A Grande Síntese 2.0 - Pietro Ubaldi
A Grande Síntese 2.0 - Pietro Ubaldi
A Grande Síntese 2.0 - Pietro Ubaldi
A Grande
Síntese
Síntese e solução dos problemas
da Ciência e do Espírito.
UNIVERSALISMO
Sumário
Apresentação
1 — Ciência e Razão
2 — Intuição
3 — As Provas
4 — Consciência e Mediunidade
6 — Monismo
8 — A Lei
21 — A Lei do Devenir
27 — Síntese Cíclica. Lei das Unidades Coletivas e Lei dos Ciclos Múltiplos
38 — Gênese da Gravitação
41 — Interregno
44 — Superações Biológicas
45 — A Gênese
46 — Estudo da Fase β — Energia
47 — A Degradação da Energia
49 — Da Matéria à Vida
62 — As Origens do Psiquismo
63 — Conceito de Criação
67 — Oração do Viandante
69 — A Sabedoria do Psiquismo
75 — O Homem
76 — Cálculo de Responsabilidades
79 — A Lei do Trabalho
80 — O Problema da Renúncia
81 — A Função da Dor
82 — A Evolução do Amor
83 — O Super-Homem
84 — Gênio e Neurose
87 — A Divina Providência
89 — Evolução do Egoísmo
92 — O Problema Econômico
93 — A Distribuição da Riqueza
95 — A Evolução da Luta
100 — A Arte
Despedida
Apresentação
Todos nós temos o vago sonho de encontrar um LIVRO que nos seja como uma
casa definitiva — a casa de sonho que procuramos. Um livro no qual moremos,
ou passamos a morar. (...) Pois creio que encontrei o MEU LIVRO. Ele chama-
se A Grande Síntese de Pietro Ubaldi. Temos de lê-lo e relê-lo. Lendo-o estou a
vagar no alto mar desse livro — tonto, deslumbrado, maravilhado!
Vede, pois, que todos os vossos progressos e todos os vossos surtos evolutivos
estão previstos no Evangelho. Todas as vossas ciências e valores, no quadro
das civilizações passadas e no mecanismo das que hão de vir, estão
consubstanciados na sua palavra divina e redentora.
EMMANUEL
SUA VOZ
Vosso século possuiu e desenvolveu uma ideia toda própria, que os séculos
precedentes não viam, pois estavam atentos em receber e desenvolver outras.
Vossa ideia foi a ciência, com que acreditastes descobrir o absoluto, embora
essa também seja uma ideia relativa, que, esgotado seu ciclo, passa; eu venho
falar-vos exatamente porque ela está passando.
Vossa ciência lançou-se num beco escuro, sem saída, onde vossa mente não
tem amanhã. Que vos deu o último século? Máquinas como jamais o mundo as
teve, mas que, no entanto, são apenas máquinas e que, em compensação,
ressecaram vossa alma. Essa ciência passou como um furacão destruidor de
toda a fé e vos impõe, com a máscara do ceticismo, um rosto sem alma. Sorris
despreocupados, mas vosso espírito morre de tédio, e ouvem-se gritos
dilacerantes. Até vossa própria ciência é uma espécie de desespero metódico,
fatal, sem mais esperanças. Terá ela resolvido o problema da dor? Que uso
sabeis fazer dos poderosos meios que lhe deram os segredos arrancados da
natureza? Em vossas mãos, o saber e a força se transformam sempre em meios
de destruição.
Para que serve, então, o saber, se, ao invés de vos impulsionar para o Alto,
tornando-vos melhores, torna-se para vós instrumento de perdição? Ó céticos,
que julgais ter resolvido tudo, não riais, pois sufocastes o grito de vossa alma, a
qual anseia por subir! A dor vos persegue e vos encontrará em qualquer lugar.
Sois crianças que julgais evitar o perigo, escondendo a cabeça e fechando os
olhos, mas existe uma lei que — invisível para vós, todavia mais forte que a
rocha e mais poderosa que o furacão — caminha inexorável, movimentando
tudo, animando tudo; essa lei é Deus. Ela está dentro de vós, vossa vida é uma
exteriorização dela, e derramará sobre vós alegria ou dor, de acordo com a
justiça, como o merecerdes. Eis a síntese que vossa ciência, perdida nos infinitos
pormenores da análise, jamais poderá reconstituir. Eis a visão unitária, a
concepção apocalíptica que venho trazer-vos.
A ciência pela ciência não tem valor, vale apenas como meio de ascensão da
vida. Vossa ciência tem um pecado original: dirigir-se apenas à conquista do
bem-estar material. A verdadeira ciência deve ter como finalidade tornar
melhores os homens. Eis a nova estrada que precisa ser palmilhada. Essa é a
minha ciência. 2
2. Para compreender esse estilo incomum, é necessário conhecer a técnica da gênese deste
pensamento, mediante a leitura de outros volumes, os primeiros, pertencentes à Obra.
* * *
Não falo para ostentar sabedoria ou para satisfazer a curiosidade humana, vou
diretamente ao objetivo, a fim de vos melhorar moralmente, pois venho para vos
fazer o bem. Não me vereis despender qualquer esforço para adaptar e
enquadrar meu pensamento ao pensamento filosófico humano, ao qual me
referirei o menos possível. Ao contrário, ver-me-eis permanecer continuamente
em contato com a fenomenologia do universo. Importa escutar verdadeiramente
essa voz, que contém o pensamento de Deus. Compreendei-me vós que não
acreditais; vós céticos, que julgais sabedoria ignorar as coisas do espírito e que,
no entanto, admirais o esforço de conquista exercido pelo homem diariamente
sobre as forças da natureza. Ensinar-vos-ei como vencer a morte, como superar
a dor, como viver na grandiosidade imensa de vossa vida eterna. Não acorrereis
com entusiasmo ao esforço necessário para obter tão grandes resultados?
Vamos, então, homens de boa vontade, ouvi-me! Primeiro compreendei-me com
o intelecto, pois, quando este ficar iluminado, a fim de que possais ver
claramente a nova estrada que vos traço, palpitará também vosso coração e nele
se acenderá a chama da paixão, para que a luz se transmude em vida e o
conceito em ação.
Ouvi-me, pois. A razão por vós utilizada é um instrumento que possuís para
prover o essencial, as necessidades mais externas da vida: conservação do
indivíduo e da espécie. Quando lançais este instrumento no grande mar do
conhecimento, ele se perde, porque, neste campo, os sentidos (que muito
servem para vossas necessidades imediatas) somente esfloram a superfície das
coisas, e sua incapacidade absoluta de penetrar a essência vós a sentis. A
observação e a experiência, de fato, deram-vos apenas resultados exteriores de
índole prática, mas a realidade profunda vos escapa, porque o uso dos sentidos
como instrumento de pesquisa, embora ajudado por meios adequados, vos fará
permanecer sempre na superfície, fechando-vos o caminho do progresso.
Não vos espanteis com esta incompreensível intuição. 3 Começai por não negá-
la, e ela aparecerá. O grande conceito que a ciência afirmou (embora de forma
incompleta e com consequências erradas), a evolução, não é uma quimera e
estimula vosso sistema nervoso para uma sensibilidade cada vez mais delicada,
a qual constitui o prelúdio dessa intuição. Assim se manifestará e aparecerá em
vós essa psique mais profunda por lei natural de evolução, por fatal maturação,
que está próxima. Deixareis de lado, para uso da vida prática, vossa psique
exterior e de superfície, a razão, pois só com a psique interior, que está na
profundeza de vosso ser, podereis compreender a realidade mais verdadeira,
que se encontra na profundeza das coisas. Esta é a única estrada que conduz
ao conhecimento do Absoluto. Só entre semelhantes é possível a comunicação;
para compreender o mistério que existe nas coisas, deveis saber descer no
mistério que está em vós.
3. Desse especialíssimo método de pesquisa, aqui apenas delineado, os volumes As Noúres e
Ascese Mística tratam a fundo.
Não ignorais isto totalmente; olhais admirados tantas coisas que afloram de
vossa consciência mais profunda sem poderdes descobrir as origens: instintos,
tendências, atrações, repulsas, intuições. Daí nascem irresistíveis todas as
maiores afirmações de vossa personalidade. Aí está o vosso verdadeiro e eterno
eu. Não o eu exterior, aquele que sentes mais quando estais no corpo, que é
filho da matéria e que morre com ela. Esse eu exterior, essa consciência clara,
expande-se no contínuo evolver da vida, aprofunda-se para aquela consciência
latente, que tende a vir à tona e a revelar-se. Os dois polos do ser — consciência
exterior clara e consciência interior latente — tendem a fundir-se. A consciência
clara experimenta, assimila e imerge na latente os produtos assimilados através
do movimento da vida, destilando valores e gerando automatismos, que
constituirão os instintos do futuro. Assim expande-se a personalidade com essas
incessantes trocas e se realiza o grande objetivo da vida. Quando a consciência
latente tiver-se tornado clara e o eu tiver pleno conhecimento de si mesmo, o
homem terá vencido a morte. Aprofundarei mais adiante essa questão.
O estudo das ciências psíquicas é o mais importante que podeis fazer hoje. O
novo instrumento de pesquisa que deveis desenvolver e que está-se
desenvolvendo naturalmente é a consciência latente. Já olhastes bastante para
fora de vós. Agora resolvei o problema de vós mesmos, e tereis resolvido todos
os outros problemas. Habituai aos poucos vosso pensamento a seguir esta nova
ordem de ideias. Se souberdes transferir o centro de vossa personalidade para
essas camadas profundas, sentireis revelar-se em vós novos sentidos, uma
percepção anímica, uma faculdade de visão direta; esta é a intuição da qual vos
falei. Purificai-vos moralmente e refinai a sensibilidade do instrumento de
pesquisa que sois vós, e só então podereis ver.
Se vossa consciência já não vos faz mais admirar qualquer nova possibilidade,
como podeis negar a priori uma forma de existência diferente daquela do vosso
corpo físico? Deveis pelo menos alimentar a dúvida a respeito da sobrevivência
que vosso eu interno vos sugere a cada momento e que inconscientemente, por
instinto, sonhais em todas as vossas aspirações e obras. Como podeis acreditar
que vossa pequenina Terra, a qual vedes navegar pelo espaço como um
grãozinho de areia no infinito, contenha a única forma possível de vida no
universo? Como podeis acreditar que vossa vida de dores e alegrias fictícias e
contraditórias possa representar toda a vida de um ser?
Então, não esperastes nem sonhastes nada mais alto na diuturna fadiga de
vossos sofrimentos e de vosso trabalho? Se eu vos oferecesse uma fuga desses
sofrimentos, uma libertação e uma superação; se eu vos abrisse o respiradouro
de um grande mundo novo, que ainda desconheceis, e vos permitisse
contemplá-lo por dentro para vosso bem, não correríeis como correis para ver
as máquinas que devoram o espaço sulcando os céus e ouvem as longínquas
ondas elétricas? Vinde. Mostro-vos as grandes descobertas que fará a ciência,
especialmente as das vibrações psíquicas, por meio das quais nos é permitido,
a nós, espírito sem corpo, comunicar-nos com aquela parte de vós que é espírito,
como nós. Segui-me. Não se trata de um lindo sonho nem de fantástica
exploração do futuro o que estou fazendo: é o vosso amanhã. Sede inteligentes
à altura de vossa ciência; sede modernos, ultramodernos, e vislumbrareis o
espírito, que é a realidade do amanhã, e o tocareis com o raciocínio, com o
refinamento de vossos órgãos nervosos, com o progresso de vossos
instrumentos científicos. O espírito está aí, à espera, e fará vibrar as civilizações
futuras.
* * *
Não sabeis que todas as descobertas humanas nasceram da profundidade do
espírito que contatou com o além? De onde vem o lampejo do gênio, a criação
da arte, a luz que guia os líderes dos povos, senão deste mundo, de onde vos
falo? As grandes ideias que movem e fazem avançar o mundo, acaso as
encontrais no ambiente de vossas competições cotidianas ou no mundo dos
fenômenos que a ciência observa? Então, de onde vêm?
Não podeis negar o progresso: o próprio materialismo, que vos tornou céticos,
teve de proferir a palavra evolução. Vós mesmos que negais estais todos
ansiosos e ávidos de ascensão; não podeis negar que o intelecto progride e que
existem alguns homens mais adiantados do que outros. Portanto não pode ser
impossível para a razão e para a ciência admitir que alguns dentre vós tenham
atingido, por evolução, tal sensibilidade nervosa de sentir o que não conseguis
perceber: as ondas psíquicas, que nós, os espíritos, transmitimos. São eles os
médiuns espirituais, verdadeiros instrumentos receptores de correntes e de
conceitos que podemos transmitir. Esse é o mais alto grau de mediunidade (em
alguns casos totalmente consciente), quando podem-se estabelecer relações de
sintonia; disso nos servimos para o elevado objetivo de vos transmitir nosso
pensamento.
Muitos médiuns ouvem com novo sentido de audição psíquica, não mais com o
acústico. Ouvem-nos com seu cérebro. Sintonia quer dizer capacidade de
ressonância. Espiritualmente, sintonia é simpatia, isto é, capacidade de sentir
em uníssono. Tanto acústica, como elétrica ou espiritualmente, o princípio
vibratório de correspondência é o mesmo, porque a Lei é una em todos os
campos. 4
4. Para o desenvolvimento destes conceitos, vejam-se os volumes: As Noúres, Ascese Mística,
A Nova Civilização do Terceiro Milênio e Problemas do Futuro.
Naturalmente, quem não ouve nega; mas não poderá e não terá o direito de
negar que os outros possam ouvir e que ouçam. Quem nega pede provas e só
se dispõe a conceder seu consentimento depois de haver verificado esses fatos,
necessários para sacudir esse seu tipo de mentalidade. Jamais pensastes na
relatividade de vossa psicologia, devida aos diversos graus de evolução de cada
um? Jamais pensastes naquilo que impressiona a mente de um, mas deixa a de
outro indiferente, e como cada um exige a “sua” prova? Que número enorme de
provas seria necessário para cada um sentir-se impressionado em sua própria
sensibilidade particular! Para cada indivíduo há um fato específico para inserir-
se em sua vida, em sua concepção de vida, na orientação dada a todos os seus
atos. O próprio raciocínio não serve para todos, porque a demonstração, com
frequência, torna-se discussão, que, em lugar de convencer, transforma-se em
desabafo agressivo, exemplo de luta que exacerba os ânimos.
Restaria o prodígio. Mas as leis de Deus são imutáveis, porque perfeitas, e o que
é perfeito não pode ser alterado nem corrigido. Acreditai: só em vossa psicologia,
sedenta de violações, pode existir esse pensamento atrasado de que uma
violação seja prova de força. Isso pode ter ocorrido em vosso passado de
homens selvagens, imbuídos de luta e rebelião; para nós, o poder está na ordem,
no equilíbrio, na coordenação das forças, e não na revolta, na desordem, no
caos.
A verdadeira prova é apenas uma. É a mão de Deus que vos alcança em vossas
próprias casas, é a dor que, superando as barreiras humanas, vos atinge e vos
sacode, é a crise do espírito, é a maturação do destino, é a tonitruante voz do
mistério, que vos surpreende a cada esquina da vida e vos diz: basta! Eis o
caminho! Essa prova, vós a sentis; ela vos perturba, esmaga, espanta, mas é
irresistível, transforma-vos e vos convence. Então vós, negadores irônicos, vos
ajoelhais, tremeis e chorais. Chegou o grande momento. Deus vos tocou. Eis a
prova!
Vossa vida está cheia dessas forças desconhecidas em ação. São as maiores,
das quais dependem vossas vicissitudes e o destino dos povos. Quantas já não
estão prontas a se moverem no desconhecido amanhã, mesmo contra vós que
me ledes? Os inconscientes sacodem os ombros ao amanhã; só os corajosos
ousam olhá-lo de frente, seja bom ou ruim. Eu falo, ó homem, de vosso destino,
de vossa vitória e de vossas dores de amanhã, não apenas daquele longínquo
futuro sobre o qual não vos preocupais, mas de vosso futuro próximo. Minhas
palavras vos darão um novo e mais profundo sentido da vida e do destino, de
vossa vida e de vosso destino.
Já falei ao mundo e aos povos de seus grandes problemas coletivos. Agora falo
a vós, no silêncio de vosso recolhimento. Minhas palavras são boas e sábias e
visam a fazer de vós um ser melhor, para vós mesmos, para vossa família, para
vossa pátria.
4
Consciência e Mediunidade
Tendes meios para comunicar-vos com seres mais importantes que aqueles a
quem chamais habitantes de Marte, mas são meios de ordem psíquica, não
instrumentos mecânicos; meios psíquicos cuja realidade a ciência (que pesquisa
de fora para dentro) e a vossa evolução (que se expande de dentro para fora)
trarão à luz. Pode chamar-se consciência latente, uma consciência mais
profunda que a normal, onde se encontram as causas de muitos fenômenos
inexplicáveis para vós. O sistema de pesquisa positiva, ao vos fazer olhar mais
profundamente as leis da natureza, também vos fez descobrir o modo de
transformar as ondas acústicas em elétricas, dando-vos um primeiro termo de
comparação sensível daquela materialização de meios que empregamos. Já vos
avizinhastes um pouco e hoje podeis, mesmo cientificamente, compreender
melhor.
Acenei a essa consciência interior, porque ela é a base da mais alta forma de
vossa mediunidade: a mediunidade inspirativa, ativa e consciente, que é
justamente a manifestação da personalidade humana, quando esta, por
evolução, atinge esses estados profundos de consciência, que podem chamar-
se intuição.
Falei de vossa razão humana, com a qual construístes vossa ciência, e afirmei
não só a relatividade desse instrumento de pesquisa, mas também a sua
insuficiência como meio para conquistar o conhecimento do Absoluto.
Agora vos conduzo lentamente, cada vez mais próximo do centro da questão. O
estudo que vos exponho representa novo princípio para vossa ciência e filosofia,
novo rumo para vosso pensamento. O momento psicológico que a humanidade
atravessa hoje requer a ajuda dessa revelação. Não vos assusteis com essa
palavra; revelação não é apenas aquilo de que nasceram as religiões, mas
também qualquer contato da alma humana com o pensamento íntimo que existe
na criação, contato que revela ao homem um novo mistério do ser. Como está
hoje — vós o sabeis — a psicologia humana não tem amanhã; ela o busca
ansiosamente, mas, por si só, não sabe achá-lo. Espera algo, confusamente,
sem saber o que poderá nascer, de onde e como; mas espera por necessidade
íntima, por imperioso instinto, porque este constitui lei da vida; permanece na
expectativa de ouvir algo e se limita a avaliar as vozes, as verdadeiras e as
falsas, a fim de escolher aquela que corresponderá a seu infalível instinto e que,
descendo das profundidades do infinito, será a única a fazê-la tremer. Esperam-
na, sobretudo, os homens de pensamento, que estão à frente do movimento
intelectual; esperam-na os homens de ação, que estão à frente do movimento
político e econômico do mundo. A mente humana procura um conceito que a
abale, conceito profundo e mais poderosamente sentido, que a oriente para a
iminente nova civilização do Terceiro Milênio.
Devo definir desde logo meu pensamento, para não ser mal interpretado e posto
na mira dos ansiosos de destruição e agressividade humana. Não venho para
combater nenhuma religião, mas para coordená-las todas, como diferentes
aproximações da verdade, UNA, e não múltipla como quereríeis. No entanto
coloco no mais alto posto da Terra a revelação e a religião de Cristo, porque é a
mais completa e perfeita dentre todas. Esclarecido este conceito, prossigo e
verifico o fato inegável de que nenhuma de vossas crenças hoje levanta, abala
e verdadeiramente arrasta as massas.
Diante das grandes paixões que outrora moviam os povos, hoje o espírito se
encontra adormecido no ceticismo; caiu de tal forma no vazio, que não tem força
para se rebelar, nem sombra de interesse, ainda que para negar; tornou-se um
nada recoberto por sorridente máscara; desceu ao último degrau; está na última
fase de esgotamento: a indiferença. Esse é o quadro de vosso mundo espiritual.
Infelizmente, o que vos guia de fato na vida real é bem outra coisa: é o egoísmo,
são vossas baixas paixões, em que acreditais cegamente. Mas a isto não podeis
chamar uma orientação, um princípio capaz de vos dirigir a objetivos mais
elevados. Se isto constitui um princípio, trata-se de um princípio de
desagregação e de ruína; para tal estado, com efeito, corre o mundo em grande
velocidade.
Então não é por acaso que vos chega minha palavra. Ela vem não para destruir
as verdades que possuís, mas para repeti-las de forma mais persuasiva, mais
evidente, mais adaptada às novas necessidades da mente humana. Vossa
psicologia não é a mesma de vossos pais, e as formas adequadas para eles não
o são para vós; sois inteligências que saíram da menoridade; vossa mente
habituou-se a olhar por si e hoje pode suportar visões mais vastas; pede, quer
saber e tem direito de saber mais. Por vossa maturação, podeis hoje ver e
resolver diretamente problemas que mal eram suspeitados por vossos avós.
Além disso, vossos problemas individuais e coletivos se tornaram por demais
complexos e delicados para que possam ser suficientes os anunciados sumários
das verdades conhecidas. No atual período de grandes maturações, vós, a cada
momento, superais vossas ideias com uma velocidade sem precedentes para
vós. Pondo de parte os imaturos e mentirosos, existe grande número de
honestos que precisam saber mais e com maior precisão. Enfim, dispondes hoje,
com os meios mecânicos fornecidos pela ciência e os segredos que tendes
sabido arrancar à natureza, de muito maior potência de ação do que no passado,
potência que requer de vós, que a manejais, uma sabedoria muito maior, a fim
de que essa potência não se torne, manejada com a mentalidade pueril e
selvagem dos séculos passados, em vossa destruição, mas sim em vosso
engrandecimento. Então é chegada a hora de dizer minha palavra.
6
Monismo
Estou no outro polo do ser, no extremo oposto àquele em que estais; vós, seres
racionais, sois análise; eu, intuitivo (contemplação, visão), sou síntese. Mas
desço agora à vossa psicologia racional de análise, tomo-a como ponto de
partida, a fim de vos levar à síntese como ponto de chegada. Parto da forma
para vos explicar o motor — o impulso obscuro e palpitante — que a anima,
tenazmente aprofundando no mistério. Penetro, sintetizo e aperto num monismo
absoluto os imensos pormenores do mundo fenomênico, incomensuravelmente
vasto se o multiplicais pelo infinito do tempo e do espaço; canalizo a
multiplicidade dos efeitos — dos quais a ciência, com imenso esforço, vislumbrou
algumas leis — nos caminhos convergentes que conduzem ao princípio único.
Farei desse mundo, que pode parecer caótico a vossas mentes, um organismo
completo e perfeito. A complexidade que vos desanima será reconduzida e
reduzida a um conceito central único e simples, a uma lei única, que dirige tudo.
A isto podeis chamar de monismo. Atentai mais aos conceitos que às palavras.
Por vezes a ciência acreditou ter descoberto e criado um conceito novo, só
porque inventou uma palavra. E o conceito é este: como do politeísmo passastes
ao monoteísmo, isto é, à fé num só Deus (mas sempre antropomórfico, pois
realiza uma criação fora de si), agora passais ao monismo, isto é, ao conceito de
um Deus que é a criação. Lede mais, antes de julgar. Farei que lampeje em
vossas mentes um Deus ainda maior que tudo o que pudestes conceber. Do
politeísmo ao monoteísmo e ao monismo, dilata-se vossa concepção de
Divindade. Este tratado, pois, é o hino de Sua glória.
Sinto já esta síntese suprema num lampejo de luz e de alegria. Quero conduzir-
vos, a vós também, a essa meta, por meio do estudo do funcionamento orgânico
do universo. Este tratado vos aparecerá assim como uma progressão de
conceitos, uma ascensão contínua por aproximações graduais e sucessivas.
Poderá também parecer-vos uma viagem do espírito; é verdadeiramente a
grande viagem da alma que regressa ao seu Princípio; da criatura que regressa
a seu Criador. Cada novo horizonte que a razão e a ciência vos mostraram era
apenas uma janela aberta para um horizonte ainda mais longínquo, sem jamais
atingir o fim. Eu, porém, vos indicarei o último termo, que está no fundo de vós
mesmos, onde a alma repousa. Progredindo da periferia para o centro,
subiremos das ramificações dos últimos efeitos, ao tronco da causa primeira,
que se multiplicou nesses efeitos.
5. Este conceito de nova civilização, várias vezes repetido nesta obra, desenvolveu-se mais
tarde, no volume A Nova Civilização do Terceiro Milênio.
7
Aspectos Estático, Dinâmico
e Mecânico do Universo
Do exame desses três aspectos surge a ideia gigantesca que domina todo o
universo. Quer o observemos como organismo, como devenir ou como lei,
chegaremos ao mesmo conceito por três estradas diferentes, que se somam e
reforçam a conclusão. Ascendemos assim ao princípio único, à ideia central que
governa o universo. Esse princípio, essa ideia, é ordem. Imaginai, se a ordem
não reinasse soberana, que choque tremendo sofreria um funcionamento tão
complexo como é o da criação, um transformismo que jamais para! Somente
esse princípio pode estabilizar um movimento de tamanha vastidão. Cada
fenômeno, em cada campo, tem uma trajetória própria de desenvolvimento, que
é a sua lei, coordenada à lei maior, e que não pode ser modificada; tem uma
vontade de existir numa forma que o individualiza e de mover-se para atingir uma
meta exata, razão de sua existência; é lançado com velocidade e massa que o
distingue inconfundivelmente entre todos os demais fenômenos. Como poderia
tudo mover-se sem precipitar-se num cataclismo imediato e universal, se cada
trajetória não tivesse sido já traçada inviolavelmente? Não podeis deixar de
encontrar esse princípio de uma lei soberana em toda parte e a todo momento.
Não vos falo apenas de fenômenos biológicos, astronômicos, físicos ou
químicos. Vossa vida individual, vossa história de povos, vossa vida social têm
suas leis. Vossas estatísticas, pelo princípio dos grandes números, colhem-nas
e podem dizer-vos quantos nascimentos, mortes ou delitos acontecerão
aproximadamente nos anos seguintes. Também o campo moral e espiritual tem
suas leis; embora sua complexidade vos faça perder o rastro, a Lei subsiste
também nesse campo, matematicamente exata. Se podeis mover-vos, agir e
conseguir qualquer resultado, é porque tudo em torno de vós se move com
ordem, de acordo com uma lei, e nessa lei tendes sempre confiança, porque só
ela vos garante a constância dos efeitos e das reações. Lei não inexorável nem
insensível, mas complexa, extraordinariamente complexa em todo o
entrelaçamento de suas repercussões; uma lei elástica, adaptável,
compensadora, construída com tão vasta amplitude, que abarca em seu âmbito
todas as possibilidades. Lei, sempre lei, exata nas consequências de qualquer
ato, férrea nas conclusões e sanções, poderosa, imensa, matematicamente
precisa em sua manifestação.
Ela é ordem e, como tal, mais ampla e poderosa que a desordem, portanto a
engloba e a guia para suas metas; ela é equilíbrio, mais vasto que o
desequilíbrio, o qual abarca e limita num âmbito intransponível. Equilíbrio e
ordem são também o Bem e a Alegria. Em todos os campos, uma só é a lei. A
alegria é mais forte que a dor, que se torna instrumento de felicidade; o bem é
mais poderoso que o mal, limitando-o e constringindo-o para os seus objetivos.
Se a desordem, o mal e a dor existem, existem tão somente como reação, como
exceção, como condição, como contragolpe fechado dentro de diques invisíveis,
determinados e invioláveis. Esta é a verdade, embora seja difícil demonstrá-la à
vossa razão, que observa a matéria. Por estar à distância máxima do centro da
causa primeira, a matéria é o que há de menos apto para vos revelar essa causa;
embora contenha em si todo o princípio, esconde-o mais secretamente em seu
âmago.
Essa movimentação vos é permitida por ser necessária para que sejais livres e
responsáveis no ambiente que vos cerca e possais assim, com liberdade e
responsabilidade, conquistar vossa felicidade. Resolvi (assim de passagem) o
conflito que para vós é insolúvel entre determinismo e livre-arbítrio. Estes
conceitos vos levarão, posteriormente, a conceber uma moral exata científica.
8
A Lei
A Lei. Eis a ideia central do universo, o sopro divino que o anima, governa e
movimenta, tal como vossa alma, pequena centelha dessa grande luz, governa
vosso corpo. O universo de matéria estelar que vedes é como a casca, a
manifestação externa, o corpo daquele princípio que reside no âmago, no centro.
Falo-vos de coisas eternas, e não vos choque esta linguagem, para vós
anticientífica; ela se mantém fora da psicologia que vosso atual momento
histórico vos proporciona. Minha ciência não é agnóstica e impotente para
concluir como a vossa, nem é ciência de um dia. Lembrai-vos de que a
verdadeira ciência toca e mergulha nos braços do mistério sagrado, santo e
divino. A verdadeira ciência é religião e prece, somente podendo ser verdadeira,
se também for fé de apóstolo e heroísmo de mártir.
A Lei é Deus. Ele é a grande alma que está no centro do universo. Não centro
espacial, mas centro de irradiação e de atração. Desse centro, Ele irradia e atrai,
pois Ele é tudo: o princípio e suas manifestações. Eis como Ele pode — coisa
inconcebível para vós — ser realmente onipresente.
Esses três modos de ser estão coligados por relações de derivação recíproca.
Para tornar mais simples a exposição, reduziremos esses conceitos a símbolos.
A ideia pura, o primeiro modo de ser do universo — a que chamaremos espírito,
pensamento, Lei, e que representaremos com a letra α (alfa) — condensa-se e
se materializa, revestindo-se com a forma de vontade, concentrando-se em
energia, exteriorizando-se no movimento, segundo modo de ser, que
representaremos com a letra β (beta); num terceiro tempo, passamos (em virtude
de mais profunda materialização, ou condensação, ou exteriorização) ao modo
de ser que denominamos matéria, ação, forma, isto é, o mundo de vossa
realidade exterior, que representaremos com a letra γ (gama).
O universo resulta constituído por uma grande onda que de α, o espírito (puro
pensamento, a Lei, que é Deus), caminha num devenir contínuo, movimento feito
de energia e vontade (β), para atingir seu último termo, γ, a matéria, a forma.
Dando ao sinal “→” o sentido de “vai para”, poderemos dizer: α→β→γ.
(α=β=γ)=ω
A letra ω (ômega) representa o universo, o todo.
Este é o conceito mais completo de Deus, ao qual só agora chegamos: a grande
alma do universo, centro de irradiação e de atração; Aquele que é tudo, o
princípio e suas manifestações. Eis o novo monismo, que sucede ao politeísmo
e ao monoteísmo das eras passadas.
Tudo o que vos disse é a máxima aproximação da Divindade que vossa mente
pode suportar hoje. É muito maior que as precedentes, mas não é a última no
tempo. Contentai-vos por enquanto. Ela vos diz que sois consciências que
despertam, almas que regressam a Deus. É a concepção bíblica do anjo decaído
que reaparece; é a concepção evangélica do Pai, do Filho e do Espírito; é a
concepção que coincide com todas as revelações do passado e também com
vossa ciência e com vossa lógica; é a concepção de Cristo, que vos redimiu pela
dor. Muitas coisas ainda existem, mas para vós, hoje, por enquanto,
permanecem no inconcebível. O universo é um infinito, e vossa razão não
constitui a medida das coisas.
Não ouseis olhar a Divindade mais de perto, nem definir mais além, considerai-
a antes como um resplendor ofuscante que não podeis olhar. Considerai cada
coisa que existe e vos cerca como um raio de seu esplendor que vos toca. Não
reduzais a Divindade a formas antropomórficas, não a restrinjais em conceitos
feitos à vossa imagem e semelhança. Não pronuncieis Seu santo nome em vão.
Seja Deus vossa mais alta aspiração, tal como o é de toda a criação. Não vos
dividais entre ciência e fé, nas diversas religiões, cujo único intuito é encontrá-
Lo. Ele está, sobretudo, dentro de vós. No profundo dos caminhos do coração
como nos do intelecto, Deus sempre vos espera, para retribuir o amplexo que
vós, mesmo sendo incrédulos, em vossa agitação confusa e convulsiva,
irresistivelmente lançais a Ele, através do maior instinto da vida.
10
Estudo da Fase Matéria (γ).
A Desintegração Atômica
Quando, no espaço, um sol com seu cortejo planetário, assim como qualquer
núcleo, encontra-se com outro sol ou núcleo e respectivo cortejo planetário, o
resultado é sempre o mesmo: a formação de nova individuação, quer seja
sistema cósmico ou químico. No primeiro caso se individuará novo vórtice, novo
“eu” astronômico, que se desenvolverá segundo uma linha: a espiral, que — vê-
lo-emos — é a trajetória típica de desenvolvimento de todos os movimentos
fenomênicos. No segundo caso nascerá, pelo choque dos núcleos e pela
emissão de elétrons do sistema, novo indivíduo atômico. Se isso ainda não
apareceu em vosso relativo, vós o chamais de criação.
Tocamos desde logo um novo aspecto ou artigo da Lei, o das unidades múltiplas
ou coletivas. Então, em cada uma das manifestações da Lei, não há somente
ordem e unidade de princípio, mas também individuação constante, segundo
tipos bem definidos. É tendência constante, à proporção que a diferenciação
multiplica tipos (pulverização do absoluto no relativo), o seu reagrupamento em
unidades mais vastas, que reconstroem a unidade fragmentada no particular.
Disse que os elétrons giram ao redor do núcleo. Ora, nem mesmo o núcleo é o
último termo; em breve aprendereis a decompô-lo. Porém, por mais que
procureis o último termo, jamais o encontrareis, porque ele não existe. Nesta
pesquisa, dirigida para o âmago da matéria, acompanhais o caminho
descendente que ω percorreu de α→β→γ, portanto tereis de encontrar β, isto é,
a energia da qual nasceu a matéria e à qual veremos esta regressar em seu
caminho ascensional, que a reconduz a β.
13
Nascimento e Morte da Matéria.
Concentração Dinâmica e
Desagregação Atômica
Pode-se definir a matéria como uma forma de energia, isto é, um modo de ser
da substância, o qual nasce da energia por condensação ou por concentração e
regressa à energia por desagregação, após haver percorrido uma série evolutiva
de formas cada vez mais complexas e diferenciadas, que reencontram a unidade
em reagrupamentos coletivos.
A matéria nasce, vive e morre, para renascer, reviver e tornar a morrer, tal como
o homem, eternamente descendo de β a γ e voltando a β quando o vórtice
interior, por ter atingido o máximo de condensação dinâmica, não mais pode
suportá-la e se quebra. Assistimos, então, ao fenômeno da desagregação da
matéria, a que chamais radioatividade, própria dos corpos velhos, com peso
atômico maior, seu máximo de condensação. Assim o átomo representa uma
quantidade enorme, uma mina de energia condensada, que podereis libertar,
modificando o equilíbrio interno do sistema núcleo-eletrônico do átomo.
Vemos, no entanto, que toda a estrutura planetária do átomo nos fala de energia
e de velocidade. Logo que observamos em profundidade o fenômeno matéria,
esta se dissolve em sua aparência exterior e se revela em sua substância: a
energia. A ideia sensória de solidez e de concreto desaparece diante do conceito
de elétrons que, em espaços de dimensões ilimitadas em relação a seu volume,
giram velocíssimos ao redor de um núcleo incomensuravelmente menor. Assim
a matéria, tal como a concebeis habitualmente, desvanece em vossas mãos,
deixando-vos apenas sensações produzidas por algo que é apenas energia e
que determina um movimento estabilizado por sua altíssima velocidade. Eis a
matéria reduzida à sua última expressão. Da mesma forma que o movimento é
a essência da substância ω, assim também o é de cada um de seus aspectos:
α, β, γ. Velocidade é energia e velocidade é matéria, sendo ambas idênticas em
sua substância: a velocidade, denominador comum que vos permite a passagem
de uma a outra forma.
Assim, muitas nebulosas que vedes aparecer nos espaços, sem um precedente
visível, nascem por condensação de energia, a qual, após a imensa dispersão e
difusão devida à contínua irradiação de seus centros, concentra-se — seguindo
as correntes que guiam sua eterna circulação — em determinados pontos do
universo. Aí, obedecendo ao impulso que lhe é imposto pela grande lei de
equilíbrio, instala-se, acumula-se, retorna e se dobra sobre si mesma,
compensando e equilibrando o ciclo inverso, já esgotado, da difusão que a guiara
de uma coisa a outra, para animar e mover tudo no universo. De todas as partes
do cosmo as correntes trazem sempre nova energia, o movimento se torna cada
vez mais intenso, o vórtice se fecha em si mesmo, o turbilhão se transforma em
um verdadeiro núcleo de atração dinâmica. Este, quando não pode mais suportar
em seu âmbito todo o ímpeto da energia acumulada, atinge um ponto de máxima
saturação dinâmica (momento crítico em que a velocidade se torna massa) e se
estabiliza no íntimo dos infinitos sistemas planetários, de onde nascerá o núcleo,
depois o átomo, a molécula, o cristal, o mineral, os amontoados solares,
planetários e siderais. Da imensa tempestade nasceu a matéria. Deus criou.
O éter, que é para vós mais uma hipótese do que um corpo bem estudado,
escapa às vossas classificações porque quereis reconduzi-lo às formas de
matéria conhecidas por vós, enquanto ele é uma forma de transição entre
matéria e energia. Sendo forma de transição entre β e γ, o éter — filho das formas
dinâmicas puras: eletricidade, calor, luz, gravitação, às quais a matéria
regressará por desagregação e radioatividade — é por sua vez pai do hidrogênio.
As nebulosas se condensam a partir da fase éter, passando pelas fases de gás,
líquido e sólido. Entre os sólidos, existem os corpos de peso atômico máximo,
os mais radioativos, os mais velhos, como já disse, aqueles que, por
desagregação atômica, regressam à fase β.
15
A Evolução da Matéria por
Individualidades Químicas. O
Hidrogênio e as Nebulosas
Então, se a análise espectral dos corpos celestes vos indica que luz e calor (dado
pelo comprimento do ultravioleta) estão em razão inversa dos pesos atômicos e
da complexidade dos elementos químicos componentes, ou seja, que os estados
dinâmicos estão em razão inversa do peso atômico (medida do estado físico),
isto significa uma inversão de estados dinâmicos em estados físicos, de modo
que a matéria é inversão da energia e vice-versa. Essa inversão constitui
passagem do indistinto ao distinto, do simples ao complexo; em outras palavras,
estais diante de uma verdadeira e pura evolução. Esse aumento progressivo do
peso atômico, paralelamente ao desaparecimento das formas dinâmicas e à
formação das diferentes espécies químicas, corresponde ao conceito de
condensação, de substância-movimento, de massa-velocidade, que já
expusemos. É fácil compreender que, das formas primordiais, prevalentemente
dinâmicas, até às mais densas concentrações de matéria — tal como as
observais estabilizadas em vosso sistema solar, no qual, por ser este já velho
como matéria, a fase γ foi vivida e ω existe agora em estado de β que vai para
α — só se pode passar por evolução.
Outro artigo da Lei diz: “Quando dois corpos, ao se combinarem entre si, podem
dar origem a mais de um composto, as diferentes combinações são tais que,
permanecendo constante a quantidade de um dos componentes, as quantidades
do outro variam segundo relações bem definidas, ou seja, essas quantidades
são todas múltiplos exatos do mesmo número”.
Assim, a química pode individualizar com exatidão os corpos, fixando seu peso
atômico e a fórmula de sua valência, definindo as reações próprias de cada
corpo, estabelecendo o equivalente elétrico (+ ou −) e, com análise espectral, a
luz equivalente ou, em outras termos, o equivalente dinâmico dos corpos.
Portanto a química, com a chamada teoria atômica e com a teoria das valências,
pode definir com exatidão matemática as relações entre um indivíduo e outro.
16
A Série das Individuações
Químicas do ‘H’ Ao ‘U’, por Peso
Atômico e Isovalências
Periódicas
Temos, pois, períodos I–IV–I, que se sobrepõem exatamente nos períodos I–VII.
O ritmo é evidente, expresso pela coluna das isovalências periódicas. Assim
como o ritmo se repete, por exemplo, nos dias e nas estações, mas sempre num
ponto diferente do espaço ocupado pelo planeta, também volta o ritmo da
valência à distância de sete elementos, num ponto diferente. A cada sete
elementos, temos uma repentina mudança de propriedades, depois um retorno
regular ao ponto-de-partida. O que disse para a série que começamos com o lítio
e com o sódio, repete-se nas outras séries que começam com o potássio, o
cobre, a prata e assim por diante.
Utilizai este conceito monístico que vos trago — da unidade de princípio de todo
o universo — não apenas no campo moral, mas também no científico. Buscai
este princípio de analogia que existe em todas as coisas, e ele infalivelmente vos
guiará, permitindo-vos determinar a priori, antes da observação e da experiência,
o desconhecido e defini-lo, descobri-lo e conhecê-lo. Não foi assim que
descobristes o escândio, o gálio, o germânio? O escândio está no grupo III, à
distância exata de duas oitavas do boro; o gálio está no mesmo grupo, um pouco
mais distante na escala e na mesma distância de duas oitavas do alumínio; o
germânio está no grupo IV, na mesma distância de duas oitavas do silício, que
se encontra no mesmo grupo. Este mesmo sistema vos guiou à descoberta dos
gases nobres, quimicamente inertes, contidos no ar, isto é, o neônio, o criptônio,
o xenônio. Estes pertencem ao grupo “0”, ou seja, ao grupo do argônio.
Conseguistes preparar o radônio (emanação do rádio), da mesma família “0”. De
fato, no esquema, esse elemento está incluído no grupo do argônio (“0”, com
valência zero) como todos os outros. E assim por diante também no campo
astronômico, onde o cálculo de uma lei exata vos permitiu individualizar, em
determinado ponto e instante, um corpo com características determinadas, até
se encontrá-lo de fato. Já vedes como o edifício que a razão é capaz de construir
pode antecipar a observação direta; essa é apenas a trivial caminhada de um
pensamento que sempre se apoia nos fatos. Imaginai a que descobertas
podereis rapidamente chegar, quando os problemas científicos forem
enfrentados por intuição, como vos disse. Aliás, as verdadeiras e grandes
descobertas foram todas lampejos de intuição do gênio, o super-homem do
futuro, que, saltando além das formas racionais de pesquisa, antecipa as formas
intuitivas da humanidade futura. Os grandes saltos para frente dados pelo
homem, nunca foram realizados experimentalmente, nem racionalmente, mas
sim por intuição, verdadeiro e grande sistema de pesquisa do futuro. Enquanto
a evolução não trouxer à luz essa nova maturação biológica, seja a vossa razão,
na pesquisa científica, dirigida pela minha afirmativa de que o universo é todo
regido por conceitos harmônicos, analógicos, reduzíveis a princípios cada vez
mais simples e sintéticos. Uma vez compreendido o conceito gerador de um
processo fenomênico e seu ritmo, seja qual for a sua altura na escala das formas
do ser, ampliai com segurança esse conceito e esse ritmo, mesmo onde ainda
falta o conhecimento objetivo. De γ a α, é idêntica a lei de evolução, é contínua
a linha de desenvolvimento, é único o princípio. Este conceito vos permitirá
sempre individuar, a priori, as formas intermediárias que ω, a substância,
atravessa em seu contínuo transformar-se.
O estudo de grupo dos elementos radioativos nos mostra outro fato importante,
indicando-nos como ocorre a transformação de um elemento em outro, ou seja,
como se verificam os casos de evolução química, que podeis considerar como
exemplos de verdadeira e pura estequiogênese.
7. Não confundir com os símbolos adotados neste tratado α=espírito; β=energia; γ=matéria.
(α=β=γ)=ω
O aspecto dinâmico diz respeito ao devenir (evolução) das formas do ser, e sua
expressão é:
ω=α→β→γ→β→α
O aspecto mecânico considera a essência do devenir das formas do ser, e sua
expressão é a linha definida pela espiral.
O eterno devenir do ser é guiado por uma lei perfeita e matematicamente exata;
o transformismo evolutivo universal obedece a um princípio único. Eu vos exporei
esse princípio, que encontrareis idêntico e constante na infinita multiplicidade
das formas, e vos traçarei a linha do seu desenvolvimento, a trajetória da sua
evolução. Trata-se de uma linha absolutamente típica, que se pode denominar
matriz do transformismo universal; uma trajetória que todos os fenômenos, os
mais díspares, seguem em seu processo de desenvolvimento. Princípio
absoluto, trajetória inviolável. Cada fenômeno tem uma lei, e essa lei é um ciclo.
Cada fenômeno existe enquanto se move de um ponto de partida para um ponto
de chegada. Existir significa mover-se segundo essa linha de desenvolvimento,
que constitui a trajetória do ser.
22
Aspecto Mecânico do Universo.
Fenomenogenia
Figura 1
Diagrama da progressão evolutiva
em sua mais simples expressão retilínea.
A fig. 1 representa a lei do caminho ascensional da evolução em sua expressão
mais simples. A abcissa horizontal indica a progressão da unidade de tempo, e
a vertical, a progressão dos graus de evolução. Isto nos aparece aqui em sua
nota fundamental e característica dominante de caminho ascensional linear
contínuo (linha OX).
Algumas definições:
Figura 2
Análise da progressão em suas fases
evolutivas e involutivas.
Aprofundemos ainda mais. Compreendeis que o ser não pode ficar fechado no
ciclo de ω, o vosso universo, dado pelas três formas, γ, β, α; que uma eterna
volta sobre si mesmo seria trabalho ilógico e inútil; que seria absurdo caminhar
sem meta nesse eterno círculo α→β→γ→β→α. Vossa mente compreende esta
minha argumentação de que, seja qual for o limite posto em ω, a razão saltaria
por cima dele, procurando outro mais afastado; de que é absurdo um ciclo
fechado, repetindo-se infinitamente em si mesmo. Vossa mente sente a
necessidade do ciclo aberto, ou seja, do ciclo que se abre para um ciclo maior e
que torna a se fechar em si mesmo num ciclo menor, sem nenhuma limitação.
Fica assim satisfeita a vossa mente, porque é atendida a necessidade e
concedida a possibilidade para que o ser volte sobre si mesmo e, sobretudo, se
estenda fora de si, além de si, para superar a forma conquistada, que o
constrange.
Essa fórmula do ciclo fechado, que já vos dei com a expressão sumária:
α→β→γ→β→α, tem de ser substituída agora pela fórmula mais exata e
complexa do ciclo aberto. De acordo com esta nova fórmula, a expressão gráfica
dada anteriormente:
transforma-se nesta outra:
α→β→γ→β→α
não está mais fechado em si mesmo, mas se abre, invertendo o caminho α→β
em β→α e, assim, desenvolvendo os universos contíguos ω2, ω3 etc.
1º ciclo . . . −y → −x → γ → −x
2º ciclo −x → γ → β → γ
3º ciclo γ → β → α → β
4º ciclo β → α → +x → α
5º ciclo α → +x → +y → +x ...
Esse mesmo conceito dos ciclos sucessivos nos é apresentado pelo diagrama
da fig. 2 através de uma linha quebrada ascendente, cujo movimento ascensional
é alternando com períodos de regressão involutiva. Unindo entre si os vértices
ou as bases da linha quebrada, vemos reaparecer ali, no conjunto, a linha
ascensional OX em sua expressão mais simples. Encontramos assim, em nível
mais alto, o mesmo princípio, do qual analisamos agora o íntimo ritmo e
observamos a estrutura mais completa.
Resumindo o que dissemos até agora, podemos concluir que o aspecto dinâmico
do universo é regido por uma lei mais complexa (aspecto mecânico), não sendo
a sua expressão dada simplesmente pela fórmula:
ω=α→β→γ→β→α
mas sim por esta outra:
Δ=−∞→...−y→−x→γ→−x→γ→β→γ
→β→α→β→α→+x→α...→+∞
em que Δ exprime, na série infinita, uma unidade coletiva maior que ω, isto é,
um organismo de universos.
24
Derivações da Espiral por
Curvatura do Sistema
No diagrama da fig. 3, encontramos uma expressão mais intuitiva da lei que rege
o transformismo fenomênico. Minha finalidade agora é descrever claramente as
características do fenômeno. Mais tarde, exporei o significado e as razões
profundas de seu desenvolvimento.
Fig. 3
Curvatura do sistema.
A espiral derivando da quebrada.
Na fig. 3, tomo como coordenada básica, para exprimir a medida de tempo, não
uma linha reta horizontal, mas uma circunferência; faço a coordenada vertical
mover-se ao redor do centro, para exprimir assim os graus de evolução, o que
significa, em outras palavras, tomar por abcissas todos os possíveis raios do
círculo. A medida de tempo, portanto, será dada em graus. Todo o sistema da
fig. 2 gira, assim, em torno de um centro. A expressão mais simples do conceito
de evolução (dada pela reta ascendente OX do diagrama da fig. 1) é
representada agora pela abertura da espiral. O conceito de ascensão linear é
substituído pelo de desenvolvimento cíclico, onde, no pormenor, temos a mesma
linha quebrada, cujos vértices salientes são os máximos na progressão das
sucessivas criações. A linha geral do fenômeno (OX) assume o curso de espiral,
que é a linha da gênese planetária, do vórtice sideral das nebulosas. Esta é a
espiral que, na fig. 4, veremos abrir-se e fechar-se até mesmo em seu interior,
pois a linha quebrada será expressa por curvas e, assim, será possível vê-la
afastar-se e aproximar-se do centro ao longo da coordenada raio,
acompanhando a curva do tempo nas grandes pulsações evolutivas e
involutivas, segundo a qual progride todo o sistema. A espiral é aqui a expressão
mais intuitiva da reta, porque, sendo uma derivada da circunferência, exprime
mais evidentemente o curso cíclico do fenômeno e a trajetória típica do seu
devenir, dados pelos desenvolvimentos e retornos periódicos.
25
Síntese Linear e Síntese
por Superfície
Fig. 4
O diagrama da fig. 4 exprime o fenômeno não apenas em sua síntese linear, mas
também em sua síntese por superfície, que o torna ainda mais evidente. As três
faixas circulares: –y, –x e γ, representam, no sentido espacial, a amplitude das
três fases cobertas pelo desenvolvimento da criação a. Esta produz como
resultado máximo a fase γ, ou seja, a matéria, vosso mundo físico. O resultado
final do percurso de cada período é a cobertura de uma fase circular maior, que
servirá depois como base para novos impulsos, a fim de ocupar áreas sempre
maiores.
Eis que chegamos assim a uma síntese mais ampla do fenômeno: a síntese
cíclica, expressa por uma espiral que se desenvolve em progressão constante.
A expansão do sistema é constituída não apenas por seu dilatar-se em
superfície, mas também pela linha ao longo da qual ocorre essa dilatação. Da
mesma forma que, unindo os vértices a, b, c, d etc., da linha quebrada do
diagrama da fig. 3, obtém-se como expressão sintética uma espiral (na qual se
reencontra a linha Ox da fig. 1); assim também, unindo os correspondentes
máximos sucessivos de abertura a, b, c, d, e, f, g etc., no diagrama da fig. 4,
obtém-se igualmente uma espiral de abertura constante. Podemos, portanto,
estabelecer nesta espiral uma linha maior do fenômeno, na qual se desprezam
os pormenores dos retornos, para levar em conta apenas a progressão final. Eis
aí uma expressão mais alta da Lei. Traçamos assim a espiral que afirmamos ser
a trajetória típica dos movimentos fenomênicos. Basta simplesmente afastar o
olhar da fig. 4, para percebermos essa linha maior, que se torna mais visível com
a superposição dos três percursos pelos quais ela é formada, pois cada fase,
para ser definitivamente superada e estavelmente fixada no sistema, tem de ser
percorrida três vezes em direção progressiva de evolução: a primeira como
produto máximo do ciclo, a segunda como ponto médio e a terceira como produto
mínimo (ponto-de-partida ou fase inicial do processo evolutivo). Como se vê, o
sistema é trino tanto em seu conceito como em seu desenvolvimento. Tomando
como única linha do fenômeno essa espiral maior, sua expressão mais sintética,
veremos que o resultado final de seu desenrolar, no qual se exprime a evolução,
é o percurso da abcissa vertical, dado pelo traço – z, –y, –x, γ, β, α, +x, +y, +z,
+n, sendo esta trajetória apenas o resumo de todo o complexo movimento
resultante do constante abrir-se e fechar-se da espiral. Veremos adiante que
essa trajetória resumida — síntese ainda maior, que, contendo todas as
precedentes, é produzida pela continuação de muitos trechos contíguos, nos
quais estão representadas as sucessivas fases de evolução — também é uma
espiral, constituindo expressão de um fenômeno ainda mais amplo, sem jamais
atingir o fim. Construiremos assim outro diagrama, que nos fornecerá a
expressão máxima possível, por síntese cíclica, da fenomenologia universal. Aí
então, teremos observado o universo em seu aspecto mecânico, e vos terei
revelado a grande lei que o rege.
26
Estudo da Trajetória Típica dos
Movimentos Fenomênicos
Olhai em torno de vós. Cada fato nasce por abertura de um ciclo: começa,
expande-se até um máximo, depois retorna sobre si mesmo. Tudo procede
assim. Qualquer coisa que queirais fazer, tereis de abrir um ciclo que depois se
fechará. A semente de vossos atos está no vosso pensamento, e cada ação vos
proporciona uma semente mais complexa, capaz de produzir outra ação ainda
mais complexa. Tal como a semente produz o fruto e o fruto produz a semente,
o pensamento produz a ação e a ação produz o pensamento. O princípio da
semente, como o encontrais na natureza, é o princípio universal de expansão e
contração dos ciclos.
Fig. 5
Síntese Cíclica
Uma vez bem compreendido este conceito do retorno dos ciclos e de sua razão,
por meio dos exemplos apresentados, os quais vos demonstram a
correspondência entre a realidade e o princípio que vos expus, podemos agora
levantar o olhar para um horizonte ainda mais amplo. Antes de havermos
realizado aquela exemplificação demonstrativa, já acenávamos que o resultado
final do abrir-se e fechar-se da espiral (fig. 4) podia ser expresso por uma espiral
maior, em constante expansão. Podemos dar agora a essa representação
sintética do fenômeno uma expressão ainda mais resumida. Considerando a
progressão dessa linha maior ao longo da abcissa vertical, vemos que, a cada
quarto de giro, ela cobre a altura de uma fase (fig. 4). Dessa forma, o trecho da
coordenada contendo as fases de –y até +x resume em seu traçado todo o
movimento da espiral, elevando-se com a expansão desta. Tendo isso em
mente, podemos analisar então a construção do diagrama da fig. 5.
A lei das unidades coletivas pode ser, assim, transportada de seu aspecto
estático para o dinâmico. Diz ela: “Cada individualidade é composta de
individualidades menores, que são agregados de individualidades ainda
menores, até ao infinito negativo, e é, por sua vez, elemento constitutivo de
individualidades maiores, as quais são componentes de outras ainda maiores,
até ao infinito positivo”. Cada organismo é composto de organismos menores e
é componente de maiores. Esta mesma lei, repetida em seu aspecto dinâmico,
na lei dos ciclos múltiplos, reza: “Cada ciclo é determinado pelo desenvolvimento
de ciclos menores, que são resultantes do desenvolvimento de ciclos ainda
menores, até ao infinito negativo, e é, por sua vez, determinante do
desenvolvimento de ciclos maiores, os quais também compõem ciclos ainda
maiores, até ao infinito positivo”. Cada individualidade, assim como cada ciclo, é
produzida e definida pela unidade que a precede, enquanto forma e define a
unidade superior. A organização, desenvolvimento e equilíbrio maior são
constituídos pela organização, desenvolvimento e equilíbrio menor. Cada
movimento constrói o seguinte, da mesma forma como foi construído pelo
precedente. Cada ser equilibra-se num ponto da série infinita de hierarquias das
esferas, e isto desde o átomo até à molécula, ao cristal, à célula, à planta, ao
animal, ao seu instinto, ao homem, à sua consciência individual e coletiva, à sua
intuição, à raça, à humanidade, ao planeta, ao sistema solar, aos sistemas
estelares, aos sistemas de universos, sendo assim também para os elementos
não pertencentes ao vosso concebível, situados antes e além das fases γ, β, α.
Eis a que processo de íntima autoelaboração se deve a evolução. Nenhuma
força age ou intervém do exterior, mas tudo existe no fenômeno e tudo caminha
por síntese progressiva. O progresso e a decadência cósmica são efeitos da
evolução e do esgotamento atômico. Os extremos se tocam. A grande respiração
do universo é dada pela respiração do átomo.
28
O Processo Genético
do Cosmos
Ilustremos agora tudo isso com exemplos, procedendo com este conceito do
desenvolvimento da espiral maior, gerada pelo desenvolvimento da espiral
menor, do mesmo modo como já fizemos com o conceito do retorno cíclico,
segundo o qual a espiral é reconduzida sobre seu próprio caminho. Notemos
que, se a linha da criação não é a reta, mas sim a espiral, isto é devido ao fato
de ser esta a linha de menor resistência e de maior rendimento. Tratando-se de
realizar um complexo trabalho de destruição e reconstrução, a espiral é a linha
mais curta, no sentido de responder mais imediatamente à lei do mínimo esforço,
pela qual se obtém o máximo efeito com o mínimo trabalho. No universo estelar,
onde tudo acontece por atração, isso ocorre sempre através de curvas. Vedes
então que, mesmo no nível físico, a linha do menor esforço — lei universal —
não é a reta, mas sim a curva, que, respondendo a um equilíbrio mais complexo,
é o caminho mais curto no sentido mais completo, e não naquele espacial, em
que estais isolados e limitais vossa concepção de reta.
A realidade vos mostra esta íntima transformação do ser, indo da fase γ para β
e desta até α, indicando-vos também que isso ocorre por ciclos contíguos e
comunicantes. Muito mais do que uma simples filtragem osmótica, a assimilação
é a ponte de passagem de um ciclo para outro, através da qual a estrutura íntima
do fenômeno sofre uma mutação. Por quão complexa cadeia de ciclos tem de
passar a matéria, em sua íntima estrutura atômica, para chegar a poder produzir
efeitos de ordem orgânica e psíquica! De que colossal quantidade de
movimentos cíclicos resulta o fenômeno da consciência humana!
Esta é a visão das esferas celestes, de onde promana o hino da vida. Imensa
visão, porém simples em comparação com a visão de seu movimento. Os seres
não se detêm nos seus diversos níveis, mas se movem através deles, por meio
de uma íntima elaboração, que os transforma a todos. Em vosso universo físico-
dinâmico-psíquico, não somente a esfera física é dominada pela energia e esta,
por sua vez, é dominada pelo espírito, mas todas juntas também constituem um
incessante movimento de ascensão das esferas inferiores às superiores. A
matéria, o universo estelar, é uma ilha que emergiu do nível das águas do
universo inferior. A segunda pulsação produziu uma emersão mais alta: a
energia; a terceira, uma emersão utilíssima para vós: o espírito. Desse modo, a
substância modifica-se de forma em forma e as individuações do ser elevam-se
de esfera em esfera, aparecendo em vosso universo concebível, provenientes
do infinito, e desaparecendo imersas no infinito. No alto, está a luz, o
conhecimento, a liberdade, a justiça, o bem, a felicidade, o paraíso; esta grande
luz se projeta e acende em vós aquilo que, como um pressentimento, está acima
de vossos ideais e de vossas aspirações já elevadas. Embaixo estão as trevas,
a ignorância, a escravidão, a opressão, o mal, a dor, o inferno; é o vosso
passado, enchendo-vos de terror no presente, que, por sua vez, será passado
amanhã e também vos encherá de terror.
O limite sensório é restrito e vos mantém num estado que, diante da realidade
das coisas, poderia ser chamado de contínua alucinação. E essa é a base de
vossa pesquisa científica. Quando adquirirdes sentidos diferentes, o mundo se
modificará. A verdadeira distância que separa os seres nos diversos níveis não
é dada pelo espaço, mas sim por um diferente modo de vibrar em resposta às
vibrações do ambiente. Cada ser é um relativo, fechado num limitado campo
conceptual. A série infinita dos seres sentirá o universo de infinitas maneiras,
inimagináveis para vós. O relativo vos submerge: a consciência que se apoia na
síntese sensória é um horizonte circular fechado. Sem dúvida, é difícil para vós
sairdes de vossa consciência e superá-la, impulsionando-vos até aos mais
longínquos horizontes, para conquistar novos concebíveis. Mas é isto que vos
ajudo a fazer e é a isto que vos leva a evolução. Quem vive satisfeito com a
pequena visão que domina, poderá saciar-se durante algum tempo, mas corre o
risco de encontrar grandes desilusões, tão logo chegue a mudança da morte.
Apesar de muitas das coisas que vos estou expondo aqui não poderem ser
verificadas atualmente, com vossos meios sensórios, a convergência de todos
os fenômenos que conheceis em relação a esses conceitos vos faz confiar
também na correspondência destes conceitos com as realidades ainda não
controláveis por vós atualmente. Tudo está aqui sintetizado num sistema
orgânico completo e compacto. Por que, então, deveria o desconhecido mudar
de caminho, fazendo exceções num organismo tão perfeito? Quando eu tratar
das normas de vossa vida, esta massa enorme de pensamento que estou
acumulando constituirá uma base que não podereis mais derrubar.
Dessa forma, a evolução, acossada por baixo pela maturação dos universos
inferiores, ávidos de expansão e de progresso, e atraída pela imensa luz que
desce do Alto, fecundando e incentivando a subida, avança como uma imensa
maré, que arrasta todas as coisas.
Assim avança a grande marcha. A estrada está traçada, e não é possível sair
dela. A evolução não é uma subida confusa, desordenada, caótica, mas sim um
movimento perfeitamente disciplinado, sem possibilidade de enganos ou de
imposições. A Lei possui um ritmo próprio, absoluto, segundo o qual só se
avança por continuidade; é indispensável existir, viver, experimentar,
amadurecer, semear e recolher, em estrita concatenação de causas e efeitos.
Pode vos parecer caótico o mundo, com os seres misturados e abandonados ao
acaso, mas não importa uma aparente confusão espacial, pois cada ser traz em
si, escrita na própria natureza, inconfundivelmente, a Lei. Além disso, o caminho
evolutivo não é um caminho espacial. O princípio vale mais que o movimento,
sendo o caminho traçado pelo princípio. Eis o aspecto conceptual (mecânico) do
universo, que colocamos acima de seu aspecto dinâmico (movimento) e de seu
aspecto estático (organismo). Vedes que, mesmo na trindade de aspectos de
vosso universo: organismo, movimento e princípio, encontrais este conceito de
progresso, havendo nesses aspectos uma gradação de amplitude e de
perfeição. Somente se passa aos níveis superiores depois de percorrer
completamente os inferiores, amadurecendo completamente o próprio princípio.
Por meio de uma dilatação progressiva, a expansão evolutiva se transforma de
física em dinâmica e depois em conceptual. A evolução é esta íntima respiração
em que vibra todo o universo. Seguindo o princípio que os rege, os seres existem
como individuações e movem-se segundo a evolução. O princípio contém em
embrião todas as formas possíveis, constituindo o desenho no qual estão
traçadas todas as linhas do edifício, bem antes de haver surgido a primeira pedra
para manifestá-lo. A criação ocorre a cada momento, fazendo emergir de um
nada relativo alguma coisa nova, como resultado da realização de algo que
estava à espera no germe. Não existe um nada absoluto. O ser toma uma forma
nova, vestindo-a como uma roupa, um meio para subir, um veículo que depois
abandonará. O conceito ou o tipo já estava à espera, fixado no princípio que o
próprio ser enfeixava em si e do qual ele é a manifestação.
Vosso mundo humano, portanto, contém α, sendo atravessado tanto por seres
que, provindos de formas inferiores de vida, mais próximas de β, procuram subir,
avançando custosamente no trabalho de criação do próprio eu espiritual, como
de seres que, tendo decaído das formas superiores de consciência, entregaram-
se à ruína, abusando do poder conquistado. Uns retrocedem, outros avançam;
uns acumulam valores, outros os perdem. Existem ainda os que param,
indolentes, preferindo o ócio, ao invés de se esforçarem fatigosamente pelo
próprio progresso. Daí a grande variedade de tipos e de raças no mundo. Essa
é a substância de vossas vidas. Sois sombras que caminham, consciências em
construção ou em demolição. Estais todos a caminho, e cada um grita
diferentemente, com a voz da própria alma, lutando, agitando-se, semeando e
colhendo. Livremente, com as próprias ações, lançais a semente da qual nascerá
aquilo que, mais tarde, constituirá vosso inexorável destino. Em vosso nível, é
livre a escolha dos atos e dos caminhos, é livre a colocação das causas, sendo
isso vos concedido por vossa maturidade de habitantes da fase α. No entanto
não é livre a escolha da série de reações e dos efeitos, pois esta é
inexoravelmente imposta pela Lei. Cada escolha vos prende ou vos liberta. O
poder de escolher e de dominar aumenta com a capacidade e com o
merecimento, que lhe garantem o bom uso. Dessa forma, o determinismo da
matéria gradualmente evolui para o livre-arbítrio da consciência, à proporção que
esta se desenvolve. O livre-arbítrio não é, como em vossas filosofias, um fato
constante e absoluto, em insolúvel conflito com o determinismo das leis da vida,
mas é um fato progressivo e relativo aos diversos níveis que cada um atingiu.
Por isso, apesar de vossa liberdade, o traçado da evolução permanece
inviolável. Essa liberdade, assim como vós, é relativa, e vossas ações só podem
afetar o que se refere a vós mesmos.
Sob minha direção, recomeçai comigo vossa viagem, mais que dantesca,
através do universo. A estrada é longa e o panorama é amplo, havendo o risco
de vosso pensamento se perder. Tendes aqui, em profusão, as provas e
demonstrações que desejáveis. Segui-me, então, pois minha argumentação
cerrada, aliada à maravilhosa correspondência de toda a fenomenologia
existente com o princípio único que vos expus, irá por fim vos levar — quando
tivermos atingido as conclusões de ordem moral e social — a enfrentar o dilema
no qual ou se admite todo o sistema, ou se fica sem nada. Se o sistema
corresponde à verdade em tantos fenômenos conhecidos, ele deve corresponder
também àqueles fenômenos que desconheceis ou que não podeis controlar.
Então admitir e seguir os princípios de uma moral superior — parte integrante do
sistema — não será mais questão de fé, e sim de inteligência.
Depois disto, todo homem dotado de inteligência terá como dever a honestidade
e a justiça. Diante da demonstração evidente, que coloca na base da questão
moral o dilema de compreender ou não compreender, não será mais lícito
duvidar e fugir. Então somente se poderá ser malvado por inconsciência ou por
má-fé. Não se poderá mais discutir uma ciência da vida cuja base — em vez de
ser dada por aquelas construções isoladas de todo o resto do mundo
fenomênico, indemonstráveis e frequentemente dissonantes no grande concerto
do universo, ou então (como é comum em muitas filosofias) por alguma ideia
particular elevada a sistema — é constituída por uma concepção teleológica que,
estando em relação harmônica com o desenvolvimento de todos os fenômenos,
corresponde aos fatos. Tereis então um verdadeiro edifício, erguido sobre
fundamentos vastos como o infinito, compondo um sistema no qual o homem é
considerado em relação às leis da vida e estas em relação à lei do todo. Uma
vez completado o tratado, não será mais lícito, racionalmente, o homem se isolar
em seu egoísmo, indiferente ou agressivo, pois, se tudo é organismo, também a
coletividade não pode ser senão um organismo. Até mesmo em sua forma, esta
teleologia que estou desenvolvendo corresponde ao princípio orgânico e
monístico do universo. Observai como é pouco o que estou demolindo e como,
ao invés, cada palavra tem sua função construtiva; observai como é pouco o que
nego, diante de tudo o que afirmo. Evito agressões e destruições; fujo de vossas
inúteis divisões, como materialismo e espiritualismo, positivismo e idealismo,
ciência e fé. Divergências transitórias vos atormentaram nos últimos decênios,
mas eram necessárias para vos preparar a maturação de hoje, que é o momento
da fusão e da compreensão entre uma ciência que se tornou menos dogmática
e soberba — mais sábia e menos apressada em suas conclusões e deduções
— e uma fé mais iluminada e consciente. Sou tanto uma quanto outra. Meu olhar
é bastante amplo para compreender, ao mesmo tempo, os dois extremos: o
princípio da matéria e o princípio do espírito. Esta minha apologética da obra
divina é novo benefício que vos chega do Alto; é uma demonstração que
presume seres conscientes, adultos e maduros. Vossa responsabilidade moral
crescerá como nunca, se ainda quiserdes insistir nas velhas sendas da
ignorância ou da ferocidade. Bem sei que o misoneísmo atávico de vossa
orientação psicológica é uma imensa barreira, constituindo massa negativa e
passiva, que resiste a mim com sua inércia. Qualquer mente humana se
despedaçaria contra essa muralha gigantesca, que permaneceria imóvel. Mas
meu pensamento é um fulgor que abalará as mentes. Se possuís toda a
resistência da matéria inerte, eu possuo todo o poder do pensamento dinâmico,
que desce relampejando do Alto. Vossa psicologia é um fenômeno com sua
própria velocidade e massa, lançado ao longo de uma trajetória que resiste a
todo desvio. Mas eu represento um princípio superior a esse fenômeno e
intervenho no momento em que, por vossa maturação, a Lei impõe uma
mudança de rota. Chegou o momento, e vós subireis.
Conforme podeis perceber cada vez melhor, o centro deste pensamento que vai-
se desenvolvendo não é, nem pode ser, de vosso mundo. Trata-se de uma
síntese tão ampla, poderosa e exaustiva, que jamais poderia ter sido elaborada
na Terra. Toda essa massa conceptual que tendes sob os olhos move-se no
infinito — seu ponto de partida — e dele desce até ao vosso concebível. Para
quem a procura, esta é a prova íntima, presente em cada página, da origem
transcendente da obra; prova real, inerente ao tratado que a acompanha; prova
mais sólida que todas as exteriores, procurada por vós nas qualidades do
instrumento e nas modalidades de transmissão e recepção. O ângulo visual e a
amplidão de perspectiva desta síntese estão absolutamente acima de todas as
sínteses humanas ao vosso alcance. No entanto me esforço num contínuo
trabalho de adaptação, a fim de reduzir à vossa capacidade estes conceitos,
próprios de planos mais altos. Sem este trabalho, o tratado teria de se
desenvolver, em grande parte, fora de vosso concebível, por considerar
realidades superiores, inimagináveis para vós.
Colocastes vossos pontos fixos na Terra, quando, ao invés, eles estão no céu.
Os fatos de onde partis — o método da observação — e o instrumento da razão
vos fecham num círculo, sem possibilidade de saída. Jamais questionastes a vós
mesmos ou pensastes que se devesse — e esta é a primeira coisa a fazer —
superar vosso instrumento? Eu quebro os grilhões para escapar do círculo em
que a vossa ciência e vossa filosofia vos haveis trancado. Era preciso quebrar
de uma vez por todas esse impasse entre análise e síntese, síntese e análise,
para encontrar um ponto de partida fora de vosso relativo. Um sistema filosófico
ou científico pode ser uma construção perfeitamente concatenada do ponto de
vista lógico e matemático. Mas o ponto fixo, a base de onde partis, está sempre
no relativo, sendo esta a razão pela qual vossas construções são em tão grande
número e tão diferentes, todas prontas a ruir, tão logo sejam deslocadas desse
ponto. Muitas vezes vos isolais numa unilateralidade de concepção, elevando-
vos a vós mesmos em sistema.
Muitas vezes sabeis pelo poder da mente, porém, depois, vosso coração não
vos segue junto. De que serve saber, se não sabeis amar? Separais pesquisa e
paixão, mas o homem é uma síntese, feita de luz e calor. Além disso, como
pudestes acreditar que seria possível chegardes sozinhos — por força de
análises e hipóteses, esflorando os fenômenos com vossos limitados sentidos
— a alguma coisa que pudesse ultrapassassar uma síntese parcial, para chegar
a uma síntese máxima? O que tendes sob os olhos? Como pode caber em vosso
pequeno mundo terreno todo o universo fenomênico? No entanto tudo isto eu
resolvo com a mudança de sistema, deitando abaixo o método indutivo, para
substituí-lo pelo método intuitivo. 8 Mas nem por isso deixo de me referir e de
ficar aderente à realidade, a verdadeira base de qualquer filosofia. Eu vos digo
que as realidades mais poderosas estão dentro de vós. Olhai o mundo não com
os olhos do corpo, mas sim com os olhos da alma. Os métodos dos quais tanto
se ocupam certas filosofias, bem como os métodos clássicos de pesquisa, que
vos parecem inabaláveis, já deram todo o seu rendimento e se tornaram meios
superados, não podendo vos fazer progredir nem mais um passo sequer.
8. Esse problema do método é aprofundado no volume Ascese Mística — Parte I: “O Fenômeno”.
32
Gênese do Universo Estelar.
As Nebulosas — Astroquímica
e Espectroscopia
Para iniciar, tomo como ponto de partida uma vossa bem recente e nova teoria
científica: a teoria da relatividade de Einstein. Presumo que tenhais
conhecimento não apenas dela mas também dos conceitos sobre a quarta
dimensão. Os critérios que adotastes para criar uma quarta dimensão do espaço,
permanecendo no espaço, estão errados. A dimensão sucessiva à terceira
espacial não está no espaço. O quarto termo sucessivo aos três da unidade trina
só pode encontrar-se na trindade sucessiva. Isto se dá em virtude da lei segundo
a qual o universo é individualizado por unidades tríplices, e não quádruplas.
Portanto é absurdo o conceito da continuação do desenvolvimento tridimensional
do espaço — que vai do ponto adimensional à linha (primeira dimensão), à
superfície (segunda dimensão) e ao volume (terceira dimensão) — num hiper-
volume. Trata-se de um absurdo imaginoso essa construção ideal de um octae-
dróide quadridimensional e dos outros poliedróides do hiperespaço. Aumentar
um volume significa permanecer no volume, ainda que o multipliquemos por ele
mesmo. Por isso não obtivestes até agora resultado prático através da
representação hiperestereoscópica ou até mesmo da conceptual. A pretensa
geometria a quatro, cinco ou n dimensões, imaginada por vós, é uma extensão
da análise algébrica, e não uma geometria propriamente dita. Trata-se de uma
pseudogeometria, mera construção abstrata, com formas inimagináveis e
inexprimíveis na realidade geométrica.
Já vos disse que vossa razão não é a medida das coisas; que sois parte de um
grande organismo; que mesmo a vossa consciência representa uma fase,
constituindo um fenômeno entre os fenômenos. Alguns conceitos estão além de
vossa consciência, e só podeis alcançá-los por maturação evolutiva de vosso eu.
A modificação desses princípios fundamentais para a ciência altera também toda
a estrutura de vossos sistemas científicos, derrogando a física e a mecânica
clássica newtoniana. Mas os novos conceitos têm a vantagem de corresponder
a uma realidade mais completa e profunda. Assim, a mecânica racional
transforma-se na mais avançada mecânica intuitiva. Surge a possibilidade de
solucionar problemas que os velhos princípios não podem resolver. Sem dúvida,
a ciência que construístes tem valor, e tínheis mesmo de criá-la. Mas, hoje,
chegastes a um ponto em que, para avançar, é preciso criar uma nova ciência.
35
A Evolução das Dimensões
e a Lei dos Limites
Dimensionais
Cada universo tem sua própria unidade de medida, que constitui a sua dimensão.
Assim como, por evolução, se passa de uma fase para outra — conforme vimos
na transmutação das formas da substância, em que os universos aparecem e
desaparecem — também, por evolução, se passa de uma dimensão a outra,
resultando no aparecimento e desaparecimento das unidades de medida do
relativo. Tudo o que é relativo, portanto também a dimensão que lhe serve de
medida, deve, como o relativo, nascer e morrer. Assim as dimensões evoluem
com os universos, acompanhando as fases que estudamos. Do conceito de
dimensão relativa, passamos ao de dimensão progressiva. Ora, passagem de
fase significa também passagem dimensional. Do espaço ao tempo se passa por
evolução, num processo evolutivo paralelo ao que leva da fase γ à fase β.
Existe, pois, uma lei, a qual chamaremos de “lei dos limites dimensionais”, que
pode ser enunciada assim: “Os limites de uma dimensão são dados pelos limites
da fase da qual ela é a unidade de medida, situando-se eles no ponto em que,
por evolução, passa-se de uma fase a outra, ou seja, onde ocorre a
transformação de uma fase e de sua dimensão na fase e dimensão sucessiva”.
36
Gênese do Espaço
e do Tempo
São esses conceitos que escapam à vossa consciência e, nesse nível, não
podem ser alcançados. Somente assim se passa do relativo ao absoluto, do finito
ao infinito. Este não constitui uma sucessão nem uma soma de relativos, mas
constitui algo qualitativamente diferente: diferença de qualidade, de natureza, e
não de quantidade ou de medida. Assim é o verdadeiro infinito, bem diferente
daquilo que costumais denominar como tal, que é apenas um indefinido ou
incomensurável. A superconsciência se move numa esfera mais elevada que a
consciência humana, em contato direto com os princípios que vós,
laboriosamente, procurais alcançar através de sínteses parciais e que somente
sentireis diretamente por meio de vossa evolução. Uma diferença substancial,
como vedes. Não se trata de somar fatos, observações e descobertas, de
multiplicar as conquistas de vossa ciência; trata-se de mudar-vos a vós mesmos.
Não mais o lento e imperfeito mecanismo da razão, mas a intuição — rápida e
profunda. Não mais projeção da consciência para o exterior, por meios sensórios
que apenas tocam a superfície das coisas, mas expansão em direção totalmente
diversa, para o interior: percepção anímica direta, contato imediato com a
essência das coisas.
Eis a consciência maior que vos aguarda. Essa é a consciência que, no princípio,
chamamos latente, a qual se dilata continuamente, aumentando com os produtos
de vossa consciência. Em vós, a superconsciência está em estado de germe, à
espera de desenvolvimento para revelar-se. Agora compreendeis qual o valor a
ser dado às palavras razão, análise, ciência, que vos parecem ser tudo. Para
progredir mais, tereis de sair do plano de vossa consciência, ao qual estais
penosamente presos, e conquistar um ponto fora dela. As intuições do gênio e
as criações morais do santo são apenas perpendiculares levantadas ao plano da
superconsciência, por antecipação. Por isso vos disse que a intuição é a nova
forma de pesquisa da ciência futura; somente ela vos pode dar sabedoria, em
vez de ciência. Isto vos explica o inexorável relativismo de vossos
conhecimentos, a limitação e a relatividade de vossa sínteses, a escravidão da
análise, a vossa impotência apriorística de alcançar o absoluto. A superfície,
ainda que percorrida em todos os sentidos, jamais vos dará a síntese
volumétrica. Razão e intuição, análise e síntese, relativo e absoluto, finito e
infinito são dimensões diferentes, produzidas em planos diferentes. Absoluto e
infinito estão em vós em estado de germe; tremem na profundidade de vosso eu
como um pressentimento: nada mais. Aí vos espera a maior aproximação
conceptual da Divindade. Eu estou neste plano mais alto, de consciência
volumétrica, onde se domina todo o tempo, até mesmo o futuro, porque estamos
fora e acima de vosso tempo; aqui, a concepção é visão global instantânea de
tudo o que só concebeis sucessivamente; aqui, tenho, por visão direta, a síntese
que agora vos transmito. Destes planos mais altos, descem as revelações que
se comunicam a vós por sintonização de ondas psíquicas, partindo de seres de
outras esferas; consciências imateriais, que não são perceptíveis aos vossos
sentidos e que vossa razão não pode individualizar.
Como vedes, os conceitos desta minha revelação não são novos no mundo,
coincidindo com os das revelações precedentes, que são aqui completadas e
amplificadas. Apenas exponho à vossa maturidade intelectual, com
demonstração evidente e exatidão científica, o que não podia ser dito a mentes
primitivas senão na forma de imagens e sob o véu do mistério. Dou-vos, desta
forma, a fusão perfeita entre fé e ciência, entre intuição e razão. Com a ciência,
demonstro e convalido o mistério, explicando a nua afirmação das revelações,
enquanto, com o conhecimento, imponho-vos o dever de uma vida mais elevada.
Realizo a fusão entre as duas metades do pensamento humano, até agora
divididas e inimigas; entre o oriente, sintético, simbólico e sonhador, e o ocidente,
analítico e realista. Dou continuação à vossa ciência do último século, não me
opondo a ela, mas sim completando-a com o espiritualismo. Supero, sem
destruí-la, essa ciência que, por ter-se dirigido exclusivamente à matéria, não
poderia passar de uma visão unilateral deste pequeno campo, ignorando e
negando todo o resto. Não combato a ciência, mas a defino como fase superada,
embora necessária para alcançar o atual momento, em que ainda urge avançar
para as mais profundas realidades do espírito. Afirmo, como complementação e
continuação da precedente, uma nova ciência, que, abandonando os tristes e
loucos antagonismos de outrora, vos leve imensamente mais adiante, em
harmonia com todas as crenças e todas as religiões.
Essa lei de dualidade vós a encontrais em toda parte. Cada unidade é dupla e
se move entre dois extremos, que são seus dois polos. Os sinais + e − estão em
toda parte, e o binômio reconstrói a unidade, que sempre vos aparece como um
par: dia e noite, trabalho e repouso, branco e negro, alto e baixo, esquerdo e
direito, frente e atrás, direito e avesso, externo e interno, ativo e passivo, belo e
feio, bom e mau, grande e pequeno, Norte e Sul, macho e fêmea, ação e reação,
atração e repulsão, condensação e rarefação, criação e destruição, causa e
efeito, liberdade e escravidão, riqueza e pobreza, saúde e doença, amor e ódio,
paz e guerra, conhecimento e ignorância, alegria e dor, paraíso e inferno, bem e
mal, luz e trevas, verdade e erro, análise e síntese, espírito e matéria, vida e
morte, absoluto e relativo, princípio e fim. Cada adjetivo, cada coisa possui seu
contrário; cada modo de ser oscila entre duas qualidades opostas. Cada unidade
é uma balança entre esses dois extremos e equilibra-se neste seu íntimo
princípio de contradição. Os extremos se tocam e se reúnem. As diferentes
condições em que o princípio do dualismo se move produziram todas as formas
e combinações possíveis, mas elas se equivalem como princípio único. A
unidade é um par. O universo é monismo em seu conjunto e dualismo no
particular, uma dualidade que, ao mesmo tempo, contém o princípio de
contradição e de fusão; que divide e reúne, dando a cada forma do ser uma
estrutura simétrica (princípio de simetria); que dá ao desenvolvimento de cada
fenômeno uma perfeita correspondência de forças equilibradas. Também o
dualismo corresponde a um princípio de “equilíbrio”, que é momento do princípio
de “ordem”, fundamental na Lei. O que define a unidade em sua íntima estrutura
e garante a sua estabilidade no devenir fenomênico, tornando inviolável sua
trajetória, não é somente o princípio de inércia, mas também esse
desenvolvimento de forças que, embora antitéticas, atraem-se reciprocamente e
mantém aquele devenir unido e compacto. É um ir-e-vir, mas em campo fechado,
cujos limites não podem ser ultrapassados. Se o movimento não fosse
equilibrado por esse contínuo retorno sobre si mesmo, o universo ter-se-ia
deslocado há muito, todo ele numa só direção, e assim perdido seu equilíbrio. A
evolução é uma íntima autoelaboração, um amadurecimento devido a um
movimento que, regressando sobre seus passos e fechando-se sempre sobre si
mesmo, como uma respiração, modifica a forma, mas permanece imóvel
externamente, não atuando além dos limites dela. A cada movimento, um ritmo
que muda o fenômeno, sem poder sair dele, não lhe sendo possível invadir ou
alterar os ritmos de outros fenômenos. Este princípio de antítese e de simetria,
que sem cessar divide e reúne, reúne e divide, podemos chamá-lo monismo
dualista e dualismo monista. O positivo vai + e volta –; o negativo vai – e volta +,
numa constante inversão de sinal e de valor. Combinai e multiplicai este princípio
com o das unidades coletivas e vereis como o universo está todo unido num
indissolúvel abraço.
Encontrais assim uma razão mais profunda para a fase de involução, que
representa a dissolução dos universos. Este é um processo de neutralização da
fase positiva de criação, um processo de degradação do fenômeno, uma
decomposição do organismo em seus centros menores. Mas não é destruição
de fato, porque essas unidades menores são logo retomadas em novo ciclo,
sendo reorganizadas em novas unidades. O regresso involutivo expresso pelo
envolvimento da espiral, ou descida da linha quebrada, representa o período de
inércia, negativo, que se contrapõe ao período positivo, de atividade, de criação.
Na fase de inércia, o fenômeno se fecha em si mesmo, passivo; seu dinamismo
se detém; o esforço criativo diminui; a tensão da subida e o transformismo,
cansados, recaem sobre si mesmos. Cada fenômeno possui seu cansaço, ponto
no qual ocorre a exaustão do impulso concentrado no germe e se dá inversão
do período de atividade precedente. O regresso ao ponto de partida é
indispensável: o efeito reúne-se à causa, a forma retorna ao seu germe.
Atividade e inércia são o duplo ritmo de períodos inversos por meio do qual se
desenvolve o fenômeno. Assim, o fenômeno oscila da semente ao fruto, do fruto
à semente, que são os dois extremos, positivo e negativo, de seu devenir.
Positivo e negativo são apenas posições do fenômeno. A semente (+) é o estado
de latência, que contém tudo potencialmente; o fruto (–) é o resultado da
exaustão do ciclo, o estado subsequente à manifestação, quando o princípio
contido no germe se exteriorizou na definição da forma do ser.
Alguns atribuíram valor de lei máxima a essa dualidade e, vendo nela o princípio
genético dos fenômenos, generalizaram o conceito de acasalamento, atribuindo
ao choque das massas siderais o sistema “normal” de gênese estelar. Mas não
é assim. É verdade que os sistemas planetários são constituídos por um centro
positivo, o sol, ao redor do qual giram os planetas, de sinal negativo; que ao
redor do núcleo positivo do átomo giram os elétrons negativos; que essa
tendência à inversão do sinal guia as correntes dinâmicas para a concentração
no núcleo das nebulosas. Mas a evolução é a lei maior, contendo dentro de si
todos os movimentos da lei menor de dualidade. O choque é apenas um sistema
genético excepcional e particular, ao passo que o sistema tipo é a maturação
evolutiva.
Por causa desse princípio de dualidade, a criação vos parece uma contraposição
alternada entre termos contrários, orientada, ritmada e periódica. Mas esse
princípio é a base do constante equilíbrio na criação. Por meio dele, explicais a
distinção da força de gravitação em suas direções de atração e repulsão, de
acordo com o sinal, bem como a simpatia universal entre os contrários e a
antipatia entre os semelhantes. O todo é metade afirmação, metade negação.
Nessa inversão contínua, renova-se sempre a ação e a criação. A energia vital
do ar é bipolar: nitrogênio e oxigênio. Do mesmo modo, na decomposição da
água (eletrólise), o oxigênio migra para o polo positivo e o hidrogênio para o
negativo. A reação representada pela equação 2H2O=O2+2H2 na fase análise,
inverte-se na equação 2H2+O2=2H2O na fase síntese. Em suas duas metades,
+ e –, síntese e análise, o ciclo fica completo. A rotação das esferas celestes e
a oscilação da onda dinâmica por sucessão de duas semiondas, assim com todo
e qualquer movimento, resultam dessa alternância de períodos inversos. Esta é
a íntima estrutura da lei de equilíbrio, pela qual o mal se alterna com o bem, a
dor com a alegria, a pobreza com a riqueza, os homens e as civilizações sobem
e descem, e tudo se condiciona reciprocamente. Escutai essa íntima música do
universo, observai essa constante polarização que dirige o ser e o orienta como
uma agulha imantada. Nessa troca perpétua, tudo ressoa de harmonias, como
um cântico universal.
Ao lado desses aspectos principais da Lei, temos outros menores, nos quais a
unidade ainda se subdivide e se diferencia. As faces do poliedro são infinitas; a
Lei é verdadeiramente inexaurível. Imaginai o código que deve guiar o
funcionamento de um universo tão vasto e tão complexo, regulado com tanta
perfeição!
Serve-nos como exemplo a história da França, desde Luís XIV até à Revolução
e Napoleão. Não se corrige um abuso senão com outro abuso. Dizeis que a
riqueza é um furto, mas somente para roubá-la; sois virtuosos, mas apenas para
perseguir os outros em nome da virtude. Assim recaís sempre sob o peso das
consequências de vossas ações, sem jamais quebrardes o ciclo dos erros. É
desse modo que, de abuso em abuso, move-se a correnteza. Homem algum
existe sem culpa; mesmo quando acredita dominar e vencer, é apenas um
autômato no seio da Lei, que, a cada volta, lhe diz: basta! Esse é o perigo que
ameaça vossa civilização mecânica. Ai de vós se abusardes de vosso poder,
abandonando-vos aos instintos das épocas passadas; se, dispondo de tais
meios de destruição, não renovardes vossa psicologia, estais perdidos.
Agora que vos ensinei o caminho da síntese, quanto mais alto subirdes, mais
evidente sentireis o monismo no todo e a estrutura conceptual no processo
genético. No universo, tudo se harmoniza num imenso concerto de todas as
criaturas, de todas as atividades e de todos os princípios.
Não vos isoleis em vosso pequeno eu, naquele separatismo que vos limita e vos
aprisiona. Compreendei essa unidade, lançai-vos nessa unidade, fundi-vos
nessa unidade, e vos tornareis imensos. Acima do estridor do contraste e da luta,
ouvireis cantar um imenso ritmo majestoso. Assim como a força de gravitação
liga indissoluvelmente as unidades físicas que giram nos espaços, também a
unidade de conceito diretivo liga todos os fenômenos numa indissolúvel
solidariedade, tornando todos os seres irmãos entre si. Este universo — tão
instável, no entanto sempre equilibrado; tão diferenciado no particular, no
entanto tão compacto no conjunto; tão rígido em seus princípios, no entanto
extremamente elástico; tão resistente a qualquer desvio, no entanto
sensibilíssimo — é uma grande harmonia e uma grande sinfonia, onde miríades
de notas diferentes, desde o roncar do trovão aos cataclismos estelares, do
turbilhão atômico ao canto da vida e da alma, harmonizam-se num único hino
que diz: Deus.
41
Interregno
Mais uma pausa em nossa longa caminhada, a fim de que vosso pensamento
possa repousar da áspera tensão e, assim, orientar-se no vasto mar de
conhecimento que vos exponho, de maneira que vossa meta esteja sempre
presente.
Não digais: felizes os que podem viver sem saber e sem perguntar. Dizei antes:
felizes aqueles cujo espírito, lutando e sofrendo por uma conquista cada vez
mais alta, jamais se sacia de conhecimento e de bem. Compadecei-vos dos
satisfeitos da vida, dos inertes e dos apagados, cujo tempo é apenas ritmo de
vida física e transcorre sem criações. Eles, embora não exista luz no amanhã
para o espírito que adormece, rejeitam o esforço destas elevadas compreensões
que vos ofereço.
Alma, alma, centelha divina que nenhuma de vossas loucuras jamais poderá
destruir, sempre pronta a ressurgir cada vez mais bela de cada dor! Potência
que jamais se cansa de ser e de criar. Só tu verdadeiramente vives. Nenhuma
conquista de pensamento, nenhuma afirmação humana jamais poderá extinguir
tua sede de infinito.
Não ouvis seu grito desesperado, que se ergue em meio às vossas vicissitudes
individuais e sociais? Sua vida, negligenciada, pesa em vosso destino e o
arruína. Vossa alma sofre, mas não sabeis sequer como encontrá-la novamente.
Amedrontam-vos certos abismos, fechados sob águas tranquilas, num sorriso
aparente, por cima do tremendo báratro. Que acontecerá lá embaixo, no mistério
das causas profundas, que desejaríeis ignorar e afastar da consciência? Alguma
coisa palpita e treme nas trevas profundas. Cada ser esconde dentro de si uma
sombra secreta que não ousa olhar, mas que jamais poderá esconder de si
mesmo; uma sombra sempre pronta a ressurgir, tão logo uma hora de paz
diminua a tensão da corrida louca com que buscais distrair-vos. Não se sacia a
alma embalando-se o corpo em comodidades supérfluas e dispendiosas ou
agradando-se a visão apenas com um brilho externo. Na satisfação dos sentidos,
alguma coisa sofre no íntimo e agoniza numa angústia profunda. Resta um vazio
dentro de vós, em que apenas uma voz, perdida e desconsolada, eleva-se
inquieta para perguntar: e depois?
Então vos falo. Falo num tom de paixão, para as almas prontas e ardentes; em
tom de sabedoria, para quem é mais apto a responder às vibrações intelectivas.
A todos falo, porque quero sacudir e unir todos por uma fé mais elevada, apoiada
numa verdade mais profunda. Aqui, dirigindo-me à mente, convoco todos a se
unirem: químicos e filósofos, teólogos e médicos, astrônomos e matemáticos,
juristas e sociólogos, economistas e pensadores. Falo aos sábios de todos os
campos do cognoscível humano, a cada um sua na própria linguagem,
convocando a união das mentes de escol, que dirigem o pensamento humano,
no sentido de compreenderem esta Síntese e, finalmente, saberem com ela
alcançar um pensamento unitário que, satisfazendo mente e coração, resolva
tudo, para alcançar as supremas finalidades da vida.
Esta pausa é para vos dizer que, no fundo deste árido tratado científico, arde
uma imensa paixão de bem, sendo esta a centelha pela qual é animada toda
essa ciência que vos exponho. Quem, não sentindo essa centelha, que se
comunica diretamente de alma para alma, lançar a este escrito um olhar
simplesmente curioso ou estiver apenas ávido de aprendizagem não ficará
nutrido.
Como vedes, minha meta é bem mais elevada, e não uma simples busca de
conhecimento para a solução de problemas com intuito intelectual ou, muito
menos, uma atividade utilitária. Esta minha palavra não é mera afirmação
cultural, mas apenas um meio. Não venho para alardear sabedoria, e sim para
lançar um movimento mundial de renovação substancial de todos os princípios
que hoje regem vossa vida e vossa psicologia.
Não mais guerra, e sim paz; não mais antagonismos e egoísmos (individuais e
coletivos) destruidores de trabalho e de energias, e sim colaboração; não mais
ódios, e sim amor. Cumpra cada um o seu dever, e a necessidade de luta cairá
por si mesma. Só a retidão produz equilíbrio estável nas construções humanas,
enquanto a mentira representa um desequilíbrio fundamental, que, sendo um
irremediável vício de origem, destrói tudo. A justiça suprimirá o gigantesco
esforço da luta, que sobre vós pesa como uma condenação. O amor, que só
existe no mundo em oásis fechados, isolados no deserto do egoísmo, precisa
sair do âmbito fechado desses círculos e invadir todas as formas de
manifestação humana. Muitas vezes, exatamente onde o homem trabalha, falta
esse cimento unificador, essa potência coesiva, cuja ação amortece os choques
e ajuda o esforço, impedindo que tanto trabalho se perca em agressividades
demolidoras. Para um homem superiormente consciente, os objetivos da lei de
seleção do melhor podem ser alcançados muito mais facilmente pelos caminhos
da compreensão, do que pelos da luta desapiedada. Existe para o homem uma
virilidade muito mais poderosa, que consiste em superar a fraqueza da mentira,
a maldade do egoísmo e a baixeza da luta agressiva.
Minha meta é a compreensão de uma lei mais alta, lei de amor e de colaboração,
que a todos una num grande organismo, animado por nova consciência universal
unitária. Não se trata, fundamentalmente, de uma nova sabedoria, pois apenas
repito a Boa Nova, que já foi ditada há milênios aos homens de boa vontade.
Torno a repeti-la toda, idêntica na substância, porém agora mais ampliada,
ajustada ao maior alcance de vossa mente mais amadurecida, para que
finalmente esta ideia vos agite, vos inflame e vos salve. Eis nossa meta: a
palavra eterna, o alimento que sacia, a solução de todos os problemas, a síntese
máxima.
“Levantai-vos e caminhai até ao vosso inimigo mais acerbo, aquele que mais vos
traiu e maltratou, e, em nome de Deus, perdoai-lhe e abraçai-o; ide àquele que
mais vos roubou, perdoai-lhe a dívida e, mais ainda, dai-lhe tudo o que possuís;
encontrai aquele que vos insultou e dizei-lhe, em nome de Deus: eu te amo como
a mim mesmo, porque és meu irmão”.
Eu vos digo, porém: “Sereis homens novos somente quando usardes métodos
novos. De outra forma jamais saireis do ciclo das velhas condenações, que
punirão eternamente a sociedade por suas próprias culpas. Pela mesma razão
que houve uma vítima na cruz, hoje a humanidade tem de saber oferecer-se a si
mesma para esta sua nova, profunda e definitiva redenção. Sem holocausto,
jamais haverá redenção. Aí, nesse mundo louco, preocupado apenas em se
armar contra si mesmo, sob perspectivas cada vez mais desastrosas, com meios
já tão tremendos em vista dos hodiernos progressos científicos, que uma
conflagração não deixará civilização ou homem algum salvos sobre a Terra; aí,
onde o homem age assim, só existe uma defesa extrema: o abandono de todas
as armas”. Mais tarde veremos como.
Eu, porém, vos replico: quando, com espírito puro, proferis “Em nome de Deus”,
a terra estremece, porque as forças do universo se movimentam. Quando sois
verdadeiramente justos e quando, inocentes, sois atingidos pela violência, que
usurpa a vitória de um momento, o infinito se precipita a vossos pés, para
proclamar vossa vitória e vos erguer bem alto, como triunfadores na eternidade,
muito além do ínfimo átimo de tempo em que o inimigo venceu.
Eis o que peço à alma do mundo. Sua alma coletiva, una e livre como uma só
alma, pode escolher, e de sua escolha dependerá o futuro. Um incêndio deve
alastrar-se fortemente, para poder derreter todo o gelo de ódio e de egoísmo que
vos divide, vos mantém famintos, vos atormenta. De um hemisfério ao outro, o
mundo me escuta, e minha voz conclama todos os homens de boa vontade. O
novo reino é o esperado Reino de Deus, uma construção imensa, que deve
realizar-se não nas formas humanas, mas sim no coração dos homens; criação
antes de tudo interior, que se realiza ao vos tornar melhores. Se não
compreenderdes, a marcha do progresso do mundo demorará milênios.
À ciência, que aplica o ouvido para ver resolvidos, com suas próprias palavras,
problemas tão desusados para ela, eu digo: chegou a hora de mudar de
caminho, porque é loucura inútil acumular milhões de fatos sem jamais concluí-
los. A síntese urge, mas a ciência — olhando suas colunas de fatos, como
colunas de um templo imenso, cheio de silêncio — cala-se. O apriorismo
sensório amarra na terra as asas e limita as vias da pesquisa científica, numa
atitude de dúvida, que, se olha para a objetividade, fecha ao espírito os caminhos
rápidos da intuição e da fé. Mente e coração exigem uma resposta, e os últimos
efeitos que tocais com vossos sentidos só vos podem dar os últimos reflexos
daquele incêndio que permeia o infinito. Não é acumulando fatos que se pode
dar uma resposta. O princípio vital que anima uma árvore jamais será encontrado
pela observação e enumeração de suas folhas, pois ele é algo íntimo, profundo,
imensamente superior e essencialmente diferente de qualquer aparência
sensória. Assim anatomizais cadáveres na zoologia e na botânica, no entanto o
que vos podem dizer as formas de vida depois de as terdes matado, expelindo-
lhes o princípio substancial pelo qual elas são plasmadas e regidas, o qual,
resumindo e determinando tudo, é o único fator capaz de exprimir o significado
do fenômeno?
Se, por um lado, os fatos já demonstraram que existe na ciência uma impotência
apriorística para concluir, por outro lado, o interesse e a ambição — com
frequência os únicos motores secretos de todo trabalho — fecham à alma os
caminhos da compreensão, levantando uma barreira entre o eu e o fenômeno.
A atitude psicológica do observador torna-se assim uma força negativa e
destruidora. Como podeis esperar que se vos abram as portas do mistério, se
vós mesmos partis da negação, erguendo barreiras com vossa posição de
desconfiança e, assim, inquinando irremediavelmente a primeira vibração de
origem, que determina a direção de todas as subsequentes formas de vosso
pensamento? Deveis compreender que a dúvida e o agnosticismo são uma
atitude psicológica negativa, sendo justamente essa posição que, desagregando
o fenômeno, vos fecha as vias de sua compreensão. Os fenômenos mais sutis
e mais elevados se apagam, automaticamente, quando vos avizinhais deles,
razão pela qual fica interditado o ingresso da ciência nos campos mais refinados.
Para alcançá-los, é indispensável a presença dos fatores espiritual e moral, os
quais são, no entanto, propositadamente ignorados pela ciência. Eles são a
condição fundamental para sintonizar e potencializar a vossa psique, que é o
instrumento de pesquisa.
Por outro lado, não haveis certamente de presumir que o presente de vossa
ciência contenha todo o saber possível. A experiência do passado vos ensina
que tudo pode mudar completamente, levando a resultados imprevisíveis a cada
momento. Sabeis, por experiência, que as revoluções no campo do saber são
normais em certas ocasiões. Não é porventura lógico, segundo vossas próprias
teorias materialistas evolucionistas, que a natureza, ao chegar a uma nova
maturação, lance — estendido para o futuro, como um tentáculo no porvir, em
antecipação às formas evolutivas que esperam em embrião — um tipo de
homem novo, que possa conceber tudo diferentemente? Não é logicamente
possível que, dessa forma, toda a técnica mental humana possa mudar, tornando
normal a intuição do gênio, a inspiração do artista e a super-humanidade do
santo, que são hoje exceção? Vossas fases evolutivas mais próximas tocam,
depois da fase orgânica, a fase psíquica. Como vedes, as novas concepções
desta Síntese, mesmo para a mentalidade dos céticos e dos materialistas,
apresentam-se com todos os caracteres da racionalidade e terão de ser
reconhecidas como aceitáveis, pelo menos como hipótese de trabalho, sendo
isto aplicável também às últimas conclusões, de que já vos falei. Neste tratado,
os princípios e postulados demonstrados pelos fatos e aceitos pela ciência não
são apenas confirmados, mas também fundidos organicamente numa unidade
universal. A ciência é aqui combatida, corrigida e levada para mais alto com seus
próprios métodos e na sua própria linguagem. As características que o cético
encontrará neste tratado não serão apenas as da simples possibilidade, mas
também as da mais perfeita logicidade. O raciocínio fica intimamente satisfeito
com esta organicidade, que dá harmonicamente a razão de tudo. Esta Síntese
pode ser elevada a teoria, pois é o único sistema que dá uma explicação
completa e profunda de todos os fenômenos, mesmos daqueles que não podeis
experimentalmente controlar. Não importa se tudo o que digo pode não estar
contido dentro de vossas categorias mentais, não correspondendo assim àquele
habitual arquivamento de conceitos de vossa forma psíquica. Não importa se
sois levados naturalmente a negar tudo o que escapa à limitação de vossa razão
e à cegueira de vossos sentidos. Eles são formas relativas, que superareis.
Diante da imensa verdade, muito mais do que meios, eles são uma prisão que
vos encerra e vos limita. Bem depressa, porém, vosso ser se libertará deste
cárcere, e a ciência, queira ou não, superará sua posição atual.
44
Superações Biológicas
No entanto poucas são as mentes, entre aquelas que dirigem o mundo nos
campos mais diversos, capazes de pressentir a iminência dos novos tempos. A
ciência, mais esmagada do que sustentada pelo imenso volume de material de
observação acumulado, está sempre aguardando sínteses, perdida no dédalo
infinito das análises. As religiões adormecem no indiferentismo. Sem um
princípio unificador que o dirija, o mundo é como um navio vagando sem
timoneiro. As forças construtivas se pulverizam em pormenores de interesses
particulares e de pequenos jogos egoísticos, eliminando-se e anulando-se, ao
invés de se coordenarem num esforço organizado. A própria psicologia corrente
contém o germe da desagregação.
Mas a lei de Deus prossegue no seu próprio passo, acima das tempestades
humanas, salvando sozinha o equilíbrio nos grandes momentos. Hoje, tal como
nos tempos antigos das primeiras revelações, ela segura de novo o homem pela
mão e lhe mostra o caminho. Diante dos acontecimentos supremos, os extremos
da história se tocam, e a intuição reabre hoje aos humildes as portas da verdade.
Nos grandes momentos, só a mão de Deus vos guia a todos, e ela está em ação
hoje, como sempre ocorre no momento das maiores criações. Felizes aqueles
que sabem rapidamente, pelas vias da fé, atingir a meta! O mais amplo saber é
sempre coisa pobre diante do sincero e humilde ato de fé de uma alma pura. E
a ciência racional se debate em vão para sair do claustro da racionalidade que
ela mesma construiu e que agora a limita, pois não é possível uma construção,
como efeito, superar com sua massa a potência dos meios nela empregados. A
ciência racional, que hoje se debate impotente aos pés de um mistério cada vez
mais vasto, encontra-se estupefata diante de uma revolução completa de
métodos e de formas de pesquisa; vê-se permeada, sem ao menos percebê-lo
— ela que acreditava guiar, mas era de fato guiada pelas forças da evolução
espiritual do mundo — por um quid novo para ela, super-racional, um fator que
lhe escapa, porque supera seus meios lógicos, sendo mais sutil e, no entanto,
mais poderoso que seus meios objetivos. A racionalidade, único deus do mundo
durante um século, abate-se desanimada diante da explosão estranha e
envolvente da alma humana, que se modifica e, intuindo diretamente o infinito
como realidade imediata, penetra os fenômenos por novos caminhos.
Em sua intuição, ele traçava o caminho que nós seguimos: a evolução do ser,
da matéria até ao espírito. No irrefreável transformismo evolutivo, primeiro
aparece a matéria: a terra. Depois move-se a energia: a luz. Nas cálidas bacias
de águas acumuladas, a mais alta forma evolutiva dinâmica concentra-se na
potência ainda mais alta de um novo eu fenomênico, e nasce o primeiro germe
de vida em sua primordial forma vegetal, que depois se alastrou sobre a terra e,
sempre ansiosa por subir, ascendeu às formas animais. Do pó da terra, o impulso
divino, sempre atuante, criou o homem, feito de matéria (γ), que subiu assim até
à fase de consciência: α (o sopro da vida). Então aparece o homem, que resume
em si a obra completa e a trindade divina de seu universo: γ, β, α.
Uma vez que toda forma dinâmica, no exato momento do seu primeiro
aparecimento, é instantaneamente disciplinada pela Lei, cada forma de β
aparece precisamente individualizada por uma lei férrea e específica, pela qual
é constituído seu modo de ser. Assim, no imenso turbilhão, a ordem sempre reina
soberanamente. O aspecto conceptual, nesta fase superior, é ainda mais
transparente. Num universo tão vasto e complexo, quem, senão o pensamento
divino da Lei, disciplinaria tão imensurável desenvolvimento de forças? Tudo
parece ocorrer automaticamente, porque a mão de Deus não é algo externo e
visível, mas sim um conceito, que é a alma das coisas. As rotações astronômicas
caminham com exatidão matemática. A gravitação, a luz, o calor, a eletricidade,
o som e todas as formas dinâmicas sabem, todas elas, o seu caminho, sendo
que nelas, a cada momento, a cada manifestação e em suas próprias
consciências instintivas, fala sempre a grande lei. Ainda hoje, a base de vossa
vida é o entrelaçamento dessas forças, cujo modo de ser e de agir, definido com
exatidão e constância, dirige a palpitação regular que vos sustenta; proporciona
as radiações solares às necessidades do planeta; guia as correntes
atmosféricas; regula as sínteses e as trocas das substâncias proteicas, a
assimilação nos organismos, o crescimento, a respiração, a circulação, a
reprodução, os nascimentos, as mortes e todos os fenômenos sociais. Os mais
complexos fenômenos ocorrem com perfeição, indiferentes ao conhecimento
que deles tendes e à vossa vontade, até mesmo aqueles que regulam vossa
própria vida. Se a vosso esforço só foi deixado o trabalho de vosso progresso,
as forças que vos guiam sabem, por si mesmas e melhor do que vós, o caminho
que deveis seguir. Desta consciência linear (de primeira dimensão) do universo
dinâmico já falamos.
46
Estudo da Fase Β – Energia
A máxima frequência vibratória que podeis apreciar é dada pelos raios X, sendo
estes a primeira forma dinâmica que conseguis observar isolada. Verificaremos,
na sucessão das formas dinâmicas, um constante decréscimo na frequência de
vibração, à proporção que nos afastamos das origens, subindo da gravitação à
luz, à eletricidade etc. É lógico que as primeiras emanações dinâmicas, como
gravitação e raios X, sejam as mais cinéticas, pois estão mais próximas da fonte
de seu movimento: o vórtice atômico. Com a evolução (por causa daquela lei de
degradação que estudamos), a vibração tende ao repouso, através de um
alongamento cada vez maior da onda, o que significa a transformação do
movimento de rotação original em translação pura, final do período β. Porém,
como vos disse, não se trata de desgaste nem de fim, mas sim de uma íntima
maturação evolutiva, que preludia as formas de α: a vida e a consciência. Se as
primeiras formas dinâmicas são mais rápidas e mais poderosas, as últimas são
as mais sutis e as mais evoluídas.
À zona das ondas elétricas sucede, dos 34 bilhões até os 35 trilhões, outra
região, também desconhecida de vossos sentidos e instrumentos. Segue-se
depois a região que vai dos 400 aos 750 trilhões de vibrações por segundo, na
qual está a luz, do vermelho ao violeta, em todas as cores do espectro solar.
Mais exatamente tem-se: vermelho (raio menos refratário), média de 450 trilhões
de vibrações por segundo; laranja — 500; amarelo — 540; verde — 580; azul —
620; anil — 660; violeta (raio mais refratário) — 700. Eis as sete notas desta
nova oitava ótica, tudo quanto vossos olhos percebem. Vossa harmonia de cores
não pode ultrapassar uma oitava de vibrações. Além destas, há outras “notas”,
invisíveis a vós: os raios infravermelhos, “notas” graves demais para vossa
retina, e as radiações ultravioletas, “notas” agudas demais, ambas situadas nas
regiões dinâmicas limítrofes ao espectro visível. As primeiras são sensíveis
apenas como radiações caloríficas (escuras); as segundas são percebidas por
sua ação química e actínica (fotografáveis, mas escuras para os olhos). Logo
após um breve trecho inexplorado, situado imediatamente abaixo das notas mais
graves do infravermelho, estão as notas mais agudas das radiações
eletromagnéticas hertzianas. Se continuardes do lado oposto, além do
ultravioleta, o exame do espectro químico (muitas vezes mais extenso que o
espectro visível), atravessareis uma região desconhecida a vossos sentidos e
atingireis, na faixa dos 228 quatrilhões, uma zona que alcança os dois quintilhões
de vibrações por segundo. Esta é a região da radioatividade, onde ocorre, como
consequência da desintegração atômica radioativa, a emissão dos raios alfa,
beta e gama, análogos aos produzidos pelas descargas elétricas (elétrons
lançados em alta velocidade) no tubo de vácuo de Crookes (raios X, ou raios de
Röntgen). Se continuardes ainda, encontrareis as emanações dinâmicas de
ordem gravífica. Neste ponto, a série evolutiva das espécies dinâmicas liga-se à
das espécies químicas, da qual é a continuação.
A ligação entre esta e a série dinâmica está justamente na fase das ondas
gravíficas, como já vimos. Observamos também a região contígua às emanações
radioativas. A escala evolutiva das formas dinâmicas, na verdade, sobe destas
fases de máxima frequência para as de menor frequência, em ordem inversa à
que, para simplificar a exposição, seguimos acima. Em outras palavras, a
evolução dinâmica implica num processo de degradação de energia, até que
esta — decaindo para vibrações cada vez mais lentas, em meios cuja densidade,
em contraste com a do éter, é cada vez maior (atmosfera, líquidos e sólidos) —
se extinga. O contato com as formas de γ é estabelecido apenas pelos tipos
dinâmicos mais cinéticos, o que é lógico, dada a natureza e a transformação do
movimento. À proporção que se afastam de γ, os tipos tendem a um estado de
inércia, sendo isso também lógico, tendo em vista a exaustão (resistência do
ambiente e processo de difusão) do impulso original (degradação).
1º) Gravitação.
2º) Radioatividade.
11. Entropia, ou seja, nivelamento para o qual parece tenderem todos os fenômenos. Assim
compreende-se o que para os físicos é um enigma. Eles observaram o fenômeno e acreditam
que continuará e terminará num nivelamento universal de todos os fenômenos, ao passo que
aqui vemos que sucede diversamente. (Isto foi aprofundado no volume A Nova Civilização do
Terceiro Milênio, Cap. XXV — “O Universal Dualismo Fenomênico”).
(Gênese — Cap. I)
Nosso caminho, alcançando a vida, atinge regiões cada vez mais elevadas.
Desta exposição irrompe um hino de louvor ao Criador. Minha voz se funde no
imenso canto de toda a criação. Diante do mistério que se realiza no momento
supremo da gênese, a ciência torna-se mística expansão; a exposição árida,
permeada pelo hálito do sublime, incendeia-se; o senso do divino sopra através
da crua fenomenologia científica. Diante das coisas supremas, dos fenômenos
decisivos, que somente aparecem nas grandes curvas da evolução, os princípios
racionais da ciência e os princípios éticos das religiões se fundem no mesmo
lampejo de luz, numa única verdade. Por que deveria a verdade racionalmente
descoberta por vós ser diferente da verdade que vos foi revelada? Diante da
última síntese, caem os inúteis antagonismos de momento do vosso espírito
unilateral e cego. Cada verdade e concepção parcial tem de reentrar no todo:
tanto a ciência como a fé, o que nasce do coração e o que nasce da mente, a
matemática mais avançada e a mais alta aspiração mística, a matéria e o
espírito; nenhuma realidade, por mais relativa que seja, pode ser excluída. Se a
ciência é realidade substancial, como pode permanecer fora da síntese? Se o
aspecto ético da vida é também realidade substancial, como pode ser
desprezado? Essas novas concepções podem chocar vosso misoneísmo; tão
grande salto à frente talvez vos cause medo; esse conceito de Divindade pode
encher-vos de desânimo, mais que de amor. Mas também tendes de admitir que,
com isso, torna-se pequeno tão-somente o conceito do homem em relação ao
conceito de Deus, que se agiganta além da medida. Isso poderá desagradar aos
egoístas e aos soberbos, jamais às almas puras.
Orai assim:
“Pai, amo-te, mesmo quando Tua respiração é dor, porque Tua dor é
amor; mesmo quando Tua Lei é esforço, porque o esforço que tua Lei
impõe é o caminho das ascensões humanas.
Orai assim, no silêncio das coisas, olhando sobretudo para o âmago que está
dentro de vós. Orai com espírito puro, com intenso arrebatamento, com poderosa
fé, e a radiação anímica, harmoniosamente sintonizada com grande vibração,
invadirá os espaços. E ouvireis uma voz de conforto, que vos chegará do infinito.
51
Conceito Substancial dos
Fenômenos Biológicos
A evolução das espécies dinâmicas nos trouxe até à forma “eletricidade”, situada
nas fronteiras da energia, no seu nível mais alto. Vimos que, substancialmente,
a degradação dinâmica nada mais é senão evolução, significando a passagem
para as formas menos poderosas e cinéticas, porém mais sutis, complexas e
perfeitas. Vosso universo caminha visivelmente de um estado de caos, que é
apenas a fase de tensão da primeira explosão dinâmica, para um estado final de
ordem. Assim, partindo de um ambiente caótico, o universo chega, através de
uma fase de preparação, a um ambiente de equilíbrio e coordenação de forças,
no qual nasce a vida. Em outras palavras, o fato de ter a evolução dinâmica
atingido a forma de eletricidade significa a formação de um ambiente mais
equilibrado, onde é possível surgir aquela nova ordem (superior coordenação e
organização de forças) que denominais vida. Essa nova ordem se aperfeiçoará
cada vez mais, prosseguindo, em continuação ao caminho evolutivo já
percorrido, para coordenações e organizações mais complexas e completas:
orgânicas, psíquicas e sociais, pois, com a vida, inicia-se também a
manifestação de suas leis e de seus equilíbrios superiores, que dirigirão também,
nos níveis mais altos, a vossa existência individual e coletiva.
Quando num sistema rotatório sobrevém nova força, esta se introduz nele,
tendendo a somar-se e a fundir-se no tipo de movimento circular preexistente.
Podeis imaginar que complicações profundas ocorrem no entrelaçamento já
complexo das forças atrativo-repulsivas. O simples movimento circular agiganta-
se num movimento vorticoso mais complexo. Pela emissão de novos elétrons, o
movimento não apenas complica sua estrutura, mas também se reforça,
alimentado por novos impulsos. Em vez de um sistema planetário, tereis uma
nova unidade, que vos recorda os redemoinhos de água, as trombas marinhas,
os turbilhões e ciclones. O princípio cinético de γ, assim, é retomado por β, numa
forma vorticosa muito mais complexa e poderosa. Nasce, dessa forma, nova
individuação da substância, desta vez um verdadeiro organismo cinético, em que
todas as criações e conquistas, ou seja, as trajetórias e equilíbrios
precedentemente constituídos, subsistem, mas coordenando-se. Veremos como
o tipo dinâmico do vórtice contém, em embrião, todas as características
fundamentais da individuação orgânica e do eu pessoal. Nesta nova forma de
movimento, organização de sistemas planetários e coordenação complexa de
forças — na própria instabilidade da nova construção, na rapidez das contínuas
trocas com o ambiente e em seu mais intenso devenir de equilíbrios, que, mesmo
em constante mudança, sempre reencontram seu fio condutor — revela-se
aquele psiquismo, o mais requintado dinamismo com que a energia surge na
vida. Princípio novo, mas filho dos precedentes; simples expansão de potências
concentradas no estado de latência; novo modo de existir da Substância, que
atingiu a periferia das manifestações.
Mais a frente há os corpos que, mesmo entrando para fazer parte da vida
orgânica, não são aceitos senão em doses muito pequenas. Seu peso atômico
não ultrapassa 137, estando eles na seguinte ordem: cobre 7 (Cu=63,5); zinco7
(Zn=65,4); arsênico10 (As=75); bromo6 (Br=80); rubídio8 (Ru=85,5); estrôncio9
(Sr=87,6); iodo6 (I=127); bário9 (Ba=137,4).
Se continuarmos a subir, chegando aos mais altos graus na escala dos pesos
atômicos, verificaremos que os corpos pertencentes a esta faixa não são
normalmente encontrados nos organismos e, quando têm ingresso no ciclo vital,
somente são tolerados em doses mínimas (condição esta fundamental também
para seu uso terapêutico). Temos assim: selênio (Se=79); prata (Ag=108);
estanho (Sn=118); antimônio (Sb=122); telúrio (Te=127); platina (Pt=195); ouro
(Au=197); mercúrio (Hg=200); chumbo (Pb=207).
Chegamos, enfim, aos pesos atômicos máximos, correspondentes aos corpos
radioativos, que, embora sejam utilizáveis terapeuticamente pelo dinamismo de
suas radiações, não possuem propriedades biológicas intrínsecas. A
instabilidade de seu equilíbrio interior representa um sistema atômico em
desfazimento, que foge para as formas dinâmicas, sendo o menos apto para ser
retomado nas coordenações cinéticas de ordem mais complexa. A emanação
eletrônica desses corpos, embora possa excitar no átomo a aptidão para entrar
no ciclo vital, permanece sempre exterior a ele, sendo que, para poder penetrá-
lo, tem de atravessar antes toda a maturação das formas dinâmicas, até atingir
o máximo de degradação. Temos neste caso: polônio (Po=210); rádio (Ra=226);
tório (Th=232,4); urânio (U=238), sendo estes os corpos mais resistentes a
qualquer penetração cinética, pelo fato de terem um sistema atômico mais
complexo, com órbitas mais numerosas, que, lançando-se em direção à periferia,
abrem-se exatamente no sentido contrário ao trem superveniente de radiações
elétricas da onda degradada.
55
Teoria dos Movimentos
Vorticosos
Como se mantém intacto, num e noutro caso desses dois fenômenos afins, esse
equilíbrio superior, enquanto, dentro deste, os edifícios atômicos passam
rapidamente de um sistema de equilíbrio a outro? O que dá a essa instabilidade
o poder de se manter indefinidamente, de se retificar, de se reconstituir; a força
de resistir contra todos os impulsos contrários que tendem a trazer desvios? O
fenômeno da vida não é fenômeno transitório nem acidental. Seus equilíbrios
instáveis não são meros acasos químicos, porque eles se fixaram
substancialmente no caminho da evolução. Onde se encontrará essa nova
capacidade de autonomia, absolutamente desconhecida no mundo da química
inorgânica, senão na especial estrutura cinética dos movimentos vorticosos?
Diante do insuperável determinismo da matéria, encontramo-nos aqui nos
primeiros passos daquela ascensão que, na fase de consciência, levará ao livre
arbítrio, uma novíssima liberdade de movimentos, a qual, no entanto, não destrói
o equilíbrio nem a estabilidade integral do sistema. Sem dúvida, o movimento
vorticoso enfeixa o processo típico de isolar no ambiente um sistema de forças,
contendo, portanto, o princípio da individualidade. Um turbilhão de forças já é um
eu distinto de tudo que o circunda; entra em relação com o ambiente ao seu
redor, mas não se funde ao longo do seu devenir; tem direção e meta próprias,
sendo dotado de um fluxo de trocas e de um princípio diretor cujo funcionamento
dão, de imediato, a imagem do organismo e da vida. Só o sistema cinético do
vórtice contém as características de elasticidade e de equilíbrio móvel, que,
imensamente distantes da rigidez inorgânica, tanto lembram o estado coloidal,
fundamental na vida, para assegurar a estabilidade da estrutura dos
protoplasmas vivos e, ao mesmo tempo, favorecer maravilhosamente neles o
desenvolvimento das reações químicas. O vórtice recebe e reage; admite, em
vista de sua estrutura, uma variedade de reações muito maior do que a permitida
pelo sistema atômico, sendo, por isso, a sede mais adequada para a evolução
das reações químicas. Constitui, tal como a vida, um sistema plástico, móvel e
flexível, no entanto resistente. Ele tem a faculdade de assimilar os impulsos
exteriores, de torná-los próprios sem quebrá-los, de conservar-lhes os traços no
próprio movimento e de registrar a resultante de suas combinações (memória).
Ele se rende e se transforma; suporta, mas não esquece nada. Sua elasticidade
significa a capacidade de retomar o equilíbrio de acordo com a lei de seu
movimento. Passivo e ativo ao mesmo tempo, tangencia todas as características
da vida.
Vimos como a energia elétrica, dada pela onda dinâmica mais degradada,
constrói, ao penetrar no edifício atômico, o sistema vorticoso. Não se confunda
esse processo com a normal introdução de energia “não degradada” nos
sistemas atômicos já constituídos, à qual assistis em qualquer transmissão
dinâmica (raios solares etc.). Sendo aberto por sua própria natureza, estando em
constante comunicação com o exterior, tendo dois polos e possuindo todas
aquelas características já vistas por nós, o sistema vorticoso era o sistema mais
apto para entrar em combinação cinética e, assim, unir-se com outros vórtices
semelhantes. O equilíbrio, em razão das qualidades intrínsecas próprias desse
tipo de movimento, estabilizou-se gradualmente num sistema de vórtices
comunicantes, dando origem ao primeiro organismo coletivo. Não constituindo
até então célula ou propriamente vida, essa unidade de natureza ainda
essencialmente dinâmica, compondo um organismo de forças que se demora no
limiar do novo mundo biológico, já contém todos os germes do iminente
desenvolvimento. Este organismo viveu em vosso planeta como verdadeira
forma de transição de β para α, já tendo hoje esgotado sua função biológica. No
entanto dele ainda sobrevivem traços que podeis observar, a fim de deduzir as
suas características. Isso porque a natureza não esquece nem jamais anula
definitivamente suas formas, razão pela qual a lembrança das tentativas sempre
ressurge, embora irregularmente. O raio globular é um organismo dinâmico, de
constituição eletrônica, que, em alguns casos, podeis observar. Longínquo
descendente de tipos mais poderosos, dos quais nasceu a célula, hoje ele
possui, naturalmente, um equilíbrio instável e transitório, com uma breve
persistência de vida, sempre tendendo a se desfazer. Embora o raio globular
seja um organismo efêmero, que raramente reaparece por lembrança atávica,
seu aparecimento e seu comportamento são fatos de vossa experiência. Podeis,
então, comprovar quantas afinidades esse primeiro ser apresenta não somente
com os movimentos vorticosos, dos quais é filho, mas também com os
fenômenos da vida, que ele já tem em germe. Situado entre esses dois
fenômenos, que ele liga em continuidade, o raio globular apresenta naturalmente
as mesmas características comuns a ambos, como já vimos. Com esse novo
termo, fechamos a cadeia que vai da eletricidade, última espécie dinâmica (onda
degradada), ao vórtice eletrônico determinado por ela na matéria, depois ao
primeiro organismo de vórtices eletrônicos — o sistema elétrico fechado do raio
globular — e chega à célula, com a qual entramos na vida.
Com isso, a eletricidade condensa os elementos do ar. Este meio, como sabeis,
contém justamente os quatro corpos fundamentais — H, C, N, O — que
encontrais na base dos fenômenos da vida. Eles apresentam a propriedade de
existirem no estado gasoso na atmosfera — o nitrogênio e o oxigênio em estado
livre, o hidrogênio e o carbono em estado ligado, no vapor de água (H2O) e no
gás carbônico (CO2) — estando prontos para encontrar toda a série de corpos
secundários, que os ajudarão a formar o protoplasma definitivo. Ora, vimos que
esses corpos, justamente por sua característica de possuir pesos atômicos
baixos, são os primeiros a serem introduzidos no círculo vital. A série dos trens
eletrônicos da onda dinâmica degradada, ao chegar dos espaços, encontrou-se
em primeiro lugar com os sistemas atômicos de estrutura cinética mais simples,
os quais, possuindo menor número de órbitas eletrônicas, são os mais fáceis de
serem penetrados e transformados em sistemas vorticosos, constituindo assim
outros tantos germes de vida. Os átomos desses quatro corpos, mais obedientes
e flexíveis ao impulso da energia radiante que chegava, foram dessa forma mais
facilmente encontrados e escolhidos, razão pela qual constituem os elementos
fundamentais da vida. Verificais que é um caráter fundamental e comum a todos
os compostos orgânicos conter carbono como elemento mais importante e, com
ele, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio. Toda a química orgânica está baseada nos
compostos de carbono. As qualidades características do carbono o tornam
particularmente apto às funções da vida, sendo dadas por: grande elasticidade
química, que lhe proporciona muita facilidade para se combinar com os mais
díspares elementos químicos, conferindo-lhe assim uma excepcional
fecundidade de composições; inércia química, que, por ser transmitida também
aos corpos com os quais ele se liga, funciona como resistência nas reações,
constrangendo-as a uma lentidão de movimentos não usual no mundo da
química orgânica. Por esta sua tendência a eliminar as transformações brutais
— que, nas substâncias minerais, conseguem instantaneamente a forma de
equilíbrio mais estável — o carbono pôde tornar-se o elemento mais apto para o
fundamento químico da vida. Através dele, pôde assim nascer uma química
instável e progressiva, com cadeias dinâmicas abertas, nas quais são
largamente utilizadas e encontradas todas as capacidades do carbono. Foi por
essas razões íntimas — inerentes às qualidades intrínsecas do material
constitutivo — que a vida terrestre assumiu a forma de metabolismo que lhe é
fundamental. Se imaginardes outros aglomerados e centros de matéria, onde os
mesmos elementos químicos estejam diferentemente dispostos ou
amadurecidos, compreendereis a infinidade de formas nas quais o mesmo
onipresente princípio da vida pode ter-se desenvolvido no universo.
Por isso pôde nascer na Terra uma química nova, lenta mas essencialmente
dinâmica, com deslocamentos contínuos de equilíbrio, a qual, mesmo estando
em contínua modificação, jamais atinge a estase definitiva. Sobre essa química
mutável, especialíssima, puderam basear-se os processos e a evolução da vida.
O primeiro organismo cinético em que se iniciou essa síntese química foi o raio
globular. Como já dissemos, os primeiros corpos introduzidos neste novo
sistema foram os de peso atômico mais baixo, que existiam em estado gasoso
na atmosfera. Era exatamente nesse berço que tudo estava pronto para o
desenvolvimento do novo organismo de origem elétrica em circuito fechado.
Embora hoje, devido às condições ambientais modificadas, ele não apareça
senão como instável lembrança atávica, podeis verificar que sua densidade se
aproxima daquela apresentada pelo hidrogênio, como naturalmente, devido à
sua estrutura atômica, deveria ocorrer com o primeiro elemento movido pela
radiação elétrica. Com efeito, nos casos que podeis observar, verificais que
esses globos elétricos “flutuam” no ar, o que prova ser a sua densidade menor
ou quase igual à da atmosfera, exatamente como se dá com o hidrogênio. O
primeiro material biológico foi, então, o hidrogênio, ao qual depois se
acrescentaram outros. Foi deste primeiro corpo que a energia se revestiu,
fazendo dele seu apoio inicial na Terra; um corpo leve, gasoso, à espera de
condensação e de combinações. Assim o raio globular, sendo constituído de
hidrogênio, constitui a mais simples expressão da matéria, renovada por novo e
poderosíssimo impulso dinâmico.
Por outro lado, o raio globular tem também todas as características fundamentais
de um ser vivo. Se observardes seu comportamento, vereis que ele emite uma
luz cujo brilho lembra a fosforescência; possui uma individualidade própria,
distinta do ambiente; apresenta uma persistência, embora hoje relativa, dessa
individualidade, caracterizando uma espécie de personalidade. A explicação de
seus movimentos lentos, próximos ao solo, que parecem evitar os obstáculos,
sem nenhuma tendência a se aproximar de metais e de corpos condutores, não
pode ser dada por nenhuma lei física. Ele se desloca no ar por sua própria
vibração periférica, processo no qual se manifesta a primeira descentralização
cinética da vida, expressando esse rudimentar psiquismo que a dirige. Há nele
algo dos cílios vibráteis dos infusórios, uma espécie de impulso que parece
vontade, um senso rudimentar de escolha e de previdência, uma possibilidade
de tomar conhecimento do mundo exterior e de dirigir-se conscientemente,
quase com memória dele. É o alvorecer do psiquismo em suas qualidades
essenciais.
Agora que conheceis a íntima estrutura cinética do sistema — constituída por
movimentos vorticosos abertos e comunicantes, em relações de ação e reação
com as moléculas externas a esse sistema — não vos parecerá absurdo pensar
que a superfície do globo elétrico seja a sede de movimentos especiais e
coordenados. Essas características da vida encontramo-las todas existindo nos
movimentos vorticosos, de que está intimamente constituído o raio globular,
sendo lógico, portanto, que as reencontremos também nele. Isto prova a
conexão entre sistema vorticoso, raio globular e primeira unidade
protoplasmática da vida. Encontrareis no raio globular também outras
características dos movimentos vorticosos, como a capacidade de cindir-se em
dois e de fundir-se com outro, como ocorre nos vórtices. Existe, portanto, a
possibilidade de multiplicação através de sistemas que se aproximam da
reprodução por cisão e da sexual. Muitas vezes ele ricocheteia, mostrando, ao
mesmo tempo, a íntima coesão unitária e a elasticidade, próprias tanto da vida
quanto dos movimentos vorticosos.
O raio globular decompõe sua unidade, restituindo, como na morte biológica, sua
energia interna. Ocorre, no entanto, que sua morte é mais violenta, dando-se de
forma explosiva, porque a restituição da energia é mais rápida. É lógico que seja
assim, porque a energia se encontra ainda em suas primeiras e mais simples
unidades orgânicas, não sendo, portanto, contida pelas tramas de uma complexa
estrutura química. Na vida, o sistema de movimentos vorticosos é mais
complexo, havendo tal entrelaçamento na estrutura orgânica, que, de passagem
em passagem, a energia tem de seguir mutações laboriosas, antes de se
desemaranhar e atingir o ambiente externo, razão pela qual, neste caso, tendes
na morte uma restituição de energia mais lenta e progressiva. Assim, por
explosão, extinguem-se essas criaturas efêmeras, último retorno daquelas
formas já superadas, das quais nasceu a vida.
Não vos parece absurdo que um organismo de leis tão profundas, perfeito na
eternidade, possa ser tão incompleto e vulnerável, que deixe aberto o flanco à
possibilidade de subversões arbitrárias? Achareis natural, então, que, dentro de
uma ordem suprema, na qual o equilíbrio reina soberano, exista também um
feixe de forças especializadas na função de proteger as partes mais vitais do
organismo, a fim de afastar qualquer violação, anulando qualquer causa de
desordem, como exatamente se configuraria neste caso, em relação à vossa
psique ou vontade, totalmente deseducada para o domínio consciente de
semelhantes forças.
Assim como vossa vida tem sua sensibilidade e seus instintos tanto mais
despertos quanto mais vital é o ponto que deve ser protegido, também o uni-
verso, pelo mesmo princípio de conservação e de ordem que vos sustenta, tem
suas defesas sempre prontas e em atividade.
59
Teleologia dos Fenômenos
Biológicos
Vós mesmos sois esse fenômeno, mas sabei que, das ilimitadas plagas do
universo, a vida irmã, filha da mesma mãe, vos responde. Cada planeta, cada
sistema planetário, cada estrela está plena dela, nas mais variadas formas, com
meios e finalidades diversíssimos. Abandonai vosso piedoso antropomorfismo,
que vos considera centro do universo e únicos filhos de Deus; abri os braços de
par em par a todas as criaturas irmãs e afinai com elas vosso canto e vosso
trabalho de ascensão. Subir, subir — eis a grande paixão de toda a vida — para
um poder e uma consciência que não aceitam limitações. Mesmo em vossa
Terra, desde os primeiros micro-organismos, esta é a aspiração constante, a
vontade tenaz da vida.
Olhai em torno de vós. O simples panorama da vida terrestre, por si só, é imenso.
A profusão de germes e a potencialidade das espécies são tão grandes, que,
sem a reação dos germes e espécies opostas ou concorrentes, uma só delas
bastaria para invadir todo o planeta. A vida — tão frágil e tão vulnerável — é, no
entanto, tão poderosa, que se torna praticamente indestrutível. Observais,
profusos em suas formas, verdadeiros tesouros de sabedoria. Quanta
perspicácia sutil, que requintes de astúcia, que resistência de meios, que
complexidade de arquitetura na construção orgânica, que economia e exatidão
na divisão do trabalho e, ao mesmo tempo, que elasticidade! Vedes sintetizada
na vida a mais alta sabedoria da natureza. Como seria possível que fenômenos
reveladores de tão profunda inteligência e sabedoria, diante das quais a vossa
se desorienta, tivessem surgido assim, sem nenhuma razão, como se fossem
filhos do acaso? Como a ciência, lógica e racional, pôde ser tão
vergonhosamente míope a ponto de não perceber, transbordando em todos os
fenômenos da vida, o grande conceito de uma finalidade superior que tudo
explica e dirige? E que desastre quando quiseram trazer tal estreiteza de visão
para o campo ético e social! O materialismo, se, por um lado, auxiliou o
despontar de uma pseudocivilização mecânica, atrasou de um século o
progresso espiritual da humanidade.
Por que viver? Por que sofrer? Não! O círculo de vossas coisas humanas:
paixões, ilusões, conquistas e dores, não basta para dar uma resposta. A alma
sente que, com essa pergunta, assoma às pavorosas distâncias abismais do
infinito e treme.
Levantai-vos! eu vos digo. Ensino-vos uma nova luta, mais elevada que essa fútil
e vil pela qual sois diariamente subjugados e inutilmente atirados contra vosso
semelhante. Ensino-vos a guerra santa do trabalho, que, criando na alma, realiza
uma construção eterna. Ofereço-vos como inimigo não vosso semelhante e
irmão, mas sim leis biológicas que deveis superar; ensino-vos a conquistar novos
graus de evolução, para que se realize em vosso planeta uma lei super-humana,
da qual estejam banidos vileza, traição, egoísmo, agressividade. Demonstro-vos
que vossa personalidade, pela própria lógica de todos os fenômenos, é
indestrutível; que, pelos princípios vigentes em todo o universo, existis para o
bem e a felicidade; que esta meta vos espera a todos no futuro, a fim de subirdes
até ela, cada um de acordo com seu trabalho. As tremendas respostas aos
grandes “porquês” eu vos ofereço naquela atmosfera de límpida logicidade, em
que nos movimentamos sempre neste escrito, onde cada fenômeno tem uma
explicação natural. Em meio a um mundo de fome espiritual e de perturbação
geral, num momento de desorientação catastrófica, em que falta à mente
humana o sentido das supremas finalidades, eu venho dizer a palavra da
bondade e da esperança. Digo-a, porém, não apenas com os conceitos da fé,
que destruístes, mas também com os princípios da ciência, em que vos
habituastes a acreditar.
Aí, em vosso mundo, onde quem vence por qualquer meio é admirado e
venerado, chamo a meu lado o homem mais sofrido e desventurado e lhe digo:
“Amo-te, meu irmão; admiro-te, criatura eleita”; aí, onde apenas a força é
respeitada, enquanto o fraco que jaz derrotado é desprezado, eu digo ao humilde
e vencido: “Tua dor é a maior grandeza da Terra, é o trabalho mais intenso, a
criação mais poderosa; porque a dor faz o homem, martela e plasma sua alma,
levantando-a e lançando-a para o Alto, para Deus. Que grande homem pode
igualar-te? Que triunfador das forças da Terra jamais realizou uma criação
verdadeiramente eterna como a tua?”.
Não maldigas a dor. Não conheces suas longínquas raízes; não sabes qual foi a
última onda que, impulsionada por uma infinita cadeia de ondas, constituiu o teu
presente. Num universo tão complexo, no seio de um organismo de forças regido
por uma lei tão sábia, que jamais falhou definitivamente, como podes acreditar
que teu destino esteja abandonado ao acaso e que o momentâneo desequilíbrio
pelo qual tu és afligido, parecendo uma injustiça para ti, não seja condição de
um mais alto e mais perfeito equilíbrio? Deus é tudo, e não apenas o bem; não
pode ter rivais nem inimigos; é um bem que, sendo maior, compreende todo o
mal e o constrange a alcançar seus objetivos. Como podes acreditar, ignorando
inclusive as forças atuantes em ti mesmo, que estejas abandonado ao acaso?
Não! Quer seja chamado Pai, com a palavra da fé, ou cálculo de forças, com a
palavra da ciência, a substância é a mesma: estás vigiado por uma vontade e
uma sabedoria superiores, és dirigido por um equilíbrio profundo. Lembra-te de
que, no organismo universal, as palavras “acaso” e “injustiça” constituem um
absurdo. Não pode haver erro nem imperfeição, senão como fase de transição,
como meio de criação. A lei da vida é a alegria e o bem, mesmo que para realizar-
se integralmente seja necessário atravessar a dor e o mal. Repito: “Felizes os
que sofrem. Os últimos serão os primeiros”.
Assim o mal, representado por essa desapiedada lei de luta — a lei de vosso
mundo biológico — que pesa em vosso planeta como uma condenação,
transforma-se num bem. Olhai o âmago das coisas e vereis que o mal sempre
se transforma no bem. O instinto de agressão excita, através da reação do
agredido, o desenvolvimento da consciência, gerando progresso nos caminhos
da ascensão biológica e psíquica.
Nosso tratado entra agora numa atmosfera mais humana e mais cálida, mais
palpitante de vossa vida, instintos e paixões. Os problemas que abordaremos
estão próximos de vós, sendo vida de vossa vida e tormento de vosso tormento.
Nesta iminente humanização, minha palavra exalta-se. Aproximamo-nos das
formas superiores da vida, nas quais vos encontrais; avizinhamo-nos da meta de
nossa jornada, que é vos traçar os caminhos do bem. Alongamo-nos bastante
no estudo das criaturas menores, nossas irmãs do mundo físico e dinâmico, pois
sem elas, que contêm os germes dos problemas da vida e do psiquismo, não
seria possível a existência nem a explicação destes fenômenos.
Quanto mais ampla é a abertura da mente, tanto mais profundo torna-se o estudo
e o pensamento e tanto mais complexo se revela o funcionamento do todo.
Assim esta filosofia, em vez de constituir, como as outras, um sistema
antropomórfico e egocêntrico, torna-se a filosofia do universo, com uma
concepção que, exorbitando os limites do planeta, é aplicável em qualquer lugar
onde haja vida.
Neste sistema, a vossa ciência perde aquele seu caráter de viandante desolado
que caminha sem qualquer esperança de chegar à meta, demasiadamente
afastada. Nele, a fé perde aquele caráter de irrealidade que ela aparenta diante
da objetividade do positivismo científico. Mas por que nunca haverão de estender
os braços os dois extremos do pensamento humano? A ciência tornou-se
gigante, e não é mais lícito ignorá-la no seio de uma fé que, se deixada aos
primitivos enunciados da concepção mosaica, não pode mais ser suficiente para
as complexas mentes modernas. É indispensável reunir os dois caminhos e as
duas forças; é imprescindível unificar os dois aspectos divididos da mesma
verdade, para que a ciência não permaneça apenas um árido produto do
intelecto — sem finalidade no céu, sem resposta para a alma que sofre e
pergunta — e a fé não se resuma apenas a um produto do coração, tornando-se
incapaz de fornecer as razões profundas para a mente que “quer” ver.
Com a vida, o transformismo acelera ainda mais seu ritmo. A trajetória daquele
devenir fenomênico que estudamos nas fases γ e β — estequiogênese e
evolução dinâmica — torna-se a linha de vosso destino. Diferente da matéria e
da energia, que, nascendo e morrendo com menos velocidade, não se modificam
tão rapidamente como a vida, esta tem de nascer e morrer sem jamais se deter,
sem possibilidade de parar esse movimento mais rápido, inexoravelmente
marcado por um ritmo mais veloz de tempo. O equilíbrio da vida é o equilíbrio do
voo, onde a estabilidade está condicionada à velocidade. A instabilidade das
combinações químicas que se renovam num constante metabolismo é, como
vimos, a característica fundamental do fenômeno biológico. Nascer e morrer,
morrer e nascer, essa é a trama da vida. A constituição cinética da Substância
se exterioriza e aparece cada vez mais evidente à proporção que a evolução
ascende até à sua forma mais alta: a vida. A matéria é tomada num turbilhão
cada vez mais veloz, sendo por ele permeada em sua mais íntima essência, a
fim de poder responder aos novos impulsos do ser e, assim, tornar-se meio de
desenvolvimento do novo princípio psíquico da vida: α.
Poder existir à custa de uma contínua renovação significa tão somente ter de
marchar, cada dia, na grande estrada da evolução. Vós vos prendeis à forma;
acreditais que sois matéria; desejaríeis paralisar esse maravilhoso movimento,
interrompendo esta marcha estupenda, a fim de prolongar a ilusão de um dia.
Mas, além da juventude do corpo na vida terrena, possuís a inexaurível e eterna
juventude de uma vida maior. Nela, sois indestrutíveis, eternamente novos e
estais sempre progredindo; sois jovens não no corpo caducante, mas sim no
espírito eterno. Não deis importância à alvorada e ao crepúsculo de um dia, pois
cada crepúsculo prepara uma nova aurora. Trata-se de lógica simplicíssima —
evidente lei de equilíbrio — esta pela qual, assim como tudo o que nasce morre,
também tudo o que morre tem de renascer.
Não vos iludais a vós mesmos; não percais tempo precioso no esforço inútil de
tentar parar a vida. A beleza da mulher deve servir à maternidade; a força do
homem é feita para se desgastar no trabalho. Somente quando não tiverdes
fraudado a Lei, mas sim criado de acordo com a sua ordem, vosso tempo “não
terá passado” e não vos lamentareis. Se buscais o absurdo, tendes de encontrar
ilusões. Colocai-vos no movimento, e não na imobilidade. Desembaraçai vosso
pensamento do passado, que vos prende; superai-o. O passado morreu e
contém o menos. Interessa o futuro, que contém o mais. A sabedoria não está
no passado, e sim no futuro. Somente a vossa ignorância pode fazer-vos
acreditar que seja possível violar e fraudar a Lei, obstruindo-lhe o caminho fatal.
Se parais, o pensamento cristaliza-se e sois perseguidos pelo tédio. A satisfação
de todas as necessidades e de todos os desejos vos torna ineptos; ócio significa
morte por inanição. O repouso só é belo como pausa, como consequência de
um trabalho anterior e condição de novo trabalho.
Realizai o trabalho oferecido por vosso destino e não invejeis quem está no ócio.
Vós, humildes, não invejeis os ricos e poderosos, porque eles têm outros
trabalhos a fazer, outros problemas a resolver, outros pesos a suportar. Ninguém
repousa verdadeiramente. Não há parada para ninguém no caminho da vida.
Considerai-vos todos soldados do mesmo exército, encarregados de trabalhos
diferentes, coordenados para o mesmo objetivo. Não invejeis aqueles cuja
aparência os apresenta felizes. A verdadeira alegria não é usurpada nem
herdada. Aquilo que não se ganhou não dá satisfação, não é apreciado e termina
desperdiçado.
A alma quer a sua alegria como propriedade sua, fruto de seu trabalho; somente
isso tem valor para ela, somente isso lhe traz prazer. As vantagens gratuitas não
trazem satisfação. Acima de vossas partilhas humanas, a Lei distribui alegria e
dores com profunda justiça. Quão felizes poderíeis ser, se vossas vidas fossem
mais substanciais! Por que valer-se de qualquer meio para acumular, se tudo
deverá ser deixado? Considerai a vida, antes, como campo de adestramento,
onde estais para temperar vossas forças, provar vossas capacidades, aprender
novos caminhos e aprofundar vossa consciência. Estais no mundo não para
construir na areia, mas sim para vos edificar a vós mesmos.
Este ritmo mais rápido da vida, cuja essência e origem vimos no estudo dos
movimentos vorticosos, manifesta-se nas formas orgânicas como uma permuta
química contínua. Assim como a vida psíquica é um veículo em marcha, que
avança de curva em curva, de estação em estação, sem possibilidade de parar,
a vida orgânica também é uma renovação contínua, sendo composta por um
material que, embora constitua uma correnteza, é no seu conjunto sempre o
mesmo, movendo-se e circulando de organismo em organismo. A vida é feita de
unidades comunicantes, ligadas em indissolúvel vínculo por contínuas permutas
do material constitutivo. Assim como um rio se conserva, embora suas águas
sempre mudem, o ser, apesar da constante mudança de seus elementos
constitutivos, também mantém sua própria individualidade.
Segundo tudo que dissemos sobre a teoria dos movimentos vorticosos e sobre
a lei biológica da renovação, o movimento ou princípio cinético da Substância
torna-se cada vez mais intenso e evidente, levando-nos às portas da terceira
fase, α, com um conceito fundamental: o metabolismo. Já vimos a íntima
estrutura deste processo, que, sendo desconhecido em γ e em β, constitui fato
novo e significa ritmo acelerado de evolução. Vimos que os movimentos
vorticosos contêm em germe todas as leis biológicas. O princípio básico da
indestrutibilidade da substância torna-se, na vida, instinto de conservação; o
princípio de seu transformismo ascensional torna-se lei de luta. A vida manifesta-
se, desde seu primeiro aparecimento, com uma atividade característica
fundamental: a luta pela conservação. Esse princípio se divide imediatamente
em dois: a conservação do indivíduo e a conservação da espécie, que presidem
duas funções básicas: a nutrição e a reprodução.
Tão logo esta nova individuação surgiu, estabeleceu-se entre ela e as forças do
ambiente uma rede de ações e reações, desenvolvendo-se aquela cadeia de
fenômenos em que se apoia e progride a evolução, os quais são agrupados sob
os nomes de assimilação, adaptação, hereditariedade e seleção. Com seu mais
intenso dinamismo, a vida respondeu a todos os estímulos dinâmicos
provenientes do mundo exterior. Estabeleceu-se assim uma permuta entre
impulsos e respostas. A vida adaptava-se, assimilava e, sobretudo, recordava,
diferenciando-se e selecionando-se. O íntimo princípio cinético enriquecia-se e
ganhava complexidade, aumentando sua capacidade de assimilação. Isto não
significa que haja um nascimento automático do mais complexo a partir do
menos complexo, mas sim que a maior complexidade dos entrelaçamentos
cinéticos permite a manifestação do princípio cinético anteriormente concentrado
em sua fase potencial. Direção, escolha e memória foram as primeiras
manifestações daquele dinamismo, que assumiu a partir de então os caracteres
de psiquismo. Nasce assim a possibilidade de uma construção ideoplástica de
órgãos. Emanando do vórtice íntimo, o princípio cinético plasma para si meios
específicos, a fim de receber as impressões ambientais. Surgem com isso os
infinitos sentidos que, progredindo da planta ao homem, constituem os meios
para alimentar a crescente sensibilidade, resultante da maior velocidade da
íntima mobilidade do ser.
63
Conceito de Criação
O absoluto divino só existe no infinito. Sua manifestação — uma vez que existir
equivale a manifestar-se — não pode ter tido um início. Em sua essência, que
abrange o todo, o Absoluto não age no tempo, a não ser no sentido de um átimo
de seu eterno devenir, no sentido de uma Sua particular descida no relativo. É
neste sentido que devem ser entendidas as Escrituras, e somente assim elas
são compreensíveis. Além disso, o fato de verificardes um transformismo
incessante e uma suscetibilidade de aperfeiçoamento progressivo em todas as
coisas, vos fala claramente de uma criação progressiva, entendida como
manifestação gradativa do princípio divino no mundo concreto e sensório dos
efeitos. O conceito de prodígio, com a finalidade de correção e de retoque, é
inerente apenas à fraqueza e à relatividade humanas, razão pela qual não pode
ser aplicado ao Absoluto e à Divindade.
Como podeis ver, tudo que existe provém de um princípio que, agindo sempre
de dentro para fora, e não de fora para dentro, encontra-se oculto no íntimo
mistério do ser, cuja existência é manifestação e expressão daquele princípio.
Igualmente antropomórfica é a ideia do nada, inadmissível no Absoluto. Como
poderão existir zonas externas ou zonas de vazio, senão no relativo? A
indestrutibilidade e a eternidade da Substância, fato por vós verificado,
demonstra-vos o absurdo desse nada, que é apenas uma pseudoideia. Deus é
o Absoluto e, como tal, não pode ter contrários, pontos externos ou qualquer das
características do relativo. Suas manifestações não podem ter princípio nem fim.
No relativo, podeis colocar uma fase de evolução, mas não o eterno devenir da
Substância; no finito, podeis colocar-vos a vós mesmos e os fenômenos de
vosso concebível, mas não a Divindade e suas manifestações. Podeis
denominar como criação um período do devenir e, somente nesta condição, falar
de princípio e de fim. É neste sentido que falam as revelações.
Dizer que o universo contém sua própria criação, como momento de seu eterno
devenir, é simplesmente demonstrar e tornar compreensível a onipresença
divina. Tudo tem de reentrar na Divindade, que, caso contrário, constituiria uma
“parte” e, portanto, seria incompleta. Se existem forças antagônicas, isto só pode
ocorrer em Seu seio, no âmbito de Sua vontade, como parte do mecanismo do
Seu querer no esquema do todo. É verdade que a obra humana também é uma
manifestação e expressão na qual se realiza e se exterioriza, assim como na
criação, um pensamento interior. Isto justifica a concepção antropomórfica, mas
não leveis o paralelismo ao extremo de conceber uma cisão, uma duplicidade
absoluta entre Divindade e criação. Isto não pode ocorrer neste meu monismo.
O conceito de Divindade não pode ser limitado a um ou a outro aspecto, pois
tem de abranger a máxima extensão do concebível e muito mais. Não receais
diminuir-lhe a grandeza, dizendo que Deus é também o universo físico, pois este
é apenas um átimo do eterno devenir em que Ele se manifesta. Onde vossa
concepção é mais particular e relativa, a minha tende a manter compacto o todo
numa visão unitária, fazendo ressaltar os vínculos profundos que ligam princípio
e forma. No caminhar das verdades progressivas, esta concepção continua,
aperfeiçoa e eleva a vossa.
A matéria subsiste; e como poderia ser destruída? Ela está fundida ao espírito
num poderoso amplexo, ajudando-lhe no desenvolvimento como serva fiel e
recebendo dele a gênese em seu seio materno. Uma vez completada a criação,
ela se inclina diante do fruto de sua elaboração, tornando-se serva dele, pois,
ainda que, no todo, o inferior esteja ligado ao superior em fraternidade de origem
e de trabalho, cada individuação não pode ultrapassar seu próprio nível. Assim,
na vida, a matéria permanece no grau intermediário, sem jamais ultrapassá-lo.
Deveis ainda compreender que matéria, energia, vida e consciência, toda essa
florescência incessante que do âmago se projeta para fora, não se deve a uma
absurda gênese pela qual do menos se possa desenvolver o mais, ou do nada
se possa automaticamente criar o ser. Tudo isso é forma, aparência externa, é
a manifestação sensível daquele contínuo devenir em que o Absoluto divino se
realiza, projetando-se no relativo. Não penseis que os movimentos vorticosos,
originados na vida pela transformação da estrutura atômica, contenham e
desenvolvam o espírito e o vosso pensamento, mas sim que eles formam uma
ordem mais complexa, à qual a matéria se submete, a fim de manifestar o
princípio que a anima e corresponder ao impulso interior que a impele sempre a
evoluir.
64
Técnica Evolutiva do Psiquismo
e Gênese do Espírito
Desde sua forma protoplasmática inicial, a vida tinha de possuir uma consciência
orgânica própria, ainda que rudimentar, sem a qual aquela primitiva permuta não
poderia subsistir. Se vida significa permuta e permuta corresponde a psiquismo,
então vida equivale a psiquismo. Essa primordial consciência orgânica, na qual
já estão presentes as leis fundamentais da vida, encontra-se em toda a parte e
em qualquer organismo. Tendo-se desenvolvido na complexa estrutura cinética
dos movimentos vorticosos, ela já era parte integrante da vida em seus primeiros
albores, como substrato fundamental de todos os crescimentos futuros. Essa
consciência orgânica se tornará mais tarde inteligência orgânica e instinto, para,
finalmente, ascender até à consciência psíquica e abstrata no homem.
A vida, ansiosa por expandir-se e evoluir, mantém seus braços abertos às forças
do ambiente, as quais são nela introduzidas em grande quantidade. Assim, as
reações se multiplicam e a consciência, ávida de sensações, enriquece-se e
aperfeiçoa-se, tornando-se mais complexa em sua estrutura. Nada se perde;
nem um ato, nem uma prova passam sem deixar sua marca. Através de um
processo lento de ajustamentos contínuos vão-se transformando a consciência
primordial, a forma que a reveste e o ambiente que a circunda. Vivendo e
acumulando experiências, o ser torna-se cada vez mais sábio, especializando
sua capacidade. Nasce então o instinto, constituído por uma consciência mais
complexa, que lembra, sabe e prevê.
Isto não vos deve surpreender, pois conheceis somente uma pequena parte de
vós mesmos. Vosso funcionamento orgânico, porventura, não ocorre fora de
vossa consciência, sendo confiado a unidades de consciências inferiores,
situadas fora dela? A economia que a lei do menor esforço impõe, limita a
consciência humana ao âmbito no qual se realiza o trabalho útil das construções.
Tudo que foi vivido e definitivamente assimilado é abandonado aos substratos
da consciência, zona esta que podeis chamar de subconsciente. É justamente
por isso que o processo de assimilação, base do desenvolvimento da
consciência, realiza-se por transmissão ao subconsciente, onde tudo
permanece, mesmo se esquecido, pronto para ressurgir, tão logo seja excitado
por um impulso ou exigido por um fato.
A razão cobre um campo muito mais extenso que o limitado pelo instinto (nisto
o homem supera o animal, dominando zonas que ele ignora). Entretanto, em seu
pequeno campo, o instinto atingiu um grau de amadurecimento mais adiantado,
expresso pela segurança dos atos, e um grau de perfeição ainda não alcançado
por nenhuma razão humana. Esta, nas suas tentativas, revela as características
evidentes da fase de formação. Da mesma forma que o animal raciocinou
rudimentarmente no período da construção de seu instinto, a razão humana,
terminada a formação, também alcançará um instinto complexo e maravilhoso,
que revelará uma sabedoria muito mais profunda.
Nada se perde assim de todas as dores e lutas da vida, de todo bem e mal
praticados. Nada se perde fora de vós, pelo princípio de causa e efeito, nem
dentro de vós, pelo princípio de transmissão ao subconsciente. A herança de
vossas culpas e de vossos merecimentos, o resultado de todas as vossas
fraquezas ou esforços, vós os carregais sempre convosco, de acordo com o que
quisestes. A assimilação por automatismos e a transmissão ao subconsciente
constituem o processo através do qual as qualidades adquiridas, fruto de vosso
trabalho, são transmitidas para a eternidade. Cada ato tem um eco e deixa uma
marca. A técnica dos automatismos reside em vossa experiência cotidiana, na
aquisição de cada habilidade mecânica ou psíquica. A objeção de que se perde
um hábito por falta de uso, a qual poderíeis levantar contra a teoria da
assimilação por automatismos das experiências vividas, não é válida, pois ao
subconsciente é transmitida a aptidão, e não o conhecimento. Vedes que,
mesmo quando o conhecimento esvanece pelo desuso, a aptidão permanece,
sabendo reconstruir rapidamente o que parece destruído. Daí todas as
diversíssimas capacidades inatas, às quais tanto deve a vida e que, de outra
forma, não teriam explicação. Se a repetição de inumeráveis atos de defesa deu
ao animal o instinto da defesa, o hábito de agir moralmente conferirá ao homem
instintos morais. O pensamento desenvolve e enriquece a inteligência. Tendes,
assim, um meio para poderdes retificar continuamente a substância de vossa
personalidade, que vós mesmos podeis plasmar para o bem ou para o mal.
Portanto vosso destino, produzido pelas qualidades que assimilastes, constituído
e cercado pelas forças que movestes, pode sempre ser retocado por vossas
próprias mãos. Assim, o férreo determinismo imposto pela lei de causalidade
abre-se na zona das formações estendidas para o futuro, num campo onde
domina unicamente o vosso livre-arbítrio, senhor da escolha que, mais tarde,
salvo ulteriores correções, irá por sua vez vos prender na mesma lei de
causalidade.
66
Rumo às Supremas Ascensões
Biológicas
Mas tudo pode sempre ser consertado. No superconsciente há luz para todos; a
febre da evolução, a insaciabilidade de vossa alma são forças irresistíveis e
universais, que impelem cada vez mais para o alto. A lei de progresso exige a
contínua dilatação do psiquismo. A evolução é irresistivelmente lançada na
direção do superconsciente, avançando para o supersensível. Recordai que
vossa consciência é apenas a dimensão de vossa fase de evolução, α, e que
vosso inexorável caminho, deslocando-vos de fase em fase, vos leva de
dimensão em dimensão para o superconsciente intuitivo e sintético, do qual já
falamos. Nas fases inferiores que percorrestes, γ e β, o ser existe, normalmente,
sem consciência, qualidade aí ignorada, assim como agora ignorais a dimensão
do superconsciente. O estado de consciência é um fenômeno em contínua
elaboração construtiva ou destrutiva, conforme o trabalho escolhido e executado
por vós seja de construção ou de destruição ao longo do caminho da evolução,
que, em vosso nível α, é progresso moral e psíquico. Quem fica ocioso estaciona.
Quem pratica o mal desce e arruína o próprio eu, destruindo a luz de sua
compreensão. Quem trabalha no bem sobe e dilata-se a si mesmo, criando a
própria riqueza de concepção e potência da alma. Punição e prêmio são
automáticos e inexoráveis. Assim a dor, excitando as reações do espírito, é
agente de ascensão para as fases e dimensões superiores.
Chega, assim, a evolução aos mais altos níveis de vosso universo. Agora podeis
compreender-lhe todo o significado. Em seu conceito mais profundo, a evolução
é a libertação do princípio cinético da Substância. Isto ocorre mediante uma
profunda respiração, em que se alternam e se apoiam mutuamente, para
ascender, duas fases: a da concentração cinética das experiências da vida no
germe, e a da descentralização cinética do germe na vida. Por isso a evolução
se exprime através de uma constante superação de limites, como observais no
progresso das dimensões. Com a evolução, o ser se subtrai cada vez mais aos
limites do determinismo físico, que, no nível da matéria, é geométrico, inflexível
e idêntico em todos os lugares. Das cadeias desse absolutismo a vida começa
a se libertar com seu crescente psiquismo, que constitui a nova causa
sobreposta àquela decorrente das leis físicas. O animal já adquire uma liberdade
desconhecida no mundo físico. Chega-se assim ao reino humano do espírito e
além, onde o livre-arbítrio afirma-se definitivamente.
Não há perigo maior que uma liberdade sem controle, pois isso pode levar a toda
sorte de abusos, que, de outra forma, seriam impossíveis. O determinismo está
embaixo, por isso as consciências mais presas à matéria tem menos liberdade,
quando comparadas àquelas que, evoluindo, emanciparam-se da fatalidade
destas leis inferiores. É justo que somente a uma sabedoria maior possa
corresponder uma liberdade maior e que esta implique por sua vez em uma
responsabilidade maior (gravidade de perigos e de consequências). Assim o
livre-arbítrio é relativo e gradual, evoluindo com a consciência. A
responsabilidade das próprias ações é relativa e progressiva. Na matéria existe
escravidão; no espírito estão os caminhos da libertação.
67
A Oração do Viandante
Ouve como está plena de harmonias a obra de Deus! O ritmo dos fenômenos
irradia doce e grandiosa música. Por meio das formas exteriores, os dois
mistérios, da alma e das coisas, observam-se e sentem-se. Das profundezas, o
teu espírito ouve e compreende. A visão das obras de Deus produz paz e
serenidade; diante da divina beleza da criação, aquieta-se a tempestade do
coração, paixão e dor adormecem em lento e doce canto sem fim. Parece que a
mão de Deus, através das harmonias do universo, acalenta qual brisa
confortadora tua fronte prostrada pela fadiga e aí se detém como uma carícia.
Beleza, repouso da alma, contato com o divino! Então, o viandante deprimido se
reanima, com renovado pressentimento de sua meta. Não mais parece tão longa
a jornada, tão comprida, quando se para um instante para saciar-se numa fonte.
Então a alma contempla, antecipa e se alivia na caminhada. Com o olhar fixo
para o Alto, é mais fácil retomar em seguida o caminho cansativo.
Para, escuta e ora. Abre os braços à criação e repete com ela: “Deus, eu te
amo!”. Tua oração, não mais admiração amedrontada pelo poder divino, agora
é mais elevada: é amor. Oração doce, que brota como um canto que a alma
repete, ecoa de fraga em fraga por toda a Terra, de onda em onda pelos mares,
de estrela em estrela pelos espaços infinitos. É a palavra sublime do amor, que
as unidades colossais do universo repetem contigo, em uníssono com o mais
humilde inseto, que timidamente esconde-se entre a grama, mas cuja voz,
embora vos pareça perdida, Deus também conhece, recolhe e ama. No infinito
do espaço e do tempo, somente esta força, essa imensa onda de amor, mantém
tudo compacto em harmônico desenvolvimento de forças. A visão suprema das
últimas coisas, da ordem em que caminham todas as criaturas, dar-te-á sozinha
um sentido de paz, de verdadeira paz, de paz profunda, de alma saciada, porque
percebe sua mais elevada meta.
Ora! Ora diante das imensas obras de Deus, diante da terra, do mar, do céu.
Pede-lhes que te falem de Deus, pede aos efeitos a voz da causa, pede às
formas o pensamento e o princípio que a todas anima. Então todas as formas se
aglomerarão em redor de ti, estender-te-ão seus braços fraternos, olhar-te-ão
com mil olhos, feitos de luz, e o eterno sorriso da vida te envolverá como uma
carícia. Essas mil vozes dirão: “Vem, irmão, sacia teu olhar interior, busca força
na visão sublime. Grande e bela é a vida, que, mesmo na dor mais atroz e tenaz,
é sempre digna de ser vivida”. Tomar-te-ão pelo braço, gritando: “Vem, atravessa
o limiar e desvenda o mistério. Vê: não podes morrer jamais, jamais poderás
morrer. Tua dor passa, mas com ela tu sobes e o resultado permanece. Não
temas a morte e a dor, pois elas não são o fim e o mal, mas sim o ritmo da
renovação e o caminho de tuas ascensões. A vida é um canto sem fim. Canta
conosco, canta com toda a criação, o canto infinito do amor”.
Ora assim, ó alma cansada: “Senhor, bendito sejas, sobretudo pela irmã dor,
porque ela me aproxima de Ti. Prostro-me diante de Tua imensa obra, mesmo
se minha parte nela é esforço. Nada posso pedir-Te, porque tudo já é perfeito e
justo em Tua criação, mesmo meu sofrimento, mesmo minha imperfeição
transitória. Aguardo no posto de meu dever a minha maturação. Repouso em
Tua contemplação”.
No ápice de todo este imenso trabalho, o termo mais alto na escala evolutiva de
vosso universo, a máquina mais complexa e delicada, é a vossa psique. Nos
órgãos sensórios opera-se continuamente essa elevação das vibrações
ambientes para vibrações de ordem superior; através do ouvido, o som torna-se
música; através dos olhos, a luz torna-se beleza; através dos sentidos, o choque
das forças ambientais torna-se instinto e consciência. A energia é transformada,
por meio do mecanismo da vida, de suas formas inferiores nas mais altas formas
nervosas de sensação, sentimento e pensamento. As individuações biológicas
constituem centros de elaboração da substância, nos quais se realiza o
transformismo evolutivo da fase β para a fase α. Assim, da florescência da vida,
realizada por meio das radiações solares, ascende-se ao desabrochar da
consciência. Do mesmo modo como a energia universal espalhou a vida por toda
a parte, a vida também, através de uma profunda elaboração, gera o psiquismo
em toda parte. O grande rio da energia, que havia sido matéria, transforma-se
no mar imenso da vida, e esta, por sua vez, transforma-se em consciência. O
universo, tendo caminhado assim até à vida, finalmente sente e olha para si
mesmo.
Todos esses inteligentes meios são utilizados com uma sabedoria ainda maior.
Os tecidos são regidos e têm suas funções guiadas por uma força racional, razão
pela qual o tubo digestivo, que digere o alimento, não digere a si mesmo, assim
como as glândulas que segregam o veneno não envenenam a si mesmas. Há
também o mimetismo, a arte da mentira e o talento da fuga para os fracos. Falta
apenas uma: a arte da compaixão. Por quê? Porque esta é conquista mais
elevada, que somente o homem saberá conceber e, como verdadeiro rei,
alcançar, dominando toda a vida no planeta. No uso dos órgãos e instrumentos
de ataque e de defesa, a vida manifesta mais evidente seu psiquismo. Trata-se
de ciência sem piedade, mas é ciência. A natureza assegura a sobrevivência das
espécies, lançando germes no campo da vida com a máxima prodigalidade, para
construir organismos em grandes séries. A fonte primária que brota no âmago
da substância vos aparece com um poder ilimitado e inexaurível, enquanto a
força que lhe delimita a expansão, freando a multiplicação dos seres, reside
sobretudo na limitação dos meios do ambiente, restrição da qual nasce a luta,
cuja principal função é a seleção do melhor. Cada espécie sozinha, sem a
rivalidade do vizinho, que modera sua expansão, invadiria todo o planeta. A Lei
é sábia e alcança seus objetivos. Assim, a vida aparece como uma desenfreada
concorrência de apetites, onde tudo é obtido pela força ou pela astúcia. Este é o
nível do animal, que não tem horror de sua condição, porque sua sensibilidade
é proporcional ao seu estado. O animal é feroz em plena inocência, não sendo,
por isso, imoral, mas simplesmente amoral. Nesse nível, a vida é uma guerra
contínua, sendo constituída pelo contínuo lançamento de ataques, aos quais
apenas os mais fortes resistem. Esse é o estado normal nessa fase. Aí, a
bondade é fraqueza e falência. Uma flor mais delicada que a sabedoria é a
bondade, que só desabrocha depois, muito mais alto na escala da evolução. No
entanto mesmo esta sabedoria no nível animal já é profunda. O instinto conhece
química e anatomia, sabendo até, em alguns casos, anestesiar o inimigo com
injeções nos gânglios nervosos, que constituem pontos estratégicos nos quais
os movimentos são paralisados. Uma espécie de himenópteros, necessitando
de provisões imóveis porém vivas, já conhece anatomia e anestesia antes do
homem. O instinto tem previdências incríveis, sobretudo em seres primitivos.
Cada ser, assim como o homem, traz consigo esse sutil psiquismo, que lhe dirige
as funções orgânicas; que lhe mantém constantemente a identidade, apesar da
contínua e completa renovação dos materiais constituintes de seu organismo;
que lhe prepara as ações e dirige seu desenvolvimento com uma precognição
inerente somente a quem já as viveu, recorda e possui. Sem esse psiquismo,
não se explica por que os novos materiais da vida sempre voltam exatamente a
seu posto de funcionamento; por que a corrente de tantos elementos
heterogêneos está ligada em continuidade; por que, de todas as impressões
transmitidas pelo ambiente, somente algumas são assimiladas, enquanto outras
são corrigidas ou repelidas. Esse princípio verdadeiramente resume a
hereditariedade das características adquiridas, implantando-se no germe, para
lhe dar novamente a marca recebida das impressões e experiências vividas. Ele
precede o nascimento e sobrevive à morte, mesmo nos animais, o que é justo,
pois também eles são pequenos fragmentos de imortalidades e de eternidade.
Ele renasce continuamente, enriquecendo-se com a experiência de cada
existência. Vós mesmos podeis verificar, com a domesticação e o adestramento,
que, nos animais, as portas do instinto não estão fechadas, pois ele tem ainda,
sob vossos olhos, a capacidade de se enriquecer com qualidades, assimilando
coisas novas. Há sempre uma possibilidade de progresso no raciocínio
cristalizado do instinto. As qualidades, mesmo no homem, nutrem-se
permanentemente com seu exercício cotidiano. O psiquismo se plasma num
processo de constante elaboração. No campo orgânico, assim como no psíquico,
da mesma forma que a atividade cria órgãos e aptidões, a falta de uso os atrofia
e destrói. Daí a necessidade biológica do trabalho.
Falei de um inseto, mas os casos são infinitos. Sem esses conceitos, o fenômeno
do instinto, de sua formação, de sua presciência e os próprios fenômenos da
hereditariedade permaneceriam um mistério insolúvel.
O princípio das coisas, a sua causa, reside no próprio íntimo delas. Os efeitos
estão no seu exterior. Cada fenômeno tem um tempo próprio relativo, que lhe
estabelece e mede o ritmo de transformação, estabelecendo a velocidade do seu
devenir. A sucessão que, ao longo do tempo, passa de causa a efeito é também
uma sucessão cujo desenvolvimento vai do âmago à superfície, numa dilatação
do princípio em sua manifestação. Assim é o psiquismo. Vedes esse íntimo
impulso manifestar-se em toda parte: primeiro, na direção da química da vida,
com a formação do plasma, seu crescimento, reprodução e evolução; depois, na
construção dos órgãos internos, que, por meio de seu funcionamento orgânico,
mantêm vivas as unidades superiores e os órgãos externos, os quais asseguram
a nutrição, a defesa da vida e a evolução; por fim, na direção geral imprimida a
toda essa máquina, sob o impulso do instinto e da razão. Aqui transparece
evidente o psiquismo. Em vossas classificações zoológicas, reunis os seres por
afinidade morfológica. A anatomia comparativa vos indica órgãos homólogos.
Essa homologia vos dá a perceber os parentescos, permitindo-vos, com base
nessas semelhanças, agrupar plantas e animais em ordens, gêneros, séries e
espécies. Não podeis agir de outra maneira, porque partis do exterior e da forma.
No entanto o resultado está correto, uma vez que parentesco de formas significa
parentesco de conceito genético, semelhança morfológica e afinidade do
princípio animador no psiquismo. Mas isto não basta. Esses agrupamentos
seriam mais compreensíveis se fossem concebidos também em sua causa, em
seu impulso íntimo determinante, e não apenas na sua forma exterior. É preciso
introduzir o fator psíquico na interpretação de todos os fenômenos biológicos,
aprofundando a química orgânica no campo superorgânico do psiquismo diretor;
é imprescindível criar uma ultra zoologia e botânica, onde se estude os conceitos
e o parentesco entre os organismos, estabelecendo as afinidades psíquicas mais
do que as orgânicas, para compreender a evolução do pensamento animador
das formas.
Essa é uma direção inteiramente nova que deveis dar à biologia, à fisiologia e à
patologia; uma orientação no sentido de um conceito unitário mais amplo, sem o
qual todos os fenômenos, vistos unicamente por um seu aspecto incompleto,
continuarão a vos parecer mutilados e inexplicáveis. Sempre que o efeito se
aproxima do psiquismo animador, permaneceis paralisados diante da muralha
do incompreensível. Agora que as classificações estão feitas, sendo-vos
conhecidas a anatomia e o mecanismo químico da vida, está na hora de descer
mais fundo no campo das causas. Mais que da paciência do coletor de
observações, a ciência precisa agora da síntese da intuição; mais que de
gabinetes, microscópios e telescópios, a ciência precisa, acima de tudo, de
grandes almas que saibam, das profundezas de seu próprio íntimo, enxergar o
âmago dos fenômenos e sentir, através das formas, a misteriosa substância
oculta nelas.
Já não é mais tempo de negar um princípio tão evidente. Vimos que toda a
evolução, da estequiogênese em diante, dirige-se para as formas do psiquismo,
em direção ao qual está orientado o progresso fenomênico do universo, como
meta racional de todo o caminho. Na massa de fatos coletados e acumulados há
um impulso que não pode ser detido, uma direção que não pode ser modificada.
No psiquismo sobrevive o princípio elétrico da vida. Com efeito, tudo o que vive
atrai ou repele; traz um sinal de amor ou de ódio; quer e tende irresistivelmente
a fundir-se ou a destruir. Em cada forma há um quid psíquico, um motor: trata-
se da substância da vida, é a vontade de viver que a sustenta, a tensão que a
plasma e guia, o poder que a dirige e arrasta. Tirai esse princípio, e ela logo cai.
Além da aparência da forma, dela vos indico a causa, que é essa substância
vital. Desloco e aprofundo o conceito da evolução darwiniana, que vos deixa
parados diante da realidade exterior, na evolução das formas, o último efeito
estampado na matéria. Eu penetro na realidade, observando na concatenação
evolutiva dos efeitos a mais profunda concatenação evolutiva das causas. Para
mim, não é essencial observar as formas que evoluem, a não ser para seguir as
causas que evoluem. Passo do conceito de evolução das formas biológicas ao
de evolução das suas forças determinantes; passo do estudo da evolução dos
tipos orgânicos mortos, ao estudo da evolução dos tipos psíquicos vivos e
atuantes. Assim, o conceito darwiniano completa-se, abrangendo não apenas a
série dos organismos, mas também, e sobretudo, a “sucessão lógica das
unidades dinâmicas”.
De agora em diante, a ciência deve dirigir-se para esse centro, sem o qual a
máquina da vida não se movimenta, não possui meta e, num instante, arruína-
se, caindo à mercê de princípios menos elevados. Como pudestes crer que o
corpo humano, um organismo perfeito e complexo, pudesse manter-se e
funcionar sem um psiquismo central regulador? Não basta dizer qual a química
da respiração, da assimilação e da circulação, verificando o perfeito
entrosamento de todas as engrenagens que presidem a essas três funções
básicas. Nas profundezas do metabolismo celular existe a presciência do
instinto, o qual age por si, sem intervenção da ciência, que, por vezes, custa a
compreender este fato. Há não apenas um maravilhoso ritmo de equilíbrios, mas
também uma resistência destes a qualquer desvio; há uma autodefesa orgânica,
feita da sabedoria imersa nas profundidades do subconsciente; há uma medicina
mais profunda que a humana, demonstrando saber vencer sem dificuldades,
muitas vezes apesar dos ataques desta. A elevação térmica do processo febril,
a fagocitose, o equilíbrio bacteriológico mantido entre amigos e inimigos, num
ambiente saturado de micróbios patogênicos, a contínua reconstrução química
dos tecidos e mil outros fenômenos, fazem pensar numa vontade sábia, que
conhece e quer essa ordem. Quanto mais alto se encontra na escala evolutiva,
mais delicado e vulnerável é o organismo e mais difícil torna-se, devido à sua
complexidade, a sua sobrevivência, efeito este compensado pelo psiquismo, que
desenvolve um paralelo progresso no aperfeiçoamento das defesas.
Por meio desse refinamento evolutivo, que culmina no espírito, o futuro conduz
também, paralelamente, à progressiva desmaterialização das formas, a uma
preponderância transbordante do psiquismo, preparando-vos um banquete
energético extraído de um raio de sol. Sem luta nem assassinatos, repousareis
saciados de eflúvios solares, absorvendo diretamente seu dinamismo. Isto
acontece em planetas mais evoluídos que o vosso, mas, para vós, constitui um
futuro ainda distante. Estômago e sangue formaram-se em vós, como são agora,
através de idades incalculáveis, oferecendo, portanto, uma resistência
proporcional para se manter em sua linha atávica de funcionamento. Nem
mesmo a venenosa síntese artificial das substâncias alimentares é própria para
vos libertar do animalesco circuito da química intestinal. Tampouco a introdução
direta dos princípios nutritivos no sangue constitui procedimento adequado para
vossa medicina de superfície, grosseira e violenta.
71
O Fator Psíquico na Terapia
Este quadro de equilíbrios íntimos nos abre a porta para algumas observações
de caráter terapêutico, sobretudo no campo bacteriológico. Exagerais o sentido
profilático da antissepsia. O organismo humano é formado e sempre viveu num
mar de micro-organismos patogênicos, tanto que a assepsia ou o estado
asséptico na natureza é condição anormal. Ora, a imunidade é produzida através
do equilíbrio obtido pelas resistências orgânicas. Ao longo de intermináveis
períodos de evolução, esse equilíbrio estabilizou-se entre ataque e defesa. Ao
matar o micróbio, perturbais o equilíbrio da vida, no qual também o inimigo tem
sua tarefa, e vos colocais assim em condições anormais. Não somente cabe a
vós, mas é também vosso dever, defender e manter tal equilíbrio. Sabeis que a
função cria a capacidade. Ao suprimir a luta, suprimis também a contínua
excitação das reações provocadas pelo assalto dos micróbios; ganhais uma
saúde no presente, levantada a crédito sobre a saúde do futuro; obteis uma
vitória fictícia, alcançada à custa da resistência orgânica, pois desse modo, por
lei natural, o organismo perderá, pela falta de uso, suas capacidades defensivas,
tornando-se impotente para defender sua vida. É evidente que a proteção
artificial, atrofiando a capacidade de defesa, age em prejuízo da seleção. Já foi
verificado que, quanto mais remédios são empregados nos animais e nas
plantas, mais cresce o número de suas enfermidades (saprofitismo). A luta forma
e mantém a resistência orgânica, que constitui o prêmio de infinitas quedas e
esforços. Os equilíbrios da natureza são profundos, e perturbá-los produz novos
desequilíbrios. No choque constante dos contrários produz-se uma estabilidade,
um acordo, uma espécie de simbiose, o que, no final das contas, é útil para
ambas as partes. O inimigo torna-se necessário ao homem, porque a reação
gerada pelo assalto é a base de sua resistência orgânica. Deslocar o ritmo
equilibrado das relações e permutas que se estabeleceram nos milênios,
significa gerar novas doenças, transformando o problema, em vez de solucioná-
lo. Em vista das concepções limitadas de uma ciência utilitária, que fez disso seu
principal objetivo, nasceu a ilusão de que seja possível suprimir a luta, e isso em
todos os campos, inclusive no moral (a dor), como se o esforço da vida fosse
uma imperfeição a ser superada, e não um fator fecundo, necessário,
substancialmente colocado no funcionamento orgânico do universo. Tudo isso
somente pode ser justificado por uma transferência do campo de luta para um
plano mais alto. A supressão de um esforço e de sua respectiva conquista
apenas são justificados pela sua substituição por um esforço mais elevado,
dirigido a conquistas superiores. E assim ocorre de fato. A luta física e orgânica
está se transformando em luta nervosa e psíquica.
Essa alma misteriosa, que permeia tudo, emergirá futuramente da sombra como
um gigante, tendo sua anatomia, seu funcionamento e sua evolução
determinados pela ciência. A nova medicina levará para os primeiros planos o
fator psíquico, não mais enfrentando, como agora, o estado patológico com
meios coativos, que, ou mais ou menos, são sempre violentos. A correção do
estado anormal, dada pela retificação do funcionamento arrítmico, não pode ser
alcançada somente através de atuações externas, tentando adentrar no
organismo por meios físico-químicos; é necessário penetrar em seu íntimo
transformismo, secundando as vias naturais do psiquismo, que domina as
funções. Esta correção, então, não será mais constituída por um choque brutal,
decorrente da introdução de compostos químicos, muitas vezes geradores de
reações antivitais, mas sim por uma corrente que se fundirá na correnteza da
vida, formando um dinamismo benéfico, o qual retificará o dinamismo desviado.
Ao administrardes substâncias, não podeis saber que condições químicas
antitéticas elas podem encontrar ou que desconhecidas reações elas podem
excitar nas tão diversas condições orgânicas dos indivíduos. Há atrações e
repulsões, como há também limites de tolerância totalmente pessoais. Muita
prudência com o emprego igual para todos dessa química violenta!
Uma via mais pacífica para penetrar na corrente vital é o caminho psíquico. O
funcionamento orgânico obedece àquela instintiva sabedoria que, através de
longuíssimas experiências, fixou-se no subconsciente. Este se fraciona em
várias almas menores, instintivas, que executam, sem o saberdes, o trabalho
específico de cada órgão. A consciência pode, por via sugestiva, dar-lhes
ordens, que serão executadas, assim como determinados comandos são
obedecidos por um animal domesticado. O caso do trauma psíquico vos
demonstra a realidade dessas influências. Eis então como, pelas vias psíquicas,
podem ser abertas ou fechadas as portas aos assaltos patogênicos, ativando ou
paralisando as defesas orgânicas. Assim, não se matam os micróbios, mas se
reforçam as resistências, obtendo-se resultados que superam os efeitos da mais
escrupulosa assepsia, pois a patogênese não depende tanto das condições
ambientais quanto da vulnerabilidade específica individual, que predispõe à
doença e é largamente influenciada pelo estado psíquico.
72
A Função Biológica
do Patológico
Porém existe outro fato ainda. A lei de equilíbrio não se constitui somente do fato
de haver o mundo orgânico se habituado a arrastar normalmente o peso de sua
imperfeição. Essa lei, por espontânea compensação, contrapõe a cada ponto de
maior fraqueza um ponto de maior força, a cada vulnerabilidade específica uma
resistência adequada. A natureza sente o ponto ameaçado e o cerca,
reforçando-o com todos os seus outros recursos, através do desenvolvimento de
órgãos e sentidos em proporção maior que a média. Então não vos alarmeis com
algum ponto fraco, porque ele pode, por compensação, representar uma força.
Somente estes conceitos de vida psíquica podem guiar a ciência até às portas
de uma ultrafisiologia, ou fisiologia do supranormal, como a vedes despontar nos
fenômenos mediúnicos. Aqui, as relações entre matéria e espírito são imediatas;
o psiquismo modela uma matéria protoplasmática mais evoluída e sutil: o
ectoplasma. A nova construção — antecipação evolutiva — não possui,
naturalmente, a resistência daquelas formas já estabilizadas através de longas
existências, tendo, por isso, um desfazimento rápido. As estradas novas e de
exceção ainda são anormais e inseguras. Os produtos da fisiologia supranormal,
emergindo dos caminhos habituais da evolução, ainda precisam fixar-se, por
tentativas e prolongadas repetições, na forma estável. Tudo isso vos lembra,
como retorno atávico de um passado superado, o raio globular. Contudo o
ectoplasma é um pressentimento do futuro, correspondendo àquele processo de
desmaterialização da matéria do qual já falamos. A matéria química do
ectoplasma corresponde a uma avançada desmobilização dos sistemas
atômicos em movimentos vorticosos, na direção dos pesos atômicos máximos
ao longo da escala de elementos. O fósforo (peso atômico 31), corpo sucedâneo
e aceito apenas em doses moderadas no círculo da vida orgânica, é tomado
aqui, já num avançado movimento vorticoso, como corpo fundamental, ao lado
do H (1), C (12), N (14) e O (16). A plástica da matéria orgânica, por obra do
psiquismo central diretor, torna-se cada vez mais imediata e evidente. Tudo isso
vos explica a estrutura falha de muitas materializações espíritas, que suprem a
incompleta formação de algumas partes através de massas uniformes de
substância ectoplasmática com aparência de panos ou véus. Tudo revela a
tentativa, o esforço e a imperfeição inerentes ao que é novo. Isso vos faz
compreender como o desenvolvimento do organismo até à forma adulta nada
mais seja do que uma construção ideoplástica, realizada pelo psiquismo central
através dos velhos e seguros caminhos tradicionais percorridos pela evolução.
A rede de fatos e concomitâncias restringe-se cada vez mais em torno deste
inegável psiquismo. Só ele vos dá a chave do fenômeno da hereditariedade, 14
que permanece inexplicável, se olhado apenas em seu aspecto orgânico, como
o faz a ciência. Tal fenômeno, para ser compreendido, tem de ser completado
com o conceito de uma hereditariedade psíquica. Como podem os órgãos,
sujeitos a uma contínua renovação, até um final e definitivo desfazimento,
conservar indefinidamente características estruturais e transmitir aptidões pré-
natais a outros organismos? Os registros no instinto — sobretudo os mais
importantes — ocorrem depois do período juvenil da reprodução, no indivíduo
adulto e, por vezes, justamente na velhice (máxima maturidade psíquica). Como
poderiam, numa natureza tão previdente e econômica, ser perdidas justamente
as melhores ocasiões? Não está tudo isto indicando que, além dos caminhos
orgânicos da reprodução, a hereditariedade segue também outros, dados
sobretudo pelas vias psíquicas, através das quais o produto recolhido é confiado
à sobrevivência do princípio espiritual? Já não vimos que esse é o vínculo que
liga numa única explicação todos os fenômenos do instinto, da consciência e da
evolução psíquica? Quem, senão o espírito imortal, pode manter o fio condutor
que, através do contínuo nascimento e morte das formas, dirige o
desenvolvimento da evolução? Que princípio diretor, senão esse, saberia atingir
as superiores construções da ética?
Não estabeleçais, para o homem, uma exceção na lei cíclica que rege todos os
fenômenos. Um rio não pode ser gerado sem a fonte, sendo que esta, se não
fosse sempre realimentada pelo mar, através da evaporação e das chuvas, não
teria água suficiente para formar-lhe o eterno fluxo. Não crieis desproporções
entre o átimo que é a vossa vida e uma eternidade de consequências. Sabeis
acaso o que é uma eternidade? Uma tão descomunal desproporção entre causa
e efeito é absurda e inconcebível. Só não pode morrer o que não nasceu; só
pode sobreviver na eternidade o que não teve princípio. Se admitirdes um ponto
de partida, tereis de aceitar um equivalente ponto de chegada; se a alma nasce
com o corpo, tem de morrer com o corpo. Neste caso, a lógica vos leva ao mais
desesperador materialismo.
Não acrediteis, como tantas vezes o fazeis em vossas ilusões, que prêmio ou
castigo, alegria ou dor, na eternidade da divina justiça, possam ser usurpados,
como é de costume em vosso mundo. Tudo obedece a uma lei fatal de
causalidade, uma lei íntima, invisível e inviolável, contra a qual nada podem a
astúcia e a prepotência. Trata-se de lei matemática, dada por um exato cálculo
de forças. Não há possibilidade de violação em tão férrea engrenagem de
fenômenos. Ninguém escapa às consequências de suas ações. Todo bem ou
mal que o ser pratica, ele o pratica a si mesmo. Antes da hereditariedade
orgânica existe a hereditariedade psíquica, que dirige aquela, resumindo todas
as vossas obras e determinando vosso destino. Deus é justo, sempre. Não
podeis culpar ninguém. Seja qual for o caso, é absurdo amaldiçoar. A cada
instante, é feito o balanço exato entre o dever e o haver, determinando-se culpas
e méritos, castigos e alegrias. A dor é sempre uma bênção de Deus, porque,
mesmo quando não constitui resgate, purificação ou pagamento de débito,
sempre constrói, acumulando crédito. É a lei da vida, oculta e inatingível, sempre
presente e sábia.
Não sentis que, acima de qualquer vínculo e afinidade, vossa personalidade grita
“eu”? A hereditariedade é, acima de tudo, psíquica, sendo não somente
individual, mas também preparada e, assim, desejada por vós mesmos. A
hereditariedade fisiológica é uma hereditariedade secundária e, por ser
dependente daquela, tem consequências limitadas, inerentes a um organismo
que, constituindo para vós apenas o veículo da viagem terrena, amanhã
abandonareis. O parentesco familiar é um parentesco orgânico, definido por
formas e por tipos. É nesse vaso que desceu vosso espírito, não por acaso, mas
por lei de afinidade. A fusão é completa, numa unidade que, mesmo conservando
os caracteres da raça e da família, muitas vezes os transcende,
inconfundivelmente, como personalidade psíquica. É daí que provêm não só as
diversas semelhanças, mas também as inúmeras diferenças. Os genitores vos
dão o germe da vida física, cujo desenvolvimento, paralelamente ao da vida
psíquica, descida do céu e a eles confiada, são incumbidos de proteger.
Respeitai e amai este grande trabalho. Nas horas frágeis da juventude, vossa
alma eterna está nas mãos deles. Vós progenitores, por sua vez, deveis tremer
ao refletir que sois escolhidos como colaboradores no trabalho divino da
construção de almas.
A vida psíquica, embora não seja filha direta dos pais, tem parentesco com eles
pelas vias da afinidade, que chama e atrai o espírito para um determinado
ambiente. Nada é confiado ao acaso. Muitas vezes, a própria alma escolhe o
lugar e o tempo, prevendo as provas que tem de vencer. Quando, porém, ela
ainda não atingiu essa consciência, ignorando como se tornar livre, então seu
peso específico (resultado do grau de sua destilação espiritual, das suas
atrações e repulsões pelas coisas da Terra e da natureza do tipo pelo qual ela é
constituída) a conduz automaticamente — assim como tudo no universo, do
átomo às estrelas, é levado ao equilíbrio — para um espontâneo equilíbrio de
forças em seu próprio elemento, o único no qual ela pode viver e trabalhar.
74
O Ciclo da Vida e da Morte
e sua Evolução
A morte não prejudica de modo algum o princípio da vida, que permanece intacto
e é continuamente rejuvenescido com essa constante renovação através da
morte. Se a natureza não teme nem evita a morte, é porque esta constitui
condição de vida, de modo que, assim, nada se desperdiça da essência de sua
economia. A natureza sabe que a substância é indestrutível e que, portanto,
nada jamais pode se perder, nem como quantidade, nem como qualidade; sabe
que tudo ressurge da morte: ressurge o corpo no ciclo das trocas orgânicas,
ressurge o espírito no psiquismo diretor.
A morte não é igual para todos. Embora seja a mesma no corpo, ela se diferencia
no espírito. Nos seres inferiores — incluindo o homem nos primeiros degraus de
sua evolução — o centro perde a consciência e, arrastado pela corrente das
forças da vida, apressa-se a reencontrá-la em novos organismos. O grande mar
tem suas marés e, ininterruptamente, impele os princípios nas ondas do tempo,
através do alternado ciclo de vida e de morte, porque esse é o caminho para
subir. A evolução é uma força premente. Na natureza do dinamismo daquele
princípio animador encontra-se a permanente aspiração a sempre novas
expressões e mais elevadas realizações. Essa perda temporária de consciência
nos seres inferiores pode dar-lhes a sensação daquele fim que o materialismo
defende, mas trata-se de sensação, e não de realidade. Nos homens mais
evoluídos, que já entraram na fase α, referente ao espírito propriamente dito, a
consciência não se extingue, mas lembra, observa, prevê e, depois, escolhe as
provas com conhecimento. A consciência é conquista, constituindo o prêmio por
imensos esforços. No ambiente imaterial pode subsistir no homem tudo o que
nele é imaterial, sendo esta a parte que foi pensamento elevado e sentimento
não preso às formas. Tudo o que é baixo constitui trevas; no alto estão a luz e a
liberdade. Mas, por meio de sua ininterrupta luta para refinar a matéria, a fim de
poder expressar sempre mais transparentemente o espírito, a evolução vos
eleva cada vez mais acima daquela morte que mais temeis, como treva da
consciência, transformando-a numa passagem na qual a personalidade se abala
cada vez menos, até reduzi-la a uma mudança de forma em que o “eu”
permanece desperto e tranquilo.
Quanto esforço para reencontrar Deus! Que fortaleza de ânimo, que potência de
vontade e de ação, que agudeza de sabedoria. Por toda parte um esforço
titânico, jamais domado, de superar-se a si mesmo e vencer o mundo. A cada
passo, um abismo tenebroso que engole tudo, um obscuro poder de destruição
que nivela tudo na morte e no esquecimento. Na eterna fuga, sempre nova onda
sobrevém e submerge o passado, apagando a vida e recomeçando outra. A
corrida prossegue sem repouso, à luz incerta das miragens ilusórias. Nesta
atmosfera densa e escura, o homem luta e sangra, buscando sua luz.
Por vezes, no inferno terrestre cai uma estrela do céu, só para chorar e amar;
chora e ama por toda uma vida, cantando na sua própria dor e na de todos um
canto divino, inebriado de amor. A dor vergasta, e a alma canta. Aquele canto
tem uma estranha magia, que amansa a fera humana, fazendo rosas florescerem
entre espinhos e lírios nascerem em meio à lama. Ao ouvi-lo, a fera retrai suas
garras; a dor suspende o seu assalto; o destino alivia seu aperto; o homem
perdoa sua ofensa. A todos vence a magia da bondade; a tudo encanta a
harmonia do amor. Toda a criação ressoa com esse cântico e se expande. Há
tanta fé e esperança naquele canto dorido, que a dor se transforma em paixão
de bem e de ascensão. Chegando de muito longe, é um canto de humildade e
bondade, cheio das coisas de Deus; é um novo perfume em que vibra o infinito;
é um secreto sussurrar de paixão que fala à alma e revela pelas vias do coração,
mais que qualquer ciência, o mistério do ser; é uma carícia que adormece a dor.
Tudo na Terra se encarniça contra o ser simples e inerme que fala de Deus, para
fazê-lo calar. Mas a palavra doce ressurge sempre, expandindo-se e triunfando,
pois está na lei que a Boa Nova do Cristo se realize, que o mal seja vencido e
que venha o Reino de Deus. A dor golpeará sem piedade, mas a alma humana
emergirá de suas provas e a vida iniciará novo ciclo, pois o momento está
maduro, estando na lei que a besta se transforme em anjo, que da desordem
surja nova harmonia e que o hino da vida seja cantado mais alto.
Disse-vos que estais numa grande encruzilhada da vida do mundo. A Lei, após
vos amadurecer por dois milênios, impõe hoje esta revolução biológica. Os fatos,
que sabem fazer-se ouvir, irão vos constranger. Trata-se de movimentos
mundiais de massa e de espíritos, de povos e de conceitos; movimentos
profundos, dos quais ninguém escapará. Mas, antes que falem os fatos e se
desencadeiem as forças mais baixas da vida, tinha de falar o pensamento, tinha
de ser dado o aviso, para que este seja ouvido por quem o possa compreender.
Com palavras de paz, falei-vos de ideais e de princípios, que podem fazer sorrir
o sapiente ceticismo moderno. Em vosso mundo, são colocados no alto e
constituem o objetivo da luta não os ideais, mas sim os interesses, sobre os quais
se constroem princípios fictícios. Existem os ideais e as crenças oficiais, mas
nas profundezas da alma humana existe a mentira. Desprezais o vencido, ainda
que ele seja um justo, mas enalteceis o vencedor, ainda que ele seja desonesto.
Acreditais somente na matéria, confiais apenas na riqueza e na força, mas elas
vos trairão.
Deveis compreender que em tal regime de ordem universal, como vos mostrei
— num campo infinito de forças conexas, que, embora imponderáveis e
ultrasensórias, são poderosíssimas — agir com baixeza e leviandade significa
expor-se a reações tremendas. A história está cheia delas. A Lei está sempre
presente e a todos comanda, dirigentes ou dependentes, tendo cada um sua
responsabilidade em seu posto de combate. Ao conceito superficial de uma fácil
negação de qualquer disciplina moral — como o materialismo científico difundiu
no último século — opõe-se hoje o conceito inverso: “o homem é responsável”.
Ele não vive isolado, mas sim em sociedade, que “deve” ser um organismo, onde
cada indivíduo tem um trabalho a realizar. A vida não é ócio, mas sim esforço de
conquista. Acima de todos os interesses materiais está um interesse ideal,
igualmente urgente e importante, que atinge todos. As instituições sociais e
jurídicas — o trabalho, a propriedade, a riqueza, a organização do Estado e seu
funcionamento — não são conceitos isolados, mas sim “funções” da Lei, estando
logicamente interligadas entre si e não podendo ser compreendidas, senão
quando enquadradas no funcionamento orgânico do universo.
Sendo esta síntese uma filosofia da ciência, estão aqui lançadas as bases,
jamais antes estabelecidas, de uma filosofia científica do direito. No campo moral
cai qualquer empirismo, porque cada ato, cada pensamento e cada motivação
tem sua meta, seu peso e, por cálculo matemático de forças, marca o destino de
quem o executa. Pela primeira vez na história do homem, ouve-se falar numa
ética científica, racional e exata. O mundo da ética não é mais, então, um campo
de fé ou de abstrações, mas sim um cálculo exato de forças. Se estas, muitas
vezes, não são percebidas pela justiça humana, porque sutis demais, outro
equilíbrio mais profundo — a justiça divina — registra-as em vosso destino,
pesando-as e vos impondo a resultante, em forma de alegria ou de dor. Sois
livres e podeis, sorrindo, negar tudo isto. Mas, se violardes um só desses
equilíbrios, violareis a ordem de todo o universo, e ele se levantará contra vós,
para vos esmagar. Esta minha voz é a voz da justiça e da vossa consciência,
onde troveja a voz de Deus, não vos sendo possível fazê-la calar.
Dei-vos da vida um conceito no qual todos os limites no tempo são superados,
nada se perde, nenhuma dor é vã e cada átimo é construtivo; um conceito que
vos permite acumular e possuir uma riqueza verdadeira, que não se destrói.
Ensino-vos a valorizar e utilizar a dor. Olhamos juntos o âmago das coisas, mas
não inutilmente, porque dele extraímos um otimismo consciente, capaz de
triunfar mesmo na adversidade. Só os inconscientes podem buscar o absurdo
de uma felicidade fácil, não conquistada. Eu vos falei de luta e esforço, para que
a vitória, medida de vosso valor, seja vossa. Realizamos juntos a longa e
cansativa caminhada da ascensão do ser, a fim de que possais conhecer vosso
amanhã e vos prepareis para ele, porque, através de uma cortina de provas
decisivas em vosso desordenado amontoamento de formações psíquicas, já
resplandece a luminosidade do futuro, no fundo imenso da evolução trifásica de
vosso universo.
76
Cálculo de Responsabilidades
Uma vez que é imprescindível evoluir e que, para a formação dessa cons-
ciência, é indispensável o trabalho da vida individual e coletiva, quão grande
economia de energias significará a condição de saber realizar tal trabalho! Se a
humanidade tende biologicamente, como vimos, a criar o tipo super-homem,
vosso trabalho presente é buscar essa meta. A vida contém e pode produzir
valores eternos. Sua finalidade é enriquecer-se deles cada vez mais. A vida tem
um objetivo, e vós, depois de haverdes aprendido a produzir e entesourar nas
formas caducas da Terra, tereis de aprender então a produzir e entesourar na
substância, na eternidade. Para educar, é indispensável repetir, a fim de que
certos conceitos superiores sejam assimilados e gravados no íntimo turbilhão do
psiquismo. Esta é a finalidade e a mais elevada função da vida, pela qual se
mede o valor daquela central dínamo-psíquica do organismo social: o Estado
moderno.
Para o espírito ardente de fé, que sente por intuição essas verdades, é duro ter
de falar assim, nos termos de uma moral científica exata, mas isto me é imposto
pelo caráter estritamente racional de vosso nível, ainda não intuitivo. É possível
calcular o grau de responsabilidade moral, quando se conhece o fenômeno da
evolução psíquica. Se esta ocorre através da interação entre os impulsos íntimos
e as combinações resultantes dos impulsos do ambiente, a determinação
daquele grau se reduz, então, a um cálculo de reações. Tudo isto é apenas um
momento de uma análise mais ampla, que pesquisa a linha das reencarnações
e o desenvolvimento lógico do destino. Falamos aqui de desenvolvimento lógico
porque, uma vez reconstruído o passado, vereis que ele, pelo princípio universal
de causalidade, pesa nos estados presente e futuro como uma força, dando à
personalidade certa massa, lançada com trajetória própria, que, por inércia,
tende a manter-se constante, embora a vontade e a liberdade individual possam
modificá-la através da luta.
Cada ato é sempre livre em sua origem, mas não depois, porque então já
pertence ao determinismo da lei de causalidade, que lhe impõe as respectivas
reações e consequências. O destino, como efeito do passado, contém, pois,
zonas de absoluto determinismo, no entanto a ele se sobrepõe a cada momento
a liberdade do presente, que, chegando continuamente, tem o poder de introduzir
sempre novos impulsos e, neste sentido, corrigir os precedentes. De modo
semelhante a uma determinada massa, que, depois de lançada, tende por inércia
a prosseguir na direção iniciada, mas pode sofrer atrações e desvios colaterais,
o impulso do destino também pode ter sua trajetória corrigida. Determinismo e
liberdade, dessa maneira, contrabalançam-se, sendo o caminho dado pela
resultante entre a inércia do passado e a constante ação corretiva do presente.
É nesse íntimo equilíbrio de forças que reside o cálculo das responsabilidades.
O presente pode, numa vida de redenção, corrigir o passado, somando-se a ele
nas estradas do bem, mas também o pode agravar pelas vias do mal. Diante do
determinismo da Lei, que impõe a cada causa seu efeito, está o livre-arbítrio,
com seu poder de corrigir a trajetória dos efeitos através da introdução de novos
impulsos. Destino não é fatalismo, não é cega “Ánánke” (necessidade,
determinismo, inevitabilidade), mas sim a base de contínuas criações e
destruições. O que a cada momento está em ação no destino é a resultante de
todas essas forças.
Assim a responsabilidade é progressiva, sendo função e progredindo na
proporção do conhecimento e da liberdade, o que implica um complexo cálculo
de forças. Trata-se de um progresso que é, ao mesmo tempo, libertação do
determinismo das causas (destino) e libertação do determinismo da matéria. Eis
a realidade mais profunda do fenômeno. Uma ética racional, tornada ciência
exata, que não seja mera arma de defesa, deve levar em conta todos esses
complexos fatores; deve saber medir a intensidade e calcular a resultante dessas
forças; deve saber avaliar as reais motivações; deve saber reconstruir na
personalidade seu passado biológico e orientar-se na vasta rede de causas e
efeitos, de impulsos e contraimpulsos, que constituem o destino e permitem a
sua correção. Para cada indivíduo, o ponto de partida é muito diferente, não
havendo maior absurdo, num mundo de substanciais desigualdades, do que uma
lei humana a posteriori, superficial, igual para todos. Tal sistema poderá
satisfazer às funções sociais defensivas, mas não pode chamar-se justiça, que
constitui a única base na qual pode, pelas sanções morais e penais, apoiar-se o
direito de punir.
Minha concepção implica uma ética progressiva e, por isso, apresenta como
modelo para vós tipos super-humanos cada vez mais perfeitos. Concepção
aristocrática e dinâmica, antípoda da vossa, que eleva a tipo ideal a
mediocridade da maioria. A psicologia comum só pode dar a codificação dos
instintos atrasados da humanidade. Elevar como modelo a mediocridade,
apenas porque ela se impõe pela quantidade, e não pelo valor, significa erguer
um monumento à inferioridade. Já o individualismo, emergindo do quadro de
fundo difuso da maioria, é sagrado, desde que lute sempre para elevar-se, pois
esta é a lei da vida. A ascensão coletiva somente pode resultar de todas as
ascensões individuais, que emergem do mar da mediocridade para as vias do
bem. Sejam as massas enquadradas, para que os poderes dirigentes possam
impor melhor o trabalho da evolução, mas não sejam elas elevadas a modelo,
fazendo o número suplantar o valor. Lá de cima, elevada e longínqua, está a luz
dos espíritos gigantes, que superaram e submeteram ao espírito as forças
biológicas. Deles estão cheios os séculos, onde cada um encontrará o tipo que
representa o aperfeiçoamento das próprias qualidades. No poeta e no santo, o
sensitivo encontrará o gênio da arte e da fé; no herói, no pensador e no cientista,
o volitivo encontrará o gênio da racionalidade e da intuição. Cada tipo ergue bem
alto a chama da vontade, da mente ou do coração, mostrando em elevado grau
de aperfeiçoamento uma qualidade da natureza humana. Cada tipo é um
pioneiro que vos indica o caminho da evolução.
O tipo humano comum move-se em outros níveis. O mais baixo vive e somente
concebe viver no nível vegetativo, movendo-se num campo todo físico, no qual
a ideação é concreta, quase muscular. O mundo sensório é toda a sua realidade,
onde qualquer abstração ou conceito sintético são inconcebíveis. Sua satisfação
é dominada pelos instintos primordiais (fome e amor), que são para ele a única
necessidade, alegria e aspiração. Seu psiquismo é rudimentar, exercitando-se
somente no campo passional das atrações e repulsões violentas e primitivas.
Qualquer superação permanece no inconcebível para ele, que tem quase toda
sua consciência dominada pelas trevas. É o tipo selvagem, que, nos países
civilizados, constitui o homem das classes inferiores, onde ele renasce por seu
peso específico.
Essas posições não são absolutas, nem como nível, nem como tipo, havendo
gradações entre elas. Mas a evolução é universal e constante, sempre fazendo
um tipo ascender para outro. Na ascensão do selvagem para a civilização, assim
como das classes inferiores para o bem-estar da burguesia, repete-se sempre a
velha história das mais baixas ascensões humanas, que constitui o impulso
determinante das revoluções sociais. Hoje, porém, a persistência e a extensão
da civilização amadureceram e difundiram o segundo tipo humano, cuja
revolução — quando ele for maioria, por ter elevado e tornado semelhante a si o
tipo inferior — somente poderá, visto ser inevitável evoluir, dirigir-se para o
terceiro tipo: o super-homem. Enquanto, embaixo, agitam-se desordenadamente
as aspirações das classes sociais inferiores, dispostas — tão logo a classe
superior seja incapaz de defender sua função dirigente — a impor o egoísmo de
raça, para fazer valer o próprio interesse, o segundo tipo tende, por idêntico
impulso evolutivo, a elevar-se ao nível do super-homem, sendo esta
verdadeiramente a grande e nova transformação biológica em massa dos
séculos futuros.
Estas perspectivas futuras não são utopia, pois estão ligadas aos fatos e à
evolução histórica normal. Tal fenômeno foi, no passado, um produto esporádico
e isolado, mas se tornará, no futuro, um produto de classe. A santa obra de
educação do povo o levará em massa ao nível médio. Assim, quando esta for a
zona de maior extensão, nenhuma revolução poderá mais emergir de baixo. O
progresso científico, apesar dos perigos que traz, prepara inevitavelmente um
ambiente de menos áspera escravidão econômica e de mais intensa
intelectualidade. A civilização estabilizará rapidamente o nível médio da vida no
segundo grau da evolução humana, que desejará então subir para o terceiro.
Isto poderá parecer distante hoje, quando ainda ressoa entre vós o eco das lutas
nos mais baixos níveis, porém o tempo está maduro, devido à elaboração dos
milênios, e este é o futuro do mundo. Não vos falo do presente, que conheceis,
mas do futuro, que vos aguarda; não vos exponho apenas as dificuldades desta
hora, mas também os problemas e as construções para as quais é necessário
vos preparardes.
79
A Lei do Trabalho
Embora o trabalho, tal como o entendeis, transforme a Terra, ele não modifica o
homem. O valor máximo, o centro dinâmico que sempre retorna, é o homem,
constituindo ele, segundo a fase de consciência alcançada, a matriz de todas as
construções futuras. Não basta criar o ambiente, é indispensável agir em sua
íntima fonte, criando também o homem. Então vossa atividade humana se
iluminará com luz interior, valorizando-se com um significado imensamente mais
elevado. Vossa mentalidade utilitária fez do trabalho uma condenação;
transformastes num tormento insaciável de posse este dom divino de plasmar o
mundo à vossa imagem. A lei “do ut des” (“dou para que tu dês”), imperante no
mundo econômico, fez do trabalho uma forma de luta e uma tentativa de furto. É
uma dor que pesa sobre vós, mas isso é justo e adequado, porque exprime
exatamente o que sois e o que mereceis. Todos os vossos males são devidos à
vossa imperfeição social e à vossa impotência de saber fazer melhor.
Daí tantos males — como a guerra, por exemplo — que são ocasionados pelo
vosso modo de ser e que, por isso, perdurarão inevitáveis, enquanto não vos
transformardes. O trabalho não é uma necessidade econômica, mas sim uma
necessidade moral. O conceito de trabalho econômico deve ser substituído pelo
de trabalho função-social; direi mais: função biológica construtora, pois ele tem
a função de criar novos órgãos exteriores (a máquina), que são expressões do
psiquismo; de fixar, com a repetição constante, os automatismos (sempre escola
construtora de aptidões); de coordenar o indivíduo no funcionamento orgânico
da sociedade. Do limitadíssimo, egoísta e socialmente danoso conceito de
trabalho-lucro, é necessário passar ao conceito de trabalho-dever e de trabalho-
missão. Isto é um encaminhamento para o altruísmo, não um altruísmo
sentimental e desordenado, mas sim prático e ponderado, cujas vantagens são
calculadas. O altruísmo, dado o tipo humano dominante, só pode nascer como
utilidade coletiva, condição esta que o coloca inexoravelmente, pela lei do menor
esforço, na linha da evolução. Limitar o trabalho, ainda que material, à exclusiva
finalidade egoísta do lucro é diminuir a si próprio, abdicando da consciência do
próprio valor, do qual o trabalho constitui prova e confirmação; é automutilar-se,
renunciando à função de célula social construtora, que, mesmo sendo mínima,
tem seu lugar no funcionamento orgânico do universo.
Concebei o trabalho como instrumento de construção eterna, mas cujo fruto vos
pertence em forma de capacidade conquistada para a eternidade, e não como
lucro de vantagens imediatas e transitórias. A verdadeira recompensa está em
vosso valor, que o trabalho cria e mantém e que não vos pode ser roubado. Amai
o trabalho como disciplina do espírito, como escola de ascensões, como absoluta
necessidade da vida, correspondente aos imperativos supremos da Lei, que
impõe vosso progresso mediante vosso esforço. Ele dará um sentido de
seriedade, de dever e de responsabilidade perante a vida, fazendo dela um
campo de exercícios, em vez de um carnaval de gozos; evitará o espetáculo de
tantas leviandades que insultam o pobre; dará ao dinheiro o alto valor do esforço
realizado, que é o único valor honesto.
Desse modo, o trabalho não é uma condenação social dos deserdados, mas sim
um dever de todos, ao qual não é lícito fugir. Na minha ética, é imoral quem se
subtrai à própria função social de colaborar no organismo coletivo, onde cada
um tem de estar em seu posto de combate. O ócio não é lícito, mesmo se
permitido pelas condições econômicas. Deveis ultrapassar esta moral mais baixa
e selvagem, constituída pelo “do ut des”. Assim, não só por dever social mas
também por obrigação consigo mesmo, a fim de não morrer, o espírito deve
nutrir-se de atividades a cada dia e, a cada dia, reconstruir-se, realizando-se no
mundo da ação. Parar além do repouso indispensável é culpa de lesa-evolução.
Quem vadia rouba à sociedade e a si mesmo. O novo mandamento é: trabalhar.
Estas são as bases do futuro mundo econômico, no qual é urgente, portanto,
introduzir os conceitos morais de função e de coordenação de atividades. Numa
sociedade consciente e orgânica, decidida a progredir, não se pode, em nenhum
campo, ser agnóstico, amoral, espiritualmente ausente. Somente assim se
eliminará tanto atrito inútil de classes, tantos antagonismos de indivíduos e de
povos. É necessário formar esta nova consciência de trabalho, porque só então
ele se elevará a uma função social, como coordenação solidária
(colaboracionismo) de forças sociais. Os conceitos do velho mundo econômico
são absolutamente insuficientes. Temos de purificar a propriedade, tornando-a
filha do trabalho. Ao invés de demolir essa instituição, é necessário consolidá-la,
reforçando-a nas bases, no momento da sua formação, que deve corresponder
de modo absoluto a um princípio de equidade.
Em minha ética, rouba aquele que, por vias transversas, pouco importa se legais,
acumula rapidamente, enriquecendo de repente; rouba quem vive de bens
hereditários, no ócio; rouba quem não dá à sociedade todo o rendimento de sua
capacidade. Para evitar esses males, temos de cortar o mal pela raiz, que está
na alma humana. O primeiro passo a ser dado hoje, no campo das ascensões
humanas, é construir um homem que saiba quem ele é, qual é o seu dever, qual
é a sua meta na Terra e na eternidade; um homem que se mova não no restrito
círculo de um separatismo egoísta, mas sim num mundo de colaborações sociais
e universais; um homem mais evoluído, que saiba acrescentar às suas
aspirações materiais outras mais poderosas, de caráter espiritual; que faça do
trabalho não uma condenação, mas sim um ato de valor e de conquista. Se, por
um lado, quanto mais retrocedemos no passado, tanto mais o trabalho
representa a posição de vencido e de escravo, por outro lado, quanto mais
progredirmos no futuro, tanto mais ele se tornará ato nobre de domínio e de
elevação.
A luta presente é viva, pois o esforço que tende à construção das novas
harmonias está em plena atividade. A ciência se espiritualizará e, após ter
exaurido sua função utilitária, ultrapassará este seu caráter, adquirindo valor
moral e metas espirituais. A sutilização dos meios de pesquisa vos levará,
inevitavelmente, ao contato com essa mais profunda realidade do imponderável.
A ética será um fato demonstrável e, portanto, obrigatória para qualquer ser
racional. Não mais será lícita a inconsciência do egoísmo e do vício, mal que
tantas dores semeia em vossa vida. A evolução vos aperta e vos constrange
fatalmente, de todos os lados; vosso irrequieto dinamismo já trabalha vivamente
para isso. A beleza do futuro estará, sobretudo, no funcionamento harmônico de
vosso mundo; vosso progresso será uma conquista de ordem, que vos
harmonizará com a ordem reinante no universo. Tal como a matéria, ao
completar seu ciclo de vida, atingiu o estado de ordem no universo astronômico,
também o espírito — hoje, para vós, ainda no período das primeiras formações
caóticas — quanto mais avançar no ciclo da vida, tanto mais realizará a fase de
ordem.
Assim uma ascensão e dilatação do concebível vos esperam no futuro, que trará
transformações de consciência para dimensões superiores, abrindo-vos
contatos com os mais inexplorados ângulos do universo e campos do
conhecimento. Deus se aproximará de vós, em vossa concepção, e o sentireis
cada vez mais presente, cósmico e surpreendente. Então vós, fundidos em Sua
ordem, sereis muito mais felizes que hoje. Esse será o prêmio de vosso esforço.
80
O Problema da Renúncia
Quando se sobe aos mais altos níveis, a velha forma biológica, que se atrofia,
parece não poder mais suportar o psiquismo hipertrofiado. Surgem então
desequilíbrios aparentes, que a ciência, não sabendo compreendê-los, define
como patológicos, classificando-os como formas de neurose. A matéria é
pertinaz, mas é filha do passado, que vai sendo superado; o espírito sofre, mas
o futuro lhe pertence. Passado e futuro significam força e justiça, dor e alegria,
escravidão e liberdade, mal e bem; extremos entre os quais oscila a alma
humana, a fim de realizar sua ascensão.
Falando ao tipo comum, devemos indicar a renúncia não em seu mais elevado
grau, na forma completa de perfeição moral, mas na sua máxima aproximação
suportável. Isso constitui sempre uma escola de disciplina moral, proporcionada
às forças e à compreensão individual. Disciplina dos sentidos e controle das
paixões, educação diária que não deixa escapar ocasiões para elevar os
impulsos existentes. Na porfia das ascensões, cada um se escalonará ao nível
de sua capacidade e terá seu íntimo valor testemunhado pelo que souber
conquistar.
Por isso, não direi ao homem moderno: destrói a riqueza, sê pobre. Mas lhe direi
que se encaminhe gradativamente, porque só aos poucos poderá conquistar a
perfeição. Comece a livrar-se da escravidão do supérfluo, do moderno frenesi da
riqueza, que, frequentemente, conduz a complicações antivitais e que, quando
não custa muito esforço, custa em desonestidade, jamais pagando o que exige.
A riqueza é uma arma de dois gumes, pois, se facilita a vida, constitui também
uma cadeia que a oprime. A sociedade moderna está esmagada pelo peso de
hábitos custosos e supérfluos, havendo nela uma corrida à multiplicação artificial
das necessidades, que — com a ilusão de uma alegria efêmera, constantemente
desvalorizada pelo costume — constitui verdadeira escravidão.
Que diremos ao homem comum que, embora ignorante, também sofre? É bem
triste, por vezes, o quadro das reações naturais a que denominais castigo divino.
É inútil negá-lo: todos sofrem, mais ou menos; todos se debatem entre as garras
do monstro. Pobre ser, o homem! Permaneceu não somente pagão, mas
também bestial na substância, rebaixando tudo ao seu nível: religião, estado,
sociedade, ética. Para adaptá-los à sua condição, realiza uma contínua redução
de todos os valores morais. Preso ainda aos instintos primordiais do furto e da
guerra, precisa atravessar dores ingentes, porque só elas poderão fazer-se
entendidas, abalando sua inconsciência. A alma humana, que hoje amontoou
sobre si um emaranhado fardo de inútil cerebralismo, não vê esses equilíbrios
espontâneos e simples. Mergulhada no paroxismo de um dinamismo frenético,
é alma fraca e primitiva. Que outra coisa poderia fazê-la soerguer-se, sem
restringir-lhe a liberdade, senão a imensurável massa de dores? O homem está
equilibrado em seu nível, sendo oprimido por uma áspera luta e por uma
realidade de dores. Iludido, insensível e inconsciente, resiste a qualquer melhoria
substancial; corre atrás dos sentidos e ambiciona a ascensão exterior,
econômica; imerso no egoísmo do momento, ignorante do amanhã e fechado
em seu horizonte, está sempre ávido para abusar de tudo. Se o gênio não se
abaixar até ao homem, este certamente nada saberá fazer para alçar-se até ao
gênio. As verdades são ditas, mas a exploração dos ideais é tão velha quanto a
humanidade, razão pela qual a sociedade habituou-se a considerá-los mentira.
Por um instinto nascido de experiências seculares, cada um sabe que, por trás
de tantas ostentações de coisas elevadas, existe a mesma miséria moral e
material, sabe que aquelas são retórica, mas que esta é a realidade, e acredita
somente nas verdades em que todos creem: a festa do próprio ventre e a vitória
por qualquer meio. A última palavra cabe à dor, única e eterna formadora de
destinos e forjadora de almas. Ela permanecerá enxertada no esforço da vida,
com seu gotejar cotidiano e suas grandes lufadas coletiva periódicas, para atingir
as almas e deixar nelas suas marcas.
Levanta-te ó alma, tua dor está vencida! Morta, entre as coisas mortas, está tua
dor, qual instrumento inútil jogado fora, lá embaixo, na margem deserta de um
caminho triste. No infinito, o universo canta! Levanta-te, a tua dor está vencida.
Todas as coisas se transformaram diante da visão de Deus; o canto tem tal
profundidade de doçura, que a alma se desorienta. Para alegria da mente, caem
os véus do mistério; para alegria do coração, caem as barreiras do amor. Abre-
se o universo. Uma vibração onipresente de amor transporta o espírito para fora
de si, de visão em visão, de felicidade em felicidade. Ele não luta mais,
abandonando-se e esquecendo-se em Deus. As forças da vida o sustentam e o
arrastam, lançando-o para o alto, onde está o novo equilíbrio. Rompidas as
correntes, ele está verdadeiramente livre e pode subir. Mas o passado persegue,
sendo necessário percorrer até ao cume os caminhos do bem, assim como, para
os maus, é necessário submergir até ao fundo nos caminhos do mal. Então o
ser, não mais pertencendo à terra de dor, emerge cada vez mais na luz do Cristo
e aí se aniquila num incêndio de amor.
Estas são rarefações utópicas do respiro da vida, mas apenas enquanto não haja
sido deslocado o centro da personalidade para o mundo super-humano. Assim
o conceito de dor-prejuízo e de dor-mal evolui, por gradações, para o de dor-
redenção, dor-trabalho, dor-utilidade, dor-alegria, dor-bem, dor-paixão, dor-
amor. Há quase uma transumanização da dor na lei santa do sacri-fício. Nesse
paraíso, o milagre da superação da dor através da dor está realizado. O mal é
transitório; o choque violento entre a livre ação e a Lei esgota sua função,
silenciando o estridor das violações; a dor existe para engolir-se a si mesma; o
desacordo finda à proporção que se alcança a harmonia. Por meio desse sábio
mecanismo, pelo qual a liberdade é obrigada a canalizar-se para o progresso,
chega-se à unificação do eu com a Lei. Nesse ponto, desaparece qualquer
possibilidade de violação e de reação, e a dor se anula em sua causa. Então, a
alma brada: “Senhor, agradeço-Te por esta maravilha suprema da vida: a minha
dor, que é Tua bênção!”.
Mesmo por outros caminhos, inferiores e coletivos, a dor tende a se anular. Ela
é o último elo da cadeia: involução, ignorância, egoísmo, força, luta, seleção.
Mas o ímpeto evolutivo transforma a fase da força em justiça, o mal em bem.
Demolindo as mais baixas condições de vida, a evolução opera a transformação
da dor. Assim como a força, coletivamente — por um jogo de reações de
conjunto e através de uma progressiva aproximação, segundo a lei do mínimo
esforço — tende com o uso à autoeliminação, reabsorvendo-se em si mesma
para ressurgir em forma de justiça, também a dor, coletivamente, tende a anular-
se como fator transitório inerente às mais baixas fases de evolução. Seria
absurdo haver um mal e uma dor incondicionais e definitivos. O maior ímpeto da
vida — a evolução — leva necessariamente o mal ao bem, a dor à felicidade.
Certamente que, nestes níveis, não estamos na ordem comum das coisas
humanas atuais, podendo tudo isso parecer fuga e demolição de virtudes
positivas; mas já vos disse que é fuga para uma afirmação mais elevada. Isso
pode parecer mutilação de aspirações e de vontades, supressão de energias
sadias e produtivas, mas essas aspirações jamais vos farão sair dos níveis
inferiores do ciclo da vida, nos quais cada vitória tem de contrabalançar-se com
uma derrota, cada juventude com uma velhice. Aí, cada grandeza precipita-se
sempre em sua destruição. O que vos indico, porém, é a sublimação da vida
para uma forma de ação mais elevada, dirigida às únicas conquistas eternas;
ação mais enérgica e civilizada, que exclui o desperdício inútil da comum
agressão desorganizadora; ação mais produtiva, porque consciente das forças
naturais, em meio às quais se realiza.
Não vos indico como supremo ideal humano a figura primitiva do herói da força,
que violenta e vence, mas — ainda que as massas não o entendam — mostro-
vos o super-homem, no qual se fundem a vontade do dominador, a inteligência
do gênio, a hipersensibilidade do artista e a bondade do santo; o lutador sobre-
humano, que perdoa e ajuda seu semelhante, atacando somente as forças
biológicas, para submetê-las; o ser de uma nova raça, que luta pela justiça e é
senhor de si mesmo, para o bem coletivo.
A santidade não morreu nem foi superada, apenas começou. Uma nova
santidade deve subsistir no mundo moderno: culta, consciente e científica, que,
saindo das velhas formas, ressurja no coração de vossa vida turbilhonante; que
volte a lutar pelo bem e, com vossa psicologia objetiva, enfrente heroicamente o
choque de vossa rebelde alma nova. Se hoje o lema é a força, seja ela a superior
força do espírito; seja ela a beleza espiritual que ouse mostrar-se viva no mundo,
como um desafio, para que este, se não compreender, dilacere-a e, dilacerando-
a, aprenda. O santo, nesse amplíssimo sentido, passa em missão e somente é
grande porque se inclina para educar e erguer a multidão na direção dessas
superações da dor.
Amor, impulso fundamental da vida, força de coesão que rege o universo, divina
potência de eterna reconstrução! Encontrá-lo-emos sempre indestrutível, sob
infinitas formas, em todos os níveis do ser. Sublimando-se, o amor subirá, junto
com o ser, até ao paraíso dos santos. Assim como a dor, o amor também tem
uma função fundamental de conservação, coesão e renovação, fazendo parte
integrante do funcionamento orgânico do universo; seu impulso não pode ser
destruído, mas deve ser secundado e elevado; seu desejo não pode ser
eliminado, mas deve ser guiado para uma contínua ascensão. Evolução dos
instintos e das paixões, aperfeiçoamento constante da personalidade (teoria
evolutiva do psiquismo).
No alto, como ponto limite da evolução humana, está o amor divino. Ao homem
mediano só podemos pedir a maior aproximação admissível para suas
capacidades de concepção e suportável pelas suas forças. Nas gradações
infinitas das aproximações da perfeição, cada um, em seu nível, procurará
embelezar e elevar ao máximo seus instintos e paixões. Seja vossa meta aquele
superamor alcançado pelos grandes; eleve-se o humano para o divino por
destilações sucessivas, que, derrubando embaixo, reconstroem cada vez mais
alto. Ascensão das paixões, que faz parte da elevação de toda a personalidade,
de uma transfiguração do eu. Por isso o vínculo substancial de qualquer união
de amor deve ser o próprio amor, sem o qual tudo é nulo, reduzindo-se a uma
forma de prostituição, ainda que ratificada por todas as sanções religiosas e civis.
As aparências não podem criar a substância, da qual dependem a felicidade dos
filhos e o futuro da raça.
Quão imensa amplitude darão à vida as mais altas paixões! Quanta sutileza e
profundidade de gozos possuirá o homem futuro, que, sem dúvida, olhará com
náusea as brutais festas dos sentidos como as concebeis hoje! Que música será
então a vida, fundida na harmonia do universo! A paixão se desmaterializará até
ao superamor do santo, fenômeno este que, levando a gozo real e elevadíssimo,
não é assexual, mas sim supersexual, dirigindo-se para seu termo
complementar, situado além da vida, no seio das forças cósmicas. Na solidão
dos silêncios imensos, o santo ama, com a alma hipersensível estendida e aberta
a todas as vibrações do infinito, num impulso impetuoso e frenético para a vida
de todas as criaturas irmãs. Ainda que vos pareça sozinho, ele está com o
Invisível, ao qual estende os braços no êxtase de um supremo e amplíssimo
amplexo. Alguma coisa lhe responde do imponderável, inflamando-o e saciando-
o. Num incêndio que reduziria a cinzas qualquer ser comum, arde o amor que
abraça o universo. Num mistério de sobre-humana paixão, Cristo abre
dolorosamente os braços na cruz e São Francisco, no Verna, abre os braços a
Cristo.
83
O Super-Homem
Porém o gênio não pode descer; sente seu eu gritar e não pode calar. Ele não
é, como os outros, apenas um corpo; é, acima de tudo, uma alma. O espírito,
que dormita em tantos e ainda deve nascer, aparece nele evidente, trovejando e
se impondo como um gigante. Quem poderá compreender suas lutas titânicas?
A humanidade caminha lentamente, debaixo do esforço da própria evolução,
enquanto ele, por estar à frente, carrega toda a responsabilidade, arrastando o
peso de todos.
Sem mencionar as injustiças históricas, delineia-se ainda hoje, por vezes, o tipo
humano que tende ao supernormal, sendo ele, como já vimos, o terceiro tipo de
homem. Trata-se do tipo cuja personalidade, por maturidade de instintos,
refinamento moral e intelectualidade superior, apresenta a assimilação definitiva
dos mais elevados valores espirituais, que constituem o edifício das virtudes
mais úteis à convivência social, representando tal indivíduo a realização
completa do tipo para o qual tende a humanidade em seu desenvolvimento.
Dotado de inteligência e dinamismo, com sensibilidade e percepção
excepcionais para o belo e o bem, traz fixados em sua retidão os mais elevados
ideais de honestidade e altruísmo, que são índice do seu grau de evolução,
possuindo uma suprema aptidão para cimentar o conjunto social e funcionar no
organismo coletivo. Estas características são, todas elas, sinais de nobreza de
raça, de aristocracia de espírito.
É bem grave, para quem vive neste mundo e realiza tais labores, ter de
acrescentar à luta exterior de todos a tensão dessas grandes batalhas interiores
e conter, no centro de si mesmo, um cérebro que, em vez de aliado e amigo para
ajudar na conquista material, tem objetivos diferentes, pois não acompanha a
vida, mas sim a agride, transformando-lhe o trabalho, complicando-lhe os
obstáculos, aumentando o sofrimento e acrescentando às dificuldades do mundo
exterior o enorme peso do drama interior, o qual, por si só, já seria suficiente
para esmagar o homem. Que tremendo problema se tornará uma vida assim
traçada, suspensa entre a luta exterior e a interior, ambas sem tréguas? O
deslocamento das aspirações humanas e o emborcamento dos valores comuns
isolam e vergastam; a realidade sensória insulta o sacrifício; o presente não quer
morrer pelo amanhã, nem o corpo pelo espírito, nem o tangível pelo
imponderável. A construção de uma alma nova exige um grande esforço no
deslocamento do eixo da vida e na revalorização de si mesmo em um nível mais
alto.
A este ser a ciência chama psicopata. Sem dúvida, existe uma neurose
patológica de síndrome clínica mais ou menos evidente, na qual se encontra, de
fato, exaltado o tom da dor e da sensibilidade. Mas, com muita frequência, a
ciência quis enquadrar nisto uma grande quantidade de fenômenos que
pertencem ao supernormal, incluindo também algumas maravilhosas
compensações da natureza, que sublimam o espírito e dão origem a um
crescimento gigantesco de manifestações intelectuais no coração de uma psique
tormentosa. Com essa incompreensão, desvalorizando um tipo humano cuja
função poderia ter grande valor na economia da vida social, a ciência inverteu
sua tarefa, que é valorizar as forças da vida. Para quem fala com autoridade de
cátedra, constitui uma grande responsabilidade não saber ver na evolução
biológica (tão corajosamente defendida) estas suas mais altas fases,
vislumbrando naquele fragmento da verdade apenas um meio para rebaixar o
espírito ao nível do corpo, e não para elevar o homem à dignidade espiritual.
Aprendei a compreender a vida como uma imigração espiritual que vem do além.
Se o ambiente espiritual da Terra for purgado, ela se tornará automaticamente
inabitável para os seres involuídos, fazendo os destinos mais atrozes
permanecerem espontaneamente nos mundos inferiores. É indispensável uma
profilaxia moral contra tudo o que é coletivamente antivital. Somente uma
consciência das distantes vantagens para a raça poderá, através de um
altruísmo ponderado e consciente, atenuar progressivamente a patogênese, que
nenhuma terapêutica a posteriori será capaz de corrigir. Se a dor pode ser
redenção, nem por isso se devem semear suas causas.
15. Para análise dos primeiros planos deste universo trifásico, ver o volume Ascese Mística.
Então nada se destrói na substância, nem para o indivíduo nem para a raça, mas
tudo se transforma e ressurge numa roupagem diferente. Assim como, na
desintegração atômica, a matéria não morre, mas renasce como energia, e, na
degradação dinâmica, a energia não morre, mas prepara a gênese da vida,
também a vida, na degradação biológica, não morre como vida, porque seu
desgaste condiciona a gênese do psiquismo. Em qualquer lugar e sempre, a
substância renasce de forma diferente. Trata-se sempre do mesmo fenômeno,
que, se parece destruição e desaparecimento da forma aos vossos sentidos e
meios de pesquisa, na realidade não desaparece nem acaba, mas apenas muda
de forma, anulando-se, como sempre, apenas no relativo. Portanto o fenômeno
da degradação biológica não é extinção. Nada envelhece substancialmente,
jamais, seja na senilidade do homem, da raça ou da civilização. Simplesmente,
a substância transforma-se na fase α, o espírito, e realiza sua mais alta criação
em vosso universo. A morte de uma forma, como sempre, condiciona, também
aqui, o nascimento de outra mais elevada. Degradação biológica, portanto, não
é demolição, mas sim ascensão.
Falo a quem medita e falo em tempos de grande miséria moral, não obstante já
esteja acesa a tocha da ressurreição. A natureza deste escrito sintético não me
permite descer a pormenores. Mas delineei todo o organismo lógico dos
princípios, estando nele implícitas todas as consequências, cuja dedução é
automática. Na vastidão da visão universal, coloquei no alto a meta do super-
homem, sem deixar, contudo, de levar em conta as condições de fato impostas
pela psicologia dominante do tipo comum, ao qual só pedi as primeiras
aproximações. Defini sua posição e, portanto, seu trabalho no caminho evolutivo,
indicando aos mais evoluídos os trabalhos mais elevados, para que cada um
encontre seu caminho e sua norma na direção das ascensões humanas.
Todo resultado prático desta síntese poderia ser condensado nestas palavras:
se evolução significa conquista de consciência, de liberdade, de felicidade, e
involução representa o contrário, na baixeza de vossa natureza humana está a
causa de todos os males e, na ascensão espiritual, todo o remédio. A aspiração
à alegria é justa, e a felicidade pode existir, só é preciso dedicar-se ao trabalho
de conquistá-la. O Evangelho é um caminho espinhoso, mas somente através
dele se pode seriamente alcançar o paraíso, mesmo na Terra.
Nessa ordem de ideias pode haver lugar para a inconsciência individual, mas
não para a inconsciência do Criador. Em qualquer caso, mesmo no mais atroz
destino, podeis crer na ignorância e maldade dos homens, mas jamais podeis
acreditar na insipiência ou maldade de Deus. Também é inútil criticar como
causa aquele que apenas personifica a reação da dor. Trata-se frequentemente
de instrumentos ignaros e, portanto, irresponsáveis, movidos por distantes e
profundas causas, que vós mesmos lançastes. A vida é uma gigantesca batalha
de forças, que temos de compreender, analisar e calcular. Ninguém pode invadir
o destino alheio; somente é possível, ainda que cegamente, semear alegrias e
dores no próprio destino. Uma vida tão substancialmente perfeita não pode
existir à mercê de um capricho, nem estar sujeita ao louco prazer de uma
atormentação recíproca. Assim, não tem sentido maldizer ou rebelar-se, tanto
mais que isso em nada atenua o mal, antes o agrava. É melhor orar e
compreender, porque a dor apenas cessará depois de termos aprendido a lição
que lhe justifica a presença.
Tremei vós, vencedores pela força humana, diante desse poder de justiça, que
impulsiona todo o universo. E vós, fracos, não acrediteis que a providência seja
inércia ou fatalismo, amiga dos preguiçosos; não espereis que essa força vos
poupe do sagrado esforço de vossa evolução. Conceito de justiça e de trabalho,
conceito científico do mundo fenomênico, a providência não é um apoio para um
afastamento gratuito das sanções dolorosas; ela significa direito ao mínimo
indispensável às forças humanas para ascender no cansativo caminho da vida;
significa merecidos e necessários repousos, e não ócios gratuitos e perenes,
como quereríeis.
Nos primeiros albores da ética, matar e roubar é lícito. Num mundo ainda não
moral como o da fera, os conceitos de bem e de mal ainda dormem latentes no
estado de germe. Mas, nos choques da convivência social, a reciprocidade das
relações, avizinhando os semelhantes, obriga o indivíduo a sentir a
reversibilidade do prejuízo, levando-o à compreensão utilitária e à assimilação
do conceito do “ama teu próximo como a ti mesmo”. A ideia de bem e de mal já
não se liga então apenas à vantagem obtida, mas também ao dano sofrido com
a reação.
A lei ascende, e, amanhã, não só a vossa atual justiça formal, exterior e coativa,
será violação e injustiça, mas também a vossa hodierna moral será imoral,
porque tereis descoberto equilíbrios mais profundos, nos quais sabereis viver.
Se a Lei é harmonização, a humanidade, por meio de suas guerras, tende à
unificação. A guerra, portanto, é o estado de equilíbrio atual, mas não o do futuro;
é um mal hoje necessário, em vista de vosso grau de evolução, mas dele vos
libertareis. A única razão que pode torná-la justa é o fato de representar o esforço
para alcançar um nível mais perfeito, no qual será possível a sua supressão.
Entretanto, esse mal de transição já se inverte num florescimento de bem,
porque, levando o homem feroz a matar também por uma ideia, ensinou-o a
dilatar o próprio egoísmo até à coletividade. O desabafo guerreiro assume,
assim, a função biológica de fazer evoluir os instintos humanos de sua primitiva
forma egoísta e feroz até ao heroísmo de quem se sacrifica pela pátria.
Então, o homem percebe que, se a força criou muito, também muito destruiu;
percebe que um mundo apenas de força acaba destruindo-se a si próprio, coisas
que antes escapavam à sua percepção mais rude. Paralelamente, o indivíduo,
que, apesar de ter gozado das vantagens da força, muitas vezes também sofreu
seus prejuízos, recorda isso em seu instinto, reagindo para eliminar as causas.
Surge então a ideia de uma utilidade coletiva, para suprimir o abuso individual;
inicia-se a eliminação progressiva da desordem, mediante um processo de
isolamento e limitação do impulso egoísta individual, circunscrevendo-o e
marginalizando-o, mas sem destruí-lo, e sim canalizando-o para metas coletivas.
A evolução da força para o direito e a justiça é também evolução de egoísmo
para altruísmo. Presenciais assim o espetáculo em que esses impulsos
primordiais, por meio da própria manifestação, tendem a eliminar-se a si
mesmos. Princípio universal de autoeliminação das formas inferiores do mal,
quase uma autodestruição da dor através da dor, da força através força, do
egoísmo através do egoísmo. A Lei evolui na consciência de cada um, conforme
o respectivo grau de ascensão: os indivíduos no seio do povo e os povos no seio
da humanidade, equilibrando-se cada um em seu respectivo nível. Trata-se de
posições de progresso e de atraso relativos — mobilidade contínua de todas as
posições da vida; sucessão de leis e de mundos que progridem um dentro do
outro, sem se destruírem — formadas de acordo com o grau de consciência
alcançado pelos seres; verdades relativas e progressivas, cada uma absoluta
apenas no âmbito do momento que exprime e sustenta.
Por isso assistis hoje, mesmo no campo social, a uma concomitante duplicidade
de leis, cuja evolução é comprovada por este fenômeno, que somente é possível
num regime de transformação. Somente uma passagem de fase — o crepúsculo
de um período que desaparece na aurora de outro — pode produzir esses
inerentes contrastes de transição, conhecidos do homem, mas insuspeitados
pelos animais, que vivem tranquilos na plenitude de sua fase. O homem oscila
hoje na transição entre duas leis. Essa mudança exprime sua maturação
biológica no campo social. Trata-se da progressiva demolição do passado e da
gradual reconstrução em seu lugar, com os mesmos materiais, de formas mais
elevadas. A elaboração da substância significa evolução: o mal é o passado
(involução) e o bem é o futuro (evolução); bem e mal relativos e em conflito, que
repetem no campo social a luta já vista por nós no campo individual entre corpo
e espírito. Culpa é qualquer retrocesso voluntário, o qual é corrigido pela Lei, que
reconstrói o equilíbrio, reagindo por meio da dor; virtude é tudo que acelera o
avanço e que, portanto, é premiado.
Assim como, no direito, a força evolui para a justiça, o egoísmo também evolui
para o altruísmo. À proporção que eleva os indivíduos para mais altas
especializações, a vida os reorganiza, pelo princípio das unidades coletivas, em
unidades sociais cada vez mais complexas e compactas. A diferenciação de
tipos e de aptidões levaria ao afastamento das criaturas e ao desregramento
social, se outra necessidade não os aproximasse e outra força não os
reorganizasse em formas de convivência nas quais a atividade de cada um
obtém maior rendimento. A evolução opera então, assim como fez com a força,
a demolição progressiva do egoísmo, porque precisa de um novo instinto coletivo
de altruísmo, que constitui o cimento precioso para amalgamar os impulsos
egocêntricos e exclusivistas das criaturas. Na evolução social, o egoísmo tem de
sofrer profundas modificações. Como todos os impulsos da evolução, ele domina
apenas enquanto o progresso assim exige, sendo superado depois, para se
transformar diante de um novo progresso. Assim se explica como, num mundo
de necessidades ferozes, os princípios de altruísmo e de bondade — tão mortais
para o eu e tão antivitais no sentido restrito — puderam nascer num determinado
momento, no qual se iniciou uma ordem de vida que revolucionou todas as
precedentes.
Não basta dizer que são duas leis sucessivas. É imprescindível dizer que a mais
elevada é sempre mais útil do que a menos elevada. A natureza, sendo
extremamente econômica e conservadora, não comete prodigalidades gratuitas
e, se alguma realiza, isto visa tão somente utilidades coletivas de longo prazo.
Assim nascem os altruísmos do amor, a abnegação materna, os heroísmos em
defesa de um povo e de uma ideia. Portanto o altruísmo é apenas um egoísmo
mais amplo, sendo tanto mais amplo, quanto mais expandidos estiverem a
consciência individual e o campo que ela abarca. O primitivo, pelo fato de não
se sentir viver nos tempos e na humanidade, vê somente seu pequeno eu e se
isola no momento. Em sua miopia psíquica, ele se fecha em seu próprio pequeno
bem e, assim, isola-se do bem coletivo, sendo absolutamente inepto para viver
num regime de colaboração, do qual a consciência mais evoluída tem
necessidade para multiplicar-se.
Essa consciência coletiva constitui uma força: a força do homem civilizado. Por
isso o selvagem, embora isoladamente mais forte e belicoso, torna-se inferior na
luta, pois não sabe organizar-se nem manter-se organizado em amplas unidades
coletivas, que formam a potência de meios e de resistência dos povos civilizados.
Quanto mais evoluído é o homem, tanto mais fortemente ele sente a Lei, que lhe
impõe olhar para trás e doar-se em auxílio à caminhada dos menos evoluídos, a
fim de que a evolução caminhe compacta.
Altruísmo, por isso, não é renúncia, mas sim expansão de domínio; não é perda,
mas sim conquista de progresso, de compreensão e de ascensão da vida. Reunir
em torno de si, como seus semelhantes, um número cada vez maior de seres é
multiplicar o próprio poder, é reencontrar-se e reviver neles uma vida
centuplicada. Os casos máximos de altruísmo são naturalmente patrimônio do
super-homem, levando o homem atual, que raramente sabe estender seu
altruísmo além do círculo familiar, a tomá-los hoje como casos extremos, por
cuja conquista, através de sucessivas aproximações, ele terá de lutar, ampliando
as fronteiras do eu, até abranger um dia a humanidade terrestre e outras
humanidades do universo, que então conhecerá. Quando o herói morre por sua
nação, quando o mártir se sacrifica pela humanidade ou quando o gênio se
desgasta pela ciência, seus egoísmos são tão amplos, que não mais podeis
concebê-los. Nesse momento, eles podem dizer: “eu sou a nação, sou a
humanidade, sou a ciência”, porque sua consciência unificou-se com elas.
Quando a abelha se sacrifica por sua família, ela não realiza um ato de altruísmo,
na verdade é a família que, tendo conquistado o instinto de um egoísmo coletivo
mais amplo, utiliza egoisticamente, para seu próprio bem, a célula abelha,
sacrificando-a. O homem julga heroico esse ato porque aplica à abelha aquele
conceito de altruísmo que, em circunstâncias semelhantes, aplicaria a si mesmo,
sem compreender que sua natureza é totalmente diferente, porque ele se
encontra em outra fase. No homem, o instinto coletivo está em formação; na
abelha, já está fixado, maduro, completo. No homem, esse ato não é a expressão
de uma necessidade imposta por um instinto definitivamente assimilado, mas
está na fase de formação (virtude), na qual, como já vimos, o ato requer esforço
e é sentido pela consciência. Se, na abelha, esse ato se estabilizou na fase
instintiva, subconsciente, espontânea, no homem ele atingiu apenas a fase inicial
de formação, fase heroica, virtuosa, trabalhosa, consciente. Também para vós,
a exigência de trabalho imporá a colaboração como uma vantagem. A
necessidade de alcançar metas cada vez mais elevadas, coisa irrealizável de
outro modo, estreitará num grande amplexo as velhas e novas gerações, que
hoje mal se conhecem. Um princípio de coordenação política mundial se imporá
como grande poupança de energias, que serão canalizadas para uma utilidade
mais elevada, e não para a luta recíproca entre os povos. A supressão da forma
cruenta de luta e o surgimento da colaboração compõem o caminho da ascensão
social. As estradas do altruísmo são paralelas às da evolução moral.
90
A Guerra. A Ética
Internacional
Hoje, os armamentos são uma dura necessidade, o que atesta, com demasiada
evidência, o estado selvagem do homem atual. Tendo em vista a fase atual de
inconsciência coletiva da humanidade, esse mal é necessário. Uma vez que a
arma do vizinho, guiada por uma psicologia de estrito egoísmo, está erguida e
pronta para golpear, não é possível depor as armas, pois, neste caso, elas
constituem indispensável condição de vida. É necessário que os povos se
conheçam, tocando entre si — tal como acontece com os indivíduos na formação
do direito privado — seus respectivos círculos de liberdade individual, pois assim
aprendem a respeitar-se e a coexistir, cedendo espaço aos direitos alheios e,
com isso, garantindo lugar para os seus, a fim de aderir à unidade coletiva da
humanidade, num estado de consciência coletiva superior. Não existe hoje um
verdadeiro e próprio direito internacional, sendo que as relações entre os países
ainda se encontram em estado caótico.
Como podeis observar, não falo de formas nem de métodos, mas vou sempre à
raiz dos fenômenos. Falo de maturação de forças biológicas. Não considero os
homens, mas as leis que os movimentam; não permaneço nos efeitos, mas
penetro nas causas. Ao mesmo tempo, também levo em conta a natureza
humana tal como ela é atualmente, bem como a lei que impera neste seu nível.
Se a guerra existe no mundo, é porque ela corresponde ao instinto da maioria,
constituindo a forma atual da seleção biológica e atuando como uma função
automática de equilíbrio demográfico. O homem normal é feito para a guerra
(seleção); a mulher, para a maternidade (conservação). Enquanto vos moverdes
neste ciclo e a guerra persistir na alma egoísta do mundo, as relações
internacionais serão baseadas na força e a quantidade será necessária como
meio de vida e de grandeza. Lembrai-vos, porém, que a quantidade jamais
poderá criar a qualidade. O valor supremo do homem não consiste em
abandonar-se irresponsavelmente à função animal de procriar, mas sim em
enfrentar, de forma consciente e responsável, a função moral de educar. Se não
for assim, a quantidade degrada a raça. Será possível, então, existir sempre o
mesmo círculo vicioso, onde o aumento do número leva à guerra e a guerra,
destruindo, leva à diminuição do número? Será possível que as duas grandes
forças, virilidade e maternidade, fiquem fechadas num eterno ciclo de
autodestruição?
Entretanto, à proporção que a evolução ergue o homem cada vez mais para
longe de suas origens animais, também eleva sua forma de luta. Aos três tipos
de homens que estudamos, correspondem os três métodos de combater, que
lembram os três níveis da substância: γ, β, α. Assim temos: luta material, na qual
ocorre a supremacia brutal do mais forte, mesmo que ilícita e injusta; luta nervosa
e volitiva, na qual existe a supremacia do poder da vontade, dos meios
mecânicos e econômicos, mesmo que isto não constitua convicção nem
vontade; luta espiritual, na qual o dinamismo físico-muscular e volitivo-nervoso,
é dominado pela supremacia espiritual e conceptual, propriedade do super-
homem, cuja luta, fundamentada na justiça, mobiliza o dinamismo das forças
cósmicas. Neste sentido, ele é o mais poderoso, embora humanamente inerme.
Lembrai-vos, porém, que, no alto, o arbítrio se anula e a desordem é rechaçada
para baixo. Ah! Se soubésseis quanta harmonia reina nos planos mais elevados!
Sei muito bem que o homem de hoje só se eleva até ao segundo tipo de luta,
sendo arriscado pedir-lhe antecipações imaturas e precipitadas do futuro. Existe
uma lei de estabilidade no desenvolvimento do que é novo, sendo imprescindível
secundá-la. Para se abandonar o velho, é preciso antes ter criado o novo. Depor
os instintos de luta, mesmo na sua forma mais baixa, pode significar, para os
povos de hoje, fraqueza e decadência. É necessário, antes, fazê-los superar a
atual fase evolutiva, ensinando-lhes a conquistar instintos mais elevados. Como
sempre, é preciso transformar o homem antes dos sistemas, a substância antes
da forma, começando por alcançar a consciência da responsabilidade que o uso
da força implica. O progresso não reside na renúncia à força — que pode ser
fraqueza de impotentes — mas sim no domínio da força, que constitui
consciência dos poderosos.
A escada da ascensão não se sobe senão degrau por degrau, solidificando antes
as bases. Nada de fáceis voos pindáricos nem barulheiras retóricas. Para que a
paz não seja utopia, mas sim um trabalho de aproximação áspero, tenaz e
prático, é necessário, antes, o amadurecimento das condições biológicas e
psíquicas. Já é muito ter o homem visto e compreendido, pela primeira vez na
história do mundo, o absurdo lógico, moral e utilitário da guerra. Esse absurdo
torna-se cada vez mais evidente, sendo a necessidade de repará-lo cada vez
mais urgente. Concomitantemente, o progressivo aumento do morticínio
causado pelos armamentos e o crescente peso econômico das guerras
despertarão o interesse coletivo, que se rebelará contra tantos desperdícios.
Aterrorizado pela possibilidade de destruições incalculáveis, o mundo se armará
concordemente apenas contra quem, querendo perturbar a ordem, arrisque a
destruição da civilização. Então a força sobreviverá somente como instrumento
de justiça, passando a ser um fator de ordem, e não mais de desordem.
Permanecemos, até agora, nos campos subumano e humano das mais baixas
criações biológicas, para focalizar melhor os pormenores de vossa atual fase.
Porém, subindo ainda mais, veremos que, tal como a evolução individual alcança
o nível do super-homem, a evolução coletiva também atinge a lei social do
Evangelho. Esta lei, hoje, embora represente uma completa inversão dos
sistemas humanos, surgindo como um absurdo aparentemente irrealizável, é,
contudo, a meta suprema e a realidade do amanhã. Nela, todos os problemas
da convivência são radicalmente resolvidos por um conceito simples: “Ama teu
próximo como a ti mesmo”. Trata-se da perfeição, sendo a lei de quem chegou
e o sonho de quem está a caminho para chegar. Mas o percurso é longo e difícil,
razão pela qual a temos visto, em sua realidade, como uma conquista efetuada
através de áspero esforço, porquanto, mais do que um fácil sonho para quem
ignora as resistências da vida, constitui verdadeiramente uma lenta realização.
No Evangelho, todas as divergências se harmonizam e todos os estridores se
abrandam numa paz substancial, num equilíbrio mais estável, que aprofunda
suas raízes no coração do homem. Eis a meta da evolução coletiva, o reino do
super-homem, a ética universal na qual a humanidade encontrará a coordenação
de todas as suas energias: o Evangelho, que colocamos no ápice da evolução
das leis da vida.
A distância que separa vossa atual vida desse vértice é imensa. Todos os vossos
atos e pensamentos estão permeados de luta, fazendo-vos perceber quão
distante está o Evangelho, porém, justamente por serem luta, são também
caminho de conquista. Dessa maneira, eles constituem a demolição da própria
luta, levando a uma progressiva aproximação do Evangelho, que, por ser um
nível diferente, significa um completo deslocamento do ponto de vista das coisas.
Os próprios acontecimentos humanos, quando observados de planos diferentes,
assumem valores diferentes. É a visão longínqua e global da alma que
conquistou a bondade e o conhecimento. Essas normas, que correspondem a
uma amplitude muito mais vasta do ângulo de visão, parecem-vos irrealizáveis.
Isto acontece porque o Evangelho somente pode ser alcançado por sucessivas
aproximações. Devido à sua elevação, ele permanece inacessível, quando
apresentado de súbito ao homem atual, que, por certo, não o compreende nem
o pratica. No entanto, se olhardes para mais longe, aprofundando-vos na
essência da vida, penetrando mais fundo na ciência e seguindo em frente, então
o Evangelho surgirá por si mesmo.
Não existe proporção entre valor e preço. Este, na maioria das vezes, não
corresponde ao custo da produção, e sim à maior ou menor capacidade que
apresenta de suportar o peso da exploração. É verdade, porém, que o esfaimado
poder da procura gera imediatamente a superprodução e equilibra-se com a
oferta, mas esse equilíbrio espontâneo é, com frequência, ultrapassado pelo
desequilíbrio originário do egoísmo, sempre voltado para reassumir a vantagem,
tão logo possa. Além disso, não há quem deixe de ver que o aumento de preço,
com base no simples fato de uma procura intensa e uma oferta escassa, esteja
distante da justiça, especialmente quando o consumidor se acha em condição
de necessidade e a penúria seja causada pela açambarcação.
Em vosso mundo não existe acordo entre capital e trabalho. Esses dois extremos
do campo econômico deveriam estender-se as mãos como irmãos. Torna-se
inútil a imposição de leis e sistemas, pois o capital está contaminado em suas
origens pela desonestidade, que o tornará infecundo; cada remédio e cada
controle ficam apenas na superfície, pois na alma não existe a consciência da
função social do capital, que, embora seja a destilação do produto do trabalho,
torna-se então um meio de opressão. Para superar os conflitos que oneram a
humanidade neste campo, é necessário também superar a inconsciência
egoísta, elevando-a até à consciência colaboracionista. Os dois polos, capital e
trabalho — como todos os contrários — são complementares, existindo para
completarem-se, porque cada um deles, sozinho, não se sustenta; são feitos
para unirem-se e fecundarem-se mutuamente, numa corrente de permutas
contínuas, que devem ser também amplexos de espíritos. Somente na união das
duas forças podem combinar-se praticamente os impulsos da balança
econômica. A única razão substancial que justifica vossas lutas é o fato de
constituírem elas um meio para chegar à compreensão, porquanto neste campo,
assim como em qualquer outro, a evolução é irrefreável.
93
A Distribuição da Riqueza
Não invejeis os ricos, porque essa riqueza pode ser uma prova, uma
condenação, uma condição de ruína. Observai como, por uma lei psicológica,
tudo que se ganha sem esforço é, por isso mesmo, destinado à dispersão, pois,
não tendo custado esforço, não é apreciado nem defendido. A hereditariedade
da riqueza é uma fábrica de ineptos, constituindo na verdade um processo de
autoeliminação da própria riqueza. Tudo que é herdado, mesmo se protegido
pelas leis, tende automaticamente à dissolução, estando a riqueza sujeita a uma
decadência que nenhuma barreira social ou legal poderá jamais impedir. As leis
da vida, embora trabalhando subterraneamente e em silêncio, atuam
constantemente e, por isso, quebram qualquer defesa social que, sendo peso
morto e superposição inerte, não esteja movida por um impulso íntimo, capaz de
fazê-la viver e agir em todos os instantes, para fins determinados. Enquanto isso,
debruçam-se ao redor outros esfaimados, muito mais bem treinados para o
trabalho; indiferentes às ilusórias adulações que a riqueza granjeia;
desembaraçados da paralisia imposta pela educação mais refinada; aguçados
em sua astúcia e ímpeto pelo desejo jamais saciado; impulsionados, com todas
as forças, pela necessidade à conquista e, portanto, destinados a vencer na luta
desigual.
Acreditais que a riqueza seja uma qualidade homogênea, igual em toda parte. É
preciso, no entanto, completar esse conceito econômico com outros fatores, que
sempre estão nele incluídos. Ela é uma força em movimento, cuja forma se
manifestará do mesmo modo como tiver sido definida no momento de sua
gênese. Há, por isso, diferença entre riqueza e riqueza. O lucro obtido no mal
não trará vantagens, mas sim prejuízos. Há dinheiro que não pode trazer
satisfação, razão pela qual sua posse não significa lucro nem riqueza, mas sim
perda e pobreza, pois ele foi substancialmente impregnado de qualidades
negativas, tornando-se uma força de destruição. O vício de origem dessa riqueza
não se apaga e irá levá-la à ruína, até que ele mesmo desapareça por
esgotamento da causa, pois o mal é negação e, antes de tudo, nega a si mesmo,
até à sua total autoeliminação. Este é o dinheiro maldito, que, tal como aquele
usado para pagar o campo de Haceldama, só traz maldição a quem o possui.
Os choques entre indivíduos e entre povos sucedem, para que eles se conheçam
e se combinem em unidades mais amplas e compactas. A luta é feroz porque
sois selvagens e somente deixará de sê-lo, quando modificardes esta vossa
condição. Na ordem da Lei, o progresso justifica a desordem e o mal presentes,
bem como vossa luta e seu esforço. Riscai as palavras “injusto” e “inútil” do
universo e dizei que tudo é proporcional aos valores dos seres. Se a luta, outrora,
foi física, mas é hoje econômica e nervosa, ela será amanhã espiritual e ideal,
tornando-se muito mais digna de ser combatida. Esta é a luta que hoje realizo
por antecipação, a fim de elevar o homem até à lei social do Evangelho. Não
acrediteis que a luta possa ser suprimida. De que outro modo poderia ser
realizado o objetivo da seleção e evitado o abastardamento do homem? A luta
jamais termina, no entanto ela se transforma. Vedes como eu também luto e
quão denodadamente o faço, embora em campo muito diferente, acima de
qualquer forma humana de agressividade. Também vós, hoje, lutais para atingir
essa meta ainda tão distante, trabalhando e sofrendo no campo social,
econômico, político, artístico e científico, para formar o homem digno de
compreendê-la e capaz de vivê-la.
96
Concepção Biológica
do Poder
Nestas conclusões sociais, está contido tudo o que é preciso para refazer o
mundo sobre princípios biológicos estritamente científicos, vinculados com o
funcionamento orgânico do universo fenomênico. Não insisto em pormenores,
porque, em meu sistema, tudo é orgânico. Uma vez fornecida a chave dos
fenômenos e exposto o princípio que os governa, é fácil concluir também nas
mínimas particularidades. Basta haver definido o edifício do universo em suas
linhas maiores. Estas conclusões poderão parecer irrealizáveis, por estarem
distantes da involução atual, mas não são quimeras, pois se movem e moveram-
se constantemente numa atmosfera de racionalidade. Esta filosofia vos pode
parecer utópica, porém ela, embora não trate de se unir e se ajustar ao
pensamento filosófico humano, enquadra-se e enxerta-se, com perfeita
aderência, no conjunto da fenomenologia do universo. Não se trata de uma
filosofia superficial, uma vez que, a partir da série estequiogenética em diante,
todos os fenômenos da matéria, da energia, da vida e do psiquismo a sustentam.
Toda essa estrutura conceitual não é uma simples sucessão de ideias, mas
representa uma concatenação lógica, pela qual as conclusões são
condicionadas desde as primeiras afirmações e reforçadas a cada passo neste
tratado. Percebei, além disso, que meu pensamento não se move no âmbito
estreito das concepções humanas, mas se expande amplamente por horizontes
vastíssimos e, por isso, coloca as metas fundamentais a grande distância, para
onde os milênios caminham com grande esforço. Indiquei dois limites máximos
ao vosso concebível, como metas da evolução humana: o super-homem para o
indivíduo e o Evangelho para a coletividade, que constituem, em substância, uma
única realização. Mas o pensamento não tem limitações.
Temos observado a evolução das mais poderosas forças sociais que operam
nas massas humanas para a formação de sua alma coletiva. Observemos agora
essas forças convergindo nesta alma ainda jovem — verdadeira central psíquica
e volitiva — para formarem a sua nova expressão: o Estado. Situado no centro
do organismo social, ele concentra o poder dirigente de todas as funções de um
povo. Compreendido dessa maneira, como poder, ele é o órgão psíquico
promotor e coadjutor das maturações biológicas individuais e sociais, já vistas
por nós. Sua função é formar o homem, estimulando as ascensões humanas.
Sua meta mais elevada é criar no campo do espírito. Toda a sua multíplice
atividade, jurídica, econômica e social, deve ser destilada nessas criações
espirituais, que são as únicas cujos valores se fixam na eternidade. Esta é a
função que justifica o monopólio da força, para impor a obediência ao cidadão.
Mas as posições supremas implicam supremos deveres, e ai dos órgãos
dirigentes que não executam suas funções!
O destino confia uma função ora a uma célula social, ora a outra, retirando-a tão
logo tal função se esgote. Na tempestade das revoluções, tal como no trabalho
dentro da ordem, o homem é sempre uma força, sendo substancialmente um
espírito que executa sua missão. Assim muda totalmente o conceito de
“governantes e governados”, que é reconduzido àquele de “vida-missão”, já
afirmado por nós em relação ao indivíduo. É a história que utiliza os homens para
seus fins, quando os coloca em evidência, e não os homens que a conquistam
para si, impondo-se a ela. A própria ideia de conquista e vantagem pode ser um
mecanismo necessário para movimentar as mentalidades inferiores. A massa
contém sempre uma reserva de grandes homens para todas as necessidades
da vida, que, tão logo precise, coloca em ação os valores de suas reservas,
chamando ora um, ora outro, de acordo com a respectiva especialização, para
tirar o máximo rendimento de cada personalidade. O conceito medieval de poder
hereditário é substituído hoje pelo conceito de poder conquistado por seleção
biológica, que exprime uma substancial potência individual de governo. A direção
suprema estará aberta para quem souber superar a prova de fogo, que é a única
garantia de valor intrínseco; superá-la para conquistar a posição e superá-la
diariamente para manter-se nela.
Hoje, o Estado não é mais apenas um poder central superposto a um povo. Esse
era o Estado embrionário, filho da monarquia. Não mais se admitem tais
superposições. Assim o Estado deixou de ser um poder central dominador, para
tornar-se o cérebro de seu povo, só podendo ser a expressão de uma
consciência nacional, de uma unidade de espíritos, baseada numa unidade
étnica. Se, em suas aglomerações nas unidades coletivas de cristais (com sua
orientação molecular, gênese e crescimento provenientes de um germe cristalino
e com sua capacidade de reparação das zonas mutiladas, através da
reconstrução exata da forma individual), as unidades primordiais da matéria já
atingiram tão perfeita e maravilhosa organização; se tanto psiquismo já explode
na matéria, fundindo as moléculas em unidades orgânicas, imaginai a perfeição
que terá de atingir e a maravilhosa complexidade de formas que terá de produzir
este mesmo psiquismo, para elevar-se, depois de tão longo caminho evolutivo,
à consciência social, expandindo finalmente seu impulso na criação das
superiores unidades coletivas humanas. Por esse caminho, o Estado
prosseguirá em sua evolução, não apenas representando, mas também
absorvendo e organizando um povo inteiro, num processo de descentralização
e concentração progressivas, que estabelecerá contatos cada vez mais intensos
entre periferia e centro. Nesse processo, a autoridade, ao invés de se pulverizar,
funde-se com o povo, formando uma corrente de fluxos e refluxos que torna o
Estado cada vez mais um organismo em funcionamento, consciente e compacto.
Hoje, já está nascido o Estado. Não podiam ser denominados assim os velhos
organismos políticos, que, baseados na superposição de classes, chegavam ao
absurdo inadmissível de um domínio estrangeiro. Hoje, um povo não é um
domínio, mas sim um organismo cuja alma é o Estado. Esta é a etapa hodierna
das unificações dos indivíduos em coletividades cada vez mais amplas, que
progridem da família à classe, à nação e à humanidade. Para se atingir a
condição de saber viver como unidade coletiva superior, é necessário passar
pelas unificações componentes menores, vivendo-as através de uma gradativa
maturação da consciência. São absurdos, então, os internacionalismos
abstratos, porquanto o mundo ainda trabalha para encontrar suas unidades
étnicas menores, que constituem sua atual criação, antes ignorada. Progredindo
em sua formação por continuidade, uma unidade coletiva não pode ser um mero
agregado ao qual são impostas leis externas por coerção, pois ela, para resistir
ao choque do tempo, tem de ser um organismo regido por uma consciência
coletiva, constituindo uma fusão de almas, cujo funcionamento só pode ocorrer
após longa maturação. Uma unidade só se mantém na medida em que tiver
alcançado sua formação e enquanto corresponder a outra íntima unidade
psíquica, que a mantenha coesa. Sendo simplesmente a veste externa de um
psiquismo coletivo, uma nação é a forma biológica desta unidade espiritual
superior.
Hoje, o Estado só pode ser povo, enquanto o povo só pode existir organizado
como Estado. A progressão das unidades e consciências diretoras continuará a
dilatar-se na evolução, até atingir uma unidade e consciência que abranjam toda
a humanidade, para prosseguir daí em direção a uma unidade e consciência
cósmica, compreendendo todo o universo. A luta é um esforço de transição e,
por isso, cessa quando a meta, que está numa unificação mais elevada, é
atingida. Esta é a tendência constante, constituindo o significado das grandes
tentativas de formação de impérios na história. O ser busca a unidade política,
científica e espiritual.
Essa oscilação entre os dois extremos, no entanto, não apenas cumpre a função
de restabelecer o equilíbrio da Lei, mas também constitui a técnica evolutiva na
qual é elaborado o homem, que forma o material político. Essa alternância de
sistemas não é uma simples compensação de contrários, mas sim um
escoramento mútuo entre impulsos e contraimpulsos, que formam um jogo de
forças através de cujo contraste surge um progresso íntimo. A eliminação do
arbítrio é obtida não apenas por controles externos, mas sobretudo pelo
amadurecimento de consciências. Quão mais moderada pode ser a oligarquia,
depois de um século de experiência democrática! Quão grande aprendizado
significa saber executar civilizadamente as revoluções, inclinando-se para o
povo e reencontrando na elevação deste a justificação da própria função! Com
quão grande maturidade é possível voltar à democracia, quando a oligarquia
cumpre sua função de formar a consciência de um povo! A que distância um
povo assim se encontrará daquele que, com a Revolução Francesa, começava
sua vida política! Quão mais civilizado e fecundo será o contragolpe num povo
que, como resultado de um poder centralizado, foi educado para saber eleger e
governar, tornando-se capaz de evoluir nas concepções sociais! Essa é a
evolução política da unidade coletiva, que ocorre paralelamente à evolução em
todos os campos.
Então os indivíduos, exercendo suas respectivas funções, que são todas elas
nobres, não se tornarão iguais por nivelamentos externos, mas se equilibrarão
na justiça da hierarquia, porque a diferença de posições corresponde a uma
diferença de valores, de funções e de deveres, equivalente à diferenciação
individual de aptidões hereditárias. Nesta justiça de divisão de trabalho, os
homens serão inevitavelmente irmãos, porque se farão necessários uns aos
outros no organismo, no qual não apenas o significado e o valor da vida de cada
um se elevarão, mas também será impossível alguém agredir ou demolir sem
demolir a si mesmo. Neste organismo, obedecer não é servidão, mas sim
valorização; não é diminuição, mas sim conquista. Ao fazer parte dele,
assumindo a sua posição de célula no organismo coletivo, e não mais apenas
constituindo apenas um número, o indivíduo crescerá. O novo conceito não é
uma rebelião do individualismo em prejuízo da coletividade, mas sim uma fusão
do individualismo no coletivismo, um individualismo organizado, que se valoriza
na ordem coletiva. Ai do Estado que anula o indivíduo, mas ai também dos
indivíduos que se sobrepõem ao Estado.
O novo Estado tem que possuir o monopólio da força, pois, embora ela seja uma
necessidade de vossa vida involuída, a privação do seu emprego por parte do
indivíduo já constituirá um progresso, porquanto o seu desuso enfraquecerá os
instintos antissociais. Esse Estado, que não pode ser agnóstico, deve ter
resolvido os maiores problemas do conhecimento, pois precisa ter uma
concepção ampla da vida, para fazer o indivíduo compreendê-la e colocá-la em
prática; deve saber compreender o homem, seus instintos e seu destino,
penetrando o mistério de sua personalidade, a fim de poder colocá-lo em seu
lugar e obter dele o máximo rendimento. No princípio, o centro realizará um mero
enquadramento de massas, porém no futuro ocorrerá a fusão de almas. Nesse
Estado, Deus é imprescindível, assim como o conhecimento de sua ordem
divina, cujo funcionamento a ciência deve demonstrar, para que, nessa ordem,
o Estado encontre suas bases racionais. Concepção imensa de uma fé social e
científica, da qual participarão em paz todas as religiões. Este é o Estado da
nova civilização do Terceiro Milênio.
Então o trabalho, iluminado por finalidades superiores, não constitui mais uma
condenação, mas é triunfo cotidiano sobre a matéria, é uma vitória da vontade e
do espírito, é um ato viril de domínio. O Estado, na elaboração de seus órgãos,
reunirá os cidadãos num fecundo abraço produtivo. Os indivíduos que não se
organizarem, para se valorizarem neste novo poder coletivo, estarão destinados
à eliminação. Se as velhas unidades econômicas, pequenas e isoladas, tinham
a vantagem da independência recíproca, que circunscrevia as crises, hoje o
progresso já organizou as necessárias relações e permutas mundiais, que,
tornando o organismo econômico mais perfeito e compensado, também o
deixam mais vulnerável. Essa vulnerabilidade impõe um regime de colaboração.
Em sentido mais amplo, a moderna capacidade de especialização de funções dá
ao indivíduo involuído e isolado probabilidades cada vez menores de
sobrevivência. Quanto mais perfeito e diferenciado é o indivíduo, mais vulnerável
ele se torna, porém tanto maiores são a sua capacidade e a sua necessidade de
viver em coletividade. Essa sua fraqueza diante do homem primitivo, essa sua
perda de adaptação, é a força que mantém coesas as unidades coletivas, que,
por isso, não estão dispostas a se desagregarem.
Um dos grandes erros do século foi ter visto e colocado em evidência o lado
involuído da sociedade humana. A incompreensão entre capital e trabalho,
gerando a luta de classes, manifestavam no campo econômico a visão universal
materialista imperante. O Estado não deve manifestar essa luta, mas sim
dominar todas as atividades econômicas; deve ser o organismo ético que
absorve todas essas atividades, dando-lhes conteúdo moral e social, para elevá-
las a função.
Quem será o chefe desse novo organismo para o qual se dirige toda a vida?
Como a história o escolherá e o evidenciará? Há momentos em que a história
atravessa curvas decisivas, preparando a fase conclusiva de um ciclo milenar,
no qual imensas maturações sociais estão iminentes na aurora de novas
civilizações. A humanidade sente-se então perder-se em crises e conflitos, onde
todo o passado parece ruir. Nesse momento, o gênio é conclamado pelas forças
da vida, para que interprete e crie, sendo trazido à luz pelos equilíbrios da Lei,
que o valorizam em plena eficiência. As forças do imponderável convergem no
sentido de sustentá-lo, para que ele se erga e construa. Então o homem que,
através de um íntimo trabalho, realizou intensamente sua maturação biológica,
é chamado, atraído por meio da linha de sua maior especialização, para dar todo
o seu rendimento à obra coletiva, que lhe é confiada e se torna sua. A vida do
chefe é missão suprema. Esses fenômenos não são mistério para nós, que
sempre nos mantemos ligados à substância, movendo-nos no imponderável.
Assim o chefe será caracterizado não só por sua grandeza, mas também pelo
cumprimento do seu dever; não só por sua realização, mas também pelo seu
esforço empreendido; não só por sua vitória, mas também pela sua exposição
ao perigo. Nesta função e neste perigo residem a justiça da suprema lei de Deus
e a base, antes divina que humana, de uma investidura sagrada, que é missão
na vida; residem seu direito de comando e o dever dos povos de obedecer-lhe,
unidos todos diante de Deus, trabalhando na mesma obra, como operários de
diferentes especialidades.
Ele está lá e lá permanece. Somente por valor intrínseco pode ele resistir numa
posição que, por sua altura, está exposta a todos os raios. Esses são os reais
controles do poder, as verdadeiras garantias do valor e do rendimento do
homem, porque o assalto é tenaz a cada minuto e a guerra é sem tréguas; aí
não existem muletas para os fracos, estando eliminada a possibilidade de mentir
perante as leis da vida. Eis o direito substancial, o direito do valor, do
merecimento, da função, da missão, e não apenas aquele da legalidade formal.
O chefe lá está porque é o órgão máximo de uma vida coletiva maior, e lá
permanece, invulnerável, pelas mesmas invioláveis leis biológicas, até que sua
função social se esgote.
O poder que vem do alto possui um conteúdo muito diferente daquele concedido
de baixo. É dever, e não direito; é função, e não conquista; é ordem, e não
arbítrio. Para o super-homem, que vê o infinito e não admite abusos, a
investidura é sacrifício e missão, envolvendo-o completamente e entrelaçando-
se indissoluvelmente com seu destino; seu prêmio é eterno, encontrando-se
além da vida. Guia-o a mão de Deus, que ele, sob seu próprio comando,
obedece, buscando somente doar-se, para realizar-se a si mesmo. Constituindo
o cérebro de um povo, ele é a superelevação que guia e ilumina a revolução
biológica, impelindo a vida para suas fases supremas. Ele engasta seu trabalho
na série das criações históricas dos milênios, ao longo dos quais os homens são
escolhidos, para empreenderem um trabalho encadeado. Realiza em sua fase,
em perfeita correspondência com os momentos históricos precedentes e
posteriores, a eterna evolução social, amadurecendo o passado e antecipando
o futuro. Abebera-se em sua própria fonte e vê a transformação da atividade
social acompanhar sua visão, que se fixará na evolução jurídica. Educando, cria
a consciência coletiva, pois sabe que essa criação interior antecede a
compreensão e é a base da vida das instituições, que depois a exprimem.
Independente da ciência humana, sua visão guia seu braço, estendido numa
atitude de comando em direção ao futuro. Constitui uma força em meio a um
turbilhão de forças, indo ao encalço de novas civilizações. Sua vontade, guiada
pela intuição exata das correntes de pensamento e da vida do mundo, conecta-
se ativamente à lei cósmica da evolução. Criando instituições sociais mais
avançadas, enquadra em novas formas os valores morais dos séculos.
Essa é a criação biológica confiada ao chefe pela Lei. A nova alma coletiva está
prestes a se desenvolver e se afirmar. Ele supervisiona os primeiros movimentos
desta sua filha ainda criança, guiando-a e educando-a. Do conceito de Estado-
rei ao de Estado-classe social e ao de Estado-povo, assim como do poder
absoluto ao poder representativo e ao poder-função, à medida que a consciência
coletiva ascende e se dilata, o poder desce e se descentraliza. É a ascensão do
espírito, que, progressivamente, purifica o princípio de sua escória. Nos
equilíbrios biológicos, a medida do comando é dada pelo grau de consciência
atingido. Enquanto não amadurecerem, os povos continuarão precisando mais
de mestres do que de liberdade, mais de guias do que de mando. Olhando para
seu povo, o chefe vê que é seu aquele corpo, é sua aquela alma, são seus
aqueles tormentos, aquelas esperanças e aquelas vitórias. Chefe e povo
compõem, assim, uma unidade indissolúvel. O mundo está em marcha, e a
realidade biológica impõe: ou evolução ou morte.
100
A Arte
Começareis novamente, com meios novos, mas, acima de tudo, com uma ideia
nova. O segredo de uma grande arte consiste em saber realizar o milagre da
revelação do mistério das coisas, em saber exprimi-lo à luz dos sentidos, após
íntima e profunda comunhão com o mistério que palpita na alma do artista. Este
deve ser um vidente, para lidar de modo normal com o supernormal, onde tudo
é espírito e vossa concepção de vida comum não chega. A nova grande arte
deve ser integral, presumindo, portanto, não o indivíduo agnóstico ou meramente
técnico, mas sim o artista completo sob todos os aspectos do espírito, cuja
maturação biológica tenha alcançado o nível do super-homem. É indispensável
que o homem não somente tenha englobado em si a visão do universo, mas
também tenha nela atingido as mais profundas concepções de vida.
A valorização apenas da técnica é própria dos períodos de decadência; a arte
cujo valor tenha passado da substância à forma torna-se adornada, preciosa e
decadente. Quem tem algo de substancial para dizer, o faz da forma mais
simples. No entanto é preciso ter algo a dizer, uma grande visão e uma grande
paixão na alma, para que a forma não assuma a primazia. É necessário dominar
esse revestimento do pensamento; estar prevenido defensivamente contra as
hipertrofias do meio, que sufocam o fim; impedir que a técnica, serva humilde do
conceito, quando este era grande em suas origens, queira depois agigantar-se,
para sufocá-lo na maturidade de sua perfeição. Quando a ideia se cansa, a forma
emerge na decadência. Surge então a luta entre a vestimenta e a substância,
que, tão logo ceda, é invadida e dominada pelo crescimento da outra. Dá-se
assim a prevalência dos valores inferiores, quando aqueles mais elevados
decaem. É a degradação do fenômeno artístico, cujo desenvolvimento também
tem seus ciclos, que são os mesmos do fenômeno psíquico. Na evolução da
arte, há uma espécie de inversão de relações entre a grande riqueza de
conceitos na pobreza da forma, durante o período de criação, e a grande riqueza
de formas na pobreza de conceitos, durante o período de decadência! Uma
relação transforma-se gradualmente na outra. O ciclo evolutivo da técnica, por
nascer mais tarde e, por isso, ser mais jovem que o ciclo evolutivo da ideia,
sobrevive a este e o substitui, mas seu crescimento significa o declínio do
princípio animador da arte.
Entendo por arte a expressão dos princípios que estão na harmonia da Lei,
verdadeiros em todos os campos, seja na literatura, na pintura, na escultura, na
arquitetura ou na música. A música atual, como tudo o mais, evolui em
profundidade. Sua atual evolução representa a passagem de sua dimensão
linear de melodia, para sua dimensão volumétrica de sinfonia. A simples
sucessão de sons da música melódica, à proporção que ascende à fase superior,
na qual conquista o espaço e o volume, dilata-se em extensão e profundidade
de sentimentos, passando da expressão das paixões mais elementares (amor e
vingança) aos sentimentos elaborados por uma sensibilidade mais complexa,
num processo que descreve todas as harmonias e belezas da criação. A música
volumétrica sinfônica deveria inspirar-se cada vez mais numa estrutura de
perspectiva, cujo desenvolvimento dos vários motivos, mesmo harmonizando-se
com a concepção única do quadro, permanecesse distanciado nos diversos
planos. Resultaria disto, na sinfonia, uma grande profundidade de perspectiva,
na qual o motivo ou motivos do primeiro plano se distanciariam dos
desenvolvimentos sinfônicos de fundo, estabelecendo um distanciamento em
sentido não apenas sinfônico, mas também conceitual e emocional. O motivo só
pode ser a expressão de uma forma-pensamento que nasce, desenvolve-se e
morre, dominando ou subordinando-se; que se aproxima ou se afasta, tocando
e influenciando as outras; que passa, volta e apaga-se, sobrevivendo na
recordação. O motivo deve ser a voz de uma vida que deseja e pode revelar-se
completamente, pois a música, superando a beleza estampada nas linhas do
desenho e indo além da riqueza dos tons, que dão cor à pintura, possui o
supremo dom do movimento, no qual se exprime o devenir da vida.
Vossa arte futura, descendo de Deus para elevar a Deus, será sadia, cumprindo
uma função educadora. Se assim não for, ela será veneno. A verdadeira arte
não permanece na terra, mas deve elevar-se ao céu, para tornar-se instrumento
de ascensão espiritual. Necessitais saciar-vos nas fontes da verdade, que teve
aqui suas portas escancaradas. A arte precisa iluminar-se com a luz do espírito,
o qual fiz reviver entre vós. Dei-vos, tanto no campo científico e social como no
campo artístico, uma ideia imensa para exprimirdes, que vos fala da harmonia
de todos os fenômenos, da ascensão de todas as criaturas e de vosso
amadurecimento biológico. A arte apodera-se então da ciência. É verdade que
não soubestes atribuir um conteúdo espiritual à ciência, porém basta dar-lhe uma
fé, para que ela se torne arte. Que imenso mundo novo e inexplorado, que
sinfonia de concepções cósmicas para exprimir! O futuro da arte está na
expressão do imponderável. Que riqueza de inspiração pode descer sobre a
Terra, vinda do alto, por intermédio do artista sensitivo! Que oásis de paz, para
refúgio da alma, nessas visões do infinito!
Vossos palcos ignoram estas imensas tragédias, porque estes conceitos exatos
faltavam antes ao mundo. Era vaga a intuição dos grandes problemas, o que
tornava incerta a reconstrução do destino humano. Há sempre uma zona de
nebulosidade na qual se aninha a dúvida e o mistério. Está na hora de
ultrapassar o ciclo restrito das baixas paixões de fundo animal. O teatro não deve
ser palco de involução, explorando as multidões, mas sim de evolução,
educando-as, razão pela qual ele não pode constituir uma questão econômica,
mas deve ser função do Estado. A arte deve superar os loucos futurismos e
tomar como fundo o infinito e a eternidade, tendo por ator o espírito, que, numa
vida sem limites, debatendo-se entre a luz e as trevas, conquista sua libertação.
No céu e na terra ressoa a imensa tempestade que as forças do mal
desencadearam. Apresentai este drama apocalíptico — seja qual for a forma de
arte que desejais exprimi-lo — expondo-o sem símbolos, em sua nua potência
dinâmica de conflito de forças, suspenso nas dimensões do tempo, entre a
revelação bíblica e o ideal científico.
Nossa longa viagem está terminada. Tudo já foi demonstrado e está concluído
até às últimas consequências. A semente está lançada no tempo, para que
germine e frutifique. Dei meu verdadeiro testemunho, e minha obra está
completa. O pensamento desceu e, imobilizando-se na palavra escrita, não
poderá mais ser destruído por vós. Está demais antecipado para ser todo ele
imediatamente compreendido. Nem todos os séculos são capazes de
compreender totalmente uma ideia, sendo necessário, para vê-la sob novos
ângulos, mudar a perspectiva, desenvolvendo uma nova psicologia. Vosso
julgamento está viciado por uma visão imediatista, mas os anos passarão,
levando-vos, quando tiverdes visto o futuro, a compreenderdes em profundidade
esta Síntese, que enquadrareis na história do mundo. Para alguns, esses
conceitos ainda estarão situados fora do concebível. Outros se recusarão ao
trabalho de compreendê-los, porque não encontrarão neles um meio para
desfrutar uma vantagem imediata. Outros procurarão afastar a verdade, porque
ela perturba o ciclo animalesco de suas vidas, e continuarão a dormir. A esses
falará a dor. O cerco aperta-se, e amanhã será muito tarde.
Vós vos moveis no infinito. A vida é uma viagem, na qual só possuís vossas
obras. A cada hora se morre e a cada hora se renasce, mas sempre como filhos
de vós mesmos. A evolução, pulsando segundo o ritmo do tempo, não pode
parar. Vedes apenas através de uma falsa perspectiva psíquica. É preciso
conceber não as coisas, mas a trajetória de seu transformismo; não os
fenômenos, mas seus respectivos períodos. Tendes de vos colocar
dinamicamente na fluidez do movimento; tendes de vos realizar, neste mundo
de coisas transitórias, como seres indestrutíveis, num tempo que só pode levar
a uma continuação, lançando-vos para um futuro eterno, cujas portas a evolução
vos abre.
Uma grande atração governa todo o universo: o Amor, que canta na arquitetura
das linhas, na sinfonia das forças e nas correspondências dos conceitos, estando
sempre presente. Chama-se atração e coesão no nível da matéria; expansão e
transmissão no nível da energia; impulso de vida e de ascensão no nível do
espírito. É a harmonia na ordem cinética, segundo a qual funcionam nossa
respiração e a respiração do universo. Ousamos desvendar o mistério e olhar
sem véus a Lei, que é o pensamento de Deus. Em todos os campos, vimos os
momentos desse conceito que governa tudo. Que os bons não tenham medo de
conhecer a verdade.
Aqui fala também o coração, exortando-vos a subir. Aqui reside um imenso amor
pelos homens, como Cristo sentiu na cruz; há um imenso desejo de beneficiar,
iluminando. Este livro quer ser um ato de bondade e de bem, num plano
vastíssimo, contendo em sua férrea racionalidade o ímpeto de uma alma cuja
visão alcança o futuro e enxerga nele a tempestade que vos espera.
Compreender é simples e natural na fase intuitiva. Somente aceitei a ciência, as
pesquisas e a racionalidade como um meio imposto pela vossa psicologia. Se
alguém quiser atacar esta doutrina, a fim de demoli-la, irei ao seu encontro de
braços abertos, para dizer-lhe: és meu irmão, e só isto importa de verdade. Sei
que estes conceitos encontram-se de tal forma afastados deste mundo, feito de
mentira e de desconfiança, que vos parecem inaceitáveis e inconcebíveis. Mas
minha linguagem precisa ser substancialmente diferente.
Este é um desesperado apelo para que o mundo encontre sabedoria. No coração
dos homens e de seus sistemas dominam o egoísmo e a violência; prevalece o
mal, e não o bem. A civilização moderna lança as sementes com grande
velocidade e aguarda a produção intensiva de sua dor futura. Será a dor de
todos. Poderá tornar-se a maré demolidora que destruirá a civilização. Os meios
estão prontos para que, hoje, um incêndio se alastre por todo o mundo. Falei aos
povos e aos chefes, religiosos e civis, em público e em particular. Depois da
conciliação política entre Estado e Igreja, na Itália, urge esta conciliação maior,
espiritual, entre ciência e fé no mundo. Se um princípio coordenador não
organizar a sociedade humana, ela se desagregará no choque dos egoísmos.
À ciência digo que, enquanto ela não for fecundada pelo amor evangélico,
permanecerá sendo uma ciência de inferno. É inútil o progresso mecânico que
faz da Terra um jardim, se nesse jardim morarem apenas feras. A Terra é um
inferno porque vós sois demônios. Tornai-vos anjos, e a Terra será um paraíso.
Não vos rebeleis, mas aceitai todo o trabalho que vosso destino vos oferece.
Contendo todas as provas adequadas, mesmo se pequenas, vosso trabalho já é
perfeito. Sendo assim, não procureis alhures grandiosos heroísmos. Os
pequenos pesos que se suportam por muito tempo, representam muitas vezes
um esforço, uma paciência e uma utilidade maior. As provas implicam um
trabalho lento para a sua assimilação; a construção do espírito tem de ser
executada em cada minúcia; a vida é toda vivida momento a momento, contendo
a cada instante um ato e um fato que se liga à eternidade. Lembrai -vos de que
o destino não é malvado, mas sempre justo, mesmo se as provas são pesadas.
Lembrai-vos de que jamais se sofre em vão, pois a dor esculpe a alma. É inútil
rebelar-se contra o próprio destino, pois sua lei obedece a equilíbrios profundos.
Há dores que parecem matar, mas elas jamais se apresentam sem esperança.
Nunca sereis onerados acima de vossas forças. A reação das inexauríveis
potências da alma é proporcional ao assalto. Tende fé, ainda que o céu esteja
em trevas, o horizonte se encontre fechado e tudo pareça acabado, pois sempre
haverá à vossa espera uma força para vos fazer ressurgir. O abandono e sua
sensação fazem parte da prova, porque só assim podereis aprender a voar com
vossas próprias asas. Mesmo quando dormis ou ignorais, o destino vela e sabe,
constituindo uma força sempre ativa na preparação de vosso amanhã, que
contém as mais ilimitadas possibilidades.
Esses ideais foram ensinados na Terra. Mártires morreram por eles. Haverá, no
entanto, algo que não tenha sido explorado pela hipocrisia do homem? Muitas
vezes, os ideais, para serem divulgados, utilizam exatamente esta sua
capacidade de sofrer a exploração, à semelhança do fruto que se deixa devorar,
a fim de fazer a semente ser levada para longe. Existe a classe dos construtores
e existe a classe dos demolidores, que, atuando como parasitas, operam através
da mentira uma contínua degradação de todos os valores espirituais. Há quem
construa à custa de tormentosos esforços, e há quem utilize tudo para si,
agarrando-se a tudo como um lastro, para baixar tudo ao próprio nível. Um é
espírito que vivifica, outro é matéria que sufoca. O princípio puro, então,
infecciona-se, adquirindo sabor de mentira. Este é o processo de degradação
dos ideais. Ai dos culpados que demolem o esforço dos mártires! Ai de quem faz
da missão uma profissão, colocando o espírito como base de poder humano! Ai
de quem mente e induz à mentira; de quem, pelo abuso, induz ao abuso; de
quem, dando exemplo de injustiça bem sucedida, proponha-a como uma norma
de vida! Realizada uma ação, não podeis mais anulá-la, até que se esgotem e
sejam reabsorvidos seus efeitos. Ai da sociedade que, deixando de colocar seus
melhores elementos na posição de rendimento correspondente às suas
capacidades, relega-os ao esquecimento, abandonando seus mais elevados
valores à apatia e à incompreensão. Assim como é tardio o remorso por um
tesouro perdido, são inúteis os reconhecimentos póstumos. Ai das religiões que
não cumprirem sua tarefa de salvar os valores espirituais do mundo! O espírito
não pode morrer e ressurgirá alhures, fora delas. Ai dos dirigentes que não
obedecerem ao Alto, recusando-se a atender à voz da justiça, que reside na sua
própria consciência! Ai de quem desperdiçar seu tempo, deixando de fazer de
sua vida uma missão!
Um julgamento final vos aguarda a todos, não por obra de um Deus exterior a
vós, ao qual se possa enganar ou enternecer, mas sim pela atuação de uma lei
onipresente no espaço e no tempo, a qual, pelo fato de estar dentro de vós e de
todas as coisas, não pode ter sua reação detida por nenhuma distância ou prazo,
sendo-vos impossível escapar a ela. Haverá, por ventura, alguma forma de evitar
ou enganar a lei da gravidade? Por essa mesma razão não se evita nem se
engana a reação da Lei, que cumpre a justiça divina.
Deixo-vos agora, dirigindo minhas palavras finais a quem sofre, que é grande na
Terra, porquanto regressa a Deus. Se destruirdes a dor, destruireis a vós
mesmos: “Felizes os que choram, porque serão consolados”. Não temais a
morte, que vos liberta. Tudo é indestrutível na eternidade, portanto também vós
e vossas obras. Minha última palavra é de amor, de paz e de perdão para todos.
Minha obra está terminada. Se, daqui a muitos anos, uma humanidade diferente,
bem maior e melhor, olhando para trás, pesquisar esta semente — lançada com
uma antecipação muito grande, para que fosse logo fecundada pela
compreensão — e admirar-se com o fato de ter sido possível tal antecipação aos
tempos, tenha ela então um pensamento de gratidão para o ser humano que,
sozinho e ignorado, realizou este trabalho, através de seu amor e de seu martírio.
FIM
Vida e Obra de
Pietro Ubaldi
Sinopse
O Homem
Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em 18 de
agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade onde iria
nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fica situada a
18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, as cidades
franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo grande poverelo
de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais e os prazeres
deste mundo.
Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo
franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia
sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto
proporcionado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única
herdeira do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi.
Assim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana.
Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmente,
ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual.
A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a
orientação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser
católicos praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada
Conceição, no interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais,
aos professores, à família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as
obrigações palacianas lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total
libertação. A primeira liberdade se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua
mãe que o mandasse à escola, e aquela bondosa senhora atendeu o pedido do
filho. A segunda liberdade, verdadeiro desabrochamento espiritual, aconteceu
no ginásio, ao ouvir do professor de ciência a palavra “evolução”. Outra grande
liberdade para o seu espírito foi com a leitura de livros sobre a imortalidade da
alma e reencarnação, tornando-se reencarnacionista aos vinte e seis anos. Daí
por diante, os dois mundos, material e espiritual, começaram a fundir-se num só.
A vida na Terra não poderia ter outra finalidade, além daquelas de servir a Cristo
e ser útil aos homens.
Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas jamais
exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se
poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol,
português e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes
filosóficas e religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em
pleno Século XX. Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe
facilitou o cumprimento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de
Roma foi sobre A Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito
elogiada pela banca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela
Editora Ermano Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi
lhe deu como prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.
Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que
escolheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e
fina educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu
para o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta
Solfanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não
estava nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu
destino. Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais
franciscanos. Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram
três filhos: Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco
(morto em 1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo
— 1975).
Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por conta do
administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace
matrimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto
de pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando
aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a
maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi
assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia
franciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e
renunciava todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material
existente. Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para
o Liceu Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia — região situada no extremo sul
da Itália — onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso
e foi transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte
da Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou
durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto
humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani
— Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha.
A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias — “Gênese da
II Obra”): dos 5 aos 25 anos — formação; 25 aos 45 anos — maturação interior,
espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos — Obra Italiana (produção conceptual);
dos 65 aos 85 anos — Obra Brasileira (realização concreta da missão).
O Missionário
Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão
franciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São
Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pietro
Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de Colle
Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.
Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além de
profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Síntese e
Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra
ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos na
Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.
São Vicente (SP), célula mater do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pietro
Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa pátria,
desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande Síntese,
que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Mensageiro de
Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971, com
dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte aconteceria
logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São
José, quarto nº 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quando
vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de
poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado.
A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma nova
concepção de vida.