Revista Judicial 1
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EXPEDIENTE:
COORDENADORA DA PUBLICAÇÃO REDAÇÃO PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO TIRAGEM
Natália Duarte – ANPAE/DF Manoel Castanho e Natália Kenupp Antonio Rubens (61) 99976-8608 1.000 exemplares
CONSELHO EDITORIAL SECRETARIA IMPRESSÃO
Wellington Leonardo da Silva Jane Silva e Raphael Pacheco Cidade Gráfica e Editora Ltda
Maria Cristina Araújo
Gilson Duarte
APOIADORES:
T
enho a honra de, representando as enti- transferir aos hospitais públicos as verbas ne-
dades que compõe o Fórum Nacional pela cessárias, que são pagas por cada um de nós
Redução da Desigualdade Social, apresen- com nossos impostos; e os segundos, por não
tar nossa primeira revista. Seus artigos foram pagarem o que devem quando lá desovam seus
produzidos pelos palestrantes do nosso primei- clientes para atendimento.
ro seminário, realizado em dezembro de 2018, Em relação à Previdência pública, isto
no qual foram discutidas questões relacionadas aconteceu no Chile, onde trabalhava Paulo
à Reestruturação da Seguridade Social e da Edu- Guedes durante o governo do ditador sangui-
cação. nário Augusto Pinochet. Atualmente, o traba-
Com esta publicação, o Fórum vem contri- lhador chileno se aposenta para receber entre
buir para levar à sociedade, em linguagem aces- R$ 360,00 e R$ 480,00, valores convertidos do
sível e amparada em argumentos técnicos de peso chileno, e o nível de suicídio de aposen-
profissionais da mais alta competência, visões tados, em função das condições de miséria em
diferenciadas capazes de permitir o mais amplo que foram submetidos, atingiu para os maiores
debate sobre os problemas sociais brasileiros, de 80 anos, considerando taxa média por cada
apresentar alternativas às políticas criminosas 100.000 habitantes, o percentual de 17,7%.
que estão sendo cometidas contra o nosso povo Para os que têm entre 70 e 79 anos, 15,4% em
pelos atuais ocupantes dos Poderes Executivo, média. O Chile detém hoje a mais alta taxa de
boa parte do Legislativos e do Judiciário, em de- suicídios da América Latina.
fesa dos interesses dos bancos e rentistas. Nestes tempos de obscurantismo político
Apenas como um dos vários exemplos pos- e de ameaças à democracia, nos quais alguns
síveis, faço um paralelo entre os planos de saú- juízes formam gangues com procuradores da
de privados e os futuros planos de previdência República para ganharem ministérios no futuro,
complementar, também privados, como deseja o Fórum pela Redução da Desigualdade Social
o “filho de Chicago” Paulo Guedes. O resultado continuará trabalhando e produzindo informa-
da destruição da Previdência Social no Brasil, e ção técnica de qualidade para estimular os de-
podem esquecer o título “Reforma da Previdên- bates e as tomadas de posição dos excluídos,
cia”, será o mesmo surgido da transformação da os quais representam milhões, neste País onde
saúde em negócio privado. Ou seja, quem pode 0,9% dos habitantes detêm pelo menos 60% da
pagar R$ 2.000,00 ou mais por um plano de saú- riqueza.
de tem assistência; quem não puder morrerá
na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) que o Não nos intimidemos e vamos à luta!
governo federal e os próprios planos de saúde
privados tratam de matar. O primeiro, por não Boa leitura!
O
texto constitucional original (1988) dei- sa financeira ilimitada e a Dívida Pública idem
xa claro a pretensão de estabelecer um como espaço privilegiado de abrigo aos pro-
subsistema de finanças sociais, anco- prietários da riqueza financeira.
rado principalmente no Orçamento da Segu- A ‘práxis’ concreta da política pública
ridade Social e nas vinculações tributárias às opera com muita articulação nos vários subsis-
políticas sociais específicas da Seguridade So- temas que compõem um sistema de finanças
cial e da Educação. Essas vinculações são uma públicas – moeda, tributação, orçamentos, dí-
espécie de suporte de meios financeiros espe-
cíficos no Título que trata “Da Tributação e dos
Orçamentos” (TítuloVI), para suprir adequada-
mente as políticas sociais, tratadas em termos
de Diretrizes Gerais no Título VIII – Ordem So-
cial e nos Princípios Fundamentais e Direitos
e Garantias, declarados nos Títulos iniciais da
Constituição (I e II). No entanto, a Constituição
de 1988 contém conjunto do ordenamento
das finanças públicas que persegue outros ob-
jetivos, que sinteticamente poder-se-ia decla-
rar como de privilégio distributivo aos proprie-
tários da riqueza financeira. Guilherme Delgado - Possui doutorado em
A evolução no tempo das Emendas Cons- Ciência Econômica pela Universidade Estadu-
titucionais sobre matéria de finanças públicas, al de Campinas (1984). Tem experiência na
principalmente a partir do Plano Real, revela área de Economia, com ênfase em Economia,
atuando principalmente nos seguintes temas:
um sentido muito claro, simultaneamente coe- agricultura, política agrícola, política social,
rente e perverso do ponto de vista distributivo: previdência social e previdência rural.
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vidas públicas e haveres públicos, em linha da irres- põe o Estado Constitucional, para sua própria reprodu-
ponsabilidade social e fiscal, não limitação fiscal do ção, como e principalmente para cumprir as funções
gasto financeiro e inimputabilidade criminal do ilícito econômico-sociais a que o Estado está explicitamente
fiscal-financeiro, critérios que convertem o sistema designado nos demais Títulos; e bem assim de outras
em campo aberto à desigualdade distributiva, como funções derivadas, que se exercitam pelas operações
também ao desequilíbrio financeiro estrutural, mate- de políticas públicas ao longo da história - sobre a dis-
rializado por uma dívida pública de origem financeira tribuição de renda (e riqueza), que se opera no interior
incontrolada. do Sistema, seja para melhoria dos padrões de igual-
dade social, mas também no seu inverso – à concen-
A estrutura jurídico-conceitual das Finanças tração de renda e da riqueza social.
Públicas de 1988: Organização e Alcance Por sua vez, dado o enfoque sistêmico desse sis-
tema (de finanças públicas), o perfil distributivo pre-
No texto constitucional o capítulo específico – cisa ser perseguido no conjunto dos subsistemas que
“Das Finanças Públicas” está situado no interior de um o integram. Neste, partes e peças podem cumprir
Título VI, que trata “Da Tributação e dos Orçamentos”. funções distintas e até antinômicas. Por seu turno, as
Essa organização contém certa dose de arbitrariedade mutações do sistema geral no tempo, seja por Emen-
formal. Isto porque finanças públicas conceitualmente das Constitucionais sucessivas; seja por legislação in-
não é subsistema de ‘Tributação e Orçamento’, mas o fraconstitucional ou até por meios não constitucionais,
contrário o é. E sendo como o são os “Títulos” cons- também podem construir uma estrutura paralela de
titucionais, estruturas normativas com pretensão de finanças públicas, com determinados perfis distribu-
sintetizar sistemas jurídicos, a inversão citada choca- tivos apoiados na economia política dominante. Esta,
-se em certo sentido com a estruturação orgânica do detém poder para fazê-lo, mesmo à margem dos crité-
texto constitucional. rios de legitimação da Constituição Federal (CF).
Vistas sob esse enfoque sistêmico, as finanças pú- Do exposto, duas deduções parciais: o sistema
blicas desempenham no ordenamento constitucional precisa ser avaliado no seu funcionamento de conjun-
papel central na organização de todo texto, por que to, de maneira a se aferir o sentido distributivo global
são as fontes de meios de financiamento de que dis- de sua operação; o critério de legalidade regendo nor-
Taxa juros SELIC Déficit Nominal Déficit (+) ou Supe- Dívida Liq. do Seto
Anos
Nominal/Real em% PIB ravit Primário (-) Público em % PIB
P
aíses em desenvolvimento que criam ins- cas. As situações podem ser as mais diversas;
tituições de seguridade social buscando a no entanto, pode-se concluir que, no geral, a
proteção das famílias enfrentam desafios demanda por tais serviços é alta e a capacida-
ainda não solucionados pelas políticas públi- de contributiva da média dos trabalhadores é
diminuta. Períodos caracterizados por baixo
desempenho econômico tendem a gerar pro-
blemas financeiros nos sistemas de previdên-
cia, pois existe um aumento da demanda por
benefícios e a desaceleração econômica não
eleva os níveis a arrecadação.
Embora a descrição inicial seja aceita pela
maioria dos especialistas, as propostas de re-
forma não são consensuais. Aqueles favoráveis
às políticas inspiradas pelo Consenso de Wa-
shington acreditam que o problema-chave é a
estrutura dos sistemas de previdência tradicio-
Milko Matijascic - Possui graduação em
Economia pela Pontifícia Universidade Católi- nais, ao estimular o oportunismo dos segura-
ca de São Paulo(1988), mestrado em Ciência dos e não atrelam rigorosamente o valor dos
Econômica pela Universidade Estadual de benefícios ao montante total de contribuições.
Campinas(1991), doutorado em Ciência Eco- Segundo o Consenso de Washington, pro-
nômica pela Universidade Estadual de Cam- messas generosas de benefícios geraram pe-
pinas(1996) e curso-tecnico-profissionalizante
em Sciences Èconomiques et Sociales pela sados ônus fiscais. Este círculo vicioso poderia
Academia de Poitiers(1983). Atualmente ser interrompido por reformas paradigmáticas
é professor titular do Centro Universitário baseadas na lógica de mercado. Estes argu-
Salesiano. Tem experiência na área de Econo- mentos engendraram reformas da previdência
mia, com ênfase em Economia do Bem-Estar com base em contas previdenciárias individu-
Social, atuando principalmente nos seguintes ais capitalizadas (CPI). Os benefícios decorre-
temas: Previdência, Fundo de Pensão, Segu-
ridade, Reforma do Estado, Projeções Econô- riam da acumulação de ativos e da redução do
mico Financeiras e Finanças Públicas. comprometimento fiscal do governo, visto que
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estes regimes não estavam baseados na solidariedade digmáticas, adotaram medidas paramétricas em suas
social entre gerações, como os regimes de repartição: ações. Ao avaliar os resultados das reformas paradig-
único e de adesão obrigatória aos fundos; misto inte- máticas, foi possível verificar que:
grado com camadas sobrepostas de CPI e repartição; • a gestão foi onerosa e ineficiente;
e, misto em concorrência entre CPI e repartição. • a cobertura de contribuintes não aumentou;
A alternativa brasileira de reforma foi a aborda- • os custos de transição foram muito maiores
gem paramétrica, baseada na manutenção de todas as que os previstos, deteriorando as finanças pú-
características básicas dos regimes tradicionais, bem blicas;
como na adaptação da legislação, com o intuito de • não existe evidência que a poupança tenha au-
tornar mais rigorosas as condições de elegibilidade, mentado;
aumentando os esforços de contribuição ou reduzindo • os mercados de ações não absorveram os re-
as taxas de reposição dos benefícios. Houve uma com- cursos de fundos previdenciários sendo os
binação destas políticas para enfrentar as dificuldades. mesmos desviados para títulos da dívida pú-
Os reformadores consideraram esta abordagem in- blica; e
cremental como uma solução realista, pois não havia • os mercados de trabalho continuaram marca-
custos de transição e a solidariedade ainda seria um dos pela baixa formalização das relações de
valor social. trabalho e pela reduzida de densidade de con-
Medidas de cunho paramétrico como a poster- tribuições.
gação da elegibilidade ou a adoção de fórmula de be- O quadro 1 apresenta os movimentos de refor-
nefício que incluem um período maior de cotização mas das reformas decorrentes de reformas paradig-
também integram as reformas paradigmáticas, sendo máticas.
necessárias para enfrentar o envelhecimento. Assim, a Segundo o quadro 1, existe clara tendência à rein-
maioria dos países que promoveram as reformas para- trodução de sistemas públicos de previdência social,
Peru Manter 95% dos fundos como montante fixo na aposentadoria 2016
Rep. Checa Novo Governo encerra CPI que começou em 2013 2014
Estônia (2009)
Argentina (2008)
Letônia (2009)
Hungria (2011)
Lituânia (2009)
Chile (2008) Polônia (2014)
Polônia (2011)
Colômbia (em processo) Rep. Checa (2014)
Eslováquia (2012)
Uruguai (em processo) Cazaquistão (2014)
Romênia (2009)
Rússia (2015)
Peru (2016)
Bolívia (2011-2016)
El Salvador (2016)?
mais elevado de contribuintes. Os países europeus e diminui o número de contribuinte. Reformas paradig-
os EUA possuem maiores níveis de assalariamento que máticas ou paramétricas não conseguem contornar
os demais. O fato dos rendimentos possuírem valores esse obstáculo per se.
menos elevados indica que a componente de seguro Ao analisar o sistema de previdência em estudos
social clássico apresenta limitações. de diversos matizes em vários países em desenvolvi-
Os países da América Latina apresentam índices mento e focalizando a atenção no cenário brasileiro, é
de não assalariamento elevados. Nesses países, as di- possível afirmar que a instituição é generosa em rela-
ficuldades para empregar em ocupações assalariadas ção aos mais abastados e severa para aqueles que se
de longa duração ainda não se equipara a países de- inserem precariamente no mundo do trabalho. Contu-
senvolvidos. No caso de países da América Latina, o do, é preciso observar os segmentos populacionais de
número de trabalhadores por conta-própria é alto e forma distinta.
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Washington:
N
o Brasil a evolução do modelo europeu
oitocentista para uma seguridade uni-
versalista foi politicamente desconsi-
derada até 1988. Simultaneamente, as bases
para a americanização do Estado foram gradu-
almente desenvolvidas e financiadas pela lon-
ga manutenção dos superávits do modelo de
partição sempre renovado mediante controle
seletivo da ampliação gradual de cobertura. Carlo HG Zanetti - Possui graduação em Odon-
Portanto, quando tudo era favorável à ideia tologia pela Universidade Federal de Juiz de
de seguridade nas democracias do capitalismo Fora (1987), especialização em Saúde Pública
avançado europeu, não vivenciamos aqui a ida- (1988), mestrado (1993) e doutorado (2005),
todos pela Escola Nacional de Saúde Pública da
de de ouro do Estado de Bem Estar Social (anos Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente é professor
50 e 60). da Universidade de Brasília, no Departamento
Tempo e espaço determinaram muitas di- de Odontologia e já foi colaborador do Insti-
ferenças. As transições no Sul da Europa, espa- tuto de Ciência Política/UnB. É pesquisador do
cialmente favorecidas pelo contexto regional, Núcleo de Estudos em Saúde Pública/UnB, na
Rede Observatório de Recursos Humanos. Desde
antecederam as latino-americanas em mais de 2007, tornou-se assessor da Comissão Nacional
quinze anos. Sob ideário autóctones, por lá fo- de Ética em Pesquisas (CONEP) do Conselho Na-
ram instituídos sistemas nacionais e universais cional de Saúde. Tem experiência nas áreas de
de saúde tardios onde provedores privados Saúde Coletiva e Ciência Política, com ênfase em
foram incorporados em caráter suplemen- Saúde Bucal Coletiva e Política Social, atuando
tar aos sistemas públicos. Considerando suas principalmente nos seguintes temas: saúde da
família, política de saúde, avaliação dos serviços
histórias, algumas estruturas meritocráticas de saúde, serviços de saúde bucal-economia e
de oferta pública foram mantidas, ocasional dotação de recursos para cuidados à saúde.
e marginalmente comprometendo a efetivação de seu crescimento. Nem mesmo no Sul da Europa que
noções de igualdade e equidade, sem comprometer os constituía. O internacionalismo do ambiente da UE
substancialmente a universalidade do sistema, a cen- favoreceu à consolidação dos SNS tardios do Sul.
tralidade da gestão pública e sua dignidade. Por aqui, em longitudes de hegemonia norte-
Mesmo tardios, os SNS europeus do sul con- -americana, o ideário europeu em franco abandono
seguiram fazer frente ao legado de atraso dos seus foi resgatado quando da excepcionalidade do gigan-
governos conservadores e ditaduras. Enfrentamen- tesco tropeço de domínio geopolítico estadunidense
to que pesou mais que os primeiros movimentos no representado pelo fracasso e incapacidade adaptativa
início dos anos 80 da onda neoliberal liderada por dos processos de desenvolvimento econômico dos Es-
Thatcher, Reagan e Kohl objetivada no desmonte do tados Burocrático-Autoritários latino-americanos.
Estado de Bem Estar. Esse “tropeço” na escalada da americanização do
Ao final dessa década esses sistemas existiam, Brasil na “década perdida” possibilitou instituir uma
mesmo quando só Suécia, Áustria e Japão resistiam Nova República com ideário civilizatório e de proteção
à onda neoliberal. Justamente quando, dada a des- social europeu, promulgando uma Constituição Cidadã
regulamentação financeira, a recuperação dos lucros que condensou materialmente a seguridade social com
promovida pelo ambiente de ataque ao Welfare State provisão constitucional de proteção universal e finan-
criou condições mais propícias à inversão especulati- ciamento solidário para além das contribuições diretas
va que produtiva. Avançou-se na consolidação de uma empregador-empregado, implicando o faturamento e
União Europeia neoliberal: austeridade, oligarquia e lucro das empresas, receitas de loterias e financiamen-
mobilidade dos fatores de produção (bens e trabalho). to governamental. Provisão feita quando as contribui-
Na saúde, a onda produziu a desaceleração da ções diretas em regime de repartição eram superavitá-
destinação de recursos aos sistemas nacionais de saú- rias e ainda não se faziam sentir mudanças na estrutura
de universais europeus, mas não conseguiu impedir demográfica e epidemiológica de então e no modelo
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tps://mondediplo.com/2017/03/02brexit>
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as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 9-23.
iii. Isso considerando que a gestão da Previdência Pública brasileira nunca foi auditada.
iv. Se considerar a cobertura vacinal, vigilâncias – sanitária, epidemiológica, ambiental - etc., essa cober-
tura sobe para 100% dos 207 milhões de cidadãos.
v. INE. Conta Satélite da Saúde 2015 – 2017Pe. Acessado em 10/12/2018. Disponível em: <https://www.ine.
pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=334346115&att_display=n&att_download=y>
vi. PORDATA. Despesa corrente em cuidados de saúde: total e por tipo de agente financiador. Acessado
em 10/12/2018. Disponível em: <https://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/
Tabela>
vii. Americanização que até então não atingira a Previdência, uma vez que ela vinha superavitária.
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Financiamento da educação
e os ataques da mercantilização e
privatização ao fundo público
Natalia de Souza Duarte*
U
ma educação pública, gratuita, laica, de
qualidade, que reconhece e valoriza a
diversidade é recurso estratégico das
sociedades mais justas e com menor desigual-
dade social. A despeito dessa constatação, a
universalização da educação pública sempre
enfrentou resistências. As experiências inter-
nacionais asseguram que a melhor maneira de
o Estado assegurar o direito à educação é por
meio de prestação direta do serviço e por po-
Natalia de Souza Duarte - Possui graduação
líticas públicas. Entretanto, “os reformadores em Educação Física e Pedagogia, especializa-
sociais da esquerda europeia defendiam me- ção em Aprendizagens, mestrado em Educa-
didas de proteção social que incluíssem todos ção, doutorado e pós-doc em Política Social
indistintamente, enquanto os liberais-conser- pela UnB. Professora da socioeducação da
vadores rechaçavam essa ideia por considerá- SEDF, atualmente é Coordenadora de Escola de
Educação Básica, integra o Fórum Distrital de
-la esbanjadora” (PEREIRA, 2009, p. 6). Desde Educação, é diretora da ANPAE/DF e pesquisa-
então as perspectivas em disputa por hegemo- dora do grupo TEDis da UnB. Tem experiência
nia são: i) proteção social - a sociedade para na área de Educação, 30 anos na Educação
existir necessita de um conjunto de relações básica, 20 anos no ensino superior e pós-gra-
de interdependência e solidariedade que re- duação, atuando principalmente nos seguintes
conhece a cidadania e a defende para todo o temas: pobreza, socioeducação, formação de
professores, avaliação, alfabetização e letra-
conjunto da população constituindo dispositi- mento. Desenvolveu tecnologia educacional
vos montados para responder a esse espírito para alfabetizar aprovada pelo MEC e reco-
de igualdade; ii) o mercado e a sociedade são, mendada pelo Guia de Tecnologias 2011/2012.
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Dessa tensão originam-se perspectivas opostas a educação não fosse vítima de ataques e estabeleceu
- universalização pública ou focalização privatista. A que a União aplicaria na educação básica no mínimo
perspectiva de direitos humanos como invioláveis e 18%, os Estados, o DF e os municípios 25% da receita
marco regulatório da sociedade vem perdendo ter- resultante de impostos. No entanto os recursos pre-
reno, especialmente porque os direitos necessitam vistos foram insuficientes e a taxa de escolarização da
de medidas do Estado para sua efetivação. Os direi- população até meados dos anos 90 não alcançou 90%
tos sociais necessitam da prestação estatal que acaba das crianças de 7 a 14 anos, com distribuição extre-
por representar “a substância, o núcleo, o conteúdo mamente desigual (CALLEGARI, 2008). Para superar a
essencial do direito; em casos como o direito à saúde desigualdade e ampliar as matrícula, o Estado instituiu
ou à educação gratuitas, a intervenção estatal aconte- fundos de desenvolvimento para a educação.
ce toda e cada uma das vezes que o direito é exercido: Em 1996 foi constituído o Fundo de Manuten-
a inexistência da prestação estatal supõe automatica- ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
mente a negação do direito” (PELÁEZ, 2003, p. 21). Ou Valorização do Magistério (FUNDEF - EC 14/96) para
seja, para a positivação é necessário financiamento redistribuição dos recursos destinados ao ensino fun-
público e disponibilidade de orçamento estatal. damental, subvinculando 60% dos recursos (15% da
arrecadação global de estados e municípios) a 1ª a 8ª
Financiamento da educação séries da educação básica. O resultado foi contunden-
te e 10 anos mais tarde o FUNDEF foi substituído pelo
Para prestar os serviços de educação pública nos- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-
sa Constituição Federal vinculou recursos para que, in- ção Básica (FUNDEB - EC 53/2006) que ampliou os re-
dependentemente do governo escolhido em eleição, cursos para a educação por meio de complementação
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acordo sobre serviços. Os sindicatos de professores ção via dedução dos gastos com educação privada no
em todo o mundo vêm se mobilizando contra o TISA Imposto de Renda da Pessoa Física – IRPF, assegura
defendendo a educação como bem público. Para Gra- uma “bolsa-escola privada” de R$ 77,00 mensais às
vielatos (2018) a mercantilização da educação fortale- famílias de classe média e alta que matriculam seus
ce as desigualdades, precariza e desvaloriza as condi- filhos nas escolas privadas, sem limite de filhos. Bem
ções de trabalho, os direitos dos professores e corrói acima do Benefício concedido pelo Bolsa-Família. Ou-
as decisões democráticas e o financiamento público tra informação desconhecida de nossa abissal desi-
nos países. gualdade: 50,1% dos estudantes da educação básica
As desonerações, por sua vez, são estratégias são beneficiários do programa Bolsa Família8.
de privatização da educação a partir do financiamen- A Emenda Constitucional nº 95/2016 instituiu o
to indireto promovido por meio de renúncias fiscais Novo Regime Fiscal (NRF). Segundo Amaral (2017), o
– isenções, anistias, imunidades, reduções de alí- orçamento da União foi quebrado em partes indepen-
quotas, deduções ou abatimentos e adiamentos de dentes: a do capital para pagamento de juros e sem
obrigações de natureza tributária. As desonerações qualquer limite; e a do Poder Executivo, impedida de
apresentaram crescimento de 267% em relação ao qualquer crescimento. Na prática foi a inviabilização
PIB passando de 1,68% em 2000 para 4,5% do PIB em das políticas sociais.
2018 - a soma concedida ao capital foi de 290 bilhões Por fim, o moralismo hipócrita de movimentos
de reais em 20186. Na área de educação, a desonera- como “Escola Sem Partido”, “ideologia de gênero” e
ção ocorre por meio de sete programas tributários, de reação a um “marxismo cultural” impõe à educa-
sendo que 70% dos valores desonerados ocorrem em ção estratégias de naturalização das desigualdades
função da imunidade tributária concedida a 2.0397 e invisibilização da pobreza. Segundo Arroyo (2014),
empresários filantropos donos de instituições de edu- essa visão moralista sobre a pobreza atribui ao pobre
cação beneficentes de assistência social. A desonera- e à diversidade as razões da sua condição. Essas es-
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tratégias invertem a realidade e difundem a crença nando o Estado a fim de reconduzir o Brasil ao ideário
de que a “pobreza espiritual” dos pobres produz sua democrático e socialmente justo, conforme desenha-
pobreza material. do em nossa Constituição Federal. Nos tempos atuais,
não há direito que se conquiste sem luta ou que se
Resistir mantenha sem forte e permanente mobilização.
Notas:
Os acirrados ataques ao fundo público aliados à
1 Portaria MEC Nº 1.462 de 01/12/2008, disponível em http://www.
omissão do Estado no asseguramento de direitos pre- normasbrasil.com.br/norma/portaria-1462-2008_210887.html
cisam ser compreendidos a partir da conjuntura mun- 2 Portaria MEC Nº 565 de 20/04/2017, disponível em https://www.fnde.
dial do capitalismo financeiro que concentra rique- gov.br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/item/10925-
-portaria-mec-n%C2%BA-565,-de-20-de-abril-de-2017
za, destrói direitos e expande a pobreza. A luta pela 3 Para acesso aos indicadores, ver: Observatório do PNE- disponível em
construção das condições necessárias ao exercício dos http://www.observatoriodopne.org.br/indicadores/metas/2-ensino-
direitos – incluso o direito à educação – integra, ne- -fundamental/indicadores
cessariamente, a luta pela redução da pobreza e desi- 4 Idem.
5 Ver Portal da Transparência, disponível em http://www.portaltranspa-
gualdade social. rencia.gov.br/funcoes/12-educacao?ano=2018
É preciso resistir aos retrocessos neofacistas que se 6 Dados obtidos na Receita Federal do Brasil, disponível em http://recei-
imiscuem com perspectivas ultra neoliberais e retomam ta.economia.gov.br/dados/receitadata/renuncia-fiscal/demonstrati-
vos-dos-gastos-tributarios/dgt-bases-efetivas-e-projecoes
desmonte do Estado e pautas conservadoras machistas,
7 Dados obtidos por meio do Sistema do MEC – CEBAS Educação.
racistas, homofóbicas e aporofóbicas9. A conjuntura é Para maiores informações consultar http://cebas.mec.gov.br/index.
adversa, mas a luta se renova e nos fortalece com as php?option=com_content&view=article&id=39&Itemid=142
poucas, porém importantes vitórias - nacionais e inter- 8 Dados obtidos no Sistema Presença, em: http://frequenciaescolarpbf.
mec.gov.br/presenca/controller/login/efetuarLogin.php
nacionais. Juntos já experimentamos dias melhores. 9 O Termo “aporofobia” é um neologismo criado pela filósofa Adela
O Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Cortina que designa o preconceito à pobreza, ou rechaço aos pobres.
Social é fruto dessa resistência. Soma-se a inúmeras Foi eleito o termo do ano em 2017 na Espanha. É conceituado no Livro
da mesma autora intitulado: Aporofobia, el rechazo a los pobres- un
Instituições e Movimentos sociais que vêm pressio- desafio a la democracían.
REFERÊNCIAS
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N
o âmbito do Fórum Nacional pela Redu- como consciência cósmica, integrando um
ção da Desigualdade Social a temática holos ou holon, refletindo com o físico Brian
da “Educação e Cultura Popular” remete Swimme (1991, p. 53) “olhe para a sua mão -
a alguns referenciais cujas fontes citadas per- você acha que ela lhe pertence? Cada elemen-
mitem o aprofundamento desta reflexão pre- to foi criado em temperaturas um milhão de
liminar como texto em aberto. Inicialmente, vezes mais quentes do que a fusão da pedra;
há que assumir a vida humana na sua origem, cada átomo foi moldado no intenso calor da
estrela (supernova explosão primordial) [...] e
à medida que você se transforma na atividade
do amor, você, ao mesmo tempo, aumenta a
vida ao seu redor”. Como pensar a respeito?
Comece a partir de seus deslum-
bramentos, a partir do seu próprio
conjunto de relacionamentos. Seus
deslumbramentos o induzem à ativi-
dade de suscitar a vida a seu redor.
Há pessoas e criaturas em torno de
você que só emergirão para uma vi-
talidade intensificada, com um gosto
renovado pelas aventuras da vida, se
você perseguir o seu destino com a
Maria Luiza Pinho Pereira - Mestre em mesma devoção extravagante como
Educação pela Universidade de Brasília, a estrela persegue o seu. (SWIMME,
professora aposentada da Faculdade de 1991, p. 53)
Educação da UnB e membro da coorde- Por sua vez, recordando o ritmo acelera-
nação do GTPA-Fórum de Educação de do da vida por si mesma numa espiral evolucio-
Jovens e Adultos/DF, representante titular nária, de origem estelar, o físico Peter Russell
no Fórum Distrital de Educação.
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SWIMME, Brian. O universo é um dragão verde - uma história cósmica da criação. Tradução de Rubens
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O
Brasil persiste como um dos países de -se de um patamar ainda aquém daquele en-
maior desigualdade social no mundo: contrado em países com sistemas de proteção
os seis maiores bilionários brasileiros social mais benevolentes.
possuem riqueza equivalente à metade mais O problema não é tanto o tamanho da
pobre da nossa população (103 milhões de carga tributária, mas sim que seu peso não re-
pessoas). Segundo dados do IPEA, 0,5% da po- cai da mesma forma sobre todos os setores da
pulação economicamente ativa concentra 43% sociedade. Sua incidência é extremamente de-
do patrimônio declarado à Receita Federal. sequilibrada, aliviando os que mais deveriam
Somos 206 milhões de habitantes, com contribuir, enquanto a classe trabalhadora (so-
contrastes sociais e regionais profundos e, não bretudo as mulheres, os negros e negras) e o
obstante alguns avanços na última década, consumo são fortemente onerados.
muitos brasileiros continuam em situação de Não há como atender as crescentes de-
pobreza. O persistente problema da pobreza mandas sociais e, ao mesmo tempo, reduzir a
coexiste com a enorme concentração da ren- desigualdade de renda e riqueza, sem mexer
da e da riqueza em mãos de uma minoria. Um em nosso arcaico modelo tributário, no qual
dos principais mecanismos de concentração da 72% da arrecadação de tributos estão concen-
renda e da riqueza é nosso modelo tributário trados sobre o consumo (56%) e sobre a renda
regressivo, que além de economicamente irra- do trabalho (16%), ficando a tributação sobre a
cional, é socialmente injusto. renda do capital e a riqueza com apenas 28%,
Há que se destacar que a sociedade bra- na contramão do restante do mundo. Na média
sileira fez uma opção em 1988, inserindo na dos países da OCDE, por exemplo, a tributação
Constituição sistemas de seguridade social e de sobre a renda do capital representa 67% do to-
educação pública que assegurassem os direitos tal dos tributos arrecadados, restando apenas
sociais e as condições para o desenvolvimen- 33% sobre consumo e renda do trabalho.
to socialmente equilibrado. Esses objetivos, O grande peso dos tributos incidentes
naturalmente, demandam recursos públicos sobre o consumo gera concentração de renda
que sejam compatíveis. Para tanto, entre 1988 porque tais tributos não diferenciam os con-
e 2002, a carga tributária elevou-se de 26% tribuintes de acordo com sua capacidade eco-
do PIB para 33%, mantendo-se neste patamar nômica. Em outras palavras, ao adquirirem um
desde então. É importante destacar que trata- mesmo produto para consumo, uma pessoa
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JUSTIÇA SOCIAL
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pobre paga o mesmo imposto que uma pessoa rica. se Fórum Nacional pela questão tributária, que se ma-
Junta-se a isso a pouca progressividade do Imposto de terializa em ações concretas, tendo como inspiração
Renda, com alíquota já incidindo sobre a reduzida ren- reduzir a tributação sobre o consumo e a produção e
da de R$ 1.903,00 e máxima de 27,5% que é aplicada aumentar sobre a renda e a riqueza:
já a partir de R$ 4.664,00. • Reinstituir tributação sobre lucros e dividen-
Ademais, no Brasil o imposto sobre as grandes dos
heranças é muito baixo, indo ao máximo de 8% em • Ampliar número de faixas do IRPF, aumentar
alguns estados e não há imposto sobre grandes for- faixa de isenção e percentual máximo da alí-
tunas. Registra-se também a baixa tributação sobre a quota
renda do capital, com isenção à renda de juros sobre • Instituir imposto sobre grandes fortunas; Insti-
capital próprio e aos lucros distribuídos aos acionistas, tuir tributo sobre remessa de
além da quase nula tributação sobre o agronegócio e • lucros e dividendos ao exterior
sobre a renda fundiária. • Aumentar alíquotas dos tributos sobre heran-
Contudo, em lugar de rever essas distorções no ça e doação
modelo tributário, o governo prefere avançar na for- • Instituir tributo sobre ganhos financeiros e so-
mulação de proposta de reforma tributária que acaba bre juros sobre capital
de vez com a vinculação de recursos à Seguridade So- • próprio; Combater a sonegação
cial; cortar despesas com educação, saúde, previdên- • Aumentar a tributação sobre a propriedade ru-
cia e assistência; desviar, por meio da desvinculação ral e a renda fundiária
de receitas da União (DRU), recursos da área social e Mas se o combate pela redução da desigualdade
encaminhar reformas que desmontam a previdência social começa pela mudança do modelo tributário, en-
pública, precarizam as relações de trabalho e reduzem volve outras questões não menos importantes:
os direitos trabalhistas. • Mudar o modelo tributário
Tratam-se de propostas voltadas para interesses • Preservar e ampliar os direitos sociais
do capital que, se fossem devidamente explicitadas, • Preservar e ampliar políticas públicas de valori-
não teriam apoio popular. Ao mesmo tempo, se omi- zação do trabalho e de educação
te em enfrentar a causa maior do desequilíbrio das • Reforçar a função social do Estado
contas públicas, que são os gastos com juros da dívi- • Ampliar a democracia e a participação social
da pública (responsáveis por 80% do déficitnominal),
as excessivas renúncias fiscais, a sonegação fiscal, e as
vergonhosas negociações em paraísos fiscais.
O Brasil vive uma profunda crise econômica que
é agravada pela política macroeconômica do governo.
É preciso retomar o crescimento econômico, mas não
a qualquer preço, e sim preservando a inclusão social
e avançando na distribuição social e espacial da renda.
No campo da Política Macroeconômica, por exemplo,
persistem os mesmos equívocos de se combater a in-
flação com as políticas Monetária (juros elevados) e
Cambial (câmbio apreciado), que impedem a retoma-
da da trajetória de crescimento da economia e a maior
inclusão social.
A retomada do crescimento sustentável se fará
mediante a realização de investimentos produtivos e
sociais, gerando emprego e renda para o país e para
a população; impedindo a continuidade das privatiza-
ções de serviços públicos estratégicos, e estancando
a avassaladora transferência de recursos para o setor
financeiro nacional e internacional por meio de juros
abusivos e outros mecanismos de política monetária
equivocada.
Nosso principal objetivo é a redução da desigual-
dade social no Brasil e vamos iniciar a caminhada des-