consideração a maneira horrível como Rowena a

tratou.

Você devia ouvir o que sua mãe tem a dizer sobre a história do Kit.

Às vezes as mulheres se encontram em… situações difíceis.

Aceitar rever a Nave Mãe é algo ao mesmo tempo arriscado e

corajoso.

Cara. Quem você está enganando?

Alessia é mais do que corajosa.

Ela sai do quarto de hóspedes e vem a meu encontro no corredor.

— Está bom? — pergunta, levantando o queixo, os olhos escuros em

mim.

Ela está com seu Jimmy Choo, uma calça preta elegante e uma blusa

de seda creme. O cabelo está arrumado e preso em uma trança

sofisticada; nas orelhas, as pérolas que comprei para ela em Paris. A

maquiagem é discreta, o perfume é um sussurro caro de Chanel, e a

aliança de noivado brilha sob a luz do lustre.

Uma aristocrata dos pés à cabeça.

E, por uma fração de segundo, sou transportado de volta à época em

que uma jovem tímida de olhos escuros e segurando uma vassoura me

falava seu nome no corredor, hesitante.

O lenço na cabeça.

O uniforme de limpeza de náilon azul.

O tênis surrado.
Um nó ameaça se formar em minha garganta.

Minha esposa arrasa como condessa, porra.

Tusso para afastar a emoção.

— Você está perfeita.

Ela faz um gesto rápido dispensando meu elogio, mas sei por seu

sorriso tímido que ficou satisfeita.

— Você está perfeito. Bem demais.

— Esses trapinhos? — Dou um sorriso e puxo as lapelas de minha

jaqueta Dior. — Vamos acabar logo com isso. Tudo bem para você ir

andando com esses saltos?

— Claro.

Eu a ajudo a vestir a jaqueta, ligo o alarme e saímos do apartamento

de mãos dadas.

Nossa estadia na Cornualha transcorreu como o planejado. Não há

ninguém da imprensa para nos importunar quando saímos do prédio, e

está uma noite amena. O ar ainda está quente depois de um dia de sol, o

que nos dá um gostinho da primavera que está por vir.

— Nós devíamos nos mudar para a casa nova — comenta Alessia

quando nos aproximamos da casa em Cheyne Walk que vai ser nossa.

— É verdade.

— Posso providenciar isso.

— Certo. — Dou um sorriso. — Vou deixar por sua conta. Podemos

nos mudar quando quisermos.

— O mais importante é o piano.

— Acho que vamos precisar de um guindaste para tirá-lo do

apartamento.

Ela para do lado de fora da casa.

— Um guindaste!

— Existem empresas especializadas nisso. Acho que foi assim que

colocaram ele lá.

— O Zot!

— Sim. O Zot. Eu compraria um novo, mas sou muito apegado

àquele piano.
— Eu também — comenta ela de uma maneira sonhadora. — Ele

tem um som lindo. Sabe, quando eu limpava seu apartamento, ele era

meu refúgio. Eu tocava quando você não estava em casa. Era

maravilhoso.

Pego a mão dela e beijo seus dedos.

— Fico feliz que ele tenha sido seu refúgio.

Alessia estende os braços e pega meu rosto.

— De muitas maneiras — sussurra ela, e a ponta de seus dedos

acaricia minha barba por fazer, atiçando meu desejo.

Chega.

— Venha. Vamos acabar logo com isso antes que eu decida levar

você para casa, estragar sua maquiagem e te comer.

Ela sorri.

— Isso seria ótimo. Mas precisamos ver sua mãe.

* * *

Toco a campainha da Residência Trevelyan, e Blake atende quase que de

imediato.

— Boa noite, Lorde Trevethick.

— Blake.

— Lady Trevethick — cumprimenta ele, com um sorriso cordial.

— Minha mãe está aqui?

— Ainda não, milorde.

— Ótimo. Caroline está na sala de visitas?

— Sim, lá mesmo, com Lady Maryanne.

De mãos dadas, seguimos para cima, em direção à sala. Antes de

abrir a porta, respiro fundo. Sei que Caroline vai querer terminar a

conversa que começamos no escritório.


Alessia se prepara mentalmente quando Maxim abre a porta. Ao

entrarem, eles encontram Caroline e Maryanne paradas ao lado do

carrinho de bar, com drinques na mão e conversando animadas. Há três

velas na mesa de centro, cada uma com três pavios, e o fogo arde na

lareira, dando à sala um brilho caloroso e acolhedor.

— M.A. — diz Maxim, transparecendo todo o seu afeto pela irmã

quando dá um passo à frente e beija sua bochecha. — Como foi em

Seattle?

— Foi fabuloso, Maxie. — Maryanne o abraça e fecha os olhos.

É verdade, eles não se viam desde que a mãe revelou seus segredos

daquela maneira tão desagradável no apartamento de Maxim.

Maryanne se volta para Alessia e dá um sorriso largo.

— Alessia, querida. Como você está? Ouvi dizer que você foi a

sensação no parto das ovelhas na Mansão.

Ela abraça Alessia, um aperto forte e demorado, surpreendendo-a.

— Oi, Maryanne. Com quem da Mansão você esteve falando?

— Gim-tônica para vocês dois? — pergunta Caroline. — Oi de novo,

Maxim — diz ela com rigidez e oferece a bochecha, que ele agracia com

um beijo.

Maryanne se afasta, o sorriso vibrante e sincero.

— Tenho minhas fontes. Você está linda.

— Obrigada, você também — responde Alessia. — E sim, por favor,

Caroline.

As duas mulheres estão vestidas de forma impecável, como sempre:

Maryanne em um terno azul-marinho e Caroline em um chemisier

acinturado de seda cinza-escuro. Mas, dessa vez, Alessia sente que

também está.

Caroline está preparando as bebidas, e Maxim oferece ajuda.

— Você parece feliz, Alessia — comenta Maryanne.

Alessia sorri.

— Você também. Foi ver seu amigo em Seattle?

Maryanne cai na gargalhada.


— Ele é mais do que um amigo. Fui. Nos divertimos muito e espero

que vocês todos conheçam Ethan na Páscoa.

— Mal posso esperar.

— Me conte sobre a Cornualha. Estou com tanta saudade de lá.

Maryanne aponta para um dos sofás, e Alessia se acomoda nele. A

irmã de Maxim se senta a seu lado, os olhos atentos e o sorriso

brilhante, como se estivesse de fato feliz de vê-la e interessada no que

tem a dizer.

Alessia relaxa um pouco e conta para a cunhada suas façanhas.

Caroline me entrega uma taça de gim-tônica.

— Fomos interrompidos mais cedo. Você não respondeu minha

pergunta.

— Caro. Não acho que aqui seja hora nem lugar.

— Por favor — sussurra ela, o apelo tão sincero que me desconcerta.

Ela insiste: — Eu preciso saber.

— Maxim — exclama Maryanne. — Não me diga que você ensinou

Alessia a dirigir logo no Defender. Como você é sádico!

Viro para ela e minha esposa, que observa a mim e a Caroline de

forma cautelosa.

Ela sabe que tem alguma coisa acontecendo.

— Ensinei. E, como sempre, minha esposa não me decepcionou. —

Dou a Alessia um sorriso carinhoso e, espero, tranquilizador.

— O Defender? — zomba Caroline, me olhando por baixo dos cílios.

— Sério? Você é sádico mesmo.

— Se a Alessia consegue dirigir aquilo, ela consegue dirigir qualquer

coisa. — Dou de ombros e tomo um gole de meu drinque, feliz pelas

duas estarem me dando uma bronca, ainda que desnecessária, pelo bem

da minha esposa.
Caroline contrai a boca em uma linha fina e se afasta para entregar

uma bebida a Alessia, me salvando de uma conversa desconfortável

sobre o diário de Kit.

A porta é aberta, e Rowena entra na sala. Austera em um macacão

preto fluido, sem dúvida da Chanel, ela para assim que percebe que

estou presente.

— Oi, mãe — cumprimento-a com vivacidade e me aproximo para

dar um beijo no rosto dela.

Rowena permanece imóvel, piscando, como se estivesse desejando

desesperadamente estar em qualquer outro lugar. Ignoro sua reação e a

beijo de qualquer forma. Mas, ao fazer isso, percebo que ela está

apavorada.

Minha mãe? Apavorada?

Fico chocado. Porém o que mais me chateia é que reconheço aquela

expressão porque já a vi antes… em minha esposa.

Alguma coisa se agita e se quebra dentro de mim.

E, antes que eu consiga me conter, dou um abraço apertado em

Rowena, meu coração batendo rápido.

— Está tudo bem — sussurro, ela ainda imóvel ali. — Está tudo bem.

Estou com você.

Inspiro seu perfume caro e, pela primeira vez na vida, a abraço e não

tenho vontade de soltá-la. Não me lembro de alguma vez abraçá-la

assim, nem quando era criança.

Ficamos parados no meio da sala, as batidas de meu coração se

assentando num ritmo mais calmo, e percebo que a conversa à nossa

volta parou e todas estão nos observando, embora nós dois não

consigamos ver ninguém.

Rowena não faz… nada. Apenas fica imóvel. Em choque, talvez, e

acho que ela pode ter parado de respirar, mas, por fim, ela estremece e,

com um meio suspiro ou um soluço silencioso, levanta o rosto e beija

minha bochecha.

— Meu menino — sussurra ela e pega meu rosto, os olhos brilhando

com as lágrimas.
— Ah, mamãe — murmuro e beijo sua testa.

— Me desculpe — diz ela com a voz quase inaudível.

— Eu sei. Eu também.

Alessia assiste aos dois, mãe e filho, e lágrimas brotam em seus olhos.

Mesmo não conseguindo escutar nada do que estão falando, esse

momento entre eles é muito mais do que ela podia esperar…

Ela observa a cunhada e a concunhada. Maryanne está tão chocada

que ficou sem palavras e, boquiaberta, fita a mãe e o irmão. Caroline os

encara, franzindo a testa, completamente confusa. Por fim, ela fecha a

cara.

— O que diabos está acontecendo? — diz Caroline.

— Você não contou para ela? — pergunta Rowena para mim.

Balanço a cabeça.

— Não.

Ela aquiesce, com uma expressão de, ouso dizer, admiração.

— Você é igualzinho a seu pai. Acho que você ficou com a melhor

parte dele.

— Essa é a coisa mais gentil que você já me disse.

Ela dá um meio sorriso, depois revira os olhos.

— Todos esses… sentimentos. Isso é assustadoramente burguês.

Dou uma risadinha e concordo:

— Eu sei.

Ela sai do meu abraço, levando o peso da minha raiva junto.

— Alguém pode, por favor, me explicar o que está acontecendo aqui?

— pede Caroline.
— Caroline, querida. Acho que tenho algumas explicações a dar —

diz Rowena. — Mas, primeiro, Alessia.

O coração de Alessia começa a pular quando a mãe de Maxim a encara

e levanta o queixo.

O que é isso?

— Eu devo desculpas a você.

Alessia sente um arrepio — não era isso que ela estava esperando.

— O que eu disse da última vez que nos encontramos foi

imperdoável. Heath tinha interferido, como você sabe. Mas eu o

coloquei no lugar dele. Eu não queria que ele falasse com a imprensa.

Enfim, espero que você possa me perdoar mesmo assim.

Alessia se levanta do sofá e vai em direção a Rowena.

— Claro — diz ela.

Rowena estende a mão gelada, e Alessia aceita.

— Você tem um espírito generoso, minha querida. Não perca isso.

— Meu marido já perdeu o pai e você já perdeu um filho… Vocês

não precisam perder mais um ente querido.

Rowena pisca algumas vezes, e é óbvio que está surpresa.

— É. É isso mesmo. — Ela aperta a mão de Alessia. — Você faz

bem para meu filho.

— E ele para mim.

Maxim coloca o braço em volta dos ombros de Alessia e beija sua

testa.

— Ouvi falar coisas maravilhosas sobre você na Mansão, minha

querida — acrescenta Rowena, com gentileza.

— Alguém pode por favor me dizer que porra é essa que está

acontecendo? — intervém Caroline, com rispidez.

— Vou pegar uma bebida para você, mãe — diz Maxim.


— Vinho. Por favor, querido. — Ela se senta em uma das poltronas

de frente para a lareira e Alessia se acomoda no sofá.

— Vocês estão prontos para ouvir isso? — Ela se dirige aos filhos.

— Sim — respondem Maryanne e Maxim ao mesmo tempo.

— Ouvir o quê? — pergunta Caroline, ainda confusa.

Maryanne se vira para Caroline.

— O papai não era pai do Kit.

— O quê? — Caroline fica pálida e olha de Maryanne para Maxim,

mas ele está ocupado servindo vinho.

— É verdade — diz Rowena, franzindo a testa para Maryanne,

provavelmente por ela ter acabado de confessar seu segredo de uma

maneira tão brusca.

— Só estou atualizando Caro dos acontecimentos — explica

Maryanne, na defensiva.

Caroline abre a boca, mas não é de surpresa… é mais de

compreensão.

— Eu não queria revelar isso assim para você, Caro querida. Achei

que pudesse contar para você em particular. Não esperava que o resto da

família estivesse aqui. Me desculpe por isso.

Caroline assente como se compreendesse… ou estivesse em choque.

Alessia não sabe qual dos dois.

Coloco uma taça de Chablis na mesa de centro em frente a minha mãe e

sento ao lado de Alessia.

— Você quer saber? — Rowena está se dirigindo a Caroline.

— Quero — responde Caro em voz baixa.

— Tudo bem. Vou resumir — diz ela com seu sotaque articulado. Ela

junta as mãos no colo e se concentra no fogo diminuindo. — Quando

cheguei a Londres, eu era ingênua e burra. Não queria saber de

faculdade, só de me divertir. Meus pais eram rígidos demais, mas depois


que saí de casa eles perderam todo o controle que tinham sobre mim. Eu

tinha sorte, morava em Kensington com amigas da faculdade, e uma

delas era modelo. Ela me arrastou junto para a agência. Fizeram meu

cadastro lá e o resto, como dizem… Eu me tornei o que era descrito

como uma it girl. — Ela pronuncia as duas últimas palavras com

desdém. — Eram os anos 1980. Ganância era algo bom. E eu era

gananciosa. Abracei a atmosfera, as festas, as ombreiras, o cabelão… e,

um dia, conheci um homem encantador, um músico com a cabeça no

lugar. Ele não me dava bola, e eu fiquei obcecada. Mas então, uma noite,

depois de muito álcool… bem, eu o conquistei. Não vou entrar nos

detalhes sórdidos, mas ele não quis nada comigo depois disso. Nessa

mesma época, eu estava trabalhando bastante com John, o pai de vocês.

Como sabem, ele era um fotógrafo muito talentoso, no auge da carreira.

Todas as revistas de luxo adoravam trabalhar com ele, então fizemos

muitos ensaios juntos. E nossa relação era… mais do que profissional,

podemos dizer. Eu sabia que ele estava louco por mim.

Rowena faz uma pausa e toma um gole do vinho.

— Na época em que descobri que estava grávida, o músico tinha

desaparecido. E quando finalmente consegui encontrá-lo, ele disse que o

bebê era problema meu. E foi isso. Era… — Ela franze a testa. — Era

tarde demais para que eu… bem… O pai de vocês teve pena de mim.

Ele era bom e amável. Nós nos casamos e ele assumiu a paternidade de

Kit. E aquilo se tornou nosso segredo.

Ela acrescenta:

— Cameron descobriu, lógico. — Ela olha para Alessia. — O irmão

do John, tio do Maxim. Ele ficou furioso. — Ela se volta para

Maryanne. — Mas seu pai me amava… — Sua voz falha, os olhos ficam

mais luminosos, e ela encara o fogo.

O estalar das chamas e o tique-taque do antigo relógio georgiano

acentuam o silêncio provocado pela atenção de todos.

Ela balança a cabeça como se quisesse apagar aquela lembrança.

— Enfim, o pai de Kit se mudou para os Estados Unidos e se tornou

um empresário muitíssimo bem-sucedido e abertamente gay, o que


explica ele ter me largado. Nunca mais ouvi falar dele e me forcei a

esquecê-lo. Até ele morrer no ano passado. Saiu nos jornais e foi quando

descobri o problema genético dele.

Rowena faz uma pausa e toma mais um gole de vinho.

— Foi um dia horrível. E, por acaso, Kit havia marcado uma consulta

por conta das dores de cabeça recorrentes que tinha. Eu o incentivei a

falar com os médicos, não tive coragem de contar sobre o pai biológico

dele. Só depois do Ano-Novo é que Kit me disse que ele tinha um

problema e queria contar para vocês dois. — Ela olha para mim e depois

para Maryanne. — E foi quando eu confessei a ele. — Seu lábio inferior

treme, mas ela engole em seco e mantém o controle. — Ele ficou

furioso, lógico. E, em seguida, saiu com a moto…

A voz dela falha e, de dentro da manga, Rowena puxa um lenço de

algodão.

— Bem, nós sabemos o resto — murmuro com delicadeza.

— Nossa discussão foi a última conversa que tivemos — sussurra ela.

— Ele estava tão furioso comigo… — Ela soa quase como uma criança.

Mais uma vez, a sala fica em silêncio, que é quebrado somente pelo

relógio que bate a cada meia hora, assustando Alessia. O som reanima

Caroline, que se levanta e vai se sentar do lado de minha mãe, e apoia a

sua mão na dela.

— Ele não estava chateado só com você. Nós dois o decepcionamos

— murmura ela, e acho que só eu consigo ouvi-las.

Rowena lhe oferece uma expressão solidária.

— Eu sei — diz ela, em voz baixa.

— Ele contou?

Rowena assente.

— Eu não estou em posição de julgar, querida. Kit podia ser…

difícil.

Difícil? Kit?

Caroline olha para mim e logo em seguida desvia a atenção.

Do que diabos elas estão falando?

Quais outros segredos minha família está guardando de mim?

É
— É hora de dar um adeus apropriado a ele, mamãe. Por todos nós

— sugere Maryanne.

— É — eu e Carol falamos ao mesmo tempo.

— Você está certa — reconhece Rowena e dá batidinhas nos cantos

de cada olho com seu lenço delicado.

— Ótimo — prossegue Caroline. — Vamos seguir com a homenagem

fúnebre como planejado.

Ouvimos uma batida na porta, e Blake entra.

— O jantar está servido — anuncia ele, alheio como sempre ao clima

tenso na sala.

Mas fico feliz de vê-lo. Todos esses segredos estão me deixando com

fome.

— Você está bem? — pergunto a Alessia.

— Estou. E você?

— Tudo bem. Estou muito melhor, na verdade. Você estava certa. —

Pego a mão dela e seguimos Caro para fora da sala. — Eu precisava

ouvir a história dela.

— Vocês se reconciliaram antes de você ouvir a história dela.

— Uma mulher inteligente me lembrou que Rowena é minha mãe, e

eu devia aproveitar enquanto ela ainda está viva.

As bochechas de Alessia ganham um adorável tom de rosa, e ela sorri

com o meu elogio enquanto descemos a escada em direção à sala de

jantar, onde uma mesa suntuosa nos espera.

A grande mesa de mogno está um espetáculo, posta com a delicada

louça branca e dourada com talheres dourados e candelabros

combinando. Alessia fica perplexa quando vê. Mas ela também espia o

piano vertical Yamaha de ébano no canto da sala.

Caroline insiste que Maxim se sente na cabeceira. De cada lado,

Caroline e sua mãe ocupam as cadeiras, com Maryanne do lado de Caro


e Alessia se sentando perto de Rowena. Alessia fica feliz de não estar

intimidada pela disposição dos impressionantes talheres e, mais uma

vez, grata pelo curso de etiqueta.

O jantar decorre de forma agradável. É como se todos tivessem

respirado fundo e soltado o ar. Maxim está encantador. Ele fala sem

parar para a mãe sobre os planos para a Cornualha — a destilaria e a

agricultura regenerativa. E Maryanne e Rowena o enchem de perguntas,

que ele responde com tranquilidade.

Sua mãe parece uma pessoa diferente. Como se tivesse saído de uma

cela e sentido o sol no rosto pela primeira vez em muitos anos. Alessia

está fascinada.

Maryanne fala mais sobre Seattle, Ethan e suas aventuras por lá.

Alessia conta do teste no Royal College of Music e dos outros que ainda

fará.

A única pessoa que não parece à vontade é Caroline. Ela olha de

soslaio para Maxim sem parar, como se estivesse tentando lhe dizer

alguma coisa.

Até que, durante a sobremesa, Caroline se levanta e Maxim a imita.

— Querido — diz ela a Maxim. — Preciso falar com você e entregar

aquelas coisas que eram do Kit. Podemos fazer isso agora?

Maxim encara Alessia, e os olhos dele estão bem arregalados — com

o quê? Pânico?

Por quê?

Alessia decide que isso é um assunto entre ele e sua ex-amante. Nada

a ver com ela. Então ela sorri de forma tranquilizadora e dá de ombros

de leve.

— Lógico — responde ele e segue Caroline para fora da sala,

deixando Alessia com a cunhada e a sogra.

— Alessia, querida — diz Rowena. — Ouvi muito sobre seu talento

musical. Adoraria vê-lo ao vivo. Você nos daria a honra?

— Claro. Eu adoraria.

Alessia se levanta da mesa e segue para o piano. Depois, ergue a

tampa e tenta o dó central. O tom é robusto e intenso, ecoando em puro


dourado pela sala.

— Está afinado — diz ela, quase para si mesma, e se senta no banco.

Com o coração apertado, sigo Caro até o escritório de Kit. Não entro

aqui desde que ele morreu. É um pouco opressivo, com paredes azul-

marinho, quadros grandes e uma prateleira abarrotada de objetos raros,

fotos e troféus. Acho que sinto um vestígio fraco do perfume dele, e uma

visão de um sonho ou pesadelo há muito esquecido surge em minha

mente sem pedir licença. Ele está inclinado sobre mim. Você consegue

dar conta. Foi para isso que você nasceu. E ele está com seu sorriso

torto e sincero, que era reservado para aqueles raros momentos — pelo

menos, eu achava que eram raros — que ele fazia merda.

De repente, fico desconcertado.

Talvez eles não fossem tão raros no que dizia respeito a Caro.

Cacete. Kit sempre foi meu maior exemplo. Eu o invejava.

Ele tinha a garota. Ele tinha o título. Ele levava jeito para o

trabalho.

Da sala de jantar, escuto o piano. O piano no qual aprendi a tocar.

Alessia.

Ela está tocando “Clair de Lune”, e me lembro da última vez que

tocamos essa música juntos… que experiência inspiradora. É

reconfortante saber que ela está tão perto, e isso me traz de volta para o

presente. A última coisa que quero fazer é trair a confiança de Kit. Seu

diário tinha as suas confidências, seus pensamentos íntimos, não quero

me intrometer neles, e não quero que Caro faça o mesmo.

Decido ir direto ao ponto:

— Escutei o que você disse para Rowena.

Caro se recosta na antiga escrivaninha de Kit e cruza os braços.

— Você sabe, então.

Suspiro.
— Sei que Kit sabia que você teve ou estava tendo um caso.

O olhar de Caro continua fixo no meu.

— O que ele escreveu no diário?

— Ele estava chateado com você e com Rowena. Só isso. Esse foi o

último registro. Não acho que ele quis se matar. Ele só estava com raiva.

De todas as merdas com as quais estava lidando.

— Você está me incluindo nessas merdas?

Puta que pariu.

Afundo em uma das poltronas xadrez na frente da mesa.

— Não sei, Caro. Não fui eu que escrevi. E não estou em posição de

julgar. Nem a Rowena, como ela falou. Foi uma pessoa? Várias pessoas?

Isso era entre você, Kit e sua consciência.

Ela fita as unhas, depois se vira e afunda na cadeira a meu lado.

— Eu o amava.

— Eu sei que você o amava. O que Rowena quis dizer sobre ele ser

difícil?

Caroline se ajeita e fita as unhas de novo. Ela suspira.

— Ele era distante e rigoroso. Controlador. De vez em quando

violento.

Que porra é essa?

— Com você? — pergunto, me endireitando enquanto o choque

reverbera por cada célula de meu corpo.

Ela aquiesce e desvia os olhos para o teto.

— Não com frequência.

— Isso é horrível. Por que você não nos contou?

— Eu não conseguia. Tinha muita vergonha. Então, para magoá-lo,

procurei outra pessoa. Não achei que ele fosse se importar, mas ele se

importou.

— Ah, Caro, sinto muito.

— Maryanne percebeu. Ela contou para sua mãe. Acho que Rowena

discutiu com ele.

Caroline para, então escutamos o final da melodia no piano que

Alessia toca com tanta elegância, mas só consigo pensar em como


minha família é uma merda completa… e eu sem saber de nada.

— Eu sabia que tinha feito a escolha errada — sussurra ela.

— Caro. Não. Não vamos para esse lado. Deixa o passado no

passado.

— Foi tão difícil para mim, assistir a você, sem rumo, indo para a

cama com qualquer criatura viva que usasse uma saia curta.

Faço uma careta.

— Tal mãe, tal filho — brinco.

Ela ri.

— Mas isso acabou — acrescento, aliviado por ela ainda ter senso de

humor.

Caro revira os olhos.

— Eu sei. Eu vi. Você se ilumina como a porra de uma árvore de

Natal quando ela pisa na sala. Dá até enjoo.

— Bem, Caro, isso é amor.

— Você nunca foi assim comigo.

— Não.

— Ela é uma mulher de sorte.

— Eu sou um homem de sorte.

— Você vai me dar o diário?

— Você quer mesmo saber o que ele escreveu?

— Não. Só espero que ele não me odiasse.

— Nunca tive a impressão de que ele odiava você, Caro. Vocês dois

pareciam estar muito bem em Havana e em Bequia no Natal passado.

— Estávamos nos esforçando. Não me entenda mal. Havia bons

momentos também.

— Se apegue a esses, querida.

Ela assente com tristeza.

— Estou tentando.

— Devíamos voltar para a sala de jantar.

— Verdade. — Nós nos levantamos. Ela se inclina por cima da mesa

e pega uma caixa de madeira. — Estas são algumas das coisas dele de

que achei que você fosse gostar.


— Vou olhar com calma quando estiver em casa.

— Certo.

Eu pego a caixa com uma das mãos e a envolvo com o outro braço.

— Sinto muito, Caro.

— Eu sei.

— E você está de parabéns por não chorar.

Ela ri.

— Vamos voltar para a sala.

Para minha família. Sim. Minha família. Minha família toda fodida.

Caramba.

Graças a Deus por Alessia.


C a p í t u l o Tr i n t a e D o i s

Voltamos de mãos dadas para o apartamento, com a caixa de madeira

enfiada embaixo do braço, já que não quis a sacola de mercado que a

Sra. Blake ofereceu.

— Sobrevivemos à noite — murmuro para Alessia.

— Foi… bastante coisa.

Dou uma risada.

— Foi mesmo!

— Sua mãe foi gentil comigo durante o jantar.

— Minha mãe percebeu que havia agido errado. Ela parecia uma

pessoa diferente no jantar depois de lavar toda a roupa suja dela.

Alessia faz um barulho abafado de desaprovação.

— Desculpe, a analogia da minha mãe com a roupa suja foi longe

demais?

Ela balança a cabeça e ri.

— O que você conversou com Caroline?

— Conversamos sobre Kit.

Alessia assente.

— Eu me preocupo porque acho que Caroline ainda é apaixonada por

você.

— Não tenho tanta certeza. Caroline e eu nunca fomos um bom casal.

Nós éramos bons amigos. Somos bons amigos. E é nisso que temos que

ficar. Na amizade. Ela sabe que eu só tenho olhos para você. Nunca amei

ninguém como amo você.

Alessia sorri.

— Nunca amei ninguém que não fosse você.

— Nem mesmo o Babaca?


Ela ri, horrorizada.

— Principalmente o Babaca!

— Fico me perguntando se ele matou aqueles homens. Os tais

traficantes.

— Andei pensando a mesma coisa.

— Você acha que ele seria capaz?

— Não sei — diz Alessia.

— É melhor não saber.

— É. Como você disse… Eu não quero me meter nesse mundo.

— Não. Mas devíamos fazer alguma coisa. Ajudar mulheres como

Bleriana. Vou conversar sobre isso com Maryanne. Na verdade, você

devia se juntar ao conselho de administração do fundo de caridade.

Podemos encontrar alguma instituição beneficente que ajude mulheres

como sua amiga.

— Eu gostaria disso.

Ela aperta minha mão, e andamos em um silêncio confortável ao

longo do Embankment. Alessia não é uma dessas mulheres que

precisam preencher todos os vazios com conversas. E eu a amo mais

ainda por isso.

— O que tem na caixa? — pergunta ela depois de um tempo.

— Algumas coisas do Kit. Vou dar uma olhada amanhã. Nesse

momento, estou precisando reavaliar minha opinião sobre ele.

— Por quê? Porque ele é só seu meio-irmão?

— Não. Ele sempre vai ser meu irmão. É pela maneira como ele

tratava Caro. E também me tratava, na verdade… Ele não era um

homem gentil, e tinha um lado sombrio que escondia bem. Mas não

tanto de Caroline.

— Ah.

— Pois é. Caro e eu conversamos sobre isso também. Mas essa

história ela é quem tem que contar, não eu.

Chegamos no prédio, onde Alessia destranca a porta, e entramos.

— Vou sentir saudade daqui — murmuro enquanto esperamos o

elevador.
— Eu também. Encontrei a felicidade aqui. — Alessia se estica e

beija minha bochecha.

Não é suficiente. Enrolo meu braço livre na cintura dela e a puxo para

mim, nos guiando para dentro do elevador quando a porta abre.

— Eu também. Encontrei você.

Minha boca e a dela se combinam. Eu a apoio na parede e nos

beijamos o caminho todo até o sexto andar. Línguas e dentes e lábios e

amor. Está tudo lá. No nosso beijo. Estamos sem fôlego quando as

portas se abrem.

— Me leve para a cama, milorde — sussurra Alessia, a respiração

doce se misturando com a minha.

— Você leu minha mente, milady.

Depois que já desliguei o alarme e deixei a caixa de madeira no

aparador, minha esposa pega minha mão e me guia para o quarto. Com

os olhos escuros nos meus, ela tira minha jaqueta e a coloca no sofá.

Alessia para ao lado do móvel, tira sua jaqueta e deixa-a em cima da

minha… mantendo os olhos escuros em mim o tempo todo. Seus dedos

vão para a própria blusa, e ela começa a desabotoá-la enquanto me

observa.

Ah. Quero participar desse jogo.

Levanto a mão, tiro uma das abotoaduras e depois a outra, as

deposito na mesa de cabeceira e aí abro os punhos da camisa.

Alessia lambe o lábio superior… e ela podia muito bem estar

lambendo meu pau.

Caralho.

Ela tira a blusa e a deixa cair no sofá, então fica só de sutiã de renda

creme, os mamilos escuros duros no tecido transparente. Ela anda na

minha direção, de salto alto, e tira meus dedos dos botões da minha

camisa enquanto eu a observo, embasbacado.


— Deixe que eu faço — diz ela, me olhando por debaixo dos cílios.

— À vontade — sussurro.

Que mulher fatal é essa na minha frente?

Com delicadeza, ela tira minha camisa de dentro da calça e continua

a desabotoá-la.

Devagarinho.

Um botão de cada vez.

De cima para baixo. Estou enlouquecendo, meu pau esticando e

endurecendo a cada botão aberto. Quando ela alcança a parte de baixo,

abre minha camisa com um floreio, se inclina para a frente e dá um beijo

suave e molhado em meu peito.

Caralho.

Seguro seu rosto entre as palmas das mãos e aproximo sua boca da

minha.

Ah, baby.

Seus lábios têm um gosto doce, e estão ávidos. Ávidos para me

satisfazerem. E eu estou com tesão para cacete. Nossas línguas se

acariciam, consumindo e atiçando nosso desejo, enquanto eu guio

Alessia de costas em direção a nossa cama. Ela toma fôlego, passa as

mãos pelos meus ombros e termina de tirar minha camisa, que cai no

chão. Alessia desce os dedos por minha barriga, alcançando os pelos

abaixo do meu umbigo e indo para o cós da calça.

Minha garota está impaciente.

Gosto disso.

E quando ela abre o botão na cintura, fico sem fôlego, o pau muito

excitado. Ansiando. Por ela.

Alessia quer saboreá-lo.

Ele. Todo.
Ela abre o zíper da calça dele e desliza a mão para dentro. Maxim

geme de prazer quando ela apalpa sua ereção grossa.

Alessia se afasta.

— Tire.

Ele sorri com prazer por ela estar no controle.

— Como desejar, minha esposa — diz ele, a voz rouca, e descalça os

sapatos e as meias, depois tira a calça e a cueca em um único

movimento veloz.

Ele fica parado, gloriosamente nu… e pronto.

Muito pronto. Para ela.

— Você está usando roupas demais — sussurra ele e cai de joelhos,

abrindo a fivela do sapato dela com delicadeza e o tirando.

Ele olha para ela e abre sua calça, retirando-a com um puxão

delicado e deixando a esposa de calcinha e sutiã.

Devagar, como um tigre de olhos verdes, ele se coloca de pé e beija

Alessia mais uma vez, sua língua molhada e exigente. Ela se solta e guia

os dois para perto da cama.

— Você ainda está com muitas roupas — murmura ele.

— Vamos ver como eu posso consertar isso.

Ela sorri, colocando as mãos na pele quente do peito do marido, e o

empurra na cama. Ele ri quando cai, surpreso com o movimento

repentino, mas se apoia nos cotovelos e aproveita o espetáculo. Ela o

encara e para um momento, apreciando a beleza que é seu marido nu

esparramado diante de si. Dos ombros largos aos poucos pelos em seu

peito e o abdômen firme e musculoso, depois aos pelos que traçam uma

linha em sua barriga que ela quer lamber. Ele parece delicioso, a pele

ainda exibindo um bronzeado desbotado. E ele é todo dela.

A ereção de Maxim infla quando ele percebe a admiração de Alessia.

Sem pressa, ela se livra da calcinha de renda rebolando. Em seguida,

sem tirar a atenção dos brilhantes olhos verdes de Maxim, remove o

sutiã com cuidado, uma alça por vez.

— Me provocando — sussurra ele baixinho, seu olhar ficando mais

intenso de desejo.
Alessia gosta do efeito que tem sobre ele.

Ela deixa o sutiã cair no chão e passa as mãos por cima dos seios,

ainda sem desviar a atenção do marido. Maxim fica de queixo caído pelo

desejo ardente, e ela não consegue resistir a um sorriso sensual de

triunfo. Ele está ofegante quando ela engatinha para a cama, por cima do

corpo dele. Alessia agarra os punhos de Maxim, os prende na cama, do

lado da cabeça, e o encara, seu nariz quase encostando no do marido.

— Você é meu. Eu quero você.

— Eu também, baby — sussurra Maxim, e ela o solta quando se

inclina para saborear os lábios dele.

As mãos dele deslizam pelas costas dela, para a cintura e depois a

bunda, onde ele agarra e aperta sua pele com mãos fortes enquanto um

prova do outro.

— Lady Trevethick, você tem uma bunda fantástica — sussurra ele.

Ela sorri, dando uma mordidinha em seu queixo antes de beijá-lo,

descendo pelo esterno, estômago, umbigo e barriga. A respiração de

Maxim vacila, e ele se retrai quando ela agarra sua ereção rígida.

Alessia fita o marido e passa a língua em volta do pau dele antes de

enfiá-lo na boca.

Maxim fecha os olhos e cai de costas na cama, a respiração sibilando

entre os dentes de puro prazer. Com delicadeza, ele coloca a mão na

cabeça da esposa enquanto ela o chupa. Indo e voltando. E de novo.

Ele se insere mais a fundo na boca de Alessia com um gemido.

Ela está incansável.

Levando-o ao êxtase.

— Chega — sussurra ele. — Quero gozar dentro de você. — Ele está

rouco. De desejo.

Alessia vai para cima dele, guiando-o para dentro dela em um

movimento rápido.

— Ah! — grita ela, desfrutando da plenitude da invasão dele.

E ela começa a ir para cima e para baixo, embalando o marido e

pegando o ritmo, os dois em perfeita sincronia. Ela se inclina, apoiando

as mãos no peito dele. Os olhos de Maxim ardem em um verde-floresta


intenso, as pupilas grandes e escuras. Cheio de amor. Cheio de desejo.

Cheio de vontade.

— Eu te amo. — Os lábios de Alessia pairam sobre os dele.

Ele toma impulso com os quadris, erguendo-os, querendo mais.

— Eu quero você — diz ele.

E muda de posição de repente, surpreendendo-a e girando os dois,

ainda conectados, de forma que ele fica em cima dela, o peso do marido

pressionando Alessia contra o colchão enquanto ele se perde nela.

Maxim dobra os braços perto da cabeça dela, encasulando-a

enquanto se mexe com uma intensidade e paixão que deixa Alessia sem

fôlego e quase… quase…

Ela grita quando goza, e Maxim enterra a cabeça no pescoço da

esposa e goza em seguida, gritando o nome dela ao chegar ao clímax.

Alessia volta ao planeta Terra, surpresa pela rapidez e intensidade de

seu orgasmo. Ela o segura apertado contra si, adorando que ele ainda

esteja dentro dela. Seu coração transborda de emoção conforme ela

cheira o cabelo dele.

Ela não consegue acreditar que essa é sua vida agora, ali deitada com

o homem que ama.

Seu marido apaixonado.

Seu libertino reabilitado.

Será que vai ser sempre assim?

Tão intenso.

Tão apaixonado.

Ela espera que sim… por toda a eternidade. Sentindo-se mais do que

completa, ela pega a mão esquerda de Maxim, entrelaça seus dedos nos

dele e leva a mão do marido até os próprios lábios.

— Isso é a coisa mais sexy de todos… de todas — sussurra ela, se

corrigindo.

— O quê? Minha mão? — Maxim sorri, os olhos refletindo o amor

dela.

— Não. — Ela beija a aliança reluzente de platina. — Isso significa

que você é meu.


— Sempre — murmura ele, junto ao canto da boca de Alessia. Ele a

abraça e os dois ficam deitados juntos, entrelaçados, pele contra pele. —

Eu só quero ficar agarrado com você. Até o fim dos tempos.

— Será que vai ser tempo suficiente? — murmura Alessia e beija o

peito dele.

— Nunca…

* * *

Quando Alessia acorda, está sozinha. É sábado de manhã, e ela teve

uma semana ocupada. Deitada de costas no lençol de seda macio, ela

desfruta do silêncio, mas tenta escutar onde Maxim pode estar. No

entanto, o apartamento está silencioso. Ela o chama e ninguém

responde. Talvez ele tenha saído para correr ou praticar esgrima com

Joe.

Ela sorri, se lembrando da noite passada. Eles saíram com Tom,

Henry, Caroline e Joe para comemorar a admissão de Alessia no Royal

College of Music. As celebrações começaram cedo em um restaurante

novo em Mayfair — o chef era amigo de Maxim e Caroline, e a comida

mediterrânea era fantástica — e terminaram altas horas da noite no

clube de Maxim. Foi um programa relaxante e alegre, a maneira perfeita

para o casal espairecer depois do estresse das revelações de Rowena no

início da semana e dos testes desgastantes de Alessia.

Hoje ela vai começar a embalar as coisas, já que eles querem se

mudar em uma semana. Alessia vai precisar ir ao mercado porque o tio-

avô e Bleriana virão almoçar amanhã, e ela quer preparar seu prato

albanês preferido para eles. Ela checa as horas, e já passam das dez. Não

costuma dormir tanto. Sai da cama e se encaminha para o banheiro.

Quinze minutos depois, vestida com uma calça jeans justa e uma

camiseta branca, Alessia entra no corredor e nota a luz vermelha.

Ah.

Maxim está no quarto escuro. Ela nunca o viu usá-lo. Ele só entrou lá

quando a beijou pela primeira vez. Alessia anda até a porta, pressiona a
orelha e o escuta cantarolando desafinado para si mesmo e se mexendo

lá dentro. Com cuidado, ela bate na porta.

— Não entre! — grita ele.

Ela sorri. Não tinha intenção de entrar.

— Café? — oferece ela.

— Por favor. Vou terminar em uns cinco minutos.

— Tomou café da manhã?

— Não.

Ela sorri e entra na cozinha, decidindo que a refeição será torrada

com abacate, um dos pratos preferidos de Maxim. Talvez com salmão

defumado.

Esperei a semana toda para revelar as fotos de nossos dias na Cornualha,

e estou empolgado com o resultado. Prendo a última foto para secar e

admiro as imagens.

É a minha esposa. Sorrindo. Linda. A Mansão Tresyllian como

cenário deslumbrante atrás dela. Na seguinte, Jensen e Healey aparecem

brincando felizes na pista, Alessia ao fundo, a luz da noite na hora

mágica. E o retrato é simplesmente… mágico. Alessia na praia, fitando

o mar.

Cara, ela é linda.

Depois, a foto de um cervo no horizonte. Essa está digna de

ampliação, e pode ser adicionada à coleção de fotos que vendemos na

galeria em Trevethick.

A minha preferida, porém, é a que tirei no galpão das ovelhas. Alguns

fios de cabelo escaparam da trança de Alessia e emolduram seu lindo

rosto, os olhos brilhando de pura animação. Mas o que amo mesmo é

seu sorriso: focado em mim, e capaz de iluminar o mundo todo; um

sorriso contagiante e inebriante, que também me faz sorrir, como um


idiota. Fico satisfeito com meu trabalho. Quero um porta-retratos com

essa foto em todas as minhas escrivaninhas.

Sinto o estômago roncar, então desligo a luz vermelha e saio para o

corredor.

Eu me recosto no batente da porta e observo Alessia se mexendo com

graciosidade pela cozinha enquanto prepara o café da manhã.

Torrada com abacate.

Eu aprovo.

Ela olha para cima e me premia com aquele mesmo sorriso que tive a

sorte de capturar na foto.

— Bom dia, marido.

— Bom dia, esposa.

Alessia larga a mistura de abacate que está espalhando na torrada, me

abraça e me beija de leve.

Esfrego o nariz no dela enquanto a abraço.

— Estou me sentindo muito produtivo. — Dou um beijo nela. — Saí

para correr. — Dou um beijo nela. — Tomei banho. — Dou mais um

beijo nela. — E revelei o filme de quando fomos à Cornualha. Mal posso

esperar para te mostrar as fotos. Acho que estou merecendo meu café da

manhã. — Beijo o canto de seus lábios.

— Você merece o café da manhã e muito mais — sussurra ela, os

braços deslizando pelo meu peito enquanto me fita por baixo dos cílios

com um olhar tímido e provocante.

Ah… é assim, é?

Meu corpo responde, eu a abraço mais forte e continuo a beijá-la,

puxando seus lábios com delicadeza com meus dentes. Suas mãos estão

no meu cabelo, me puxando para mais perto, e ela desliza a língua para

dentro da minha boca, me desafiando com a dela. Fechando os olhos,

solto um gemido e aprofundo o beijo, saboreando sua boca muito doce,

minha língua aceitando o desafio da dela. Levo uma das mãos para sua

nuca, segurando sua cabeça, a outra agarrando uma nádega de sua bunda

gostosa e coberta pela calça jeans. Eu me viro e a imprenso contra a


parede, empurrando meus quadris nos dela para encontrar alguma

fricção para meu pau, que está endurecendo.

Foda-se o café da manhã.

— Meu Deus, olhe o que você faz comigo, milady — sussurro

pertinho de seu queixo.

— O que você faz comigo, milorde.

— Será que deixamos para lá o…

A campainha da porta toca duas vezes, e apoio minha testa na dela.

— Porra.

— Agora não, pelo que parece. — Alessia dá uma risadinha e se

afasta do meu abraço para atender ao interfone na cozinha.

— Alô?

— Alessia! Bom dia. Abra para mim.

— É a Caroline — informa Alessia.

Maldita empata-foda.

— Oi. Ok! — responde Alessia e sorri para mim, se desculpando.

Também lhe ofereço um sorriso.

— Outra hora. — Beijo o nariz dela.

Ela dá uma espiada na parte da frente da minha calça. Solto uma

gargalhada.

— É. É. Vou resolver isso.

Dando uma risadinha, ela me deixa sozinho para eu me controlar e

vai receber Caroline.

— Bom dia, Alessia — cumprimenta Caroline, lhe dando um abraço

rápido e dois beijinhos. — Espero não estar interrompendo nada.

— Não. Entre. Estamos preparando o café da manhã. Você está com

fome?

Caroline está de calça jeans, botas de couro marrom e seu casaquinho

de tweed por cima de um suéter de caxemira creme. Ela está elegante


como sempre, mas Alessia não fica mais intimidada em sua presença,

embora esteja descalça e com sua calça jeans mais surrada.

— Estou faminta. — Caroline dá um sorriso genuíno.

Alessia percebe que a concunhada anda muito mais amistosa e

relaxada desde o jantar do início da semana, e se pergunta se o motivo

para a mudança seria a conversa que Caro e Maxim tiveram depois da

refeição.

— Vamos comer torrada com abacate.

— Hum. Oi, Maxim — diz Caroline, quando elas se juntam a ele na

cozinha.

— Caro. — Ele beija a bochecha dela. — Café?

— Quero, por favor.

— Sente — diz Alessia, dirigindo a visitante à mesa da cozinha que

ela já tinha arrumado para duas pessoas.

— Vocês dois são tão donos de casa. Não vão contratar funcionários?

Maxim olha para Alessia e, antes que ela possa dizer qualquer coisa,

fala:

— Quando nos mudarmos, sim.

Alessia franze a testa. Ela acha que talvez eles não precisem de

funcionários em Londres, mas não o contradiz. Pega um jogo americano

e o coloca em cima da mesa, em seguida uma xícara, um pires e um

prato.

— Quando vocês se mudam? — pergunta Caroline.

— No fim desta semana.

— Vamos começar a empacotar hoje — diz Alessia, na esperança de

que Maxim se lembre de que ele precisa pensar no que quer levar.

Ela coloca mais uma fatia de pão na torradeira e continua a espalhar a

mistura de abacate e salmão defumado na torrada que já está pronta.

A testa de Caroline franze de dúvida.

— Não é a empresa de mudanças que faz isso?

— É. Mas vamos ver os itens pessoais. E assim temos oportunidade

de… qual é a palavra? Desapegar.

Caroline ri quando Maxim olha para Alessia alarmado.


— Boa sorte com isso — solta Caroline quando ele se junta a ela na

mesa com uma prensa francesa cheia de café forte. — O cheiro está

ótimo.

Alessia coloca a comida na frente de Caroline e Maxim e espera sua

fatia de torrada ficar pronta.

— Hum… Isso está com uma cara ótima, Alessia. Obrigada. E eu

tenho boas notícias para vocês dois.

— Ah, é? O quê? — pergunta Maxim.

— Conversei com meu pai sobre Alessia e o visto dela.

Alessia sente um frio na barriga e Maxim levanta a cabeça para a

cunhada de forma brusca.

— Agora que Alessia foi aceita no RCM, ela pode conseguir um visto

de estudante… e podemos partir daí — informa ele.

— Mas o papai vai agilizar a licença de permanência por tempo

indefinido. Ele só precisa dos formulários.

— O quê? — sussurra Alessia.

— Ele é diretor no Ministério do Interior. Esse é o presente dele.

Jantei com ele e a vacadrasta na quinta-feira. Desculpe, minha madrasta.

E contei a ele que você estava lidando com todos esses obstáculos

ridículos. Pelo amor de Deus, você é casada com um nobre. Ele

concordou comigo. Isso não acontece com frequência. Enfim, ele me

ligou hoje de manhã e explicou tudo.

— Caro, isso é… — Fico sem palavras.

Por um lado, seria maravilhoso parar de me preocupar com o status

legal de Alessia no Reino Unido. Por outro, isso parece… trapaça.

— Querido, o título tem seus privilégios. — Caroline nota minha

preocupação. — O dinheiro também. Lógico.

— Tem, mesmo — murmuro, e me viro para minha esposa, que está

espalhando abacate e salmão em sua torrada.


— Isso é ótimo. Obrigada, Caroline — diz Alessia com entusiasmo, e

é óbvio que ela não tem objeção alguma.

— Vou conversar com nossa advogada de imigração sobre isso. — E

também com minha esposa.

Não tenho certeza se quero burlar os procedimentos legais do

processo de cidadania de Alessia. Afinal, bem no fundo, é assim que eu

me sinto sobre nosso casamento. Nós não seguimos as regras, o que

levou a perguntas constrangedoras da imprensa, e não quero acabar na

mídia por termos dado um jeito de evitar o sistema de imigração. Quero

fazer isso da maneira correta, e talvez manter o pai de Caro como plano

B.

— Isso está muito gostoso, Alessia — elogia Caroline. — Não é de

admirar que você não saia tanto quanto costumava.

Alessia se junta a eles na mesa.

— Suco de limão e ricota. Meus ingredientes secretos.

* * *

O lado bom de ter apresentado minha esposa à sociedade na festa do

Dimitri Egonov é que agora recebemos milhares de convites para

eventos. Quer dizer, eu já recebia uma boa quantidade de convites, mas

agora se trata de uma enxurrada. Todos querem conhecê-la.

Deixo a correspondência de lado. Vou olhá-la com Alessia quando

ela voltar do mercado. Tobias Strickland, a jovem Bleriana e agora

Caroline vão se juntar a nós amanhã para o almoço de domingo, então

Alessia saiu para comprar ingredientes. Dizer que ela está animada com

a ocasião é um eufemismo.

Ofereci que fôssemos almoçar fora, mas ela quer cozinhar.

E longe de mim me colocar entre uma mulher albanesa e sua cozinha.

Eu me recosto na cadeira e olho para a caixa de madeira que Caroline

me deu no início da semana, ainda fechada em cima da mesa. Não sei o

que está me impedindo de abri-la.

Cara. Abra essa caixa.


Eu a apoio na minha frente e levanto a tampa. Enrolado com cuidado

em cima de um pedaço de veludo azul está o velho cinto do Iron Maiden

de Kit. Rio alto. Caroline sabe que eu detestava o gosto musical de Kit.

Louco por carros.

Louco por heavy metal.

Ele amava, amava, amava bandas de heavy metal.

Pego o cinto pesado, cujo couro já viu dias melhores. A fivela, por

outro lado, está tão assustadora quanto no dia em que Kit comprou

aquela peça. Feita de peltre, representa a cabeça de um monstro, com

uma pedra vermelha em um dos olhos e o crânio por cima de ossos

cruzados, com “1980” e “1990” entalhados em pequenas placas de cada

lado. Entre as datas aparece entalhado EDDIE em um pedaço de

pergaminho. Kit tinha quatorze anos quando comprou isso, e era seu

xodó. Eu me lembro de morrer de inveja na época, do alto de meus dez

anos. Estranho pensar que passei tanto tempo da minha infância

invejando meu irmão.

Deixo o cinto de lado e retiro da caixa de madeira uma segunda

caixa, essa coberta com couro verde. Ela me parece um pouco familiar.

A coroa na frente não me é estranha, mas não consigo lembrar onde a vi

antes. Quando abro, encontro o Rolex do meu pai.

É um soco no estômago.

Papai.

Eu o tiro da caixa. É robusto. Feito de aço inoxidável.

O relógio de meu pai.

Está escrito Rolex Oyster Cosmograph no fundo, acima dos três

mostradores.

A palavra Daytona aparece em vermelho sobre o terceiro mostrador.

Porra. Fico com os olhos cheios de lágrimas ao examiná-lo. Eu me

lembro de brincar com a coroa e os dois botões quando era criança. Eu

era fascinado por esse relógio e adorava quando meu pai me deixava

mexer nele. Ele parecia gostar. O tempo é precioso, meu garoto, dizia

ele, e estava certo.

Viro o relógio, e há uma inscrição na parte de trás.


Obrigada.

Por tudo.

Sempre sua, Row.

Uau. Eu não fazia ideia de que tinha sido um presente de minha mãe.

Ele usava o relógio todos os dias, sem falta, imagino que como uma

declaração para ela. Balanço a cabeça, sabendo o que eu sei agora.

Ela teve sorte.

Ele a amava muito.

Ele lhe deu respeitabilidade e um nome, e a seu filho, um título de

conde.

E, na parte de trás do relógio, só há gratidão. Ela admitiu que era

obcecada por outro homem. Um que não a quis.

Talvez fosse por isso que eu não queria abrir a caixa de madeira.

Sabia que haveria… sentimentos. Preciso aceitar o fato de que minha

mãe se casou por conveniência, não por amor, e que meu pai não tinha o

amor de uma boa mulher.

Que é o que eu tenho…

Porém, ele tinha o respeito dela. Então é isso. Talvez fosse suficiente

para ele. Eu preciso aceitar isso.

Devolvo o Rolex ao estojo e retiro mais uma caixa de veludo verde-

escuro.

Dentro, aninhado em veludo, há um par de abotoaduras de prata com

o brasão da família Trevethick. Isso é muito a cara de Kit, e estou

tentando me lembrar se ele mandou fazer ou se foi um presente. Se foi

presente, foi de Caroline. Fico sensibilizado que ela decidiu que deveria

ser meu.

No fundo da caixa de madeira, em um porta-retratos prateado,

encontro uma fotografia de Kit, Maryanne e eu quando crianças. Kit está

no meio, todo orgulhoso, mais alto do que nós. Ele tinha cerca de doze

anos, e Maryanne e eu tínhamos sete e oito anos, respectivamente. Meu

pai tirou a foto nas dunas da praia Trevethick, na Cornualha. Kit está nos

envolvendo com os braços, exibindo um sorriso radiante de orgulho. Ele


sempre foi o dono do pedaço. Seus cachos louros brilham na luz do sol

da Cornualha, que nos deixava com mechas douradas em nosso cabelo

castanho-claro, e fazemos um nítido contraste com nosso irmão mais

velho. Eu me lembro de nosso pai nos encorajar a sorrir. Ele deve ter

dito alguma coisa engraçada, porque tanto Maryanne quanto eu estamos

rindo — mas provavelmente só estávamos fazendo alguma brincadeira

que Kit criou.

A luz está excelente. Fiquem imóveis, prole.

Era assim que nosso pai nos chamava.

E seu amor está evidente nesse retrato.

Eu não me lembro de ver essa foto em lugar algum na casa de Kit,

mas devia ter significado alguma coisa para ele, se a colocou em um

porta-retratos. E isso me dá uma sensação calorosa, mas melancólica, de

nostalgia.

Kit. Kit. Kit.

Eu sinto muito, muito mesmo.

Passo o dedo por cima da imagem dele…

Seu imbecil. Deixou sua raiva falar mais alto.

Um nó se forma em minha garganta.

Às vezes você era um babaca, mas eu te amava e sinto sua falta.

Ouço o barulho da chave na porta do apartamento e deixo a caixa

para ajudar minha esposa.

Alessia fecha a porta usando o pé, já que está carregada de sacolas de

compras. Ela as apoia no chão quando Maxim chega disparado.

— Ei — diz ela, enquanto ele a envolve nos braços e a aperta forte.

— O que aconteceu? — pergunta, retribuindo o abraço.

— Nada. Senti saudade. Só isso. — Ele a mantém ali por vários

segundos, o nariz enterrado no cabelo dela.

— Estou de volta. Inteira.


— Eu sei. Eu sei. Estou feliz que você voltou.

Eu a solto e lembro que tenho uma tarefa a realizar.

— Preciso mostrar uma coisa para você.

— Tudo bem. Posso guardar as compras antes?

Dou uma risada.

— Lógico. Vou ajudar.

* * *

— Então, esse é o cofre, que você conhece. Mas essa é a senha. — Eu

lhe entrego um pedaço de papel. — Decore e coma depois. — Arqueio

as sobrancelhas.

Ela ri.

— Gostoso.

Estamos no meu closet e, desde que descobri que Kit não

compartilhou com Caro nenhuma de suas senhas, achei que precisava

me certificar de que o mesmo não aconteceria com minha esposa. Giro o

mostrador de números: 11.14.2.63. Em seguida, giro a manivela e abro a

porta. Alessia espia dentro, fascinada.

— Viu?

— Vi. O que tem aí dentro?

O diário de Kit.

— Documentos importantes. Minha certidão de nascimento.

Passaporte. Você precisa me dar o seu. As joias que você usou quando

fomos na festa do Egonov, que eu preciso levar de volta para o banco.

— Para o banco?

— É. As coisas mais valiosas ficam guardadas lá. Temos um cofre no

banco e precisamos ir lá olhar. Pode ter alguma coisa que você goste.

— Por que você está me mostrando isso?

— Para o caso de acontecer alguma coisa comigo.


Alessia arregala os olhos, alarmada.

— O que vai acontecer com você?

Dou uma risadinha.

— Nada, eu espero. Só acho que é importante que você saiba onde

tudo está. Também tem um cofre em Angwin e outro na Mansão. Vou te

mostrar quando formos lá. Você precisa saber o que tem dentro deles e

onde ficam.

— Tudo bem.

— Ótimo. — Sorrio, me sentindo… aliviado.

— Agora… já que estamos aqui. Tem alguma roupa aqui que você

queira doar para a caridade?

— Eu gosto das minhas roupas.

— Maxim, ninguém precisa de tantas roupas. Vou pegar um saco

plástico.

Suspiro, examinando o armário abarrotado. Talvez Alessia tenha

razão, mas não é assim que eu queria passar minha tarde.

* * *

— Pronto, enchi um saco. — Saio do armário me sentindo muitíssimo

satisfeito comigo mesmo.

Alessia levanta a cabeça. Está sentada no chão ao lado das gavetas de

minha mesa de cabeceira, com uma caixa de papelão e um saco plástico

preto. Ela segura um par de algemas e o balança nos dedos.

— São suas?

— Ah.

— Ah — repete ela e sorri enquanto sinto minhas bochechas

corarem.

Por que eu estou com vergonha?

Dou uma risada e me aproximo dela.

— Achei que você já tivesse passado por essa gaveta quando fazia

faxina.
— Não. Mas já vi isso aqui antes. Uma vez. E essa fita estava

amarrada na cabeceira. — Ela segura a fita.

Droga. Isso foi para prender Leticia e as garras dela.

— Você conhece todos os meus segredos indecentes.

Alessia se levanta com agilidade.

— Conheço?

— Talvez não todos. — Eu me aproximo e afago sua bochecha. —

Mas podemos fazer os nossos.

— Segredos indecentes? — Sua expressão se ilumina e ela desliza os

dedos pelo meu peito até o cós da calça. — Que tal o “outra hora” ser

agora? — Ela me olha por entre os cílios com sua expressão mais

sedutora.

Caralho, topo.
Epílogo

Fevereiro. Ano seguinte.

Cheyne Walk

— Que tal?

Alessia sai do closet e desliza as mãos pelo cetim preto da saia

comprida e justa que está usando. Ela me olha, e sei que está querendo

minha aprovação.

Ela não precisa da minha aprovação.

Ela é uma deusa, caralho.

— Uau.

— Gostou?

O bustiê justo é de couro e com tiras, então consigo ver a pele sob o

corpete antes de ele encontrar a saia. Peço com o dedo que ela dê uma

voltinha, e ela ri e obedece. A parte de trás é presa por três tiras

separadas que não estão amarradas.

— Você quer que eu amarre você nesse vestido deslumbrante?

Alessia solta uma risadinha, e suspeito que seja de nervoso.

— Por favor.

— Você está sensacional. — Beijo a pele macia e perfumada de seu

ombro nu. — Seu pai viu você com esse vestido?

— Não. Está exagerado?

— Não. Está perfeito. Você parece pronta para conquistar o mundo

com ele.

— Foi isso que eu pensei. É Alaïa.

— Combina com você.

— Caroline também achou. Ela é um gênio nas compras.


Com destreza, amarro o vestido de minha esposa, e quando ela se

vira, noto que está usando sua cruz de ouro e os diamantes Trevethick

nas orelhas.

— Sou um homem muito sortudo, Lady Trevethick. Agora, vamos lá

chocar seus pais.

Alessia está entusiasmada pelos pais terem vindo para essa ocasião

especial. Eles estão hospedados conosco em Cheyne Walk, e adorando.

Principalmente a mãe de Alessia, que desabrochou em Chelsea. Seu

inglês melhorou, e ela está mais do que agradecida por ver seu tio, Toby.

Já estamos instalados em nossa casa nova. Depois de uma negociação

intensa com minha esposa, temos uma faxineira, cujo marido mora

conosco e trabalha meio período como motorista e faz-tudo.

E também há Bleriana, que ficará conosco por mais dois meses.

Alessia está feliz por tê-la aqui.

Já eu, não tenho tanta certeza.

Porém, enquanto ela está estudando inglês, está ganhando seu

sustento ajudando a faxineira com a casa.

Como Alessia costumava fazer.

Eu só não contei a Oliver porque sei que ele ia querer que ela entrasse

na folha de pagamentos.

E Bleriana prefere dinheiro em espécie.

Ela ainda fica nervosa perto de mim, e isso me deixa nervoso, mas ela

está fazendo progresso na terapia, então temos esperança de que, um dia,

Bleriana se sinta menos ansiosa. Alessia tem ajudado a amiga a se

reconciliar com os pais. Ela quer voltar para a Albânia e ser professora,

mas, por enquanto, tem ajudado a montar nosso fundo assistencial para

mulheres que escaparam do tráfico de pessoas. Acho que suas

habilidades serão muito úteis assim que seu inglês melhorar.

Jak e Shpresa vão embora amanhã, e Alessia e eu vamos para a

Cornualha. Nosso aniversário de casamento é no domingo, e reservei o

Esconderijo para o fim de semana, onde podemos comemorar, só nós

dois.

É uma surpresa para minha esposa, e mal posso esperar.


Tenho planos.

Eu a sigo escada abaixo até a sala de visitas no primeiro andar.

— Minha querida, você está linda — diz Shpresa quando Alessia entra

na sala. Ela abraça a filha. — Estou tão feliz por você — sussurra no

ouvido dela, em albanês.

— Obrigada, mãe. A senhora também está linda. — Alessia beija a

bochecha dela.

O pai de Alessia franze a testa e se vira para Maxim.

— Você acha que isso é adequado? — Ele aponta para Alessia, e é

óbvio que desaprova o vestido.

— Ela está deslumbrante — declara Maxim, embora não tenha

entendido uma palavra do que o sogro disse.

Os olhos de Maxim ardem quando ele observa Alessia, e seus lábios

se curvam para cima, tanto por achar graça no pai dela quanto por

pensar algo malicioso e obsceno.

Alessia sorri para ele.

— Como eu digo sempre, minha filha agora é problema seu —

murmura Jak, e Alessia segura a mão do pai. Ele abre um sorriso

relutante para ela, e Alessia percebe o orgulho escondido no olhar dele.

— Seu marido não parece se importar que você esteja seminua. — Ele

dá de ombros e dá um beijo rápido na bochecha da filha.

— Baba, não é meu marido que decide o que eu visto. Sou eu.

Maxim intervém:

— Estão todos prontos? Temos que ir. Os carros já devem estar aqui.

A família Trevelyan tem um camarote de luxo no nível um do Albert

Hall desde que foi construído, de doze assentos, pelo que me disseram.
Conduzo nossos convidados para dentro e fico encantado por ver os

recém-casados Tom e Henry reluzindo de felicidade, ao lado de

Caroline, Joe e Tabitha, amiga de Alessia. Eu os apresento aos pais de

minha esposa e fico aliviado por Bleriana estar conosco, uma vez que ela

pode ser a tradutora de Jak.

Seu inglês com certeza está melhorando.

Ofereço champanhe para todos.

— Estou dizendo, Trevethick, aposto que você não imaginou isso

quando conheceu Alessia — diz Tom, olhando para o palco onde a

orquestra começou a se reunir.

Dou uma risada.

— Não. Não, mesmo. Quem teria imaginado?

— Estamos muito felizes por ela — acrescenta Henry.

— Ela está usando o Alaïa? — pergunta Caroline.

— Está. Ela está sensacional.

Caroline sorri, orgulhosa.

— Era perfeito. Estou bem feliz. Ela vai arrasar nesse concerto.

— Cara — diz Joe.

— É. Quem diria? — Engulo meu nervosismo.

Minha esposa vai se apresentar no Royal Albert Hall.

Do nosso camarote, analiso o grande salão, cheio de espectadores, e

começo a pensar se alguma vez imaginei que testemunharia esse

momento. Sou transportado de volta para o dia em que a ouvi tocar pela

primeira vez.

Bach.

Caminhando na ponta dos pés pelo corredor para espiá-la pela porta

da sala.

Talvez eu tenha imaginado tudo isso, sim. Eu sabia que Alessia

tocava da forma padrão de concerto, e desde que começou a estudar no

Royal College of Music, a habilidade e a técnica dela melhoraram muito.

Ela é uma estrela da música clássica.

Sua história de vida também é perfeita para a imprensa. Sua trajetória

“da pobreza à riqueza” é irresistível para os editores dos jornais. Somos


cercados de vez em quando por paparazzi e suspeito que essa seja uma

das razões pelas quais os assentos abaixo de nós estão praticamente

todos ocupados.

Balanço a cabeça em fascínio e admiração e ouço uma batida na

entrada do camarote. Joe abre a porta e dá as boas-vindas a minha mãe,

que veio com Maryanne e Tobias.

— Oi, querido — diz ela, e me oferece uma bochecha.

— Mãe.

Dou um beijinho nela e em Maryanne, depois aperto a mão de Toby,

encantado por vê-lo de novo. Suas palmas estão suadas, e suspeito que

ele também esteja nervoso pela sobrinha-neta.

Alessia vai se apresentar como parte do programa especial do RCM.

Há outros três músicos, mas Alessia vai ser a última. Ela é a atração

principal da noite.

Mal posso esperar.

Porém, não é só por esse motivo que estou tão nervoso. Ela deve estar

estressada agora, e eu não quero que ela se estresse de jeito nenhum

porque… hoje de manhã ela me contou que está grávida. Estou zonzo de

alegria, mas precisamos manter a gestação em segredo por mais algumas

semanas.

Eu vou ser pai.

Eu. Pai.

Estou empolgado pra caralho.

Tomo um gole de champanhe e suspiro, e, ao longe, um sinal toca.

O espetáculo está prestes a começar.


AEDH DESEJA OS TECIDOS CELESTIAIS

Se eu tivesse os tecidos bordados celestiais,

Adornados com luz dourada e prateada,

Os tecidos de azul, de penumbra e de escuro

Da noite e da luz e da meia-luz,

Eu estenderia os tecidos sob seus pés;

Porém, eu, pobre que sou, tenho apenas meus sonhos;

Estendi meus sonhos sob seus pés;

Pise com cuidado, pois está pisando nos meus sonhos.

William Butler Yeats, O vento entre os juncos

1865-1939
As Músicas de Madame

CAPÍTULO QUATRO
“Delicious”, de Dafina Rexhepi
CAPÍTULO SEIS
“Sonata para Piano Nº 14 em Dó Sustenido Menor”, op. 27 Nº 2,

movimento Três (“Sonata ao Luar”), de Ludwig van Beethoven


CAPÍTULO SETE
“Vallja E Kukesit”, de StrinGirls e Jeris

“Vallja E Rugoves Shota”, de Valle

“Vallja E Kuksit”, de Ilir Xhambazi


CAPÍTULO OITO
“Magnolia”, de JJ Cale
CAPÍTULO NOVE
“Only”, de RY X
CAPÍTULO DEZ
“Partita para Violino Nº 3 em Mi Maior”, BWV 1006: I. Prelúdio, de

Johann Sebastian Bach (Arranjo para Piano por Sergei

Rachmaninoff)
CAPITULO ONZE
“Lo-Fi House is Dead”, de Broosnica

“Only Love”, de Ben Howard


CAPÍTULO DOZE
“Claire de Lune”, de Claude Debussy
CAPÍTULO DEZESSETE
“Fuga Nº 15 em Sol Maior”, BWV 884, de Johann Sebastian Bach
CAPÍTULO DEZOITO
“Runaway”, de Armin van Buuren e Candace Sosa

“Prelúdio Nº 2 em Dó Menor”, BWV 847, de Johann Sebastian Bach


CAPÍTULO VINTE E CINCO
“Cornfield Chase” (de Interestelar), de Hans Zimmer
CAPITULO VINTE E SETE
“North Country” (John Peel Session 1974), de Roy Harper
CAPÍTULO TRINTA
“Valle e Vogël”, de Feim Ibrahimi

“Les jeux d’eaux à la Villa d’Este”, Années de Pèlerinage, 3ème année,

S. 163 IV, de Franz Liszt

“Sonata para Piano Nº 14, em Dó Sustenido Menor”, op. 27, Nº 2,

Movimento Três (“Sonata ao Luar”), de Ludwig van Beethoven


CAPÍTULO TRINTA E UM
“Claire de Lune”, de Claude Debussy
Agradecimentos

Escrever Madame teria sido um desafio muito maior sem a ajuda, os

conselhos e o apoio das seguintes pessoas queridas, para quem eu devo

uma quantidade gigante de agradecimentos:

Minha editora albanesa, Manushaqe Bako, da Dritan Editions, por

sua inestimável orientação em etiqueta de casamentos albaneses, e,

lógico, por todas as traduções para o albanês.

Kathleen Blandino, por suas habilidades com websites e por ser uma

leitora beta muito confiável.

Ben Leonard, Chelsea Miller, Fergal Leonard e Lee Woodford, por

me explicarem o labirinto tortuoso dos pedidos de visto para aqueles que

desejam viver com seus entes amados no Reino Unido.

James Leonard, por toda a terminologia dos ricaços. Okay yah?

Vicky Edwards, pela orientação sobre casamentos estrangeiros e a

legislação no Reino Unido.

Chris Brewin, pelas informações duramente conquistadas sobre os

protocolos da polícia britânica.

Meu amado “Major”, por seu conhecimento em música e

equipamento de DJ.

Minha agente, Valerie Hoskins, por seu constante apoio moral e

emocional, suas piadas ruins e suas informações inestimáveis quanto aos

desafios da agricultura no Reino Unido atual.

Kristie Taylor Beighley, da Silk City, uma destilaria de excelência,

por sua orientação de especialista sobre como fabricar bebidas

destiladas.

E meu querido amigo Ros Goode, por todas as dicas sobre como lidar

com um Land Rover Defender!


Um obrigado imenso a minha talentosa editora Christa Désir, por

aprimorar minha gramática com muito humor e elegância, e pelo

suporte.

Para todos os meus colegas maravilhosos e trabalhadores da Bloom

Books e da Sourcebooks: obrigada pelo trabalho duro, profissionalismo

e apoio.

Obrigada a meus amigos escritores, pela disponibilidade, pela

inspiração e pelos momentos divertidos. Vocês sabem quem são — são

muitos para eu citar, e posso esquecer alguém nessa extensa lista, o que

me deixaria arrasada!

Obrigada às Senhoras do Bunker, pelo apoio, risadas e memes

hilários.

Obrigada a todos os escritores da Author Conference on Clubhouse,

com quem aprendi tanto.

Um obrigada imenso às senhoras do I Do Crew; o apoio de vocês é

tudo para mim.

E obrigada a todas aquelas deusas das redes sociais por sua amizade

de sempre, incluindo Vanessa, Zoya, Emma, Philippa, Gitte, Nic etc.

Obrigada a minha assistente, Julie McQueen, por lidar comigo e com

as Senhoras do Bunker.

E, como sempre, obrigada e muito amor a meu marido, Niall

Leonard, por criticar minha gramática, me escutar (às vezes!) e pelo

fornecimento constante de chá.

E aos meus garotos, Major e Minor: obrigada por serem vocês! Vocês

dois brilham muito e me trazem muita alegria. Amo vocês,

incondicionalmente, sempre.

E, por fim, a todos os meus leitores. Dizer “obrigada” não parece ser

suficiente… mas obrigada por lerem. Obrigada por tudo.


Sobre a autora

© Nino Muñoz

E L James é autora de Cinquenta tons de cinza e das sequências

Cinquenta tons mais escuros e Cinquenta tons de liberdade, que contam

a apaixonante história de Anastasia Steele e Christian Grey. Em 2015,

publicou o best-seller Grey, que deu início à trilogia que conta a história

de Cinquenta tons de cinza pela perspectiva de Christian, composta

também por Mais escuro e Livre e encerrada em 2021. Em 2019, a

autora publicou Mister, que inaugura a trajetória marcante de Maxim e

Alessia e mais uma vez entrou nas listas de mais vendidos. Além disso,

ela coproduziu os filmes da série Cinquenta Tons de Cinza, que

arrecadaram mais de 1 bilhão de dólares nas bilheterias, e chegou a ser

considerada pela revista Time uma das pessoas mais influentes do

mundo.

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