A Educação Pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto, Sob A: Perspectiva de Benedito Nunes
A Educação Pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto, Sob A: Perspectiva de Benedito Nunes
A Educação Pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto, Sob A: Perspectiva de Benedito Nunes
Introdução
A educação pela pedra, de 1966, é o alvo deste estudo em razão de ter sido
analisado por Benedito Nunes no ensaio “A máquina do poema”, presente na segunda
parte de O dorso do tigre, de 1969, obra que recolhe vários ensaios do critico literário
1
Ingrid Cordeiro. Universidade Federal do Pará (UFPA)
E-mail: [email protected]
2
Maria de Fátima do Nascimento. Universidade Federal do Pará (UFPA)
E-mail: [email protected]
paraense, livro que além de tratar de crítica literária acerca da obra de literatos
consagrados como Clarisse Lispector, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa e,
evidentemente, João Cabral De Melo Neto, na primeira parte, versa sobre filosofia. O
ensaio “A máquina do poema” foi publicado, inicialmente, de acordo com Nascimento
(2012, p. 248), no jornal O Estado de São Paulo, em 3 de dezembro de 1966 e reeditado
em O dorso do tigre em 1969.
A primeira questão sobre a qual discorre Benedito Nunes acerca de A
educação pela pedra diz respeito ao fato de a obra convergir as duas veredas nas quais
caminha a poesia de João Cabral de Melo Neto, uma delas leva a uma poesia
metalinguística, preocupada em desvendar os mecanismos da linguagem poética e a
outra de cunho social, que pensa na condição humana e suas mazelas, preocupações que
são fundamentais na formulação das imagens que compõem os poemas.
A arquitetura poética pensada por João Cabral se faz presente em A educação pela
pedra, a percebemos quando observamos a organização dos 48 poemas ao longo livro
que é dividido em quatro partes: Nordeste (a), Não Nordeste (b), Nordeste (A) e Não
Nordeste (B). Cada uma apresenta 12 poemas e cada poema duas estrofes. Benedito
Nunes descreve a estruturada da obra em O dorso do tigre:
3
(NUNES, 2009, p. 262)
A imagem na poesia é um tema amplamente discutido por teóricos que
estudam literatura, aos quais recorremos com o intuito de analisar os poemas de A
educação pela pedra. Dentre os estudiosos consultados destacamos Octávio Paz
(PAZ,1996, p. 37), poeta e ensaísta mexicano, o qual afirma que “Convém advertir,
pois, que designamos com a palavra imagem toda forma verbal, frase ou conjunto de
frases, que o poeta diz e que unidas compõem o poema”. Para obter mais horizontes
consultamos também Alfredo Bosi (BOSI, 1996, p. 19), importante estudioso literário
brasileiro, que em O ser e o tempo da poesia, faz a seguinte observação: “A experiência
da imagem, anterior à da palavra, vem enraizada no corpo. A imagem é afim à sensação
visual. [...]. A imagem é um modo da presença que tende a suprir o contato direto e a
manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua existência em nós”.
Nesse sentido, observa-se que João Cabral recorre às coisas concretas da
realidade para compor os poemas de A educação pela pedra, assim como é observado
também em outros textos do autor, a exemplo de Uma faca só lâmina. E esse traço
objetivo ostensivo permite-lhe dizer o mundo por meio de objetos concretos, o que
afasta do seu léxico palavras como “amor”, “saudade” e “tristeza”. Essa marca criativa
pode ser responsável também pela criação de imagens que para Massaud Moisés
(MOISÉS, 1992, p.282). “constitui a representação mental de objetos sensíveis”
As imagens em A educação pela pedra se sobressaem por meio da linguagem
carregada de representações materiais e estão impregnadas de significados que
transcendem o conteúdo semântico original desses objetos, os quais se tornam
metáforas para questões metapoéticas e sociais, por exemplo.
A multiplicidade semântica da imagem é também observada nos poemas de
João Cabral de Melo Neto bem de acordo com o que nos ensina Octávio Paz (PAZ,
1996, p. 37): “Cada imagem – ou cada poema composto por imagens – contém muitos
significados contrários e díspares, aos quais abarca ou reconcilia sem suprimi-los”.
A contribuição da metáfora para o desenvolvimento e apreensão das imagens
nos poemas da referida obra foi observado pelo crítico paraense (NUNES, 2009, p. 260)
ao analisar o poema “Os vazios do homem”, segundo poema da parte Não Nordeste (B),
poema de 24 versos, dispostos em duas estrofes constando cada uma de 12 versos, cujos
primeiros versos são: “Os vazios do homem não sentam ao nada/do vazio qualquer: do
do casaco vazio,/ do da saca vazia (que não fica de pé/ quando vazios, ou o homem com
vazios)4”. Acerca das imagens e metáforas que ocorrem nesse poema Nunes observa:
4
(MELO NETO, 1996, p. 71)
5
(NUNES, 2009, p. 260)
6
(MELO NETO, 1996, p. 63)
que segrega/ (sarro ou suor, bile íntima ou ranho),/ ou sofre (o amarelo de sentir triste,/
de ser analfabeto, de existir aguado)”7.
“A educação pela pedra”, poema título da obra analisada por Nunes em O
dorso do tigre, presente na parte Nordeste (a), constituído por 16 versos, distribuídos
em duas estrofes, com 10 e 6 versos respectivamente, é o poema que carrega a imagem
da pedra, a qual representa o livro, traz a possibilidades de lê-lo como um poema de
intenção social ou metapoético. A primeira interpretação é engendrada pela leitura da
segunda estrofe:
7
(IDEM)
8
(MELO NETO, 1996, p. 21 )
captar sua voz inenfática, impessoal
[...]
a de poética, sua carnuda concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para que soletrá-la.9
9
(IDEM)
10
(MELO NETO, 1996, p. 38 )
poética sem sentimentalismo, o poeta pernambucano procura promover um texto
acessível, sem excessivos rebuscamentos e se preocupa com a problemática
humanitária, que não era objeto temático, pelo menos no primeiro momento, da poesia
parnasiana. Isso é notável no poema cabralino quando a imagem é retratada no poema
referindo-se a metapoesia, porque as palavras são retiradas de uma atividade empírica
ordinária, não usando, por exemplo, referências greco-latinas como fez Olavo Bilac no
poema “A um poeta” no verso “rica mais sóbria, como um templo grego”, procedimento
comum nos autores parnasianos.
Ao fazer relação entre o Parnasianismo e a poesia de A educação pela pedra,
o autor de O dorso do tigre (NUNES, 2009, p. 264) criticando, ressalta: “escola da qual
só nos relembramos para destacar-lhes as congênitas fraquezas, a eloquência e o
verbalismo”.
O interesse pelos mecanismos da poesia e o rigor empregado na construção de
um poema, traços marcantes da poética de João Cabra, são elementos que influenciam a
constituição das imagens, como observamos em “Cartar feijão”.
O que já foi observado por Alcides Vilaça no texto “Expansão e limite na obra
de João Cabral”, inserido no livro Leitura de poesia, organizado por Alfredo Bosi, no
qual é dito:
11
(BOSI, p, 148, 1996)
estrofes, a primeira apresenta oito versos e a segunda dezesseis, poema no qual as
imagens são primorosamente utilizadas para a transmissão desses significados:
12
(MELO NETO, 1996, p. 53)
humanitária quanto a dos direitos humanos, que partem da análise do
universo social e procuram retificar as suas iniquidades13.
Considerações finais
Referências bibliográficas:
BOSI, Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2007.
_______Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996.
_______O ser e o tempo na poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
CANDIDO, Antônio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
COUTINHO, Afrânio. A literatura no Brasil – era moderna. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1986.
13
(CANDIDO, 1995, p. 249)
MELO NETO, João Cabral. A educação pela pedra: Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1996.
_______A educação pela pedra e outros poemas/ João Cabral de Melo Neto. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2008.
_______O rio/ João Cabral de Melo Neto; [estabelecimento do texto e bibliografia
Antônio Carlos Secchin; organização Inez Cabral]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012
_______Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo Cultrix: 1992.
NASCIMENTO, Maria de Fátima. Benedito Nunes e a Moderna Crítica Literária
Brasileira (1946-1969), v. 1, 2012, 343 p. Teses (Doutorado em Teoria e História
Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem -, Universidade Estadual de Campinas,
São Paulo, 2012.
_______, Maria de Fátima. Projeto de Pesquisa Benedito Nunes: Estudo da Obra O
Dorso do Tigre. PARD/PROPESP/Faculdade de Letras/ILC/UFPA, Belém, 2012.
NUNES, Benedito. O dorso do tigre. São Paulo: Editora 34, 2009.
_______A criação de imagens. (Especial para a A Província do Pará). A Província do
Pará. Belém, 26 ago. 1956, Suplemento Magazine, Letras e Artes, Rodapé de Crítica, p.
9.
_______João Cabral: a máquina do poema/Benedito Nunes; organização e prefácio
[de] Alberto Muller. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007.
D‟ONOFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: Autores e obras fundamentais. São
Paulo: Ática, 1997.
POUND, Ezra. ABC da literatura. São Paulo: Cultrix, 2006.
PAZ, Octávio. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva.