A Longa Constituinte Dos Policiais Milit 231206 154724

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Copyright© 2018 by Saulo de Oliveira Pinto Coelho, Ricardo Martins Spindola Diniz

& Diva Julia Safe Coelho


Editor Responsável: Aline Gostinski
Capa e Diagramação: Carla Botto de Barros

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:


Eduardo FErrEr Mac-GrEGor Poisot
Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de
Investigações Jurídicas da UNAM - México

JuarEz tavarEs
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis LóPEz GuErra
Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da
Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
owEn M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
toMás s. vivEs antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

D635 Direito, História e Política nos 30 anos da Constituição:


experiências e reflexões sobre o contexto constitucional
brasileiro.
Organizadores: Saulo de Oliveira Pinto Coelho, Ricardo
Martins Spindola Diniz, Diva Julia Safe Coelho. – 1.ed. –
Florianópolis : Tirant lo Blanch, 2018. (Coleção Experiências
Jurídicas nos 30 anos da Constituição Brasileira ; 10)
404p.

ISBN: 978-85-9477-242-8

1.Brasil. 2. Direito e História. 3. Constituição Brasileira.


I. Título.
CDU: 342

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/
ou editoriais.
A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se
à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant Empório do Direito Editoral Ltda.

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.


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Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Organizadores:
Saulo de Oliveira Pinto Coelho
Ricardo Martins Spindola Diniz
Diva Julia Safe Coelho

DIREITO, HISTÓRIA E
POLÍTICA NOS 30 ANOS DA
CONSTITUIÇÃO:
EXPERIÊNCIA E REFLEXÕES SOBRE O
CONTEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO

Coleção Experiência Jurídica


nos 30 anos da Constituição Brasileira

10
ESA/OAB-GO e PPGDP-UFG

Coordenadores:
Rafael Lara Martins
Saulo Pinto Coelho
A LONGA CONSTITUINTE DOS POLICIAIS
MILITARES: DA PREPARAÇÃO PARA A
ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE À
REVISÃO DE 1993
Bruno César Prado Soares1

1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é verificar como as polícias
militares compreenderam e se portaram no processo de elaboração
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, desde a
convocação da Assembleia Nacional Constituinte até a Revisão Cons-
titucional de 1993. Para isso, a pesquisa se divide em três partes. A
primeira parte trata da presença das polícias militares na Comissão
Provisória de Estudos Constitucionais. Na segunda parte, descreve-se
a participação das polícias militares na Assembleia Nacional Cons-
tituinte, desde a Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e
da sua Segurança até a aprovação do texto. Por fim, são trazidos os
encontros entre comandantes das polícias militares que tiveram como
objetivo preparar as instituições para a revisão de 1993. A análise
documental é precedida de revisão bibliográfica sobre o processo de
convocação da Assembleia Nacional Constituinte.
Busca-se aprofundar a construção do artigo 144 da Constitui-
ção a partir de um grupo de atores da Segurança Pública. Isso porque,
os estudos sobre a maneira como as polícias militares se inseriram

1 Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília. Mestre em Ciência Política, com con-
centração em Direitos Humanos, Cidadania e Violência, pelo Centro Universitário Euro-A-
mericano. Professor do Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP/PMDF). E-mail: bruno.
[email protected].
108 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

no texto constitucional normalmente são realizados a partir dos


trabalhos das assessorias parlamentares das Forças Armadas. Como
a manutenção das polícias militares como forças auxiliares e reserva
do Exército constava entre as pautas daquela instituição, as pesquisas
costumam tratar da segurança pública a partir da questão da defesa
nacional (Cf. OLIVEIRA, 1994; COSTA, 1998; MIGUEL, 1999;
ZAVERUCHA, 2005; IPEA, 2009).
O trabalho lida com as peculiaridades da história do tempo pre-
sente ou história contemporânea: a possiblidade de ser confrontado pelos
testemunhos, a ligação com a política e a falta de recuo temporal (FICO,
2012, p. 44-48). O foco das análises está relacionado com documentos
oficiais assinados por diversos Comandantes Gerais, falas públicas e um
trabalho de reconstituição de memória desenvolvido por um oficial da
Polícia Militar do Distrito Federal. Por certo, não engloba a totalidade
das visões e da memória dos atores que atuaram no processo.
Outras características da pesquisa em história do direito contem-
porâneo também se fazem presentes: a grande quantidade de material à
disposição e a possiblidade de busca em fontes em material de pouca du-
rabilidade (SEELAENDER, 2017, p. 25). Os documentos analisados
relacionados à Assembleia Nacional Constituinte foram buscados nos
endereços eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.2
Os pronunciamentos e trabalhos desenvolvidos pela Polícia Militar de
Minas Gerais foram buscados na versão digital da Revista “O Alfe-
res”, disponível em meio eletrônico desde a primeira edição, datada de
1979. Os demais documentos e trabalhos acadêmicos foram obtidos
na Biblioteca da Academia de Polícia Militar de Brasília / Instituto Su-
perior de Ciências Policiais.3 Entre esses documentos estão impressos
2 http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/cons-
tituicao-cidada/o-processo-constituinte; https://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/asp/
CT_Abertura.asp.
3 Conforme consta no endereço eletrônico (www.iscp.edu.br), o Instituto Superior de Ciências
Policiais (ISCP) é uma instituição pública de ensino superior credenciada pelo Ministério da
Educação, mantida e organizada pela Polícia Militar do Distrito Federal e tem como origem a
Academia de Polícia Militar de Brasília. O credenciamento do ISCP foi aprovado pela Portaria
nº 716, de 08 de agosto de 2013, do Ministério da Educação, após várias visitas de inspeção
ocorridas desde novembro de 2010, realizadas por Comissões de Avaliação do Instituto Nacio-
nal de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). A criação do Instituto obteve nota máxima do
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 109

mimeografados em material pouco durável. Para análise do material,


procurou-se agrupar os argumentos dos constituintes e dos policiais
militares de acordo com a pertinência temática, de forma a permitir a
interpretação das intenções em seu conjunto (LIAKOPOULOS, 2009,
p. 160-167; QUIVY; CAMPENHOUDT, 2017, p. 216).
Um ponto que chama a atenção para a compreensão da atua-
ção das polícias militares durante o processo constituinte é o uso
da memória como elemento de legitimidade para a manutenção das
instituições. Para não se vincular regime instalado em 1964, as polí-
cias militares buscariam suas origens desde épocas coloniais, apelando
inclusive para as memórias de infância dos constituintes. Como lem-
bram Assmann e Short (2012, p. 7), a mudança dos regimes políticos
exige uma reorganização da memória que permita a internalização do
novo sistema de valores. Ressalta-se que um grupo com baixa repre-
sentatividade e com pouca organização conseguiu utilizar-se dessa
memória para construir, junto aos constituintes, dispositivos que per-
sistem trinta anos sem alteração.4

2. A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE E A


CONSTUIÇÃO
Em 28 de junho de 1985, o presidente José Sarney, cumprin-
do compromisso anteriormente assumido pela coligação que o elegera
a vice de Tancredo Neves, encaminhou ao Congresso Nacional pro-
posta de convocação da Assembleia Nacional Constituinte. (BRASIL,
1985b). De acordo com a proposta encaminhada por Sarney, constante
de Emenda à Constituição, os membros da Câmara e do Senado deve-
riam se reunir em Assembleia Nacional Constituinte sem prejuízo de
suas atribuições. Ou seja, seriam constituintes, mas não abandonariam
INEP e parecer favorável unânime dos integrantes do Conselho Nacional de Educação.
4 Havia apenas um constituinte que havia pertencido às fileiras das polícias militares: o de-
putado Paulo Ramos, do PMDB. O deputado havia sido presidente do Clube dos Oficias da
Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros no Rio e líder do protesto dos oficiais da PM contra
os baixos salários e as más condições de trabalho em 1980. Além disso, teria sido transferido
compulsoriamente para a reserva no posto de major pelo Governador Leonel Brizola após
sucessivas denúncias sobre más condições de trabalho, baixos salários e acusações contra o
governo de cumplicidade com o crime organizado (COSTA; SOUZA, 2000).
110 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

a função de parlamentares ordinários durante os trabalhos de elaboração


da nova Carta. A Assembleia encerraria o projeto da abertura lenta,
segura e gradual, iniciada por Geisel, como ficou conhecida (FICO,
2015, p. 95; CATTONI; PATRUS, 2016, p. 183-184).
O ponto inicial em busca da Constituinte seria a Carta de
Recife, decorrente do II Seminário de Estudos e Debates da Reali-
dade Brasileira, organizado em 1971 pelo Movimento Democrático
Nacional, MDB (VERSIANI, 2014, p. 363).5 Porém, a pauta teria
pouca influência no partido até 1977, momento em que o governo
determinou o recesso do Congresso e uma reforma eleitoral no cha-
mado “Pacote de Abril” após a oposição conquistar 16 das 22 vagas
em disputa para o Senado e 40% da Câmara (PAIXÃO; BARBOSA,
2008, p. 121-122).6 Com a Lei Orgânica dos Partidos Políticos,
aprovada três meses após a Anistia, tornou-se prática comum inse-
rir a busca por uma nova Constituinte nos programas oficiais dos
novos partidos (VERSIANI, 2014, p. 367; FICO, 2015, p. 104).
Diversos atores institucionais também exerceram papel relevante no
processo de redemocratização, como os sindicatos e a Igreja Católica
(PAIXÃO; BARBOSA, 2008, p. 123-126).
Entre as entidades civis, a Ordem dos Advogados do Brasil–
OAB, produziria uma “Proposta de Constituição Democrática para o
Brasil” em 1981 (VERSIANI, 2014, p. 366). No mesmo período Rai-
mundo Faoro, ex-presidente da OAB, publicou texto em que defendia
o constitucionalismo moderno como instrumento de controle do poder
dos governantes e definia a Constituição como “suprema força política
de um país”, que organizaria o poder, estabeleceria regras fundamentais
e permitiria o surgimento de novas forças sociais (2007, p. 169-178).
No campo acadêmico, a Constituição era definida por Dallari
5 O Movimento Democrático Nacional (MDB) era o único partido de oposição legalizado no
período.
6 O “pacote” criava os senadores biônicos, eleitos indiretamente por um colégio eleitoral; alte-
rava os critérios de representação proporcional na Câmara e aumentava o número de depu-
tados nos Estados em que o Arena tinha maioria de votos; estendia o mandato de presidente
de cinco para seis anos; dificultava o acesso dos candidatos do legislativo à rádio e televisão.
Além disso, o Congresso foi colocado em recesso, o que permitiu à Geisel emendar a Consti-
tuição e baixar decretos-lei (FAUSTO, 2013, p. 420).
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 111

como: “a declaração da vontade política de um povo, feita de modo


solene por uma lei que é superior a todas as outras e que (...) estabe-
lece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivíduos”
(1984, p. 21-22). O autor esclarece que a Constituição é uma lei,
porém, por ser lei superior, suas regras “não podem ser contrariadas
por nenhuma lei, nenhum tratado, nenhuma decisão judicial (...)
por nenhum ato que pretenda produzir efeitos jurídicos no país”
(1984, p. 23-24). Da mesma maneira, Ferreira Filho tratava a Cons-
tituição como a base do ordenamento jurídico positivo e afirmava
a supremacia da Constituição, que consistiria na necessidade de
todo o direito, das normas a se fazer e dos atos do Poder Público se
adequarem à Lei Maior (2005, p. 80-81).7
É nesse contexto que as polícias militares passaram a se orga-
nizar para buscar se manter no texto constitucional. Elas estiveram
presentes nos textos de 1934, 1937 (como forças policias), 1946,
1967 e na Emenda Constitucional nº 01, de 1969. Porém, o regime
instalado em 1964 havia centralizado o controle das polícias militares
e subordinado seus objetivos aos interesses das Forças Armadas (PI-
NHEIRO, 1982, p. 57-63). Dentro dessa questão, Pinheiro (1982,
p. 86-88) propunha que a transição deveria trazer a diminuição de
espaço das polícias militares, pois a razão de sua “hipertrofia” deixaria
de existir com a democracia que havia de se instalar.8 Em dezembro
de 1987, já instalada a Constituinte, o Americas Watch Committee
lançou relatório sobre abusos policiais no Brasil, em que ligava polícias
militares e execuções sumárias. O relatório se baseava em entrevistas e
trazia diversas reportagens dos últimos anos sobre atuações repressivas
das polícias militares de São Paulo e Rio de Janeiro.9 Essa vinculação
e as atividades desenvolvidas no período provocavam debates sobre a
7 O livro, que já possuía edições em 1985, é resultado da compilação de aulas ministradas em
1973 na disciplina no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (FERREIRA FILHO, 2005, p. v).
8 No mesmo sentido, se posicionou o autor no curso a distância realizado pela Universidade
de Brasília sobre Constituição e Constituinte, vendido como suplemento ao Jornal Correio
Braziliense e que teria mobilizado dez mil pessoas em Brasília (PINHEIRO, 1986, p. 35;
BUARQUE, 1987, p. 8).
9 O relatório, após tratar das polícias militares, também afirmava que estava convencido que a
tortura era um problema “endêmico” nas delegacias de polícia civil (AWC, 1987, p. 33).
112 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

extinção ou redução das atividades das polícias militares, como se verá


adiante na Comissão Provisória de Estudos Constitucionais.

3. AS POLÍCIAS MILITARES NA COMISSÃO DOS NOTÁVEIS


José Sarney cumpriu outra promessa de campanha de Tancredo
Neves e instituiu uma Comissão Provisória de Estudos Constitucionais
através do Decreto nº 91.450, de 18 de julho de 1985. Essa Comissão
encerraria seus trabalhos com a redação de um Anteprojeto Constitu-
cional (DUARTE, 1987, p. 13). A Comissão, composta por cinquenta
membros, foi presidida por Afonso Arinos de Melo Franco e ficou co-
nhecida como Comissão dos Notáveis ou Comissão Afonso Arinos. Os
trabalhos da Comissão foram publicados pouco mais de um ano depois,
no Suplemento ao Diário Oficial nº 185, de 26 de setembro de 1986.
Trazia 436 artigos em sua parte principal e 32 disposições transitórias.
(DUARTE, 1987, p. 22-23; BARBOSA, 2016, p. 206).
A instalação da Comissão sofreu críticas por parte da esquerda
e da direita (BARBOSA, 2016, p. 206-7). Seus críticos apontavam
que a função de elaborar a Constituição cabia ao povo, através de re-
presentantes eleitos para esse fim, e não de um grupo escolhido pelo
Poder Executivo. Sarney afirmava que a Comissão era instituída com a
finalidade de realizar estudos para colaboração aos trabalhos da futura
Assembleia Nacional Constituinte e afirmou que não caberia a Comis-
são substituir ao Congresso ou ao povo (BARBOSA, 2016, p. 208).
O Comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, Coronel
Leonel Archanjo Affonso, apresentou a posição da instituição no
Comitê de Defesa do Estado, da Sociedade e das Instituições, da Co-
missão Provisória de Estudos Constitucionais no Rio de Janeiro, em 22
de janeiro de 1986. O oficial destacava que era signatário das conclusões
da reunião dos Comandantes Gerais de Polícias Militares ocorrida em
agosto de 1985 em Caruaru, Pernambuco (AFFONSO, 1986, p. 107).
O oficial inicia seu discurso tratando da origem histórica das
polícias militares, que estaria “nas mais remotas eras coloniais”. A perma-
nência da instituição se deveria, entre outros fatores, ao “zelo heroico” no
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 113

cumprimento de suas atribuições de manutenção da ordem pública, en-


tendida como atividade de proteção e socorro, bem como à manutenção
da estrutura militar, calcada na hierarquia e na disciplina, à preservação
do passado histórico como fonte de inspiração e base doutrinária e o culto
aos valores da nacionalidade (AFFONSO, 1986, p. 99).10
Muito embora para o coronel a atividade de manutenção da
ordem pública fosse eminentemente civil, as forças públicas esta-
duais deveriam ser militares, pois a hierarquia e a disciplina seriam
garantias “para a sociedade contra o arbítrio e o despotismo de uma
força sem controle”. Além disso, a correlação das atividades das
forças estaduais com as das Forças Armadas para a manutenção da
ordem interna traria a necessidade de se preservar a estrutura militar
(AFFONSO, 1986, p. 104-105).
Outro aspecto a ser considerado pela Comissão seria a separação
entre polícia militar e polícia civil. Essa separação se daria em razão
do inquérito policial, instrumento que geraria uma “equivocada va-
lorização de aspectos burocrático-administrativos do Processo Penal,
que alonga e onera o caminho que leva à Justiça” (AFFONSO, 1986,
p. 100). Porém, criar polícias poderia ser algo arriscado, uma solução
de “consequências imprevisíveis”. O oficial era favorável à unificação
das polícias em uma polícia militar que dispusesse de um segmento
não fardado. Os delegados não deveriam integrar as polícias, mas sim
o Poder Judiciário, em especial os juizados de pequenas causas.
Porém, de maneira muito diversa daquela defendida pelo
Comandante e, em consequência, das conclusões da reunião dos
Comandantes Gerais de Polícias Militares, a Comissão Provisória
10 Em sua exposição, havia também preocupação com o problema da violência urbana “caracte-
rizado pela elevada incidência de crimes violentos (assaltos, homicídios, latrocínios, estupros,
sequestros, tráfico de entorpecentes)”. O policial elencou diversas questões sensíveis para a
segurança pública, entre elas a facilidade do cidadão de se armar para se proteger, situação
“de eficiência duvidosa, pois o delinquente tem sempre a seu favor o fator surpresa”. Para o
policial, as armas tomadas das vítimas nessas situações alimentariam o crime. Também seriam
problemas da segurança pública: a não repressão das contravenções penais, pois elas seriam
“ante-sala” do crime; a desatualização da legislação processual que trazia uma “expectativa”
de impunidade; a incapacidade das prisões na recuperação dos presos; a falta de investimento
em recursos humanos e materiais para a polícia; a carência de programas educacionais e so-
ciais para os jovens abandonados, entre outros (AFONSO, 1986, p. 101-102).
114 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

de Estudos Constitucionais adotou posicionamento no sentido de


quase extinção das polícias militares. O texto final da Comissão
trazia a seguinte redação:
Art. 416 – Compete aos Estados a preservação da ordem pública, da
incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da polícia civil,
subordinada ao Poder Executivo.
§ 1º – A polícia civil, além da função de vigilância ostensiva e pre-
ventiva que lhe competir, será incumbida da investigação criminal.
§ 2º – A polícia civil poderá manter quadros de agentes uniformizados.
Art. 417 – Os Estados poderão manter polícia militar, subordinada
ao Poder Executivo, para garantia da tranquilidade pública, por meio
de policiamento ostensivo, quando insuficientes os agentes unifor-
mizados da polícia civil e do Corpo de Bombeiros.
Questionado sobre a manutenção das policias militares no texto e
sobre a dualidade das polícias, Afonso Arinos (1987, p. 134) diria que as
polícias militares têm uma “significação histórico-cultural e social muito
grande” no Brasil. Elas não teriam sido suprimidas da proposta por es-
tarem ligadas à uma tradição que vem de antes da República. Lembrou
inclusive que Tiradentes teria sido oficial na Força Pública mineira.
Encerrados os trabalhos, o anteprojeto não foi remetido à futura
Assembleia Nacional Constituinte, mas ao Ministério da Justiça,
“onde provavelmente ficou arquivado” (BONAVIDES; ANDRADE,
1989, p. 454). Como lembrou Sarney, Ulysses Guimarães, presidente
da Assembleia Nacional Constituinte, informou que não receberia o
documento (SARNEY, 2017, p. 49).11
A problemática das polícias militares na Comissão Afonso
Arinos traz então dois pontos essenciais para a questão que aqui se
discute. A primeira é a data que os Comandantes Gerais das Polícias
Militares do Brasil se reuniram para tratar do processo constituinte:

11 Nelson Jobim acredita que Sarney não tinha força política para enviar o Anteprojeto para
a Constituinte. Em decorrência desse fato, “a Constituinte partiu do zero – sem prejuízo da
utilização, como consulta, do projeto da Comissão dos Notáveis” (JOBIM, 2017, p. 202). O
documento circulou na Assembleia e várias partes foram copiadas na elaboração de propostas
por parte de constituintes (ROCHA, 2013, p. 64).
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 115

agosto de 1985. A segunda diz respeito à um perigo de declínio das


polícias militares, que as uniriam com o propósito de manter a insti-
tuição na nova ordem constitucional.

4. AS POLÍCIAS MILITARES NA ASSEMBLEIA NACIO-


NAL CONSTITUINTE
A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada em 1º de
fevereiro de 1987. Participaram dos trabalhos 487 deputados e 72 se-
nadores. (BONAVIDES; ANDRADE, 1989, p. 454). Os trabalhos
da Assembleia contaram com a participação de diversos grupos so-
ciais: entidades sindicais, grupos patronais, movimentos comunistas,
Igreja Católica etc (CATTONI; PATRUS, 2016, p. 185). Dentre esses
grupos, as polícias militares se organizaram para a Constituinte após
a proposta da Comissão Afonso Arinos, que, na visão dos policiais, as
“reduziria a tropas de choque, bombeiros e auxiliares das polícias civis
no policiamento ostensivo” e a “pressão exercida pela ‘Associação Nacio-
nal de Delegados de Polícia’” (NASCIMENTO, 1988, p. 01-04, 32). 12
As polícias militares se reuniram após o início dos trabalhos da
Constituinte em Belo Horizonte. Da reunião resultou documento
assinado por dezenove Comandantes-Gerais e distribuído aos 559
constituintes por determinação do Comandante da Polícia Militar de
Minas Gerais (NASCIMENTO, 1988, p. 02-03, 35). Esse documen-
to seria posteriormente lido pelo Comandante Geral da Polícia Militar
de Goiás em audiência pública na subcomissão temática responsável
pela segurança pública.13
Nascimento (1998, p. 04-08) ressalta que os oficiais das polícias

12 Wellington Corsino do Nascimento era Capitão da Polícia Militar do Distrito Federal e atuou
como assessor parlamentar na Assembleia Nacional Constituinte. Ao desenvolver o trabalho
de conclusão do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, requisito para ascensão ao oficialato
superior, optou por dar conhecimento à instituição da forma como se desenvolveram os tra-
balhos de assessoramento e pressão política das polícias militares na constituinte, “mostrando
os seus erros e acertos”. (1988, p. 25, 60). O oficial citava ainda “o pesadelo da proposta do
Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, denominado ‘Sistema Nacional de Segurança Públi-
ca’”. Sobre essa proposta, não foram encontrados documentos.
13 Para Nascimento (1988, p. 36), o documento traria algumas reivindicações equivocadas e um
“nítido tom de sobrevivência”.
116 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

militares não conheciam nem o processo legislativo nem as depen-


dências do Congresso Nacional. Além disso, não tiveram o apoio do
Comandante Geral da PMDF, que se limitou a fornecer alojamento
aos oficias de outros Estados. Assumiu então a coordenação das As-
sessorias o Coronel BM Paulo José Martins dos Santos, Comandante
Geral do Corpo de Bombeiros Militares do DF. As assessorias conta-
vam com oficias de 19 estados e do Distrito Federal.
Os oficiais trabalharam em uma Assembleia que se dividiria em
oito comissões temáticas. Cada Comissão temática se dividia em três
subcomissões, com 21 constituintes cada. Os trabalhos seriam poste-
riormente remetidos à Comissão de Sistematização para elaboração de
anteprojeto para votação no plenário da Constituinte.14 A questão da
segurança pública e das polícias militares seria discutida na Comissão de
Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições, presidida
pelo senador Jarbas Passarinho. O relator da Comissão era o deputado
Prisco Viana. Os trabalhos teriam início na subcomissão temática de
Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, presidida pelo de-
putado José Tavares e cujo relator era o deputado Ricardo Fiuza.
Para a melhor compreensão da atuação e o processo de redação
do texto sobre as polícias militares na Assembleia Nacional Constituin-
te, os trabalhos podem ser divididos em três espaços: 1) a atuação na
Subcomissão temática de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segu-
rança e na Comissão de Organização Eleitoral, Partidária e da Garantia
das Instituições; 2) os trabalhos da Assessoria Parlamentar do Exército
Brasileiro, uma vez que a documentação encaminhada pelo Exército à
Constituinte incluía tópico específico sobre as polícias militares; 3) os
trabalhos desde a Comissão de Sistematização até a redação final.

14 Como lembra Jobim, dos 559 constituintes, foram retirados os seis membros da mesa e depois
separados os constituintes em 8 comissões, cada uma com 3 subcomissões, com 21 constituin-
tes cada. Os demais 49 foram nomeados para a Comissão de Sistematização. Para a definição
das Comissões e Subcomissões, foram recortados os títulos e capítulos das constituições oci-
dentais, publicadas em uma coleção pelo Senado Federal. Aos títulos e capítulos que se repe-
tiam em todas as Constituições foi dado o nome de “temas absolutamente constitucionais”.
Para os que apareciam na maioria das Constituições, “temas relativamente constitucionais”.
Os últimos foram nomeados “temas idiossincrasicamente constitucionais” (JOBIM, 2015, p.
103-104; 2017, p. 204)
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 117

4.1. A PROPOSTA DA COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO ELEI-


TORAL, PARTIDÁRIA E DA GARANTIA DAS INSTITUIÇÕES
Foi na subcomissão temática de Defesa do Estado, da Socie-
dade e de sua Segurança que as polícias militares concentraram seus
esforços iniciais e participaram de audiências públicas para tratar da
instituição. A subcomissão foi responsável pela primeira redação do
texto que trazia as novas competências constitucionais para as polícias
militares. Na subcomissão as polícias militares teriam contado “com
o apoio inconteste do relator”. Graças ao presidente da Comissão, o
ex-delegado José Tavares e ao relator, teria sido dado “esboço inovador
na questão da Segurança Pública”. As polícias militares teriam saído
fortalecidas no processo, mesmo com a mudança de nomenclatura
para forças policiais (NASCIMENTO, 1988, p. 09-11).
As polícias militares participaram de audiência pública ocorrida
na 10ª reunião ordinária da Subcomissão de Defesa do Estado, da
Sociedade, realizada em 29 de abril de 1987, que tratou do tema “O
papel das polícias militares”. A reunião não contou com a presença
do Relator, constituinte Ricardo Fiuza, em decorrência do “grande
trabalho” que estava tendo como Relator e das demais atividades
parlamentares, conforme informou o presidente, constituinte José
Tavares (BRASIL, 1987a, p. 56).15
Participaram como conferencistas o Coronel PM Mário Nazareno
Lopes Rocha, da Polícia Militar do Estado do Pará, o Tenente-Coronel
Sílvio Ferreira, da Brigada do Estado do Rio Grande do Sul, o Coronel
PM Waltervan Luiz Vieira, Comandante-Geral da Polícia Militar do
Estado de Goiás, o Tenente-Coronel Nelson Freire Terra, da Polícia
Militar do Estado de São Paulo, e o Coronel PM José Braga Júnior, Co-
mandante-Geral da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.16 Esteve
15 No início da sessão, o presidente da subcomissão, Deputado José Tavares, disse que, com
exceção da CPI da Violência Urbana, que teria ocorrido em 1979, não tinha visto ser discutida
na Câmara a questão da segurança pública. Essas discussões somente teriam retornado no
dia anterior, quando foi ouvido o presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil do
Brasil naquela subcomissão (BRASIL, 1987a, p. 47).
16 Cabe destacar, que, conforme consta no currículo de Dalmo de Abreu Dallari, disponível na
plataforma Lattes, Nelson Freire Terra teria concluído o mestrado em direito em Direito na
Universidade de São Paulo em 1979 e cursava o doutorado na mesma instituição sob a orien-
118 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

também no plenário da Subcomissão, conforme anúncio do presidente,


o Tenente-Coronel João Maria Sobral de Carvalho, Comandante-Geral
da Polícia Militar do Estado de Rondônia.17
Todos os oficiais iniciaram suas apresentações tratando da his-
tória e tradição das polícias militares. As falas sobre a memória tinham
a intenção de deixar claro que as polícias militares sempre estiveram
presentes na história do Brasil. Havia a preocupação de se mostrar a
compatibilidade entre um regime democrático e a instituição. Nesse
sentido, destaque para a fala do Coronel José Braga Júnior: “Tenho
certeza de que os Senhores Constituintes, notadamente aqueles que
tiveram a sua infância em cidades do interior, se recordam da pre-
sença do Destacamento de Polícia Militar, do Soldado de Polícia...”
(BRASIL, 1987a, p. 54). O oficial também buscava ressaltar o caráter
humano dos policiais militares: “são, como todos os profissionais de
qualquer área, cidadãos, contribuintes, pais de família (...) Somos
cidadãos comuns!” (BRASIL, 1987a, p. 54).
O comandante de Minas defendia não haver vocação da Polí-
cia Militar para a repressão, para a violência ou para a insensibilidade
social. As polícias militares prestariam diversos serviços diversos da
repressão. Efetuariam o policiamento florestal, o policiamento de
trânsito, o policiamento escolar, o policiamento especial de loca-
lidades históricas, auxílios a parturientes, pessoas idosas, doentes
mentais e pessoas enfermas. Essas ações não excluiriam as atividades
de se fazer cumprir a lei frente à uma “criminalidade violenta, cada
vez maior e mais sofisticada”, para evitar que “a criminalidade flores-
ça, o cidadão se arme, que a desordem se instale de vez” (BRASIL,

tação do jurista durante os trabalhos da Constituinte.


17 Foi registrada ao final da reunião a presença do Sargento Celso Tanauí, presidente do Clube
de Subtenentes e Sargentos da PM de São Paulo. O clube teria realizado seminário em São
Paulo, que congregou as entidades de subtenentes e sargentos de todo o Brasil. O Sargento
desejava fazer uso da palavra, porém seu nome não constava na pauta e não havia disso objeto
de decisão do Plenário da Subcomissão. O comandante de Goiás solicitou então constar a
presença do Sargento Oliveira Rubi de Melo, Presidente do Clube dos Sargentos da Polícia
Militar do Estado de Goiás, e informou que as Polícias Militares estavam lutando a favor da
tese do voto dos cabos e soldados (BRASIL,1987a, p. 64). De acordo com Nascimento (1988,
p. 40) apenas São Paulo e Rio Grande do Sul teriam “engajado” os clubes de Subtenentes,
Sargentos, Cabos e Soldados na busca pelos interesses das corporações.
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 119

1987a, p. 55). Isso porque, além da questão da segurança pública,


as polícias militares fariam parte do Sistema de Defesa Social, cons-
tituído pelo subsistema de proteção ao menor, o subsistema policial
militar, o subsistema de polícia judiciária, o subsistema judiciário, o
subsistema penitenciário e o subsistema de proteção ao egresso dos
presídios. No mesmo sentido também se pronunciou o oficial de
São Paulo (BRASIL, 1987a, p. 53-55).
Em relação ao caráter militar e à hierarquia e à disciplina, o
mesmo comandante defendeu que seria uma necessidade (expressão
repetida mais de uma vez com ênfase). As polícias precisariam ser nu-
merosas, bem armadas, equipadas e treinadas. E, para o oficial, apenas
a hierarquia e a disciplina militar garantiriam o controle dessa institui-
ção pela sociedade. Além disso, informou que a instituição tem “plena
consciência de que a manutenção da ordem pública é uma atividade
civil que desempenhamos, basicamente, através do policiamento far-
dado” (BRASIL, 1987a, p. 55). Sobre a função de auxiliar do Exército,
o oficial de São Paulo defendia que, em caso de convocação, as polícias
deveriam ser empregadas como polícias, “missão para qual elas foram
formadas, instruídas e adestradas” (BRASIL, 1987a, p. 54).
Por fim, em relação às competências da polícia militar, foi de-
fendido pelos oficiais que as polícias militares fossem responsáveis pelo
policiamento ostensivo e pela preservação das pessoas, do patrimônio
público e privado e da ordem pública. Sobre essa última, o TC Nelson
Freire Terra informou que, conforme a doutrina do Direito Adminis-
trativo da ordem pública, ela abrangeria a tranquilidade, a salubridade
e a segurança pública, termos que seriam retomados no relatório do
Deputado Ricardo Fiuza (BRASIL, 1987a, p. 54; 1987e, p. 29).18
Cabe destacar que o Coronel Valtervan Luiz Vieira, Comandan-
te-Geral da Polícia Militar do Estado de Goiás, ao fazer uso da palavra,

18 Nesse sentido, foi passada às mãos do presidente da Comissão pelo oficial de São Paulo a obra
“Direito Administrativo da Ordem Pública” (BRASIL, 1987a, p. 54). A obra foi coordenada
por José Cretella Júnior e reunia textos de Álvaro Lazzarini, Caio Tácito, Diogo de Figueiredo
Moreira Neto, Hely Lopes Meirelles, José Cretella Júnior e Sergio de Andrea Ferreira (CRE-
TELLA JR [org.], 1998).
120 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

apresentou as conclusões do III Congresso Brasileiro de Polícias Mili-


tares, realizado em Belo Horizonte de 08 a 14 de fevereiro de 1987. O
texto fazia referência explícita aos trabalhos da Comissão Afonso Arinos,
à qual os Comandantes-Gerais “ousavam” discordar frontalmente “pelo
simples motivo de não haverem se baseado em critérios condizentes
com as tradições brasileiras, com a realidade econômica vivida pelos
estados-membros da Federação” (BRASIL, 1987a, p. 50).
O congresso chegou a nove conclusões sobre as polícias mili-
tares. Em primeiro lugar, deveria ser mantido o caráter de instituição
permanente para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Mili-
tares, em razão da “tradicionalidade dos serviços que executaram ao
longo de suas existências mais que centenárias” e da capilaridade da
instituição, presente em todos os povoados do país. Os comandan-
tes também pleiteavam a condição de força auxiliar do Exército. De
acordo com o oficial, esse papel já era há muito desenvolvido pelas
instituições, que teriam participado da Guerra do Paraguai e garantido
“o respeito à soberania do nosso território” (BRASIL, 1987a, p. 51).
Outros pontos defendidos diziam respeito: a) à responsabili-
dade pela manutenção da ordem e segurança pública nos respectivos
territórios; b) à subordinação aos respectivos Governadores, autori-
dade civil responsável pelo emprego da instituição; c) à manutenção
da hierarquia e da disciplina rígidas, consideradas necessárias para
que a instituição perdure no tempo; d) à competência exclusiva para
o exercício da polícia ostensiva, sem a criação de polícias civis uni-
formizadas, em razão da tradicionalidade das polícias militares; e) à
competência da União para legislar sobre organização, armamento,
efetivos, instrução e justiça bem como sobre condições gerais de sua
convocação, inclusive mobilização, de forma a evitar a formação de
exércitos estaduais, “inspiradores de ideias separatistas”; f ) ao direito
de cidadania de todos os policiais e bombeiros militares (nesse ponto
o oficial se insurge contra o fato da Constituição, “de maneira tradi-
cional e odiosa”, não permitir o direito ao voto de algumas classes e
pessoas); g) à manutenção da Justiça Militar Estadual, que “tradicio-
nalmente, sempre se destinou ao julgamento dos delitos cometidos
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 121

em razão da condição de militares dos que se entregam à atividade


de manter a paz e a tranquilidade públicas” (BRASIL, 1987a, p. 52)
Questionados os oficiais sobre a necessidade de manutenção
da justiça militar estadual, o Coronel de Goiás defendeu que era
necessário o conhecimento prático das atividades policiais para com-
preender de maneira adequada os casos de estrito cumprimento do
dever legal, resposta que não convenceu o constituinte (BRASIL,
1987a, p. 62). De maneira diversa, o TC Silvio Ferreira defendeu
que a justiça militar seria mais célere e evitaria que indivíduos “fal-
tosos” continuassem convivendo e trazendo danos ao grupo. Para
o policial, se a Justiça Comum fosse tão célere quanto ao militar,
“teríamos, quem sabe, satisfeitas as condições de conviver adequa-
damente dentro deste sistema” (BRASIL, 1987a, p. 63).
Durante a audiência pública, se posicionaram contra a extinção
das polícias militares os seguintes constituintes, pela ordem de fala:
Sadie Hauache, que ressaltou a tradição da polícia militar; Arnaldo
Martins; José Genuíno; Ottomar Pinto; Iram Saraiva; e Hélio Rosas,
para quem as conclusões do anteprojeto Afonso Arinos, no que diz
respeito à segurança pública, estavam “absolutamente dissociadas da
realidade do interesse nacional” (BRASIL, 1987a, p. 58-65). Cabe
destaque para a fala do constituinte Ottomar Pinto, que lembrou de
sua infância no sertão de Pernambuco e do soldado de polícia José
Cavaquinho, “primeiro elemento que eu vi em minha vida para dar
segurança ao cidadão”. Assegurou que as polícias militares estavam
presentes no interior de todo Brasil, inclusive em lugares distantes das
delegacias de polícia civil (BRASIL, 1987a, p. 62). Para o constituinte,
“negar a presença constitucional da Polícia Militar (...) seria negar o
óbvio, seria querer negar a realidade tangível do Brasil. Seria querer
inventar um modismo, um modismo inoportuno e certamente inefi-
caz”. O parlamentar ainda dirigiu críticas à polícia civil: “nós sabemos
que é nos cárceres e em muitas delegacias que ocorrem as torturas, as
ofensas à dignidade do ser humano” (BRASIL, 1987a, p. 62).19
19 Houve outras críticas à Polícia Civil nesse sentido durante os debates na Constituinte. Como
exemplo, o constituinte José Freire, na Comissão de Sistematização, disse que as polícias
122 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

Encerradas as audiências públicas, o Anteprojeto do Relator trazia


duas polícias: as forças policias e as polícias judiciárias. As Forças Poli-
ciais seriam instituições permanentes e regulares, baseadas na hierarquia,
na disciplina e investidura militar. Teriam a competência para manuten-
ção da ordem pública e exerceriam com exclusividade o policiamento
ostensivo. Forças auxiliares e reservas do Exército, seriam subordinadas
aos Governadores dos Estados. As polícias judiciárias realizariam a in-
vestigação criminal, a apuração de ilícitos penais, e prestariam auxílio ao
Ministério Público e ao Poder Judiciário na aplicação do Direito Penal
Comum e na repressão criminal. (BRASIL, 1987e, p. 33).
Para o relator, era necessário que a nova Constituição abordasse
adequadamente a questão da segurança pública em razão da “onda de
criminalidade e violência que atualmente atinge a vida urbana das ci-
dades brasileiras, repercutindo até mesmo no meio rural”, motivo pelo
qual era criado um título próprio sobre o assunto. Para o relator, a se-
gurança pública tinha como objetivo a manutenção da ordem pública,
que abrangeria a “salubridade, a tranquilidade e a própria segurança
pública, sendo considerado o bom estado da coisa pública no direito
administrativo alemão contemporâneo” (BRASIL, 1987e, p. 29).
Foram apresentadas 44 sugestões sobre a questão da segurança
pública, das quais 29 mantinham as Polícias Militares como responsáveis
pela preservação da ordem pública e apenas sete propunham a fusão das
polícias. Ainda sobre as polícias militares, foram apresentadas dezenove
propostas para permanência das atribuições de forças auxiliares e reservas
do Exército e cinco pela não vinculação (BRASIL, 1987e, p. 22).
A condição de forças auxiliares e reserva do Exército era man-
tida por “já pertencerem a nossa melhor tradição constitucional”. A
retirada dessa condição impediria que a União pudesse utilizar recur-
sos humanos e materiais em casos de grande comoção interna ou de
conflito armado externo. Essa situação importaria na criação de uma
judiciárias deveriam conviver “ao lado e de comum acordo com as polícias militares”. Porém,
se posicionou pela extinção do cargo de Delegado de Polícia, “que tem à sua disposição um
cárcere e a possibilidade de (...) privar a liberdade de um inocente, torturar um cidadão que lhe
pareça suspeito e, algumas vezes, retirar do homem o mais importante de todos os seus bens:
a própria vida” (BRASIL, 1987c, p. 419).
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 123

Guarda Nacional, “composta de centenas de milhares de homens”,


o que importaria grande custo. O relator também concordava que
os serviços das Forças Policiais e dos Corpos de Bombeiros somente
seriam mantidos com a disciplina e a hierarquia militares, “sendo
perigoso e insensato submeter os seus integrantes ao estatuto comum
do funcionário público civil” (BRASIL, 1987e, p. 30).
A retirada da nomenclatura polícias militares e polícias civis
provocou críticas de outros constituintes nas discussões sobre o an-
teprojeto (BRASIL, 1987b, p. 100). Porém, a nova nomenclatura
foi mantida aos finais dos trabalhos da Subcomissão Temática. Foi
aprovada a seguinte redação em 25 de maio de 1987:
Art. 20 As Forças Policiais e os Corpos de Bombeiros são instituições
permanentes e regulares, destinadas à preservação da ordem pública,
organizadas em lei, com base na hierarquia, disciplina e investidura
militares, exercendo o Poder de Polícia de Manutenção da Ordem
Pública, inclusive nas rodovias e ferrovias federais, forças auxiliares
e reserva do Exército, sob a autoridade dos Governadores dos Es-
tados Membros, Territórios e Distrito Federal, no âmbito de suas
respectivas jurisdições:
§1º As atividades de policiamento ostensivo são exercidas com ex-
clusividade pelas Forças Policiais.
§2º Aos Corpos de Bombeiros competem as ações de defesa civil, se-
gurança contra incêndios, busca e salvamento e perícias de incêndios.
§3º A lei disporá sobre a estrutura básica e condições gerais de con-
vocação ou mobilização das Forças Policiais e Corpos de Bombeiros.
(BRASIL, 1987f )
Com o envio dos trabalhos para a Comissão temática, surgi-
ram problemas de “improvisação e falta de uma doutrina única das
polícias militares” (NASCIMENTO, 1988, p. 12). O problema teria
sido minimizado com a troca do Comando Geral da PMDF. O novo
comando promoveu reunião com os Comandantes Gerais das Polícias
Militares e, em conjunto com o Gabinete Militar do GDF, conseguiu
a cessão de espaço físico no Senado Federal para os assessores militares
estaduais (NASCIMENTO, 1988, p. 12-13).20
20 Um conceito recente de doutrina próximo ao que o oficial parece utilizar pode ser encontrado
124 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

A oposição com as associações da Polícia Civil gerou desgastes


com o relator da Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e da Ga-
rantia das Instituições. Conforme narra Nascimento (1988, p. 13-14), a
rivalidade entre Polícia Civil e Polícia Militar era comentada abertamen-
te pelos constituintes e o relator da Comissão, deputado Prisco Vianna,
informou não desejar contato com nenhuma das duas instituições.
O anteprojeto da Comissão da Organização Eleitoral, Parti-
dária e Garantia das Instituições retornava a nomenclatura Polícias
Militares. Constavam ainda no anteprojeto sugestões para inclusão da
competência da União de legislar sobre organização, efetivos, material
bélico, instrução específica, justiça e garantias das Polícias Militares,
bem como condições gerais de convocação e mobilização (BRASIL,
1987d, p. 8, 13).
Os esforços das polícias militares teriam se concentrado, em um
primeiro momento, no capítulo sobre a Segurança Pública. As omis-
sões teriam sido minimizadas pela atuação da Assessoria Parlamentar
do Exército Brasileiro, em especial pelo chefe da Assessoria, Coronel
Werlon Coaraci de Roure. Alertados para a situação, os oficiais atua-
riam então nos capítulos sobre servidores militares, justiça militar e
competências da União (NASCIMENTO, 1988, p. 16).
O Exército Brasileiro defendia a permanência das polícias mili-
tares, que deveriam continuar como forças auxiliares e reservas da força
terrestre. Conforme documentação elaborada pela instituição, os 300
mil policiais militares poderiam auxiliar de maneira efetiva as Forças Ar-
madas “nos aspectos mais abrangentes da Segurança Nacional” e sua não
caracterização como reserva do Exército importaria na criação de uma
Guarda-Territorial, composta de pelo menos 150 mil homens (BRASIL,
1987i, p. 171). Cabe então compreender a atuação da Assessoria Parla-
mentar do Exército junto à Assembleia Nacional Constituinte.

no Manual de Doutrina Militar Terrestre, do Estado-Maior do Exército. Conforme as defi-


nições básicas do Manual, a “Doutrina em seu significado mais amplo é o conjunto de prin-
cípios, conceitos, normas e procedimentos, fundamentadas principalmente na experiência,
destinada a estabelecer linhas de pensamentos e a orientar ações, expostos de forma integrada
e harmônica” (BRASIL, 2014, p. 1-1).
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 125

4.2. A ASSESSORIA PARLAMENTAR DO EXÉRCITO BRASILEIRO


As Forças Armadas se prepararam para a Assembleia Nacional
Constituinte, definiram objetivos e atuaram de forma coordenada
como grupo de pressão. Essa preparação garantiu uma unidade de
ação em relação à outras forças políticas (OLIVEIRA, 1994, p. 128).
O grupo foi coordenado pelo Coronel Werlon Coaracy de Roure e
composto por outros doze oficiais (MIGUEL, 1999, p. 168; NAS-
CIMENTO, 1988, p. 16). Todas as noites, após o encerramento dos
trabalhos, os oficias mantinham contato telefônico com o General
Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército no Governo Sarney, e
relatavam os acontecimentos do dia (GONÇALVES, 2017: 65-64). 21
Para D’Araujo (2010, p. 116), o General Leônidas Pires Gon-
çalves representaria o “espírito de corpo da instituição”. O papel das
Forças Armadas na defesa interna e externa não seriam negociáveis,
sendo comum dizer que “os militares podem não gostar” ou “os mi-
litares não querem”. Porém, em diversos pontos, não teria havido
imposição de vontade das Forças Armadas, mas procedimentos de
negociação (MIGUEL, 1992, p. 238; GOMES, 2013, p. 154-155).22
A atuação das Forças Armadas frente à constituinte incluía “cor-
po-a-corpo com os parlamentares, (...) intervenção direta dos ministros
militares, em reuniões privadas com os constituintes ou advertências pú-
blicas”. Os militares também teriam patrocinado uma viagem de visita
a instalações militares de Natal para 37 constituintes e alguns familiares
(MIGUEL, 1999, p. 168). Além disso, foram elaborados diversos do-
cumentos, distribuídos desde a Comissão de Estudos Constitucionais
em janeiro de 1986 até a Assembleia Nacional Constituinte. O último
documento, intitulado Temas Constitucionais, e desenvolvido pelo
21 Leônidas Pires Gonçalves foi escolhido por Tancredo Neves para ser o Ministro do Exército.
O oficial seria um dos mais antigos no Almanaque do Exército, atrás apenas do general Eraldo
Tavares Bastos, próximo da reserva compulsória, e do general Euclydes de Oliveira Figueire-
do, irmão do ex-presidente (MIGUEL, 1992, p. 106).
22 Em entrevista, o General Leônidas informou que tinha “muita influência” no processo cons-
tituinte. Teria inclusive consentido para que Bernardo Cabral fosse relator da Comissão de
Sistematização. Em outro ponto da entrevista, sobre as emendas que proibiam as Forças Ar-
madas de intervir na ordem interna, informou que “eu não deixaria passar” (GONÇALVES,
2017, p. 64-65).
126 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

Centro de Comunicação Social do Exército, foi amplamente divulga-


do. Esse último documento retomaria as teses anteriores “com maior
clareza e ordenamento lógico” e mostrava as polícias militares como
forças auxiliares e reservas do Exército (STEPHAN, 1988, p. 130-131;
OLIVEIRA, 1994, p. 130; COSTA, 1998, p. 122).
A tese defendida pelas Forças Armadas saiu vitoriosa na Sub-
comissão e na Comissão Temática. Posteriormente, foi alterada pelo
Relator da Comissão de Sistematização, deputado Bernardo Cabral,
em seu primeiro substitutivo, retornando, porém, no segundo subs-
titutivo, junto com outros pontos que a retirada teria desagradado o
ministro Leônidas Pires Gonçalves (MIGUEL, 1999, p. 189-190).23
Cabe destacar que o coronel Sebastião Chaves Ferreira, ex-secretário
de Segurança de São Paulo no governo Abreu Sodré, teria se deslocado
à Brasília para apresentar uma proposta para que as polícias militares
fossem extintas e os Estados organizassem livremente suas polícias.
Porém, em conversa com o presidente da Constituinte, deputado
Ulysses Guimarães, foi informado que não poderia haver alterações
nessa questão, pois já havia um compromisso firmado com o General
Leônidas Pires Gonçalves (CONTREIRAS, 1998, p. 54-55).
Porém, nem todas as pautas da Assessoria Parlamentar do Exérci-
to e das polícias militares (que careciam de uniformidade de doutrina)
confluíam para um espaço comum, o que teria levado a uma “nítida
beligerância” entre os oficias de ambas as instituições (NASCIMENTO,
1988, p. 38).24 Essa situação levou à aprovação de um texto constitucio-

23 Em entrevista, José Sarney informou que a redação da Constituição que estava sendo impressa
não trazia a possibilidade das Forças Armadas intervirem na ordem interna. Informado pela As-
sessoria, o ministro do Exército chamou a sua residência os ministros da Marinha, da Aeronáuti-
ca e o Chefe do Estado-Maior e determinou que os assessores convidassem o relator para o local.
Talvez sem saber que o Exército conhecia a mudança do texto, Bernardo Cabral acompanhou os
assessores à residência do ministro. Lá, o general Leônidas teria dito: “Você só sai daqui quando
a Constituição estiver com o texto que nós combinamos” e avisou aos assessores que estavam
no Congresso: “Vocês só saiam daí quando estiver impresso”. Em entrevista, o General Leônidas
negou os fatos (SARNEY, 2017, p. 51-52; GONÇALVES, 2017, p. 65).
24 Nascimento (1988, p. 33, 38-39) acredita que tenha faltado “doutrina, união e visão de futuro”
a vários Comandantes das Polícias Militares. Essa situação teria levado à falta de planeja-
mento, improvisação e heterogeneidade de doutrinas da instituição durante a Constituinte.
Possuiriam planejamento apenas as polícias militares de São Paulo e de Minas Gerais, além
da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 127

nal diverso daquele defendido no documento elaborado pelo Centro de


Comunicação Social da força terrestre, como se verá a seguir.

4.3. O CAMINHO ATÉ A REDAÇÃO FINAL NA CONSTITUIÇÃO


Encerrada a tramitação na Comissão Temática, o anteprojeto
da Comissão de Organização Eleitoral, Partidária e da Garantia das
Instituições foi remetido à Comissão de Sistematização para nova
apreciação. Após as primeiras discussões, foi aprovado texto na pri-
meira votação da Comissão de Sistematização a seguinte redação:
Art. 259–As Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros são insti-
tuições permanentes e regulares, destinadas à preservação da ordem
pública, com base na hierarquia, disciplina e investidura milita-
res; exercem o poder de polícia de manutenção da ordem pública,
inclusive nas rodovias e ferrovias federais, sob a autoridade dos Go-
vernadores dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal.; são
forças auxiliares do Exército e reserva deste para fins de mobilização.
§ 1º–As atividades de policiamento ostensivo são exercidas com ex-
clusividade pelas Polícias Militares. (BRASIL, 1987g, p. 33)
A proposta era resultado de um acordo entre as polícias mili-
tares e as polícias civis, “patrocinado pelo deputado Adilson Motta e
pelo senador Jarbas Passarinho, junto aos líderes do Centrão, com a
aquiescência do Relator Bernardo Cabral” (NASCIMENTO, 1988,
p. 15).25 Por fim, o projeto final da Comissão de Sistematização, trazia
um texto próximo ao aprovado pelo plenário da Assembleia Nacional
Constituinte, construído através de um acordo entre as polícias mili-
tares e civis, e apresentada em uma emenda coletiva do Centrão.26 A

25 “Centrão” é a forma como ficou apelidado o bloco parlamentar que se denominava “Centro
Democrático”, formado no final de 1987. O grupo teria sua origem na insatisfação com os
quóruns de deliberação e com a dificuldade de mudanças do texto aprovado na Comissão de
Sistematização pelo plenário da Constituinte (JOBIM, 2017, p. 206; ROCHA, 2013, p. 81).
Dentro do bloco, teriam auxiliado as Polícias Militares os deputados Ricardo Fiuza e Hélio
Rosas (NASCIMENTO, 1988, p. 14)
26 O texto aprovado era o seguinte: Art. 169. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...) III – polícias militares e corpos
de bombeiros militares. (...) §3º Às polícias militares, forças auxiliares e reservas do Exército,
cabe exercer o policiamento ostensivo e assegurar a preservação da ordem pública; subordi-
nam-se, juntamente com os corpos de bombeiros militares e as polícias civis, ao Governo dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (BRASIL, 1987h, p. 63)
128 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

redação final da Constituição sobre as polícias militares no Capítulo


da Segurança Pública não sofreu alterações em trinta anos: 27
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsa-
bilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública
e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos se-
guintes órgãos:
(...)
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da
ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribui-
ções definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças
auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as
polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios.
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos
responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiên-
cia de suas atividades. 28
A Constituição também faz referência às polícias militares em
outros pontos do texto. Conforme o art. 21, é competência da União
organizar e manter a polícia militar do Distrito Federal. O art. 22 es-
tabelece a competência privativa da União para legislar sobre normas
gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação

27 Encerrada a redação final do projeto de Constituição da Comissão de Sistematização, os ofi-


cias assessores parlamentares da Polícia Militar de Minas Gerais elaboraram um documento
com o título: PM e Constituinte: Polícias Militares competentes para atuar como Polícia Pre-
ventiva (ESPÍRITO SANTO et al, 1988). O documento, assinado por quatro oficiais, deixa
claro “a prioridade que teria o trabalho de assessoramento parlamentar, nos princípios básicos
para a Corporação” estabelecida pelo Coronel PM José Braga Júnior. Esse trabalho se desen-
volveria de forma a manter “o espaço profissional que tínhamos conquistado com trabalho,
honestidade e honradez desde o período colonial”. Entre as notas, merece destaque a votação
da Comissão de Sistematização sobre emenda do Deputado Hélio Rosas, que retirava a ex-
pressão “preventiva” do texto relativo à polícia civil, introduzido no segundo substituto da
Comissão de Sistematização. Após o pronunciamento dos parlamentares e o posicionamento
favorável do Relator votaram a favor da emenda 90 constituintes e contra 2 constituintes. Não
houve abstenções (ESPÍRITO SANTO et al, 1988, p. 59-60, 65-69).
28 Após a derrota da emenda que retirava a expressão “preventiva” das atribuições da Polícia Civil,
a supressão do termo “exclusividade” das atividades de policiamento ostensivo e a redução da
clareza das atribuições pode estar relacionada com a necessidade de aprovação do texto. Jobim
lembra que era chamado pelo presidente da Constituinte para verificar a possiblidade de apro-
vação no plenário das proposições. Constatado que o texto não seria aprovado, Jobim disse que
“eles pediam para que eu introduzisse ambiguidades. Eu ia tornando o texto mais ambíguo, até
conseguir o voto da maioria. Era um negócio genial” (JOBIM, 2017, p. 210).
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 129

e mobilização das polícias militares. O art. 32 determina que lei fe-


deral disporá sobre a utilização da polícia militar pelo Governo do
Distrito Federal. Por fim, o art. 125 trata das competências da Justiça
Militar Estadual e da criação de Tribunais de Justiça Militar estaduais.
Dois pontos que tratam sobre as polícias militares sofreram
alterações na redação original. O art. 42 foi alterado pela Emenda
Constitucional nº 18, de 1998, que modificou a expressão servidores
públicos militares para somente “militares do Estado, do Distrito
Federal e dos Territórios”. O art. 125 foi alterado para ressalvar a
competência do júri nos crimes militares cometidos contra civis.
Foi também acrescentada disposição sobre a competência singular
do juiz de direito do juízo militar para julgar singularmente crimes
militares cometidos contra civis e ações judiciais contra atos dis-
ciplinares. Além disso, ficou estabelecido que o juiz de direito é o
presidente do Conselho de Justiça. Essas alterações foram dadas pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004. As possiblidades de criação
de Tribunais de Justiça Militar Estaduais também foram ampliadas,
porém nenhum tribunal foi criado desde a emenda.
Um ponto relativizado pela Constituinte em relação às de-
mandas do Exército teria sido a competência da União para legislar
sobre as polícias militares. O documento produzido pelo Exército
propunha que a União fosse competente para tratar da organização,
efetivos, material bélico, instrução, justiça e garantia das Polícias Mi-
litares, além das condições gerais de sua convocação e mobilização.
Além disso, não previa a competência das polícias militares para a
realização do policiamento ostensivo. Tratava apenas da preservação
da ordem pública (BRASIL, 1987i, p. 151).
As falas dos oficiais na audiência pública mostram que ocorre-
ram encontros entre os comandantes das corporações entre a Comissão
Afonso Arinos e a Constituinte. Além disso, as polícias militares dedica-
ram atenção a todo o período da Assembleia. Essa atenção permaneceria
com foco na Revisão Constitucional programada para 1993, por meio
de trabalhos acadêmicos e encontros entre Comandantes.
130 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

5. A PREPARAÇÃO PARA A REVISÃO DE 1993


A Constituição de 1988 previu duas formas de alteração de seu
texto: as emendas constitucionais e a revisão constitucional, programada
para acontecer em 1993. A revisão, que possuía um rito mais simples de
alteração do texto constitucional, ocorreu entre 1994 e 1995, e resultou
na aprovação de seis emendas (PAIXÃO, 2014, p. 448-449).
Diversas ações foram tomadas pelas polícias militares uma vez en-
cerrados os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Tome-se como
exemplo as “Considerações sobre a segurança pública feitas a propósito de
sugestões apresentadas pela Polícia Militar à Comissão Constitucional”,
apresentadas pelo Coronel PM Jair José Dias e dirigidas à elaboração da
Constituição Estadual de Minas Gerais (DIAS, 1988, p. 88).
Porém, interessa ao presente trabalho as ações e impressões das
polícias militares voltadas para a Constituição promulgada e para a
revisão de 1993. Nesse sentido, os trabalhos de conclusão do Curso Su-
perior de Polícia e do Curso de Aperfeiçoamento de oficiais da PMDF
sugerem o despreparo das corporações policiais militares em 1987-88
e a necessidade de organização para o processo de revisão (Cf. NASCI-
MENTO, 1988; PIMENTEL et al, 1991; PENA et al, 1992).29
Outro ponto comum nos trabalhos acadêmicos trata da neces-
sidade de se estabelecer assessorias parlamentares com conhecimento
e experiência sobre o processo legislativo. Chama também a atenção
que os assessores que trabalhavam no Congresso em 1991 acreditavam
que os membros do Congresso Nacional tenderiam a preservar o texto
constitucional aprovado em 1988 na revisão de 1993, “desde que a
pressão social não sinalize em contrário” (PIMENTEL et al, 1991: 47).
Essa hipótese teria sido contestada nos questionários aplicados com
deputados no ano seguinte. Os questionários demonstraram que 44 dos
62 deputados consideravam muito importante a existência das polícias
militares; 59 deputados concordavam que as polícias militares deveriam
29 Os trabalhos foram realizados com base em entrevistas e questionários com policiais milita-
res que trabalharam como assessores parlamentares na Assembleia Nacional Constituinte em
1991 e com 62 deputados que atuavam no Congresso Nacional em 1992.
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 131

pertencer aos Estados e serem força auxiliar do Exército e 37 concor-


davam que deveriam haver muitas modificações das atribuições dos
órgãos do Sistema de Segurança Pública (PENA et al, 1992, p. 41-70).
Fora dos trabalhos técnicos, merecem destaque os congressos
promovidos pelos Comandantes Gerais das Polícias Militares e dos
Corpos de Bombeiros Militares que trataram da preparação para a
Revisão Constitucional. Ocorreram ao menos três encontros: em Bra-
sília, de 08 a 09 de novembro de 1990; em Porto Alegre, de 19 a 21
de junho de 1991; e em São Paulo, entre 28 e 29 de maio de 1992.
No encontro de Brasília foram discutidos catorze temas, que
tratavam desde a questão da revisão constitucional até ensinamentos
de comando. Constavam entre as propostas resultantes do encontro
o reforço da exclusividade do exercício da polícia ostensiva e da su-
bordinação ao Governador; a investidura como autoridade policial de
polícia ostensiva e de preservação da ordem pública; a competência para
a fiscalização e controle das guardas municipais e o poder de polícia
administrativa no campo da ordem pública. Também foi cogitada a pro-
fissionalização das assessorias parlamentares, com encontros trimestrais
e espaço físico no Congresso Nacional (DISTRITO FEDERAL, 1990).
No encontro de Porto Alegre, de forma diversa, os coman-
dantes acordaram que o texto constitucional de 1988 definia
satisfatoriamente as atribuições dos órgãos da Segurança Pública.
Destaque para a fala do Desembargador do TJSP Álvaro Lazzarini,
que acreditava que uma unificação das polícias civis e militares não
seria um “acordo de cavalheiros (...) pois, na prática, uma engolirá
a outra”. O expositor ressaltava que “sairá vencedora aquela que
melhor se articular politicamente, trouxer mais substância doutri-
nária às suas teses, estiver estruturada em ‘lobby’ e aplicar-se com
afinco na disputa” (DISTRITO FEDERAL, 1991).
O encontro realizado em São Paulo em 1992 foi mais específi-
co sobre a revisão constitucional. Para os participantes, a atuação das
polícias militares na Assembleia Nacional Constituinte foi prejudicada
pela inexperiência e inabilidade política, desconhecimento do processo,
132 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

falta de clareza, improvisação, ausência de unidade, entre outros as-


pectos já levantados nos trabalhos acima citados. Foi proposta então
a criação de uma Assessoria Parlamentar Nacional para acompanhar
as propostas legislativas, manter e estreitar laços com parlamentares e
verificar interesses antagônicos. Decidiu-se também pela realização de
um Congresso Nacional de Polícias Militares e Corpos de Bombeiros
Militares para a elaboração de uma “proposta definitiva e avalizada por
todas as Corporações, como meta comum a ser defendida na revisão
constitucional prevista para 1993” (DISTRITO FEDERAL, 1992).
Não foi encontrada a documentação sobre o Congresso.
Porém, apesar dos esforços conjuntos das polícias militares, a Re-
visão Constitucional em 1993 não alterou significativamente o texto de
1988. Nenhuma das emendas aprovadas modificava disposições sobre
a segurança pública. Ao tratar do tema, o relator da revisão, Nelson
Jobim afirmou que tanto o presidente da República, Itamar Franco,
quanto os líderes do governo no Senado e na Câmara, Roberto Freire
e Pedro Simon, eram contrários à revisão. Da mesma forma, o Partido
dos Trabalhadores não concordava com a revisão, pois acreditava que as
conquistas sociais seriam derrubadas (JOBIM, 2015, p. 134).
Se as reuniões ocorridas após 88 não resultaram de alteração
do texto, elas podem ter pelo menos servido para criar um fórum de
discussões para as polícias militares: o Conselho Nacional do Co-
mandantes-gerais, criado em 12 de fevereiro de 1993.30 Além disso,
as assessorias parlamentares se mantiveram ativas e chegaram a contar
com uma sala no 27º andar do anexo I do Senado Federal. Conforme
levantamento de oficial lotado na Assessoria Parlamentar da PMDF
no ano de 2008, o órgão se manteve atuante durante os primeiros 20
anos da Constituição e teria influenciado a aprovação e o arquivamento

30 Conforme endereço eletrônico da entidade (cncg.org.br), o Conselho reúne 54 Comandantes e


tem entre suas finalidades participar da formulação, acompanhamento e avaliação das políti-
cas e diretrizes nacionais relacionadas à segurança pública, propondo medidas e colaborando
com a sua implementação; buscar o provimento eficaz de segurança pública, com qualidade
total, visando ao pleno atendimento dos anseios da sociedade e promover a aproximação entre
as instituições militares estaduais, visando à integração de esforços no sentido do exercício de
sua representatividade política e jurídica, entre outros.
BRUNO CÉSAR PRADO SOARES 133

de diversos projetos de lei (MARTINS, 2008, p. 29-38).31 Essas ações


mostram que as discussões provocadas nas polícias militares por ocasião
do processo constituinte trouxeram consciência à instituição sobre a
necessidade de articulação junto ao Congresso Nacional.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Assembleia Nacional Constituinte representou um momento
em que diversas instituições puderam defender seus pontos de vista,
buscar melhorias institucionais e melhorias para a sociedade como
um todo. Dentre essas instituições, estavam as polícias militares. As
polícias militares buscavam manter seu status constitucional, existente
desde 1934, e incorporar no texto atribuições que antes eram infra-
constitucionais, como a preservação da ordem pública.
As reuniões preparatórias das polícias militares teriam se ini-
ciado em agosto de 1985. Como resultado, o Comandante da Polícia
Militar de Minas Gerais apresentou a posição institucional perante
a Comissão Afonso Arinos. Os esforços das polícias militares foram
ignorados e a instituição correu o risco de redução considerável de suas
competências. Porém, o anteprojeto foi arquivado e serviu apenas de
consulta informal por parte dos constituintes.
As polícias militares se reuniriam novamente, desta vez atentas ao
risco de novo resultado negativo. As conclusões do III Congresso Brasi-
leiro de Polícias Militares, ocorrido em fevereiro de 1987, distribuídas
a todos os constituintes, mostram uma tentativa de vinculação com o
Exército, provavelmente em razão da força política que a instituição
ainda possuía.32 As movimentações das polícias militares se mantiveram
durante o processo e garantiram, mesmo com baixa representatividade
política, a redação de um texto sobre segurança pública que não sofreu
31 Uma rápida busca pela internet mostra a atuação, cursos e eventos promovidos pelas Assesso-
rias Parlamentares das demais Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares no Brasil
até os dias atuais.
32 É necessário aprofundamento para verificar essa hipótese. Outras hipóteses também podem
ser testadas em pesquisas futuras. Entre as variáveis está o conteúdo dos cursos obrigatórios
de carreira, a identidade institucional, a experiência profissional e as redes de contato adquiri-
das entre 1964 e a Constituinte.
134 DIREITO, HISTÓRIA E POLÍTICA NOS 30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

alterações nos trinta primeiros anos da Constituição.


Importante ressaltar que, por todo o período, as falas dos poli-
ciais militares buscavam a memória dos constituintes e a história do
Brasil, de forma a não vincular a instituição com regime instalado
em 1964. Essa estratégia parece ter funcionado. De fato, um dos
constituintes foi expresso em lembrar de sua infância e do soldado da
polícia militar que garantia a aplicação da lei em sua cidade. Outros
constituintes também se manifestaram favoráveis à instituição, sem
vinculá-la a ações de repressão política ou de execuções sumárias.
Percebe-se também que havia poucos riscos de extinção das
polícias militares na Assembleia Nacional Constituinte. As falas dos
constituintes na Audiência Pública, inclusive do Constituinte José
Genuíno, a proporção de emendas a favor de sua manutenção, as falas
dos constituintes que relacionavam torturas às polícias civis e, por fim,
o trabalho de pressão do Exército Brasileiro, mostram que as polícias
militares poderiam ter se empenhado em dar um caráter inovador à
instituição, sem a perda do status constitucional.
Cientes dessa situação, as inovações seriam então buscadas no
processo de revisão da Constituição, prevista para ocorrer em 1993. A
preparação para a revisão incluiu a elaboração de trabalhos acadêmicos
e encontros entre Comandantes pelo Brasil. Buscou-se a exclusivida-
de do exercício da polícia ostensiva, a investidura como autoridade
policial de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, a
competência para a fiscalização e controle das guardas municipais e o
poder de polícia administrativa no campo da ordem pública. Porém,
dessa vez, a indisposição dos parlamentares para alteração do texto
constitucional não permitiu êxito nas ações do processo de revisão.

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