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SUMÁRIO:

FINANÇAS PÚBLICAS SOB O ENFOQUE DISTRIBUTIVO NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO


FEDERAL DE 1988 | Guilherme Delgado............................................................................................... 04
REFORMA DA PREVIDÊNCIA: APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA DE OUTROS PAÍSES E COM A NOSSA
TRAJETÓRIA | Milko Matijascic ............................................................................................................ 09
A SAÚDE NA REESTRUTURAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL E DA EDUCAÇÃO: PELA REDUÇÃO DA
DESIGUALDADE SOCIAL | Carlo HG Zanetti ........................................................................................ 14
SEMINÁRIO REESTRUTURAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL E DA EDUCAÇÃO .................................19
FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO E OS ATAQUES DA MERCANTILIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO AO FUNDO
PÚBLICO | Natalia de Souza Duarte .....................................................................................................20
EDUCAÇÃO E CULTURA POPULAR
Maria Luiza Pinho Pereira .......................................................................................................................25
CAMPANHA PELA REDUÇÃO DA DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL ................................................... 30

EXPEDIENTE:
COORDENADORA DA PUBLICAÇÃO REDAÇÃO PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO TIRAGEM
Natália Duarte – ANPAE/DF Manoel Castanho e Natália Kenupp Antonio Rubens (61) 99976-8608 1.000 exemplares
CONSELHO EDITORIAL SECRETARIA IMPRESSÃO
Wellington Leonardo da Silva Jane Silva e Raphael Pacheco Cidade Gráfica e Editora Ltda
Maria Cristina Araújo
Gilson Duarte

APOIADORES:

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EDITORIAL

T
enho a honra de, representando as enti- transferir aos hospitais públicos as verbas ne-
dades que compõe o Fórum Nacional pela cessárias, que são pagas por cada um de nós
Redução da Desigualdade Social, apresen- com nossos impostos; e os segundos, por não
tar nossa primeira revista. Seus artigos foram pagarem o que devem quando lá desovam seus
produzidos pelos palestrantes do nosso primei- clientes para atendimento.
ro seminário, realizado em dezembro de 2018, Em relação à Previdência pública, isto
no qual foram discutidas questões relacionadas aconteceu no Chile, onde trabalhava Paulo
à Reestruturação da Seguridade Social e da Edu- Guedes durante o governo do ditador sangui-
cação. nário Augusto Pinochet. Atualmente, o traba-
Com esta publicação, o Fórum vem contri- lhador chileno se aposenta para receber entre
buir para levar à sociedade, em linguagem aces- R$ 360,00 e R$ 480,00, valores convertidos do
sível e amparada em argumentos técnicos de peso chileno, e o nível de suicídio de aposen-
profissionais da mais alta competência, visões tados, em função das condições de miséria em
diferenciadas capazes de permitir o mais amplo que foram submetidos, atingiu para os maiores
debate sobre os problemas sociais brasileiros, de 80 anos, considerando taxa média por cada
apresentar alternativas às políticas criminosas 100.000 habitantes, o percentual de 17,7%.
que estão sendo cometidas contra o nosso povo Para os que têm entre 70 e 79 anos, 15,4% em
pelos atuais ocupantes dos Poderes Executivo, média. O Chile detém hoje a mais alta taxa de
boa parte do Legislativos e do Judiciário, em de- suicídios da América Latina.
fesa dos interesses dos bancos e rentistas. Nestes tempos de obscurantismo político
Apenas como um dos vários exemplos pos- e de ameaças à democracia, nos quais alguns
síveis, faço um paralelo entre os planos de saú- juízes formam gangues com procuradores da
de privados e os futuros planos de previdência República para ganharem ministérios no futuro,
complementar, também privados, como deseja o Fórum pela Redução da Desigualdade Social
o “filho de Chicago” Paulo Guedes. O resultado continuará trabalhando e produzindo informa-
da destruição da Previdência Social no Brasil, e ção técnica de qualidade para estimular os de-
podem esquecer o título “Reforma da Previdên- bates e as tomadas de posição dos excluídos,
cia”, será o mesmo surgido da transformação da os quais representam milhões, neste País onde
saúde em negócio privado. Ou seja, quem pode 0,9% dos habitantes detêm pelo menos 60% da
pagar R$ 2.000,00 ou mais por um plano de saú- riqueza.
de tem assistência; quem não puder morrerá
na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) que o Não nos intimidemos e vamos à luta!
governo federal e os próprios planos de saúde
privados tratam de matar. O primeiro, por não Boa leitura!

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Finanças Públicas
sob o Enfoque Distributivo nos 30 anos da
Constituição Federal de 1988
Guilherme Delgado*

O sistema de finanças públicas brasileira mitigar e finamente expelir as finanças sociais


do ordenamento constitucional; erigir a despe-

O
texto constitucional original (1988) dei- sa financeira ilimitada e a Dívida Pública idem
xa claro a pretensão de estabelecer um como espaço privilegiado de abrigo aos pro-
subsistema de finanças sociais, anco- prietários da riqueza financeira.
rado principalmente no Orçamento da Segu- A ‘práxis’ concreta da política pública
ridade Social e nas vinculações tributárias às opera com muita articulação nos vários subsis-
políticas sociais específicas da Seguridade So- temas que compõem um sistema de finanças
cial e da Educação. Essas vinculações são uma públicas – moeda, tributação, orçamentos, dí-
espécie de suporte de meios financeiros espe-
cíficos no Título que trata “Da Tributação e dos
Orçamentos” (TítuloVI), para suprir adequada-
mente as políticas sociais, tratadas em termos
de Diretrizes Gerais no Título VIII – Ordem So-
cial e nos Princípios Fundamentais e Direitos
e Garantias, declarados nos Títulos iniciais da
Constituição (I e II). No entanto, a Constituição
de 1988 contém conjunto do ordenamento
das finanças públicas que persegue outros ob-
jetivos, que sinteticamente poder-se-ia decla-
rar como de privilégio distributivo aos proprie-
tários da riqueza financeira. Guilherme Delgado - Possui doutorado em
A evolução no tempo das Emendas Cons- Ciência Econômica pela Universidade Estadu-
titucionais sobre matéria de finanças públicas, al de Campinas (1984). Tem experiência na
principalmente a partir do Plano Real, revela área de Economia, com ênfase em Economia,
atuando principalmente nos seguintes temas:
um sentido muito claro, simultaneamente coe- agricultura, política agrícola, política social,
rente e perverso do ponto de vista distributivo: previdência social e previdência rural.

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vidas públicas e haveres públicos, em linha da irres- põe o Estado Constitucional, para sua própria reprodu-
ponsabilidade social e fiscal, não limitação fiscal do ção, como e principalmente para cumprir as funções
gasto financeiro e inimputabilidade criminal do ilícito econômico-sociais a que o Estado está explicitamente
fiscal-financeiro, critérios que convertem o sistema designado nos demais Títulos; e bem assim de outras
em campo aberto à desigualdade distributiva, como funções derivadas, que se exercitam pelas operações
também ao desequilíbrio financeiro estrutural, mate- de políticas públicas ao longo da história - sobre a dis-
rializado por uma dívida pública de origem financeira tribuição de renda (e riqueza), que se opera no interior
incontrolada. do Sistema, seja para melhoria dos padrões de igual-
dade social, mas também no seu inverso – à concen-
A estrutura jurídico-conceitual das Finanças tração de renda e da riqueza social.
Públicas de 1988: Organização e Alcance Por sua vez, dado o enfoque sistêmico desse sis-
tema (de finanças públicas), o perfil distributivo pre-
No texto constitucional o capítulo específico – cisa ser perseguido no conjunto dos subsistemas que
“Das Finanças Públicas” está situado no interior de um o integram. Neste, partes e peças podem cumprir
Título VI, que trata “Da Tributação e dos Orçamentos”. funções distintas e até antinômicas. Por seu turno, as
Essa organização contém certa dose de arbitrariedade mutações do sistema geral no tempo, seja por Emen-
formal. Isto porque finanças públicas conceitualmente das Constitucionais sucessivas; seja por legislação in-
não é subsistema de ‘Tributação e Orçamento’, mas o fraconstitucional ou até por meios não constitucionais,
contrário o é. E sendo como o são os “Títulos” cons- também podem construir uma estrutura paralela de
titucionais, estruturas normativas com pretensão de finanças públicas, com determinados perfis distribu-
sintetizar sistemas jurídicos, a inversão citada choca- tivos apoiados na economia política dominante. Esta,
-se em certo sentido com a estruturação orgânica do detém poder para fazê-lo, mesmo à margem dos crité-
texto constitucional. rios de legitimação da Constituição Federal (CF).
Vistas sob esse enfoque sistêmico, as finanças pú- Do exposto, duas deduções parciais: o sistema
blicas desempenham no ordenamento constitucional precisa ser avaliado no seu funcionamento de conjun-
papel central na organização de todo texto, por que to, de maneira a se aferir o sentido distributivo global
são as fontes de meios de financiamento de que dis- de sua operação; o critério de legalidade regendo nor-

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mas e práticas de finanças públicas é insuficiente para de, (dez. de 1990), da Previdência Social (junho-1991),
aferir a função legítima de distribuição no ordenamen- da Assistência Social (1993); aplicáveis aos direitos ins-
to constitucional. tituídos em 1988. Mas a Previdência Social, que é o sis-
Dentro da lógica jurídico-formal que organi- tema de maior peso fiscal, já apresentava, desde 1992,
za a CF de 1988, parte-se dos Princípios e Direitos impacto fiscal significativo em razão do acesso de novos
Fundamentais declarados nos Títulos I e II, para em beneficiários com direitos adquiridos acumulados des-
sequência tratar de uma regulamentação ampla da de 1988 e que se expressaram no período 1992-1995,
Organização do Estado (título III), dos Poderes da Re- principalmente na área rural. Em termos de proporção
pública (título IV), da “Defesa do Estado...” (Título V) do PIB, a despesa do RGPS pula do entorno de 2,5% do
e das Finanças Públicas (título VI), concebidos como PIB antes da vigência das normas constitucionais (1991),
mediações para oferecer concretude aos Princípios e para atingir 5,1% do PIB em 19961.
Direitos Fundamentais. Mas para fazer a ligação su- Observe-se que nesse período de transição, da
pracitada o constituinte criou o chamado campo das regulamentação das Leis Orgânicas dos subsistemas
diretrizes específicas de políticas públicas da Ordem de Seguridade Social à edição do Plano Real, quando
Econômica (Título VII); e principalmente da Ordem surge efetivamente o impacto fiscal significativo do
Social (título VIII), considerando o objetivo do estu- sistema de Seguridade Social, não se procedeu a uma
do que ora se investiga. E nessa organização irá surgir verdadeira reforma tributária estruturante das “finan-
com certa força normativa integradora o campo das ças sociais”. Criaram-se novos tributos, é bem verdade
Finanças Sociais, que aqui assim designo, devido às – a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL- Lei
seguintes características principais. a) de vinculações 7.689/1988) e a Contribuição Social do Financiamento
tributárias compulsoriamente destinadas às políticas da Seguridade Social (COFINS-Lei complementar nº 70
sociais de Estado, principalmente Educação e Seguri- de 30/12/1991), que somadas às fontes tradicionais
dade Social. b) de organização de Orçamento especí- da Previdência Social (RGPS) cujas alíquotas foram ele-
fico – Orçamento da Seguridade Social – vinculado ao vadas, imaginava-se suprir o novo sistema.
Sistema de Seguridade Social, composto pelos subsis-
temas de Saúde, Previdência Social e Assistência So-
cial e Seguro Desemprego.
Esse subsistema de finanças sociais, atendente a
direitos sociais às áreas especificadas, realiza função
distributiva de provisão de benefícios monetários e
benefícios não monetários (serviços) com vistas a “er-
radicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
gualdades sociais e regionais” - art. 3º, item III. Estes
princípios gerais estão reconfigurados em diretrizes
específicas do sistema de seguridade social, que ficará
explicitado com certa centralidade na “Ordem Social”
(art. 194), cuja principal característica é a pretensão à
universalidade de cobertura e atendimento.
Essa novidade que se introduz em 1988, con-
quanto contivesse uma reforma tributária implícita
no texto original (art. 195), ficou paralisada naquilo
que instituiu. O sistema financeiro público desde en-
tão resistiu às mudanças tributárias e orçamentárias
corroborantes à estruturação e coerente construção
de regras consistentes com vistas à igualdade social.
Ademais, até o Plano Real, a hiperinflação, brevemen-
te remediada pelo Plano Cruzado (1987) não lograra
sucesso. A verdadeira opção de reestruturação do sis-
tema financeiro público viria a se concretizar somente
com o Plano Real (1º semestre de 1994), praticamente
cinco anos e meio após a promulgação da Constituição
A implementação das “finanças sociais” no sistema
financeiro público durou praticamente um quinquênio,
até que se regulamentassem as Leis Orgânicas da Saú-

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Isto, contudo, não ocorreu e já em 1993, observa- titucionais de desvinculação de recursos das políticas
-se agudo desfinanciamento do SUS, provocativo do sociais: da EC. nº 01/1994 (Fundo Social de Emergên-
provisório Imposto sobre Movimentação Financeira, cia) a EC. 95-2016.
logo convertido em Contribuição – CPMF a partir de Entre 1994 e 2016 há movimento contínuo de
1996, com durabilidade até final de 2007. A despesa Emendas à Constituição Federal na mesma direção:
com Seguridade Social continuou a crescer no período desvincular partes de impostos e contribuições que
imediato à implementação do sistema – de 9,3% do pelo texto constitucional original estariam destinadas
PIB em 1995 para 12,7% em 2005, quando tende a se a financiar compulsória e integralmente aquilo que
estabilizar no entorno de 13% a 14% do PIB2. chamamos de Finanças Sociais. São oito Emendas: nº
1/94 (revisão), nº 10/1996, nº 17/1997, nº 27/2000,
A Reação Conservadora Pós-Real nos Vários nº 56/2007, nº 68/2011, nº 93/2016 e 95/2016.
Segmentos das Finanças Públicas Uma tendência forte à regressividade na tributa-
ção a partir de 1995 – (Lei 9.249/95).
A rigor, a minirreforma tributária do sistema fi- O caráter regressivo da carga tributária brasilei-
nanceiro público a partir de 1988, apenas pontual- ra, que é anterior à instituição do Sistema Tributário
mente atende os objetivos das Finanças Sociais com Nacional de 1988 da CF, não se alterou para melhor
a provisão de meios tributários regulamentados entre ao longo das três décadas de vigência constitucional,
1988 e 2003; e ainda assim de forma improvisada e nem como premissa ao financiamento da política so-
casuística, para atender as situações legais já institu- cial. As bases tributárias principais,que servem ao fi-
cionalizadas, mencionados no tópico precedente. nanciamento das políticas sociais – folha de salário,
Por sua vez, o processo de reação organizada às faturamento da produção e lucro líquido das empre-
finanças sociais se inicia logo após a promulgação do sas, previamente excluídos os dividendos distribuídos
Plano Real em cinco frentes principais: aos acionistas, a partir de 1995, configuram estrutura
Uma sucessão contínua de Oito Emendas Cons- fortemente regressiva.

TABELA ÚNICA - DADOS FINANCEIROS SINTÉTICOS: PERÍODO 1996/2017

Taxa juros SELIC Déficit Nominal Déficit (+) ou Supe- Dívida Liq. do Seto
Anos
Nominal/Real em% PIB ravit Primário (-) Público em % PIB

1996 24,02 / 5,92 5,32 30,7

1996/1999 27,00 / 16,40 5,68 (-) 44,1

2000/2002 18,17 / 8,83 6,62 (-) 52,9

2003/2006 18,13 / 8,83 3,83 (-) 3,45 49,7

2007/2010 11,00 / 3,78 2,68 (-) 2,88 40,2

2011/2014 9,80 / 2,20 3,45 (-) 1,35 32,6

2015/2017 9,10 / 5,52 9,04 (+) 2,09 44,7

Final de 2017 9,74 / 7,52 7,8 (+) 1,90 51,8


Notas:
Col. 1 - Taxas nominais calculadas com base nas taxas médias mensais, deflacionadas pelos respectivos “deflatores implícitos do PIB” anuais
para gerar a ‘taxa real’, A fonte de dados primários é – “Histórico das Taxas de Juros” (internet – bcb.gov.br).
Cols 2 e 3 - Os dados de déficit primário dos períodos 1996/99 e 2000/2002 não estão reproduzidos por motivo de forte divergência de mag-
nitude nas fontes primárias consultadas (Revista Conjuntura Econômica). Para os demais períodos utilizou-se a informação extraída do estudo
“Austeridade e Retrocesso- Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil, editado pela “Plataforma de Política Social “ – São Paulo. Set de
2016 p. I..33.
Col. 4 - Utilizou-se a fonte citada na Col.2, acrescida de estimativas mais recentes – 2016 e 2017, publicadas na imprensa especializada.

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Tratamento fiscal-financeiro privilegiado ao “serviço conceitual dos vários Títulos e respectivos Capítulos
da dívida” e à despesa financeira- fiscal em geral. da Carta Constitucional. Entretanto, a estruturação e
O serviço de dívida pública não suscetível à apre- funcionamento dos vários segmentos componentes
ciação pelo Congresso Nacional (Art. 166, parágrafo de um sistema nacional de finanças públicas – sistema
3º, item b, da CF); e a confecção de uma conta fechada monetário, sistema tributário, sistema de orçamentos
– Sec. do Tesouro/Banco Central, compulsoriamente públicos, dívida pública e haveres (financeiros) públi-
incluída no Orçamento da União por autorização da cos, se organizam, principalmente depois do Plano
Lei específica (nº 11.803/2008) são exemplos típicos Real em 1994, de forma mais sistêmica por um lado;
de uma institucionalidade fiscal-financeira pouco re- e ao mesmo tempo reativa às pretensões distributivas
publicana. Essa característica não apenas se mantém do texto constitucional original.
no período pós-1988, como também vira uma prática O movimento histórico concreto de constru-
regulamentada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei ção dessa institucionalidade teve breve duração, de
Complementar n. 101/2000 – Art 8, parágrafo 2), cul- 1988 a 1993, quando passa-se a produzir regras tri-
minando com a EC 95/2016, que não apenas mantem butárias (COFINS, CSLL e majoração das contribuições
o “serviço de dívida”, mas amplia para toda a despesa patronais previdenciárias) insuficientes para suportar
financeira os atributos de irresponsabilidade fiscal. A os novos direitos instituídos e regulamentados pelas
Tabela Única apresenta os dados. Leis Orgânicas de Saúde, Previdência e Assistência So-
Tratamento desigual às dívidas e haveres públi- cial). A partir de 1994, depois da edição do Plano Real,
cos nas práticas contínuas dos REFIS, repatriação de estrutura-se uma reação conservadora às tendências
dinheiro externo e do reconhecimento de “esqueletos igualitárias da CF (original) e a resultante dessa reação
financeiros”. conservadora sobre as finanças públicas provoca uma
O tratamento que a União confere aos seus cre- crescente e dominante tendência de concentração da
dores (credores da Dívida Pública Federal) e aos seus renda e da riqueza no interior do sistema financeiro
devedores (devedores de Dívida Ativa para com a público, cuja expressão síntese é o tamanho da des-
União) é absolutamente desigual contra si, vale dizer pesa financeira no orçamento público ou sua contun-
contra o público; mesmo quando coincidem titulari- dente participação no déficit público total ao longo de
dades fiscais (CPF, ou CNPJ) de devedores e credores. todo o período.
Os juros são desiguais sobre a Dívida Pública (taxa Se- De forma didática, pode-se dizer que a própria
lic) e sobre débitos da Dívida Ativa - geralmente me- elite beneficiária tenta naturalizar práticas absurdas,
nores, de forma explícita (TJLP), ou implicitamente a exemplo de; juros reais mais elevados do mundo e
ainda mais baixas, a partir de sucessivos REFIS. Além por longos períodos ininterruptos, alta regressividade
das operações de reconhecimento de passivos con- tributária, sonegação fiscal em largas proporções regu-
tingentes, ou “esqueletos financeiros” na linguagem larmente anistiada, ilícitos fiscais-financeiros inimpu-
popular3, de 1996 a 2003 houve uma ampla e irres- táveis, tratamento desigual de dívida e haveres contra
trita absorção de débitos privados “podres” na Dívida a esfera pública etc. Tudo isto é tratado como paisa-
Pública, beneficiando devedores privados, Bancos e gem, sem relação com a crise fiscal estrutural, que é
Autarquias Públicas atribuída no discurso conservador às finanças sociais.
Gestão frouxa e praticamente inimputável ao E concluindo, a partir de verdadeira reforma das
ilícito financeiro, tácita ou explicitamente admitida finanças públicas impõe-se igualmente recompor e
em texto legal (MP 784/2017, convertida na Lei n. provisionar nossas finanças sociais para que estas efe-
13.506/2017. tivamente possam cumprir o papel essencial de supor-
Na contramão das evidências planetárias de lava- te aos sistemas de direitos sociais básicos inscritos na
gem de dinheiro e dos ilícitos fiscais nos ditos paraísos, CF de 1988. Inverter essa ordem de prioridades estra-
em 2017 uma MP de nº 784/2017 (junho), convertida tégicas conduz a impasses permanentes da desigual-
em lei no final do ano (Lei 13.506/2017), blindou ta- dade social, estagnação econômica e dependência ex-
citamente o sistema financeiro brasileiro da punição terna, trinômio perverso do subdesenvolvimento.
criminal sobre os ilícitos financeiros cometidos.
Notas:

Conclusões 1 Os dados proporcionais da despesa do RGPS com relação ao PIB de


1991 são calculados pelo autor, enquanto que os mesmos dados para
o período 1995/2005 têm como fonte o artigo “Seguridade Social –
O enfoque distributivo das finanças públicas Origens e Evolução Institucional” (Tabela 3), publicado in – Política
brasileiras no formato originalmente inserido na CF Social – Acompanhamento e Análise, n. 12 – Brasília – IPEA 2006.
de 1988, no sentido da promoção da igualdade, con- 2 Cf. Política Social – Acompanhamento e Análise – op. cit. Tabela 3.
tem fortes corroborações em toda a estrutura jurídico 3 Pego Filho, Bolívar e Saboya Pinheiro, Maurício – op. cit.

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Reforma da Previdência:
Aprendendo com a experiência de outros
países e com a nossa trajetória
Milko Matijascic*

P
aíses em desenvolvimento que criam ins- cas. As situações podem ser as mais diversas;
tituições de seguridade social buscando a no entanto, pode-se concluir que, no geral, a
proteção das famílias enfrentam desafios demanda por tais serviços é alta e a capacida-
ainda não solucionados pelas políticas públi- de contributiva da média dos trabalhadores é
diminuta. Períodos caracterizados por baixo
desempenho econômico tendem a gerar pro-
blemas financeiros nos sistemas de previdên-
cia, pois existe um aumento da demanda por
benefícios e a desaceleração econômica não
eleva os níveis a arrecadação.
Embora a descrição inicial seja aceita pela
maioria dos especialistas, as propostas de re-
forma não são consensuais. Aqueles favoráveis
às políticas inspiradas pelo Consenso de Wa-
shington acreditam que o problema-chave é a
estrutura dos sistemas de previdência tradicio-
Milko Matijascic - Possui graduação em
Economia pela Pontifícia Universidade Católi- nais, ao estimular o oportunismo dos segura-
ca de São Paulo(1988), mestrado em Ciência dos e não atrelam rigorosamente o valor dos
Econômica pela Universidade Estadual de benefícios ao montante total de contribuições.
Campinas(1991), doutorado em Ciência Eco- Segundo o Consenso de Washington, pro-
nômica pela Universidade Estadual de Cam- messas generosas de benefícios geraram pe-
pinas(1996) e curso-tecnico-profissionalizante
em Sciences Èconomiques et Sociales pela sados ônus fiscais. Este círculo vicioso poderia
Academia de Poitiers(1983). Atualmente ser interrompido por reformas paradigmáticas
é professor titular do Centro Universitário baseadas na lógica de mercado. Estes argu-
Salesiano. Tem experiência na área de Econo- mentos engendraram reformas da previdência
mia, com ênfase em Economia do Bem-Estar com base em contas previdenciárias individu-
Social, atuando principalmente nos seguintes ais capitalizadas (CPI). Os benefícios decorre-
temas: Previdência, Fundo de Pensão, Segu-
ridade, Reforma do Estado, Projeções Econô- riam da acumulação de ativos e da redução do
mico Financeiras e Finanças Públicas. comprometimento fiscal do governo, visto que

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JUSTIÇA SOCIAL
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estes regimes não estavam baseados na solidariedade digmáticas, adotaram medidas paramétricas em suas
social entre gerações, como os regimes de repartição: ações. Ao avaliar os resultados das reformas paradig-
único e de adesão obrigatória aos fundos; misto inte- máticas, foi possível verificar que:
grado com camadas sobrepostas de CPI e repartição; • a gestão foi onerosa e ineficiente;
e, misto em concorrência entre CPI e repartição. • a cobertura de contribuintes não aumentou;
A alternativa brasileira de reforma foi a aborda- • os custos de transição foram muito maiores
gem paramétrica, baseada na manutenção de todas as que os previstos, deteriorando as finanças pú-
características básicas dos regimes tradicionais, bem blicas;
como na adaptação da legislação, com o intuito de • não existe evidência que a poupança tenha au-
tornar mais rigorosas as condições de elegibilidade, mentado;
aumentando os esforços de contribuição ou reduzindo • os mercados de ações não absorveram os re-
as taxas de reposição dos benefícios. Houve uma com- cursos de fundos previdenciários sendo os
binação destas políticas para enfrentar as dificuldades. mesmos desviados para títulos da dívida pú-
Os reformadores consideraram esta abordagem in- blica; e
cremental como uma solução realista, pois não havia • os mercados de trabalho continuaram marca-
custos de transição e a solidariedade ainda seria um dos pela baixa formalização das relações de
valor social. trabalho e pela reduzida de densidade de con-
Medidas de cunho paramétrico como a poster- tribuições.
gação da elegibilidade ou a adoção de fórmula de be- O quadro 1 apresenta os movimentos de refor-
nefício que incluem um período maior de cotização mas das reformas decorrentes de reformas paradig-
também integram as reformas paradigmáticas, sendo máticas.
necessárias para enfrentar o envelhecimento. Assim, a Segundo o quadro 1, existe clara tendência à rein-
maioria dos países que promoveram as reformas para- trodução de sistemas públicos de previdência social,

QUADRO 1 - MEDIDAS DE REFORMAS DA REFORMA EM PAÍSES SELECIONADOS

País Ações de políticas públicas Timeline

Chile Novo pilar de solidariedade estatal, protesto em massa contra DC 2017

Peru Manter 95% dos fundos como montante fixo na aposentadoria 2016

Bulgária Incentiva a mudança da CPI privada para o plano público 2015

Rússia Governo desvia CPI, tornando-o voluntário 2014-15

Rep. Checa Novo Governo encerra CPI que começou em 2013 2014

Polônia Governo apreende títulos públicos (encerrando as atividades?) 2014

Eslováquia CPI: contribuição reduzida de 9% para 4% 2012

Bolívia Governo assume a gestão do sistema de CPI 2011-16

Hungria Encerrado o Sistema de Contas Individuais 2011

Romênia Governo reduz contribuição para CPI 2009

Lituânia Contribuição de CPI reduzida de 5,5% para 1,5% 2009-11

Argentina Encerrado o sistema de CPI 2009


Fonte: Ornstein (2013).

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sobretudo ao considerar a deterioração da qualidade gestão costuma ser mais onerosa em países em desen-
de vida das populações idosas nos países que fizeram volvimento e, não raro é alto o número de benefícios
reformas paradigmáticas. Houve uma tendência geral irregulares. A proporção de contribuintes em relação à
à perda da importância do pilar baseado em CPI, quan- PEA continua reduzida e o envelhecimento acelerado
do não se o encerramento dessa sistemática, como na apresenta riscos para as finanças públicas, se não hou-
Argentina, Hungria e República Checa. ver uma redução da informalidade. Apesar disso, como
O quadro 2, baseado no quadro 1, permite mostrar será observado de forma consensual na cena interna-
os tipos de reforma das reformas vem sendo adotado. cional, foram as reformas paramétricas que voltaram a
O quadro 2 revela que até 2016 uma parte dos dominar o cenário mundial na virada do milênio.
países realiza uma segunda geração de reformas, con- Um aspecto que merece atenção diz respeito à
solidando as CPI, enquanto o maior número de países posição na ocupação dos trabalhadores. A previdência
opta por enfraquecer esse pilar e um número quase deve atender, sobretudo, os assalariados. Decorre daí
igual decidiu eliminar as CPI. A eliminação das CPI en- que as sociedades com maiores índices de assalaria-
volve países mais assemelhados ao Brasil, com popula- mento possuem um contingente mais elevado de con-
ções e territórios de maior envergadura. tribuintes e patamares mais elevado de densidade das
Isso não significa que os sistemas públicos tradi- contribuições (Tabela 1).
cionais, ainda que retificados por reformas paramé- Os dados da tabela 1 constatam que um maior
tricas tenham resolvido as suas questões históricas. A assalariamento terá por contrapartida um número

QUADRO 2 – TIPOLOGIA DAS REFORMAS DA REFORMA EM PAÍSES SELECIONADOS

Consolidação: Segunda geração de reformas Enfraquece as CPI Elimina as CPI

Estônia (2009)
Argentina (2008)
Letônia (2009)
Hungria (2011)
Lituânia (2009)
Chile (2008) Polônia (2014)
Polônia (2011)
Colômbia (em processo) Rep. Checa (2014)
Eslováquia (2012)
Uruguai (em processo) Cazaquistão (2014)
Romênia (2009)
Rússia (2015)
Peru (2016)
Bolívia (2011-2016)
El Salvador (2016)?

Fonte: Ornstein (2013).

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TABELA 1 - DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO OCUPADA DE 15 A 64 ANOS DE IDADE
SEGUNDO A POSIÇÃO NA OCUPAÇÃO - EM %

Conta Economia Não


Ano Assalariados Empregadores
Própria Familiar classificados

Brasil 2009 66,4 4,3 20,5 4,6 4,2

Argentina 2012 77,0 4,0 18,5 0,5

Chile 2011 68,5 ... ... 1,4 ...

México 2011 66,3 ... ... 6,1 ...

Estados Unidos 2011 93,2 ... 6,8 0,1 ...

Alemanha 2012 88,4 4,7 6,3 0,5 ...

Suécia 2012 89,5 3,8 6,4 0,2 ...


Fonte: ILO (2015)

mais elevado de contribuintes. Os países europeus e diminui o número de contribuinte. Reformas paradig-
os EUA possuem maiores níveis de assalariamento que máticas ou paramétricas não conseguem contornar
os demais. O fato dos rendimentos possuírem valores esse obstáculo per se.
menos elevados indica que a componente de seguro Ao analisar o sistema de previdência em estudos
social clássico apresenta limitações. de diversos matizes em vários países em desenvolvi-
Os países da América Latina apresentam índices mento e focalizando a atenção no cenário brasileiro, é
de não assalariamento elevados. Nesses países, as di- possível afirmar que a instituição é generosa em rela-
ficuldades para empregar em ocupações assalariadas ção aos mais abastados e severa para aqueles que se
de longa duração ainda não se equipara a países de- inserem precariamente no mundo do trabalho. Contu-
senvolvidos. No caso de países da América Latina, o do, é preciso observar os segmentos populacionais de
número de trabalhadores por conta-própria é alto e forma distinta.

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Entre os segurados brasileiros com menores den- e mulheres é uma tendência internacional. Mas as
sidade de contribuição, as regras são severas, pois é dificuldades de inserção da mulher no mercado de
preciso ter idade mínima e quinze anos de contribui- trabalho brasileiro requerem a adoção de tempo de
ção. Vários países não exigem carências conectadas contribuição menores que os dos homens.
às contribuições, utilizando, alternativamente, o tem- As pensões por morte devem ser destinadas
po de trabalho, filiação ou mesmo residência. Esses para quem possui incapacidade de acesso à renda e
mesmos países garantem o pagamento de um piso não como uma complementação de renda ou de ou-
de benefícios sem relação à contribuição e sem tes- tra aposentadoria. A acumulação entre benefícios da
tes de meios como no caso do BPC. Para os valores previdência e salários no Brasil impede, por exemplo,
superiores àquele patamar vigora a lógica do seguro o estímulo à aposentadoria mais precoce para gerar
social. Promover reformas com o objetivo de dificultar vagas no mercado de trabalho em momentos de crise.
a elegibilidade, fixando uma idade mínima de 65 anos Elevar a idade mínima, por certo, reduz a dimensão do
e exigindo 20 anos de contribuição, sem considerar a problema, mas não soluciona essa questão, dados os
precariedade do mercado de trabalho, tende a dete- padrões do contrato social entre gerações.
riorar as condições de vida dos idosos. Uma reforma da previdência que vise promover
Para os trabalhadores rurais, a inexistência de o desenvolvimento deve ser vista como viável sob o
dados mais sólidos sobre a duração do tempo de pa- prisma das finanças e, também, pela ótica social, con-
gamento de benefícios é um problema sério. A utiliza- siderando o padrão de civilização almejado, baseados
ção das tábuas de mortalidade apresenta problemas, na CF/88. A política social deve ser responsável por
se não houver focalização no mundo rural. Do contrá- prover proteção que coloque as pessoas ao abrigo das
rio, a iniciativa distorce o instrumento para medir as vulnerabilidades e crie bem-estar entre os beneficiá-
estimativas de sobrevida de uma população específi- rios, sem estimular o oportunismo, sempre protegen-
ca. Já a equiparação da idade mínima entre homens do quem precisa de apoio.

REFERÊNCIAS E INDICAÇÕES PARA A LEITURA

GILLION, C.; TURNER, J.; BAILEY, C.; LATULIPPE, D. Social security pensions: development and reform.
Geneva: ILO, 2000.
GILL, Indermit, PACKARD, Truman, e YERMO, Juan. (2005). Keeping the Old-Age Promise. Washington DC:
Standford University Press and The Worldbank.
IEG - INDEPENDENT EVALUATION GROUP (2006). Bank Assistance to Pension Reform and the Develo-
pment of Pension Systems. Washington: Banco Mundial. 5 de Janeiro de 2006. World Bank,
(Working Paper).
ILO (International Labor Office). World social protection Report 2014/15: Building economic recovery,
inclusive development and social justice– Geneva: ILO, 2015.
MATIJASCIC, M. Previdência pública brasileira em uma perspectiva internacional: custeio, benefícios e
gastos. Texto para Discussão no 2188 Brasília: IPEA. 2016.
MATIJASCIC, M. Reformas das reformas do sistema público de previdência no hemisfério americano:
uma perspectiva comparativa preliminar. In Revista Tempo do Mundo v. 4 | n. 2 | Brasília: IPEA.
Agosto de 2012.
MATIJASCIC, M.; KAY, S. A reforma da previdência brasileira no âmbito de um mercado de trabalho he-
terogêneo. In Revista da ABET, v. 16, n. 1, Janeiro/Junho de 2017.
MATIJASCIC, M.; KAY, S. The Brazilian Pension Model: The Pending Agenda (January March 2014). Inter-
national Social Security Review, Vol. 67, Issue 3-4, pp. 71-93, 2014.
ORNSTEIN, MITCHELL A. 2013. “Pension Privatization: Evolution of a Paradigm” in Governance: An Inter-
national Journal of Policy, Administration, and Institutions.
STIGLITZ, J. E.; ORSZAG P. R. 1999. Rethinking Pension Reform: Ten Myths about Social Security Systems.
Washington:

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A Saúde na reestruturação da
Seguridade Social e da Educação:
pela redução da desigualdade social
Carlo HG Zanetti*

Democracia e proteção social

N
o Brasil a evolução do modelo europeu
oitocentista para uma seguridade uni-
versalista foi politicamente desconsi-
derada até 1988. Simultaneamente, as bases
para a americanização do Estado foram gradu-
almente desenvolvidas e financiadas pela lon-
ga manutenção dos superávits do modelo de
partição sempre renovado mediante controle
seletivo da ampliação gradual de cobertura. Carlo HG Zanetti - Possui graduação em Odon-
Portanto, quando tudo era favorável à ideia tologia pela Universidade Federal de Juiz de
de seguridade nas democracias do capitalismo Fora (1987), especialização em Saúde Pública
avançado europeu, não vivenciamos aqui a ida- (1988), mestrado (1993) e doutorado (2005),
todos pela Escola Nacional de Saúde Pública da
de de ouro do Estado de Bem Estar Social (anos Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é professor
50 e 60). da Universidade de Brasília, no Departamento
Tempo e espaço determinaram muitas di- de Odontologia e já foi colaborador do Insti-
ferenças. As transições no Sul da Europa, espa- tuto de Ciência Política/UnB. É pesquisador do
cialmente favorecidas pelo contexto regional, Núcleo de Estudos em Saúde Pública/UnB, na
Rede Observatório de Recursos Humanos. Desde
antecederam as latino-americanas em mais de 2007, tornou-se assessor da Comissão Nacional
quinze anos. Sob ideário autóctones, por lá fo- de Ética em Pesquisas (CONEP) do Conselho Na-
ram instituídos sistemas nacionais e universais cional de Saúde. Tem experiência nas áreas de
de saúde tardios onde provedores privados Saúde Coletiva e Ciência Política, com ênfase em
foram incorporados em caráter suplemen- Saúde Bucal Coletiva e Política Social, atuando
tar aos sistemas públicos. Considerando suas principalmente nos seguintes temas: saúde da
família, política de saúde, avaliação dos serviços
histórias, algumas estruturas meritocráticas de saúde, serviços de saúde bucal-economia e
de oferta pública foram mantidas, ocasional dotação de recursos para cuidados à saúde.

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Algumas estruturas
meritocráticas de oferta
pública foram mantidas,
ocasional e marginalmente
comprometendo a efetivação
de noções de igualdade e
equidade, sem comprometer
substancialmente a
universalidade do sistema,
a centralidade da gestão
pública e sua dignidade.

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e marginalmente comprometendo a efetivação de seu crescimento. Nem mesmo no Sul da Europa que
noções de igualdade e equidade, sem comprometer os constituía. O internacionalismo do ambiente da UE
substancialmente a universalidade do sistema, a cen- favoreceu à consolidação dos SNS tardios do Sul.
tralidade da gestão pública e sua dignidade. Por aqui, em longitudes de hegemonia norte-
Mesmo tardios, os SNS europeus do sul con- -americana, o ideário europeu em franco abandono
seguiram fazer frente ao legado de atraso dos seus foi resgatado quando da excepcionalidade do gigan-
governos conservadores e ditaduras. Enfrentamen- tesco tropeço de domínio geopolítico estadunidense
to que pesou mais que os primeiros movimentos no representado pelo fracasso e incapacidade adaptativa
início dos anos 80 da onda neoliberal liderada por dos processos de desenvolvimento econômico dos Es-
Thatcher, Reagan e Kohl objetivada no desmonte do tados Burocrático-Autoritários latino-americanos.
Estado de Bem Estar. Esse “tropeço” na escalada da americanização do
Ao final dessa década esses sistemas existiam, Brasil na “década perdida” possibilitou instituir uma
mesmo quando só Suécia, Áustria e Japão resistiam Nova República com ideário civilizatório e de proteção
à onda neoliberal. Justamente quando, dada a des- social europeu, promulgando uma Constituição Cidadã
regulamentação financeira, a recuperação dos lucros que condensou materialmente a seguridade social com
promovida pelo ambiente de ataque ao Welfare State provisão constitucional de proteção universal e finan-
criou condições mais propícias à inversão especulati- ciamento solidário para além das contribuições diretas
va que produtiva. Avançou-se na consolidação de uma empregador-empregado, implicando o faturamento e
União Europeia neoliberal: austeridade, oligarquia e lucro das empresas, receitas de loterias e financiamen-
mobilidade dos fatores de produção (bens e trabalho). to governamental. Provisão feita quando as contribui-
Na saúde, a onda produziu a desaceleração da ções diretas em regime de repartição eram superavitá-
destinação de recursos aos sistemas nacionais de saú- rias e ainda não se faziam sentir mudanças na estrutura
de universais europeus, mas não conseguiu impedir demográfica e epidemiológica de então e no modelo

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de produção fordista de mão-de-obra intensiva. A proposição político-constitucional da Segurida-
Com uma transição democrática quinze anos de Social brasileira como estratégia modernizante da
mais tardia que as do Sul da Europa, no Brasil se ins- condição de cidadania para enfrentamento do legado
tituiu um sistema nacional de saúde muito tardio, o de atraso social foi balizada por condicionantes con-
Sistema Único de Saúde (SUS), no qual grandes estru- trários de peso, quando a efetivação da Constituição
turas meritocráticas de oferta pública foram mantidas cidadã de 1988 foi exposta impiedosamente aos ele-
comprometendo substancialmente a efetivação de mentos neoliberais: privatizações, monetarização, fi-
noções de igualdade e equidade; i.e., a universalidade nanceirização da economia, etc. No plano jurídico-po-
do sistema e a dignidade do seu operar: a exemplo de lítico a Seguridade foi atingida pelas desvinculações
estrutura de assistência própria dos parlamentares e de receitas da união (DRU), não destinação dos ren-
militares. dimentos da exploração das reservas de petróleo (do
O poderoso complexo médico-industrial em pré-sal) para a Seguridade Social; e a recente Emenda
saúde no Brasil, espólio da ditadura militar, com sua Constitucional 95 que ataca o investimento primário,
gigantesca estrutura privada de oferta de serviços es- como saúde e educação, além de dar respaldo às re-
pecializados, hospitalares, farmacêuticos e de apoio formas trabalhistas e previdenciárias.
diagnóstico foi vetor fundamental, para o curso dos Essa sequência de descompromissos em efetivar
acontecimentos das décadas seguintes. a Constituição de 88 demonstra que, enquanto as ar-
Constitucionalmente, os provedores privados fo- recadações da Previdência se mostravam superavitá-
ram incorporados em caráter mais que suplementar... rias, o governo respondia com desvinculações; quando
ao serem definidos também como complementares o sistema começou a expressar limites, o governo não
aos sistemas públicos. E, na prática política de gestão aportou novos recursos; e, quando os primeiros défi-
pública cotidiana do SUS, de um sistema muito tardio, cits foram declarados o governo, mantendo as desvin-
os provedores privados foram incorporados em ca- culações e não aportando novos recursos, prontamen-
ráter mais que complementar aos sistemas públicos: te começou a defender a mudança do regime.
tornaram-se o elemento empírico central em torno do Fica claro que, enquanto existiram os superávits
qual o sistema público, em diálogo permanente com previdenciários que foram redestinados para o finan-
os elementos desse ambiente de negócios (as corpo- ciamento do processo de crescimento e modernização
rações, os prestadores, os fornecedores, os empresá- da economia brasileira como um todo, desde 1930,
rios, os políticos-profissionais e portadores de interes- esse excedente foi utilizado como fermento para fazer
ses privados de todo tipo), desenvolveu-se e cooperou o “bolo da economia crescer”. Crescido o bolo, esgota-
dando também prosseguimento ao desenvolvimento dos os potenciais de extração de excedentes do mun-
do complexo médico-industrial em saúde no Brasil da do do trabalho, na hora de “dividi-lo” e fazer valer pa-
Nova República. drões efetivos de seguridade social... o que avança são

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propostas para impor grandes restrições ao sistema sociedade brasileira como oferta privada suplementar.
público, certamente para facilitar a expansão das for- Nessa forma, os planos de saúde alcançam 47 milhões
mas de capitalização não solidárias, pública e privada. de beneficiários com taxa de cobertura de 24,4% da
população, receita total de 196 bilhões de reais em
Limites estruturais do SUS 2017 – 3% do PIB, per capita privado de R$ 4.170,00
(2,4 x maior que o per capita público). Enquanto o SUS
Os trinta anos do SUS narram uma história de re- público e “universal” cobre 150 milhões de cidadãos
forma estruturante condicionada. A efetivação de di- com taxa de cobertura direta de 72,4% da população ,
reitos nesse Sistema Nacional de Saúde Muito Tardio receita total de 262 bilhões de reais em 2017 – 4% do
foi submetida a um ambiente global de ajustes neo- PIB, per capita público de R$ 1.746,00.
liberais, bem como a todo tipo de demanda local de Em se tratando de um sistema constitucionali-
reprodução de um sólido complexo médico-industrial. zado em moldes de seguridade social, a composição
Complexo que na Nova República ultrapassou a do mix público-privado no financiamento da Saúde
fase de acumulação primitiva e avançou: (i) do em- no Brasil demonstra o quão não universal e desigual
presariamento corporativo médico para o empresa- é o sistema nacional de saúde universal brasileiro.
riamento de capital aberto nacional; (ii) do empresa- Há uma elevada, discrepante e desfavorável parti-
riamento de capital aberto nacional para o de capital cipação privada estribada no consumo das famílias
internacional (Lei 13.097/2015). Esse complexo vem se comparada com a que se dá estribada em fundos
sendo acessado pelo SUS como oferta pública com- públicos. Ajuda compor tal discrepância a compara-
plementar mediante compra de assistência clínica de ção do americano SNS Muito Tardio brasileiro com o
média e alta complexidade, exames complementares, europeu SNS Tardio de Portugal. Vê-se que lá há o
terapias medicamentosas complementares, forneci- compromisso de 9,8% do PIB com saúde, com um PIB
mento de insumos farmacêuticos, dispositivos, órte- per capita na saúde de R$ 5.973,50, com um mix pú-
ses e próteses, etc. blico x privado igualmente considerável em Portugal.
Para além, ele também se oferece diretamente à Porém ele se distingue do brasileiro quando 66,6% do

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financiamento do sistema é despesa corrente pública sim a desigualdade o sentimento intersubjetivo pre-
(2017) , já tendo sido de 73% em 2002 , uma vez que valente reproduzido secularmente em nossa cultura.
a fase de implantação de um SNS é mais onerosa. Essa disposição moral para a desigualdade favorece o
A acentuada americanização ou residualização arrebatamento nacional à cultura da globalização que
pós-constitucional do padrão de proteção sanitária promete a inclusão individual universal pelo consumo,
degradou o ambiente de compromissos governamen- sem solidariedade. Démarche que não entrega o que
tais para com a seguridade social no Brasil da Nova promete, pois resulta em muita exclusão social.
República mediante a renúncia fiscal de impostos di- Para além dos enfrentamentos necessários às
retos (descontos de gastos com saúde na declaração disputas jurídico-políticas objetivadas na definição e
do IRPF), o não ressarcimento de serviços públicos uti- efetivação da condição de cidadania, com base exclu-
lizados por usuários de planos privados, e o subfinan- sivamente em critérios de eficiência técnica, temos ur-
ciamento crônico do SUS que evoluiu para desfinancia- gência de disputas no chão do sistema de saúde pelo
mento com a EC95. efetivação de uma eficiência ontológica (individual, co-
Se não bastassem todas essas formas de favoreci- munitária e social) na produção de práticas de sentido
mento à expansão dos negócios privados próprios em humano mais complexo, de recuperação da condição
saúde no Brasil, tem ocorrido também, sob alegação de de dignidade da presença efetiva das pessoas envolvi-
aumento da eficiência técnica, a crescente entrega da das nas práticas públicas de saúde.
estrutura pública à administração de entidades de natu-
reza jurídica privada constituídas na forma de OS, OSCIP
e IS. Uma história anunciada pela Reforma Bresser de
1995 e iniciada pela lei estadual paulista para OS na Saú-
Há muito por
de de 1998 (ambas iniciativas de governos do PSDB).
Uma possível quebra do internacionalismo neo-
compreender...
liberal por um nacionalismo de direita, antiglobalista,
menos multilateral, menos democrático, mais bila- há muito por resistir...
teral e mais alinhada a Trump e aos interesses esta-
dunidenses pode acelerar ainda mais a decadência há muito por libertar...
das formas de solidariedade e equidade previstas na
Constituição de 88. há muito por criar...
Para além da desigualdade objetiva
há muito por fazer...
Ser “cidadão comum” no Brasil é designação an-
cestral de condição negativa. Não é a igualdade, mas há muito para mudar!

REFERÊNCIAS
i. Anderson, P. Why the system will still win. Le Mond diplomatique. Março, 2017. Disponível em: <ht-
tps://mondediplo.com/2017/03/02brexit>
ii. Anderson, P. Balanço do neoliberalismo. In SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo:
as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 9-23.
iii. Isso considerando que a gestão da Previdência Pública brasileira nunca foi auditada.
iv. Se considerar a cobertura vacinal, vigilâncias – sanitária, epidemiológica, ambiental - etc., essa cober-
tura sobe para 100% dos 207 milhões de cidadãos.
v. INE. Conta Satélite da Saúde 2015 – 2017Pe. Acessado em 10/12/2018. Disponível em: <https://www.ine.
pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=334346115&att_display=n&att_download=y>
vi. PORDATA. Despesa corrente em cuidados de saúde: total e por tipo de agente financiador. Acessado
em 10/12/2018. Disponível em: <https://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/
Tabela>
vii. Americanização que até então não atingira a Previdência, uma vez que ela vinha superavitária.

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Seminário Reestruturação da
Seguridade Social e da Educação
A
segunda mesa de debates do Seminário
tratou da reestruturação do Sistema de
Educação Pública com foco nas seguin-
tes questões: o financiamento da educação pú-
blica, a importância do pluralismo e da liberda-
de no desenvolvimento educacional e a relação
entre educaçao e cultura popular, temas esses
que foram debatidos a partir das exposições,
respectivamente, pelos professores Natália
Duarte, Paulo Maldos e Maria Luiza Pereira.
Os principal ponto levantado na proble-
mática do financiamento público da educação
foi insuficiencia dos recursos financeiros para o
atendimento das carencias e necessidades de
um mundo em transformação que tenha como
projeto o fortalecimento da democracia, a re-
dução das desigualdades sociais e de acesso
ao conhecimento e a preparação da juventude
para se inserir no novo paradigma tecnólógico tos sociais existentes no País e a necessidade
que privilegia a informação e a comunicação. de que essa rica sócio-diversidade seja incor-
Apesar de a Constituição de 1988 ter garantido porada no processo educacional. Neste sen-
fontes orçamentárias próprias que permitiram tido, são valiosas as experiencias acumuladas
da ampliação da cobertura do ensino público, nessa interação, as quais devem preservadas e
os gastos por aluno continuam baixos compa- os avanços obtidos devem incorporados ape-
rativamente aos padrões internacionais e o sar dos sinais preocupantes de retrocesso do
fundo público, ainda que insuficiente, vive sob atual governo.
intermitente ataque na disputa por seus re- Na apresentação final foi debatida a dis-
cursos em várias frentes, seja pelo avanço da puta entre o individualismo e a coletivação
privatização e da mercantilização do sistema neste momento de transição. O agravamen-
educional, expansão da rede privada, cortes to das desigualdades está a exigir um grande
orçamentários, redução da base tributária pe- esforço de resistencia em defesa da educaçao
las desonerações, tentativas de desfazer o sis- popular e da cultura social, com a necessidade
tema de vinculações de receitas, fechamento de recuperação da história e dos processos so-
de escolas rurais. ciais como forma de revermos os paradigmas
Na abordagem da questão cultural foi que herdamos e construirmos nosso próprio
ressaltada riqueza dos diferentes grupamen- caminho para o futuro.

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AGO/2019 || JUSTIÇA
JUSTIÇA SOCIAL
SOCIAL || 19
19
Financiamento da educação
e os ataques da mercantilização e
privatização ao fundo público
Natalia de Souza Duarte*

Sobre a importância da educação na medida do possível, justos e deve-se dele-


gar ao primeiro os direitos.

U
ma educação pública, gratuita, laica, de
qualidade, que reconhece e valoriza a
diversidade é recurso estratégico das
sociedades mais justas e com menor desigual-
dade social. A despeito dessa constatação, a
universalização da educação pública sempre
enfrentou resistências. As experiências inter-
nacionais asseguram que a melhor maneira de
o Estado assegurar o direito à educação é por
meio de prestação direta do serviço e por po-
Natalia de Souza Duarte - Possui graduação
líticas públicas. Entretanto, “os reformadores em Educação Física e Pedagogia, especializa-
sociais da esquerda europeia defendiam me- ção em Aprendizagens, mestrado em Educa-
didas de proteção social que incluíssem todos ção, doutorado e pós-doc em Política Social
indistintamente, enquanto os liberais-conser- pela UnB. Professora da socioeducação da
vadores rechaçavam essa ideia por considerá- SEDF, atualmente é Coordenadora de Escola de
Educação Básica, integra o Fórum Distrital de
-la esbanjadora” (PEREIRA, 2009, p. 6). Desde Educação, é diretora da ANPAE/DF e pesquisa-
então as perspectivas em disputa por hegemo- dora do grupo TEDis da UnB. Tem experiência
nia são: i) proteção social - a sociedade para na área de Educação, 30 anos na Educação
existir necessita de um conjunto de relações básica, 20 anos no ensino superior e pós-gra-
de interdependência e solidariedade que re- duação, atuando principalmente nos seguintes
conhece a cidadania e a defende para todo o temas: pobreza, socioeducação, formação de
professores, avaliação, alfabetização e letra-
conjunto da população constituindo dispositi- mento. Desenvolveu tecnologia educacional
vos montados para responder a esse espírito para alfabetizar aprovada pelo MEC e reco-
de igualdade; ii) o mercado e a sociedade são, mendada pelo Guia de Tecnologias 2011/2012.

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JUSTIÇA SOCIAL
SOCIAL || AGO/2019
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Dessa tensão originam-se perspectivas opostas a educação não fosse vítima de ataques e estabeleceu
- universalização pública ou focalização privatista. A que a União aplicaria na educação básica no mínimo
perspectiva de direitos humanos como invioláveis e 18%, os Estados, o DF e os municípios 25% da receita
marco regulatório da sociedade vem perdendo ter- resultante de impostos. No entanto os recursos pre-
reno, especialmente porque os direitos necessitam vistos foram insuficientes e a taxa de escolarização da
de medidas do Estado para sua efetivação. Os direi- população até meados dos anos 90 não alcançou 90%
tos sociais necessitam da prestação estatal que acaba das crianças de 7 a 14 anos, com distribuição extre-
por representar “a substância, o núcleo, o conteúdo mamente desigual (CALLEGARI, 2008). Para superar a
essencial do direito; em casos como o direito à saúde desigualdade e ampliar as matrícula, o Estado instituiu
ou à educação gratuitas, a intervenção estatal aconte- fundos de desenvolvimento para a educação.
ce toda e cada uma das vezes que o direito é exercido: Em 1996 foi constituído o Fundo de Manuten-
a inexistência da prestação estatal supõe automatica- ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
mente a negação do direito” (PELÁEZ, 2003, p. 21). Ou Valorização do Magistério (FUNDEF - EC 14/96) para
seja, para a positivação é necessário financiamento redistribuição dos recursos destinados ao ensino fun-
público e disponibilidade de orçamento estatal. damental, subvinculando 60% dos recursos (15% da
arrecadação global de estados e municípios) a 1ª a 8ª
Financiamento da educação séries da educação básica. O resultado foi contunden-
te e 10 anos mais tarde o FUNDEF foi substituído pelo
Para prestar os serviços de educação pública nos- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
sa Constituição Federal vinculou recursos para que, in- ção Básica (FUNDEB - EC 53/2006) que ampliou os re-
dependentemente do governo escolhido em eleição, cursos para a educação por meio de complementação

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da União aos Estados. Essa última alteração ampliou os ções econômicas e sociais sob a égide das finanças.
recursos destinados à educação em 56,2% em 9 anos, Nesse sentido, a exploração dos fundos públicos para
saltando de 48,21 bilhões em 2007 (91,3 bilhões em o pagamento de juros compromete cada vez mais re-
valores deflacionados) para 142,72 bilhões em 2017. cursos dos países. Além disso, intensificou a transfor-
Com a implantação dos Fundos, finalmente ocor- mação de direitos sociais - sobretudo os da saúde e da
reu a expansão da educação pública brasileira, alcan- educação – em nichos do mercado financeiro. Com
çando 96,5% de cobertura em 2015. No ensino médio isso, portadores de direitos viraram “clientes” de servi-
saltamos de 20,8% para 56,9% e no ensino superior de ços de Organizações Sociais e outras formas mascara-
6,1% para 13,5% no mesmo período3. Uma expansão das de privatização e mercantilização.
importante, mas que ainda nos mantém com pata- As estratégias do Capital para acessar o fundo
mares baixos de escolarização quando comparados a público são inúmeras e quase todas revestida de le-
países em desenvolvimento e com economias menos galidade, moralidade e impessoalidade. Sobrevêm sob
vigorosas - o Brasil, no mesmo período, chegou a figu- discurso de liberdade e defesa da família, mas não re-
rar como a 6ª maior economia do mundo. sistem à análise crítica da realidade e dos dados que a
Em valores, o orçamento público destinado à traduzem. Para acessar os recursos públicos da educa-
educação cresceu de 4,1% do PIB em 1996, para 5,6% ção no Brasil, as principais estratégias utilizadas foram/
em 20154. Em valores, os gastos com educação pública são: ampliação de matrícula privada em detrimento da
ultrapassaram os 114 bilhões5 em 2018 e a previsão é pública; financiamento indireto do privado por meio
de 116,8 bilhões para 2019 que se encontram amea- de desonerações; Emenda Constitucional 95; e, per-
çados. No capitalismo contemporâneo pós crise 2008, seguição aos educadores e universidades sob o manto
o fundo público vem sendo o padrão dominante no de moralismo ideológico (Ideologia de Gênero, Escola
financiamento do capital (SALVADOR; TEIXEIRA, 2014). Sem Partido, dentre outros).
A matrícula na educação privada existe desde
As estratégias de mercantilização e sempre no Brasil, em função da presença dos Jesu-
privatização na educação ítas desde a invasão do Brasil (MONLEVADE, 2008).
Todavia, atualmente, integra agenda internacional
A crescente ampliação do direito à educação foi de grandes corporações. A privatização de serviços
curta. A crise mundial de 2008 provocou uma recon- ganhou contorno transnacional com o acordo sobre
figuração do capital financeiro ainda mais predatória, comércio de serviços, o Trade in Services Agreement
agudizada em países da periferia, colocando as rela- (TISA) e desde 2012, 50 países desenham um amplo

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acordo sobre serviços. Os sindicatos de professores ção via dedução dos gastos com educação privada no
em todo o mundo vêm se mobilizando contra o TISA Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF, assegura
defendendo a educação como bem público. Para Gra- uma “bolsa-escola privada” de R$ 77,00 mensais às
vielatos (2018) a mercantilização da educação fortale- famílias de classe média e alta que matriculam seus
ce as desigualdades, precariza e desvaloriza as condi- filhos nas escolas privadas, sem limite de filhos. Bem
ções de trabalho, os direitos dos professores e corrói acima do Benefício concedido pelo Bolsa-Família. Ou-
as decisões democráticas e o financiamento público tra informação desconhecida de nossa abissal desi-
nos países. gualdade: 50,1% dos estudantes da educação básica
As desonerações, por sua vez, são estratégias são beneficiários do programa Bolsa Família8.
de privatização da educação a partir do financiamen- A Emenda Constitucional nº 95/2016 instituiu o
to indireto promovido por meio de renúncias fiscais Novo Regime Fiscal (NRF). Segundo Amaral (2017), o
– isenções, anistias, imunidades, reduções de alí- orçamento da União foi quebrado em partes indepen-
quotas, deduções ou abatimentos e adiamentos de dentes: a do capital para pagamento de juros e sem
obrigações de natureza tributária. As desonerações qualquer limite; e a do Poder Executivo, impedida de
apresentaram crescimento de 267% em relação ao qualquer crescimento. Na prática foi a inviabilização
PIB passando de 1,68% em 2000 para 4,5% do PIB em das políticas sociais.
2018 - a soma concedida ao capital foi de 290 bilhões Por fim, o moralismo hipócrita de movimentos
de reais em 20186. Na área de educação, a desonera- como “Escola Sem Partido”, “ideologia de gênero” e
ção ocorre por meio de sete programas tributários, de reação a um “marxismo cultural” impõe à educa-
sendo que 70% dos valores desonerados ocorrem em ção estratégias de naturalização das desigualdades
função da imunidade tributária concedida a 2.0397 e invisibilização da pobreza. Segundo Arroyo (2014),
empresários filantropos donos de instituições de edu- essa visão moralista sobre a pobreza atribui ao pobre
cação beneficentes de assistência social. A desonera- e à diversidade as razões da sua condição. Essas es-

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tratégias invertem a realidade e difundem a crença nando o Estado a fim de reconduzir o Brasil ao ideário
de que a “pobreza espiritual” dos pobres produz sua democrático e socialmente justo, conforme desenha-
pobreza material. do em nossa Constituição Federal. Nos tempos atuais,
não há direito que se conquiste sem luta ou que se
Resistir mantenha sem forte e permanente mobilização.
Notas:
Os acirrados ataques ao fundo público aliados à
1 Portaria MEC Nº 1.462 de 01/12/2008, disponível em http://www.
omissão do Estado no asseguramento de direitos pre- normasbrasil.com.br/norma/portaria-1462-2008_210887.html
cisam ser compreendidos a partir da conjuntura mun- 2 Portaria MEC Nº 565 de 20/04/2017, disponível em https://www.fnde.
dial do capitalismo financeiro que concentra rique- gov.br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/item/10925-
-portaria-mec-n%C2%BA-565,-de-20-de-abril-de-2017
za, destrói direitos e expande a pobreza. A luta pela 3 Para acesso aos indicadores, ver: Observatório do PNE- disponível em
construção das condições necessárias ao exercício dos http://www.observatoriodopne.org.br/indicadores/metas/2-ensino-
direitos – incluso o direito à educação – integra, ne- -fundamental/indicadores
cessariamente, a luta pela redução da pobreza e desi- 4 Idem.
5 Ver Portal da Transparência, disponível em http://www.portaltranspa-
gualdade social. rencia.gov.br/funcoes/12-educacao?ano=2018
É preciso resistir aos retrocessos neofacistas que se 6 Dados obtidos na Receita Federal do Brasil, disponível em http://recei-
imiscuem com perspectivas ultra neoliberais e retomam ta.economia.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal/demonstrati-
vos-dos-gastos-tributarios/dgt-bases-efetivas-e-projecoes
desmonte do Estado e pautas conservadoras machistas,
7 Dados obtidos por meio do Sistema do MEC – CEBAS Educação.
racistas, homofóbicas e aporofóbicas9. A conjuntura é Para maiores informações consultar http://cebas.mec.gov.br/index.
adversa, mas a luta se renova e nos fortalece com as php?option=com_content&view=article&id=39&Itemid=142
poucas, porém importantes vitórias - nacionais e inter- 8 Dados obtidos no Sistema Presença, em: http://frequenciaescolarpbf.
mec.gov.br/presenca/controller/login/efetuarLogin.php
nacionais. Juntos já experimentamos dias melhores. 9 O Termo “aporofobia” é um neologismo criado pela filósofa Adela
O Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Cortina que designa o preconceito à pobreza, ou rechaço aos pobres.
Social é fruto dessa resistência. Soma-se a inúmeras Foi eleito o termo do ano em 2017 na Espanha. É conceituado no Livro
da mesma autora intitulado: Aporofobia, el rechazo a los pobres- un
Instituições e Movimentos sociais que vêm pressio- desafio a la democracían.

REFERÊNCIAS
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EDUCAÇÃO E CULTURA POPULAR
Maria Luiza Pinho Pereira*

N
o âmbito do Fórum Nacional pela Redu- como consciência cósmica, integrando um
ção da Desigualdade Social a temática holos ou holon, refletindo com o físico Brian
da “Educação e Cultura Popular” remete Swimme (1991, p. 53) “olhe para a sua mão -
a alguns referenciais cujas fontes citadas per- você acha que ela lhe pertence? Cada elemen-
mitem o aprofundamento desta reflexão pre- to foi criado em temperaturas um milhão de
liminar como texto em aberto. Inicialmente, vezes mais quentes do que a fusão da pedra;
há que assumir a vida humana na sua origem, cada átomo foi moldado no intenso calor da
estrela (supernova explosão primordial) [...] e
à medida que você se transforma na atividade
do amor, você, ao mesmo tempo, aumenta a
vida ao seu redor”. Como pensar a respeito?
Comece a partir de seus deslum-
bramentos, a partir do seu próprio
conjunto de relacionamentos. Seus
deslumbramentos o induzem à ativi-
dade de suscitar a vida a seu redor.
Há pessoas e criaturas em torno de
você que só emergirão para uma vi-
talidade intensificada, com um gosto
renovado pelas aventuras da vida, se
você perseguir o seu destino com a
Maria Luiza Pinho Pereira - Mestre em mesma devoção extravagante como
Educação pela Universidade de Brasília, a estrela persegue o seu. (SWIMME,
professora aposentada da Faculdade de 1991, p. 53)
Educação da UnB e membro da coorde- Por sua vez, recordando o ritmo acelera-
nação do GTPA-Fórum de Educação de do da vida por si mesma numa espiral evolucio-
Jovens e Adultos/DF, representante titular nária, de origem estelar, o físico Peter Russell
no Fórum Distrital de Educação.

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apresenta os tempos remotos com pulsar de bilhões de ligência estratégica criativa, em prolongada transição
anos. A nossa espécie, por exemplo, levou milhares de para o socialismo.
anos para desenvolver linguagens e ferramentas, mas Nesse sentido, o relatório 2018 “País Estagnado:
a “ Revolução Industrial começou há poucos séculos. E um retrato das desigualdades brasileiras” da OXFAM-
a Revolução da informação tem apenas poucas déca- -Brasil expressa a urgência de uma consciência histó-
das de idade” (RUSSEL, 1992, p. 253). Assim, o autor rica do longo processo de formação do povo brasileiro
propõe para o aqui-agora, uma mudança de consciên- vivido na permanente disputa entre um projeto de na-
cia humana pelo agir transformador da realidade atu- ção democrática, justa e soberana, de base socialista,
al, no sentido da complexificação de consciência ela- e um projeto de nação autoritária, socialmente desi-
borado pelo paleontólogo Teilhard de Chardin, (1989) gual e dependente do capitalismo internacional, em
e recomenda a “teoria integral de tudo” do filósofo da particular, norte-americano.
ciência Ervin László, (2008), anunciando a emergên- Resumidamente, esse processo de disputa de
cia histórica da era da consciência. Esta, reconhecida projetos de nação iniciou-se com sua fase, historica-
pelo matemático Ubiratan D’Ambrosio (1997), único mente mais longa, da colonização capitalista comer-
signatário brasileiro da Declaração de Veneza-UNESCO cial portuguesa, caracterizada por invasão e apropria-
(1986), marco inicial do movimento internacional pela ção de terras e não “descobrimento”, por dominação
transdisciplinaridade, e sinalizada pelo filósofo Pièrre dos povos indígenas nativos, pela escravidão do povo
Lévy (1998,p.181) como período noolítico da história africano e pela apropriação e saques de nossas rique-
humana, no qual predominam as qualidades humanas zas naturais, sob a luta de resistência dos indígenas,
na constituição da inteligência coletiva como cosmo- quilombolas e caboclos na forma de fugas e enfren-
pédia e a nova relação com o saber pela cibercultura. tamentos organizados localizados. Prolongou-se com
Complementado, os biólogos Humberto Matu- as lutas pela independência conquistada, mais precisa-
rana e Francisco Varela (1995, p.22-23) na década de mente com a expulsão dos portugueses da Bahia, em
80, pesquisando as bases biológicas do entendimento 2 de julho de 1823, e a persistente luta dos abolicio-
humano e o sentido da criatividade singular da auto- nistas resultou na libertação formal, em 1888, porém,
poiésis fundamentam a produção de um domínio de nas contradições da economia exportadora, manteve
consenso que possibilite o entendimento entre nossas abandonada e empobrecida uma grande massa de es-
sociedades complexas e tão interdependentes, con- cravos “libertos”.
tando com dois poderosos recursos: impulsos altruís- Concomitantemente, a luta dos republicanos ain-
tas e poder da reflexão consciente. da que tenha constituído o Estado-nação brasileiro,
Há contradição entre a evolução histórica do po- em 1889, com a consequente implementação dos três
tencial criativo do ser humano e sua impossibilidade poderes, a oligarquia que dele se apropriou tem per-
de realização no modo de produção capitalista, sus- sistido e colaborado na “colonização” imperialista dos
tentado pela ideologia individualista materialista, tão
bem demonstrada, primordialmente, na obra de Marx
& Engels (1961), ao afirmar a emancipação humana,
dependente da consciência da classe trabalhadora “de
si” e “para si”. Tal contradição tem se agravado nesta
fase imperialista, sob a hegemonia do capital finan-
ceiro, expressando o esgotamento ou a inviabilida-
de de qualquer avanço para a humanidade. Ou seja,
como afirma o geógrafo britânico David Harvey (2016,
p.9,p.287) as “crises são essenciais para a reprodução
do capitalismo...” e, ao demonstrar dezessete contra-
dições entre o capital e os interesses da massa da po-
pulação, propõe o fim do capitalismo.
Com a segunda guerra mundial, seguida da
guerra fria e, mais recentemente, as guerras híbridas
(KORYBKO, 2015) e lawfare, atingindo a América Lati-
na, desenha-se uma geopolítica mundial como arena
de disputa entre os interesses do capital e do trabalho,
na qual a hegemonia do sistema financeiro exige resis-
tência política local, nacional e internacional com inte-

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EUA. Recentemente, neste jogo de forças e tensões, geógrafo brasileiro Milton Santos (2002, p. 51), quan-
o Brasil, de cobiçado patrimônio natural e humano, do afirmou, por ocasião dos 500 anos, que a “tensão
em seu processo crescente de afirmação da sobera- entre o universal e o internacional se encontra na raiz
nia nacional e crescimento econômico com redução de nossa necessidade de legitimar a cultura brasilei-
da desigualdade social, ao liderar a formação de um ra”. (grifo nosso)
novo bloco composto pela Rússia, India, China e África Em dimensão continental, estrategicamente loca-
do Sul (BRICS) ameaçou a chamada “ordem mundial”. lizado nos trópicos, o cobiçado e ameaçado patrimônio
Estudos indicam (CASEMIRO,2018) que, após a vitória natural brasileiro, é caracterizado pela abundância de
eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Tra- minérios (destaque para o petróleo) e biodiversidade,
balhadores (PT) em 2002, os EUA adotou a estratégia com diferentes biomas e variedades climáticas, exten-
de guerra híbrida e lawfare e, novamente, patrocinou so litoral, florestas tropicais, aquíferos, sons variados e
novo golpe de Estado concretizado na forma de im- cores diversas, manifestando possibilidades de sobre-
peachment da presidenta eleita Dilma Roussef do PT, vivência humana.
em 2016. Golpe continuado, em 2018, com o impe- Neste ambiente natural, como patrimônio huma-
dimento da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à no singular, fruto de três matrizes civilizatórias - indí-
presidência da república, mantido como preso políti- gena, portuguesa, africana - vem sendo forjado o povo
co, acusado sem provas, sendo garantido conturbado brasileiro, preservando suas raízes culturais de identi-
processo eleitoral e empossando um presidente neoli- dade e de pertencimento geradas nas tradições mile-
beral subalterno aos EUA, com traços fascistas. nares (RIBEIRO,1995; LEONARDI,2005; SANTOS,2005),
Para marcar a contribuição singular do Brasil nes- no bojo da luta de resistência por sua autodetermina-
sa geopolítica mundial, faz-se atual a contribuição do ção, profundamente marcada por mais de 300 anos de

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escravidão, continuada na desigualdade social de alta
concentração de renda.
Os povos nativos indígenas em número estima-
do de 4 a 5 milhões, em 1500, reduzido a 896,9 mil
(IBGE-censo demográfico,2010), ainda que em cresci-
mento, corresponde a 0,4% da população brasileira,
abrangendo 305 etnias e 274 línguas, com presença
em todos os estados e 80,5% municípios. Convivendo
na natureza, geraram saberes originários, denominan-
do lugares, flora, fauna, espaço sideral, criando formas
de convivência comunitária, língua, cantos, danças, ri-
tos, produzindo artesanías e instrumentos de trabalho
e concebendo cosmovisões, de profundo imaginário
simbólico como na tradição oral guarani “o ser huma- com as forças da natureza, a força coletiva de trabalho
no é percebido como alma-palavra[...]corpo-vida[...] de irmãos oprimidos no cativeiro com a vontade e a
princípio dinâmico da luz cuja forma denominamos alegria de viver de cada um, somando-se aos ances-
consciência[...]O ser emerge do Todo, mas não se des- trais e aos que ainda virão, nesse conjunto que resulta
faz do Todo” (JECUPÉ,2001,p.56-57). no “ser com”, em ritos de cantos, tambores e movi-
Por sua vez, os portugueses herdeiros do culto do mentos (FUENTES, 2014).
Espírito Santo de Portugal, realizado pela primeira vez,
no século XIII, em Abrantes, trouxeram para o Brasil, Conclusão
onde é praticado e conhecido, até hoje, como “festa
ou folia do Divino”, nem sempre mantendo a tradição Arriscamos concluir que o povo brasileiro, de ra-
de três atos, descrita por Agostinho da Silva (1999, ízes milenares e cosmovisões humanamente emanci-
Parte I, p.1). padoras originárias de três civilizações, tem construí-
Os afro-brasileiros têm, na sua maioria, ances- do estratégias de sobrevivência em sua longa luta pela
tralidade banto aos quais se somaram outros grupos autodeterminação, constituindo uma cultura popular
africanos - Yorubá-Nagô, com seus orixás e inquices de base comunitária, solidária, cooperativa, de muti-
(ancestrais) e os malês, mulçumanos nagôs, letrados e rão, de adjutório, por um lado, dando sustentação ao
responsáveis pela grande Revolta dos Malês em 1835. desenvolvimento da consciência libertadora da classe
Nas sociedades africanas, a filosofia ou cosmovisão trabalhadora e, de outro lado, resistindo ao ataque
Ubuntu (palavra zuluque) sustenta a vida espiritual cotidiano de desumanização contida na ideologia in-
dividualista imposta pela classe dominante, que de-
senraiza o povo brasileiro, folcloriza a cultura popular
e usa a educação como mercadoria. Esta consciência
libertadora que mobiliza e organiza pode estar na base
dos atuais movimentos sociais, populares, identitários,
estudantis, sindicais e partidários em luta por uma so-
ciedade de base socialista.
Finalmente, consideramos que, desde 1968, a era
da consciência tem na obra “Pedagogia do Oprimido”,
de Paulo Freire - patrono da educação brasileira, prin-
cípios político-pedagógicos libertadores da educação
e cultura popular (FÁVERO,1983) que, uma vez exerci-
dos, possibilitam o processo criativo de afirmação da
identidade cultural brasileira singular, na própria busca
organizada coletivamente de solução dos problemas,
rumo a uma nova sociedade de base socialista. Para
Freire (1987), ninguém se liberta sozinho, ninguém se
educa sozinho “os homens se educam entre si, media-
tizados pelo mundo” (p. 68).
Somente quando os oprimidos descobrem,
nitidamente, o opressor, e se engajam na
luta organizada por sua libertação, come-

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çam a crer em si mesmos, superando, assim, práxis[...]. Os oprimidos, nos vários momen-
sua convivência com o regime opressor. Se tos de sua libertação, precisam reconhecer-
esta descoberta não pode ser feita em nível -se como homens, na sua vocação ontológica
puramente intelectual, mas da ação, o que e histórica de ser mais. A reflexão e a ação se
nos parece fundamental é que esta não se impõem, quando não se pretende, erronea-
cinja a mero ativismo, mas esteja associada mente, dicotomizar o conteúdo da forma his-
a sério empenho de reflexão, para que seja tórica de ser do homem.” (idem,p.52).

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CAMPANHA PELA REDUÇÃO DA
DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

O
Brasil persiste como um dos países de -se de um patamar ainda aquém daquele en-
maior desigualdade social no mundo: contrado em países com sistemas de proteção
os seis maiores bilionários brasileiros social mais benevolentes.
possuem riqueza equivalente à metade mais O problema não é tanto o tamanho da
pobre da nossa população (103 milhões de carga tributária, mas sim que seu peso não re-
pessoas). Segundo dados do IPEA, 0,5% da po- cai da mesma forma sobre todos os setores da
pulação economicamente ativa concentra 43% sociedade. Sua incidência é extremamente de-
do patrimônio declarado à Receita Federal. sequilibrada, aliviando os que mais deveriam
Somos 206 milhões de habitantes, com contribuir, enquanto a classe trabalhadora (so-
contrastes sociais e regionais profundos e, não bretudo as mulheres, os negros e negras) e o
obstante alguns avanços na última década, consumo são fortemente onerados.
muitos brasileiros continuam em situação de Não há como atender as crescentes de-
pobreza. O persistente problema da pobreza mandas sociais e, ao mesmo tempo, reduzir a
coexiste com a enorme concentração da ren- desigualdade de renda e riqueza, sem mexer
da e da riqueza em mãos de uma minoria. Um em nosso arcaico modelo tributário, no qual
dos principais mecanismos de concentração da 72% da arrecadação de tributos estão concen-
renda e da riqueza é nosso modelo tributário trados sobre o consumo (56%) e sobre a renda
regressivo, que além de economicamente irra- do trabalho (16%), ficando a tributação sobre a
cional, é socialmente injusto. renda do capital e a riqueza com apenas 28%,
Há que se destacar que a sociedade bra- na contramão do restante do mundo. Na média
sileira fez uma opção em 1988, inserindo na dos países da OCDE, por exemplo, a tributação
Constituição sistemas de seguridade social e de sobre a renda do capital representa 67% do to-
educação pública que assegurassem os direitos tal dos tributos arrecadados, restando apenas
sociais e as condições para o desenvolvimen- 33% sobre consumo e renda do trabalho.
to socialmente equilibrado. Esses objetivos, O grande peso dos tributos incidentes
naturalmente, demandam recursos públicos sobre o consumo gera concentração de renda
que sejam compatíveis. Para tanto, entre 1988 porque tais tributos não diferenciam os con-
e 2002, a carga tributária elevou-se de 26% tribuintes de acordo com sua capacidade eco-
do PIB para 33%, mantendo-se neste patamar nômica. Em outras palavras, ao adquirirem um
desde então. É importante destacar que trata- mesmo produto para consumo, uma pessoa

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JUSTIÇA SOCIAL
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pobre paga o mesmo imposto que uma pessoa rica. se Fórum Nacional pela questão tributária, que se ma-
Junta-se a isso a pouca progressividade do Imposto de terializa em ações concretas, tendo como inspiração
Renda, com alíquota já incidindo sobre a reduzida ren- reduzir a tributação sobre o consumo e a produção e
da de R$ 1.903,00 e máxima de 27,5% que é aplicada aumentar sobre a renda e a riqueza:
já a partir de R$ 4.664,00. • Reinstituir tributação sobre lucros e dividen-
Ademais, no Brasil o imposto sobre as grandes dos
heranças é muito baixo, indo ao máximo de 8% em • Ampliar número de faixas do IRPF, aumentar
alguns estados e não há imposto sobre grandes for- faixa de isenção e percentual máximo da alí-
tunas. Registra-se também a baixa tributação sobre a quota
renda do capital, com isenção à renda de juros sobre • Instituir imposto sobre grandes fortunas; Insti-
capital próprio e aos lucros distribuídos aos acionistas, tuir tributo sobre remessa de
além da quase nula tributação sobre o agronegócio e • lucros e dividendos ao exterior
sobre a renda fundiária. • Aumentar alíquotas dos tributos sobre heran-
Contudo, em lugar de rever essas distorções no ça e doação
modelo tributário, o governo prefere avançar na for- • Instituir tributo sobre ganhos financeiros e so-
mulação de proposta de reforma tributária que acaba bre juros sobre capital
de vez com a vinculação de recursos à Seguridade So- • próprio; Combater a sonegação
cial; cortar despesas com educação, saúde, previdên- • Aumentar a tributação sobre a propriedade ru-
cia e assistência; desviar, por meio da desvinculação ral e a renda fundiária
de receitas da União (DRU), recursos da área social e Mas se o combate pela redução da desigualdade
encaminhar reformas que desmontam a previdência social começa pela mudança do modelo tributário, en-
pública, precarizam as relações de trabalho e reduzem volve outras questões não menos importantes:
os direitos trabalhistas. • Mudar o modelo tributário
Tratam-se de propostas voltadas para interesses • Preservar e ampliar os direitos sociais
do capital que, se fossem devidamente explicitadas, • Preservar e ampliar políticas públicas de valori-
não teriam apoio popular. Ao mesmo tempo, se omi- zação do trabalho e de educação
te em enfrentar a causa maior do desequilíbrio das • Reforçar a função social do Estado
contas públicas, que são os gastos com juros da dívi- • Ampliar a democracia e a participação social
da pública (responsáveis por 80% do déficitnominal),
as excessivas renúncias fiscais, a sonegação fiscal, e as
vergonhosas negociações em paraísos fiscais.
O Brasil vive uma profunda crise econômica que
é agravada pela política macroeconômica do governo.
É preciso retomar o crescimento econômico, mas não
a qualquer preço, e sim preservando a inclusão social
e avançando na distribuição social e espacial da renda.
No campo da Política Macroeconômica, por exemplo,
persistem os mesmos equívocos de se combater a in-
flação com as políticas Monetária (juros elevados) e
Cambial (câmbio apreciado), que impedem a retoma-
da da trajetória de crescimento da economia e a maior
inclusão social.
A retomada do crescimento sustentável se fará
mediante a realização de investimentos produtivos e
sociais, gerando emprego e renda para o país e para
a população; impedindo a continuidade das privatiza-
ções de serviços públicos estratégicos, e estancando
a avassaladora transferência de recursos para o setor
financeiro nacional e internacional por meio de juros
abusivos e outros mecanismos de política monetária
equivocada.
Nosso principal objetivo é a redução da desigual-
dade social no Brasil e vamos iniciar a caminhada des-

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