5 Dissertação Lenice Sales de Moura 2020
5 Dissertação Lenice Sales de Moura 2020
5 Dissertação Lenice Sales de Moura 2020
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
FORTALEZA - CEARÁ
2020
LENICE SALES DE MOURA
FORTALEZA - CEARÁ
2020
3
AGRADECIMENTOS
Eu sou só gratidão...
Sou grata a Deus por ter permitido por hora a conclusão dessa pesquisa, sei que não finda
aqui, representa apenas um percurso da minha caminhada formativa.
Sou grata a todas as pessoas que direta ou indiretamente se fizeram presentes na construção
deste texto que, para mim, é muito mais do que a conclusão de uma etapa acadêmica, mas um
momento de realização dentro do meu processo constituinte e formativo.
Sou imensamente grata a minha orientadora, Prof.ª Drª Giovana Falcão, profissional exemplar
que, com toda paciência e carinho, tem me ensinado a ser pesquisadora. Agradeço o tempo
dedicado a mim, o respeito, o carinho, a amizade e a confiança construídas durante este
percurso, sem os seus ensinamentos esse momento não seria possível.
Sou grata pelo encontro especial que tive com os participantes da banca de defesa,
profissionais exemplares que com muita humildade aceitaram contribuir com o
aprimoramento dessa pesquisa. Portanto...
Sou grata à Prof.ª Dra. Isabel Sabino, profissional dedicada à educação e por quem tenho
muita admiração. Mesmo com todos os seus afazeres dedicou parte do seu tempo à leitura do
trabalho de qualificação, trazendo contribuições significativas. Espero ter conseguido
absorver a maioria de suas sugestões e sou grata por agora se fazer presente na minha banca
de defesa, tenho certeza que seu olhar me mostrará nuances que não consegui enxergar até
esse momento.
Sou grata ao Prof. Dr. Gardner Arrais, que despertou em mim o interesse pela pesquisa e me
incentivou a entrar no programa. Foi muito gratificante tê-lo na minha qualificação e agora na
minha defesa. Professor por quem tenho muita admiração, pelo ser humano que é, sempre à
disposição de quem o procura como amigo, como professor, como conselheiro, enfim. Sei que
suas contribuições nessa banca me incentivarão a ser um ser humano melhor uma professora,
melhor e continuar a dar o melhor de mim nessa jornada de pesquisador.
Sou grata ao EDUCAS em nome da Prof.ª Dra. Isabel Sabino que me acolheu e em meio às
discussões mensais tem contribuído nessa minha caminhada de pesquisadora.
Sou grata a minha amiga, companheira de curso e de moradia, Thais Florenço, pelo
companheirismo durante esse tempo do mestrado. Juntas compartilhamos as agruras que esse
processo nos traz: momentos de angústia, desejos de desistência, a saudade de casa, as horas
de sono, aulas cansativas, horas intensas de leituras necessárias para o nosso crescimento
6
como pesquisadoras e amigas. Juntas vencemos esta etapa, sempre incentivando uma a outra a
ser forte, ser paciente e resiliente. Como sempre digo, um encontro de almas, uma amiga para
todo o sempre.
Gratidão ao amigo, Alberto Sena, que abriu as portas da sua casa e me abrigou, quando
cheguei a Fortaleza e não tinha para onde ir e me permitiu ficar o tempo necessário, serei
eternamente grata pela acolhida, a amizade, o carinho e respeito dedicado a mim, enquanto eu
tirava sua privacidade e conforto.
Sou grata a todos os professores do PPGE/UECE, pelo compromisso e dedicação ao programa
de pós-graduação e aos conhecimentos compartilhados através das disciplinas que foram
primordiais para a construção dessa pesquisa.
Sou grata às funcionárias do PPGE/UECE Jonelma e Rosangela pelo trato a mim dedicado,
desde etapas de seleção do programa até agora, presteza como sempre me atenderam, o
carinho, acolhimento e torcida por esse momento.
Sou muito grata a FUNCAP pelo apoio financeiro prestado, pelo reconhecimento da
necessidade do financiamento de pesquisas, permitindo não só a mim, mas a vários
pesquisadores, condições de desenvolverem pesquisas que são relevantes para nosso País.
Sou grata às três professoras pesquisadas Dália, Azaleia e Margarida que dispuseram do seu
tempo para compartilhar conhecimentos a respeito dos modos de serem professoras.
Sou grata a minha família e amigos (a) que acreditaram em mim, na minha capacidade e
embarcaram comigo nessa jornada. O apoio e incentivo incondicional de vocês me
fortaleceram para seguir a diante.
7
RESUMO
Essa pesquisa tem por objeto de estudo a formação de professores por Alternância. O
interesse por essa temática nasce de indagações sobre a Formação docente por Alternância e
as repercussões dessa formação para os docentes no desenvolvimento de suas práticas
pedagógicas. A Formação por Alternância vem sendo utilizada nos cursos de formação
docente do campo, visto ser esta uma proposta pedagógica e metodológica capaz de atender as
necessidades da articulação entre escolarização e trabalho, propiciando aos sujeitos do campo
uma educação que aproxime a escola dos seus modos de vida e de trabalho. O objetivo geral
do estudo foi compreender de que modo à formação por alternância tem repercutido no modo
de ser professor dos egressos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da
Natureza, do CSHNB/UFPI. De forma mais especifica buscou-se identificar as concepções
dos professores egressos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da
Natureza, UFPI/CSHNB, sobre a Pedagogia da Alternância aplicada à formação de
educadores do campo; compreender de que forma a formação por alternância tem contribuído
em seus modos de ser professor; analisar como os professores egressos vivenciam os
princípios da Pedagogia da Alternância em suas práticas pedagógicas. A investigação
utilizou-se da abordagem qualitativa, com dados produzidos por meio de grupo dialógico e
entrevistas semiestruturadas com três professoras egressas do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo/Ciências da Natureza. A revisão da literatura incluiu teóricos como
Nóvoa (2017), Caldart (2014, 2009), Gimonet (1999), Paulo Freire (2006), Queiroz (2011,
2014), Gatti (2010), Nosella (2007, 2012) entre outros, que discutem a formação por
Alternância, a Educação do Campo e a formação docente, o que possibilitou conhecer os
caminhos que percorrem os professores desde a formação até o momento que adentram as
escolas. A análise dos dados apoiou-se na Análise Textual Discursiva (Moraes Galiazzi,
2007). Essa estratégia metodológica oferece aos pesquisadores um modo de analisar a
produção dos dados, a partir de construções de categorias. A análise resultou em três
categorias: formação por alternância; modos de ser professor; princípios da Alternância. A
primeira discorreu sobre o motivo da escolha do curso, as contribuições da formação por
alternância para o desenvolvimento docente das investigadas e as fragilidades e dificuldades
encontradas tanto na formação por alternância quanto no desenvolvimento dessa metodologia
pelas professoras em suas salas de aula. A segunda abordou sobre as vivências das professoras
egressas e como elas vêm constituindo suas práticas a partir da formação por alternância e a
9
última categoria trouxe as vivências de alguns dos princípios da Alternância pelas professoras
investigadas nessa pesquisa. A análise empreendida desvelou que a formação por alternância
vem possibilitado as participantes, novos modos de ser docente, permitindo uma atuação mais
consciente, atenta ao contexto e a realidade de seus alunos, contribuído para o
desenvolvimento profissional das egressas. Através da formação, as participantes vêm se
afirmando cada dia mais como professoras da Educação do Campo, embora tenham revelado
dificuldade em vivenciar os princípios da alternância, especialmente, porque o município
onde atuam não adota a alternância como metodologia. A pesquisa evidenciou a necessidade
de se investir em Formação de Professores para as escolas do campo, pois, historicamente, a
formação para este público tem sido relegada. A pesquisa também trouxe contribuições para
ampliação do campo teórico relacionado à formação docente para professores que atuam em
escolas do Campo, possibilitando novos estudos sobre a formação por alternância, que
considerem o professor um disseminador de conhecimento, escutando sua voz, entendendo-o
de modo integral.
ABSTRACT
This research aims to understand the importance of Rotation Padagogy for teachers who
graduated from the Degree in Rural Education / Natural Sciences at the Federal University of
Piaui. The interest in this investigation arises from inquiries about the contributions of this
pedagogy have been for teachers in the development of their practices. Rotation Padagogy has
been used in teacher training courses in the rural edication. This is a pedagogical and
methodological proposal capable of meeting the needs of the articulation between schooling
and work. This approuch providing the subjects of the field an education that brings the
school closer to their modes of education. Life and work. Based on this premise, it was
defined as the general objective of the study to understand how Rotation Padagogy has had an
impact on the way of being a teacher of students graduating from the Degree Course in Rural
Education / Natural Sciences, from CSHNB / UFPI. And in a more specific way, we sought to
identify the conceptions of this teachers about Pedagogy of Alternation applied to the training
of rural educators. Understand how this theory has contributed to their ways of being a
teacher; to analyze how the egressed teachers experience the principles of alternation
pedagogy in their pedagogical practices. The investigation used a qualitative approach. Data
was produced by dialogic group, letters and interviews with three professors who had
graduated from the Degree Course in Rural Education / Natural Sciences. The literature
review included theorists such as Nóvoa (2017), Caldart (2014, 2009), Gimonet (1999), Paulo
Freire (2006), Queiroz (2011, 2014), Gatti (2010), Nosella (2007, 2012) among others, who
discuss Rotation Padagogy and rural education. Those woksmade it possible to know the
paths that teachers take from training to the moment they enter schools. For data analysis, I
relied on Discursive Textual Analysis (Moraes Galiazzi, 2007). This methodological strategy
offers researchers a way to analyze production based on constructions of categories. The
categories are not exclusive, and the themes raised allowed to formulate three categories:
Formation by Rotation Padagogy; ways of being a teacher; principles of Rotation. The first
deals with the reason for the choice of the course, its contributions, the teaching development
of the investigators, the weaknesses and difficulties found both in the training by Rotation
Padagogy and in the development of this methodology by the teachers in their classrooms.
The second talks about the experiences of the investigated teachers and how they have been
constituting their practices from Rotation Padagogy. The last category brings the experiences
of some of the principles of Rotation Padagogy by the teachers investigated in this research.
11
Finally, the data reveal the Formation by Rotation Padagogy contributes to the professional
development of the investigated women. They are asserting themselves every day as teachers
in the field. It also revealed how nonexistent Public Policies aimed at training for teachers
who work in the in rural schools.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................. 15
1.1 IMBRICAÇÕES ENTRE A FORMAÇÃO E A HISTÓRIA DE VIDA DA
PESQUISADORA........................................................................................... 16
1.2 QUESTÕES E OBJETIVOS DE PESQUISA.................................................. 22
1.3 DA RELEVÂNCIA DO ESTUDO E OS CAMINHOS A SEREM
TRILHADOS: A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E A EXPERIÊNCIA
DO SABER E DO FAZER.............................................................................. 23
2 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS PARA COMPREENDER O OBJETO
INVESTIGADO.......................................................................................... 26
2.1 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E FORMAÇÃO DOCENTE: O
ESTADO DA QUESTÃO............................................................................. 27
2.2 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO DO CAMPO:
CONCEPÇÕES E PRINCÍPIOS QUE SE CRUZAM...................................... 31
2.3 FORMAÇÃO DOCENTE E EDUCAÇÃO DO CAMPO................................ 38
2.4 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A PEDAGOGIA DA
ALTERNÂNCIA.............................................................................................. 45
3 CAMINHO METODOLÓGICO PERCORRIDO...................................... 53
3.1 ESTUDO DE CASO........................................................................................ 54
3.2 O CONTEXTO DO ESTUDO: O CURSO DE LICENCIATURA EM
EDUCAÇÃO DO CAMPO/CIÊNCIAS DA NATUREZA, UFPI/CSHNB..... 56
3.3 COMO IDENTIFICAMOS OS PROFESSORES EGRESSOS DA LEDOC?
QUAL O LÓCUS DA PESQUISA?.............................................................. 60
3.4 OS PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS........................................ 62
3.4.1 Grupo dialógico: esclarecimentos e condução do grupo............................ 62
3.4.1.1 Primeiro encontro (29/07/2019)....................................................................... 64
3.4.1.2 Segundo encontro (31/07/2019)...................................................................... 66
3.4.2 Entrevista semiestruturada.......................................................................... 69
3.4.3 Análise da carta............................................................................................. 70
4 FORMAÇÃO POR ALTERNÂNCIA......................................................... 77
4.1 A ESCOLHA PELA FORMAÇÃO.................................................................. 77
4.2 AS CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO PARA O
14
DESENVOLVIMENTO DOCENTE.............................................................. 80
5 MODOS DE SER PROFESSOR................................................................. 85
5.1 A VIVÊNCIA DA ALTERNÂNCIA NA PRÁTICA DOCENTE................... 86
5.2 A RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA.............................................................. 89
5.3 FRAGILIDADES E DIFICULDADES DA FORMAÇÃO.............................. 91
6 PRINCÍPIOS DA ALTERNÂNCIA............................................................ 96
6.1 INTERDISCIPLINARIDADE.......................................................................... 96
6.2 CONTEXTUALIZAÇÃO................................................................................ 100
6.3 PESQUISA...................................................................................................... 103
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 107
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 114
15
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem por objeto de estudo a formação docente por alternância. O
tema é foco de atenção de proposta de Mestrado em Educação, no âmbito do Programa de
Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade Estadual do Ceará (UECE), na linha
de pesquisa Formação e Desenvolvimento Profissional em Educação.
A Pedagogia da Alternância é uma metodologia de ensino que tem se consolidado
no Brasil nas escolas famílias agrícolas, principalmente a partir dos anos 1990. Este modelo
que oportuniza aos estudantes uma formação integral é resultado da luta de movimentos
sociais e de outras entidades que almejam uma educação significativa, transformadora, atenta
às reais necessidades e especificidades dos povos do campo. No ensino superior, os primeiros
cursos que adotaram os princípios de tal Pedagogia foram os cursos de Pedagogia da Terra,
desenvolvidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), em parceria com
universidades públicas, por meio do Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária
(PRONERA). O primeiro Curso de Pedagogia da Terra no Brasil foi ofertado pela
Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, no ano de 1998. (COSTA;
MONTEIRO, 2014).
O Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da Natureza, da
Universidade Federal do Piauí, iniciou as atividades no ano de 2014 e propõe, em seu Projeto
Político Pedagógico, o desenvolvimento de um ensino pautado na Pedagogia da Alternância,
visando o estabelecimento da relação família, comunidade e escola. Os períodos do curso
estão divididos em tempo-universidade, período em que os alunos estudam as teorias,
planejam e elaboram os projetos que serão desenvolvidos no tempo-universidade e tempo-
comunidade, que compreende o período no qual os alunos saem da universidade para
realização de pesquisas e desenvolvimento dos projetos, aliando, assim, a teoria com a prática
em um intercâmbio constante entre estas três instâncias da vida dos estudantes, ou seja,
família, comunidade e escola (UFPI, 2013). A primeira turma do Curso concluiu a formação
no ano de 2018.
O interesse em pesquisar a formação docente por alternância está imbricado em
minha própria história de vida, pois estudei em escola do campo e atuo como docente de
escola do campo e sou uma das egressas do Curso de Licenciatura em Educação do
Campo/Ciências da Natureza. Apresento, a seguir, fragmentos de minha trajetória, que está
entrelaçada ao objeto de estudo.
16
Nasci e cresci na zona rural, na cidade de Picos, interior do Piauí, estudei em uma
“escolinha rural1”, onde fiz até a segunda série, terceiro ano hoje. Depois de algum tempo,
voltei a frequentar este espaço na condição de professora. Minha primeira formação superior
foi no Curso de Pedagogia, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), no ano de 2004. Na
graduação, pouco se falava sobre Educação do Campo e as disciplinas não abordavam a
temática. O que vi sobre o assunto, durante essa graduação foi a partir da leitura de alguns
artigos da Lei nº 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), porém
os textos não foram discutidos nas aulas. Ao concluir o Curso de Pedagogia (2008), assumi
uma sala de aula na zona rural com alunos do 1º ano do Ensino Fundamental. Foi um
momento desafiador para mim, pois, recém-formada, me deparei com um mundo totalmente
diferente do conhecido na Universidade.
Mesmo oriunda do campo, minha vivência com as teorias da Educação do Campo
eram restritas, já que toda a minha experiência e contato com a docência tinha sido na zona
urbana, ou seja, na cidade, através dos estágios em docência que eram exigências da
graduação. Durante a minha graduação em Pedagogia, vivenciei três estágios: um em
Educação Infantil, outro em Ensino Fundamental e o último em Gestão Escolar e as
exigências da Universidade não me permitiram voltar à escola onde estudei que se situava na
comunidade onde eu morava, a fim de desenvolver esses estágios. Sendo assim, tudo que eu
aprendi como professora partiu de um paradigma urbanocêntrico, ou seja, uma educação
pensada a partir de políticas públicas voltadas para a cidade, como podemos corroborar com
Arroyo (2007) quando fala que
A Formulação de políticas educativas e públicas, em geral, pensa na cidade e nos
cidadãos urbanos como o protótipo de sujeitos de direitos. Há uma idealização da
cidade como o espaço civilizatório por excelência, de convívio, sociabilidade e
socialização, da expressão da dinâmica política, cultural e educativa. A essa
idealização da cidade corresponde uma visão negativa do campo como lugar do
atraso, do tradicionalismo cultural. Essas imagens que se complementam inspiram as
políticas públicas, educativas e escolares e inspiram a maior parte dos textos legais.
(ARROYO, 2017, p. 158)
1
Refere-se à estrutura das escolas construídas no campo, onde havia apenas uma sala de aula, unidocente, que
atendia à crianças de diversas séries e idades.
17
Acredito que as dificuldades sentidas em minha formação para uma atuação mais
efetiva em escolas da zona rural não eram exclusivamente minhas, pois, em conversas com
meus colegas, ouvia sempre relatos de que os livros não traziam nada que fizesse referência
ao local onde os alunos viviam, os conteúdos não contavam a história daqueles alunos e isso
era fator complicador no desenvolvimento das aulas, posto que sempre fossem conteúdos que
contavam a história de lugares totalmente desconhecidos dos alunos. Enquanto conheciam a
história, a cultura de outros estados, não eram capazes de reconhecer sua cultura, sua história,
dentro do livro, que carregavam consigo todos os dias. Infelizmente nós, professores, não
conseguíamos fazer a relação do conhecimento geral com o especifico, ou seja, mostrar para o
aluno a existência de um conteúdo geral, que é importante para sua aprendizagem, mas que
dentro desse todo existem as particularidades que precisam ser estudadas e preservadas.
Nesse sentido, destaco a necessidade de uma formação que seja capaz de
aproximar os conteúdos dos livros didáticos à realidade dos alunos. A Educação do Campo
oferece essa formação? Essa indagação estava sempre presente em minhas reflexões e me
mobilizava a buscar por formação. Nessa caminhada, ingressei em um Curso de
Especialização em Educação Contextualizada, experiência que abriu um horizonte de
conhecimentos, vindo ao encontro de minhas expectativas, desse modo, descobri que poderia
melhorar a minha prática pedagógica e, assim, aproximar os conteúdos dos livros didáticos ao
universo de meus alunos. Entendo que talvez eu não possa mudar o mundo no qual estão
inseridos, mas com certeza e através dos meus ensinamentos, posso contribuir para que cada
um torne o seu mundo um lugar bem melhor para se viver.
Durante o Curso de Especialização em Educação Contextualizada no Semiárido,
tive a oportunidade de desenvolver estudos sobre a realidade da vida e da educação no
Semiárido, sobre o currículo das escolas do campo, sobre as práticas pedagógicas
contextualizadas. Desenvolvi o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre a prática
dos professores e a relação com o livro didático numa escola campesina. Os resultados da
pesquisa realizada para o TCC foram publicados também no Caderno Multidisciplinar
19
Educação e Contexto do Semiárido Brasileiro2. Com o resultado dessa pesquisa, foi possível
perceber o quanto os livros didáticos encontram-se descontextualizados em relação ao campo
e que os professores se sentem presos aos conteúdos abordados no livro, não conseguindo
fazer a contextualização dos mesmos com a realidade de seus alunos, sendo necessário pensar
em uma proposta de reorientação curricular em que os livros enviados para o campo
possibilitem uma aprendizagem na qual os sujeitos se reconheçam e se sintam participantes
desse processo. Desse modo, entendo que a formação de professores é aspecto de grande
relevância. De acordo com Moura e Ferreira (2013) é preciso:
[…] repensar a formação dos professores e o processo de produção dos livros
didáticos que são adotados nas escolas campesinas e a busca pela melhoria da
qualidade do ensino devem ser uma constante na vida dos educadores. Partindo
desta concepção, entende-se que repensar a ação docente é um desafio cotidiano,
principalmente quando se almeja formar um aluno cidadão, consciente, crítico, ético,
criativo e atuante na sociedade em que vive. (p. 132)
2
MOURA, L. S.; PEREIRA, V. A. . Educação do Semiárido: a contextualização na escola campesina Expedito
Albano de Moura na interface com o uso do livro didático. Caderno Multidisciplinar, v. 1, p. 119-135, 2013.
20
Crente de que não produzimos nada sozinhas, para as discussões teóricas dessa
investigação foi necessária a realização de uma revisão bibliografia acerca da temática
investigada e embasada nas discussões já tecidas foi que dei corpo a essa pesquisa. Portanto,
esse capítulo foi organizado da seguinte forma: o primeiro tópico traz o resultado de uma
pesquisa realizada através do desenvolvimento do Estado da Questão que, de acordo com o
que diz Therrien-Therrien,:
É uma maneira que o estudante/pesquisador pode utilizar para entender e conduzir o
processo de elaboração de sua monografia, dissertação ou tese, ou seja, de produção
científica com relação ao desenvolvimento de seu tempo de seu tema, objeto de sua
investigação. É o modo particular de entender, articular e apresentar determinadas
questões mais diretamente ligadas ao tema ora em investigação. (THERRIEN-
THERRIEN, p.34, 2010)
(MACHADO, 2016, p. 1634). Ela fala em sua entrevista da importância da formatação dos
cursos de formação de professores serem feitos junto com os movimentos sociais do campo.
Detogni e Zancanella (2016) buscam no texto entender como se dá a formação
inicial e continuada dos professores e monitores da Casa Familiar Rural de Coronel Vivida,
no Paraná, relacionados à Pedagogia da Alternância, e como esses professores vêm
trabalhando na prática com essa pedagogia. As autoras trazem uma discussão sobre a
formação desses professores e da necessidade dos mesmos passarem por uma graduação
dentro da perspectiva da Pedagogia da Alternância para poderem, em suas práticas,
desenvolverem os princípios dessa metodologia. Os resultados dessa pesquisa evidenciam que
todos os professores da Escola Familiar Rural do município não possuem graduação dentro da
abordagem da Pedagogia por Alternância, muitos desses professores não passaram por uma
formação continuada por Alternância e que há mais de seis anos não acontece nenhuma
formação dentro dessa metodologia.
Sousa (2014) objetiva através de sua pesquisa analisar as práticas pedagógicas
estruturadas e desenvolvidas pelos professores e monitores que trabalham com a Alternância
no Ensino Médio, na Escola Família Agrícola de São João do Garrafão, Espírito Santo. A
autora fala no seu texto de alguns dos instrumentos pedagógicos, os quais esses professores e
monitores utilizam para desenvolver suas aulas e que esses instrumentos na visão dos
professores auxiliam na aproximação entre o conhecimento e as vivências dos alunos. O texto
fala da importância do Plano de Formação como meio de integrar a escola a família e o
trabalho, um dos princípios fundamentais da Pedagogia da Alternância.
Souza (2012), em seu texto, fala da formação do Professor inicial da Educação
Física, de como essa forma se dá em espaços alternados e a própria autora frisa de que essa
configuração em nada se compara com a Pedagogia da Alternância. A “formação em
Educação Física da IES está em um currículo que abarca saberes, competências e atividades
que apenas remetem aos modelos de formação em alternância, porém a Pedagogia da
Alternância não é estabelecida.” (SOUZA, 2012, p. 5).
Detogni (2017), através de sua pesquisa, tem por objetivo analisar a relação entre
trabalho e a Pedagogia da Alternância nas escolas Familiares Agrícolas e a concepção que
fundamenta a formação nas escolas que adotam a alternância e se esta possibilita uma real
conexão entre o trabalho e o conteúdo do ensino.
Jesus (2011) diz que a Alternância exerce uma função “metodológica e
pedagógica no processo formativo dos educandos” e faz uma discussão sobre a importância
31
da formação dos jovens das Escolas Agrícolas por alternância e essa tem por objetivo oferecer
formação integral aos sujeitos do campo. O texto trata da Pedagogia da Alternância como um
método em construção que, apesar de não ser uma prática nova, ainda há muita dificuldade
em compreender sua interferência na formação escolar.
Carvalho (2009), na sua dissertação, fala de um modelo de educação no Brasil que
forma para o meio agrícola e não para o campo, descreve todo um contexto histórico sobre a
Educação do Campo e a exclusão que esse modelo impõe aos jovens do campo e faz críticas
ao modelo educacional domesticador dos povos do campo e apresenta o PRONERA como um
meio de promover o debate sobre modelo educacional que se quer produzir nas escolas. O
autor fala em seu texto da Pedagogia da Alternância como um modelo de formação
educacional que se opõe a esse modelo formal de Educação predominante no Estado do Pará.
Portanto, veicula a Pedagogia da Alternância como referência no processo de formação
educacional, humana, profissional e histórico-cultural dos educandos.
Os achados através dessas plataformas de busca contribuíram de forma
significativa para que se determinasse o que já vem sendo discutido a respeito da temática e o
que ainda precisa ser debatido para o aprimoramento do que já se tem produzido a respeito do
assunto, assim como construir um novo conhecimento que seja relevante e importante para a
formação profissional e educacional em relação à formação por alternância, temática
investigada neste estudo.
Através da leitura de todos os textos foi possível perceber como a Pedagogia da
Alternância vem sendo discutida no que diz respeito a sua aplicabilidade, seu
desenvolvimento enquanto metodologia de ensino em sala de aula e nas escolas famílias
agrícola. Deixando uma lacuna em aberto: quando se trará da formação dos professores por
Alternância e é partindo desse achado que desenvolvi essa pesquisa, procurando compreender
e esclarecer de que forma os professores vêm sendo formados em regime de Alternância.
Na próxima seção, trago discussões sobre concepções e princípios da pedagogia
da alternância e da Educação do Campo.
medida em que iam avançando nos estudos, eram obrigados a deixar o campo. Nesse período,
a situação social e econômica da França era de total abandono por parte do Governo e, por
entender que a educação oferecida a seus filhos não atendia as suas necessidades e que só os
afastavam do campo, os agricultores se uniram e procuraram a igreja para pensar na
possibilidade de uma educação que valorizasse o homem do campo, uma educação que fosse
voltada para às necessidades dos jovens filhos dos agricultores que não comprometesse suas
relações com seus espaços de convivência e que garantisse a permanência dos jovens no
campo(Nosella, 2007). De acordo com Nascimento (2005):
Em relação à educação, os filhos/as dos camponeses/as franceses tinham duas
opções: ficar na propriedade dos pais, com a família e trabalhando de sol a sol, ou de
frio a frio, ou então, ir para as cidades onde tinham escola pública, saindo da
realidade familiar rural e cultural que os cercava até este momento. (...). Alguns
afirmam que os pais camponeses da França da década de 30 não queriam que seus
filhos/as fossem estudar na cidade por medo de voltarem renegando a cultura e a
dura realidade do meio rural. (2005, p. 34).
Percebe-se, no escrito acima, a preocupação dos agricultores com seus filhos, que
teriam que deixar suas propriedades para estudar, mas principalmente a preocupação com o
tipo de educação que esses jovens teriam longe de suas origens. Os mesmos tinham
consciência de que a educação oferecida pelo Estado não atendia aos seus anseios e
começaram então a pensar e desenvolver uma educação que tivesse a participação de todos,
ou seja, pais, alunos, organizações locais e a comunidade escolar. Dessa forma, desenvolver
uma educação atrativa para os jovens e com conteúdos significativos e que estivessem
relacionados com o seu cotidiano, uma educação que despertasse o senso crítico desses
sujeitos e que valorizasse suas culturas. Portanto, os agricultores, segundo Gimonet (1999, p.
40) “[…] fora de estruturas escolares e sem referência pedagógica, inventaram uma forma de
educação que seus filhos não recusariam por que ela responderia as suas necessidades
fundamentais”.
A Pedagogia da Alternância chegou ao Brasil no ano de 1968, através das Escolas
Família Agrícola e as Casas Familiares Rurais no interior do Espirito Santo. Tomando como
base o livro de Paolo Nosella (2007), é possível compreender como se deu o processo de
introdução da Pedagogia da Alternância no Brasil. De Acordo com Nosella (2007), foi através
de um encontro com um Padre Jesuíta italiano, que conhecia a realidade do interior do
Espirito Santo, que surgiu a necessidade de fazer algo para mudar a situação socioeconômica
em que se encontrava aquela população, ele procurou desenvolver parcerias e ações que
pudessem contribuir para o desenvolvimento da população capixaba em sua maioria formada
por imigrantes italianos. Como forma de viabilizar essa ideia, foram criadas duas entidades:
33
acordo com a realidade local e que visa à transformação socioeconômica e política dos povos
do campo.
No Brasil, essa pedagogia é recomendada como uma metodologia a ser adotada
nas escolas do campo, pelo Parecer CEB/CNE Nº 01/2006, do Conselho Nacional de
Educação (BRASIL, 2006). Porém, poucas são as experiências em que podemos vivenciar a
aplicação dessa metodologia. É possível encontrar a aplicação da Pedagogia da Alternância
em alguns estados do Brasil através das Escolas Família Agrícola, porém, levando em
consideração a extensão territorial à qual pertencemos e o tamanho da área rural que existe
nos municípios brasileiros, é provável que essa metodologia esteja sendo desenvolvida apenas
em algumas escolas e de forma isolada.
Contradizendo o Parecer, Nosella (2007) afirma que a Pedagogia da Alternância
foi idealizada para ser um novo modelo de educação, uma educação participativa, crítica e
libertadora que oportunize ao povo do campo a construção de seu conhecimento, partindo da
sua realidade, considerando seus costumes, que aproxime a comunidade da escola, que utilize
os conhecimentos locais do ambiente escolar, relacionando a teoria com a prática, ação
reflexão dentro do processo de aprendizagem. Para Nosella (2007, p. 81) “o objetivo da
Pedagogia da Alternância não foi o de melhorar a escola tradicional, mas sim, criar outra
escola”. Uma escola que não apenas reproduza a educação dos centros urbanos, mas que
mostre as potencialidades existentes no campo e que favoreça o acesso e permanência dos
jovens campesinos nos processos escolares.
A Pedagogia da Alternância nasce imbricada à Educação do Campo. O campo é
um espaço onde a educação sempre foi pensada nos moldes urbanos para atender aos
interesses do capital. Os povos do campo são vistos apenas como mão de obra, sujeitos sem
condições de aprender, por isso não necessitavam estudar, apenas trabalhar. Partindo desse
entendimento, a educação que chega ao campo nada tem a ver com sua realidade, seus
hábitos, sua cultura, como podemos comprovar na fala a seguir:
O modelo educativo que subsidia a educação para os povos do campo distancia-se
dos hábitos, das tradições, dos costumes, enfim, do modo de ser dessa realidade, e
centra-se em bases que não fortalecem a sua cultura, vendo o campo apenas como
espaço de produção e os camponeses como sujeitos desta produção, base que está
fundamentada nos ideais do capitalismo que, por sua vez, negligencia o
desenvolvimento humano. (COSTA; CABRAL, 2016, p. 180).
campo, uma educação que não fosse apenas domesticadora, mas que oportunizasse ao homem
do campo ser um sujeito ativo na construção do seu conhecimento, defendem que só a
educação é capaz de transformar a condições sociais nas quais se encontram os povos do
campo, permitindo assim as classes populares uma consciência política e social e maior
participação nas transformações capitalistas presentes na sociedade brasileira. (QUEIROZ,
2011).
A Educação do Campo sempre foi motivo de luta e como diz Caldart (2009, p. 39)
“a Educação do Campo nasceu como crítica à realidade da educação brasileira,
particularmente à situação educacional do povo brasileiro que trabalha e vive no/do campo.”
Corroborando o pensamento da autora podemos dizer que a Educação do Campo nasce da
necessidade de um povo que clama por políticas públicas que garantam o seu direito à
existência, que promova a reforma agrária, democratize o Estado, que promova a igualdade
social e que enxergue os povos do campo como sujeitos políticos, críticos e ativos no
desenvolvimento da sociedade, portanto, a crítica se dá a um modelo de governo que promove
a exclusão dos povos do campo, principalmente, através da educação. Um governo que não
pensa as diversidades e insiste em desenvolver uma educação que beneficia apenas a
burguesia brasileira, uma educação que cria mão de obra barata, que oprime o homem do
campo, mantendo-os a parte de toda e qualquer forma de direito. Portanto:
A Educação do Campo surgiu em um determinado momento e contexto histórico e
não pode ser compreendida em si mesma, ou apenas desde o mundo da educação ou
desde os parâmetros teóricos da pedagogia. Ela é um movimento real de combate ao
‘atual estado de coisas’: movimento prático, de objetivos ou fins práticos, de
ferramentas práticas, que expressa e produz concepções teóricas, críticas a
determinadas visões de educação, de política de educação, de projetos de campo e de
país, mas que são interpretações da realidade construídas em vista de orientar
ações/lutas concretas. (CALDART, 2009, p. 40)
forma mão de obra barata para atender aos anseios do mercado capitalista. (CALDART,
2009).
A Educação do Campo defendida pelos movimentos sociais é a que luta pela
construção de escolas no e do campo, que pensa em um currículo que compreenda a realidade
campesina, que politize o homem do campo, que promove emancipação política e social do
homem campesino, uma educação que promova a reforma agrária, a soberania alimentar e
energética, a preservação da biodiversidade e que respeite o meio ambiente, que garanta
universalização do ensino, acesso ao ensino superior e que pense em Políticas Públicas
permanentes e globais para o campo.
É nesse entrelaçar de lutas e ideias que a Educação do Campo e a Pedagogia da
Alternância se encontram. Enquanto uma se configura como Política Pública e a outra como
metodologia de ensino, elas possuem princípios em comum que buscam o bem estar e a
emancipação do homem do campo. A Pedagogia da Alternância se desenvolve
intrinsecamente no campo, na luta por uma educação que garanta ao homem do campo a
construção do conhecimento a partir da sua realidade, sua cultura, uma educação que forme os
sujeitos do campo para serem atuantes dentro e fora de suas comunidades, que compreenda a
importância da formação acadêmica, mas sem perder de vista a importância da formação para
a militância junto aos movimentos sociais, uma educação que traz a luz o homem do campo,
ou seja, que forma dentro de uma consciência crítica e política, oportunizando aos sujeitos do
campo a participação nas construções estruturais, econômicas e sociais da sociedade
brasileira, que o mesmo possa atuar em todas as esferas do desenvolvimento nacional.
De acordo com Caldart (2009),
Na sociedade em que estamos e numa correlação de forças tão desfavorável aos
trabalhadores e à própria ideia de transformações sociais mais radicais, não se espere
que o Estado brasileiro, e nem mesmo que os ‘governos de plantão’, aceitem
(primeiro) uma política de educação que tome posição (prática) por um projeto
popular de agricultura, de desenvolvimento do campo, do país, que ajude a formar
os trabalhadores para lutar contra o capital e para construir outro sistema de
produção, outra lógica de organização da vida social (que é exatamente o objetivo
originário da Educação do Campo). E (segundo) que aceitem os movimentos sociais
como protagonistas da Educação do Campo, que aceitem os trabalhadores pobres do
campo como sujeitos da construção (forma e conteúdo) de políticas públicas, ainda
que específicas para sua própria educação. Se fosse assim, a hegemonia do Estado já
seria outra. (CALDART, 2009, p. 53)
é motivo para desânimo e sim para ampliar a organização, encontrando estratégias, a fim de
continuar progredindo na construção do projeto de educação que queremos para o campo.
3
Plano de Estudo da Companhia de Jesus, caracteriza-se como um manual prático que preconiza métodos de
ensino e orienta o professor na organização de sua aula.
39
Saviani (2007) nos ajuda a compreender que a Educação no Brasil desde seu
início não foi pensada de forma a buscar o desenvolvimento e a autonomia dos sujeitos, mas
pensada para atender às necessidades de uma determinada sociedade. Uma educação sempre
voltada para a elite, que funcionava como forma de controle e poder sobre as demais classes
sociais. Uma educação domesticadora, em que os sujeitos participantes deveriam agradecer,
pois eram seres escolhidos por Deus para receber tal instrução, portanto, não cabia reclamar
nem questionar o modelo e os meios pelos quais era oferecida.
Desde a Colonização, a educação brasileira passou por mudanças significativas,
vivenciando avanços, mas também retrocessos em diferentes períodos da história. Dentre as
conquistas da educação brasileira destaco a criação do Ministério da Educação (1930), a
Constituição Federal (1988), a Lei de Diretrizes e base da Educação Nacional (1996), as
Diretrizes Curriculares Nacionais (1998), o Plano Nacional de Educação (2001), dentre
outras. Com a aprovação da Lei Nº 9.394/96 (LDB) pela primeira vez a educação foi pensada
de forma igualitária e para todos. Portanto, é através dessa lei que importantes mudanças
começaram a surgir na educação tanto no tocante a formação como na estruturação do sistema
de ensino no Brasil.
ainda são grandes os desafios enfrentados pela educação brasileira, pois tais
mudanças não deram conta de pensar e de fazer avançar uma educação de qualidade para toda
a população e, desse modo, muitos continuam excluídos ou recebendo uma educação que não
atende as suas necessidades e realidades; como exemplo, temos a educação ofertada aos
povos do campo. O campo sempre foi visto como um espaço de desigualdades sociais visto
apenas como um meio de produção e neste sentido, a educação continua promovendo a
exclusão e desfavorecendo a grande maioria da população que vive no campo, servindo
apenas para atender as necessidades da elite brasileira, conforme nos ensina Silva (2014). No
mesmo sentido, Alcântara (2017) afirma que: “Assim, desde a colonização até na atualidade,
a educação, quando oferecida para as classes sociais menos favorecidas, é carregada de
interesses, que fogem dos objetivos sociais que lhe circundam”. (ALCÂNTARA, 2017, p.
183)
40
Fazendo uma rápida viagem no tempo, para melhor entender como a educação
destinada as pessoas que moram no campo se constituiu, as primeiras iniciativas de educação
formal campesina foram as “escolinhas das fazendas4” em (1930). Essas escolas se
constituíam de uma sala de aula, criada por um fazendeiro apoiado pelos demais, que
contratava uma professora para ensinar as crianças. O material escolar muitas vezes era
fornecido pelo dono da fazenda e a estrutura era bastante precária, não havia carteiras para os
alunos, os pais eram quem confeccionavam bancos para os mesmos sentarem durante as aulas.
As casas eram de palhas, taipa, chão de barro batido e era ensinado somente o básico, leitura,
escrita, as quatro operações, noções de história pátria e geografia do Brasil (SILVA, 2014).
De acordo com Alves (1998, p. 118) “uma vez que nas escolas isoladas e rurais,
além da falta de condições materiais, os professores eram, na maioria, despreparados para o
magistério”, mais tarde, as escolinhas rurais foram substituídas por uma educação de modelo
rural, a qual reproduzia a educação urbana. Segundo Costa e Cabral (2016)
A Educação Rural pensa o campo como espaço de produção, as pessoas serão
vistas como recursos humanos, pois está baseada no pensamento latifundiário do
controle político sobre a terra e as pessoas, sem perspectivas de desenvolvimento e
emancipação humana, mas na preparação da força de trabalho. Na perspectiva
desse paradigma, a educação é pensada para atender às demandas do capitalismo,
do mercado de produção, constituindo-se em mecanismo de alienação para a
reprodução da classe dominante. (COSTA ; CABRAL, 2016, p. 184)
Sendo assim, não levava em conta a realidade cultural dos sujeitos do campo,
contribuindo para a negação desses sujeitos. Além disso, pouco considerava a realidade do
contexto, limitando as formas de intervenção nos espaços em que acontecia. Conforme
Queiroz (2014) a história da educação rural no Brasil foi de negação de direitos aos
agricultores, por parte das ações e das políticas governamentais. O autor continua explicando
que a educação também se caracteriza pela luta por parte de organizações e entidades dos
agricultores. Ele diz:
[…] constata-se, sobretudo nas três últimas décadas do século XX, toda uma
movimentação e organização por parte das organizações e entidades dos
agricultores, não apenas por uma educação rural, mas por uma educação do campo.
Estas lutas fazem parte do conjunto de iniciativas e ações contra a concentração da
terra, do poder e do saber. (QUEIROZ, 2014, p. 39)
4 Uma escola rural típica, acomodada nos interesses e necessidades da região a que fosse destinada [...] como
condição de felicidade individual e coletiva (CALANZAS, 1993, p. 18).
41
anos nunca foi prioridade para o governo, como podemos perceber através do relato da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI).
Constata-se, portanto, que não houve historicamente empenho do Poder Público para
implantar um sistema educacional adequado às necessidades das populações do
campo. O Estado brasileiro omitiu-se: (1) na formulação de diretrizes políticas e
pedagógicas específicas para as escolas do campo; (2) na dotação financeira que
possibilitasse a institucionalização e manutenção de uma escola com qualidade; (3)
na implementação de uma política efetiva de formação inicial e continuada e de
valorização da carreira docente no campo. (BRASIL, 2005, p. 7).
A partir da década de 1970, o Brasil passa por sua maior privação de direitos
políticos e civis, no entanto, esse período também é marcado pelas “lutas e resistências
coletivas, em busca do resgate de direitos da cidadania cassada e contra o autoritarismo
vigente” (GOHN, 2001, p. 53), portanto, foi nessa época que os movimentos sociais se
organizaram. Dentre esses movimentos a Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização da
Igreja Católica, que contava com participação de outras igrejas, em defesa dos posseiros, na
luta pela reforma agrária e pela permanência, teve uma participação muito importante na luta
por educação para a população do campo (QUEIROZ, 2014).
O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é outro importante
movimento que luta em defesa de uma educação voltada aos sujeitos do campo e de uma
escola que imprima uma metodologia diferenciada, capaz de atender e compreender os
anseios e lutas dos povos campesinos. Ainda de acordo com Queiroz (2004), as articulações
desse movimento junto às demais entidades contribuíram para a aprovação, em 2002, no
Conselho Nacional de Educação, das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo.
Durante o processo de institucionalização e desenvolvimento da Educação do
Campo, foram realizadas duas Conferências. A I Conferencia aconteceu em 1998 e a II
Conferência Nacional por uma Educação do Campo foi realizada no ano de 2004 e contou
com a participação dos Movimentos Sociais, Movimento Sindical e Organizações Sociais de
Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação; Universidades, ONGs e Centros
Familiares de Formação por Alternância; secretarias estaduais e municipais de educação e
outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à educação e ao campo; trabalhadores
e trabalhadoras do campo, educadoras e educadores, educandas e educandos de comunidades
camponesas, ribeirinhas, pesqueiras e extrativistas, de assalariados, quilombolas e povos
indígenas (II CNEC, 2004).
Uma importante conquista para o desenvolvimento da Educação do Campo foi à
criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão –
42
SECADI5, no ano de 2004, órgão que tem dentre suas funções transformar as pautas
discutidas entre os movimentos da Educação do Campo em “Políticas públicas coerentes e
articuladas que contribuam para superação das desigualdades educacionais, resgatando e
fortalecendo a dimensão inclusiva e emancipatória da educação” (BRASIL, 2004). E foi
através das discussões entre SECADI e Movimentos Sociais que algumas ações foram
transformadas em políticas públicas voltadas aos sujeitos do campo. Dentre essas políticas
destaco: (a) as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo (2002),
são orientações para a Educação Básica dos sistemas de ensino para a organização,
articulação e desenvolvimento das propostas pedagógicas nacionais; (b) o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), em 2010, que propõe e apoia projetos de
educação voltados para o desenvolvimento das áreas de reforma agrária; e, (c) a criação e
implantação do Curso de Licenciatura em Educação do Campo em várias Instituições
Federais (2012). Portanto, o Curso de Licenciatura em Educação do Campo é resultado da
ação do PRONERA (2010) junto com a SECADI, que tem por objetivo formar professores
para atuarem na Educação Básica nas escolas do campo e propõe uma metodologia de ensino
que aproxima os sujeitos de sua realidade, ou seja, procura fazer a relação entre os conteúdos
aprendidos em sala de aula com o seu mundo de vida, uma educação que enxerga seus
sujeitos a partir da realidade onde estão inseridos interligando trabalho, formação e
comunidade.
Considerando que qualquer pedagogia deve partir de alguns princípios
norteadores, que geralmente são estabelecidos a partir da realidade e dos homens que nela
vivem é que se estabeleceram os princípios da Educação do Campo. Destaco, dentre esses os
seguintes princípios: a) o princípio da interdisciplinaridade, que integra os diversos saberes e
experiências a partir do contexto local; b) princípio do ensino com pesquisa, que entende que
o ensino deve partir da investigação da realidade onde está inserido o sujeito que se educa; c)
princípio da indissociabilidade entre educação e trabalho, tendo como referência a imbricação
dessas duas dimensões da vida com a terra e o meio ambiente; d) princípio da educação
ampliada, que não pode se restringir ao espaço escolar (GHEDIN, 2012). Note-se que estes
princípios partem da relação entre família, escola e trabalho, mediada pela lida com a terra e
com o meio ambiente.
5
Em 2004 não recebia essa nomenclatura, pois não tinha o “I” de inclusão que foi inserido posteriormente.
43
aluno, seus modos de vida e a socialização do conhecimento adquirido junto a sua família, a
escola, colegas e com todos os envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem. Para
Lima (2013), [...] “novos desafios são colocados aos profissionais de educação do campo
devido à necessidade de repensar as práticas educativas e curriculares desenvolvidas nas
escolas do campo para atender aos desafios conjunturais vivenciados pelos camponeses”.
(LIMA, 2013, p. 610)
Os princípios da Educação do Campo revelam, portanto, preocupação em formar
o docente para atender à realidade de seus alunos. Exige, assim, uma formação de professores
que busque uma educação emancipadora, que construa novos projetos educativos, que permita
aos discentes e docentes a compreensão e vivência plena das diversidades socioculturais,
ambientais e organizativas dos povos do campo, preparando os mesmos para serem
“protagonistas das políticas de desenvolvimento sustentável construídas de forma coletiva nas
áreas rurais” (LIMA, 2013, p. 609).
Uma das normas da Educação do Campo, conquistada através de processos de
luta e resistência dos povos do campo, que precisa agora ser aplicada na prática, define
através do Decreto Nº 7.352, de 04 de novembro de 2010:
Art. 2º - ...
III - desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação para
o atendimento da especificidade das escolas do campo, considerando-se as
condições concretas da produção e reprodução social da vida no campo.
Art. 4º -...
VI - formação inicial e continuada específica de professores que atendam às
necessidades de funcionamento da escola do campo; (BRASIL, 2010, p. 82)
Comum (BNCC), que recria a experiência de séries no ensino fundamental, conflitando com a
lógica pedagogicamente mais avançada de ciclos. Orientada por supostos direitos de
aprendizagem, a BNCC reduz o trabalho pedagógico dos professores, a uma lista de
conteúdos que devem ser cumpridos e transmitidos, tornando o processo de ensino-
aprendizagem mimético, irrefletido e irrealizável. Além disso, a possibilidade de “reformas”,
como a da Reforma da previdência que, dentre outros agravamentos, acaba com a
aposentadoria especial dos professores, em que estão sendo pensadas e implantadas no Brasil
atualmente, explicitando o pouco compromisso com a Educação e com a figura do professor.
Em relação à Educação do Campo, tais medidas continuam a exclui- la do cenário
de formação nacional e ameaçam as políticas públicas de formação para os povos do campo,
conquistas que aconteceram a “duras penas” pelos movimentos sociais do campo.
Essas mudanças vêm causando preocupações em relação aos rumos a profissão e a
formação docente e, principalmente, no que se refere a formação inicial, quando os
investimentos nas universidades e nas pesquisas têm sido reduzidos, o docente vem sendo
cerceado em sua fala e autonomia, sendo este a figura mais criticada e culpabilizada pelo
fracasso em relação às aprendizagens escolares no país. Gatti (2010) explica que toda essa
preocupação não deve ser reputada somente ao professor
Múltiplos fatores convergem para isso: as políticas educacionais postas em ação, o
financiamento da educação básica, aspectos das culturas nacional, regionais e locais,
hábitos estruturados, a naturalização em nossa sociedade da situação crítica das
aprendizagens efetivas de amplas camadas populares, as formas de estrutura e gestão
das escolas, formação dos gestores, as condições sociais e de escolarização de pais e
mães de alunos das camadas populacionais menos favorecidas (os “sem voz”) e,
também, a condição do professorado: sua formação inicial e continuada, os planos
de carreira e salário dos docentes da educação básica, as condições de trabalho nas
escolas. (GATTI, 2010, p. 1359)
Tal cenário torna-se ainda mais preocupante, pois, como se sabe, os cursos de
licenciatura apresentam diversas fragilidades, sendo apontadas, inclusive, por especialistas há
muito tempo. De acordo com Gatti (2010), os cursos de formação de professores apresentam
currículos fragmentados, com ementas dispersas, sem muita relação entre si, as disciplinas
não conseguem aproximar teoria e prática, os conteúdos, de um modo geral, são superficiais e
as horas dedicadas às disciplinas específicas da formação de professores são insuficientes. É
preciso, pois, lançar um olhar mais apurado para a formação dos profissionais que irão atuar
na Educação Básica.
Ainda segundo a autora, os cursos de formação de professores pouco têm
contribuído para a construção de uma nova identidade profissional docente, uma vez que essa
47
6
Por acontecer nas vivencias dos sujeitos dentro dos movimentos sociais (sindicato, igreja, associações etc.),
portanto um conhecimento que se dá fora das instituições não formais de ensino.
49
de se entender a Educação além dos limites da sala de aula e, mais ainda, a participação
efetiva da instituição na comunidade em que está inserida.
Portanto, um modelo de Educação que requer uma metodologia que comungue
dos mesmos objetivos, por isso que a Pedagogia da Alternância é importante nesse processo,
por que é uma metodologia de ensino que visa o desenvolvimento dos sujeitos, que procura
aproximar o conhecimento a realidade na qual esses sujeitos estão inseridos e luta por uma
educação democrática e emancipadora, oportunizando ao homem do campo autonomia na
construção do seu conhecimento e seu desenvolvimento profissional.
Partindo dessa perspectiva é que a Pedagogia da Alternância se apresenta como
um novo modelo de formação educacional baseada na reflexão sobre a prática docente, a fim
de proporcionar-lhes subsídios teóricos e práticos que lhes possibilitassem pensar, avaliar,
refletir e repensar a sua própria prática docente de maneira a viabilizar mudanças
significativas no processo de ensino e aprendizagem. Como diz Carvalho (2005, p. 20) a
“mudança só se efetivará à medida que o professor ampliar sua consciência sobre a própria
prática, visto que ‘pensar a prática’ é o ponto de partida para alterá-la. O alargamento da
consciência, por sua vez, se dá pela reflexão que o professor realiza de sua ação”.
A partir do exposto fica claro que o campo precisa de um projeto de formação
diferenciado e de profissionais que atuem concretamente nessa realidade, que compreendam
os povos do campo como sujeitos de direitos e agentes construtores de seu conhecimento.
Sendo assim, concordamos que:
Entre o dito e o não dito, a conclusão é óbvia: a formação de professores será
sempre importante para qualquer mudança educacional, sobretudo para a melhoria
da qualidade do ensino. E pensar a qualidade da educação no contexto da formação
de professores significa colocar-se a disposição da construção de um projeto de
educação cidadã que propicia condições para a formação de sujeitos históricos
capazes de, conscientemente, produzir e transformar sua existência. (CARVALHO,
2007, p.06).
Nesse sentido, defender uma educação libertadora exige resistir ao atual projeto
político apresentado pelo governo federal, que busca desmoralizar a Educação Pública através
de medidas provisórias e decretos que congelam investimentos na educação; promovem a
precarização das instituições públicas; desvalorizam o professor; fecham escolas do campo;
criminalizam movimentos sociais e promovem a privatização do ensino público em todas as
suas etapas e níveis.
Ouvir os sujeitos envolvidos numa proposta formativa que toma como referência
a Pedagogia da Alternância, a fim de compreender como significam essa experiência, se
apresenta como uma atividade importante na luta por uma educação emancipadora.
51
Esses são aspectos que se tornam importantes para que o professor, ao atuar na
escola do campo, compreenda a sua prática profissional e entenda a si como docente. Para
trabalhar no campo o professor precisa se desprender de preconceitos, conhecer a realidade do
campo e, principalmente, conhecer os sujeitos com os quais ele vai manter um vínculo direto,
portanto, para que haja a aprendizagem e para que essa metodologia funcione é preciso que
professores e alunos se reconheçam como sujeitos pertencentes a uma mesma realidade.
Um dos princípios que orientam a formação nos cursos de Licenciatura em
Educação do Campo é o respeito à diversidade cultural e às especificidades de cada contexto
sociocultural. E um dos principais elementos constituintes do currículo é a organização por
alternância, possibilitando o exercício do diálogo entre os conteúdos científicos desenvolvidos
durante o tempo-universidade, com os saberes constituídos nas experiências cotidianas dos
sujeitos durante o tempo-comunidade.
Após a formação, espera-se que os egressos consigam realizar o mesmo
movimento em suas práticas profissionais cotidianas, ou seja, que eles consigam promover o
diálogo com a comunidade e seus saberes e que os estudantes consigam aprender a partir de e
com a sua cultura, ou seja, que os elementos de sua formação relacionados à Pedagogia da
Alternância possam estar presentes nos seus modos de ensinar na Educação Básica.
Assim mesmo acontece com a cultura docente, a formação é contínua, pois ao
assumir a profissão o docente se defronta diariamente com novos desafios, problemas, que
exigem a aprendizagem de conceitos e modos de fazer diferentes, mas construídos sobre o
arcabouço pré-existente, aprendido em experiências anteriores, que constituirão a sua
identidade.
Para entendermos a constituição dos docentes provenientes do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da Natureza, do CSHNB/UFPI, observaremos
duas dimensões da vida dos sujeitos: a) a relação com o contexto cultural em que se inserem;
52
Tendo como objeto de estudo a formação por Alternância e, por objetivo maior,
compreender de que modo a formação por alternância tem repercutido no modo de ser
professor dos alunos egressos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da
Natureza, do CSHNB/UFPI, sobre a formação que receberam baseada na Pedagogia da
Alternância, atino para o fato de ser o estudo de caso o caminho mais adequado para
atingirmos os objetivos delineados. Entendendo que assim, é possível responder à pergunta
principal dessa pesquisa, como também o meio a percorrer para atingir os objetivos e desvelar
o objeto de estudo. O estudo de caso se diferencia de outras metodologias por permitir ao
pesquisador uma investigação de forma particular, onde o seu objeto de estudo pode ser
investigado e interpretado a partir de sua interação com sua realidade e contexto. (ANDRÉ,
1995).
55
Outra caraterística importante para uma pesquisa ser designada como estudo de
caso é o tipo de questão levantada. De acordo com Yin (2004, p. 25), “questões do tipo
‘como’ e ‘porque’ são mais explanatórias, e é provável que levem ao uso do estudo de caso”,
isso devido à abrangência dos questionamentos. Portanto, este estudo será norteado pela
seguinte questão central: como os egressos do Curso de Licenciatura em Educação do Campo
significam a formação que receberam baseada na Pedagogia da Alternância e de que modo
esta tem repercutido em seus modos de ser professor?
Nessa pesquisa assumo como caso três professoras egressas do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da Natureza, do CSHNB/UFPI, que atuam na
Educação Básica no município de Picos, Piauí.
No tópico a seguir apresento o contexto do estudo e descrevo como se deu a
escolha dos sujeitos dessa pesquisa.
Neste sentido se faz necessário pensar em uma política de Estado que garanta
formação aos povos do campo através de um projeto educacional pensado e estruturado pelos
povos do campo, junto aos órgãos governamentais, que tenha como objetivo fazer com que
estes povos se reconheçam como protagonistas na construção do seu conhecimento e que o
exercício de ensinar e aprender aconteça dentro da realidade campesina, levando em
consideração toda a sua diversidade cultural e social.
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) começou a
ser gestado no I Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária, em
1997, oportunidade em que se comemorou os 10 anos do MST. O encontro contou com a
participação de inúmeras universidades que discutiam a questão da Reforma Agrária
isoladamente, foi então que se percebeu a necessidade de pensar um modo de articular essas
entidades que se mostravam parceiras na construção de um projeto de educação democrático e
universal para os povos do campo. Portanto, o PRONERA foi constituído em 16 de abril de
1998, através da Portaria Nº 10/1998, do então Ministério Extraordinário da Política Fundiária
e tem por objetivo promover a educação nos assentamentos de Reforma Agrária, estimulando,
propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando
metodologias específicas para o campo. (MOLINA; ROCHA, 2014)
Foi através do PRONERA que nasceu o primeiro curso de formação superior para
a Educação do Campo, o Curso de Pedagogia da Terra, que tinha como “objetivo ampliar a
oferta da educação básica no meio rural, com a formação de educadores dessas próprias
comunidades” (MOLINA; ROCHA, 2014, p. 231). Foi através das experiências em formação
de educadores do PRONERA que surgiu a necessidade de ampliar a formação para os
educadores que fazem parte da Educação Básica nos assentamentos e comunidades do campo.
A partir dessa experiência do PRONERA foram instituídos os quatro primeiros
Cursos de Licenciatura em Educação do Campo, que funcionaram como experiências
pioneiras e pilotos. Para isso foram convidadas em 2007, pelo Ministério da Educação, as
Universidades Federais de Minas Gerais, Brasília, Bahia e Sergipe, para materializarem esse
desafio devido as suas experiências em atividades de extensão voltadas para Educação do
Campo. Nasceu então, como uma das ações do Programa Nacional de Educação do Campo
(PRONACAMPO), o Programa de Apoio a Formação Superior em Licenciatura em Educação
do Campo (PROCAMPO), que tem por objetivo estabelecer metas para a Formação de
58
O Curso tem por objetivo formar professores para atuarem nas escolas do campo e
visa atender as populações do campo: ribeirinhos, assentados, atingidos por barragens, filhos e
filhas de agricultores, quilombolas, técnicos e professores das áreas rurais, educadores da
Associação Piauiense da Escola Família-Agrícola e assalariados rurais, dentre outros, público
que historicamente foi e é excluído do sistema educacional brasileiro (Educação Básica e
Superior). Justifica-se, principalmente, pela falta de professores qualificados para atuarem em
escolas do campo.(UFPI, 2013)
Essa pesquisa trata especificamente do Curso de Licenciatura em Educação do
Campo/Ciências da Natureza, no campus Senador Helvídio Nunes de Barros, na cidade de
Picos, localizada no centro sul piauiense, que se apresenta como cidade pólo para diversas
outras cidades e como centro de referência em Educação, por abrigar várias Instituições de
Ensino Superior (IES). Picos é uma cidade onde há predominância da cultura campesina,
portanto, um cenário propício para o desenvolvimento do curso.
Trata-se de um curso de caráter regular, que possui como uma das suas principais
características a organização por Alternância, isto é, uma metodologia de ensino que consiste
em alternar os diferentes tempos e espaços da vida dos sujeitos, procurando desenvolver uma
formação a partir da realidade dos sujeitos. “A Pedagogia da Alternância tem o trabalho como
um princípio educativo de uma formação humana integral, que articula dialeticamente o
trabalho produtivo ao ensino formal” (RIBEIRO, 2010, p. 293). Através dessa metodologia, o
aluno realiza parte das atividades na UFPI e parte na comunidade onde irá lecionar. Desta
59
a) atuar como docente há mais de dois anos: esse critério foi estabelecido
devido à conclusão do curso ter sido recente, 2018.2 e, sendo assim, entendemos que é preciso
garantir um tempo que permita aos professores fazer uma relação da sua prática antes e depois
da formação por alternância, para assim entendermos como significam a formação.
b) ser professor da escola pública: por ser uma pedagogia originária e pensada
pelos movimentos sociais que buscam oferecer uma Educação diferenciada dos moldes
urbanos e pelo conhecimento que temos dificilmente se encontram escolas privadas no
campo. Além disso, entendemos que é coerente com os princípios e a história da metodologia,
pensar a escola pública.
c) estar lotado na zona rural: os sujeitos da pesquisa foram formados para atuar
em nas escolas do campo e a Pedagogia da Alternância é uma metodologia que busca
aproximar o conhecimento com o lugar ao qual estão inseridos os sujeitos. Sendo assim,
entendemos que se faz necessário, para responder aos objetivos dessa pesquisa, que os
sujeitos pesquisados estejam desenvolvendo a docência em escolas situadas no campo.
d) serem professores da zona rural na cidade de Picos: como falado
anteriormente, Picos é uma cidade polo e referência em Educação, muitos são os que vêm de
cidades circunvizinhas para estudar e essa turma do Curso de Licenciatura em Educação do
campo a maioria dos alunos eram de outros municípios, portanto para tornar viável o
desenvolvimento dessa pesquisa é que foi estabelecido tal critério.
A fim de melhor conhecer o perfil dos concludentes do referido curso e identificar
quantos atendiam aos critérios definidos para a participação no estudo, enviamos questionário
eletrônico aos egressos do curso. Vale salientar que esta pesquisadora é uma das Licenciadas
do curso, sendo assim, enviamos o questionário, apenas para 18 sujeitos.
Recebemos, de imediato, o retorno de todos os questionários enviados e, após a
análise dos dados, identificamos que 3 (três) deles correspondiam a todos os critérios
estabelecidos. Após o recebimento, entramos em contato por e-mail e telefone com os três
sujeitos, a fim de perguntar se tinham interesse em participar da pesquisa, todos se mostraram
solícitos em contribuir com o desenvolvimento dessa investigação.
Os sujeitos investigados são três professoras, portanto toda vez que nos referimos
a elas serão tratadas no feminino: as professoras atuam na zona rural de Picos em escolas
municipais, uma trabalha com Educação Infantil e as outras com as séries finais do Ensino
Fundamental II, duas são professoras contratadas e a terceira professora é concursada efetiva
do município.
62
Com inspiração nos círculos de cultura de Paulo Freire (2005), espaço que se
caracteriza pelo diálogo e troca de saberes, fundamentado na pedagogia libertadora do autor,
denominamos de ‘Grupo Dialógico’ os encontros realizados com as participantes para a coleta
e produção dos dados. Vale lembrar que não tive a intenção de desenvolver o Círculo de
63
Cultura do modo que foi pensado pelo autor, mas apenas utilizei algumas de suas ferramentas
no processo de construção do diálogo com as professoras egressas da LEDOC, sobre a
formação por elas recebida. Compreender a importância dessa formação, ter consciência dela,
conseguir desenvolvê-la em suas escolas ou salas de aula são alguns dos êxitos conquistados
pelas egressas. E buscando entender como a formação por alternância tem contribuído para o
desenvolvimento de sua prática é que optei pelo grupo dialógico por acreditar que a
linguagem, o discurso, o diálogo, contribuem para o levantamento de questões a respeito das
impressões e concepções que egressas possuem sobre a formação.
Ao indagar-se o ser humano desperta potencialidades e mobiliza sua capacidade
de optar, de decidir, de escolher (FREIRE, 1980) e, ao exercer sua liberdade de escolha na
ação que desenvolve não muda apenas o mundo, muda sua posição diante do mundo. Neste
sentido entendo que o grupo dialógico possibilita as egressas discorrer livremente sobre suas
práticas e assim trocarem experiências sobre o que vem desenvolvendo em suas escolas, a
partir do conhecimento obtido pela formação por alternância.
Desenvolver esse tipo de discussão permite a exploração das experiências,
opiniões e posições coletivas que reflitam as orientações ou a visão de mundo de um grupo
social do qual os participantes fazem parte deixando os sujeitos à vontade para falarem sobre
sua formação, seus saberes, sua compreensão do ser professora, contribuindo assim para a
produção de um conhecimento de forma espontânea, respondendo a cada objetivo proposto
pelo pesquisador, permitindo intervenções de todos os participantes do grupo numa constante
relação de troca de experiências, opiniões que expressam representações originadas em seu
meio social. “O diálogo não existe num vácuo político. Para alcançar os objetivos da
transformação o diálogo implica responsabilidade, direcionamento, determinação, disciplina,
objetiva” (FREIRE, 2006, p.127).
Sendo assim, foi realizado planejamento das atividades a serem ao longo dos
encontros. Desenvolvi roteiro, contendo objetivos e o passo a passo a ser seguido
(APÊNDICE 1), durante os dois encontros do grupo dialógico.
Foram realizados dois encontros, o primeiro aconteceu no dia 29 de julho de 2019
e o segundo no dia 31 de julho de 2019. A data foi escolhida, propositalmente, devido às
professoras estarem em período de férias escolares. O grupo contou com a participação de três
professoras, egressas do Curso de Licenciatura em Educação do Campo/ Ciências da
Natureza, de Picos. Para que esses encontros acontecessem se fez necessário elaborar toda
uma logística. Em primeiro lugar entrar em contato por telefone com as professoras sujeitos
64
dessa pesquisa e combinar um local e data que fosse possível para todas participarem, um
local tranquilo, onde somente os membros do grupo e a pesquisadora se fizessem presentes.
Sugerimos então a sede do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais, por ser um local
tranquilo e arejado de fácil acesso e conhecimento de todas que estava em período de recesso,
portanto, não sofreríamos interferências externas, por conta disso, seria um local ideal para
desenvolvermos nossas atividades e todas concordaram. A partir de então, comecei a
preparação do material a ser utilizado e do ambiente: uma sala com mesa e cadeiras
suficientes, dois celulares um para gravar o áudio e outro para gravar as imagens e áudio,
canetas, papel, palavras geradoras impressas em papel colorido que seriam introduzidas no
diálogo no decorrer do grupo, dinâmica para introduzir as discussões e conhecer um pouco
mais das professoras e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido7.
Para colaborar no desenvolvimento das atividades do grupo foi feito convite a
uma pesquisadora de outra instituição, que atuou como assistente, ficando responsável pelo
controle das gravações e anotações como: expressões faciais, corporais, hesitações, ansiedade
e outras reações dessa natureza que nem sempre são captadas nas falas.
Descrevo a seguir o passo a passo dos dois dias quando foi desenvolvido o grupo
dialógico com os sujeitos dessa pesquisa, descrevendo como aconteceu cada momento e as
atividades realizadas.
Nesse primeiro encontro cheguei antes do horário combinado para preparar todo o
ambiente, uma mesa com cadeiras, imprimir o material que seria utilizado nas discussões (o
roteiro da dinâmica, as palavras geradoras, Termo de Consentimento Livre e Esclarecido),
papel, canetas e um lanche.
Duas das professoras chegaram no horário combinado, porém uma delas atrasou,
sendo necessário fazer contato via celular e novamente fazer todo o processo de
convencimento para que a mesma contribuísse com essa pesquisa, convencendo-a da
importância de sua participação e contribuição para essa pesquisa quanto para o meio
7
Procedimento aprendido através de uma oficina sobre entrevista na pesquisa qualitativa, desenvolvida na
disciplina de Estudos Orientados ministrada pela professora doutora Giovana Falcão da qual participei como
orientanda da referida professora.
65
acadêmico de forma geral. Ela então resolveu que iria contribuir e aguardamos sua chegada o
que fez com que o planejamento para o encontro não pudesse ser concluído, por conta do
tempo.
Nesse primeiro contato visual e corporal com os sujeitos da pesquisa, não houve a
necessidade de uma apresentação formal pois, como já mencionado anteriormente, todas já se
conheciam, pois fomos colegas de curso, portanto, foi um reencontro de colegas que
participaram da mesma formação e um momento saudosista que nos trouxe muita alegria e
recordações do período de convivência na Universidade. Passado o momento eufórico do
nosso reencontro, foi explicado as participantes o objetivo do encontro e como o mesmo iria
acontecer. Ainda neste primeiro momento, solicitamos autorização para filmar todos os
momentos do encontro e pedimos permissão para que outra pessoa pudesse auxiliar com as
gravações, já que seria um momento dinâmico e que a câmera precisaria pegar as imagens de
todas em seus momentos de fala. Também apresentei de forma breve a pesquisa, como
estavam sendo desenvolvidos seus objetivos. Agradeci a presença e a contribuição de cada
uma, expliquei sobre o sigilo e o anonimato, esclarecendo que seus nomes não seriam
divulgados, nesse instante, aproveitei para perguntar como gostariam de ser identificadas na
pesquisa. Elas sugeriram nomes de flores do campo.
Também esclareci sobre as regras do grupo dialógico, tempo de duração do
encontro, o papel da pesquisadora. Expliquei que ao longo do encontro iria apresentar
palavras geradoras, através de targetas para que elas falassem a temática. Foi dito que se
sentissem à vontade para comentar as questões e os assuntos que fossem se manifestando,
sem receios ou constrangimentos.
Passamos então para a assinatura dos Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE). Após, realizei a dinâmica “abrigo subterrâneo”, que consiste na escolha
dos profissionais que irão habitar um novo mundo. Essa dinâmica teve como objetivo fazer
com que as professoras refletissem sobre a profissão do professor e, principalmente, sobre a
formação que esse profissional vem recebendo. As discussões surgidas a partir da vivência
foram ricas e bem interessantes. Passado esse momento, foi feito o seguinte questionamento
para as professoras: como vocês veem a formação recebida para a atuação no campo? E a
partir de suas respostas a pesquisadora foi introduzindo, quando necessário, as palavras
geradoras: Educação; Educação do Campo; formação docente; alternância; metodologia;
ensino; prática docente; teoria-prática
66
Após esse rico momento, coloquei imagens sobre a mesa e pedi que cada uma
escolhesse três imagens. Uma imagem que representasse como elas se veem enquanto
docentes; uma imagem que definisse como foi a formação por Alternância e outra, que melhor
representasse seu trabalho em sala de aula e a profissão docente. Após a escolha, cada uma
apresentou e comentou sobre as imagens escolhidas. Foi um momento bastante enriquecedor,
ouvir cada uma discorrer sobre as imagens e através dessas narrar como foi à formação por
Alternância para elas, o que essa formação trouxe de novo para os seus modos de serem
professoras. O último momento seria a escrita de uma carta, endereçada aos novos alunos do
curso de formação por Alternância, na qual deveriam contar sobre as suas expectativas ao
chegarem ao Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências na Natureza e a visão
após o término do curso, além disso, também deveriam falar sobre a contribuição dessa
formação para o desenvolvimento de sua profissão enquanto professor do campo. Em função
do horário, não foi possível escrever durante o encontro e, assim, combinei que a carta seria
produzida em casa e deveria ser entregue no encontro seguinte. Também foi pedido que cada
uma trouxesse um objeto de casa o qual as representasse.
Para encerrar esse primeiro grupo dialógico, sugeri uma avaliação oral sobre o
encontro. As participantes avaliaram como positivo, disseram que foi um momento no qual
elas puderam rememorar o que vivenciaram durante a formação e um momento de reflexão
sobre como estão colocando em prática tudo que aprenderam durante a formação por
Alternância.
vencidas as barreiras impostas pela vida e estão sendo abertas novas portas, novas janelas em
busca de novos conhecimentos, novas aprendizagens.
Azaleia trouxe uma bolsa (nécessaire) utensílio que a permite levar, armazenar
várias outras coisas e assim é a vida, é construída a partir da bagagem que se vai adquirindo
durante o seu percurso.
E a Margarida trouxe uma caneta que segundo ela a representa porque é utensílio
que permite a escrita, e através dela, ela pode a cada dia escrever a sua história enquanto ser
que se constrói a cada dia.
Nesse segundo encontro procuramos saber mais de nossos sujeitos como elas
compreendem a formação por Alternância e como tem sido vivenciar as práticas a partir da
formação em seu cotidiano escolar em escolas do campo.
A pedagogia da alternância contempla a formação integral do educando,
intercalando períodos de aprendizagem: um período de vivências no ambiente escolar (tempo
escola) e outro em que o estudante desenvolve pesquisas, projetos, atividades individuais e
coletivas com o auxílio do planejamento e acompanhamento pedagógico dos professores e da
família (tempo comunidade).
De acordo com Gimonet (1998) “A formação em alternância requer uma
organização, atividades e instrumentos pedagógicos específicos para articular os tempos e
espaços a fim de associar e colocar em sinergia as dimensões profissionais e gerais, e para
otimizar as aprendizagens”. Sabemos que as professoras, alunas egressas da LEDOC Picos,
não trabalham, ou seja, não desenvolvem suas atividades dentro da perspectiva metodológica
da Alternância porque o município no qual desempenham suas funções de professoras não
oferece um ensino baseado na Alternância, no entanto, o que buscamos saber é qual foi a
importância de tal formação para o seu desenvolvimento profissional e se essa formação tem
contribuído para desenvolver suas aulas e se elas têm conseguido incorporar em suas aulas
alguns dos princípios da Alternância, dessa maneira, deixando claro para as participantes essa
compreensão, é que demos continuidade ao grupo dialógico, no qual as professoras puderam
discorrer sobre essa temática.
Mais uma vez utilizei as targetas com palavras geradoras, relacionadas à
Alternância e seus princípios: pesquisa, interdisciplinaridade, saberes, contextualização e
vivências. As palavras eram introduzidas quando pertinentes na discussão. Posteriormente,
pedi que as cartas produzidas fossem entregues conforme combinado, porém, não foi possível
fazer a leitura das mesmas, em função do horário que já havia excedido e uma delas ter
68
consulta médica agendada. É importante ressaltar que recebi apenas duas cartas, a professora
Azaleia não entregou, disse que não teve tempo suficiente para produzir e garantiu que
entregaria depois, no entanto entrei em contato com ela posteriormente no intuito de receber a
carta e mesma informou que ainda não havia escrito, liguei mais algumas vezes e a professora
sempre com a mesma justificativa.
Ao término das discussões, foi feita a avaliação do encontro que mais uma vez foi
considerado positivo. Agradeci a disponibilidade, o tempo dedicado das professoras para
contribuir como minha pesquisa, deixando claro que, sem a contribuição delas, nada seria
possível e que, ao término da escrita da dissertação, caso tivessem interesse, disponibilizaria
uma cópia para cada uma e que, após as transcrições do material produzido pelo grupo, caso
fosse necessário, entraria em contato para agendar e realizar uma entrevista individual com
cada uma. Informei também que enviaria para elas a cópia das transcrições do material dos
grupos e entrevistas. Feita a transcrição enviei para as investigadas validarem, fazerem
alterações que jugassem necessárias tanto para acrescentar como para retirar algo que tinha
sido dito. Recebi o retorno que poderia fazer uso de todas as falas de acordo como estava nas
transcrições.
Vale ressaltar que foi um momento de grande aprendizado, pois foi possível uma
troca de conhecimentos através do debate ocorrido durante os dois dias do grupo, de
vivências, através da fala das professoras pesquisadas, de experiências que as mesmas
estavam desenvolvendo em suas salas de aula. Na maioria dos relatos, foi possível perceber o
esforço das professoras em colocar em prática o que aprenderam na formação por
Alternância, assim como foi possível reviver junto a elas momentos pelos quais passamos
enquanto alunas e que foram de grande importância para minha formação.
As professoras, através do grupo de discussão, se sentiram bastante à vontade para
discorrer sobre suas experiências, falar das suas tentativas de levar um ensino mais
humanizado para suas escolas, para apontar também as dificuldades encontradas em colocar
em prática uma metodologia de ensino que o município onde atuam não reconhece e não
oferece nenhuma condição para ser desenvolvida.
As professoras também falaram de suas angústias, assim como as dificuldades
para convencer os colegas, a direção escolar e até mesmo os pais da necessidade de oferecer
uma educação onde os sujeitos se sintam parte de todo o processo, uma educação que faça
com que os sujeitos se reconheçam e que reconheça o seu espaço como um meio de
desenvolvimento e transformação social, cultural e econômica. As dificuldades em conseguir
69
A transcrição dos grupos dialógicos revelou que o material produzido não foi
suficiente para responder a todas as indagações da pesquisa, algumas temáticas ainda
precisavam ser melhor exploradas, necessitando de um aprofundamento individual com as
participantes. Sendo assim, decidi realizar entrevistas com as egressas. De acordo com Stake
(2011, p.110) “as entrevistas são usadas para vários propósitos” dentre os quais “descobrir
70
sobre ‘uma coisa’ que os pesquisadores não conseguiram observar por eles mesmos”. As
entrevistas se constituíram, portanto, em procedimento imprescindível para o
desenvolvimento e conclusão dessa investigação.
De acordo com Minayo (1994), a entrevista privilegia a obtenção de informações
através da fala individual, a qual revela condições estruturais, sistemas de valores, normas e
símbolos e transmite, através de um porta-voz, representações de determinados grupos. As
entrevistas ofereceram apoio importante para apreender as significações produzidas pelas
professoras sobre a formação por alternância.
Para a realização do procedimento elaborei roteiro de entrevistas (apêndice 2),
trazendo as questões a serem aprofundadas, com o intuito de obter maiores informações sobre
como a formação por alternância foi compreendida e como está sendo vivenciada pelas
professoras. Na sequência, entrei em contato com cada uma das participantes e agendei data e
local para que se realizassem as entrevistas.
No dia agendado, expliquei mais uma vez sobre o sigilo e o anonimato e pedi
autorização para a captura do áudio. Foram realizadas três entrevistas, uma com cada
professora. As entrevistas aconteceram na mesma data, porém em locais distintos e tiveram
uma duração de 10 a 15 minutos, possibilitando colher informações relevantes sobre a
Formação por Alternância. Ao final de cada entrevista agradecia pela disponibilidade das
entrevistadas, a paciência e o carinho com que me receberam e também pelas contribuições
para a desenvolvimento da pesquisa.
que ligar para que ela viesse participar do grupo dialógico, depois dela já ter se comprometido
em participar. Vale registrar que por mais de uma vez fiz contato com a professora e mesmo
garantido total sigilo sobre o conteúdo da carta, ela não a escreveu. Sendo assim analisaremos
apenas duas cartas.
Escolhi realizar a produção de uma carta por ser um dos procedimentos de
produção de dados que pode ser utilizado para investigar o objeto que se pretende conhecer e
por esta estar dentro do enfoque qualitativo da pesquisa. Concordo com Stake (2011) quando
diz que e a pesquisa qualitativa se adequa a qualquer método de coleta de dados e que muitos
métodos eficazes já existem, que segui-los apenas estamos apenas repetindo, que inovar as
estratégias na produção dos dados de acordo com a necessidade de cada pesquisador, portanto
partindo da necessidade da pesquisadora em obter informações mais precisas a respeito da
temática é que foi sugerida sua produção, entendo que através dessas cartas as egressas podem
imprimir com maior segurança e precisam suas emoções e impressões sobre a formação
recebida.
Tenho consciência de que a carta há muito vem sendo usada como um dos
métodos de produção de dados por diversos pesquisadores, no entanto nessa pesquisa
considero como método inovador pelo fato da carta ter sido produzida enquanto outra
estratégia estava sendo utilizada e ter sido produzida para atingir um fim específico.
As cartas tornaram-se um dos instrumentos importantes na produção dos dados
que nortearam essa pesquisa e, através delas, foi possível perceber características subjetivas
dos sujeitos do tipo emoções, expectativas, ansiedade e impressões sobre a formação que
receberam.
Para a análise dos dados produzidos a partir do grupo dialógico, das entrevistas e das
cartas, me apoiei na Análise Textual Discursiva. Essa estratégia metodológica oferece aos
pesquisadores um modo de analisar a produção a partir de construções de categorias que não
necessariamente precisam ser excludentes.
Segundo Moraes (2011), a análise textual discursiva
[...] pode ser compreendida como um processo auto organizado de construção de
compreensão em que novos entendimentos emergem de uma sequência recursiva de
três componentes: desconstrução do corpus, a unitarização, o estabelecimento de
relações entre os elementos unitários, a categorização, e o captar do novo emergente
em que nova compreensão é comunicada e validada (MORAES, 2011, p.192)
72
Essa fase consiste na análise e agrupamento dos dados produzidos que são
comuns, portanto, após a unitarização foi feita a leitura de todos os dados produzidos através
das investigações feitas com os sujeitos da pesquisa. A partir daí surgiram categorias e nessas
categorias ordenamos o que havia de comum em suas falas. Inicialmente, criamos categorias a
priori e, partindo dessas, após uma profunda análise e interpretação das informações é que
criamos as categorias permanentes que nortearam a análise e deram andamento ao processo de
análise. Essa foi uma das fases mais complexas desse processo, exigiu um exercício constante
de leitura e interpretações dos dados produzidos. De acordo com Moraes e Galiazzi (2007) é
onde é testada a capacidade de organização e síntese do pesquisador.
Ainda de acordo com os autores:
[...] a categorização é parte do movimento de síntese reconstrução da pesquisa em
que o pesquisador constrói e estrutura novas formas de compreensão dos fenômenos
que investiga, sistematizando estruturas discursivas que se mostram a partir de sua
impregnação dos fenômenos investigados.[...] a síntese final, a teoria construída,
evidencia a capacidade do pesquisador de abandonar os detalhes do empírico para
expressar o discurso investigativo em seus aspectos mais importante (MORAES;
GALIAZZI, 2007, p. 49).
Essa fase exigiu bastante atenção, porque foi o momento em que validei as
unidades de análises produzidas, sendo necessário recorrer aos objetivos da pesquisa, o
problema que buscamos solucionar e as questões a serem respondidas. A partir de então foram
criadas as categorias que têm relação com o objeto investigado. Este foi um processo longo e
74
demorado que exigiu um mergulho profundo nos dados produzidos, que possibilitou a
construção de um novo texto que combina descrição e interpretação, ou seja, a captação do
novo.
A captação do novo emergente é a construção de um metatexto pelo pesquisador,
tecendo considerações sobre as categorias que ele construiu. Segundo Moraes (2003),
os metatextos são constituídos de descrição e interpretação, representando o
conjunto um modo de compreensão e teorização dos fenômenos investigados. A
qualidade dos textos resultantes das análises não depende apenas de sua validade e
confiabilidade, mas é, também, consequência do pesquisador assumir-se como autor
de seus argumentos. (MORAES, 2003, p. 202)
Portanto a produção do metatexto só foi possível após uma intensa análise dos
materiais resultantes dos processos anteriores que nos possibilitou uma nova compreensão do
todo.
Para chegar à produção de um novo texto, partindo da desconstrução do que já
existe, foi necessário tempo e paciência para fazer várias leituras, num exercício constante de
ler e reler, quantas vezes fossem necessárias, o texto original, as unidades temáticas e
categorias criadas porque, a cada leitura do que já foi produzido, encontrava outros sentidos e
significados nas falas, portanto, sem essa dedicação em ler, reler não seria possível impregnar
de sentidos e novos significados aos textos analisados, que possibilitou o surgimento de um
novo texto que possibilitou responder as inquietações e deu corpo e sustentação a pesquisa.
Desenvolver a ATD foi um processo que permitiu mergulhar intensamente nos
textos, não somente para organizar o que foi produzido a partir do grupo de discussão e
entrevistas, mas me envolveu no sentido de estar sempre buscando explicação para as falas,
de fazer inúmeras leituras para confirmar um sentido encontrado, de poder impregnar
significados ao que foi dito, de realizar de forma paralela ao texto existente a produção de
novos textos, construindo argumentos e novos questionamentos.
Não foi um exercício apenas para sintetizar o texto existente, mas sim um
momento de inspiração, de dedicação, de procurar sentido, de produzir um texto que tenha
significação para quem for ler. Moraes; Galiazzi (2007, p. 34) afirmam que “a produção
textual, mais do que simplesmente um exercício de expor algo já perfeitamente dominado e
compreendido, é uma oportunidade de aprender.” Concordo com essa fala, porque a análise
dos dados produzidos possibilitou mergulhar num mundo de novas descobertas, de olhar o
que outro diz e a partir disso compreender que vários significados podem ser produzidos
através das lentes de outras pessoas. Ler, enxergar, compreender a fala do outro nada mais é
do que um ato que leva ao aprendizado constante.
75
foi a elaboração de “um metatexto”, como orientado por Moraes e Galiazzi (2007, p. 91),
buscando dialogar com os temas encontrados a partir dos autores de referência e dos objetivos
de nossa pesquisa. O resultado desse esforço encontra-se registrado em três capítulos: o
primeiro trata da escolha do curso por parte dos professores e as contribuições dessa formação
para o desenvolvimento de suas práticas; no segundo capítulo procurei através da fala das
professoras mostrar como essa formação tem sido importante na constituição do ser
professora de cada uma e as dificuldades vivenciadas pelas mesmas para desenvolver essa
metodologia de ensino em suas escolas e o terceiro capítulo trata de três dos princípios da
formação por Alternância e como as professores tem conseguido vivenciá-los ou não durante
o desenvolvimento de suas práticas educativas.
77
Tendo em vista que duas das professoras já possuíam graduação em outra área,
procurei saber quais as motivações e anseios fizerem essas três professoras escolherem um
curso com uma metodologia específica para os povos do campo, ou seja, uma metodologia
que se baseia em experiências educativas, associando teoria e prática, que leva em
consideração a realidade de trabalho familiar e produtivo, de acordo com as dimensões de
projetos sociais pautados na questão agrária, econômica, social e ambiental da região, que
exige dos seus sujeitos envolvimento direto ou indireto em todo o processo educativo/escolar
em busca da melhoria da educação do campo e da condição vida rural.
De acordo com Queiroz (2004) a formação por:
[...] alternância vai se definindo como um processo formativo contínuo entre dois
espaços, interagindo educadores e educandos, escola e família, teoria e prática,
estudo e trabalho, o pessoal e o coletivo, os saberes experienciais e os saberes
científicos, os saberes pedagógicos com os saberes disciplinares. De forma que a
experiência, ou seja, o contexto do aluno é tratado com prioridade, tornando-se
ponto de partida e chegada, no processo ensino-aprendizagem. Não existe
alternância sem uma integração da família e do meio socioprofissional onde a escola
está inserida. (QUEIROZ, 2004, p. 220)
78
Através das falas das participantes é possível observar que vários foram os
motivos que as levaram até a formação. A curiosidade, o desejo de fazer uma licenciatura e a
novidade apresentada pela formação foram às motivações principais que as fizeram chegar ao
Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da Natureza. Como já citado
anteriormente eu também sou egressa desse curso, os motivos que me levaram a deixar uma
graduação em seu último período e ingressar nesse em novo curso foram, primeiramente, o
fato de lecionar em escola do campo; preocupar-me e não concordar com o tipo de educação
que é oferecida aos sujeitos do campo; o desejo de fazer pesquisa, o que me seria
oportunizado pelos momentos de Alternância do curso; a possibilidade de poder levar um
conhecimento aos meus alunos que se aproximasse da realidade deles, haja vista que minha
formação anterior não me deu essas condições.
O campo tem toda uma estrutura diferenciada da cidade, os sujeitos que ali vivem
tem sua cultura, crenças que lhes são peculiares, que o professor precisa respeitar e valorizar,
que a educação precisa abraçar e infelizmente os cursos de formação não oferece aos
professores e eu vi nesse curso a possibilidade que me ajudaria a compreender esses sujeitos e
79
construir junto com eles um conhecimento que seja pensado a partir do seu lugar, como
afirma Cardart (2004) sobre o direito que esses sujeitos têm de uma educação no campo e do
campo. No campo, porque o camponês tem direito a ser educado no lugar onde vive. Do
campo, porque o camponês tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua
participação, vinculada a sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais (CALDART,
2004).
As professoras em suas narrativas expressam que não tinham nenhum
conhecimento sobre o curso e muito menos sobre a sua metodologia de ensino, a Pedagogia
da Alternância, no entanto, o fato de ser um curso voltado para a educação do campo, chamou
a atenção devido às mesmas já terem trabalhado em o campo, despertou a curiosidade como
falam Dália e Margarida. Como já ressaltado, poucas são as oportunidades de formação nessa
área, fato que justifica a curiosidade das professoras e o desejo de se inserirem no curso,
mesmo sem saber muito bem do que se tratava pelo fato das mesmas já terem trabalhado em
escolas do campo e terem consciência de que é necessário investir em formação de
professores para desenvolver a Educação do Campo. De acordo com Arroyo (2007), “A
história nos mostra que não temos uma tradição nem na formulação de políticas públicas, nem
no pensamento e na prática de formação de profissionais da educação que focalize a educação
do campo e a formação de educadores do campo como preocupação legítima” (ARROYO,
2007, p. 158).
As egressas demonstraram abertura para o conhecimento e preocupação com os
contextos onde estavam inseridas, aspectos importantes para o desenvolvimento da profissão
docente, cuja formação acontece de modo permanente e precisa estar atenta a quem se
destina. Mesmo sem entender ou conhecer a metodologia do curso para o qual se inscreveram,
as professoras levaram em consideração seus alunos, suas salas de aula. Nos relatos de Dália e
Margarida as mesmas tomaram suas salas de aulas como fator primordial para cursar
Educação do Campo, por acreditarem que os povos do campo mereciam uma educação de
qualidade, que os representasse e que ela como professora bacharel (Dália) e Licenciada em
Matemática (Margarida) não poderia oferecer. As docentes viram na Licenciatura em
Educação do Campo a oportunidade não só de melhorar a sua maneira de ensinar, mas de
melhorar a vida daqueles que estavam em suas salas de aulas, os alunos.
Paulo Freire (1996) já dizia:
[...] não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os
conteúdos de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir minha prática
docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de minha
80
atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu
testemunho ético ao ensina-los. É a decência com que o faço. É a preparação
científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito
jamais negado ao educando, a seu saber de experiência feito que busco superar com
ele. (FREIRE, 1996, p. 64)
De modo geral, os professores das escolas do campo não têm formação específica
para atuar com a Educação do Campo. Nas escolas municipais de Picos, cidade de atuação das
participantes, elas são as primeiras a concluírem uma formação voltada para o campo, fato
que se constitui marco. A fala da professora Margarida expressa que, mesmo tendo outra
graduação, não sentia embasamento necessário para desenvolver uma educação significativa
para os alunos do campo. Margarida aponta, no entanto, que a partir da formação, conseguiu
desenvolver conhecimentos e saberes específicos para uma atuação mais efetiva, aspectos que
precisam ser considerados na formação de outros professores do campo. Também foi possível
perceber, na fala da professora, a euforia em poder colocar em prática todo o conhecimento
adquirido através dessa nova formação. Além disso, ressalta que passou a ter uma “outra
visão de mundo, de escola, de realidade, de povo”, sugerindo que a formação favoreceu a
reflexão, aspecto que deve ser valorizado nas formações destinadas aos professores.
Entendo que a Educação sozinha não dá conta de resolver todas as problemáticas
vivenciadas no campo, porém concordo que é preciso olhar para o campo não mais como
local de atraso e de pouco desenvolvimento, como sempre foi visto, é preciso mudar esse
estereótipo. E nesse sentido se faz necessário maior investimento em educação e de modo
especial em formação docente. Assim, é legítima a luta dos movimentos sociais para
construção de um curso que desse visibilidade aos sujeitos que vivem no campo, que ofereça
aos professores e alunos uma formação que busca não desvincular o jovem do campo, do seu
meio familiar e cultural, mas que busca formar professores dentro da perspectiva da
Alternância, para atender as necessidades de um povo que há muito grita por uma educação
que tenha como objetivos um projeto de formação que possibilite aos educandos e educadores
estabelecer uma relação direta, envolvendo a família, a escola e o meio em que vivem,
atendendo assim os anseios enquanto educadores do campo.
Sobre a formação para os educadores do campo, Molina; Hage (2015) diz:
[...] a política de formação de educadores do campo compreende a necessidade de
construir estratégias formativas que sejam capazes de oportunizar ao docente em
formação a superação dessa visão restrita dos limites e potenciais de sua ação,
ofertando-lhes, durante o percurso formativo, os fundamentos filosóficos,
sociológicos, políticos, econômicos, antropológicos capazes de lhes dar elementos
para ir localizando os efeitos e resultados de sua ação educativa a partir de um
contexto bem mais amplo que a contém, especialmente as tensões e contradições
que permeiam as relações sociais no território rural contemporaneamente.
(MOLINA; HAGE, 2015, p. 133).
82
Na fala das professoras é visível essa compreensão colocada pela autora, o curso
contribuiu com o desenvolvimento dos professores, as fez enxergar os conteúdos para além
dos livros didáticos, elas compreendem a importância dessa formação para desenvolvimento
profissional, pois lhes deu subsídios para exercerem a docência através de situações vividas,
encontradas e observadas em seu meio.
Vejamos o que diz Azaleia:
Ajudou a porque tem o conhecimento de tudo aquilo e aquilo ajudou me deixou
mais próxima da realidade deles (Azaleia)
Tem certos conteúdos que você lidando com a realidade do aluno. Com o que eles
vivem fica muito mais fácil a aprendizagem. (Azaleia)
Através da fala acima podemos compreender que a formação por Alternância tem
auxiliado a professora no seu desenvolvimento profissional, como também tem auxiliado na
tentativa de aproximar os conteúdos às realidades e de trazer as famílias para a escola,
envolver a comunidade no processo de construção do conhecimento dos alunos. Em conversa
com as professoras nos círculos dialógicos, elas contaram que um dos maiores desafios,
atualmente, é fazer com que a família participe da escola, acompanhe o desenvolvimento de
seus filhos e que colabore com os professores e escola no desenvolvimento do ensino
aprendizagem. Certamente, esse não é um desafio somente da educação do campo, posto que
é comum ouvir professores dos mais diferentes locais, abordando sobre essa dificuldade. A
formação por Alternância, prima pela aproximação, investe no envolvimento entre escola,
comunidade e família. Sobre esta temática Freire já dizia que:
[...] à medida que os pais se vão inteirando dos problemas da escola, das suas
dificuldades – o comportamento é imprescindível a um trabalho com -, deve a escola
a começar a convidá-los a fazer visitas as suas dependências em períodos de
atividades. Mostrando a eles como é “na vida” diária, tendo sempre em vista a
identificação do pai com os problemas e dificuldades da escola. Neste sentido é que
os Círculos de Pais e Professores não podem quedar-se teóricos e acadêmicos. Por
isso é que eles têm de, pelo debate, levar o grupo dos pais à crítica e análise dos
problemas escolares, dando-lhes condições de mudança de antigos hábitos em
hábitos novos. Hábitos antigos de passividade em hábitos novos de participação. (...)
84
Ser professor nos dias atuais não tem sido uma tarefa fácil. Não bastasse
adesvalorização, a violência e a precarização contra a profissão que cresce a cada dia, o
professor ainda tem que enfrentar os ataques constantes por parte daqueles que deveriam
garantir sua integridade, o respeito à classe, e as adequadas condições de trabalho e salário. O
Governo atual desrespeita o professor quando vai à mídia falar que professor precisa ser
cerceado (como se já fossem pelas péssimas condições de trabalho), que professor aliena
aluno ou quando abre canal para aluno denunciar a fala do professor. Quando coloca em
votação um projeto de lei que visa calar o professor como é o “Escola Sem Partido” que
criminaliza o professor e o torna sujeito que, por desenvolver suas função, oferece riscos aos
seus alunos e à sociedade quando adentra a sala a sala para ensinar, para transformar vidas,
para levar conhecimento, “Conhecimento” que promove a reflexão, a crítica, conhecimento
que tira das trevas quem vivia na escuridão. Frigoto (2017, p.13) diz que “o projeto pretende o
“silenciamento” do professor da escola pública, coloca-o “no lugar do elemento perigoso, que
precisa ser contido, calado e ‘amordaçado’ para não ameaçar e contrariar a liberdade de
consciência e de crença dada pela educação familiar”, ou seja, querem transformar a imagem
do professor na figura que doutrina, que aliena os estudantes, onde na verdade o professor está
apenas formando seres críticos capaz de entender e cobrar participação em todos os processos,
sociocultural e políticos pelos quais perpassa uma sociedade.
Hoje professor virou sinônimo de resistência, resistência contra a opressão, a
censura, resistência contra o Sistema, resistência para ouvir o que lhe rodeia, resistência para
ensinar. Mesmo com todos esses percalços enfrentados pelo professor, ainda é a profissão
capaz de promover a igualdade tanto política quanto social. Freire (1996, p. 77) diz que “a
resistência do professor, por exemplo, em respeitar a “leitura de mundo” com que o educando
chega à escola, obviamente condicionada por sua cultura de classe e revelada em sua
linguagem, também de classe, se constitui em um obstáculo à sua experiência de
conhecimento”.
86
A Formação por Alternância “exige um novo olhar, um novo fazer, uma nova
forma de compreender a organização dos conteúdos, do trabalho do educador e do educando
no contexto acadêmico” (ANTUNES-ROCHA E MARTINS, 2011, p. 224). As falas das
professoras explicitam que desenvolver a Alternância não tem sido simples, como já
ressaltado, as dificuldades são de diversas ordens, no entanto, elas tentam vivenciar a
alternância em alguns momentos. As egressas contam:
Nós sabemos que nós estamos inseridos ainda num sistema que não deixa a gente à
vontade para desenvolver de fato o que a gente aprendeu em si, mas aos poucos a
gente vai colocando o que a gente aprendeu no curso de Licenciatura em educação
do campo nas nossas aulas, principalmente nas nossas aulas mesmo dentro da sala
de aula que a gente tem mais liberdade. (Margarida)
E então quando nós que temos essa formação hoje a gente tenta se “virar nos trinta”,
olha o aluno a realidade dele, olha para o livro e aí você vê como é que eu posso
adaptar. (Dália)
É tipo assim, é isso que eu digo a ideia deles é se formar pra sair do campo, não é
estudar para me formar e trabalhar e melhorar o espaço onde eu estou, não, a ideia
87
Os livros não tinham que ser iguais, porém há uma diferença aí, exatamente, porque
eu acho que foi tão inferiorizado antes, que o desejo dos professores é que os livros
fossem iguais pra contemplar o ensino igual como é feito na zona urbana, porque ele
pode sim ser diferenciado desde que ele contemple as necessidades do campo.
(Dália)
A Formação por Alternância é uma conquista das lutas dos Movimentos Sociais
do Campo prioriza “a formação humana dos educadores do campo, a fim de se colocar como
agente participativo na construção de um novo projeto de desenvolvimento para o País.”
(Molina; Hage, 2015, p. 133), assim sendo é possível ver na fala das professoras a
preocupação com a situação do cotidiano do aluno, tentando compreender e buscar soluções
para resolver os problemas que seus alunos enfrentam no seu dia a dia que muitas vezes o
deixa fora da escola, e estão sempre tentando melhorar não só o ensino, mas trazer os demais
88
professores da escola para se empenharem nessa luta que tem como objetivo oferecer uma
educação diferenciada que faça sentido para aqueles que dela fazem parte. Margarida conta
que sua prática pedagógica agora está mais atenta à realidade dos alunos, de modo específico,
precisou intervir junto aos colegas para explicar as faltas de um aluno, que estavam
relacionadas ao trabalho que exercia e que o impedia de frequentar a escola assiduamente.
Teve um caso especifico na minha sala de aula que me marcou, foi onde eu consegui
colocar um dos princípios da Pedagogia da alternância, um aluno meu do nono ano,
nesse período é o período em que ele precisava trabalhar [...] nas minhas aulas ele
sempre faltava e os professores das outras disciplinas também falavam que ele
faltava demais [...] Então eu conversei com os outros professores para gente está
revendo esse conceito aí, porque todos estavam dizendo que ia reprovar ele por falta,
por mais que ele fosse um aluno muito esforçado quando ele estava na sala de aula
[...] Então eu conversei com os outros professores para gente tá revendo [...] dando
essa oportunidade para ele, porque a partir desse momento eu já tinha essa
consciência do que poderia ser feito, diferentemente se fosse em anos anteriores com
certeza eu teria reprovado ele também, mas agora sabendo e tendo a consciência dos
princípios da Pedagogia da Alternância foi isso que conseguimos fazer. (Margarida)
Dália também contou sobre a realidade dos alunos da escola em que atua que
precisam trabalhar em período de aula. Sua fala revela que, após a formação, passou a
entender essa realidade e vem procurando alternativas para que o aluno tenha condições de
continuar estudando, inclusive intervindo junto aos seus pares.
Compreender, por exemplo, naquela região os estudantes que não podem estudar em
um horário regular que dependem de um trabalho que às vezes no momento em que
deveriam está na escola estão trabalhando para a sustentabilidade da família né [...] e
assim quando a gente faz essa formação, estuda sobre isso você começa olhar com
outros olhos né, mesmo que as vezes o município não te forneça condições para
trabalhar nessa Alternância você termina se sensibilizando e termina tentando fazer
o que a escola não te dá condições de fazer por aquele aluno que necessita desse
período de Alternância. (Dália)
É interessante refletir que essa situação não atual, hoje no município se encontram
alunos que são obrigados a ajudarem seus pais na agricultura em determinado período do ano,
por exemplo, na colheita da palha de carnaúba que é feita durante dois a três meses durante o
ano e esses meses caem exatamente em períodos de aulas.
O município não dá suporte para que esse aluno fique sem frequentar as aulas
durante esses meses e o mesmo não pode deixar de ajudar a família porque é nesse período
que garantem o sustento para todo o ano, e isso era corriqueiro: o aluno terminava por perder
o ano letivo. O município nunca dispensou um olhar para esta realidade e, assim, os alunos
faltam, perdem aulas, provas e muitas vezes não conseguem aprovação e acabam atribuindo a
si a responsabilidade pelo fracasso porque ninguém o enxergava na escola. A partir da
formação recebida, a professora deixa claro que passou a ver esse aluno e buscar soluções
para que o mesmo não deixasse a escola e conseguissem aprovação ao final do ano letivo.
89
A narrativa das professoras evidencia que o modo que elas vêm exercendo a
docência, já não é o mesmo, seja a partir da reflexão sobre a realidade dos educandos, quando
buscam adaptar o material pedagógico ou quando sensibilizam os pares para um olhar mais
realista em relação aos alunos. A formação por alternância possibilitou uma nova visão sobre
a educação e sobre o papel do professor, que atua na luta por uma educação que problematiza
e que busca despertar a consciência para a realidade.
No tópico seguinte, trago uma discussão sobre a relação teoria e prática e a
formação por alternância.
Sendo assim é possível dizer que para que a aprendizagem ela se de forma teórica
e prática é necessário haver essa integração da escola com a comunidade, valorizando cada
saber e permitindo que os sujeitos que dela fazem parte, participem ativamente da construção
de todo o conhecimento produzido.
Partindo desse pensamento podemos dizer que a escola quando valoriza os
saberes da comunidade e permite que os seus sujeitos sejam parte importante na construção
do
Azaleia reconhece a necessidade de aproximar teoria e prática, porém discorre
sobre as dificuldades para vivenciar a metodologia e destaca que mudanças estruturais
precisam acontecer para se vivenciar a alternância. Dália também ressalta sobre as
dificuldades em vivenciar a alternância e destaca que este é um trabalho que precisa envolver
todos.
É utilizando a teoria e prática e aí facilita melhor o ensino e a educação, porém a
Alternância ainda tem muito a ser trabalhada é um desafio, A alternância em si ela
precisaria, todo o sistema de ensino no campo teria que ser modificado, todo
estruturado, um currículo todo estruturado que permitisse que acontecesse o
desenvolvimento da Alternância. (Azaleia)
Eu acho que a educação ela é um conjunto como a gente já disse não se faz educação
sozinho, não se faz educação a partir de uma instituição se faz, se faz educação
desde sempre, é família, escola, sistema de ensino, então assim é um conjunto e aí
91
assim pra que aconteça esse ensino, pra que aconteça uma metodologia que
realmente vá contemplar todas as escolas sejam elas escolas do campo, escolas
urbanas precisa realmente que se tenha apoio, que se trabalhe em conjunto (Dália)
Não trabalha bem o que a pessoa vê na realidade, mas a gente tenta, mas não tem
apoio sobre isso, mas se a gente tivesse todo apoio pra fazer do jeito que a gente
aprendeu no curso, ai sim a gente tinha como lidar com cada tipo de aluno (Azaleia)
Dália também reforça a ideia de que muitas são as dificuldades para vivenciar a
metodologia.
empecilhos, um a escola apesar de funcionar como uma escola do campo ela tem um
espaço físico limitado, então assim você tem que sair da escola não é, e aí você já
encontra todas essas dificuldades em falar com diretor, de ver com a secretaria um
carro pra levar essas crianças, então assim é toda uma burocracia (Dália)
Não, na escola mesmo não é fácil, para isso a gente tinha que ter aula no campo,
aula presencial que trouxesse os alunos para realidade. Tipo uma aula de ciências
sobre a água você tinha que levar os alunos numa fonte e ali começar as pesquisas e
assim seria mais fácil para o desenvolvimento de cada aluno. (Azaleia)
então a primeira dificuldade que encontrei quando cheguei lá foi escola rural com
características urbanas, depois os pais não se sentiam parte da escola, a família não
se sentia parte da escola, você mandava convite para as reuniões era uma luta para
eles aparecerem. (Dália)
foi direcionada a um público específico, não houve preocupação com o campo, pelo contrário,
este sempre foi apresentado como um lugar de atraso, que não oferece perspectiva de vida e
que a cidade, sim, é um espaço de desenvolvimento, de ascensão dos sujeitos. Como diz
Munarim(2006),
[...] trata-se da busca de superação do paradigma dominante, que, antes de tudo,
projeta o campo como a faceta atrasada da sociedade. Com efeito, da visão
dicotômica, que tem a cidade como o ideal de desenvolvimento a ser por todos
alcançado, e o rural como a permanência do atraso, no Brasil, mormente tem se
produzido políticas públicas voltadas ao desenvolvimento econômico e social em
franco privilégio ao espaço humano citadino ou, mais que isso, em detrimento da
vida no meio rural. As políticas voltadas ao meio rural são traçadas no sentido de
extrair do campo o máximo de benefício em favor da vida na cidade, ou então, no
sentido de urbanizar o espaço rural. (MUNARIM, 2006, p.19)
Pensar numa escola do campo e para o campo exige um currículo que atenda a
realidade local. Para as participantes, o currículo das escolas que atuam, tem se constituído
uma dificuldade, se apresentando distante da realidade dos alunos. Margarida e Dália citaram,
o currículo como um dos entraves para se desenvolver uma educação dentro das perspectivas
da Pedagogia da Alternância.
O currículo é o mesmo currículo, então você trabalha os mesmos conteúdos da zona
urbana com eles, eles tem acesso a tudo que os alunos aqui do centro tem, então eles
e nem os outros professores, nem o diretor tem a escola como uma escola da zona
rural. (Margarida)
E assim a grande dificuldade ainda é porque esse currículo da escola do campo ainda
é da mesma forma do currículo das escolas urbanas. (Dália)
Uma das funções dos currículos de educação do campo será a de dar centralidade
política e pedagógica ao direito da infância e da adolescência, dos jovens e dos
adultos do campo a se conhecerem nessa especificidade histórica e de garantir o seu
direito a se reconhecerem nesses processos de segregação e inferiorização. A
histórica inferiorização dos povos do campo se traduz nas representações sociais,
políticas e culturais, que carregam essas marcas inferiorizantes dos coletivos
diversos. Desconstruir essas representações será uma função da escola do campo.
(ARROYO, 2012, p. 237)
6 PRINCÍPIOS DA ALTERNÂNCIA
Neste capítulo discuto três dos princípios que orientam a Formação por
Alternância e que se cruzam com os princípios da Educação do Campo: a contextualização, a
interdisciplinaridade e o ensino com pesquisa. A escolha de tais princípios se deu em função
dos mesmos serem fundamentais na formação por alternância e por estes aparecerem com
maior recorrência nas discussões no âmbito do Curso de Licenciatura em Educação do
Campo/Ciências da Natureza do campus Senador Helvídio Nunes de Barros. Para abordar tais
princípios no grupo dialógico levei tarjetas escritas em cartolinas e durante a discussão do
grupo, quando falamos sobre os princípios da Formação por Alternância, no decorrer da
discussão ia introduzindo a tarjeta com o princípio do qual eu gostaria que elas discorressem.
Ao final das transcrições do grupo ficou evidente que as professoras tangenciaram
essa temática, pouco falaram sobre os princípios. Nas entrevistas busquei ampliar sobre suas
compreensões em relação aos princípios. A seguir discorro sobre três dos principais princípios
da Formação por Alternância, a interdisciplinaridade, a contextualização e a pesquisa.
6.1 INTERDISCIPLINARIDADE
universidade por mais que essa fosse à disciplina de fulano essa fosse a disciplina de
beltrano você conseguia sentir a fala de um professor dentro do conteúdo do outro
né, e eu acho que é isso que falta na gente, é a gente não se preocupar. (Dália)
porém nem sempre a implementação acontece como deveria. De acordo com Falcão (2016)
“muitas vezes, o termo interdisciplinaridade é utilizado de modo vazio, não se concretizando
nas políticas e projetos que a defendem”. A fala de Dália expressa, que de modo geral, as
formações acontecem com disciplinas isoladas, com pouco diálogo entre si, o que sem dúvida,
dificulta uma atuação interdisciplinar.
O que é que eu vejo é que, tipo é cobrado da sociedade, um conteúdo, algo que não
foi não fez parte da minha formação. O que é que é comum hoje os planos de
formação de professores na maioria são por disciplinas né, a Base Curricular
Comum ela vem aí com mais essa proposta de fragmentar o ensino, eu vou formar
professor para a disciplina [...]a gente foi formada nesse curso de Educação do
Campo, sai habilitado para trabalhar com três disciplinas né e seria para o professor
trabalhar essas três áreas de forma interdisciplinar e aí, como é que me cobram uma
coisa antes de eu ter tido a formação, como é que vem um texto , uma prova ,
avaliação me cobrando uma coisa que o próprio sistema, parte do sistema
novamente, não nos permitiu fazer. (Dália)
6.2 CONTEXTUALIZAÇÃO
ir para as comunidades, ir tentar viver na prática o que a gente estava vendo lá nos
bancos da universidade, então assim o que eu vejo na contextualização hoje, é uma
coisa que eu aprendi porque eu tinha essa visão quando eu entrei no curso eu tinha
visão que a contextualização era à prática pós-teoria, eu tinha essa visão antes de eu
entrar no curso (Dália)
Professor que virou pra mim e disse Dália essa contextualização NÃO ACONTECE
QUANDO EU DOU UM CONTEÚDO E QUERO CULMINAR COM A
PRATICA PARA ESSE MENINO, e realmente ela não acontece, ela acontece
quando eu tenho acesso à coisa e quando eu vejo o conteúdo, eu CONSIGO, refletir,
analisar, criticar sobre aquilo porque eu reconheço no que eu já tive, com o que eu
vivo (Dália)
Então se eu trabalho com o aluno do campo, eu não sou do campo, eu não me sinto
do campo e às vezes eu me sinto ainda até desprivilegiado quando diz assim eu
trabalho na escola da zona rural, então tudo isso afeta, dificulta mais ESSA
BENDITA CONTEXTUALIZAÇÃO que de fato ela é necessária para que o aluno
ele se aceite, porque nós também estamos vivendo isso né, que o aluno se aceite
enquanto aluno do campo(risos) eles possam se ver, que o campo ele pode formar
uma pessoa, ele pode sair dali uma pessoa intelectual, profissional que possa fazer a
diferença, então também ainda tem essa desmistificação, até o aluno se compreende,
se aceitar enquanto aluno do campo. (Margarida)
E como é que você vai repassar esse conteúdo para ele se você não entende, não
sabe nada sobre o campo, não entende de como vai ser aquela educação, você tem
que conhecer a educação do campo. (Azaleia)
A vivência, o dia a dia, a rotina é do campo é diferente da cidade, então para que eu
contextualize esse conteúdo, para eu que eu contextualize esse conhecimento eu
preciso ter um material voltado para realidade deles. (Dália)
Dentro das palestras, das reuniões dos pais, falar da importância quem tem dessa
família dentro da escola, de trazer o aprendizado da escola pra comunidade deles
levar pra casa que a escola absorve a experiência deles como família, como
comunidade. (Dália)
6.3 PESQUISA
A Formação por Alternância utiliza-se do meio, ou seja, do campo como uma das
potencialidades para desenvolver o ensino com pesquisa, partindo de uma iniciativa local e
conjunta, de maneira diferente e de acordo com cada contexto formando uma rede, mas
valorizando as heterogeneidades estabelecidas pelos povos do campo. Compreender, pois o
campo como um espaço propício para promoção do ensino com pesquisa faz com que o povo
dê um salto da ingenuidade à criticidade, do senso comum ao conhecimento científico e
coloca-os como sujeito do seu próprio processo de aprender, sendo Lima (2011) diz que
os projetos educativos desenvolvidos no meios rural devem ser pensados numa
perspectiva crítica e emancipadora, rompendo com as práticas formativas
104
Pra mim a pesquisa foi assim um divisor de aguas na minha vida (risos) porque até
então, participar, ser aluna do curso eu não sabia, eu tinha terminado um curso na
área de exatas, matemática, e em momento algum eu fiz uma pesquisa os quatro
anos na Federal e não sabia de fato desenvolver uma pesquisa ou fazer uma pesquisa
então quando eu cheguei à educação do campo com esse modelo da Pedagogia da
Alternância para mim foi tudo, foi assim um novo momento uma nova fase, um
novo momento da minha vida que eu estava vivendo e eu sempre costumo falar
brincando às vezes eu sou outra pessoa depois do curso da educação do campo que
enquanto pessoa, enquanto profissional e a pesquisa ela, assim pra mim ela foi top
demais! (Margarida)
105
Margarida discorre ainda sobre como entende a relação entre ensino e pesquisa e
afirma que, a partir da formação por alternância, tenta vivenciar a pesquisa em sua prática
docente.
A gente vê essa relação algo muito interligado entre o ensino e a pesquisa, então
assim para mim ela é assim de total importância para nós enquanto alunos e
profissionais também, obvio que nem todos os conteúdos que a gente trabalha na
sala de aula, gente consegue fazer com que os alunos pesquisem, mas com essa base
que a gente tem, vai trazendo aos poucos, trazendo essa prática de pesquisa e ela sim
é o carro chefe na minha vida hoje (Margarida)
É ai quando entra é, como a gente entrou no curso, como vocês falaram aí, não tinha,
a gente não tinha aquele hábito de pesquisa né, aí você passa a conhecer a pesquisa
você ver que é mais fácil, que é mais fácil a aprendizagem do que só naquela
prática. (Azaleia)
Torna mais fácil à aprendizagem deles porque ele fica na mente dele, não é aquela
coisa de eu pegar aqui e só passar, só copiar de um lugar para outro, não a pesquisa
vai ficar na sua mente. (Azaleia)
enriquecer suas práticas, melhorar o seu desempenho em sala de aula e aproxima-las de seus
alunos e da comunidade onde a escola está inserida, passando a enxergar o campo como meio
importante de potencialidades cultural, econômica, social, religiosas que precisam ser
desenvolvidas junto com a escola. A seguir minhas impressões finais sobre a temática.
107
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da
busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da
alegria”. (FREIRE, 1996, p.160)
Parafraseando Paulo frei re, a “alegria” de chegar até aqui é algo que não tem
explicação, não encontro palavras que possa descrever essa sensação ao ver o resultado de um
trabalho que percorreu por vários caminhos, muitos deles bastantes tortuosos e doloridos,
outros de aprendizagens e experiências vividas... Caminhos que me levaram a reencontrar
minhas amigas e colegas de formação, professoras, que apresento nessa pesquisa como
sujeitos em constante processo de formação.
Eis que chego à fase conclusiva dessa pesquisa, certa de que isso não se configura
o fim. É muito gratificante chegar à conclusão dessa dissertação, o sentimento que uso para
descrever esse momento, é felicidade! Estou feliz por ter pesquisado sobre algo que fez e faz
parte da minha vida. Escrever sobre Educação do Campo é como falar de mim mesma, pois
como já registrei em outro momento, minha vida inteira foi no campo. Foi no campo que
nasci que aprendi a falar, a andar, a amar, a ler e escrever, a ser professora. É no campo onde
eu tenho os maiores tesouros de minha vida, minha mãe e meus alunos. Embebida por esse
sentimento e parafraseando, Fernando Sabino (1981), mesmo tendo que colocar um fecho
nessa pesquisa, tenho a convicção que “estamos apenas começando, a certeza de que é preciso
continuar e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar”.
Para vivenciar essa pesquisa tive que percorrer caminhos antes percorridos, pois
estou diretamente ligada ao meu objeto de estudo, afinal também sou uma das egressas do
Curso de Licenciatura em Educação do Campo/Ciências da Natureza, curso que tem como
princípio formativo a Alternância. Findada a formação muitas foram as inquietações sobre a
Formação por Alternância e sua aplicabilidade. Como professora da zona rural, queria
entender como estava sendo para as minhas colegas colocarem em prática todo o aprendizado
adquirido na Universidade. Por ser a Formação por Alternância uma metodologia de ensino
voltada aos povos do campo que tem como objetivo levar uma educação emancipadora, os
tempos comunidades e Universidades vividos na graduação, as leituras me levaram então a
questão principal dessa pesquisa: como os professores egressos do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo significam a formação que receberam baseada na Pedagogia da
Alternância e de que modo esta tem repercutido em seus modos de ser professor?
108
Margarida afirma que essa formação foi um marco em sua vida, através dessa
formação ela se descobriu como professora do campo, como pesquisadora se tornou uma
professora mais humanizada. A formação também contribuiu para sua prática pedagógica,
pois através da formação pode experiênciar novas metodologias em sua prática docente.
Ser professor que atua a partir da Alternância tem sido um dos grandes desafios na
vida dessas professoras, trabalhar com a Alternância requer dedicação, superação, exige
doação, sendo um desafio a ser vencido todos os dias. O professor precisa ter um olhar para
Educação do Campo, não tem como passar por uma formação como essa baseada na
Alternância e voltar para sala de aula e continuar fazendo educação do mesmo jeito, ele não
consegue e isso fica claro nas falas das professoras.
Através da investigação pude identificar que a alternância transformou essas
professoras, em professoras mais humanizadas, que se compadecerem com a dor do outro,
com a situação de vida dos seus alunos, que querem ver seu aluno e a escola crescerem, e
acreditam na transformação, na emancipação. A formação as levou a entender que não se faz
educação sozinha. Como nos diz Freire (2000, p 11) educar “é um ato de amor, por isso
requer coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir a discussão
criadora, sob pena de ser uma farsa”. Sendo assim, ser professor do campo, exige se envolver
com as questões sociais das comunidades, se engajarem na luta junto com eles por projetos de
desenvolvimento que tragam melhoria para a escola, para as famílias, o que foi possível
perceber nas falas das entrevistadas. Desse modo, respondo ao segundo objetivo.
A terceira categoria traz três dos princípios da formação por alternância:
contextualização, interdisciplinaridade e a pesquisa, a fim de responder ao terceiro objetivo.
Através dessa categoria pude perceber a angústia das professoras por não conseguirem
colocar em prática o que aprenderam na formação, considerando que o município de Picos
não desenvolve a formação por alternância e nem oferece condições para tal. Muitos são os
entraves para vivenciar tais princípios, indo desde as estruturas físicas das escolas ao currículo
e, portanto, dificultando o trabalho das professoras. Mesmo diante desses limites, foi possível
identificar em suas narrativas que elas estão sempre desenvolvendo ações, atividades, projetos
dentro e fora da escola onde é possível reconhecer os princípios da Alternância.
Essa categoria revelou que vivenciar esses princípios tem sido a parte mais difícil
e complicada para essas professoras, talvez pela complexidade que eles envolvem ou porque,
em nossa formação, esses princípios não foram vivenciados em profundidade, especialmente,
o princípio da interdisciplinaridade, revelando um aspecto frágil da formação recebida.
111
A LEDOC nos seus primeiros editais oferecia vagas para os professores que
atuavam no campo, foi através de uma vaga dessas que eu fiz esse curso, assim como as
professoras aqui investigadas, porém, nos últimos editais isso não mais acontece, não prioriza
o educador do campo, o que leva a crer que mais uma vez a Educação do Campo está sendo
excluída do rol das discussões governamentais. Esse descaso pode ser entendido em função
do amordaçamento dos movimentos sociais do campo, que a cada dia estão mais esvaziados
pela truculência de um governo antipopular. É necessário, portanto, a resistência dos povos do
campo e de todos nós que defendemos e acreditamos numa educação democrática e
libertadora, para além do mercado financeiro, uma educação que pense nos povos como seres
de possibilidades, com capacidade intelectual, criativa, respeitando sua cultura, suas crenças,
costumes e promova a sua ascensão social e política.
Acredito que a pesquisa também trouxe contribuições para ampliação do campo
teórico relacionado à Formação por Alternância nos cursos Licenciaturas em Educação do
Campo, ao discutir as diversas categorias foi possível perceber como tais aspectos precisam
ser considerados nas formações de professores do campo.
Essa pesquisa se destaca, ainda, devido ao ineditismo. Em levantamento realizado
na construção do Estado da Questão, empreendi buscas em três bases de dados (CAPES,
BNTD e Biblioteca virtual do MST), o mapeamento revelou que nessas plataformas digitais,
até a data da busca dessa pesquisa, não constava nenhuma produção acadêmica que tratasse da
Formação de professores por Alternância na modalidade de Licenciatura. O que leva a
acreditar e confirmar o ineditismo dessa pesquisa.
Portanto, consciente de que o conhecimento produzido nesta investigação não se
esgota nela, acredito que esta pesquisa possibilita a abertura de outros estudos sobre a
Formação por Alternância no Curso de Licenciaturas em Educação do Campo/ Ciências da
Natureza, que considerem o professor como um disseminador de conhecimento, escutando
sua voz, entendendo-o de modo integral, a fim de favorecer conhecimentos sobre o
desenvolvimento profissional docente e pensar em ações concretas neste campo de estudo,
ajudando a vislumbrar políticas públicas de formação para os professores do campo.
Vale ressaltar ainda que o desenvolvimento dessa pesquisa representou a
realização de um sonho há muito almejado, lembro-me de sempre repetir entre os colegas e
amigos que eu iria fazer um mestrado e o repetia sempre depois de ter ouvido de um colega
professor que eu iria conseguir, porque só o fato de viver repetindo isso já se configurava
como uma obrigação e que eu teria que cumprir. E aqui estou redigindo o que pode se chamar
113
REFERÊNCIAS
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