Constipação No Idoso
Constipação No Idoso
Constipação No Idoso
NO IDOSO
MARIA ALICE DE VILHENA TOLEDO
RENATO FABBRI
MARINA MACHADO PEREIRA LINS
INTRODUÇÃO
A constipação intestinal não decorre do processo fisiológico do
envelhecimento, embora constitua um dos achados gastrintestinais mais
comuns em idosos. Essa condição está associada à perda da qualidade de
vida e a custos elevados, por isso o reconhecimento e o tratamento adequado
são importantes.1,2
A prevalência de constipação aumenta com a idade, e alguns estudos estimam
acometimento de até 50% em idosos acima dos 80 anos. Em idosos residentes
na comunidade, a ocorrência de constipação varia entre 30-40%, enquanto em
idosos institucionalizados a prevalência pode ser superior a 50%.3,4 Estimativas
apontam uso diário de laxativos em 50 a 74% dos idosos residentes nas
instituições de longa permanência.4
Fatores de risco para constipação crônica incluem:
sexo feminino;5
sedentarismo;
imobilidade parcial ou total;
baixa escolaridade e baixa renda;
uso de medicações com efeito constipante;
sintomas depressivos;6
baixa ingestão calórica;
dieta pobre em fibras;7,8
polifarmácia.9
OBJETIVOS
Ao final da leitura deste artigo, o leitor deverá ser capaz de:
ESQUEMA CONCEITUAL
ETIOLOGIA
A constipação crônica pode ser dividida em duas categorias: primária e
secundária.
Na constipação primária, a avaliação do trânsito colônico e da função anorretal
é usada para categorizar os pacientes em três grupos, conforme apresenta o
Quadro 1.
Quadro 1
CLASSIFICAÇÃO DA CONSTIPAÇÃO
PRIMÁRIA
Classificação Descrição
Constipação Neste caso, o movimento das
com trânsito fezes é normal ao longo do
normal (ou cólon. O paciente geralmente
constipação relata sintomas de dor abdominal
intestinal e inchaço. A constipação com
funcional) trânsito normal foi associada a
um aumento do estresse
psicossocial.7
Constipação Neste caso, há lentificação do
com trânsito movimento do bolo fecal do
lentificado cólon proximal para o cólon
distal e o reto. Em alguns
indivíduos, a causa para o
trânsito lento pode ser alimentar
ou mesmo cultural. Outros
provavelmente apresentam uma
base fisiopatológica, embora não
se conheça ao certo seus
mecanismos. Tem sido proposto
que existem dois subtipos de
constipação de trânsito lento:11
redução da propulsão
colônica (inércia
colônica),
possivelmente
relacionada à
diminuição do número
de contrações de
propagação de alta
amplitude, leva a um
tempo prolongado de
permanência do
resíduo fecal no colón
direito;
aumento de atividade
motora incoordenada
no colón distal leva a
uma barreira ou a uma
resistência ao trânsito
normal.
Distúrbio da Neste caso – também
defecação denominado “constipação de
saída”, “obstrução da saída”,
“disfunção anorretal”,
“evacuação obstruída”,
“anismus” ou “dissinergia do
assoalho pélvico” –, ocorre
disfunção neuromuscular do
assoalho pélvico, levando à
retenção do resíduo fecal por
períodos prolongados no reto.
Caracteriza-se por evacuação
retal prejudicada devido à força
de propulsão retal inadequada
e/ou aumento da resistência à
evacuação, como pode ocorrer
em consequência da alta pressão
anal em repouso (anismus) e/ou
do relaxamento incompleto ou da
contração paradoxal do assoalho
pélvico e do esfíncter anal
externo durante a defecação.
Distúrbios estruturais (por
exemplo: retocele,
intussuscepção) e diminuição da
sensibilidade retal podem
coexistir.
COMPLICAÇÕES
A constipação pode levar a impactação fecal (fecaloma), que pode se
manifestar com náusea, anorexia ou dor.
Em idosos frágeis, uma força excessiva para evacuar pode levar a episódios de
síncope e isquemia cerebral.5
Alguns trabalhos relatam que a qualidade de vida de idosos com constipação é
menor quando comparados a idosos sem essa complicação.5
AVALIAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO
São fundamentais a obtenção de história clínica detalhada e a realização de
exame físico completo no idoso com queixa de constipação.
HISTÓRIA CLÍNICA
A anamnese deve conter descrição acerca do início e da duração da
constipação, além de buscar elementos para o diagnóstico de causas
secundárias a essa condição. Muitas doenças sistêmicas e/ou neurológicas
que alteram a motilidade do cólon afetam órgãos fora do trato gastrintestinal,
por isso esses pacientes podem apresentar outros sintomas, além de prisão de
ventre.
EXAME FÍSICO
O exame físico completo pode identificar possíveis causas sistêmicas de
constipação, como doenças metabólicas ou neuromusculares.
A cavidade oral deve ser inspecionada para avaliação da dentição e pesquisa
de lesões que possam interferir na ingestão dos alimentos. Já o exame
abdominal deve buscar a presença de distensão, dor, tumorações ou hérnias,
alteração da sensibilidade ou dos ruídos intestinais.
Durante o exame físico, examinar a região perianal e realizar o toque retal são
sempre ações obrigatórias em casos de constipação.Para realizar o exame de
toque retal, o paciente deve ser adequadamente posicionado. A posição mais
cômoda para o paciente é a lateral de Sims, que consiste no decúbito lateral
direito ou esquerdo com as pernas fletidas sobre o abdome. O exame também
pode ser realizado na posição genupeitoral (posição de prece maometana).
A região perianal deve ser inspecionada quanto à presença de escoriações,
marcas na pele, hemorroidas, fístulas, fissuras e prolapso retal. Ao toque retal,
devem ser avaliados o tônus do esfíncter anal e a presença de massas,
retocele e fezes na ampola retal.
INVESTIGAÇÃO
Para investigação da constipação, podem ser necessários exames
complementares com o intuito de afastar causas secundárias ou de
diagnosticar prontamente doenças graves, como o câncer de cólon.
A Figura 1 apresenta informações para investigação da constipação. Esses
aspectos serão mais bem detalhados a seguir.
PSOF: presença de sangue oculto nas fezes.
Figura 1 – Investigação da constipação.
Fonte: Tack e colaboradores (2011).13
Exames laboratoriais
TRATAMENTO
O tratamento da constipação intestinal pode ser dividido em medidas gerais e
terapêutica farmacológica.
MEDIDAS GERAIS
Inicialmente, deve-se investigar e tratar todas as causas secundárias da
constipação.4 O tratamento sintomático sem investigação adequada pode
esconder um diagnóstico de doença potencialmente grave. A anamnese tem
papel fundamental, e a presença de sinais de alerta – como início recente,
alternância do hábito intestinal, perda de peso, sangramento intestinal, anemia
e história familiar de neoplasia intestinal – reforça a necessidade na busca de
uma causa orgânica.
Sempre que possível, deve-se substituir fármacos que possam contribuir para a
constipação intestinal.
Na constipação crônica funcional, deve-se orientar o paciente quanto ao melhor
horário para a evacuação, estimulando-o a fazê-la na presença dos reflexos
fisiológicos ortocólico e gastrocólico, ao se levantar e 30 minutos após as
refeições. Deve-se também evitar o bloqueio voluntário e repetido do desejo de
evacuar, que contribui para diminuir os reflexos sensitivos causados pelo bolo
fecal no reto. Quanto à postura, a posição de cócoras pode facilitar a
evacuação. Atividades cotidianas de distração no momento da evacuação,
como leitura, por exemplo, podem ser prejudiciais quando se pretende
reestabelecer o funcionamento intestinal regular, porém não deve ser
desestimulada para pacientes que já criaram um condicionamento.
TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA
Os laxativos devem ser usados quando medidas não farmacológicas para o
tratamento da constipação não forem satisfatórias. Existem diferentes
substâncias disponíveis, muitas delas limitadas para uso crônico em idosos
pelos potenciais efeitos colaterais. Elas são classificadas de acordo com seu
principal mecanismo de ação, sendo que muitos fármacos são comercializados
em associação.14
Os laxativos usualmente utilizados no tratamento da constipação intestinal são
mostrados na Tabela 1.
Tabela 1
VO: via oral; VR: via retal; IRC: insuficiência renal crônica; min: minutos.
Laxativos osmóticos
Laxativos estimulantes
Laxativos lubrificantes não devem ser utilizados em idosos com déficit cognitivo
grave ou em casos de disfagia, em razão do risco de pneumonia lipoídica.
Recomenda-se evitar seu uso no período noturno pela possiblidade de
broncoaspiração em portadores de refluxo gastresofágico. Seu emprego
prolongado, superior a um ano, pode contribuir para a malabsorção das
vitaminas lipossolúveis.
Os emolientes reduzem a tensão superficial das fezes, aumentando a retenção
de água e substâncias gordurosas no bolo fecal. São representados pelos sais
de docusato (docusato de sódio, potássio e cálcio) e frequentemente
encontrados nas farmácias em associação com laxativos estimulantes.
Enemas e supositórios
Medicamentos pró-cinéticos
Outros agentes
técnicas de biofeedback;
cirurgia;
uso de toxina botulínica;
acupuntura.
O biofeedback tem como princípio resgatar um reflexo preexistente,
reeducando o paciente. Inicialmente proposto na terapêutica de pacientes
jovens com constipação crônica com desordens defecatórias, tem sido utilizado
mais recentemente em pacientes idosos, em casos refratários às medidas
habituais.
CONCLUSÃO
A prevalência de constipação aumenta com o envelhecimento, mas não deve
ser considerada parte do processo de envelhecimento fisiológico
(senescência). É comum que os idosos se queixem mais de sintomas
qualitativos, como esforço excessivo ao evacuar, do que diminuição da
frequência de evacuações.
Para a avaliação do idoso constipado, devem ser contempladas as condições
de saúde oral, o uso de próteses dentárias, a presença de disfagia, as
características da dieta, a ingestão de líquidos, os sinais de desidratação
crônica, o sedentarismo e o grau de imobilidade. Sempre fazer o inventário
medicamentoso, buscando identificar medicações potencialmente constipantes,
é essencial para o diagnóstico.
Algumas complicações devem ser consideradas e merecem atenção, como a
formação de fecaloma, que é frequente e relaciona-se ao surgimento
de delirium, com seu impacto cognitivo, funcional, econômico e de morbidade e
mortalidade descritos em literatura. Também deve-se estar atento para
presença de impactação fecal, pois pode provocar diarreia paradoxal.
Para os casos de pacientes com sinais de alarme – hematoquezia, perda
ponderal, anemia, história familiar de câncer de cólon/doença inflamatória
intestinal, positividade na pesquisa de sangue oculto fecal e mudança recente
no hábito intestinal –, devem ser solicitados exames complementares.
Pacientes hígidos sem sinais de alarme que não respondem de forma
satisfatória ao tratamento conservador instituído também devem ser avaliados
de maneira invasiva (preferencialmente pela colonoscopia) para exclusão de
doença neoplásica e megacólon.
A abordagem terapêutica sempre deve contemplar mudanças no estilo de vida
com adequação da dieta, da ingestão de líquidos e dos hábitos relacionados à
evacuação. O tratamento pode ser realizado com laxativos formadores de bolo,
osmóticos, estimulantes (irritativos), lubrificantes (emolientes) ou, ainda, com
supositórios e enemas, de forma isolada ou em combinações, sempre depois
de orientadas as medidas gerais não farmacológicas.
REFERÊNCIAS
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Atualizações diagnósticas e terapêutica em geriatria. São Paulo: Atheneu;
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