História Da Fundação Do Império Brazileiro t.1
História Da Fundação Do Império Brazileiro t.1
História Da Fundação Do Império Brazileiro t.1
•
• M
S4_l
HBH-
>*W
fl ____• _f>:
TH
Livraria Brazileira J- ;
L\
:i«
w :
Ie ne fay rien
./A
,V' sans
4
r ^ • " •
Gayeté
(Montaigne, Des livres)
Ex Libris
José M i n d l i n
':>!
m
j : ^Ã '•'•'.•\-.--y-
ri ir*?/
i 15rr*l
(r :
1'
HISTORIA DA FUNDAÇÃO
DO
IMPÉRIO BRAZILEIRO
TOMO PRIMEIRO
HISTORIA DA FUNDAÇÃO
DO
IMPÉRIO BRAZILEIRO
TOMO PRIMEIRO
Vendem-se na mesma livraria as seguintes obras
do mesmo Auctor :
IMPÉRIO BRAZILEIRO
POR
J. M. PEREIRA DA SILVA
MEMBRO DO INSTITUTO HISTÓRICO E O E O G 11 J f III C O DO D 11.1 ?. I L
RIO DE JANEIRO
R. L. GARNIER, EDITOR
60, RUA DO OUVIDOR, 09
1864
Ficilo reservados os direitos de propriedade.
LIVRO PRIMEIRO
LIVRO PRIMEIRO
1
Castrioto Lusitano, por Raphaet de Jesus. — Valeroso Lucideno, por
Manuel Calado. — Memórias históricas de Pernambuco, por Fernandes
da Gama.
* Netscher, Les Hollandais au Rrésil. —Wiqueforl, Histoiredes Pro-
vinces-Unies. — Malhias Van-der-Broeck, Journal des Choses, etc. — Tre-
goas entre D. João IV°e os Estados das Provincias-Unidas. Lisboa, 1642.
— 15 —
guissem victoria os Portuguezes. da America, $ que
lhes ministrasse mesmo alguns pequenos auxilios, que
o não deshouvessem todavia da Hollanda, e nem pertur-
bassem as boas relações que com esta nação entretinha \
Felizes forão os seus subdilos americanos. Expellírão
os Hollandezes de todos os "postos que occupavão. Basta -
rão-lhes quasi as próprias forças que lhes deparava a
colônia. Para o domínio portuguez volverão as capitanias
que parecião perdidas definitivamente : Pernambuco,
Ceará, Parahyba e Rio Grande do Norte, o território
das Alagoas e parte do de Sergipe. Não os socegou ainda
o facto de collocar sob o mesmo sceptro a integridade
da colônia brasileira. Coadjuvárão, os moradoressdo
^mW
2
Congo e Angola , com os quaes os relacionavão as ne-
cessidades do trafico de escravos que da cosia da África
se fazia para o Brasil, e que se empregavão na roteação
e cultura das terras. Corridos também d'estas possessões,
atirarão-se os Hollandezes sobre o cabo da Boa Espe-
rança, cfCeylão eas índias, e compensarão em parte as
suas perdas. Poude, todavia, o rei portuguez vangloriar-
se de legar aos seus successores copia maior de possessões
coloniaes do que recebera quando o chamarão os povos
para occuparo throno e cingir o diadema.
1
Brito Freire, Nova Lusitânia. — Southey, Hislory of Rrasil. —
Rocha Pitta, Historia do Brasil. — Ferdinand Denis, Le Brésil. — War-
den, Hisloire du Brésil.
1
Portuguezes na África, etc. Lisboa, 1849. —Memórias das^ noti-
cias ultramarinas, publicadas pela Academia Real de Sciencias de Lisboa.
— 14 —
o
Fo^D. João IV um excellente soberano. Fez pela sua
pátria o que era possivel no seu reinado. Conseguio mais
doque o suppunha a opinião geral da epocha. Resistio de-
nodadamente contra o poder daHespanha, que era ainda
extenso e preponderante. Abateo conjurações da fidal-
guia portugueza, que preferia o dominio estranho eo
aniquilamento do paiz \ Reorganisou a administração
publica, o exercito, a marinha e as finanças .Rehabili-
tou os brios dos Portuguezes, e unio-os no só pensamento
de sustentar e defender a autonomia do solo e a inde-
pendência política. Iniciou o dominio da sua dynastia
sob auspícios esperançosos e renome meritorio de pa-
triotismo.
Mas a D. João IVo succedeo seu filho, D. Affonso VIo.
Caracter pusillanime, e por isso mesmo violento, im-
moralidade de acções, ausência completa da dignidade
individual e do pudor dynastico, e por fim accessos
de loucura, forão as qualidades que manifestou ao seu
povo este soberano desgraçado. Não lhe fallárão^bdavia,
para gloria do reinado, victorias honrosas contra os
Hespanhoes, que luctavão ainda no intuito de reivendi-
car a sua conquista. A aureola de Ameixial8 e Montes-
Claros3 bastar-lhe-hia para, assegurada e firmada a in-
1
0 duque de Caminha, o marquez de Villa-Real e o conde de Arma-
mar morrerão no cadafalso, do qual escapou o arcebispo de Brag.i por sua
qualidade ecclesiastica. (Portugal Restaurado, pelo conde de Ericeira.)
2
Celebre batalha ganha por D. Sancho Manuel, conde de Villaflor,
em 1665.
5
Batalha ganha pelo marquez de Marialva em 1665.
— 15 —
dependência de Portugal, encontrar recursos contra os
Hollandezes, que continuavão seus assaltos pela Ásia e
África. Não soube, porém, aproveitar as vantagens que
conseguira. Assistio friamente á perda da rica possessão
das pérolas da ilha de Manará, e das importantíssimas
conquistas de Cochim, Coulan, Granganor, Negapatan,
Cananor e Jafanapatan, que se espalhavão pelas costas
de Malabar, Coromandel e Ceylão, e proporcionavão
ao commercio e navegação dos Portuguezes riquezas
immensas e lucros maravilhosos. Abandonou por ca-
pricho a alliança da França, que tão útil fora e provei-
tosa para D. João IVo Comprou a de Inglaterra, que se
aproveitou do casamento de uma infanta de Portugal
com Carlos IIo para receber em dote Tanger na África
e Bombaim na Ásia. Converteoos seus paços em theatro
aberto de intrigas escandalosas, e a sua corte em lu-
panar immundo. Cercou-se de favoritos e Íntimos, que
lhe tirarão a confiança que ao principio depositara em um
minis^o illustrado, que o podêra salvar, se a capricho
não fosse estorvada a sua acção e desvirtuada a sua polí-
tica1 Reinou a desordem e a anarchia na própria famí-
lia real, até que o infante D. Pedro, seu irmão mais
moço, o precipitou do throno por uma revolução pala-
ciana, enclaustrou-o como louco, apoderou-se da re-
gência do reino, e, quando lhe findou a morte os pade-
cimentos, cingio a coroa e empunhou o sceptro como
1
0 conde de Castello-Melhor.
— 16 —
l
seu successor legitimo Fatal exemplo, que o povo pre-
senciou impassível, irritado, como estava igualmente,
contra um monarcha sem pudor individual, sem costu-
mes, sem qualidades apreciáveis, e que no propwo solio
folgava de representar scenas desmoralisadoras, como
as sabe desenhar a penna enérgica de Tácito quando
esboça a historia intima dos primeiro?*imperadores de
Roma2.
Nas monarchias que se regem pelo systema represei
tativo ou parlamentar, podem os loucos e ineptos occu-
par o throno e cingir a coroa. Reinão e não governão
inteiramente. Servem as dynastias para vedar ás ambi-
ções particulares o .primeiro e mais elevado cargo do es-
tado. E de grande vantagem para as nações que sejão
varões iHuslrados os seus soberanos. A posição que lhes
cabe abre-lhes, em todos os sentidos, uma larga influen-
cia no% destinos do paiz. Podem coadjuvar-se mutua-
mente as duas forças diversas. Mas suppre as faltas da
primeira o elemento popular e intelligente, q^e por
si se move, e dirige o governo quando de cima não desce
a opinião acertada. Ganha, é verdade, preponderância
superior, e com isto desapparece o equilíbrio necessário
para a marcha regular da sociedade; são todavia me-
nores os males que d'ahi resultem, do que sóe produzir o
governo absoluto entregue a si próprio e livre de resis-
1
Catastrophe de Portugal na deposição d'el-rei D. Affonso\T — Anti-
eatastrophe. Historia d'el-rei D. Affonso VI"
2
Cornelius Tacitus, Hist. et Amt.
— 17 —
1
Ordenações Philippinas, mandadas executar por D. João IVo.
2
Alexandre Herculano, Historia de Portugal, tomo IV.
Vinte c uma cidades e setenta e uma villas em Portugal se fazlão
representar em cortes por seus procuradores. (Teixeira de Vasconcellos, Lu
Maison de Bragance.) Algumas cidades do Brasil, como o Rio de Janeiro,
— 19 —
panhola. E que formavão governo estrangeiro e domfffio
de conquista. Não tinhão necessidade de apoio e auxilio
da nação. Imperavão^as armas sempre que decidia e di-
liberava o governo. Curvavã«-se as vontades ao poder da
força. Abafavão-se as àspiEações sob o peso da violência.
Tinhão as cortes funcçõès legislativas, que não quadra-
vão aos desígnios dos reis de Castella. Exercião allribui-
ções politieas sempre que tratavão de fixar tributos e
subskfóos, e de apresentar os aggravos que tinhão das
autoridades, e as necessidades para que reclamavão pro-
videncias l Não admittia o systema da corte hespanhola
que passassem os subditos de escravos obedientes e sub-
missos, aos quaes nem as queixas se permittião. Com a
elevação da casa de Bragança, chamou-as algumas vezes2
B. João IVo, e recebeo d'ellas provas munificentes de
confiança. Convocou-as D. Pedro IIo, designando-lhes os
fins determinados da reuniãos, e dissolvendo por tu-
1
João Methuen, ministro inglez em Lisboa.
Chapsal, Industrie. — Balbi, Stalistique du Portugal. — Freire de
Carvalho, Ensaio, etc. — F. Der.is, Le Portugal. — Historia de Poriu-
gal, traduzida do inglez por Antônio de Moraes e Silva.
— 24 —
nholas que lhe ficavão próximas, e, contractando com o
archiduque austríaco, pretendente ao throno da Hespa-
nha, ousou entrar na liga e na guerra que se suscitou
na Europa por causa da successão á coroa d'este paiz1.
Seguírão-se aos primeiros actos dalucta, que lhe forão
favoráveis1, revezes cruéis, que por demais os compen-
sarão. Soffreo muito o reino de Portugal com esta
guerra, em qúe o intrometteo a imprudência do sobe-
rano, sem que nella se descobrisse o mais pequeno in-
teresse portuguez. Expoz-se o commercio* a insultos
marítimos dos Francezes, que lhe causarão perdas enor-
mes. Aniquilárão-se os recursos financeiros da nação.
Foi bombardê§da a cidade do Rio de Janeiro pele almi-
rante Duguay-Trouin* Tocou por fim a Luiz XIVo de
França o triumpho decisivo. Achou-se Portugal ao lado
dos vencidos, e obrigado a resignar-se ás condições que
lhe forão impostas pelos seus inimigos. Terminarão os
dias de D. Pedro IIo no meio d'estas calamidades publi-
cas, e dos remorsos íntimos que pungião o coração do
monarcha e a consciência do homem, que não cessava
de mostrar arrependimento por tudo quanto praticara
em relação ao rei que desthronára, e ao irmão, a quem
arrancara dos braços a própria consorte*
1
Histoire de Ia guerre de Ia succession eu Espagne.
s
Conseguirão ao principio entrar os exércitos portuguezes em Ma-
drid, etc.
s
Mémoires de Duguay-Trouin. — Robert Southey, History of Bra-
sil, etc.
4
F. Denis, Le Portugal. — Laclede, Historia de Portugal, etc.
— 25 —
o
A D. £edro II substituio na coroa seu filho mais
velho, com o nome de D. João Vo. Fora ao menos o ca-
racter dofinadorei revestido de qualidades cavalheiro-
sas. Não passou o do seu successor de fraco, irresoluto,
extremamente fulil, e tão impregnado de espirito reli-
gioso que tocou á superstição. Acreditava mais nos re-
presentantes do clero para a governança do paiz, cuja
missão se lhe afigurava menos humana que divina.
Cercava-se de padres, de jesuítas-, de monges. Assistia
a todos os actos e ceremonias da Igreja. Acompanhava
todas as procissões. Inscrevia-se em todas as irmanda-
des. Conversava com os priorés-j e indagava dos abbades
a somq»a a que tinhão attingido as esmofis pelas almas
e pelos santos. Ouvia a historia de quantos milagres se
inventavão. Nas questões graves do estado, seguia os con-
selhos do cardjeal da Motta e do cohego Gaspar da Encar-
nação com preferencia ás opiniões de Alexandre de Gus-
mão, seu escrivão da puridade1, e de D. Luiz da
Cunha, seu diplomata mais reputado2 Curvava-se em
tudo ás decisões da cúria pontifícia. Nas difficuldades
que encontrava, e nos desejos que nutria, olhava para
Roma, aonde residia o representante de Christo sobre a
terra. Vinha-lhe d'ali o allivio e a esperança, com a fé
que nutria. Gastou sommas pecuniárias fabulosas para
conseguir que o sacro collegio concedesse aos reis de
1
Nascera na capitania de São Paulo (Brasil) em 1685. — Varões illus-
tres do Brasil durante os tempos coloniaes.
* Nascera em Lisboa em 1662. (F. Innocencio, Dicc.biog.portuguez.)
- - 26 —
Portugal o titulo de Fidelissimo, e á nação portugueza a
posse de uma patriarchal, que lhe devia abrir as portas
do céo 1 . Esgotou o producto das minas do Brasil e os
rendimentos do thesouro nacional na construcção do
convento e igreja de Mafra, e na acquisiçâo da marmó-
rea capella de São João Baptista, a cujo altar celebrara
missa solemne o santo pontífice em Roma2 Pretendeo
imitar a Luiz XIVo de França, intentando obras de luxo,
e ostentando um fausto e ceremonial de corte incompa-
tiveis com as forças do seu estado e com a extensão dos
seus domínios. Ao passo que se não importava- com o
bem-estar e prosperidade de seu povo, e nem cuidava
em desenvolver os elementos de riqueza que brotavão do
solo, permittio que funccionasse, com todas as cruezas
de um tribunal de sangue e de fogo, o Santo Officio da
Inquisição, que, durante o seu reinado, immolou maior
numero de victimas humanas do que em todo o tempo
em que existio3 em Portugal. Via nelle o fanático rei a
glorificação do mysterio religioso, e o sacramento do sa-
1
0 Investigador portuguez, tomo XIV, traz a quitação a Francisco
da Costa Solano, de 5 de setembro de 1748, de 115,509,132 cruzados
em dinheiro, 6,417 arrobas e 23 libras de ouro, 324 arrobas de prata,
15,679 arrobas de cobre, 2,508 quilates de diamantes brutos.
- Na igreja de São Roque de Lisboa acha-se esta capella.
3
Até o anno de 1732 apparecêrâo nos cadafalsos, em hábitos de in-
fâmia, penitenciados por este tribunal, 23,068 réos. Forão justiçados no
fogo 1,454. (Fernandes Thomas, Repertório, palavra Inquisição.) D'ahi
ate o fim do reinado de D. João Vo passa da metade o numero dos con-
deinnados. (Godd's Account of lhe Inquisition in Portugal.) Vide igual-
mente : Lhorente, Inquisition, e Gallois, item.
— 27 —
1
Entre elles conta-se Bartholomeo Lourenço de Gusmão, nascido em
Santos (S. Paulo, Brasil) em 1685, irmão do secretario particular e es-
crivão da puridade de D. João Vo, accusado por feiticeiro por haver
inventado os ballões aerostaticos. (Varões illustres do Brasil durante os
tempos coloniaes.) *
2
São ambas estas cartas escriptas a D. Luiz da Cunha. (Varões illustres
do Brasil durante os tempos coloniaes.) É a primeira de data de 2 de
fevereiro de 1747, do teor seguinte :
i Ainda que eu já sabia que não havia de vencer o negocio cm que
— 28 —
um dos conselheiros e estadistas mais celebrizados da
epocha '.
« Va. Ex*. se empenhou, comtudo, por obedecer e servir a Va Ex*., sem-
« pre fallei a S. M. e aos ministros actuaes do governo.
« Primeiramente, o cardeal da Motta me respondeo que a opinião de
« Va Exa era inadmissível, em razão de poder resultar d'ella ficar el-rei
« obrigado ao cumprimento do tratado, o que não era conveniente. Em-
«* quanto falíamos na matéria, entseteve-se o secretario de estado, seu irmão,
i na mesma casa, em alporcar uns craveiros, que até isto fazem ahi fora
« de lugar e tempo. Procurei faliar á S \ R"\ mais de três vezes primeiro
« que me ouvisse; e o achei contando a apparição de Sancho a seu amo,
« que traz o padre Causino na sua corte santa, cuja historia ouvirão com
« grande attenção o duque de Lafões, Fernão Freire e outros. Respondeo-
« me que Deos nos tinha conservado em paz, e que V*. Exa. queria metter-
« nos em arengas, o que era tentar a Deos. Finalmente fallei a el-rei
« (seja pelo amor de Deos!), que estava perguntando ao prior da freguezia
K por quanto rendião as esmolas pelas almas e as missas que se dizião por
' ellas. Disse-me que a proposição de Va. Ex*. era muito própria das
<
« máximas francezas, com as quaes Va Ex\ se tinha conaturalisado, e
« que não proseguisse mais. Se Va. Ex\ cahisse na materialidade (do que
a está muito livre) de querer instituir algumas irmandades, e me man-
« dasse fallar nellas, havíamos de conseguir o empenho, e ainda merecer
« alguns prêmios. » &
1
A segunda carta de Alexandre de Gusmão, de data d e f i n e fevereiro
de 1747, é mais explicita e clara a respeito do governo de D. João Vo
Manifesta o pezar do homem intelligente que não vé seguidos os seus
conselhos e attcndida a sua previdência. E concebida nos seguintes
termos :
Nem a proposição do marquez de Alorna e nem a de V*. Ex*. merecê-
« rão a menor aceitação aos nossos ministros de estado. A primeira foi
« tratada na presença d'el-rei com o cardeal, o prior de São Nicoláo,
« monsenhor Moreira e dous jesui.las, a*quem já se tinha communicado.
» Antes que nem um d'elles fallasse, a resolveo el-rei com mais facilidade
« do que uma jornada das Caldas; porém, não obstante aquella resolução,
« sempre votarão que era ella dictada pelo espirito da soberba e da am-
« bicão, com que foi bem salgada. A segunda mereceo a convocação de
— 29 —
Luzio felizmente para Portugal uma nova era apenas
desceo ao túmulo o rei - frade D. João Vo Posto que de
idéias acanhadas, e dado inteiramente aos prazeres
mundanos, tinha D. José Ia um fundo de bom senso
e uma constância e persistência de vontade. Coube-
lhe a fortuna de encontrar um ministro intelligente
uma junta; mas foi para maior castigo* Ali se acharão os três cardeaes,
« os dous secretários, S*. Rm*. e eu, e muita gente, não sei como. Desen-
i cadernárão-se as negociações, e se baralharão com a superstição e a
« ignorância, fechando-se a discussão com o ridículo adagio—guerra com
« todo o mundo, paz com a Inglaterra, cuja santa alliança nos é muito
i conveniente, — e finalmente que V*. Ex*. não era muito certo na religião,
« pois se mostrava muito francez. Acabado isto, se fallou no soccorro da
d índia, que consta de duas náos e três navios de transporte. 0 Motta
« disse a el-rei: « Esta esquadra ha de atemorisar a índia! » E S*. R°".
i disse : « Ha de fazer bulha na Europa! » 0 reitor de Santo Antão : « To-
« mára já ter os progressos escriptos pelos nossos padres! » É o que se
« passou na junta, e excusa V*.Ex*. de molestar-se com propor negociações
« a esta corte, porque perderá o tempo que empregar nellas. Como
« V*. Ex*. me pede novidades, abi vão finalmente. Devemos ao eminentis-
« simo cardeal da Cunha o alliviar-nos de raios, tempestades, trovões, e t c ,
< que desterjgn das folhinhas do anno, com pena de lhes negar as licenças.
« Devemorfa S*. R°" o haver proposto a el-rei que conseguisse do papa o
• livrar-nos de espíritos malignos e de feitiços, que causavão neste reino
tanto damno, e não ouvia que os sentissem outras nações. Os padres,
« tristes, derão conta a el-rei de uma feitiçaria que cahio em seu poder, e
« creio que será este negocio o maior d'estado d'este governo. Antônio de
« Saldanha (o mar e guerra) descompoz o cardeal da Motta, e na pessoa
« d'esle a seu amo. 0 desembargador Francisco Galvão da Fonseca disse
< a Pedro da Motta que os diabos o levassem. 0 conde de Villanova disse
« aos criados de um e de outro que fossem passear. 0 Encerrabodes,
« não sabendo a quem havia de pedir sua carta credencial, pelo jogo do
« empurra em que se vio, disseque o nosso governo era hermaphrodita.
« Isto não são contos arabigos, mas faclos certos acontecidos dentro da
« Europa culta. »
— 30 —
e enérgico, que o auxiliou c guiou na gerencia dos
negócios públicos durante toda a sua vida e reinado.
Na memória do povo, nas tradições da choça humilde
dos camponezes, no recinto do mais pequeno arraial do
reino, nos monumentos e reminiscencias das cidades e
centros civilisados,"' nas colônias e possessões portugue-
zas, e até nos paizes estrangeiros, eternisado ficou para
todo sempre o. nome do marquez de Pombal, secretario
de estado d'el-rei D. José Io Animo absoluto e caracter
despotico, dirigia o paiz com mão de ferro. Curvava tudo
á sua vontade implacável. Nivelou e sujeitou á mesma
sorte e destino, ás mesmas leis e ordens, as classes e je-
rarchias da nação, tão diversas até então pelos privilé-
gios e isenções de que gozavão, e pelos abusos que lhes
toleravão os governos anteriores. Dotára-o a natureza com
qualidades próprias de quem quer governar : intelligen-
cia illustrada para descer ao conhecimento profundo das
necessidades publicas e descobrir os remédios mais aza-
dos com que lhes acudisse, decisão firmé~eracertada
para executar as providencias que julgava convenientes.
Ouvia os homens que considerava entendidos nos objeclos
que meditava, sem que lhe importasse a condição de cada
umdelles 1 Assentado depois o seu desígnio, levava-o
á pratica, sem que o demovessem quaesquer dificulda-
des ou estorvos que lhe fossem antepostos.
Chama-o a historia de Richelieu portuguez. Teve que
1
Jacome Ratton, Recordações.
— 31 —
1
Os Tavoras, Aveiros, Altouguia, e outras famílias nobres; Malagrida o
vários membros do clero. Forão perseguidos o duque de Lafões, D. José
Galvão de Lacerda; o marquez de Marialva, e t c , etc. (F. Dcnis, Le
Portugal)
* A revolta do Porto em 1753 foi punida com castigos c rigores inau-
ditos. (Santeuil, Histoire du Portugal.)
— 32 —
tual como lambem no regimen temporal do reino, vio-se
obrigada a abrir mão de prerogativas que havia conquis-
tado sobre a religião e o animo timorato dos monarchas
antecedentes1 A Inglaterra, que tratava Portugal como
sua colônia, reconheceo-o, durante o governo de Pombal,
como nação independente e que cumpria respeitar2. A Hes-
panha, que ousou invadir o território portuguez, teve que
retrocedervencidae confessar aenergia do seu adversário5.
Os jesuitas, que, nos primeiros tempos de sua instituição,
havião prestado tantos e tão relevantes serviços ao catho-
licismo, á instrucção do povo, ao desenvolvimento das
missões religiosas, á catechese dos gentios, e á defesa do
fraco contra o forte nas colônias e possessões da Ásia,
da America e da África, fundando uma reputação glo-
riosa, e assentando as bases da sua ordem na democracia
e na civilisação, mas que, com o andar dos tempos, com
as riquezas que juntarão, e com a importância que ad-
quirirão nas cortes no caracter de confessores e directores
espirituaes das famílias reinantes, se tornarão poderosos,
1
A nomeação dos bispos. 0 index expurgatorio. A expulsão do núncio
Acciajuoli. A publicação das bullas, etc. (Teixeira de Vasconcellos, La
Maison de Bragance. — F. Denis, Le Portugal, etc. — Mémoires du
marquis de Pombal, etc.)
2
Imposto de 4 e 1/2 p. 100 nas mercadorias em 1756. A satisfação
exigida, c que os Inglezes derão em 1759, por haverem incendiado* no
porto de Lagos navios de guerra francezes, etc. — Revue étrangère et
française de législation, numero de setembro de 1840.
1
Guerra de 1761-1762. Terminou com a paz de Fontainebleau
de 1763.
— 53 —
1
Crétineau-Joly, Histoire des Jésuites. —r Saint-Triest, Les Jésuites.
— Vários opusculos impressos e documentos ofíiciaes, e manuscriptos.
2
Diversos alvarás e cartas de lei do marquez de Pombal. (Mello Freire,
Inslit. júris civilis Ilusitani.)
3
Abbade Correia da Serra, Artigo publicado em francez sobre o estado
de Portugal na revista existente em Paris em 1790; intitulada : Archives
littéraires de Paris. — Coelho da Rocha, Ensaio sobre a historia do
governo de Portugal.
3
— 34 —
ças do paiz, aplainando-lhe o caminho do desenvolvi-
mento material e moral, que parecia fechado. Descobre-
se em todas as minuciosidades a iniciativa efficaz* e
treadora do seu gênio ardente. Reformou os estudos su-
periores da universidade de Coimbra, arrancando-lhe o
espirito supersticioso e monacal, augmentando as aulas
dos ramos litterarios e scientificos, fundando museos de
physica, chimica e historia natural, para o fim de acom-
panhar a- parte theorica e melhor esclarece-la, e fixando-
lhe dotação pecuniária para alimentar-lhe, fortificar-lhe
e perpetuar-lhe o ensinoL Reorganisou a instrucção pri-
maria e secundaria, estabelecendo methodos mais con-
formes com as luzes do século, e espalhando mestres e
professores pelas localidades e povoados do reino que
offerecião meios mais commodos para serem as suas li-
ções aproveitadas2. Declarou iguaes e livres os christãos
novos, oriundos de sangue mouro ou judeo, a fim de
não serem mais perseguidos pelas justiças, e nem estig-
matizados pelos prejuízos populares 5 . Restabeleceo os
direitos dos gentios do Brasil, para que se acabasse com
1
Carla de lei de 177.2. Foi auxiliado neste trabalho por uma junta, di-
que fazião parte dons illustres irmãos, naturaes do Rio de Janeiro (Brasil),
o bispo de Coimbra D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, e o
desembargador do paço João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho. Aquèlle
foi nomeado reitor-reformador e conde de Arganil. (Varões illustres do
Brasil durante os tempos coloniaes. — Coelho da Rocha, Ensaio sobre a
historia do governo de Portugal.)
- F. Denis, Le Brésil. — Balbi, Statistique du Portugal, etc.
3
Lei de 25 de maio de 1775.
o abuso do captiveiro a que os mofadores e autoridades
os sujeitavão, considerando-os na plena posse da sua
liberdade, quer a tivessem já perdido, quer lh'a preten-
dessem tirar no futuro1 Animou o cultivadas, terras,
modificando as leis da avoenga e dos nforgados, para
augmentar a quantidade das livres e allodiaes, e abolir
os ônus que recahião nos prazos e arrendamentos2
Desenvolveo a plantação das vinhas e a fabricação dos
vinhos no districto do norte, concedendo a incorpora-
ção de uma companhia, que fez prosperar no Alto Douro
este ramo da riqueza nacional de modo a converter im-
mediatamente em um dos cantões mais adiantados e po-
voados do reino a pequena área que ella comprehendia,
e que até então não passava de um território quasi de-
serto e abandonado3 Fez abrir estradas que dessem com-
municação mais fácil e barata aos gêneros e productos da
lavoura e do commercio*. Deo vida nova á industria
1
Posteriormente, na parte relativa ao Brasil, trataremos mais minu-
ciosamente d'este objecto.
2
Na secção 3 a minuciaremos este ponto.
3
São accordes todos os autores que tem escripto a respeito d'esta
companhia : Coelho da Rocha, F. Denis, Jacome Rallon, Balbi, etc. Todas
as memórias publicadas pela Academia Real de Sciencias de Lisboa ma-
nifestão os benefícios resultantes d'esta companhia, posto que mais tarde
devesse ser abolida, quando cessou a necessidade de sua existência.
Adrien Balbi (Statistique du Portugal) enumera a população e producção
dos annos anteriores e posteriores á creação da companhia da cultura dos
vinhos do Alto Douro. E palpitante o progresso e engrandecimento do
solo diante d'esla demonstração.
4
Jacome Ratton, Recordações, etc.
— 56 —
auxiliando a fundação de fabricas e manufacturas que
opaiznão conhecia1 Implantando o espirito das asso-
ciações mercantis, que, reunindo capitães isolados/e
por isso mesmo fracos, operão em mais larga e avanta-
jada escala, conseguio dar expansão lisongeira á indus-
tria e ao commercio2
Não lhe merecerão cuidados menores as colônias que
possuia Portugal ainda. Acabou com o systema de só em
frotas ou combois navegarem os navios particulares en-
tre o Brasil e a metrópole. Era elle prejudié|àlissimo,
porque difficultava as communicações, demorava as via-
gens, e occasionava prejuízos sérios ao commercio e á
navegação3. Permitlio que companhias marítimas em-
prehendessem melhorar o estado das capitanias de Per-
nambuco, Pará e Maranhão, mediante a concessão de
estancos de alguns gêneros, e privilégios determinados
para sua garantia*
Condemnão a sciencia moderna e os progressos es-
pantosos que tem conseguido o mundo dos nossos tem-
pos muitas das providencias tomadas pelo marquez de
1
Teixeira de VasconceUos, La Maison de Btagance. —- F.^enis, Le
Brésil.— Vida de D. João VI°, traduzida do francez e annotada. — Coelho
da Rocha, Ensaio sobre a historia do governo de Portugal. — Balbi,
Statistique du Portugal. — Souza Monteiro^ Historia de Portugal. —
Moraes e Silva, Historia de Portugal, traduzida do inglez, etc, etc. Re-
gula este saldo, segundo todos, oitenta milhões de cruzados.
2
Os cofres estavão tão exhauridos, que foi necessário tomar por em-
préstimo as quantias precisas para as exéquias do rei D. João Vo (Jacome
Ratton, Recordações.)
SECCAO II
1
0 marquez de Pombal, que foi logo demittido e desterrado para as
suas terras.
s
Francisco Manuel do Nascimento, nascido em Lisboa em 1754, o
poeta regenerador da boa linguagem portugueza, que fugio e salvou-se
em Paris. Antônio de Moraes e Silva, o lexicographo mais instruido do seu
tempo, nascido no Rio de Janeiro em 1755, também foragido em Lon-
dres. José Anastasio da Cunha, mathematico illustre, nascido em 1742 em
Lisboa. José Vieira do Couto, naturalista distincto, nascido no Rio de Ja-
neiro em 1762, exilado na Ilha Terceira. Hippolyto José da Costa Pereira,
nascido no Brasil em 1774, litterato abalisado, conseguio evadir-se dos
cárceres da Inquisição e refugiar-se para Londres. E vários outros.
_ 42 —
mares, nem os montes, nem as distancias, e nem as mu-
ralhas que lhe oppunha o prejuízo popular, conseguirão
fechar o reino ás impressões que devião produzir as luzes
novas da era, posto que em embryão e exageradas, como
soem ser as primeiras tentativas dos innovadores inex-
perientes.
Falharão as forças da nobreza e clero, que se rehabi-
litárão no reinado de D. Maria 1% para oppôr-se á marcha
das idéias modernas, que prorompião de todos os lados.
Muito conseguirão estorvando-as, e fazendo-as deter na
irrupção que praticavão no reino por entre as classes il-
lustradase no seio do próprio povo. Não se pôde porém
fazer regressar um rio, e nem parar uma pedra precipi-
tada do alto dos rochedos. A' lei do progresso está a hu-
manidade subordinada. Ficara no solo a semente dos
bons princípios. Por si mesma, e em despeito dos esforços,
que se applicavão para extirpa-la, ella brotava e resistia
aos golpes dos seus perseguidores. E que são muito pro-
fundas as raizes das idéias sãas. Internão-se pela terra, e
conseguem esconder-se aos olhos dos que as condemnão,
até que um dia resurgem com força maior e mais esplen-
dido fulgor.
Lograrão apenas os conselheiros e ministros de D. Ma-
ria Ia abafar aspirações nobres, conter desejos patrióticos,
e retardar os progressos públicos. Nem sempre poderão
levar avante os seus projectos retrógrados e executar as
suas pretenções anômalas. Contentárão-se com dissipar
as finanças do estado, que cuidados tamanhos havião
— 43% —
1
Visconde de São Leopoldo, Annaes da província de São Pedro do
Mo Grande do Sul. — Santarém, Quadro elementar das relações polí-
ticas de Portugal.
* Tratado de Utrecht de 6 de fevereiro de 1715. Collecção de Kock.
r
» Azara, Voyages dans VAmér. Mérid. — Funez, Ensayo de Ia his-
toria civil dei Paraguay, etc, etc
* Largas discussões houve entre os dous governos de 1680 em diante.
(Visconde de Santarém, Quadro elementar das relações políticas e di-
plomáticas de Portugal. — Respuesta â Ia memória que presenló
D. Francisco de Souza Coutinho. Madrid, 1777.)
— 4fi —
do rio, apanhando assim toda a margem esquerda1.
Mas nem forças teve Portugal para praticar novas posses,
sendo vencido logo ás primeiras tentativas que para isso
commettêra, c nem para expellir os Hespanhoes, quando
se deliberarão estes a fundar Montevideo e outros po-
voados sobre a margem esquerda do Prata, em que alle-
gavão ambas as nações pretenções idênticas2..
No reinado de D. João Vo, conseguira Alexandre de
Gusmão chegar a um accordo razoável com a Hespanha,
e celebrar o tratado de 15 de janeiro de 17503, que
abolia os ajustes anteriores*, eaclarava as divisões ter-
ritoriaes das colônias reciprocas, definindo minuciosa-
mente os pontos em que se deveriâo collocar os marcos
respectivos. Cedeo Portugal a colônia do Sacramento,
que se considerava o pomo da discórdia, e que effectiva-
mente nada poderia valer para os Portuguezes logo que
senhores não fossem de todos os terrenos comprehendi-
dos entre o mar e as margens esquerdas do Prata e do
Uruguay, faltando-lhes a continuidade territorial para
com ella communicar-se o Brasil. Não passaria aquelle^
1
Pareceres do conde D. Fernando de Menezes, Francisco Correia <k'
Lacerda, Manuel Telles da Silva, e vários outros. (Santarém, Quadro
elementar, etc.)
2
Visconde de São Leopoldo, Annaes da província do Rio Grande do
Sul. — Cosia e Silva, Memória sobre os limites do Brasil.
5
Collecção dos tratados e convenções de Portugal, por Borges de
Castro. — Santarém, Quadro elementar, etc.
* De Tordesilhas de 1494, de Lisboa de 1681, o tratado de Utrecht
de 1715, e a escriptura de Saragoça de 1729.
— 47 —
ponto de uma fortaleza e praça perdida no seio das pos-
sessões hespanholas, que incommodos somente causaria
aos seus proprietários1. Recebeo Portugal em compensa-
ção vastos territórios já possuídos pela Hespanha, entre a
margem septentrional do rio Ibicuhye parte da oriental
do Uruguay, além dos estabelecimentos do rio Pepiry, e a
povoação de Santa Rosa com a margem de leste do rio
Guaporé 2.
Tinha-se dado começo á execução d'este tratado. Não
se chegara, todavia, á realisação completa da demarcação,
pelos estorvos e duvidas que a cada passo levantavão os
commissarios hespanhoes encarregados de proceder,
conjunctamente com os portuguezes, ao exame dos pontos
estipulados e ao íraçamento da linha divisória, e pelas
desintelligencias também que se suscitarão entre as duas
cortes em negócios particulares e políticos da Europa3
Julgarão os ministros imprudentes de D. Maria Ia que
terminarião por uma vez todas as dissidências com Hespa-
nha celebrando o novo tratado de 1777, eaccedendo a
.condições desairosas á dignidade da nação portugueza e
prejudiciaes ás suas possessões americanas.
1
Defesa de Alexandre de Gusmão. (Varões illustres do Brasil durante
os tempos coloniaes.)
2
Visconde de São Leopoldo, Annaes da província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. *
3
Visconde de São Leopoldo, Annaes da província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. — Ulloa, Voyage historique dam VAmérique Mé-
ridionale. — Mémoires historiques. — Rodrigues da Cunha, Diário da
expedição de Gomes Freire de Andrade, *tc.
— 48 —
Ratificou-se por elle a cessão da colônia do Sacramento,
sem as vantagens tomadas em compensação pelo tratado
de 1750. Sacrificou-se ainda á Hespanha todo o território
ao norte de Castilhos-Grandes até á Lagoa Merim e ás
vertentes d'esta. Recuárão-se as fronteiras do Brasil para
o rio Piratenim. Forão-lhe restituidas as Missões da mar-
gem esquerda do Uruguay, Seguio a linha de demarcação
pelo rio Peripiry até topar o de Santo Antônio, que desá-
gua no Iguassú, e d'ahi, pelo Paraná e o Igurey, pro-
curando a origem mais próxima para cahir no Para-
guay, acompanhar a margem superior d'estea encontrar
a bocca do Jaurú ; e deveria continuar do Guaporé, no
lugar em que este se reúne ao Mamoré, a buscar o Ama-
zonas até o Japurá.
Nas instrucções que, em data de 8 de julho de 1787',
1
Extracto das instrucções do governo hespanhol, de 8 de julho
de 1787 :
« No anno de 1750 se fixarão os limites do território hespanhol no
sitio de Castilhos-Grandes, immediato a Maldonado e distante da La-
ti gôa Merim, até a qual temos conseguido estendermo-nos pelo ultimo
ii tratado, ganhando muito terreno, pastos e vaccarias. O aproveitamento
que fizemos até o Rio Grande, depois do tratado de Paris de 1764, foi
« contrario aó estipulado nelle, no qual promettêmos restituir aos Por-
« luguezes o estado que tinhão antes de rompermos com elles, o que
não cumprio D. Pedro Cevallos, pois só lhes restituio a colônia do Sa-
» ciainento, ficando-se com o mais até o Rio Grande. Não obstante, o
mesmo Cevaljps expoz então que o que nos importava era a acquisição
t da colônia, para sermos donos exclusivos do Rio da Prata, e impedir-
mos a internação por elle não só aos Portuguezes, mas lambem aos In-
( glezes, seus rivaes, cujo commercio e armas nos serião perniciosos
naquellas províncias e nas do Peru, affirmando que os estabeleci-
- 49 —
dirigioo governo hespanhol ao vice-rei de Ruenos-Ayres,
gabou-se de haver ganho a coroa d'Hespanha cerca de
quinhentas léguas de terras. Posto nos pareça exage-
rado este calculo, cumpre, todavia, confessar que im-
mensas forão as perdas que soffreo a nação portugueza
nas suas colônias da America com a abolição do tratado
de 1750 e a aceitação do de 1777.
Como conseqüência natural d'cste primeiro sacrifício
que praticarão os ministros portuguezes, estipularão
ainda com Hespanha, na mesma data, outro igual ac-
cordo', em que se estabeleceo uma liga offensiva e de-
fensiva entre as duas potências nos casos de luctas, du-
vidas e guerras que se suscitassem na Europa, e nas
quaes alguma d'ellas se achasse envolvida. Nem um in-
teresse favorecia Portugal para tomar parte nas questões
que por ventura affectassem Hespanha. Convinha-lhe,
pelo contrario, firmar a sua neutralidade, e, á sombra
d'ella, desenvolver os seus elementos de civilisação e de
« mentos do Rio Grande nada servião, nem podia este facilitar a com-
municação interior, por se acabarem logo suas águas em uma espécie
« de lagoa; e assim é que, conforme esta idéia do diío Cevallos, conse-
(i guímos, pelo ultimo tratado, adquirir a colônia, estender nossos limites
« desde Castilhos-Grandes até á lagoa Merim, reter o Ibiahy, seus povos
« e territórios, que fazem mais de quinhentas léguas do Paraguay, os
quaes se cedião aos Portuguezes pelo tratado de 1750, só pela acqui-
( sição da colônia, e para regular os demais limites até o Maranhão perto
i de três mil léguas pelo modo mais favorável. E finalmente com estes
« antecedentes devemo-nos contentar, etc. » (Visconde de Santarém,
Quadro elementar das relações diplomáticas e políticas de Portugal.)
1
Tratado do 1° de outubro de 1777. Abandonou também Portugal as
ilhas de Anno Bom e Fernando Pó.
4
- 50 —
riqueza. Era-lhe esta política tanto mais vantajosa,
quanto a soccorria e auxiliava a sua própria posição to-
pographica,em quanto que desorganisada como estava a
Hespanha, e mal governada, offerecia çhançjis constantes
para que no seu solo se dilacerassem as ambições estra-
nhas, turbulentas e variáveis de Inglezes e Francezes-
que disputavão supremacia no mundo.
Quando, em 1* de março de 1792, um decreto da
rainha chamou o príncipe D. João para dirigir a admi-
nistração do reino durante a moléstia cujos primeiros
accessos sentia já bastante violentos, visto como elle sue-
cedera nos direitos do irmão primogênito, o príncipe
D. José, fallecido em 1787, tinha o»principe de idade
vinte e Ires annos apenas, e não se havia prevenido para
a missão árdua que lhe cabia tão inesperadamente'
Era bondadoso o coração de D. João, mas o caracter
tímorato; teimoso ao principio; incapaz todavia de re-
sistir por muito tempo ás impulsões externas, sempre
que estas persistissem. Em demasia desprezada fora a
sua educação, na crença, que geralmente se espalhara,
de que lhe não deveria tocar a coroa portugueza. Falha
quasi sempre a previsão humana. Robusto no corpo e
no espirito, querido e venerado por quasi toda a nação,
ninguém suppoz que a morte apanhasse seu irmão mais
velho, ainda tanto na adolescência. Emquanto seu avó
1
Somente tomou o titulo de regente em 1798. Governou até então em
nome de sua mãi. Nem se lembrarão de cortes para ratificar um caso
tão grave.
— 5'1 —
tratava desveladamente de desenvolver a educação, excel-
lentes qualidades e talentos que madrugavão na pessoa
do príncipe D. José, predestinado pela idade para a go-
vernação do estado, foi o neto mais moço deixado á
banda, e entregue aos cuidados do pai e mãi, que o ro-
dearão, desde a juventude, de mestres e pedagogos tira-
dos sem selecção do clero e dos conventos, que outra
cousa não sabião ensinar afora hábitos monacaes, li-
turgia, canto chão, musica e festas da Igreja. Reservavão-
lhe sem duvida o claustro, ou a occupação de alguma
abbadia ou sede episcopal. Nem, nos cinco annos em
que se converteo em herdeiro do throno, julgarão os
seus preceptores- que convinha mudar-lhe as tendências,
dar-lhe conhecimentos do mundo civil, e applicar a sua
attenção para os negócios do estado político1
Não podia portanto deixar o principio da sua admi-
nistração de afigurar-se continuação da que acabava.
Acompanhárão-no os mesmos conselheiros. Persistio-se
no systema anterior. E começando logo a guerra entre
a Hespanha e França, posto se oppozessem o duque de
Lafões e José de Seabra, por mais perspicazes, adherio-
se á liga com Hespanha, krgando-se a neutralidade, que
justamente consideravão os dons estadistas como a po-
lítica mais conveniente para a-nação portugueza, como
o era para a Suécia, a Dinamarca e os Estados-Unidos
do norte da America, que substituião no commercio ma-
1
Vida de D. João VI°, traduzida do francez c annotada.
— 52 —
ritimo ás nações belligerantes, incapazes de se occupar
nelle. Não se attendeo ás admoestações que em Lisboa
dirigia ao governo o diplomata francez Darbeau, que
mostrava os perigos de se envolver o reino em uma lucta
que o não affeclava, e de perder por isso os elementos e
benefícios que lhe offerècião o principio e a pratica da
neutralidade *.
Coadjuvou-se a defesa da Hespanha, invadida pelos
exércitos francezes, com uma divisão de seis mil ho-
mens de Portugal, commandados pelo general inglez
Forbes. Nada valerão os louros que no passo do Rous-
sillon conquistarão estas forças. Aterrorisou-se em breve
a Hespanha, e correo a fazer pazes com a França, sem
que se importasse com a sorte de sua vizinha e alliada.
Mostra a convenção de Bale de 22 de julho de 1797 que
tratarão a França e Hespanha de accommodações, e nem
uma palavra trocarão em relação a Portugal, que o go-
verno francez continuou a considerar inimigo, e que o
hespanhol nem procurou auxiliar, posto se compromet-
têra o reino em sua defesa. Corsários francezes infesta-
rão os mares em procura de navios portuguezes. Apri-
sionarão, queimarão, mettêrão a pique os que encontra-
rão. Apoderárão-se das mercadorias, ouro e diamantes,
que carrega vão as embarcações provindas do Brasil.
Causarão prejuizos enormes ás praças da metrópole, ás
colônias americanas e ao governo de Portugal. No pro-
1
Souza Monteiro, Historia de Portugal. — Vida de D. João VI°. já
citada. — Thiers, La Révolution française, etc.
— 53 —
prio dizer dos documentos officiaes, subirão os damnos
que soffreo o reino, até o anno de 1801, á somma de
oitenta milhões de cruzados' Para cumulo de infelici-
dades, achava-se exhausto o thesouro, crescião as des-
peeas publicas, e esgotavão-se os meios para lhes fazer
face. Uma mais escrupulosa fiscalisação e regrada eco-
nomia poderião restabelecer a ordem financeira. Não
cuidarão os ministros de pratica-la. Erão, todavia,
enormes os abusos, e escandalosas as prevaricações que
se commettião. Fácil remédio seria o de cortar pelas
partes apodrecidas do corpo da nação, e prestar nova vida
aos elementos que se achavão sãos e robustos. Preferi-
rão dar origem a uma providencia fatalissima e desmo-
ralisadora, que estraga os próprios governos que a adop-
tão e os povos que a supportão. Desconhecida pelos
regimens anteriores de Portugal, enceta e mareia ella a
epocha em que foi lembrada e executada, e o futuro, so-
bre que pesou com inauditas calamidades. Emiltio-se na
circulação o papel-moeda. Deo-se-lhe um juro de seis
porcento ao anno até o pagamento integral do thesouro.
Indemnisou o governo com elle os seus credores, e con-
verteo-o em moeda corrente obrigatória. Era tão supina
a ignorância dos autores d'esta idéia, que, sendo o pa-
pel-moeda um representativo do metal, não perceberão
o absurdo de vencer juro, que por si importava imme-
diatamente que valia já o titulo menos do que o ouro.
1
Souza Monteiro, Historia de Portugal. — Os demais autores já cita
dos. — Documentos publicados e^avulsos em 1821 e 1822.
— 54 —
Logo ao nascer, produzio este expediente os fructos ma-
léficos e damnosos que a sciencia ensina constantemente,
e prova a experiência sempre que os governos o empre-
gão. Não lhe faltarão as falsificações, pelo mal feito do
bilhete. Distribuído sem methodo, sem regularidade^ e
sem escripturação clara e diária no thesouro publico,
em muito curto espaço de tempo se ignorou a quanti-
dade exacta da emissão, o que mais concorreo para pre-
judicar o seu credito e diminuir-lhe o valor. Deliberou-
se ao principio que não fosse admittido por mais da
metade na somma dos pagamentos. Deo o próprio go-
verno exemplo de que não se sujeitava ás determina-
ções das leis e regulamentos, porque começou a effec-
tuarcom elle a integralidade dos pagamentos. Afastou-se
e desappareceo a moeda metallica diante da invasão do
papel. Cresceo o seu valor na relação da depreciação do
titulo do governo. Foi geral a perda, com a diminuição
das fortunas e das rendas. Soffreo a sociedade inteira
com a fatal providencia que se poz em uso 1
Não houve remédio senão solicitar pazes á França.
Ordenou o governo portuguez que Antônio de Araújo e
Azevedo2, plenipotenciario na corte da Hollanda, partisse
para Paris, e procurasse entender-se e accommodar-se
com a republica. Defeito, conseguio este hábil negocia-
dor entabolar um tratado que continha condições hon-
rosas para Portugal, a ponto que foi censurado no Con-
1
Jacome Ratton, Recordações.
3
Depois conde da Barca.
— 55 —
selho dos Quinhentos pelo celebrado Barbe de Marbois \
e que obteve a sua approvação á pequena maioria de
votos da assembléia.
Conseguio no entretanto a Inglaterra modificar de
novo o pensar do governo portuguez, e induzi-lo a não
subordinar-se á França, afiançando-lhe auxílios efficazes
para continuar a guerra; de modo que, chegado a Lis-
boa o tratado ajustado por Antônio de Araújo, entrou em
duvidas o conselho do regente se o devia ratificar." Não
ousando, todavia, rejeita-lo, deixou correr o prazo nelle
fixado para que se trocassem as ratificações!: compor-
tamento constante do homem timorato, e do governo
irresoluto e pusillanime, que, faltando-lhe a coragem
precisa para formar um desígnio e segui-lo á risca e
pelo caminho direito, pensa, que lucra tergiversando, e
espera do tempo auxilio ás suas hesitações! Irritou-se a
França com a falta de ratificações no termo convencio-
nado. Fez encarcerar na prisão do Templo o infeliz di-
plomata com o qual tratara, soltando-o posteriormente
a pedido e representações dos demais plenipotenciarios
que se achavão ali acreditados.3. Continuou nas suas me-
didas de guerra contra Portugal. Comprehendeo então
o governo do regente a posição em que se collocára, e
os novos perigos a que se expunha*. Apressou-se a
1
Thiers, Révolution française.
2
Vida de D. João VIo.
3
Thiers, Révolution française.
4
Vida de D. João 17° — Souza Monteiro. Historia de Portugal.
— 56 —
remelter para Paris as ratificações do tratado, que por
tardias não admittio o governo francez, expedindo logo
ao diplomata portuguez os passaportes para que sahisse
do território da republica. Ajustou-se França com Hes-
panha que por seus exércitos fosse Portugal invadido.
Capitanearia o príncipe da Paz uma força hespanhola,
que seria seguida pela divisão franceza que se achava
ás ordens do general Leclerc1 Neste transe melindroso,
recorreo o governo portuguez para o gabinete de São
James, que mandou que um corpo de emigrados fran-
cezes, e gente suissa que tinha a seu soldo, desembar-
casse ém Lisboa e occupasse as fortalezas. Restabeleceo
então D. Rodrigo de Souza Coutinho2, ministro da ma-
rinha e ultramar, a pratica dos combois, que acompa-
nhassem os navios mercantes nas suas viagens, a fim de
livra-los de aprisionamentos. Conseguio, com esta pro-
videncia, posto tardia, alguns resultados, e poupou
novas calamidades. Fracos erão, todavia, os elementos
de defesa que podia Portugal oppôr á invasão, alén_de
que mal dirigidos, e não de antemão preparados e orga-
nisados. Era a inércia o dogma político dos ministros
nas suas relações estrangeiras e na administração inte-
rior do estado. Faltava-lhes inlelligencia para deliberar,
e energia para commettér as emprezas necessárias em
favor da pátria. 0 exercito hespanhol entrou pelo terri-
tório portuguez, tomou praças e fortalezas do Alemtejo,
1
Foy, Histoire de Ia guerre de Ia Péninsule.
Depois conde de Linhares.
— 57 —
e estabeleceo-se em Olivença e Campo-Maior. 0 regente
ordenou que partisse Luiz Pinto de Souza1 para a Hes-
panha, e que tratasse de pazes, submettendo-se ao ca-
pricho dos invasores, emquanto que as forças portu-
guezas entretinhâo e incommodavão os movimentos
militares dos inimigos. A peso de ouro, e com perda
de Olivença e seu território, celebrou-se em Badajoz a
convenção de paz2 a 6 de janeiro de 1801. Posto fosse
ella assignada* por Luciano Bonaparte, não a approvou
seu irmão, o chefe da republica3, e impoz a Portugal,
no interesse francez, condições mais duras, que forão
aceitas pelo tratado assignado em Madrid em 29 de se-
tembro do mesmo anno. Forão estas a cessão de cerca de
sessenta milhas de território na Goyana Brasileira, de-
terminando-se o rio Caparavana-Tuba para limite das
possessões portuguezas e francezas, e a obrigação, que
assumio o governo de Portugal, de prohibir que entras-
sem em seus portos e bahias navios de guerra ou mer-
cantes da nação britannica, emquanto França não cele-
brasse pazes com o gabinete de São James *
Forão fataes assim os primeiros annos do século XIXo
1
Depois visconde de Balsemão.
4
Pagou Portugal despezás de guerra elevadas á Hespanha e França.
5
Thiers, Consulat et Empire. — Vida de D. João VIo.
4
Thiers, Consulat et Empire. — Souza Monteiro, Historia de Portu-
gal. — Vida de D. João VIo, traduzida do francez e annotada. Era o
systema constante da França prohibir communicação dos Inglezes com os
portos do continente europeo, ferindo-os assim no seu commercio, como
ponto mais sensível.
— 58 —
para a nação portugueza : prejuízos enormes, guerra
desastrosa, e paz comprada com sacrifícios pecuniários
e humilhantes para a dignidade do reino. Não appare-
cia ministro atilado, que, como Pombal outr'ora, sou-
besse comprehender os interesses do paiz, prevenir as
tempestades, preparar-se para os acontecimentos, e
escapar com finura e geito das complicações mais ar-
riscadas.
A seguirem-se as suas tradições, não se teria o reino
envolvido na guerra, que o não interessava. Envolvido
ainda por qualquer circumstancia independente*, da
vontade do governo, não se comportaria com inércia e
duplicidade inexplicáveis. Terminadas depois as guer-
ras, providencias se terião tomado capazes de rehabili-
tar as forças da nação, curar-lhe as chagas, e restituir-
lhe a energia precisa, e que reappareceria de certo
quando a invocassem um braço robusto e um espirito
avisado, como ella necessitava. Moço, acanhado e timido,
não podia o regente conhecer o estado e recursos do
seu reino. Não ousava, por esta mesma razão, oppôr-se
aos conselhos dos ministros que o rodeavão. Não se en-
tendião estes, ou não sabião dirigir o governo e a polí-
tica pelo caminho conveniente1
Cumpre, todavia, dizer que, ou impressionado pela
lição d'estes desagradáveis acontecimentos, que de tantos
dissabores curtirão o seu coração, ou que não tivessem
1
Souza Monteiro, Historia de Portugal. — Vida de D. João VIo
— 59 —
a educação que recebera e a corte e idéias que o cer-
cavão conseguido arrancar-lhe um certo adiamento
natural de que deo constantes provas no correr poste-
rior de sua vida, como que-eomeça o regente a appare-
cer sob uma nova face, e a manifestar algumas vezes
deliberação própria e espontânea, que se esforçava por
imprimir á sua administração e governo * Nem um mi-
nistro lhe consçguio mais a confiança, e nem dominou-
lhe o animo. Entregou-se com applicação aos negócios
públicos. Procurou conhecer a opinião geral dos seus
subditos^ Abrio audiências para todos que lhe quizessem
fallar directamenle. Ouvio com paciência e bonhomia
os discursos e queixas que se lhe dirigirão. Formou uma
corte intima de validos particulares, que lhe noliciavão
as novidades, e que o instruião dos faclos que se pas-
savão no meio da sociedade. Concedeo títulos novos de
nobreza, e com tão pouca parcimônia, que os nobres de
raça comprehendêrão que se tratava de confundir a sua
verdadeira classe, mesclando-a e annullando-a por este
feitio. Tornou-se extremamente reservado com os áuli-
cos, e desapegado dos homens da Igreja, que o consi-
deravão até então sua feitura, posto continuasse no
exercício das exterioridades religiosas, assistindo ás fes-
tas, procissões e sacramentos, que quadravão aos cos-
tumes e inslinctos do povo d'aquelles tempos. Mudou e
modificou dahi por diante os seus ministérios com a
1
Vida de D. João VIo, traduzida do francez e annotada.
— 60 —
maior facilidade e indifferença. Folgava de ler na ad-
ministração do estado, ao mesmo tempo funccionando^
pessoas de diversos pareceres, e divididas por ódios e
inimizades particulares. Occultava as suas preferen-
cias, e, conservando-os desunidos, tinha a peito en-
fraquecer-lhes a influencia e fortificar o seu próprio
poder1
Regozijava-se o povo, pensando que ja ter rei que o
governasse. Era-lhe preferivel a direcção de um só ao
movimento desconnexo e illogico de muitos governado-
res, que empurravão em sentido vario e opposto o carro
do estado, e que, sem idéias e nem aspirações patrióti-
cas, mudando a cada instante de política, lornavão do
governo um joguete desprezivel de crianças, do poder
um instrumento de arranjos pessoaes e de família, eda
nação uma manivella da Inglaterra, que a abandonava,
entretanto, sempre que apparecião perigos sérios. Can-
sara-se a opinião geral de ver irresolução diante das dif-
ficuldades, fraqueza e pusillanimidade nas desgraçaSj e
sacrifícios sem conta quando soava a hora do extremo
aperto.
Parecia que recomeçava o repousar do"reino após as
provanças e desastres soffridos. Raiava no horizonte uma
alvorada que promettia bonança e dias tranquillos.
Sorria a nação de prazer, nutrindo a esporança de reco-
brar as suas forças e de desenvolver os elementos da sua
1
Vida de D. João VIo, traduzida do francez e annotada.
— 61 —
vitalidade. Foi geral pelo regente a sympathia publica,
e expressivos os votos de amor que lhe consagrarão os
seus subditos. Ganhou mais profundas raizes a confiança
popular, quando soube que, a instâncias do general
Lannes, ministro francez em Lisboa, ao qual manifes-
tava o regente estima particular e dava testemunhos
de apreça, deliberara este conservar estricta neutra-
lidade na guerra que de novo, no anno de 1805, re-
bentou entre Napoleão e a Inglaterra, abandonando o
systema de alliar-se a esta nação, como era costume do
governo de Portugal. A paz só poderia reerguer o reino
do abatimento em que ficara. Com a sua manutenção se
restaurarião ás ruinas causadas pelas luctas e invasões
estranhas; reorganisar-se-hião os recursos financeiros;
prestar-se-hião meios para se refazerem as fortunas par-
ticulares, que sangravão ainda com os prejuízos soffri-
dos; chamar-se-hião para a cultura das terras, o apro-
veitamento do solo e o progresso da industria, os braços
que lhe havião sido arrancados para formar exércitos,
que não tinhão podido cumprir o seu dever pela impe-
ricia dos chefes que os commandavão e do governo que
os dirigia; abrir-se-hia a carreira dos mares para a na-
vegação e commercio, acabrunhados pelas calamidades
anteriores. Conseguiria a paz que o povo perdoasse e
esquecesse mesmo os erros passados do seu governo, que
a tantas infelicidades o havião arrastado.
De feito, durou três annos esta paz tão appetecida ge-
ralmente. Não produzio, todavia, todos os fructos que
— 62 —
se anhelavão, porque successos inesperados e internos
distrahírão o governo e a nação, e arrastarão a attenção
geral para uma nova ordem de fados, que os impressio-
narão e abalarão profundamente.
É esta a parte mais dolorosa para o historiador. Tem
que sabir da narração dos acontecimentos públicos, que
não offendem os caracteres individuaes, para rasgar o
véo que cobre a intimidade da família, e correr os re-
posteiros que escondem aos olhos as dores domesticas.
A não affectarem tanto estes acontecimentos o destino e
a sorte da nação, e a não terem adquirido publicidade
tão extensa, fôra-lhe mais agradável passados em silencio,
deixando a tarefa de descortina-los á luz para os roman^
ceiros, que folgão de entranhar-se pelos escândalos in-
dividuaes, e de fazer parada das scenas do lar interior,
que deve sempre merecer o respeito e a reserva.
Começou a correr voz de dissidências que surgião no
intimo da familia do regente. Partião as noticias de den-
tro dos segredos do paço para occupar a attenção e in-
citar a curiosidade das praças publicas.
Fora o regente casado, em 1790, com a infanta de
Hespanha D. Carlota Joaquina. Pintava-se geralmente o
seu caracter sob as cores da violência de animo e da
ambição do mando, que tocavão ao excesso. Não conse-
guindo no consorte a submissão que desejava, aprovei-
tava as opportunidades que lhe apparecião para lhe
manifestar o seu desprezo, com o que se amargurava
profundamente o coração do regente. Ou intrigas pala-
— 63 —
cia nas, ou suspeitas infundadas, ou apparencias com-
promettedoras, contribuirão mais tarde para arrefecer
no peito do esposo o amor necessário entre cônjuges que
se ligão pela vida, e o sentimento da amizade que ge-
rão a communhão da existência conjuncta e o andar
dos tempos, que não correm impunemente. Nove filhos
havião entretanto nascido d'esta malaventurada união;
e, apezar de tantos penhores do affecto conjugai, tinha-
se convertido o lar doméstico em theatro de scenas in-
toleráveis para a reciproca posição dos dous consortes, e
que, para cumulo de desventura, erão logo trazidas para
a praça publica, e formavão a base das criticas e com-
mentarios, nem sempre certos, posto que constante-
mente desairosos1,
Divülgou-se, pelos fins do anno de 1805, que o re-
gente descobrira uma conspiração tramada contra a sua
autoridade e que reconhecia por chefe a sua consorte.
Pretendia-se arrancar-lhe a regência e passa-la para as
mãos da princeza. Fidalgos descontentes e vários ec-
clesiasticos, que formavão corte particular a D. Carlota
Joaquina, erão indiciados de participar d'esta conjura-
ção, movidos uns pelas promessas da princeza, dese-
josos outros de desfazer-se do governo do regente, que
1
Todos os opusculos publicados em Portugal e no estrangeiro de 1821
em diante tratão d'estes acontecimentos íntimos da família real. Reca-
pitula-os a Vida de D. João VIo, traduzida do francez e annotada. —
Souza Monteiro, Historia de Portugal. — De I.asteyrie, article dans Ia
Revuc des Deux Mondes.
— 64 —
não dava o apreço a que se consideravão com direito.
Pretendeo o conde de Villaverde, que occupava uma das
pastas ministeriaes, fazer abrir devassas, e perseguir ju-
diciariamenle os autores da conspiração, que felizmente
abortara com o descobrimento da sua existência, e antes
de ter começo material de execução. Posto chegasse ao
regente o conhecimento de todos os pormenores d'ella,
preferio sobrestar a actos públicos, guardar silencio,
usar de clemência, e poupar por este modo a nomeacla e
impressão que por entre o povo produziria de certo um
incidente tão extraordinário. Ordenou que se conside-
rassem desterrados os principaes fidalgos que figurarão
no crime \ retirando-se c conservando-se recolhidos nos
seus solares e terras mais distantes de Lisboa. Perdoou
a outros de menor vulto, prohibindo-lhes apenas a en-
trada dos paços. Separou-se publicamente da compa-
nhia da consorte, abandonando-a na quinta de Queluz,
aonde todos residião, e mudando a sua própria resi-
dência para o palácio de Mafra, contíguo ao convento do
mesmo nome, e distante obra de seis léguas da capital
do reino 2
1
O marquez de Alorna, a quem, para afastar da corte, se mandou
para governador das armas no Alemtejo. O conde de Sabugal, o marquez
de Ponte de Lima, e outros titulares, forão exilados para o interior do reino.
O publico attribuio a envenenamento a morte do magistrado que chegou a
colher as provas da conjuração, José Anastácio de Figueiredo, que logo
depois teve lugar, e a do conde de Villaverde, que não viveo muito tempo
depois.
2
Em princípios de 180G. (Vide as obras já citadas.)
— 65 —
1
O celebre Godoy, príncipe da Paz.
— 67 —
seus padecimentos íntimos, encontra desculpa no aban-
dono dos negócios públicos. Cabe mais a responsabili-
dade da imprevidencia e dos erros aos ministros e con-
selheiros, que o devião auxiliar e animar no mister
árduo e delicado da governança. Infelizmente lavrava a
desordem em todos os ramos do serviço. Reinava a anar-
chia nas cumiadas superiores da administração, nas re-
partições subalternas, e nas corporações e estabeleci-
mentos de mínima importância. Sobresallava-se o povo,
que nada podia por si commetter, e uma atmosphera
anuviada cobria a nação inteira, que via desabar-se as
pedras do edifício que tantos e gloriosos esforços custara,
sem que se lhes procurasse soster o desmoronamento.
Mais assombrava o quadro, que, ao lado de Mafra, para
onde se isolara o regente, continuava em Queluz» D. Car-
lota Joaquina a sustentar corte própria, a chamar par-
tido, e a perturbar, por meio de intrigas, falsas noticias
e pretenções extravagantes, não só os ânimos dos subdi-
tos, como a morada e espirito do regente, e os conselhos
dos ministros, r também por sua vez assustados. Não
havia liberdade de imprensa. Um ou outro periódico que
se publicava circumscrevia-se na orbita das questões pu-
ramente lilterarias, das noticias estrangeiras dadas a
lume pelo modo que se lhe permittia, e dos actos offi-
ciaes cuja inserção se lhe facultava. Faltavão assim os'
meios para que os mais intelligentes levantassem a voz
e despertassem governantes e governados do lethargo em
quejazião. Um homem se não adiantou que animasse o
— 68 —
regente como príncipe e como cidadão, e lhe mostrasse a
procella que se armava no horizonte, para que se provi-
denciasse emquanto era tempo de conjurar os males
que se antolhavão.
SECÇÃO III
1
Nobreza de sangue, e dos cidadãos que conseguião crear os morga-
dos autorisados pelas leis.
2
Santiago, Christo e Aviz.
— 73 —
l
fructuarios , e que asdevião transmittir intactas aos suc-
cessores legaes. Arrendavão-se em prazos a particulares,
que as recebião para lavrar sob condições onerosas, e
tributos conhecidos pelos nomes de quintos, alças, coi-
mas, quartos, sisas e décimas, que pagavão aos usu-
fructuarios e ao thesouro2 Quasi imperceptível era o nu-
mero dos foreiros3; raros os bens allodiaes ou livres,
posto que o marquez de Pombal esforçou-se por augmen-
tar-lhes a quantidade,'restringindo os morgados*. Cus-
tava aos lavradores um trabalho improbo o cultivo de
um prazo arrendado. Mais da metade dos seus rendimen-
tos desapparecia com os ônus a que se sújeitavão. Con-
seguião difficultosamente alimentar-se e á sua família,
vivendo constantemente na probreza, senão na miséria.
Por cima ainda d'estes padecimentos, andavão curvados
ás leis do recrutamento para o exercito, que lhes não
poupavão os filhos, e que da lavoura arrancavão á força
braços robustos e trabalhadores. Se por qualquer cir-
cumstancia escapavão ao recrutamento da tropa de linha,
cahião necessariamente nos arrolamentos das milícias,
1
Mello Freire, Inst. júris civilis lusitani. — Correia Telles, Digesto
portuguez. — Ordenações do reino. — Borges Carneiro, Direito civil
portuguez.
* Estabelecião-se, além d'estas, outras condições extravagantes de ser-
viços pessoaes, etc. (Balbi, Statistique du Portugal, e vários autores
mais.)
3
Balbi, Statistique du Portugal. — Teixeira de Vasconcellos, La
Maison de Bragance.
4
Lei de 3 de agosto de 1770.
— 74 —
que formavão corpos auxiliares, e nas quaes erão obri-
gados, grande parte, do tempo, a exercitar-se, soffrer
destacamentos e servir como soldados, perdendo muitas
vezes a colheita das suas sementeiras, e as estações pró-
prias para o amanho e roteamento do terreno, e para a
sua plantação V
Com a acquisição de conquistas e colônias, com as
aventuras marítimas e com as expedições longínquas dos
Portuguezes, forão as terras perdendo grande numero
de cultivadores, que fugião dos ônus a que estavão su-
jeitos no reino, ecorrião após melhoramento de fortuna.
Com a decadência dos domínios da Ásia, que ao principio
os convidava e incitava pelas suas riquezas e transacçõeü
mercantis com preferencia ás outras possessões^ volverão
a sua attenção para o Brasil, que lhes offerecia um solo
livre, e meios de prosperidade e futuro. Preferião aban-
donar a choupana em que havião nascido, a igreja em que
repousavão os ossos de seus pais, as veigas que lhes ti-
nhão sorrido na infância, e as roças plantadas com o
suor do seu rosto. Organisou-se assim uma torrente de
emigração, a qual se regularisou de modo espantoso com
o descobrimento das minas de ouro e diamantes, e que
obrigou por fim o governo da metrópole, pelos princípios
do século XVIIIo, a tomar medidas e cautelas com que se
se lhe oppozesse, como miudamente summariaremos
quando no correr d'esta historia tratarmos da colônia
americana.
' Leião-se as leis sobre o recrutamento e as milícias.
— 75 —
*No dizer de um escriptor consciencioso1, achavão-se,
nos fins do século XVIIIo, na maior penúria as províncias
da Estremadura e Algarve. Aproveitava apenas o Alem-
tejo dous nonos das suas terras 2 . Com excepção de uma
parte de-Trásrdos-Montes, da Beira, e da província do
Minho, .que se converteo,'no dominio da Companhia da
cultura dos vinhos3, em um verdadeiro oásis no níeio
da solidão, o mais do solo produzia escassamente o-que
a ^necessidade arrancava d'elle para se não morrer de
fome* Não se exportavão mais para o exterior o trigo, o
centeio, o milho, e diversos outros objectos que produzia
em quantidade o^paiz, e que alargarão o seu commercio
nos tempos passados. Tinhão diminuído as colheitas da
azeitona, posto abundassem as oliveiras, e já se precisava
comprar azeite aos povos vizinhos para o consumo pró-
prio e colonial5. Recebia-se lambem de fora o arroz6, o
tr.go e vários productos mais; que não bastavão para a
alimentação dos povos os fructos do solo, por mal culti-
vado, e pelo abandono e desprezo das terras, que se des-
povoavão e cobrião de plantas agrestes e inaproveita-
1
Adrien Balbi, Statistique du Portugal.
1
Adrien Balbi, Statistique du Portugal.
s
Creada pelo marquez de Pombal, e da qual tratámos na secção 1*
d'este livro.
* Adrien Balbi, Statistique du Portugal.
3
Em 1806 importou Portugal do estrangeiro 20,204 almudes. (Balbi,
Statistique du Portugal.)
6
Recebia o arroz do Maranhão (Brasil), o trigo e vários grãos do Me-
diterrâneo. (J. F. Lisboa, Apontamentos para a histeria do Maranhão.
— Balbi, Statistique du Portugal.
— 76 —
1
veis . Grande numero de vínculos se convertera em so-
lidões e desertos. Desamparárão-se propriedades outr'ora
florescentes e lucrativas.
Não era menos miserável a sorte das povoações marí-
timas, cujo emprego regular é, entre todos os povos, a
pescaria. Tinhão sido, entretanto, notáveis também, nas
eras passadas, pelas suas excursões em procura do peixe
e dos productos do mar. Os Portuguezes do Aveiro sou-
berão, durante o século XVIo, o caminho da Terra-No1!*,.
e ganharão bastante com a.pescaria do bacalháo2 Pas-
sara esta industria das suas mãos pa|fy as dos Inglezes e
Norte-Americanos. Alimentava e enriquecia os habitantes
do Algarve a pescaria do atum, que abundava nas suas
costas. Chegou a render para o thesouro, no tempo-de
D. Duarte, por impostos de exportação, a somma de quar
renta e cinco contos anriuaes3 Já se não tratava d'este
modo de vida, e nem constituía elle mais um ramo de
commercio. Affeitos estes homens aos misteres da vida
do mar, e vendo faltar-lhes o recurso que encontrarão
os seus ascendentes, atirárão-se exclusivamente ao em-
prego da marinha mercante, e, sendo a de Portugal in-
sufficiente para occupa-los, empregárão-se a bordo de
navios de outras nações, e formavão assim os Portugue-
zes muitas tripolações de barcos estranhos.
1
Balbi, Statistique du Portugal.
2
Memória sobre as pescarias, publicada nas Memórias da Academia
Real de Sciencias de Lisboa.
3
Balbi, Statistique du Portugal.
— 77 —
1
Jacome Ratton, Recordações.
* Carta regia de 50 de julho de 1706. —Instrucções de Martinho de
Mello aos governadores das capitanias do Brasil, de,5 de janeiro de 1785.
Mais miudamente trataremos d'esta parte na secção respectiva do livro 11°,
dedicado ao estudo da colônia do Brasil.
5
Jacome R.ilíon, Recordações de Portugal. — Diversos escriplos a
respeito das invasões france.as de 1807 em diante. —Freire de Carvalho,
Ensaio hislorico-polilico.
6
— 82 - -
esperançosas, e provavão a aptidão dos Portuguezes para
as artes fabris. Bastou-lhes o sopro vivificador de um g«*
verno intelligente para que se creasscm e florescessem,
compensando largamente a generosidade, com que ha-
vião sido tratadas no momento em que careciãe de auxí-
lios. Convertêrão-se as manufacturas de tabaco e sabão
em monopólios do estado, que encontrou na arremata-
ção do privilegio abundantes ramos de receita, que du-
rão ainda actualmente, e fornecem lucros copiosos ao
thesouro publico.
Nos tempos de D. João IIIo e de D. Sebastião, havia-se
extrahido o ferro das minas de Penella, Moncorvo, e Ouva,
em Trás-dos-Montes. Estabelecérão-se e funecionáisSo
na sua exploração e aproveitamento eincoenta forjas, que
forão abandonadas pelosFelippes de Castella, e comple-
tamente definharão1 Não escapoti á perspicácia do mi-
nistro de D. José Io a importância dos trabalhos mineta-
logicos. Tratou de desenvolver e espalhar os estudos
necessários para os dirigir e aproveitar. Fundou-se uma
abundante mina de ferro na foz do Alge. Deve bastante
ao incansável mineralogista Andrada e Silva5 a de car-
vão de terra de Buarcos, perto da Figueira. Igual pro-
dueto se extrahio da de São Pedro da Cova, no districto
1
Adrien Balbi, Statistique du Portugal. — Memórias publicadas pela
Aiademia Real de Sciencias de Lisboa.
2
José Bonifácio de Andrada e Silva, nascido cm Santos (São Paulo,
Brasil) em 15 de junho de 1765. (Varões illustres do Brasil durante os
tempos coloniaes.)
— 83 —
do Porto, pelos fins do século XVIIIo e ao principiar a
nossa erà actual. Explorou-se com successo feliz a de
chumbo de Màrvão, a de estanho de Monforte, na co-
marca de Viseo, e as de antimonio em Lamas de Orelhão,
ao pé de Mirandella, e da Murça, na província da Beira'
A applicação que se deo a trabalhos semelhantes, e a ne-
cessidade de methodisa-los e amelhora-los, para que
maiore svantagens produzissem, e mais scientificamente
se executassem, levou o governo a nomear indivíduos
habilitados, que fossem estudar o estado e progressos
das minas opulentas e afamadas de algumas nações cu-
repeas, e aperfeiçoar-se nos systemas mais avançados de
exploração* Tratou também de fazer investigar e reco-
nhecer a producção mineral das colônias, ao passo que
se examinassem os cursos dos rios, e a situação interior e
limitrophe das terras, para que o governo retirasse
maiores fructos da sua propriedade e riqueza3.
1
Memórias publicadas pela Academia Real de Scíencias de Lisboa.
* Manuel Ferreira da Câmara, nascido em Minas (Brasil) em Í762, ml-
íieralogista conhecido por suas Memórias publicadas na collecção da Aca-
demia Real de Scíencias de Lisboa. José Bonifácio de Andrada c Silva, do
qual já falíamos. Hippolyto José da Costa Pereira, de quem já também
falíamos, e Brasileiro, foi incumbido de estudar nos Estados-Unidos da
America do Norte o cultivo do algodão, anil e canna.
3
Alexandre Rodrigues Ferreira, grande naturalista, nascido na Bahia
(Brasil) em 1756. Antônio Pires da Silva Pontes, item, nascido em Minas
(Brasil) em 1743. José Mariano da Conceição Velloso, nascido cm Minas
(Brasil) em 1742; deixou a Flora, em que classificou mais de 5,000 plan-
tas segundo o systema de Linneo. João da Silva Feijó, nascido no Rio de
Janeiro (Brasil) em 1760. Francisco José de Lacerda e Ricardo de Almeida
Serra, nascidos em Portugal, etc. Deixarão todos trabalhos valiososi
— 84 —
Nada ha de mais mysterioso do que o conhecimen^
dasfinançaspublicas em Portugal antes que se fundassí
o regimen representativo. Por mais cuidadosas investi-
gações a que se proceda, custa saber-se com exactidão o
computo dos rendimentos e despezas, e sua individuali-
sação peculiar. Nada é também possível imaginar que
seja mais monstruoso do que a administração financeira
anterior ao tempo do marquez de Pombal, que cuidou
em organisa-la e melhora-la sob nova face com a crea-
ção do real erário1 Servia apenas aquelle systema errado
dos seus antecessores para encobrir as fraudes, multi-
plicar e perpetuar os abusos. E notável que appareça em
todos os objectos o nome do ministro de D. José Io, que
se constituio o principal reformador que teve a monar-
chia portugueza. Desde a fundação do erário apparece
ao menos alguma luz, que nem uma fornecem os escrip-
tores em relação ás epochas passadas. Tratou-se a conta-
bilidade sob bases mais claras, que, posto escassamente
ainda, habilitão todavia o historiador para que possa of-
ferecer aos seus leitores um pequeno esboço das finança*
do estado. 0 calculo mais approximado á verdade apre-
senta uma receita annua de cerca de dez mil contos de
reis para cada um dos primeiros annos do século XIX".
Procedia ella de impostos alfandegaes por sahida
e entrada de mercadorias, avaliados em cerca de
4,000:000^000 reis8; de décimas e sisas, na imporlan-
1
Lei de 22 de dezembro de 17(31.
- Ai'ricn Mhijjitatistiijite du Portugal.
— 85 —
cia de 900:000^000 reis; de terças partes dos oíficios,
chancellaria, novos direitos, sellos das mercês e papeis
forenses, heranças jacentes, dízimos, foros, bulla da cru-
zada, subsídios litterarios, e outros de menor vulto, em
2,000:000^000 reis; edos monopólios do tabaco,mar-
fim e madeiras, em 1,000:000^000 reis l. As rendas lí-
quidas do Brasil, depois de feitas e liquidadas todas as
despezas, que com a colônia se fazião, e que affectas-
sem o serviço publico na sua plenitude, excedião de
2,000:000$000 reis annualmente, não se incluindo os
diamantes, que recebia a coroa como monopólios Gasta-
\ão as outras colônias mais do que produzião*. Não se
incluem neste calculo o patrimônio da casa de Bragança,
que orçava em cerca de 150:000^000 de reis, e os das
casas do infantado e das rainhas, que eríío menores*. Tra-
tando particularmente da despeza, é da primeira intuição
que o exercito e a marinha absorvião a melhor parte da
renda. Um exercito de 55,000 homens de todas as armas
dividido em sete governos militares, e uma marinha que
1
Adrien Balbi, Statistique du Portugal.
* Adrien Balbi, Statistique du Portugal. — Item, Essai sur le
roynume de Portugal ei du Brésil. — Visconde de São Lourenço, Con-
versações, citadas por Balbi.''
5
Adrien Balbi, Essai sur le royaume du Portugal et sescolonies.
* Adrien Balbi, Statistique du Portugal. Forão estes três patrimônios
creados por D. João, e acrescentados pelos seus descendentes. (Coelho da
Rocha, Ensaio sobre a historia do governo de Portugal.) Tinhão-lhes
applicado directamente certos impostos, cujo produeto lhes pertencia. (Balbi,
Statistique du Portugal.)
— 86 —
possuiá em 1795 doze náos de linha 1 , doze fragatas;
dez corvetas e brigues 3 , além de charruas e pequenos
barcos, e guarnecidà por uma brigada de 5,251 praças,
afora a tripolação correspondente ao numero dos navios,
devião necessariamente pesar, e bastante, sobre os gastos
do governo. Assenta o calculo d'esta Verba em cerca de
7,000:000^000 reis annualmente. Despendia a casa real
1,200:000^000 reis. A basilica, a patriarchal c as corn-
mendas, que erão ônus inúteis, e grandes todavia, e as
repartições administrativas, consumião o saldo. Não imi-
tando na parcimônia e zelo fiscal o exemplo do marquez
de Pombal, dissiparão os seus successores os rendimentos
públicos por forma que se creárão deficits annuos, que
se forão amontoando e convertendo em divida depois do
desapparecimenta*dos saldos que deixara o govern* de
D. José I°\
Por aquelle tempo, em que o valor do ouro era maior
do que aclualmente5, e para uma nação como a portu-
gueza, é innegavel que se devem considerar excellentes as
receitas publicas. A divida, porém, resultante do excesso
da despeza sobre a receita, orçava já, em 1800, em cerca
de noventa milhões de cruzados' Espalhára-se a corrup-
ção por toda a parte. Ao passo que se não curava de fis-
1
Com 870 boceas de fogo.
- Com 464 boceas de fogo.
5
Com 222 boceas de fogo.
* Adrien Balbi, Statistique du Porluga..
'•' A oitava do ouro valia 1^200 reis.
6
Adiien Balbi, &atislique du Portugal.
— 87 -
causar a cobrança do que se devia ao thesouro, commet-
tião-se despezas com o maior desembaraço e irresponsa-
bilidade dos mandantes e executores. Não havia ramo
d'ellas, em que a voz publica não deparasse malversações
e desbarato, e não accusasse, sem disfarce, os agentes de
tamanhas prevaricações.
Cuidavão em geral os ministros exclusivamente de si
edos seus. Muitos d'elles, e seus amigos e parentes, ac-
^umulavão vários empregos, sem que para nem um ti-
vessem habilitações. A própria natureza humana repugna
á accumulação de funcções diversas e variadas no mesmo
indivíduo. Não é o espirito só que se não dobra ás en-
contradas exigências, e não pôde resistir ás fadigas que
ellas demandão. 0 corpo physico não basta : prostra-se
sentpre que é excessivo o emprego de seus meios e de
suas forças. Além de que, se offerecia cabedal para que
se queixasse o publico ese descontentasse, que não po-
deria ver com indifferença alguns poucos felizes quando
outros mendigavão, devido só, como era, este facto á
protecção e ao favoritismo i Accommodava-se princi-
palmente a classe nobre com empregos lucrativos e pin-
* Para exemplos : 0 marquez de Angeja, que, succedendo ao marquez
de Pombal no ministério, accumulou a presidência do real erário, e
outros empregos, pelos quaes todos percebia ordenados que seu ante-
cessor não cobrava. 0 visconde de Villanova da Cerveiia, cíc. Especifica-
remos um facto estrondoso : Diogo Ignacio de Pina Manique era ao mesmo
tempo intendente-geral da policia, administrador da alfândega de Lisboa,
íeitor-mór de todas as casas alfandegadas do reino, direclor das casas
pias, administridor da limpeza e das calçadas das ruas, e euiprezario da
illuminação da cidade de Lisboa. (Jacome Ratton, Recordações.)
— 88 —
gues commendas. Não os houvesse, c crear-se-hião no-
vos a propósito, para ser nelles provida, posto inúteis c
desnecessários fossem. Estavão as repartições publicas
atulhadas de servidores em numero tão crescidQ) que
uns aos outros se atrapalhavão no serviço, que não se
fazia ou se fazia mal, porque ninguém trabalhava, c
nem mostrava zelo pela administração do estado. Faltava
para algum apatrocinado um emprego; com a com-
menda, remunerada por uma pensão, se pagavãa. as
suas aspirações,, pretextando-se para isso serviços pró-
prios, ou de seus ascendentes, ainda que pinguemente
estivessem já indemnisados.
A organisação da administração publica se prestava
infelizmente á favorecer estes abusos revoltantes, que
nascião da amplidão do arbítrio, e da falta de responsa-
bilidade, que caracterisão o governo da epocha. Alguma*
modificações se tinhão introduzido nella durante o sé-
culo XVIIIo, pequenas porém, e sem a menor cessão •
d'estes predicados tão indispensáveis para o poder ab-
soluto. D. Afíonso VIo, D. Pedro IIo e D. João IVo tinhão,
além de três secretários e ministros de estado, escrivães
de puridade, cargo que constituía propriamente um mi-
nistério, mas sem funeções dislinetas, transmittindo to-
davia para todas as repartições as ordens do soberano.
D. José Io extinguio os escrivães de puridade. Elevou-se
a quatro o numero dos ministérios, ou secretarias de
estado, comatlribuições separadas. Existia um conselho
de estado, que el-rei ouvia quando e como lhe aprazia,
— 89 —
e que não constituía porém um auxiliar de grande im-
portância. Mais largas e extensas erão as attribuições do
desembargo do paço. Posto tivesse as feições caracterís-
ticas de tribunal judiciário, ao qual se affectavão as re-
vistas dos processos julgados pela casa da supplicação
de Lisboa, e por todas as relações da monarchia, e foro
privilegiado para o julgamento dos magistrados, sua re-
prehensão e suspensão, participava também da acção ad-
ministrativa, e funccionava sob a presidência, e junto da
pessoa do rei. Cabia-lhe o direito de conceder graças e
dispensas nas leis. Propunha os bacharéis formados na
universidade de Coimbra para os empregos de justiça.
Opinava sobre objectos do governo, e gozava da maior
consideração no reino1.
Varias repartições auxiliavão também o governo com as
informações que lhe miiiistravão sobre os objectos que
lhe cumpria considerar. Notão-se particularmente o con-
selho ultramarino e a mesa de consciência e ordens.
Tratava o primeiro de todos os negócios que affectavão
as colônias e possessões ultramarinass Corria por elle
toda a correspondência do governo com os governadores
e autoridades,, qualquer que fosse a ordem administra-
tiva a que pertencessem. Informava e submettia o conse-
selho ultramarino á coroa todos os papeis, requerimentos,
representações, que lhe erão dirigidos das conquistas.
1
Lei da organisação do desembargo do paço.
* Creado em 14 de julho de 1642 para substituir o conselho das índias,
fundado em 1604 pelos Felippes de Castella.
— 90 —
A' mesa de consciência e ordens competião os objectos
que se referião ao espiritual, e bens e poderes tcmpo-
raes da Igreja. Tinha ainda attribuições sobre a re-
dempção dos captivos, e sobre a arrecadação dos bens
dos moradores nas possessões ultramarinas-, que morrüfó
sem testamento, ou cujos herdeiros se achassem ausenta
da residência dos finados. Estavão também sob sua al-
çada as matérias concernentes ás Ires ordens militares
do reino l
Será difficil apresentar uma administração de mais
fausto e dispendio em qualquer outro paiz. Além do
immenso pessoal que nella se occupava, tão crescido era
o numero das repartições em que se dividia, e tão com-
plicadas as funcções, e ás vezes homogêneas, que se lhes
davão, que mais devião servir para intrincar os negocio^
difficultar a governação do estado, e trazer prejuízos
reaes aos interesses particulares, quer d'cllas dependes-
sem directamente, quer forcejassem por afastar-se e pro-
curar completa independência.
O conselho geral do Santo Officio, se não voltou á
plenitude da acção que possuía nosjempòs anteriores ao
ministério do marquez de Pombal, ganhou todavia bas-
tante com o reinado posterior, que lhe restituio varias
das suas funcções, entre as quaes a da censura previa
dos livros e escriptos que tivessem de ser impressos, c o
1
Regulamento do conde de Lippe, chamado lei de guerra. Erão os
conselhos de guerra e os tribunaes.
!
Divórcios, nullidades de casamento, e t c , e t c , conferidos ás justiças
ecclesiasticas pelo Concilio de Trento. As vigararias geraes foriravío,a
primeira instância, etc
Responsabilidade dos officiaes da Igreja, ele.
* Tinhão os Inglezes um juiz conservador por elles nomeado entre os
desembargadores de numero para todas as noções que affectassem os seus
interesses e pessoas. Datava o seu estabelecimento em Portugal de 1654.
— 93 —
cedente ás suas alçadas, e cujas decisões sobre doutrina
faziâo parte da legislação, com o titulo de assentos1. 0
território todo do reino era dividido em comarcas, com
magistrados superiores, cujas funcções de corregedores
lhes âsseguravão alta importância pelo direito de refor-
mar as sentenças dos juizes loçaes ou dos termos. Havião
também ouvidores para o crime, e juizes de fora e or-
phãos, que exerciâo a sua acção nos termos mais im-
portantes em que se subdividia a comarca, competindo
aos ordinários de eleição popular os de somenos popula-
ção e valia. Erão os juizes de fora e ordinários os presi-
dentes das câmaras municipaes das localidades*
Posto o marquez de Pombal empregasse, com toda a
dedicação, os seus esforços para derramar por todas as
povoações do reino a instrucçãtfprimaria, que é de ali-
mento necessário para o povo, achava-se esta atrasadís-
sima ; e muito escassa era a secundaria em relação ás
demais nações da Europa. Falta vão pessoas habili-
tadas para o professorado. Não olharão, como devião, os
governos subsequentes para este objecto, da mais alta
importância para o estado. Fôra-lhe entretanto desti-
nada pelo marquez tuna renda regular, que produzia o
intitulado subsidio litterario, cobrada sobre os vinhos e
bebidas espirituosas. Muitos lugares, aliás notáveis, não
1
Lei de 18 de agoslo de 1769.
3
Memória sobre os juizes de fora, de José Anastácio de Figueredo,
publicada na collecção das Memórias da Littcratura da Academia Real de
Séiencias de LisLoa.
— 94 —
possuião mestres de primeiras lettras. Grande parte tio
povo do interior das terras não aprendia a ler e escre-
ver. As mulheres, particularmente, parecião destinajfci
apenas para os misteres e serviços domésticos. Erão raras
as aulas de inslrucçâo secundaria espalhadas pelo reino.
Supprião-nas felizmente algumas instituições civis, as
particulares dos conventos e os' seminários episcopaes.
O que primava, no meio d'este quadro pouco agrada?
vel, era o ensino superior da universidade de Coimbra,
que igualava em profundeza, multiplicidade e selecção;de
matérias scientificas, ás mais afamadas universidades
da Europa d'aquelles tempos. Algumas aulas especiaes
para o exercito e a marinha" completavão o syslema e
complexo dos estudos que se podião encontrar no reino.
O movimento que o marquez de Pombal imprimira
ás lettras e scíencias não deixa de ter direito para mere-
cidos elogios. Creárão-se varias associações litterarias,.
que promoverão o progresso da intelligencia, o gosto
fino e apurado do espirito. Merece especial menção a
Arcadia, tão justamente celebrizada. Nasceo d'esU»
condições favoráveis uma litteratura, senão original,
porque a influencia dos philosophos e poetas francezes
do século XVIIIo se apossou dos ânimos, c uma lição
mais profunda dos autores antigos, gregos e romanos,
trouxe regularidade nas formulas e plágios nos pensa-
mentos, uma litteratura pelo menos illustrada e sensata,
que, posto não produzisse gênios que espantão e elec-
trisão pelos seus vôos de águia, dco todavia a conhecer
— 95 —
1
Creada em 1776.
SECÇÃO IV
1
As quatro coincidências de datas, publicado posteriormente em Lis-
boa. Exprimia-se assim : i Isto na realidade não passava de um estrata-
gema de Talleyrand para assustar Fox, e obriga-lo a ceder em alguns ar-
tigos da negociação. »
2
As quatro coincidências de datas, pelo conde de Funchal.
— 100 —
Offereceo para esse fim os subsidios pecuniários neces-
sários, e um reforço de dez mil Inglezes, que estavão
destinados para guarnecera ilha da Sicilia1 Ou levados
pelo pensar do conde de Funchal 2 e pelas declarações de
D. Lourenço de Lima, que estava residindo em França
na qualidade de diplomático portuguez, e que ignorava
tudo o que em torno d'elle se passava e planejava, ou
transidos de medo de se declarar contra a França rece-
bendo soccorros de soldados inglezes no próprio solo por-
tuguez, recusarão Antônio de Araújo eos mais ministros
do regente receber o auxilio estranho, e deliberarão se-
guir a política meticulosa que havião adoptado, sem que
procurassem reunir e organisar os elementos que a na-
ção possuía para resistir á invasão, no caso de se realizar
o sinistro annuncio. Fiavão-se na neutralidade que ha-
vião estipulado os tratados celebrados com a França, na
Providencia, que velava sobre os destinos de Portugal^
e talvez nas suas habilidades, para prevenirem quaes-
quer desagradáveis occurrencias. %
1
Notas dos diplomatas inglezes ao governo de Portugal. (Annuar re-
gister, 1807.)
2
Exprimia-se assim o conde de Funchal, cego como estava : « Algum
tempo se passou antes que Araújo eeu pudéssemos convencer o ministério
inglez de que tudo isto era um simples manejo para intimidar, do que elle
porém cuidou dever sempre tirar algum partido.»(As quatro coincidên-
cias de datas.^
— J01 —
que lhe impozera. Ligadas em pensamento e interesses,
enviarão França e Hespanha instrucções communs aos
seus agentes acreditados em Lisboa. Uma nota conjuncta
foi dirigida pelos condes de Rayneval e de Campo Alange
ao governo portuguez, com data de 12 deagosto de 1807.
Formulavão-se nella as queixas que de Portugal tinhão
os dous governos aluados, como soe ser costume diplo-
mático, posto fossem infundadas e imaginárias. Con-
cluião os agentes francez c hespanhol exigindo três pro-
videncias immediatas do governo portuguez, como res-
posta satisfactoria. Era a primeira que Portugal fechasse
em continetíte todos os seus portos aos navios de guerra
e mercantes da Inglaterra. Consistia a segunda em que,
até o dia I o de setembro, declarasse guerra ao governo
inglez, ajuntando as suas forças marítimas e terrestres
ás de França eHespanha. Cifrava-se á ultima em que se
prendessem todos os subditos inglezes residentes em
Portugal, e se seqüestrassem seus bens e propriedades,
para servirem de indemnisação pelos prejuizos e dam-
nos que viesse a soffrer o commercio portuguez com as
represálias que praticasse o governo britannico1. No caso
em que Portugal não annuisse, como esperavão as duas
nações aluadas, passarião os governos de França e Hes-
panha a occupar com os seus exércitos o território por-
tuguez*.
Comprehendêrão então os ministros do regente a illu-
1
Memórias manuscriplas do tempo.
- - 10o —
que o poderia então effectuar4 Julgou-se também que se
conciliavão por este feitio os graves interesses que se
envolvião na situação presente, e que as evasivas e pro-
telações salvarião o comprometimento do governo, e os
'riscos que maiores correria o paiz tomando decidida-
mente partido pela França ou pela Inglaterra*.
Sabia entretanto o imperador Napoleão que inútil se
tornaria o seu intento se a força própria o não execu-
tasse. Apreciava ao justo os motivos da annuencia do
governo portuguez, e as intenções com que a prestara.
Não vio nella senão o desejo de esquivar-se do perigo im-
minenteda situação. Caracteres dúbios não lhe ião ao
gosto. Aborrecia os que fugião das crises com evasivas,
e não ousavão affrontar difficuldades tomando delibera-
ções francas e sem reserva. Queria amigos que se lhe
curvassem; a não marcharem por este modo, conside-
rava-os inimigos. Era pequeno o reino de Portugal, dis-
tante da França, atirado em um canto da Europa; con-
stituía porém um ponto necessário para os seus planos
gigantescos. Não lhe agradava que se exercesse nelle a
influencia ingleza, e que nos seus portos deparassem
apoio as esquadras de seus inimigos, e no seu território
um mercado as producções das fabricas britannicas, ao
passo que um intermediário para, pelas terras contiguas
da Hespanha, corresponder-se ainda com a Europa*. En-
1
Memórias manuscriptas do tempo.
1
Vida de D. João VIo, traduzida do francez e annotada.
s
Thiers, Consulat et Empire.
— 104 —
viára o seu ultimatum, para aparentar as regras tradi-
cionaes do direito das gentes. Nunca se persuadio que
elle bastasse, posto fosse admittido em todas as suas con-
dições. Foi, deliberado apenas o desígnio, assentada a
invasão do território portuguez. Estipulou com Hespanha*
um tratado, que assignárão em Fontainebleau os pleni-
potenciarios respectivos1 em 27 de outubro de 1807,
já quando as ordens tinhão partido, e em marcha esta-^
vão as forças que devião occupar o solo. de Portugal*
Pelo tratado se declarou extincta a autonomia do reino,
e despojados da coroa os membros da casa real de Bra-
gança. Partilhou-séo seu território. Couberão á infanta
de Castella, rainha da Etruria, as províncias d'Entre-,
Douro e Minho, com a cidade do Porto, compensando-se
por este feitio a perda dos demais estados que até então
pertencião á princeza e que se annexárão ao império
francez. Deo-seao príncipe da Paz, instrumento de que
se servia Napoleão para dominar a Hespanha, o Alem-
tejo e Algarve, com o titulo de príncipe dos Algarves.
Devião ambos reconhecer a suzerania da Hespanha sobre
estes novos estados, que reverterião de pleno direito para
esta nação quando faltassem descendentes aos dous agra-
ciados. Guardou a França para si Lisboa, a Estremadura,
Beira e Trás-dos-Montes, com a liberdade de dispor
d'estés territórios quando e como posteriormente lhe
conviesse, podendo até reintegrar nelles a dynastia de
1
O general francez Duroc e D. José Izquierdo, enviado hespanhol.
— 105 —
Bragança, comtanto que se sujeitasse ás condições impos-
tas á infanta e ao príncipe da Paz, e que a Inglaterra res-
tituisse á Hespanha Gibraltar, a ilha da Trindade, e
varias colônias de que se havia apoderado. Ficarão
reservadas as possessões ultramarinas de Portugal para
serem partilhadas mutuamente entre Hespanha e França,
quando se concluísse a guerra e apparecesse momento
opportuno para effectua-lo.
Partira já, como o dissemos, a expedição franceza,
ás ordens do general Junot, destacada do exercito esta-
cionado em Bayonna. Tinha instrucções para empre-
gar toda a celeridade na sua marcha, atravessando
Hespanha pelos caminhos mais curtos, invadindo e to-
mando conta immediata de Portugal, e levando comsigo
commissarios habilitados para procederem á divisão do
território e á demarcação dos seus novos limites1.
Emquanto tomavão os seus inimigos accordos e deli-
berações tão importantes, tratava o governo portuguez
de executar os seus compromissos novos, de maneira a
ganhar tempo e illudi-los em tudo quanto lhe fosse pos-
sivel. Preparou combois de navios, em que sahírão os
subditos inglezes, e os bens que poderão liquidar e
aprestar para a partida, concedendo-lhes o governo, a
fim de facilitar-lhes o embarque, moratórias para o pa-
gamento dos direitos alfandegaes que devessem. Publi-
cou, a 22 de outubro, as ordens para que se prohibisse
1
Thiers, Consulat et Empire
— 100 —
aos navios de guerra e commercio da Inglaterra o ao
cesso e entrada nos portos portuguezes. Contentou-se
com estes prelúdios de obediência, e adormeceo na espe-
rança de que bastavão para conjurar-se da tempestada-e
salvar-se dos perigos com que. fora ameaçado.
Achava-se em Lisljoa, por este tempo, lord Strang-
ford, no caracter de diplomata britannico. Não vio as
cousas com os olhos do governo portuguez. Procurou^
mostrar-lhe a importância e gravidade da situação em
que se collocára desde que, não disposto a curvar a
cerviz ante as exigências da França, não aceitara os auxí-
lios de tropa e dinheiro que em tempo lhe offerecêra a
Inglaterra, e nem se preparara interiormente, organi-
zando o exercito, chamando ás armas as milícias, exci-
tando o patriotismo do povo, e guarnecendo as fortalezas
e praças, particularmente das fronteiras internas,'que
minislravão excellentes meios de defesa1 Contando ao
certo com a invasão franceza, e considerando perdida a
dynastia portugueza na Europa, lembrou ao regente
a idéia de transferir a sua residência para as possessões
do Brasil em quanto lhe restava tempo para effectua-la
ainda livre e desembaraçadamente. Acrescentou-lhe que,
restabelecidas as cousas na Europa, e libertado o reino
portuguez, como elle contava que o seria mais tarde ou
cedo, poderião a corte e o governo regressar para Lisboa;
entretanto que, conservando-se no reino, muitos seriãoos
1
Annuar register, 1807.
— 107 —
dissabores, cruéis e duríssimas ãs provações, senão peri-
gos reaes, que terião de atormentar a família real, que
synibolisava o destino e sorte da nação portugueza como
estado independente i
Não era nova a idéia, apresentada agora por lord
Strangford, de transferir-se a sede da monarchia para a
colônia do Brasil, e de lá espreitar-se os acontecimentos
da Europa durante as epochas de crises. Nem fora ima-
ginada por estadistas inglezes na intenção de proteger e
salvar a autonomia do povo portuguez. Quando Fe-
lippe -IIo invadio com os seus exércitos o território de
Portugal para o annexar aos seus domínios, houve Por-
tuguez avisado que a propoz ao pretendente D. Antônio,
prior do Crato, que, tendo o povo em seu favor, ousava
affrontar aofilhode Carlos Vo e preferi-lo na coroa dos
Affonsos. Não a adoptou o pretendente, e lá foi em lon-
gínquas terras acabar a-vida na miséria e no desterro*.
Gaba-se o celebrizado padre Antônio Vieira* que a
aconselhara a D. João IVo no momento tormentoso em
que desconfiava não poder resistir á força da Hespanha,
sustentar o diadema que cingíra, e levar ao cabo a
obra da independência do seu paiz, que tentara tão
ousadamente. Parece também certo que ao próprio D.
João rV°, e a D. Affonso VIo posteriormente, pro-
1
Lord Strangfortfs despatchs, citados na Vida de D. João VI'.
* Lord Slrangfor£s despatchs. — Todavia Southey, War in Portugal,
assevera que o fez entregar ao regente por um parlamentario.
5
Vida de D. João VI', traduzida do francez e-annotada.
8
— 114 —
Sangrou o seu coração. Foi visto chorar, como uma
criança, no intimo dos seus paços 1 ; e não de medo já e
terrorisado. O extremo perigo tirou-lhe os sustos e re-
forçou-o de coragem moral, de que nunca dera mostras.
Vinha-lhe a dôr do peito; declarava-o francamente. Era
Portuguez, e compellião-no a abandonar a sua pátria c
os seus subditos ao estrangeiro que os atacava. Que se
diria de um rei que fugia ao perigo e deixava os seus
estados ao desamparo2?
Urgia aproveitar entretanto a occasião. Fixou-se a par-
tida para o dia 27, visto como as noticias que chegavão
do interior davão como possivel a entrada dos Francezes
em Lisboa a 29 ou 30, pela celeridade que emprega-
vão e nem uma resistência que se lhes oppunha. Deli-
berou o regente que partirião toda a familia» real, mi-
nistros de estado e empregados do paço, sem excepção;
que a sede do governo supremo da monarchia^ se esta-
beleceria provisoriamente na cidade do Rio de Janeiro;
que ficaria o território portuguez sujeito a uma regência,
que nomeou em continente, composta de cinco mem-
bros, o marquez de Abrantes, presidente, tenente-gc-
neral Francisco da Cunha Menezes, Principal Castro,
Pedro de Mello Breyner, e tenente-general D. Francisco
Xavier de Noronha, a qual governaria cm seu nome, e
usaria dos plenos poderes que sohião conceder ás regei*-
cias os antigos reis de Portugal quando deixavão o
1
Memórias contemporâneas, manuscriptas.
1
Memórias contemporâneas, manuscriptas.
— 115 —
reino para irem pelejar na África1 Nomeou também
substitutos para aquelles que, por qualquer circum-
stancia, não exercessem. Dictou-lhe instrucções incom-
pletas, que se resumião em guardar as leis, conservar o
reino em paz, respeitar os foros e privilégios dos nacio-
naes, decidir os negócios por maioria de votos de seus
membros, e tratar como amigos e alliados os Francezes,
dando-lhes quartéis e assistência, para o fim de se evitar
todo o motivo de rixa ou pendência*. Declarou que todos
os subditos que o quizessem acompanhar para o Brasil
o podessem fazer livremente, levando a frota em que
seguia o numero que coubesse nas embarcações, e an-
nexando-se-lhe os navios particulares que se podessem a
tempo apresíar para a viagem5,
Foi tudo, d'ahi por diante, confusão, senão perfeita
anarchia. Grupos numerosos apinhavão-se pelas praças
e ruas de Lisboa. Este fallava, vociferava aquelle. Gritos
e lagrimas partião de toda a parte. Desanimados uns
e arrancando os cabellos, como perdidos, não vendo mais
pátria, e nem rei, e nem amigos; procuravão outros
incitar a multidão para que se armasse, se defendesse, e
expellisse os Francezes do solo a ferro, a fogo, por todos
os meios. Noite edia serepetião as mesmas scenas. Che-
gava a todo o instante do interior das terras copia innu-
meravel de foragidos, que pensavão escapar aos Francezes
1
Souza Monteiro, Historia de Portugal.
* Instrucções á regência em 1807.
» Vida de D. João VIo, traduzida do francez eannotada.
— 116 —
correndo para a capital do reino. Ninguém governava,
dirigia ou policiava. Ninguém parava também em casa, e
nem sabia o que alcançava nas praças e ruas. Podcrião
estas scenas degenerar em desordem e turbulência. Ap-
parecesse um tribuno virulento que fallasse ás paixões e
excitasse a susceptibilidade das massas, e quem poderia
prever aonde chegarião as calamidades publicas? Esla-
vão felizmente habituados os ânimos á quietação e á
obediência. Predominavão, além d'isto, sustos e appre-
hensões aterradoras. Nada occorreo afora as lamentações,
prantos e queixas-dolorosas do povo, que via embarcar-se
as riquezas e thesouros do reino, e fugir-lhe o seu go-
verno, ao passo que sentia approximar-se, por outro
lado, os seus inimigos.
Se grandes difficuldades encontravão para deixar o
solo natal os que se havião deliberado a seguir viagem
com o regente, como se não arnontoarião ellas em re-
lação aos bens que comsigo deverião levar, e que para
muitos se perderão, pela confusão em que andarão e so-
bresaltos de que forão acommettidos? Cada um embar-
cou, como e quando poude, os objectos que lhe perten-
cião : seguio cada um a inspiração que teve para.se
introduzir nas embarcações que conseguira, e que o devião
levar para o desterro, para bem longe, e por tempo que
lhe não era dado prever !
Bella e serena raiou a manhâa de 27 de novembro
de 1807, succedendo a um dia chuvoso e sombrio, que
representava ao justo a imagem de Portugal em lances
— 117 —
tão perpassados de dores e soffrimentos. Não se fixou nem
ordem nem ceremonial para o embarque da corte. 0
regente communicou a todos os membros da família
real que devião achar-se naquelle dia a bordo dos na-
vios que lhes estavão designados. Passarão os ministros
iguaes instrucções ás pessoas que compunhão a corte e
aos empregados da administração que tinhão de acom-
panhar o governo. Deo-se-lhes liberdade para tomarem
as providencias que lhes aprouvessem a fim de cumpri-
rem as determinações que se lhes transmittiãol
Não era possível mais prorogar o momento da par-
tida. Chegara na véspera em Lisboa noticia de que Ju-
not, apezar dos caminhos escabrosos e estragados pelas
chuvas copiosas que tinhão ultimamente cahido, impe-
dido muitas vezes por falta de pontes com que atraves-
sasse rios assoberbados pelas águas das enchentes, tinha
conseguido todavia pernoitar a 25 em Abrantes, que
distava apenas vintee duas léguas de Lisboa* Marcha no-
tável dos Francezes, promptos sempre para o commet-
timento das mais árduas emprezas! Não lhes embarga-
rão os passos os precipícios das montanhas, a natureza
agreste do solo, a falta de caminhos e de communicações,
as chuvas abundantes e a estação adiantada do inverno,
cujos prelúdios já se descobrião! Pouco mais de um mez
gastou Junot desde Bayonna até á capital da monarchia
portugueza, cam a divisão que commandava, e que se-
1
Souza Monteiro, Historia de Portugal.
* Thiers, Consulat et Empire.
— 118 —
guia a voz do chefe, alegre, risonha e»prazenteira, como
se marchasse sobre caminho de rosas1.
Presenciava entretanto o povo de Lisboa o mais pun-
gente espectaculo.Em caixas fechadas evolumes immen-
sos de tamanho e peso, carregavão-se riquezas em ouro
e diamantes, objectos primorosos e de valor, raridades e
reliquias artísticas. Agrupado pelas praias e cáes que se
estendem Tejo abaixo até Belém, via elle transportar-se
os seus thesouros para bordo dos navios aprestados a
seguir viagem. Grande numero de fidalgos e pessoas
importantes pela sua posição e fortunas seguia o destino
que levavão os seus bens e capitães. Soldados-, officiaes de
terra e mar, tomavão a mesma direcção. A tristeza nos
.emblantes, as lagrimas nos olhos, a dôr saltando do
coração e denunciando-se por todos os feitios! Dir-se-
lia o exilio de uma 'nação inteira diante de bárbaros
invasores do lar e da pátria. Havião assim deixado Gra-
nada os Árabes enxotados por Fernando de Aragão e
Castella. Lançavão olhares de adeos e de saudade para a
veiga do Genil, para as torres do Generaliffe, para as
águas amenas do Darro, e para o monumento de Alham4
bra, obra portentosa dos seus antepassados. Abando-
navão os ossos de sons pais, as casas do seu nascimento;
as mesquitas do seu culto e a terra do seu amor. Nunca
mais revírão Granada senão em sonhos e cânticos. Esta-
ria reservada igual sorte aos Portuguezes de 1807? No
) D. João de Castro. 64 »
(Extrahído do Correio brasiliense.)
5
Fragata Minerva. U peças.
» Golfinho.. 38 »
» Urania.. 3-2 i>
» Outra. 52 »
(Extrahído do Correio brasiliense.)
4
Brigues e corvetas Voador, Vingança, Lebre e Carioca.
(Extrahido do Correio brasiliense.)
— 123 —
bens, depois de sacrifícios tamanhos que havião com-
mettido para salvaf-se. Ao amanhecer, felizmente, o dia
_9 de novembro, virou o vento para o polo opposto. Le-
vantárão-se as âncoras e largárão-se as velas. Foi desli-
zando a frota vagarosamente pelas águas do Tejo, até
que entrou no oceano, recebendo, pelo meiodia, as ul-
timas saudações das fortalezas que guarnecem a entrada
da barra e defendem a cidade de Lisboa1
Favoreceo a Providencia aos exilados. No dia 30 vol-
tou o vento do sul. Sér-lhes-hia impossível sahir do Tejo
se não tivessem aproveitado o ensejo que lhes proporcio-
nou a aragem do dia antecedente. Pelas nove horas da
manhãa entrou o general Junot por Lisjpa, com as suas
guardas avançadas. Três dias e Ires horas gastara de
Abrantes até á capital da monarchia. Sabendo que par-
tira a frota levando a família real, apressou-se a correr
para a barra e providenciar a que se lhe obstasse a fuga*
Conseguio apenas avistar de longe os navios, que borde-
javão ao longo das costas, e apprehender alguns poucos
atrasados mercantes que tentavão safar-se nas águas
da esquadra5, e que recuarão diante do fogo da artilha-
ria que dos fortes se dirigio contra elles. Sobre as forta-
lezas e monumentos públicos, nos mastros das embarca-
ções de guerra que, por necessitadas de reparos, não
1
Vida de D. João VIo, traduzida do francez e annotada.
* Correio bi-asiliense. — Investigador portuguez. — Souza Monteiro,
Historia de Portugal.
3
Southey, War in Portugal.
— 124 — .
1
tinhão podido acompanhar a frota , mandou que se er-
guesse e tremolasse a bandeira dá&liguias írancezas,
derribando-se o estandarte de Portugal, ao passo que,
pelo seu lado, declarava o almirante Sidney Smith blo-
queado o porto de Lisboa, em cujas proximidades con-
servava a sua esquadra, e se apossava da ilha da Madeira,
que se cobrio logo com a bandeira britannica2,
Aprecie quem puder o estado desgraçado do povo
porttfguez! Por um Jpdo, Junot se apoderava da cidade
de Lisboa e de vários pontos importantes do reino; no-
meava empregados-para tomar conta dos arsenaes, era--
rio e recebedoria de rendas; arrecadava a prata e the-
souros da patri#ghal s e igrejas opulentas; seqüestrava
os bens e propriedades da coroados patrimoniaes da
casa real, e os particulares dos fidalgos e pessoas que
havião fugido com o regente; dispunha da tropa portu-
gueza ; fixava as quantias e designava os objectos com
que cada uma das povoações devia de contribuir para os
gasfos da guerra, sustento do seu exercito e empréstimo
ao seu governo. Por outro lado, occupavaD. Francisco
1
Apprehendêrão os Francezes a náo Vasco da Gama, as corvetas Car-
io a e Benjamim, três charruas e vários pequenos vasos de guerra. (In-
vestigador portuguez.)
- Em virtude do tratado secreto de 22 de outubro de 1807 entre Por-
tugal e Inglaterra.
* O regente ordenara que a prata da patriarchal se transportasse para
a esquadra. Foi ella carregada por quatorze carros. Em vez porém de se .
embarcar, por descuido e confusão foi deixada no cáes de Belém, d'onde,
dias depois da sahida do regente, voltou para a igreja. (Souza Monteiro,
Historia de Portugal.)
— 125 —
Tarancos, com uma divisão hespanhola, a cidade do Porto
e a província dJÜítre-Douro e Minho, e dava nova
forma á administração da fazenda publica. Considerando
desde já aquella parte de Portugal como annexada á co-
roa hespanhola, governava-a tão livremente como o^gé-
neral francez, fallando cada um d'elles em nome do seu
governo-, e subordinando os cidadãos ás novas autorida-
des que creavão e nomeavão á sua vontade, sem que lhes
importassem as leis do paiz, sobre^ue fazião pesar o seu
jugo de conquistadores. Nãoficarãoo Alemtejo, Algarves
e parte meridional da provincia da Estremadura livres
da invasão e dominio dos estrangeiros. Entrou pòr seu
território o marquez dei Soccorro, á fre*te de tropas tam-
bém hespanholas, Seguio a mesma linha de comporta-
mento que Junot e Tarancos. Estabeleceo o seu poderio
como em presa de guerra. Fundou, a «apricho, a sua
autoridade e o seu governo.
Navegava, entretanto, para o Brasil a frota que trans-
portava a dynastia de Bragança e a corte portugueza,
acompanhada por quatro náos inglezas de linha1, que se
destacarão da divisão que estacionava em Portugal, para
o fim de fazer-lhe cortejo honroso, e ajuda-la a defender-
se no caso de qualquer assalto dos inimigos.
1
As náos Malbourough, Monarch, London e Bedford. (Correio brasi-
liense, e Investigador portuguez)
1
0 Amazonas offerece um curso de 904 léguas em território brasileiro;
menor, posto que importante, é o dos três outros citados. (Milliet Saint-
Adolphe, (Dicc. Geogr. do Brasil.)
* Alguns d'estes rios não se achão ainda bem explorados para se saber a
extensão e facilidades do seu curso. A do Hingú calcula-se em 400 lé-
guas, a do Madeira em 700, a do Rio Negro em 700, etc.
— 154 —
104,445 léguas quadradas, com 853 de comprimento
sobre 225 da maior largura.
Deo o acaso a Portugal estes vastos domínios, quanHo
em viagem para a índia, no anno de 1500, afastando-se
das costas da África para procurar ventos mais de feição,
os descobrio Pedro Alvares Cabral/rjúe commandaVa'a
freto esquipada.por el-rei D. Manu^ e enviadatpor elle
para continuar os descobrimentos]*roWasco dá Gama.
Abandonados ao principio pela metrópole, dividírão-sé
com o tempo em feudos que se doarão a fidalgos e va-
lidos de affecto. Reconhecendo, mais para o diante, a
tíjjjíessidade de tratar da sua cultura e riqueza, avocou
a si o governo portuguez as concessões territoriaes que
effectuára, e organisou a admirfisíração colonial pelo
modo que passamos a descrever conforme existia nos
primeiros annos do século XIXo.
Em dezasete capitanias achava-se dividido o territó-
rio : dezf^por mais importantes, denominadas geraes, e
sete consideradas subalternas. Tinha cada uma d'ellas
um governador com funcções próprias e regimento par-
ticular. Os das primeiras possuião o titulo de capitães-
generaes. O do Rio de Janeiro elevava-se ap posto de
vice-rei, que era o mais alto cargo da colônia" e que
para ali se transferira em 1765 dà capitania da Bahia,
por se prestar aquella localidade, por mais próxima dos
limites meridionaes, aos novos interesses e necessidades
que creavão as guerras e lutas incessantes que se come-
çarão a travar com os domínios hespanhoes do Rio da
— 135 —
1
Precedência sobre os bispos nos a^os públicos, tratamento de Excel-
lencia, maior numero de guardas, etc, etc. (Regimentos.)
- Estavão isentos do inquirito da residência, findo o tempo do seu go-
verno. Tinhão direito de conceder graças em certos casos e crimes. Po-
dião também dar foro defidalgoscavalleiros até cem pessoas, de moços
da câmara até cemv hábitos de Christo até dezoito, e tenças de 25^000
reis annuaes, comtanto que os agraciados tenhão servido nas minas e pro-
movão a sua exploração. (Regimentos na collecção respectiva.)
5
Collecção dos regimentos geraes.
— 156 —
classe. A do Piauby estava sob esta dependência da do
Maranhão; a do Sergipe dava igual homenagem ao capi-
lão-general da Bahamas do Ceará, Rio Grande do Norte
e Parahyba, ao de Pernambuco; as do Espirito Santo e
Santa Catharina, ao vice-rei. As circumstancia&pecu-
liares do sul da colônia levárão-no a declarar ainda uma
certa sujeição dos capilães-generaes das Minas, de São
Paulo, do Mato-Grosso, de Goyaz e de São Pedrb do
Rio Grande do Sul 1 , ao vice-rei do Rio de Janeiro*.
Afora estas excepções, prevalecia a independência dos
governos especiaes das capitanias em toda a plenitude
da sua acção e liberdade.
*• O exame dos regimentos por que se pautavão as altri-
buições e deveres do vice-rei, dos capitães-genèraes e
dos governadores, e o das leis e deliberações particulares
do governo metropolitano em relação á administração
da colônia, e que alargavão ou diminuião o poder dps
seus delegados, constituem estudos interessantes, e re-
velão o pensamento político da coroa, ou dos seus con-
selheiros e ministros. Apparecia ás vezes previdinciac
moralidade. Manifestavão-se, em muitos casos, a igno-
rância e o atraso das idéias. Menor foi o numero dos
actos acertados do que o das decisões que dictárão o
1
E a mais moderna das capitanias geraes existentes no principio do
século XIXo. Foi creada em 1807. Constituía até ali uma capitania subal-
terna. A' capitania geral do Pará não se annexára nem uma subalterna.
2
Regimentos dos vice-reis, capilães-generaes, governadores, prove-
dores, capitães-mórès de capitanias, ouvidores, e t c , e t c , na collecção
dos regimentos geraes.
— 137 —
capricho, o patronato, o egoísmo, a desconfiança, e a
falta de tino político e da experiência pratica. Fora de
certo mais fácil a Portugal conquistar terras pela espada
e domar povos pela força, do que fundar e administrar
colônias regulares que dessem proveitos reaes á me-
trópole, e gozassem de acçâo e meios para prosperarem
e se engrandecerem.
Erão todos os governadoresi nomeados por um prazo
estabelecido*. Estavão obrigados a recolher-se para o
reino na mesma embarcação que lhes levasse o succes-
sor, sob pena de se seqüestrarem os seus bens particula-
res5. Devião passar a administração ao seu substituto,
com um relatório minucioso e circumstanciado de quanto
se dera durante o tempo do seu governo, sob pena de
não receberem o soldo do ultimo anno, que somente se
lhes pagava depois de chegados em Lisboa* Deixada a
governança, sujeitavão-se á residência, que consistia em
uma devassa que abria o ouvidor, e para a qual con-
vocava por editaes geraes e citações individuaes os mo-
radores da capitania, para o fim de deporem em juizo
sobre o que soubessem acerca do seu procedimento, ou-
vjndo-se e tomando-se por termo as queixas que fossem
apresentadas, e organisando-se com todas as peças um
1
Inclusive o vice-rei, com as excepções notadas no seguiinento da
narração.
* Os governadores geraes por quatro annos, etc.
5
Carla regia de 10 de novembro de 1638.
* Decreto de 30 de setembro de 1638.
— 158 —
processo que se remettia para a metrópole1, Não se po-
dião entender as autoridades locaes com o governo do
reino que não fosse pelo intermédio dos governadores,
que devião acompanhar com suas informações as repre-
sentações que erão dirigidas para a metrópole2.
Como chefes supremos da administração, e mais ele-
vada autoridade da capitania, presidião os tribunaes
das relações aonde os houvesse, as juntas de justiça,
cujos membros estavão autorisados a nomear, o as juntas
de fazenda, que coniprehendião as varias repartições
financeiras3 que existião na colônia. Repartião lem%
em sesmarias aos particulares que as requeressem, com
as condições de posse, medição e começo de cultivo
dentro do anno*. Dispunhão da força publica. Creavão
villas e povoações segundo as leis geraes do reino, que
devião escrupulosamente executar e fazer executar por
todos os seus subordinados, cujo procedimento lhes
cumpria fiscalisar5 Decidião osconflictosdejurisdièç^O;
que surgissem entre os magistrados e quaesquer outras
autoridades6, Declaravão e fazião guerra offensiva(e
defensiva contra os gentios7 Tinhão também inspecçã^
1
Alvará de 9 de abril de 1622. A provisão de 11 de março de 1718
marca*o processo e lermos d'esta providencia.
- Regimentos.
5
Regimentos.
4
Regimentos.
3
Regimentos.
6
Regimentos.
7
Regimentos. Mais adiante notaremos as modificações ao modo ie
declarar-se e effectuar-se estas guerras, quando tratarmos dos gentios.
— 139 —
superior sobre todos os ramos do serviço publico, sem
mesmo excepção das escolas de instrucção1
Estendia-se a sua acção ao direito de suspender e re-
baixar do posto os officiaes militares de qualquer gra-
duação que perturbassem a ordem, provendo interina-
mente as vagas5; ao de prover interinamente os postos
de milícias até coronel3; ao de nomear provisoriamente
os governadores subalternos e capilães-móres*, e ao de
prorogar por mais um anno os alvarás de livramento e
cartas de seguro, com audiência previa do ouvidor da
comarca3.
Para se lhes coaretar o arbítrio e proteger os povos
das capitanias, se havião estabelecido limites aos seus
poderes, cuja analyse excita de certo a curiosidade. Não
podião prender a qualquer morador por mais de oito
dias, sem que o remettessem para as justiças compe-
tentes. Findo este prazo, que lhes cabia na alçada, devião
os ouvidores avocar os presos á sua jurisdicção, pro-
cessa-los e julga-los, como o entendessen*de direito0.
Era-lhes prohibido desterrar para fora dá capitania quem
não fosse sentenciado a esta pena7; remetter presos para
1
Regimentos.
i
Aviso de 7 de julho de 1757.
Aviso de 7 de julho de 1757.
* Regimentos.
s
Alvará de 22 de abril de 1702.
6
Carla regia de Io de dezembro de 1721.
7
Carta regia de I o de dezembro de 1721, e aviso do conselho ultra-
marino de 31 de março de 1800.
— 140 —
o reino quaesquer indivíduos, ainda com culpas forma-
das, sem que recebessem ordem expressa d'el-rei1; in-
gerir-se em negócios dejusliça, na qualidade mesmodc
corregedores, salvo o caso de jurisdicção voluntária11;
suspender, prender, ou enviar para a corte ouvidores e
magistrados, exceptuado motivo urgente de perturbação
da ordem publica3; intrometter-se nas funcções parti-
culares dos juizes *; sustar o curso das causas pendentes,
eiveis ou crimes, cabendo-lhes apenas exigir informa-
ções sobre os processos em andamento, parados ou de-
cididos 3; crear lugares novos de justiça, administração,
ou àugmentar-lhes os vencimentos'; conceder cartas de
advogado e passaportes para o reino, ou prover, ainda
que interinamente, os officios de defunclos e ausentes,
que erão da privativa competência da mesa de cons-
ciência e ordens e dos seus propostos immedialos'; dar
reformas de postos militares8; despachar os degradados
1
Alvará de 18 de janeiro de 1624.
s
Carta regia de 30 de setembro de 1769.
3
Resolução de 10 de fevereiro de 1798, explicando o aviso de 7 de
julho de 1757.
* Carta regia de 22 de janeiro de 1623 e provisão de 26 de maio
de 1732.
5
Carla regia de 6 de agosto de 1715 e provisão de 50 de setembro
de 1783.
6
Cartas regias de 17 de janeiro de 1612 e de 18 de novembro
de 1800.
Carta regia de 13 de setembro de 1715 e provisão de 4 de outubro
de 1745.
8
Carta regia de 5 de outubro de 1672.
— 141 —
para officios', salvo o caso de relevantes servidos1, e os
seus criados de servir ou os de qualquer outro subdito8;
*
commerciar ou tomar parte em transacções mercantis
de qualquer naturezas; receber presentes *; casar-se com
mulher moradora na capitania que administravãos;
taxar preços aos gêneros e fretes6; delegar poderes que
ás suas pessoas e cargos eslavão exclusivamente inhe-
rentes7; e consentir emfim que as câmaras represen-
tassem em seu favor emquanto estivessem em exercício
de seus cargos8, oufizessemtirar os seus retratos para
serem collocados em lugares públicos'
Vedado lhes era também levar para as capitanias de
seu governo seusfilhosmaiores sem expressa permissão
regia, ou consentir que lá fossem ter. não se achando
munidos d'esta condição indispensávell0; sahir das capi-
1
Aviso de 13 de setembro de 1715.
* Provisão de 6 de setembro de 1716. J. F. Lisboa (Apontamentos
para a historia do Maranhão) refere que em 25 de julho de 1786 o
governador e capitão-general do Maranhão, João Telles da Silva, foi re-
prehendido por haver nomeado para um lugar da junta de justiça a um
bacharel formado que para ali fora degradado.
3
Regimentos.
* Regimentos.
5
Leis de 29 de agosto de 1720 e 13 de janeiro de 1724. Ord. do
reino, livro IVo, tomo 15.
6
Alvará de 28 de maio de 1648.
7
Carta regia de 22 de setembro de 1628.
8
Provisão de 18 de miio de 1737.
9
Provisão de 27 de novembro de 1688.
10
Carta regia de 10 de fevereiro de 1612.
— 142 —
tanias sem* licença d'el-rei1; mandar presentes aos mem-
bros do conselho ultramarino de Lisboa, por onde corria
toda a sua correspondência com o governo da metró-
pole2; e intrometter-se nas eleições das câmaras, que,
uma vez feitas, devião ser empossadas, correndo apenas
no effeito devolutivo os embargos com que se oppozes-
sem os interessados em que fossem annulladas5.
Podião, ao principio, ser emprazados pelos ouvidores
para deixarem o exercício dos seus cargos e comparece-
rem na corte, por attentados de prisões arbitrarias.
Revogou-se, porém, aadepois*, esta providencia como
contraria aos interesses da administração, guardando;
para si exclusivamente a coroa o direito de chama los
a Lisboa, suspende-los, dar-lhes por acabado o tempo:
do governo, e castiga-los pelo modo e quando lhe con-
viesse.
Regulava-se a successão, findo o prazo, ou terminado
o governo por morte ou acontecimento extraordinário e
imprevisto, pelas Gartas ou vias vindas do reino, e na
falta (com excepção da capitania geral do Rio de Janeiro,
cujo senado da câmara gozava do privilegio de nomear
governadores3), era preenchida a vaga nas capitanias
por uma junta de três membros, composta do bispo,
1
Carta regia de 19 demarco de 1614.
- Aviso de 7 de novembro de 1799.
3
Alvará de 29 de julho de 1643 e carta regia de 15 de dezembro
(te 1094.
Alvará de . . julho de 1757.
5
Alvará de 26 de setembro de 1644.
— 145 —
chanceller, e da maior patente militar de guerra existente
na localidade, supprindo o ouvidor e seus immediatos
qualquer das duas primeiras autoridades1
Davão os governadores subalternos cumprimento ás
patentes e ordens dos capitães-generaes que não fossem
contrarias aos seus regimentos, ou ás leis geraes, ou ao
publico interesse da coroa2 Podião ser emprazados pe-
los provedores de defunetos e ausentes para deixarem o
governo, comparecerem na corte, e defenderem-se,
sempre que formulassem queixas de haverem elles ou-
sado tocar no dinheiro e : fazenda pertencente a este
ramo do serviço, que era pelas leis declarado de privi-
legio3 São os seus regimentos, nos demais direitos e
obrigações, conformes aos dos capitães-generaes.
Em escala inferior aos governadores subalternos ap-
parecia outra" classe de funecionarios administrativos e
políticos, que tinhão jurisdicção «também sobre uma
porção designada de território e de moradores. Chama-
vão-se capitães-móres de capitanias. Differião as suas
attribuições das dos capitães-móres de villas e cidades.
Delegados dos governadores, davão-lhes conta de tudo
em que se empregavão. Competia-lhes verificar a execu-
ção das condições impostas ás sesmarias que se conce-
1
Alvará de 12 de setembro de 1779.
2
Regimentos geraes.
E como taes, como já fizemos ver mais atrás, da competência da
mesa da consciência e ordens. Regimento dos provedores de dèfunctos e
n isentes de 10 de dezembro de 1613, cap. xxvn.
- 144 -
dião; físcalisar o procedimento dos officiaes de fazenda;
prender os malfeitores, vadios e desertores; examinara
economia e regimen dos corpos de milícia e ordenanças.
Tinhão alçada crime sobre os peões, gentios e escravos,
por delictos de sua competência, e podião lambem
multar os moradores nobres por faltas leves e correccio-
naes, de que tratavão os seus regimentos. Inspecciona-
vão tropas e fortalezas, e prestavão ás autoridades civis
a força que exigissem para o cumprimento de suas sen-
tenças i Os capitães-móres de cidades e villas não pas-
savão de commandantes dos corpos de ordenanças.
Execulavão mais as leis do recrutamento, e nesta parti
da sua missão erão respeitados e temidos pelo arbítrio
que execcião. Nas villas menos populosas, que não dayão.
numero sufficiente de soldados para formar regimentos
de ordenanças, distribuião-se estes por' companhias^
subordinadas sempre aos capitães-móres, posto tivessem
seus chefes particulares*
Não se podem acoimar de injustas estas diversas dis-
posições, que formavão o códice regular de direito ad-
ministrativo e publico das colônias. Ao lado de um
poder discricionário e de attribuições arbitrarias que se
delegavão aos governadores, se estabelecião limitações
proveitosas, que devião moderãr-lhes o exercício e coarc-
1
Regimentos. Especificavão as faltas, delictos, valor das multas, ei-,
tensão da pena, e t c , e t c , honras, prohibições, e t c , etc.
1
Alvarás de 24 de fevereiro e 7 de julho de 1764. Chamavâo-se estes
capitães-mandantes.
— 145 —
tar-lhes o abuso..Não correspondia a pratica infeliz-
mente á theoria. Acrescentava-lhes esta a autoridade,
exagcrando-a, e desviando-a da vereda legal e justa que
lhes havia sido traçada. Sustentava muitas vezes as suas
malversações e despotismos o próprio governo da metró-
pole, que, em deliberações particulares, modificava os
princípios geraes das leis e as normas dos próprios regi-
mentos, conforme fallavão os interesses, e protecçôes par-
ticulares de que gozavão os interessados nos malefícios.
Provinha a primeira e principal causa d'este mal da
dessima escolha, que fazia a corte de Lisboa dos indiví-
duos a quem entregava a administração das capitanias :
ou fidalgos ineptos, que nem uma instrucção havião ad-
quirido, e que não possuião predicados, afora a nobi-
liarchia da família a que perténcião, e a piotécção que
encofttravão perante o soberano e seus ministros e favo-
ritos, e que necessitavão de refazer fortunas perdidas ou
formar as que não tinhão herdado; ou militares sem ou-
tros precedentes mais do que o valor e a audácia, baldos
completamente de habilitações para o governo civil dos
homens, pela maior parte paupérrimos, e infelizmente
orgulhosos, que aspiravão a só ganhar dinheiro e osten-
tar poder e arbítrio na governação das capitanias, que a
corte lhes designava como victimas condemnadas a seus
caprichos e voracidade.
Dizia o padre Antônio Vieira4 que no Maranhão ha-
1
Carta de 14 de dezembro de 1655 ao secretario de estado Pedro
Vieira da Silva.
10
— Ufi —
via um só entendimento, uma só vontade e um só po-
der, e era este de quem governava. Repetia-se em todas
as demais capitanias do continente americano perten-
cente ao dominio portuguez o que notava o distincto
escriptor a respeito do Maranhão. Não havia leis para os
pequenos Regulos, que se denominavão capitães-genqfa«s
e governadores. Commettião prisões e deportações capri-
chosa e desfaçadamente. Praticavão toda a casta de pa-
tronato*, escândalos e desacatos que lhes vinhão á ca-
beça. Enriqueçião-se, e aos seus satellites, por meio de
extorsões e attentados contra as pessoas e bens dos sub-
ditos. 0 poder judiciário, posto afastado da acção go-
vernativa e da influencia do executivo, declarado em leis
e ordens positivas independente, e gyrando em orbita
separada e particular, na qual não devião ser perturba-
das as suas funcções, não estava entretanto, na pratica,
isento das violências dos. representantes supremos do
governo : não tendo forças para resistir-lhes, curvava-se
e sacrificava-se aos seus despotismos. Vião os moradores
calcados aos pés a cada instante os seus direitos priva-
dos, os seus foros civis, e os privilégios que lhes garan-
tia a disposição clara e terminante da lei. Formariâo
uma lista comprida os actos de dilapidação, concussão c
prevaricação, que praticavão os agentes supremos do go-
verno, bastando apenas os que as tradições e a chronica
apontão como mais conhecidos. Erão tão temidos, que
ninguém ousava levantar a voz, e nem mesmo queixar-
se, no receio de que maiores calamidades lhe sobrevi-
— 147 —
riào. Algum maisafouto, que dirigisse para a metrópole
a sua representação, rarissimas vezes encontrava no
governo remédio para seus males; e quando felizes con-
seguião qualquer providencia, tão tarde e a más horas
chegava ella ás capitanias, que se annullava completa-
mente, por não haver mais tempo de se repararem os
prejuízos soffridos. As distancias que separavão a colô-
nia do reino; as viagens longas e demoradas dos navios,
que não conhecião ainda a applicação do vapor para
vencerem ventos e correntes dos mares; a necessidade e
estylo de se ouvir as autoridades em contra quem se arti-
culavão queixas, antes de se lhes dar o conveniente des-
pacho ; as protelações, que os governadores emprtgavão
para fugir ás informações com que devião responder-
lhes ; as protecções que todos elles encontravão nos tri-
bunaes e repartições de Lisboa por onde passavão, nos
conselhos dos ministros e no próprio animo do soberano;
concorrião todas estas eircumstancias para ou serem
desprezadas as queixas, ou quando attendidas pela sua
justiça tão incontestável, que se lhes não podesse cerrar
de todo os ouvidos, ainda que dispostos em prol dos ver-
dugos, não erão conhecidas as satisfacções, pela maior
parte das vezes, senão quando o seu governo estava aca-
bado e havião elles deixado a capitania. Em consulta
de 1732 declarou o conselho ultramarino que pelo menos
dous annos segastavão para se informar no Brasil quaes*
quer negócios1 Como se aggravaria a posição dos queixo-
1
t Nos negócios que necessitavão de tornar ao Brasil para informarem,
— 148 —
sos, continuando no governo aquelles contra cujos actos
tinhão representado, e a quem havião sido commuriica-
das as petições dirigidas para a corte! E que castigos
commemorão a chronica e a tradição, com que a metró-
pole punia os desmandos e arbitrariedades dos seus pro-
postos no governo das capitanias ?A's mais das vezes con-
siderava bastante uma simples reprehensão. Rarissimos
são os casos em que tomarão os attentados proporções tão
vastas e publicas, que dava-se por acabado o governo
dos seus autores, e se mandava que elles se recolhessem
para o reino *. Remédio tardio e inefficaz, que mais os
que são quasi todos, a dilação indispensável é quasi de dous annos, o que
torna o requerimento dos moradores mui penoso e este recurso muito
odioso. » (Consulta do conselho ultramarino, relator o conselheiro
Rodrigues da Costa, publicada na Revista trimensal do Instituto Histó-
rico e Geographico do- Brasil.)
1
Apenas alguns factos de castigo commemora a tradição, e que passa-
mos a relatar. Em 1684 deo-sc por acabado o governo a Antônio de Souza
Mendes, capitão-general da Bahia, e foi mandado recolher-se para Lisboa,
em presença das queixas que Bernardo Vieira Ravasco e o povo dirigirão
contra suas prepotencias. (Cartas do padre Antônio Vieira.) Em 1798,
sob consulta do conselho ultramarino de 10 de fevereiro, o mesmo castigo
se impoz a D. Fernando de Noronhão, capitão-general do Maranhão, e
foi condemnado a não poder apresentar-se a el-rei emquanto se não jus-
tificasse de 1 aver prendido c remettido para Lisboa o juiz de fora José de
Araújo Noronha. (J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do Ma-
ranhão.) Uma meia dúzia, se tanto, são os castigos d'esta ordem, e que
se tinhão pelos mais rigorosos, durante três séculos de governo colonial.
Ainda em 1810, estando já o Brasil constituído metrópole da monarchia,
censurou el-rei ao capitão-general do Maranhão, D. José Thomas de Me-
nezes, por haver suspendido o governador do Piauhy, José Loureiro de
Mesquita, que foi reintegrado no poslp. Não passou d'esla pena o castigo.
— 149 —
1
Carta regia de 18 de junho de 1707.
2
i, F. Lisboa (Apontamentos para a historia do Maranhão) refere
alguns faclos.
— 151 —
l
vião regular . Assem elhavão-se aos celebres proconsules
da antiga Roçjja, que devoravão as «entranhas das provín-
cias que recebiâo em delegação do povo-rei, e cujos
brados e gemidos, se em certas e felizes occasiões reper-
cutiam na capital do, impérioj nunca achavão desaggravo,
e nem excitavão a compaixão dos senhores do mundo.
Um ou outro governador e vice-rei administrou capi-
tanias no Brasil, cujo nome recorda a tradição com sau-
dade e commemora o povo pela justiça que distribuião,
excellencia de procedimento, maneiras urbanas, trato
delicado, dedicação ao serviço publico, e desejos que
mostrarão e providencias que empregarão para o bem
da sociedade e o desenvolvimento moral e material da
colônia. Foi, porém, o geral d'elles gente ignorante e
déspota, que espalhava o terror em derredor de si, e
que se recolheo para o reino locupletada de riquezas e
fortunas extorquidas e roubadas, e da maldição dos po-
vos, que tinha avassallado e martyrisado.
Apezar, porém, dos sustos que acabrunhavão os mo-
radores das capitanias, e das novas perseguições e tor-
mentos com que contavão publicando as suas opiniões a
respeito dos actos de prepotência que praticavão os go-
vernadores, e expondo perante a corte de Lisboa as suas
queixas amarguradas, tantos erão os malefícios commet-
tidos e violências perpetradas por elles, que cedia o medo
1
No Pará e no Maranhão se derão estes factos. Nem as ordenações do
reino existião! (J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do Ma-
ranhão.)
— 152 —
á desesperação, esquecião-se os perigos, sacrificavão-sc
as pessoas. Deparão-se ainda hoje innum^aveis queixas
dos subditos da colônia nos arcbivos do conselho ul-
tramarino, e que, posto não fossem attendidas1, pertur-
bavão, todavia, sempre a quietação das autoridades de
Lisboa, e incommodavão algumas vezes o somno dos mi-
nistros do reino. O tribunal, a que nos referimos, se vio
obrigado a pedir ao throno providencias contra os abu-
sos que na colônia praticavão os seus delegados. É no-
tável a memória que elle dirigio em 1752, na qual pinta
sob cores carregadas o lamentável estado do Brasil, a
oppressão dos povos e as extorsões, que se commetlião
contra os seus bens e propriedades, e manifesta temores
que se exasperem os ânimos dos subditos, pereão estes o
amor á metrópole e se lancem nos braços de nações
estrangeiras2 Conseguio o marquez de Pombal pear al-
gum tanto as arbitrariedades dos governadores das capi-
tanias 3 Organisou instrucções para os novos nomeados,
em que enumerando e recapitulando, em linguagem
enérgica, as corrupções e prevaricações de alguns que ha-
vião dirigido a administração das colônias*, ep exemplo
1
J. F. Lisboa (Apontamentos para a historia do Maranhão) refere
muitos requerimentos o queixas que encontrou no exame dos papeis exis-
liMitcs no airhivo do extineto conselho ultramarino de Lisboa.
* Consulta de 1752, relator o conselheiro Rodrigues da Costa, pu-
blicada na Revista trimensal do Instituto Histórico e Geographico do
Brasil.
» Varirtiagen, Historia geral do Brasil, tomo Io.
4
liislriteções dadas a José de Vasconcellos e Souza, despachado go-
— 153 -
que davão para que, como elles, se desmandassem as
autoridades subordinadas e inferiores, cujos excessos e
arbítrio se não podião tolerar, lhes marcava os deveres e
moderava o poder1 Com o desapparecimento, porém,
da scena politica deste varão distincto e abalisado, vol-
verão os dias de provação para as capitanias americanas.
R$âtabelecêrão-se as praticas e tradições de violência, e
abafárão-se os germens de desenvolvimento e prosperi-
dade, que brotavão espontaneamente do solo, e anciavão
abrir-se á luz do dia e aos raios da civilisação, que co-
meçava a inundar a atmosphera, e a fazer caminho pe-
las frestas mais apertadas do absolutismo retrogrado e
desmoi alisador», que tentava renascer no reino.
1
Cartas regias, alvarás, avisos, provisões, decretos, e assentos da casa
da supplicação de Lisboa.
2
Em 1565 admittido e mandado executar pelo cardeal D. Henrique
durante a menoridade de D. Sebastião; ratificado"por este soberano apenas
tomou conta da administração. Algumas nações catholicas aceilárâo-no
com modificações; outras o recusarão inteiramente.
Marechal do exercito no tempo de Pombal.
4
Esta legislação compunha-se de muitos reginwntns c disposições
esparsas.
— 157 —
1
Entre varias disposições a respeito, vejão-se as cartas regias de 28 de
agdslo de 1758, de 20 de outubro do mesmo anno, de 18 de junho de
1761, c de 4 de févereird de 1777;
— 159 —
nas comarcas que lhes estavão designadas. Para melhor
assegurar a moralidade dos magistrados, devião os ca-
<|£dos ter comsigo suas mulheres', e' não podião os sol-
teiros exercer os cargos de juizes de orphãos2; era-lhes
igualmente prohibido casar nos districtps de suas juri-
$$jges, sob pena de suspensão, perda de emprego e re-
messa para a corte5
... Aos bispos, vigários geraes e da vara, e provisores,
cabia a jurisdicção administrativa e judiciaria, que tinha
caracter espiritual ou ecclesiastico, conforme o Concilio
de Trento. Formavão primeira instância em alguns ca-
sos, que podião subir para a segunda instância da rela-
ção metropolitana da Bahia*. Em vários objectos erão as
suas decisões definitivas. Actualmente ainda vigora esta
kgislação no novo império5
Residia na Bahia o arcebispo primaz, de quem erão suf-
fraganeos todos os demais bispos da colônia americana,
com excepção dos do Pará e Maranhão, que prestavão
sujeição ao arcebispo de Lisboa. Região-se as dioceses
pelas constituições que lhes erão outorgadas no acto da
sua creação ou logo posteriormente, e que em geral se
assemelhavão, sendo primeira em data a da Bahia. Além
1
Carta regia de 3 de fevereiro de 1615.
4
Alvará de 22 de novembro de 1610.
5
Carta regia de 27 de março de 1734.
* Estabelecida em 1667. *
5
Lei brasileira de 20 de outubro de 1823, e decreto de 3 de novem-
bro de 1823.
— 160 —
do arcebispo , tinhão bispos o Maranhão2, Pernambuco.',
1
!
Idem, idem.
8
Instrucções ao visconde de Barbacena, governador e capitão-general
das Minas, em 1788; publicadas na Revista trimensal do Instituto Histó-
rico e Geographico do Brasil.
— 166 —
e aos representantes do calholicismo, cuja base é a hu-
mildade, e thesouro o amor e a victoria do céo sobre os
instinctos humanos, devesse animar o espirito mercantil
e interesseiro. Nem guardavão as apparencias, que pelo
menos os não desmoralisão inteiramente, posto não es-
capem ao Ente Supremo, que sobre tudo e todos vela
com incessante cuidado. Para excitar os que encontras-
sem no seu animo vocação para a vida écclesiastica,
ordenou D. Pedro IIo que fossem nas capitanias providos
de preferencia em todas as agilidadesr e benefícios os
filhos de nobres e militares, que tivessem servido no
Brasil1, e, mais tarde, que a estes mesmos se preferis-
sem os naturaes do paiz, que tomassem ordens/sacras e
seguissem a carreira da Igreja2. ? •
Nem só os ecclesiasticos que no mundo «ecular vivião,
senão também os religiosos enclaustrados, procedião de
maneira irregular e reprovada, e consideravão-se isentos
da jurisdicção civil, e autorisados para commetterení
attentados contra os direitos e propriedades dos subdi-
tos particulares, e para menosprezarem as autoridades
e as ordens do governo. Convertião os seus conventos
em asylos de criminosos. Recusavão pagar os dízimos
pelas terras que possuião. Incommodavão os moradores
de sua vizinhança. Fugião ás obrigações que andavão
inherentes á sua instituição. Mister foi também ao go-
4
Carta regia de 3 de junho de 1668.
2
Carta regia de 18 de dezembro de 1683. — Alvará das faculdades
de D. Maria I*
— 167 —
verno-empregar o seu poder em rcfrea-los e cohibir-lhes
os abusos. Prohibio-se a fundação de conventos novos
no Brasil. Fixárjio-se condições para a entrada de adeptos
e noviços. Designou-se o numero dos frades que deveria
contar cada uma das ordens1 Não se permitlio que na
capitania das Minas se estabelecessem conventos. Negou-
se a entrada de frades nos distrietos auriferos c diaman-
tinos, posto fossem elles mendicantes2 Declarárãa-sc
extinctas as ordens monasticas que se não applicassem á
conversão do gentio, que era ofim-primariode sua ins-
tituição, e transferidos os seus conventos aquellas que
cumprissem de feito os seus deveres3. Acabou-se com o
abuso dese dar dentro dosclaustros asyloaos criminosos;
tornárão-se competentes as autoridades civis para perse-
gui-los no interior das cellas, prende-los e tira-los para
fora4. Ordenou-se que os ouvidores demandassem os
conventos pelos dizimos dos fructos da terra, que devião
á fazenda publica, e que os governadores não concedes-
sem mais sesmarias ás ordens enclaustradas, e nem con-
sentissem que para o futuro ellas adquirissem dos parti-
culares propriedades territoriaes sem que realizassem o
pagamento prévio dos dizimos5
Tão complicada era na colônia a organisação da admi-
1
Varnhagen, Historia geral do Brasil.
s
Varnhagen, Historia geral do Brasil. — Vieira do Couto, Memória
sobre as minas.
3
Carta regia de 4 de março de 1745.
* Carta regia de 15 de março de 1687.
5
Carta regia de 27 de junho de 1801.'
— 168 —
nislração da fazenda como na metrópole. O erário for-
mava a repartição e tribunal superior. Presidido pelos
governadores, compunha-se do chanceller das relações,
do intendente da marinha, do procurador da coroa e do
escrivão da marinha. Substituía o ouvidor á falta do
chanceller. Pinhão nelle prender-se as repartições su-
balternas de fazenda ; as alfândegas, que tinhão por
chefe um ouvidor; as casas do trem,. dirigidas porcu-
tro; a intendencia da marinha; a provedoria da moeda,
e as mesas de inspecção, fundadas nos quatro portos
principaes da colônia1, das quaes fazião parte doutf
membros nomeados annuãlmente pelo commercio e la-
voura, e cujas-funcções se reduzião ao exame, divisão,
classificação e designação da qualidade dos gêneros," que
sepretendião exportar para o reino. Nos terrenos de-
marcados como auriferos2 existião casas próprias para
a fundição d'este metal, sob a administração de um in-
tendente, que a funcções judiciarias ajuntava a fiscali-
sação do serviço e a cobrança dos impostos respectivos3
O dislricto peculiar dos diamantes subordinava-se a ou-
tro intendente, revestido de attribuições quasi absolu-
tas, e dispensado de prestar obediência aos próprios"
governadores4.
1
Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão.
2
Minas, São Paulo, Goyaz, Bahia e Malo-Grosso.
3
Decreto de 28 do janeiro de 1758.
4
Regimento de 1750. Mais adiante, quando tratarmos dos diamantes,
seremos mais explicitos.
— 169 —
" Era tão rigorosamente executado o systema de cen-
tralisação administrativa, que todos, dos mais elevados
aos minimos empregados públicos, devião prestar con-
tas em Lisboa. Só no reino se pagavão as dividas de au-
sentes e de finados sem testamento, ou que, havendo
testado, não apparecessem ou não fossem conhecidos da
autoridade local os.herdeiros instituídos, devendo arre-
cadar-se os bens pelos respectivos provedores, e remet-
ter-se o seu producto para a metrópole1. Recebião todos
os empregados regimentos minuciosos e casuisticos,
mais difficeis de entender-se por esta mesma circums-
tancia, e mais susceptíveis de interpretações arbitra-
rias, o que levava os executores, pelo medo de errar, á
pratica ^escandalosa de, decidir, não pelos diclames da
justiça e-pelas normas da jesquidade, mas pelo rigor do
fisco, e pelos escrúpulos favoráveis sempre á fazenda
publica, e contrários aos interesses e direitos indivi-
dnaes.
A péssima escolha, que. em geral fazia o governo da
metrópole, de empregados para as repartições do Brasil,
accpmmodando nos seus cargos os favorecidos da for-
tuna antes que os homens de mérito, entrava como
principal razão nos vexames que soffrião os moradores
das capitanias sempre que tinhão negócios a tratar com
os agentes da administração. Estabelecêra-se desde o
principio da colonisação este systema, prejudicial ao
1
Regimento dos provedores de defunctos e ausentes já citado ante-
riormente.
— 170 —
credito e dignidade do governo e aos interesses do povo.
Mem de Sá, segundo governador-geral, que residio na
Bahia, queixava-se já naquella epocha, a um ministro
do reino, que fossem os empregos e officios nas capita-
nias dados a quem os pedia, sem que se examinassem
os merecimentos e qualidades dos>pretendentes1
Permittio-se ao principio que nas capitanias se effec-
tuassem as arrematações dos contractos de suas rendas
particulares. Parece que a própria metrópole reconhe-
ceo a prevaricação dos seus subordinados officiaes^
quando mudou de systema^ e deliberou que a praça; c
celebração d'estes contractos se praticasse em Lisboa,
sem exceptuar nem uma imposição ou direitos, por me-
nos importantes, e peculiares que fossem ás locali-
dades. **'"*
Tudo em fim nas colônias dependia da metrópole.
Para poder advogar, carecia o pretendente que lhe vies-
sem do reino as licenças e provisões. Para regressar
para os domínios europeos de Portugal, precisava o
subdito de mandar buscar a Lisboa um passaporte.
Para conseguir uma isenção do recrutamento, uma
baixa no exercito, ainda nas condições legaes, nem uma
1
« Lembro a Vm. (dizia elle) o perigo em que todas estas capita-
a nias estão pela sua má ordem e pouca justiça. S. A. dá as capitanias
« c officios a quem lh'os pede; sem exame se os merecem. Tomo a Deos
<i por testemunha que faço mais do que posso. A mercê que lhe peço é
« que haja li?ença de S. A. para me poder ir; que não parece justo que,
« por servir bem, a paga seja terem-me degradado em terra de que tão
« pouco fundamento se faz. » (Varnhagen, Historia geral do Brasil.)
— 171 -
1
J. F. Lisboa (Apontamentos para a historia do Maranhão) cita
alguns factos. — B. da Silva Lisboa (Annaes da província do Rio de Ja-
neiro) aponta o de Salvador Correia de Sá e Benavides, a nomeação de
Agostinho Barbalho Bezerra, c oulros#
2
0 de Roque da Costa Barreto particularmente, art. í°, 7o e 57; o de
André Vidal de Negreiros, e t c , etc. (Collecção dos regimentos.)
3
J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do MaraÊião.
* Por varias vezes levarão ao governo de Lisboa representações a res-
peito.
— 177 —
1
meado , estabelecendo que em casos semelhantes com-
pareceria pessoalmente o governador no senado da câ-
mara, para, de accordo com ella, tratar dos negócios
públicos,
Podem haver opiniões diversas a respeito das causas,
que criarão a exhorbitancia d'estas prelenções e dos actos
praticados pelas câmaras. Contrarião-se os autores que
atem notado e conhecido2 Damos por nossa parte mais
peso á força das circumstancias, ás emergências das si-
tuações, ao deleixo dos próprios governadores emquanto
pensavão não affectar-lhes realmente o poder esta inva-.
são inaudita d'elle, e por fim ás violências e altentados
que elles, por sua parte, commettião, e que excitavão
por vezes explosões populares e movimentos anarchicos.
Verdade é que desde que deixarão os governadores e câ-
maras de marchar de accordo, e que a tolerância des-
tes cessou diante da expansão d'aquellas, creárão^se con-
1
B. da Silva Lisboa, Annaes do Rio de Janeiro. Foi na occasião em
que depoz esta câmara o governador Salvador Correia de Sá e Benavides,
e nomeou para o substituir Agostinho Barbalho Bezerra, a quem obrigou
a assignar um compromisso que continha entre varias condições esta que
enunciámos.—Monsenhor Pizarro, Memórias históricas do Rio de Janeiro.
— Varões illustres do Brasil durante os tempos coloniaes, na vida de
Salvador Correia.
2
J. F. Lisboa (Apontamentos para a historia do Maranhão) é dos
escriptores mais interessantes a respeito. 0 Dr. Martins (Memória sobre
o melhor methodo de escrever a historia do Brasil, publicada na RevistaK
trimensal do Instituto Histórico e Geographico do Brasil) pensa que
concorreo para este elemento municipal o systema de milícias, que favo-
recia o espirito turbulento dos moradores das capitanias e os exaltava a
revoltas freqüentes, etc.
12
— 178 —
flictos sérios, apparccêrão luctas e desordens, e rebentou
a anarchia nas praças publicas. Não raras forão as con-
demnaçpcs a exilio e á morte que se cumprirão nas colô-
nias por estes motins. Mostrava-se o povo turbulento; era-
o porém só na appareneia. Aplacava-se com facilidade
quando encontrava resistência e energia nos governado-
res. Muitas desordens se terminavão, e volta vão as cou-
sas ao estado normal, com providencias brandas da
corte, com a vinda de um governador ou autoridade
nova, ou com a publicação de uma lei que tratasse do ob-
jecto que causava a excitação dos ânimos. Conlentavão-
se então os povos e as câmaras, se não havião levado
avante as suas pretenções, de mandar procuradores ao
reino quefizessemouvir suas vozes c aggravos, ou nas
cortes durante o tempo em que funecionárão, e para
o que tinhão direito *, ou perante os soberanos quando
aquellas cessarão de ser convocadas. Admira ás vezes a
linguagem rude e pretenciosa que alguns d'elles empre-
garão nos seus memoriaes e representações. Um Manuel
Guedes Aranha, nomeado procurador da câmara da ci-
dade de São Luiz do Maranhão, emiltio, em 1685, pro-
posições que se não coadunão com as idéias da epocha,
ao passo que requeria que se determinasse que não po-
dião ser as câmaras chamadas em corporação a palácio
*
1
Algumas câmaras do Brasil tiverão procuradores nas cortes portu-
guezas. Nas de 1641 tomou assento Francisco da Costa Barros, enviado
pela do llio de Janeiro, e capitulou as queixas e necessidades d'esta capi-
tania. (B. da Silva Lisboa, Annaes do Rio de Janeiro.)
— 179 -
dos governadores, c que fossem estes obrigados a compa-
recer pessoalmente no senado d'ellas sempre que tives-
sem necessidade de ouvi-las *
Não podia a corte permittir mais longa invasão das
câmaras nos negócios da administração, que estavão in-
cumbidos aos seus agentes directos e officiaes, e menos
que a estes se faltasse com as deferencias e respeito de
quecarecião para oecuparem os postos mais elevados das
capitanias. E como a força vence sempre, forão as câma-
ras acurvadas por fim aos governadores, e providencias
se tomarão d'ahi por diante para se pôr cobro á continua-
ção dos seus desmandos. Prohibio-se-lhes convocar jun-
tas, chamar governadores ao senado, recusar-se á con-
vocação que elles lhes endereçassem para em corporação
comparecerem em palácio, desobedecer-lhes cm quacs-
quer ordens que lhes remeltessem, cumprindo-lhes ape-
nas replicar-lhes respeitosamente/quando as consideras^
1
Esta representação, com o titulo de Papel político sobre o estado
do Maranhão, foi descoberta em manuscripto por J. F. Lisboa, que a pu-
blicou nos seus Apontamentos para a historia do Maranhão. Citamos
dous trechos para servirem de prova ao que avançámos acima ;
« Se os governadores representão as pessoas reaes, as respublicas (ca*
« maras c senados) representão os primeiros governos do mundo. »
« Chama o direito ás câmaras guardas e vigias da lei, por serem os
« verdadeiros membros das respublicas formadas dos cidadãos e bons
« homens que os povos elegem por suas cabeças para cm tudo que pdde-
« rem terem por officio melhorarem o serviço de Deos e o dos seus pnti-
« cipes, e o bem commum. Sem as taes guardas e leis, é impossível per-
« manecer uma cousa sein outra. Menos logo pôde permanecer estado
« aonde os que havião de ser guardas são opprimidüs. »
— 180 —
sem illegaes, executando-as todavia se.elles insistissem
nas suas deliberações, e dando então conta ao governo
de Lisboa, para que este providenciasse como o enten-
desse de justiça1
Com o andar dos tempos e multiplicadas e graduaes
determinações da metrópole, perderão as câmaras.a
maior parte das funcções de que se havião apossado, e
se reduzirão, á semelhança das do reino, á expressão
simples de corporações locaes e.circumscriptas nos li-
mites traçados pela legislação geral vigente.
Como as câmaras das cidades do Rio de Janeiro, deSào
Luiz do Maranhão, do Pará, de São Paulo, de Pernambuco
e da Bahia, estavão revestidas, e igualmente os morado-
res dos seus termos, dos privilégios e foraes concedidos
á câmara e moradores do termo do Porto, cumpre-nos
agora examinar o valor e importância d'estes favores.
Entre as graças isoladas2 que algumas obliverão da
munificencia regia, e varias são de magnitude, notão-se
as que permittírão que as câmaras de São Luiz do Ma-
ranhão e de São Paulo não podessem ter officiaes que
não fossem naluraes das capitanias3, que algumas outras
fossem compostas de numero igual4, e que a do Rio de
1
Cartas regias de 4 de dezembro de 1677 c 12 de agosto de 1693, e
outras do século XVIIIo.
2
O titulo de leal á câmara do Rio de Janeiro, e outras qualificações
com que a honrara a coroa.
Provisões de 25 de julho de 1745 c de 4 de março de 1747.
* Varias provisões e avisos de 1747 c seguintes, citados por J. F. Lis-
boa, Apontamentos vara a historia do Maranhão.
— 181 —
1
Erão os que tinhão direito de usar. de espada com bainha de velludo,
terços dourados, punhos de fio de ouro, vestimentas de seda, pedras e
metaes, como signaes honorificos de sua nobreza. (Sentenças da casa da
supplicação do I o de fevereiro de 1582 e de 10 de dezembro de 1588.)
2
J. F. Lisboa, Apontamentos para a historiado Maranhão.
3
Provisão de 8 de maio de 1705, explicando o que erão os peões.
4
Carta regia do Io de julho de 1490.
5
Entrão neste numero os nascidos de ventre livre e libertos de còr.
— 185 —
1
Cartas regias de 1° de julho de 1490 c 4 de novembro de 1596, alvará
de 18 de janeiro de 1611, e provisão de 27 de abril de 1736.
— 184 —
por fim supprimidos, cassados, e sujeitos á disposição
commumi
Não deixavão as eleições de câmaras de ser turbulen-
tas, e disputadas com vigor e acrimonia. Os moradores
incluídos nos pellouros nomeavão os eleitores, e estes os
quatro officiaes da corporação. Disputavão os partidos a
victoria de suas listas reciprocas. Embargavão e protcs-
tavão, conforme lhes convinha ou entendião a legalidade
do processo electoral. A campanha de 1707, no Rio de
Janeiro, foi das mais tormentosas de que reza a chronica
das capitanias do Brasil. Forão levadas á presença do
soberano representações dos nascidos no reino que resi-
dião nesta cidade contra os naturaes da terra, que em-
pregarão fraudes e violências para que não entrasse nem
um d'elles no numero dos eleitores e officiaes da câmara.
Não conseguirão provimento, porque pretendião que
votassem os peões portuguezes não inscriptos nos pellou-
ros, a que com razão se oppozerão os naturaes, que for-
mavão a maioria da nobreza2,
Bastante desfavorecida era portanto a classe dos
peões, sujeita ao recrutamento para o exercito e armada
e ao serviço das milícias e ordenanças, obrigada a dar
pousadas e cavalgaduras aos empregados, emissários,
correios do governo, e aos soldados da tropa de linha.
1
Instrucções de 24 de janeiro de 1775.
2
Estas representações achão-se impressas na Revista trimensal do
Instituto Histórico e Geographico do Brasil. Reinava D. João Vo, e a
decisão do governo foi dada em vista das leis e foracs.
— 185 —
Esta condição de pousada affectava mais particularmente
os moradores em relação á tropa. Dava motivos para
perigos sérios no seio das familias, que se desmoralisa-
vão com o conlacto de soldados pela maior parte pro-
vindos das massas ínfimas da população, e que não pro-
fessavâo princípios de respeito e de consideração civil.
Tornára-se tão odiosa e repulsiva, que muitas represen-
tações e queixas do povo e das câmaras1 se dirigirão
para a metrópole, em epochas differentes e diversas oc-
casiões, supplicando a graça de serem alliviados de obri-
gação tão funesta aos bons costumes e á paz e credito do
lar doméstico, e de ser ella trocada por outra que menos
offendesse as pessoas, ainda que mais lesasse os inte-
resses das fortunas particulares. Respondia-lhes sempre
e constantemente o governo de Lisboa que era necessá-
ria a tropa, prestava muitos bons serviços á causa pu-
blica, e devia ser portanto tratada da melhor maneira
nas suas possessões ultramarinas2 Aproveitando-se os
peões da aptidão que lhes concedião as leis para occu-
parcm empregos públicos, conseguirão postos de milícia
e de ordenanças, e distincções honoríficas que os elevavão
em jerarchia social; e mais ainda das riquezas que ac-
1
Forão publicadas algumas d'estas representações, particularmente a
da câmara do Rio de Janeiro, na Revista trimensal do Instituto Histórico
e Geographico do Brasil.
2
Monsenhor Pizarro, Memórias históricas do Rio do Janeiro. —
J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do Maranhão. — B. da Silva
Lisboa, Annaes do Rio de Janeiro. — Revista trimensal do Instituto His-
tórico e Geographico do Brasil.
cumularão pelo commercio e pela industria, e que os
lornavão procurados pela classe nobre, que lhes abria as
casas, consentia em consórcios e allianças de família
que os misturavão; conseguião paulatinamente mudar
de classe, c á sua geração, nivelar-se em privilégios
com a camada superior, c partilhar todos os direitos que
lhes asseguravão os foros e leis do tempo, dcsappare-
cendó a pouco e pouco as rivalidades que causarão por
vezes luctas armadas e uma lalqual guerra civil cm al-
gumas capitanias da colônia1
De todas, as mais malavenluradas da terra erão de
certo as classes dos degradados e judeos. Afastados de
todos os cargos e empregos públicos, notados de infâmia,
os primeiros pelos seus crimes, e por seu sangue e raça
os segundos, podião-se considerar os verdadeiros pariás
da sociedade colonial. A esta ultima pertencião os chris-
tãos novos, que procedião, na voz geral, de Mouros ou
judeos, e que erão olhados com desprezo, até ódio, pelo
resto da população. As idéias supersticiosas, as determi-
nações e actos dos tribunaes da Inquisição, que mostra-
vão timbre em persegui-los, e a desconsideração com
que os tratava o governo, derão origem c desenvolvi-
mento a esta separação e á animosidade por ella causada.
Nunca se estabelecco no Brasil tribunal da Inquisição.
Delegou porém o Santo Officio os seus poderes na colônia
1
Varnhagen, Historia geral do Brasil.
2
Cerca de quinhentos Brasileiros- forão queimados pela Inquisição
de Lisboa durante o século XVIIIo. Cita o historiador Varnhagen os
nomes de mulheres de setenta e oitenta annos, crianças de treze a vinte
annos, e t c , etc.
3
Antônio José da .Silva (entre outros), afamado poeta cômico, ainda
hoje tão estimado pelo seu gênio c espirito. Nasceo no Rio de Janeiro
em 1705; foi queimado em Lisbca no auto de fé de 1759. (Varões illus-
tres do Brasil durante os tempos coloniaes.)
— 188 —
do que os naturaes do reino l Felizmente acabou o mar-
quez de Pombal com os preconceitos públicos, fez desap-
parecer a classe dos christãos novos, e fundio-a por suas
deliberações2 nas demais classes a que devião perten-
cer segundo as suas habilitações e qualidades.
Opinião errada é que o Brasil se povoou de degrada-
dos. Tiverão os donatários, nos primeiros tempos da
conquista, poderes amplos para do reino transportarem
degradados para a colonisação das terras que lhes forão
repartidas. Declarou-se o Brasil couto e homizio de cri-
minosos, para assim attrahir para ali a população de Por-
tugal. Ou pelas ordens do governo, convites dos donatá-
rios, ou espontaneamente, agrupárão-se na colônia
nascente muitos infelizes e reprobos que fugião por este
modo a castigos e perseguições na metrópole. Não se
admittio mais todavia remessa de degradados para o
Brasil do meiado do século XVIIo em diante. Permittio
apenas a coroa que os tribunaes podessem, por senten-
ças individuaes, condemnar a degredos nestes lugares
os réos que considerassem mais sujeitos á emenda do
que os que devião seguir para os presídios da África,
que se reservarão para os incorrigiveis. Mesmo assim,
e apezar de se excluir a todos elles dos empregos públi-
cos, e de serem notados de infâmia, para não gozarem
1
Damião de Góes, entre outros. (Lopes de Mendonça, Vida de Damião
de Góes.)
- Carta de lei de 25 de maio de 1753, acabando as qualificações e deno-
minações de christãos novos.
— 180 —
da maior parte dos direitos civis e se não confundirem
com as outras classes da população, raras forão as sen-
tenças que designarão o Brasil para que nelle cumpris-
sem degradados a sua penalidade1 A' proporção que a
sociedade colonial foi ganhando vida própria, e adqui-
rindo certa importância pelo seu commercio, costumes e
crescentes progressos, começou a oppôr-se á recepção
de degradados, a reclamar contra sua remessa, a provar
que os não comportava mais o adiantamento dos seus.
moradores. As suas manifestações, por vezes enérgicas,
levarão o governo portuguez a tomar as providencias que
mencionámos2, e a ordenar por fim em 17I_ 5 que se
não degradasse mais pessoa alguma para o Brasil, e nem
para a nova colônia do Sacramento. Tratou mesmo de
agglomerar e concentrar os que ainda exislião nas capita-
nias em pontos de fronteiras internas do Malo-Grosso e
Amazonas, povoando-as por este feitio, e abrindo-lhes
praça nos corpos de linha.
Não ha desar algum em que fossem degradados os
primeiros povoadores das capitanias. E só a verdade que
nos leva a restabelecer o facto tantas vezes repelido e
1
J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do Maranhão.
* J. F. Lisboa, nos seus Apontamentos para a historia do Maranhão,
cita o facto de lavrar-se nos assentos de vereança de São Luiz do Ma-
ranhão, de 25 de maio de 1685, termo de queixa por ter vindo duas de-
gradadas das ilhas, que por seus vicios erão prejudiciaes, requisitando-se
ao vigario-geral que ordenasse o cumprimento de suas sentenças em lu-
gares mais internados da capitania (tomo 11°).
3
Decreto de 28 de março de 1712.
- 190 —•
adulterado pela ignorância. Forão, hão degradados tal-
vez, salteadores c crim nosos todavia os que fundarão
povoações c cidades importantes do mundo que adquiri-
rão posterior renome, c se celebrizarão pelas virtudes c
feitos honrosos de seus habiladores. Não passou Roma,
ao principio de sua existência, de um covil de ladrões,
que ali se acoutavão e asylavâo, fugindo das sociedades
.então já assentadas, e sahindo de seus antros escondidos
para acommcttcrem c depredarem a vizinhança, e rouba-
rem-lhe até as próprias mulheres. E que nação ousa
emparelhar-se em gloria aos descendentes de Romulo c
Remo? Qué historia apparece de tão palpitantes c dra-
máticas emprezas, de qualidades tão nobres e recom-
mendaveis publicas e privadas, de civismo, dignidade c
brios tão aprimorados, e de acções tão agigantadas, he-
róicas e immorredoras?
Convém acrescentar ainda que se não devem conside-
rar os Portuguezes condemnados a degredo, durante as
eras a que nos referimos, sob o ponto de vista odioso
que a ideia parece trazer comsigo, e que actualmenlc
annexamos aos crimes que sujeilão os seus autores a
uma pena igual cm infâmia á pena de morte. Era a le-
gislação portugueza, na sua parte criminal, uma das
mais duras e cruéis da Europa. Fora redigida nos tem-
pos dos Felippes de Caslella. Impregnava-se do bnrba-
rismo hespanhol, que não cedia as lampas ao rigor
dos Dracos da antigüidade. Epocha excepcional, que
presenciou o absolulismo c a superstição no gráo mais
— 191 —
exagerado de que dá noticia a historia, marchando toda-
via de accordo para dominar e subjugar vontades, espí-
ritos e consciências á subserviência mais desmoralisa-
dora! Basta que se lancem os olhos para o livro quinto
das ordenações de Portugal, e a mais justa indignação
absorverá qualquer outro sentimento do leitor. Na phi-
losophia do direito penal não encontra defesa plausível
a enormidade dos castigos em relação aos delictos. Estes
mesmos sahião da alçada até onde pôde chegar b legislador,
para entrarem nos domínios que affeclão mais o intimo
da consciência, c contra que não devem as sociedades
civis estabelecer penalidades. A mais de duzentos e cin-
coenta casos, ou crimes especificados, estende-se a pena
do degredo, como se fora castigo commum ou simples-
mente correccional. Incluem-se a sodomia, bestialidade,
•alcoveitaria, mollicie, abraçar e beijar, dar casa para
couto, vender qualquer homem ou moço alfeloas e
obreias, que era só officio de mulheres, adivinhar, lan-
çar sortes, ver em água, "espelho, cryslal ou espada
para achar fortuna, fazer e usar de feitiçarias, e muitas
outras acções inconvenientes, e que offendem apenas o
credito e qualidades individuaes. Mandava-se que se
abrissem devassas ex officio e geraes no mez de janeiro,
para que se descobrissem e se punissem os perpetrado-
res de semelhantes actos, tão estigmatisados pela legis-
lação, que os elevava á altura de crimes horrorosos, e
punia com as penas mais infamantes que encontra o
espirito humano. Devemos persuadir-nos que os tribunaes
— 192 —
moderavão, no exercício de suas attribuições, o rigor
das penalidades, e usavão de equidade nos julgamentos c
de indulgência nas decisões. Se cumprissem á risca os
preceitos legaes, ser-nos-hia preciso acreditar que quasi
toda a população de Portugal fora condemnada a degredo,
e admirarmo-nos de como ainda no reino se conservava
povo.
Os verdadeiros elementos da colonisação do Brasil
forão expedições militares que se enviavão para conservar
ou ganhar territórios, casaes de colonos do continente
c ilhas dos Açores que o governo promoveo por muitas
vezes1, e miseráveis e vadios que acompanharão os pri-
meiros habitádores atrás de fortuna e de meios de vida,
e, depois de assentado o núcleo colonial, a emigração
espontânea, que começou a affluir para as capitanias
desde que, vegetando pobremente no lavrar das terras
da metrópole, eempregada dentro do reino sem amais
pequena esperança de futuro, senão prospero, pelo me-
nos garantido, vio que além dos mares, em possessões da
mesma raça e língua, lhe fulguravão meios mais rápidos
de adquirir bem-estar e riquezas. Conseguião salvar-se as-
sim os,povos da metrópole á penúria. Augmentou c
1
Visconde de São Leopoldo, Annaes da província de São Pedro do
Rio-Grandc do Sul. — J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do
Maranhão. — Documentos manuscriptos do conselho ultramarino. — A
colonisação da ilha de Santa Calharina, por exemplo, foi assim promovida
por Alexandre de Gusmão, escrivão da puridade de D. João Vo. (Varões
illustres do Brasil durante os tempos coloniaes.)
— 193 —
desenvolveo-se a tendência para esta corrente de emigra-
ção quando se fundou o trafico de escravos africanos,
que erão os instrumentos que os Portuguezes acharão
mais azados para os coadjuvarem nos seus inlentos. To-
mou proporções vastissimasjTèdni o descobrimento de
minas de ouro e de diamantes, que por sua natureza
excitão a ambição c a cubiça humana, e exaltarão os es-
píritos em Portugal de modo tão assustador para o pre-
juízo do reino, que não poude conservar-se o governo
insensível e de braços cruzados diante do espectaculo de
despovoaçâo que começou a ganhar raizes e a inquietar
os ânimos de todos.
Parlio de Lisboa para o Brasil, em novembro de 1709,
uma frota de não menos de noventa e sete navios, com-
boiada por oito embarcações de guerra 1 Ia atulhada de
emigrantes. De todos os pontos de Portugal, que se permit-
tia communicar com as capitanias americanas, seguião
constantemente para o mesmo destino innumeras famí-
lias, que preferi ão trocar a pátria europea pela terra
que lhes acenava de longe e convidava com as suas ri-
quezas.
Comprehendeo o governo metropolitano a necessidade
de oppôr diques a esta espantosa emigração. Creou então
o systema de passaportes, sem os quaes a ninguém foi li-
cito sahir do reino c das possessões portuguezes2'. Não bas-
1
Vide Consultas do conselho ultramarino (manuscriptas).
Decretos de 26 de novembro de 1709 e de 19 de fevereiro de 1711.
15
— 194 —
tando ainda esta providencia, que facilmente se nullifi-
cava pela facilidade da obtenção, promulgou a lei de 20
de março de 1720, com que prohibio a concessão de pas-
saportes para o Brasil, mormente á gente do Minho, que
para ali se dirigia em quantidade1 Especificou os casos
em que devião, depois de rigorosa averiguação judicial í>
ser elles concedidos ás pessoas que fossem despachadas
com governos, officios, postos e cargos, sem criados toda-
via mais do que os que competissem a cada um segundo
as suas qualidades c emprego3: aos ccclesiaslicos que ti-
vessem de seguir para os seus destinos, como bispos,
missionários, prelados, e religiosos das religiões do'
mesmo estado4 .professos nasprovincias d'elle, aos capel-
lães de navios que para ali navegavão, e aos seculares que
justificassem com documentos queião fazer negocio con-
siderável com fazendas suas ou alheias, para voltarem, ou
aos que justificassem também que erão chamados por
negócios tão urgentes e precisos que se lhes seguiria
muito prejuízo se não lhes acudissem" Para se cum-
prirem exactamente estas disposições, eslabelecêrão-se
buscas a bordo dos navios no momento em que levanta-
1
Ipsis verbis da lei citada.
- Ipsis verbis da lei.
3
Impressa no tomo VIIo da Revista trimensal do Instituto Histórico e
Geographico do Brasil. Exprime-se assim esta consulta : « Por este modo
— 196 —
o regresso para o reino d'aquelles que o abandonassem.
Pensou-se que, perdendo a esperança de poder voltar,
não partiria da metrópole tão grande copia de gente, e
que, por outro lado, não volvendo ricos os que sahírão
pobres do reino, menos se excitaria o animo dos que as-
piravão ganhar fortunas que não vião com os seus
olhos. Deliberou-se que só do governo da metrópole se
podesse obter passaportes para sahir das capitanias do
Brasil; e particularmente em relação ás mulheres, foi
expressamente vedado que voltassem para o reino, salvo
no caso de serem casadas e de acompanharem os seus
maridos, quando a estes fosse facultada a volta. Consti-
tuía-se assim um systema de bloqueio, do qual se espe-
rava colher maiores vantagens, e que era de certo intolerá-
vel para os subditos, que não podião seguir de uma para
outra possessão da sua própria nação sem que sé lhes
concedesse um passaporte; e era este necessário sempre
que nova viagem emprehendião"; e qualquer que fosse a
distancia em que estivessem da metrópole, e a facili-
dade de communicações para poder corresponder - se'
com ella, só em Lisboa, e directamente do rei, conse-
guirião obte-lo, gastando annos e pedidos até que se
satisfizessem os seus desejos. Fatal engano que arrasta
1
De 28 de maio de 1557.
1
Simão de Yascfcncellos, Chronica da companhia de Jesus.
3
Norberto Silva, Aldeias do Rio de Janeiro.
* Varões illustres do Brasil durante os tempos coloniaes. — Conego
Fernandes Pinheiro, Os Jesuítas no Brasil. - Joly, Hisloire des Jésuites.
— 202 —
cruéis e exílios prolongados. Exigiâo os padres o cum-
primento das leis*, que adrnittião o captiveiro dos ín-
dios no caso único de serem tomados em justa guerra,
feita por ordem d'el-rei, e não a capricho dos próprios
governadores, e menos dos habitantes da colônia. Só o
braço forte do marquez de Pombal poude conseguir re-
frear os Portuguezes da America, que ousavão atacar as
mesmas aldeias de gentios catechizados, para os reduzi-
rem á escravidão, quando lhes faltavão tribus nômades,
ou por mais afastadas e internadas, ou por mais barba-
ras e bellicosas2 A lei de 6 de junho de 1755, execu-
tada com a vontade enérgica do seu autor, terminou por
uma vez com as pretenções dos moradores : restabeleceo
e firmou a liberdade dos gentios, restituio-a a aquelles
sque a tivessem perdido por qualquer motivo, e marcou
assim uma era memorável nos annaes do estado do Bra-
sil. Já- o alvará de 4 de abril d'esfe mesmo anno havia
declarado que não haveria infâmia no casamento de
brancos com gentias, e que os maridos guardarião a no-
4
São infinitas as leis portuguezas a respeito dos gentios do Brasil. Se
bem modificadas umas pelas outras em questões menores, tendião todas a
estabelecer o principio da liberdade dos indigenas. Notaremos entre ellas
a de 20 de março de 1570, a de 50 de julho de 1609, a de 10 de setem-
bro de 1611, o alvará de 10 de novembro de 1647, a provisão de 9 de
abril de 1655 alterando a lei de 17 de outubro de 1653, e a lei do 1° de
abril de 1680.
2
Entre os factos praticados na colônia, memora-se com razão os ata-
ques dos Paulistas contra as missões de Guayra, que elles desbaratarão
completamente. (Padre Techo, Historia Paraquarise. — Funez, Historia
civil y política dei Paraguay, etc.)
— 205 —
1
Ao passo que a metrópole, levada sempre pelo principio de que erão
livres os índios, sustentava por este modo os casamentos que com elles
contractassem os Portuguezes, desapprovava publicamente os contrahidos
com a raça preta da África. A portaria de 6 de agosto de 1771, dirigida
ao vice-rei, mandou dar baixa a um gentio que se casou com uma preta,
porque cahia a raça em infâmia neste caso.
8
Relatório de Luiz de Vasconcellos, vice-rei. — Revista trimensal do
Instituto Histórico e Geographico do Brasil.
r
' Carla regia de 20 de março de 1668.
— 204 —
1
trarios Recommendava-se que fossem tratados huma-
namente, baptisados, confessados, casados e enterrados
segundo os ritos da Igreja catholica2, Facilitava-se a sua
liberdade, marcando os casos em que a poderião adqui-
rir 5 , e a sua transferencia de uns para outros senhores
quando se provavão malefícios ou perigos sérios que im-
possibilitassem o captiveiro sob o mesmo dominio4 In-
felizmente umas disposições offendião as outras : alguns
avisos e alvarás revogavão princípios valiosos. Resultava
da contrariedade das deliberações tomadas uma confu-
são nas leis que se consideravão vigorar, de modo a
perpetuar alguns vicios que gera o captiveiro, e que se
extirparião quando methodica e regularmente fossem
combatidos.
1
Item, e carta regia de 25 de fevereiro de 1669.
2
Carta regia de 17 de março de 1693.
5
Varias leis, que recommendão aos juizes toda a equidade em favor da
liberdade. (Leis extravagantes.)
4
Carta regia de 20 de março de 1668.
SECÇÃO IV
1
Balbi, Statistique du Portugal et du Brésil.
— 207 —
vidos pela cubiça do ouro, e que abandonavão não só a
metrópole, como as demais capitanias, que não possuião
minas aifriferas. Dava-se-lhe o numero de 611,000 al-
mas. Seguião-se-lhe a da Bahia, com 550,000; a de
Pernambuco, com 480,000, e a do Rio de Janeiro, com
580,000. O Maranhão, São Paulo e Pará constituião a
segunda classe. Espalhava-se o resto da população pelas
outras capitanias em que estava o paiz repartido. Com-
prehende-se neste calculo tanto os indivíduos reunidos
em sociedade civil como as tribus dispersas dos gentios,
que se perdião pelos bosques e terras interiores, cuja
estatística se .percebe.quanto devia ser incompleta. Não
excederião as pessoas livres,a um milhão de habitantes.
Haveria de escravos cerca de um milhão e quinhentos
mil. Em quinhentos mil se poderião calcular os gentios
catechizados e aldeiados, e os selvagens errantes.
Já era então a cidade do Rio de Janeiro a mais popu-
losa do Brasil. Data o seu principal incremento não só
da importância política que ganhou pelos negócios de
guerra e diplomacia que chamarão todas asattenções do
governo para as bandas do sul da colônia, em constante
luetae crises permanentes pelo seu contacto com osdomi-
nioshespanhoes, senão também por constituir o porto ma*
ri limo da rica capitania das Miiias. Segundo os cálculos
olficiaes1, constava ella, no anno de 1805, de 50,144
habitantes, incluindo 2,500 praças de I a . linha do exer-
1
Monsenhor Pizarro, Memórias históricas do Rio de Janeiro. — Re-
i
- 208 —
cito, e 800 vagabundos, seminaristas, e frades e freiras
enclaustrados em S. Bento, Carmo, Santo Antônio,
Ajuda e Santa Theresa. Cento*e vinte seis casas de ne-
gocio de todas as classes fazião o commercio em grosso
e a varejo com o interior e o exterior. Não passavão os
seus limites da Lapa, do campo de Santa Anna, e dos
morros da Conceição e Vallongo.
A cidade da Bahia, se bem que mais antiga, e primeira
capital do Brasil, apresentava apenas uma população
de 45,600 almas, incluindo 2,000 praças de Ia linha
do exercito, e 1,500 vagabundos, seminaristas, frades e
freiras enclaustrados. Tinha setenta e seis casas de ne-
gocio de todas as classes, e oecupava mais a beira do mar
do que as alturas dos morros, por onde depois preferio
estender-se1
Vinha em terceiro lugar a cidade do Recife, edificada
pelos Hollandezes quando senhores de algumas capitanias
do norte, e que pela sua prosperidade offuscou e deixou
muito atrás de si a cidade de Olinda, que Duarte Coelho
Pereira, donatário da terra, fundara como capital do seu
feudo. Não passava a sua população de 50,000 almas,
incluindo tropa, população enclaustrada, vagabundos c
1
Depois marquez de Paranaguá, poeta e mathematico. Com a inde-
pendência do Brasil voltou para o Bio de Janeiro, occupou o cargo de mi-
nistro e foi senador do império. Nasceo no Bio de Janeiro em 1769.
8
Sebastião da Bocha Pitta, autor de uma excellenté Historia do Brasil,
nasceo na Bahia em 1660. (Varões illustres do Brasil durante os tem-
pos coloniaes.)
5
Nasceo no Rio de Janeiro em 1748. (Varões illustres do Brasil du-
rante os tempos coloniaes.)
— 215 —
Alvarenga , Gregorio de Mattos2, Cláudio Manuel da
1
1
Nasceo em Minas (Brasil) em 1758. (Item.)
8
Nasceo na Bahia em 1655. (Item.)
' Nasceo em Pernambuco em 1695.
4
Nasceo em São Paulo em 1750.
5
Minuciaremos apenas três: Fr. Francisco de São Carlos, autor do bello
poema Assumpção da Virgem, e orador sagrado distincto, nascido no Rio
de Janeiro em 1.765 (Varões illustres do Brasil durante os tempos co-
loniaes) ; Fr. Francisco de Santa Theresa de Jesus Sampaio, pregador
afamado e eloqüentíssimo, nascido no Bio de Janeiro em 1778; padre
Januário da Cunha Barbosa, nascido no Rio de Janeiro em 1785, littcrato,
político, poeta, creador do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro.
— 216 —
tiluição e gosto dos litteralos por academias e asso-
ciações litterarias. A' da historia portugueza, creada no
reinado de D. João Vd, seguírão-se muitas sociedades
particulares, que tomavão ás vezes titulos exquisitos,
procurando assim imitara maneira dos Italianos. Ten-
tou-se por vezes no Rrasil seguir o exemplo da metró-
pole. Houve governador, como o marquez de Lavradio,
que consentio que se installasse a sociedade philosophica,
e proseguisse em seus trabalhos. 0 conde de Rezende^
porém, prohibio-lhes as reuniões, fez prender e proces-
sar os principaes membros que as frequentavão. Parece
que se declarava guerra decidida ao desenvolvimento do
espirito e á propagação das idéias nas capitanias, que
supportárão o governo dos que só descortinavão perigos
no derramamento das luzes do espirito.
Pelo anno de 1707 estabeleceo-se uma officina typo-
graphica no Rio de Janeiro. Tolerou-a Gomes Freire de
Andrade, um dos mais nobres caracteres de governado-
res que commemorão os annaes da colônia. Publicou
alguns opüsculos de minima importância1. Sabido porém
o facto em Lisboa, ordenou logo a corte que se destruísse
a officina, e se não permittissem mais iguaes estabeleci-
mentos no Brasil2
E notável esta opposição do governo de Portugal a
1
Relação da entrada que fez o bispo D. Fr. Antônio do Desterro
Malheiros. — Collecção de onze epigrammas, etc.
2
Antônio Ribeiro dos Santos, Memória sobre as origens da imprensa
nos domínios de Portugal, publicada na collecção das Memórias da Aca-
demia P,eal de Scíencias de Lisboa, tomo VIII».
— 217 —
tudo o que tendia a illustrar e esclarecer as suas colô-
nias. Apresenta um contraste curioso com as demais
nações europeas que possuião igualmente domínios ul-
tramarinos. Não falíamos já da Inglaterra, cujas colônias
do norte da America gozavão de um governo quasi ao
instar do seu, com largos desenvolvimentos dos elemen-
tos da liberdade e da descenlralisação administrativa.
Nos primeiros annos do século XVIII9, grande nu-
mero de typographias se espalharão; pela Virgínia,
Maryland, Pensilvania e Massachussets. Circulavão em
1771 cerca de vinte e cinco periódicos, cuja leitura
alimentava o espirito dos colonos e propagava a civilisa-
ção. A própria Hespanha, cujo jugo de ferro pesava tal-
vez mais duramente nas suas possessões americanas do
que o do governo portuguez na colônia do Brasil, dava
entretanto aos povos d'ellas ^instrucção mais variada e
«uccnlenta, e dispensava-lhes os meios de adquiri-la com
maior facilidade. Fundou universidades em algumas ca-
pitães dos seus estados coloniaes, para o fim de genera-
lisar os altos estudos. Lima, Caraccas, Valparaiso, Santa
Fé e México possuião escolas de ensino superior! Tolerou
que em 1801 se estabelecessem typographias em Buenos-
Ayres, que derão vida a dous periódicos1 Outra se in-
troduzio emMontevideo em 1807, e novo diário appa-
receo com o titulo de Estrella do Sul *. Não conseguio
1
0 Telegrapho mercantil e o Annuario da Agricultura. — Luiz
Domingues, Historia Argentina.
* Attribue-se aos Inglezes, quando se apoderarão d'este ponto. — Luiz
Domingues, Historia Argentina.
— 218 —
todavia o Brasil crear a sua primeira typographia (não
tratando da que havemos referido, e que foi destruída
por ordem do governo da metrópole) senão em 1808,
depois que na antiga colônia se estabeleceo a sede da
monarchia. Data só de então o primeiro periódico que
possuio, pequeno em formato, publicado duas vezes por
semana, e sujeito a uma censura rigorosa, que apenas
lhe permittia dar ao publico noticias estrangeiras e actos
officiaes1. Conhecião-se em 1821 três únicos periódicos
publicados no Brasil2 Fora entretanto Portugal uma das
nações que aceitou e introduzio a imprensa logo na sua
invenção, pelos annos de 1464 a 1465 *, e permittio que
levassem os jesuítas para Goa e Japão typographias, que
ali se fundarão pelo fim do século XVIo
Não se pôde fazer idéia da difficuldade das communi-
cações que soffrião as capitanias entre si para se corres-
ponderem mutuamente. Como no reino, pertencia a
administração do correio a particulares, que gozavão de
privilégios que lhes concedera o governo. Depois da
abolição que se effectuou na metrópole * de um monopo-
1
A Gazeta do Rio de Janeiro. — L. Gonsalves dos Santos, Memórias.
— Visconde de Cayrú, item.
8
A Gazela do Rio de Janeiro, a Idade de ouro, e o Patriota, de-
dicado á litteratura. — Memória de Souza Martins sobre a imprensa no
Brasil, publicada na Revista trimensal do Instituto Histórico e Geogra-
phico Brasileiro.
3
Antônio Ribeiro dos Santos, Memória sobre as origens da imprensa
nos domínios portuguezes, publicada pela Academia Real de Scíencias
de Lisboa na collecção dos seus trabalhos, tomo VIU*.
'' 0 correio constituía privilegio de uma familia. Comprou-o o governo,
— 219 —
lio tão mal desempenhado como o era aquelle, tratou
então a eorôa, no principio do século XIXo, de orga-
nisar um serviço para a correspondência particular,
ede costea-lo por sua conta. Obteve-se algum melhora-
mento na colônia, posto não satisfizesse cabalmente ás
necessidades publicas. Andava sujeito aos caprichos e
arbítrios das autoridades, que abrião e examinavão as
cartas que lhes parecião suspeitas, não offerecendo segu-
ranças e menos garantias aos moradores, que se vião
obrigados a empregar outros meios muito mais dispen-
diosos para se poderem communicar.
'Conservava Portugal nas capitanias do Brasil uma força
de primeira linha de certo superior ás necessidades do
seu governo na colônia. Além das tropas regulares que
do reino se rêmettião, e muitos erão os regimentos que
seguião inteirqs com as suas bandeiras e denominações \
com o recrutamento forçado, que se praticava da mesma
forma que no reino, se organisavão novos regimentos,
que de ordinário devião servir em capitanias diversas
d'aquellas em que se fàzião as levas necessárias. Não nos
foi possível colher ao certo o numero da força do exercito
que guárnecia as capitanias todas do Brasil. Apenas che-
gou ao nosso conhecimento o de algumas mais considera-
das. Existião no Rio de Janeiro três regimentos de infan-
taria, um de artilharia e um esquadrão de cavallaria,
1
Carta 28. A de n° 29, ao conde de Ericeira, repele as mesmas aceu-
Íações ao systema do governo portuguez por ter preferido a índia ao
Brasil, e commetter neste paiz destruições semelhantes ás que enumera.
— 220 —
sem no Brasil. Andava .porém tão erradamente o governo,
que ora especificava o producto para que levantava a
prohibição, ora limitava-o a certas regiões e circumscrip-
çõesterritoriaes. Algumas vezes declarava-o de monopó-
lio, e só concedia a sua industria a companhias incor-
poradas com o titulo de estancos. Em determinadas
occasiões reservava também para si o privilegio exclu-
sivo, e convertia-se em mercador e empresário.
Ao Analisar o século XVIIo, «omeçou-se a desco-
brir minas auriferas na colônia.:>•Não só excitou a
noticia d'este acontecimento espantoso desenvolvimento
de emigração para o Brasil, como também encheo de
júbilo o governo portugúe., por lhe haver deparado a
sua possessão americana o elemento, que considerava de
maior prosperidade para a nação. Tratou a mineração
do ouro, e posteriormente a extracção dos diamantes,
que mais tarde se encontrarão também na colônia, com
tão escrupuloso cuidado, que nas providencias successi-
vas, que çontinuadamente ia tomando para se assenho-
rear de todos os fructos d'estas industrias, contradizia-se
a cada momento, e causava ao thesouro e aos povos maior
somma de males do que benefícios.
Começaremos pelas producções agricolas, e rematare-
mos esta secção com um rápido esboço da historia e do
estado das minas, ao principiar o século XIXo.
Foi o assucar o primeiro e principal gênero da pro-
ducção e commercio da colônia. Deve-se a introducção
tia canna aos Cruzados, que em torrente se atirarão sobre
— 250 —
a Ásia para arrancar do poder dos mahometanos a posse
de Jerusalém e o túmulo de Jesus Christo. Trouxerão a
planta para a Sicilia e Chypro. No século XVo trans-
portárão-na os Portuguezes para a ilha da Madeira,
e os Hespanhoes para as Canárias. Passou ella d'estas
ultimas ilhas para São Domingos, México, Brasil e varias
partes da America, aonde propicios lhe forão o solo- e o
clima, e abundantes as colheitas. Foi a primeira a cul-
tiva-la no Brasil a. capitania de São Vicente, doada a
Martim Affonso de Souza1. Propagou-se d'ahi por todas
as demais capitanias. As vantagens que conseguio o go-
verno portuguez com o assucar extrahído d'esta planta,
c que no meiado do século XVIIo lhe deo lucros avan-
tajados2, obtendo nos vários mercados. preços que pa-
t
1
Monsenhor Pizarro, Memórias históricas do Rio de Janeiro. — Bispo
Azevedo Coutinho, Memória sobre o fabrico, commercio e preço do
assucar. Releva-nos aqui declarar que acreditamos errada a asserção de
Brito Freire, Historia da guerra brasilica, de que é natural a canna do
solo da capitania de São Vicente.
2
A exportação do Brasil checou em 1650 e seguintes annos, a 150 e
140 milhões de libras. (Relatório da commissão encarregada da tarifa
das afeandegas do Brasil, 1855.)
5
Pelos annos de 1650 e seguintes variava o preço entre 0 4 960 reis
e 10120 réis a libra. (Citado relatório.)
* A provisão do conselho ultramarino de 1785 revogou esta extrava-
gante providencia, a exigências do vice-rei marquez de Lavradio.
— 251 —
lou que não fossem executáveis judicialmente os engenhos
de assucar estabelecidos em algumas capitanias, em que
mais se cultivavam canna, por dividas menores da metade
do seu valor integral, com o receio de que, destacando-
se uma das outras partes das fabricas, se não destruís-
sem estas, que prosperavão unicamente com o complexo
das terras, casas, plantações, escravos, machinismos e
ütensis1. Es4enderão-se com o tempo iguaes favores a
outras capitanias, até que se tornarão geraes para o con-
tinente brasilico % e forão appliqaveis a todos os engenhos
da colônia. Determinou que outro producto que não fosse
assucar se nãopodesse extrahir da canna, ficando pro-
:
bibido na Bahia que sefizessecom o mel, vinho e aguar-
t."'
1
Alvarás de 23 de setembro de 1663 e 30 de abril de 1723. Provisão
de 22 de setembro 1758.
8
Alvará de 7 de julho de 1807.
s
Carta regia de,21 de fevereiro de 1647.
4
J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do Xaranhão, tomo IIo.
or.o
para onde d'ali o remeltia. Do meiado do século XVIo
até o começo do XVIÍ° figurava o Brasil como unia*
productor talvez do assucar *• que se consumia na
Europa. Em 1760- entrava ainda em primeiro lugar
entre as varias colônias que o cultivavão, mas já com um
terço apenas da totalidade do consumo3 Tornou-sé sen-
sível a decadência quando se augmentárão as plantações
da canna nas possessões ultramarinas da Hespanha, dá
Inglaterra e de outras nações, que procura vão melhor do
que o governo portuguez introduzir melhoramentos no
seu fabrico, afim de conseguir mais abundância e maior
perfeição e pureza do producto, a par de menores des-r
pezas e diminuição de braços que se empregassem1 nos
engenhos. Accresceo ainda uma razão poderosa para qué
no Brasil se diminuísse o cultivo; não que perdesse o
solo as propriedades nutritivas da planta, que nem um
outro, na opinião geral, o excede em uberdade apro-
priada; mas porque o descobrimento das minas de ouro
e diamantes destacou pessoas do seu serviço3, que pen-
savão enriquecer-se com mais facilidade e promptidão,
entregando-se á industria, que attrahe os espíritos è ex-
1
Relatório da com missão dos pontos das alfândegas do Brasil.
'- Relatório, já citado, da commissão das alfândegas do Brasil. Or-
çava a producção do assucar do Brasil por oitenta milhões de libras.
3
Das povoações marítimas do Brasil corrião tantos emigrantes para
capitania de Minas no intuito de se empregarem na mineração, queo co-1
ronel Accioli, nas suas Memórias históricas da Bahia, cita uma delibe-
ração do capitão-general D. Rodrigo da Costa, fundando presidios cujo
fim era apprehcndcr os escravos qüc pata ali se encaminhavão.
— 255 —
cita p geral das ambições, emquanto que os preços do
assucar baixavão progressivamente pela ooncurrencia das
Dolonias productoras •1. No anno de 1776 desceo a expor-
tação do Brasil a 46,860,000 libras, e importava apenas
em/5,7 do consumo total do mundo 2
vExistião no principio do século XVIIIo, nas três
.capitanias da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco,
que maior quantidade de assucar produzião, cerca de
aeiscentos e trinta e quatro engenhos moentes e corren-
tes*. Foi este numero em augmento até meiados do sé-
culo. Não podemos calcula-lo ao certo na epocha, de que
nos «jjçeupanios, parecendo-nos todavia provável que
em 1800 não havia menos de mil em toda a colônia4,
jlíoduzindo o gênero, que continuou a ser ainda por
muito $empo o primeiro e principal artigo da exportação
do Brasil, e. que de 1790 a 1806 conseguio rehabilitar-
se um pouco e tomar proporções esperançosas com a
revolução franceza, com os desastres e aniquilamento da
ilha de São Domingos, que constituia. um dos principaes
paizes da sua producção, e com as guerras geraes, que
abalarão o mundo por tanto tempo5.
Formava o algodão uma das plantas indígenas do Bra-
1
Em 1736 já os preços havião diminuído a 400 réis e 300 réis a libra,
em 1760 a 220 réis. De 1780 a 1788 regulavão por 100 réis e 120 réis.
Dictionnaire du commerce d'Ad. Blanqui.
3
André José Antonil, Riqueza e opulencià do Brasil, 1711.
4
Pizarro, Memórias históricas do Rio de Janeiro, etc.
3
O bispo Azevedo Coutinbo, na sua Memória já citada, falia lambem
cm froqucntes inundações que soffrêrão as colônias hespanholas, e fortes
— 254 —
sil, que se começou a aproveitar pelo conhecimento, que
já havia d'elle na Europa, e pelo útil emprego que se
dava á sua matéria. Fora na Hespanha cultivado no
tempo do dominio dos Mouros, que o sabião trabalhar
em fabricas, que havião estabelecido em Granada, Cor-
dova, Sevilha eValença. Desappareceo desde que se fun-
dou a unidade hespanhola e se expellírão os Mouros. Não
quizerão os christãos applicar-se á sua cultura por ser
planta de infiéis 1. Fornecia-o a Ásia, Smyrna e outros
pontos da Turquia, e as colônias hespanholas^francezas,
hollandezas e inglezas. Ao principio colhia-se apenas no
Brasil a quantidade precisa para o gasto do paiz. A falia
de numerário no Maranhão e Pará deo-lhe curso como
moeda, quer ém fio, quer em rama, durante algum
tempo, para solver>se assim as transacções mercantis1.
Pelo meiado para o fim do século XVIIIo principiou
a capitania da Parahyba do Norte a exportá-lo para
a metrópole, seguindo logo o seu exemplo Pernambuco,
Maranhão e Bahia. Espalhou-se o seu cultivo pelas ca-
pitanias de Minas, Rio-^e Janeiro, Goyaz, Ceará e Santa
Calharina. Já no anno de 1786 recebeo a Inglaterra de
Portugal, para o costeio de suas fabricas, cerca de dous
milhões de libras de algodão oriundo do Brasil8, que
furacões as inglezas, que por algum tempo lhes diminuirão a produeção,
com o que melhorou a brasileira.
1
Muchada, A Fazenda da Hespanha.
- J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do Maranhão. — Re-
latório da commissão das pautas das alfândegas do Brasil.
* Baley, artigo Colon, do Dictionnaire du commerce de Ad. Blanqui.
— 235 —
1
Manoel de Arruda Câmara, Memória sobre o algodão.
2
Mappas de importação do algodão em Inglaterra, publicados pelo
Correio Brasiliense. Em 1802 :
Dos Estados-Unidos da America do Norte. 26,296,750 libras
De Portugal, producçâo do Brasil. 11,480,280 —
Das colônias inglezas. 11,997,250 —
Das conquistas inglezas. 8,536,040 —
Das índias Orientaes. 2,751,200 —
De outros paizes, e t c , etc. 1,916,400 -
TOTAL 62,777,920 —
chel, État des colonies européettnes dans UAmérique, os quaes nos pare-
cem exagerados.
1
Antonil, Riqueza e opuleneia do Brasil, já citado.
Memória de Oudinot, traduzida e publicada no Auxiliador da In-
dustria nacional. Rio de Janeiro, 1840. — Silva Lisboa, Annaes.
— 237 —
dos meios de fortuna. No systema-, que adoptára a me-
trópole, de regulamentar todos os objectos e matérias
relativas ás suas possessões ultramarinas, não tardou em
prohibir o plantio de outra espécie que não fosse o branco
da Carolina.*Em 1772, lançou um bando no Maranhão
o governador Joaquim de Mello Povoas, comminando
penas de multa, cadeia, calceta e açoutes, segundo as
qualidades, contra os moradores que cultivassem o ar-
roz vermelho da terra 1 Cerca de cem mil sacos chegou
aWietter annualmente para o reino'a só capitania do
^ffaranhão2 durante o reinado de D. Maria Ia- Prestava-se
favoravelmente o solo para a sua propagação, e com fa-
cilidade extrema se procedia ao seu cultivo, colheita e
! preparo.
Posto secundários, constituião todavia ainda pbjectos de
valora canella, a baunilha, o cravo, o cacao, a salsaparri-
Iha, o assafrão, a copahiba, a noz moscada e a gomma
elástica, que as capitanias do norte do Brasil produzião
com abundância. O trigo e a cevada prosperarão na ca-
pitania do Rio Grande do Sul, aonde encontrão estações
favoráveis c solo apropriado. üWenvolveo-se o anil es-
pontaneamente, e propagou-se com facilidade pelos ter-
renos da capitania do Rio de Janeiro. Foi o dislricto de
Calo Frio a localidade de sua maior producçâo, exce-
1
J. F. Lisboa, Apontamentos para a historia do Maranhão. -
1
Balthasar da Silva Lisboa, Annaes do Rio de Janeiro. — Domingos
Vandelli, Memória sobre o arroz, publicada no tomo Io da Collecção das
Uemorias da Academia real de scíencias de Lisboa.
— 238 —
dendo mesmo á das margens do Allo-Amazonas. Avalia-
se a colheita annua que conseguião, e preparavam os
povos de Cabo Frio, em perto de quatrocentas fabri-
cas que possuião, entre cincoenta e sessenta mil libras',
ao passo que a exportação do Alto-Amazonas não passou,
em 1797, de 45,216 libras2. Erros administrativos cau-
sarão a sua ruina. Em Manaus levantara o governo uma
fabrica, cujos productos exportava por sua conta\ Nos
termos de Barcellos, Castanheira; Coriana e Loreto, da
capitania do Pará, e* no districto de Cabo Frio, aonde
os particulares exercião a sua cultura, não podião ellês
exportar directamente o fructo, que conseguião. Erão
obrigados a entrega-lo aos governadores, e recebião
por elle o preço que fixava a metrópole, para que esta
não encontrasse concurrencia no commercio da sua ex-
portação e venda. A impontualidade dos pagamentos
entra na primeira linha das culpas praticas dô governo,
devendo-se considerar como a principal o monopólio que
para seu interesse elle constituíra. Luiz de Vasconcellos
confessa no relatório com que passou ao vice-rei, seu
1
Monsenhor Pizarro, nas suas Memórias históricas do Rio de Ja-
neiro, calcula as fabricas de Cabo Frio em 206, e a producçâo do anil
em 48,000 libras, entretanto que Nicoláo da Silva Lisboa, nos seus
Annaes, eleva aquellas a 400 e a producçâo a 66,000 libras. O relatório de
Luiz de Vasconcellos, vice-rei do Brasil, declara que em 1787 havia
406 fabricas.
2
Baena, Compêndio das Eras do Pará. — Araújo Amazonas, Diccio^
vario topographico da comarca do Alto-Amazonas.
Baena, Compêndio das Eras do Pará. Foi fundada esta fabrica
em 1785. Produzio, nos annos de 1786 a 1799, 677 arrobas.
— 239 —
successor, o governo do Rio de Janeiro, que devia a fa-
zenda publica aos particulares, em 1786, a somma de
24,544^150 Rs. Tratarão depois os lavradores de falsifi-
car-lhe a qualidade, e adulterar os methodos da pre-
paração, de modo que ao governo não interessando
mais o monopólio, abandonou-o, e aniquilou-se assim
uma industria, que teve sua epocha de prosperidade e
promettia futuro lisongeiro.
O que succedêraao anil realisou-se igualmente com a
cochonilla, que, posto originaria do paiz, e anterior-
mente descoberta1, julgou todavia o vice-rei marquez de
Lavradio que mais acertado era mandar buscar á Ásia
planta de melhor qualidade, que se aclimatasse na co-
lônia. Foi a capitania de Santa Catharina o local escolhido
por este vice-rei para o seu plantio. Seu successor D. Luiz
de Vasconcellos transportou-a para o districto de Cabo
Frio. Algum desenvolvimento obteve. Como porém pros-
perar diante do monopólio, que da sua compra e expor-
tação se attribuio também o governo, fixando-lhes preços
a arbitrio2? Melhor sorte não conseguio a criação do bi-
cho da seda, que se encontrou vivendo nas folhas da ta-
1
Relatório do vice-rei marquez de Lavradio.
- B. da Silva Lisboa, Annaes do Rio de Janeiro.
3
Os rincões de Cangussú e Faixinal de Coireta.
4
Produzio no anno de 1807, 2170 arrobas e 26 libras, além de 305
arrobas de estopa e 102 alqueires de hnhaça. Visconde de Leopoldo, An-
naes das províncias de S. Pedro do Rio Grande do Sul.
5
O Patriota, jornal publicado em 1817 no Rio de Janeiro. Ao chan-
celler João Alberto Castello Branco deve-se a sua introducção no Bio de
Janeiro. Em 1800 exportárão-sc apenas 50 arrobas!
— 241 —
1
Cartas regias de 28 de fevereiro de 1690 e de 18 de janeiro de 1691.
* D. José Joaquim de Azevedo Coutinho nas suas Memórias im-
pressas.
'- Pelo anno de 1750, governando na capitania do Bio de Janeiro Luiz
Vahia Monteiro. Esta ordem do governador nem foi revogada, quando
era inteiramente contraria nos seus regimentos, por serem os sequestros
da competência única do poder judiciário.
16
242
1
Conlractando-sc nessa epocha o rendimento d'esle produclo, exa-
rou-sc no contracto a cláusula mencionada.
- Regulava a do Rio Grande do Sul em 560,000 couros; a do Rio de
Janeiro, que comprehendia a producçâo da capitania de Minas Geraes,
200,000; Bahia, 25,000; e igual quantidade o Maranhão.
3
A producçâo regulava annualmente cm um milhão de arrobas,
(Visconde de São Leopoldo, Annaes da província de S. Pedro do Rio
Grande do Sul.)
- • 243 —
1
Ipsis verbis da mencionada carta de lei.
— 249 -
cas de pannos grossos de algodão próprios para vesti-
menta de escravos, uma de cortumes estabelecida no
•Jlio de Janeiro, e outra de lona, que exsitia na capi-
tania da Bahia.
Para o governo de Portugal consistia a grande riqueza
do Brasil no ouro e nos diamantes, que lhe davão es-
plendidas vantagens, e de que cuidava com zelo e rigo-
roso escrúpulo. Existião por quasi todo o interior do
paiz vastas extensões de terrenos auriferos e diamanti-
nos. Data o descobrimento do ouro de \ 695 a 1696. Um
acaso deparou a mina de Jaguar, na capitania de São
Taulo. Cansados os seus povos das levas que fazião, e
com que atravessavão rios e desertos em procura de
gentios, que reduzião ao captiveiro, roubando-os ás mis-
sões fundadas pelos jesuítas hespanhoes sobre as mar-
gens e proximidades do rio Paraná, e aprisionando as
tribus nômades que encontravão, e ás quaes não pou-
pavão guerras cruéis, posto não autorisadas pelo go-
•ferno, trocarão a caçada d'aquelles infelizes pelas ex-
cursões em procura do metal precioso, que se tinha
descoberto, e atirárâo-se denodadamente para ns lados
da capitania de Minas Geraes, perfurando serras e es-
quadrinhando os leitos das águas para se locupletarem
com as riquezas que escondião. Incommodárão-se com
assaltos freqüentes dos gentios selvagens. Trucidárão-se
em luctas sanguinolentas e barbaras que entre si pró-
prios travarão. Encontravão-se bandos differentes mo-
vidos pela mesma ambição, e que se não ponpavão, para
— 21)0 —
que não fossem repartidas as riquezas que se descorti-
nassem. Formão estas excursões episódios dramáticos,
que o espaço nos não permiffc summariar, mas cuja»
reminiscencias guardão os lugares baptisados com o
sangue que os inundou, e com as scenas cruéis que se
representarão, e que cortão o coração l De todos os
ânimos se apoderou a cobiça do ouro. De toda a parte
correo gente, apenas lhe chegava a noticia de qualquer
mina nova que apparecia. Quantas vezes humilhou-se o
mesmo governo antes esses sertanejos audazes, que for-
marão no centro dos desertos como que um estado, sem
leis nem regulamentos, sem moral'nem princípios!
Ficarão impunes os crimes. Prcmiárão-se até os autores
de sublevações e homicídios, para que se conseguisse
allrahi-los e aproveita-los em beneficio do governo. Não
anhelava este por sua parte senão que produzissem as
minas a maior quantidade possível de ouro, que novas
veias lucrativas se explorassem, e que assim retirasse a
metrópole de terrenos, para que não applicára até então
os seus cuidados, a mais larga copia de riquezas.
De vagar e com geito poude por fim o governo domi-
nar os exploradores, restabelecer ordem e administração
publica nos povoações improvisadas j:or elles, impôr-
lhes o dominio da lei, e systematisar os trabalhos a que
se dedicavão, esforçando-se por imitar a partilha do leão
1
Monsenhor Pizarro, Memórias históricas do Rio de Janeiro. — Sou-
thcy, History of Brasil. — Beauchamp, Histoire du Brésil. — Ayres do
Casal, Corographia Brasilica, etc.
— 251 —
nos productos, que se arrancavão do seio da terra. Não se
jgQupárão graças honoríficas, foros de fidalguia e dis-
jpcções civis para os que se avantagávão nas emprezas
das minas. Não ha quadro que possa pintar ao vivo a
miséria dos desgraçados que, sob as apparencias de ri^
queza, se empregarão nojdesvio dos rios, nos rasgos das
montanha», no quebramento dos cascalhos e na colheita
do mineral, que não produzia para a maior parte d'elles
effeitos diversos aos que nota a fábula do famoso rei
3-idas.
Aparentava toda esta multidão pelo seu numero e
1
Mawe, Traveis in Brasil. —VonEschweg, Reisenin Brasilien. —
Vreir^ do Conto, Memórias, etc. Beauchamp exagera a quantidade ex-
trahida.
s
Um admirável discurso do padre Antônio Vieira, que pregou no Bahia,
pinta estes tnales de maneira inattingivel. « Quantos ministros mais e
quantos officiaes de fazenda, de justiça e de guerra, vos parece que havião
de ser mandados cá para a extracção, s,egurança e remessa dos metaes
preciosos? Se um só d'estes poderosos tendes supportado tantas vezes, que
. bastou para assolar o estado, o que farão tantos? Não sabeis o nome do
serviço real, contra a lenção dos mesmos reis *í|uanto se estende cá ao longe
c quão violento e insupportavel? Quantos administradores, quantos prove-
dores, quantos thesoureiros, quantos almoxarifes, quantos escrivães, quan-
tos contadores, quantos guardas no mar e na terra, e quantos outros officios
de nomes e jurisdicções novas se havião de crear e de fundir com estas
— 254 —
Já, em relação ao commercio da metrópole1, notámos
<{ue a quantidade de productos exportados para ella das
suas possessões americanas se orçava na somma de
Rs. 14,153,752^891, emquanto que recebera o Brasil
dos portos de Portugal Rs. 8,496,097^899 durante o
anno d e i 8062 Faltãò-nos dados para conhecermos a
importância das transacções interiores que t^ectuavão
xis capitanias, cujasJ)ahias e portos entretinhão£uma na-
vegação de cabotagem de alguma.importancia. Sabemos
apenas que no anno de 1807 entrarão e sahírão sete-
centos e três barcos da Bahia, e oitocentos e dez do Rio
de Janeiro,. Escapa d'esta particularidade um tal qual
viso de luz para se.avaliar o movimento das duas ca-
pitanias mais importantes da colônia, posto faltem no-
ticias a respeito das demais partes de que ella se com-
punha 8.
minas, para vos confundir e sepultar nellas? Que tendes, que possuis, que
lavrais, que trabalhais, que não houvesse de ser necessário para o serviço
d'cl-rei, ou dos que fazem mais que os reis com este especioso pretexto?»
(Sermões, tomo I°.)
1
Secção 5", livro 1°
- Adrien Balbi, Statistique du Portugal. Dividi-se esta somma pela
forma seguiente :
EXPORTAÇÃO I IMPORTAÇÃO :
1
J. F. Lisboa. Apontamentos para a historia do Maranhão. — Ins-
trur.ções do governo nos seus delegados, etc.
- D. José Joaquim da Cunha de Azevedo Continho, Memórias.
:
- Instrucções do governo portuguez ao governador e capitão-general
das Minas em 1797.''„ '-'-
— 257 —
Grande do Sul, Goyaz, Santa Catharina e Mato Grosso !
Tirava-se o resto das capitanias do Rio de Janeiro e Ba-
hia, que erão as mais importantes da colônia 2, e do
Maranhão, do Pará e das que ainda completavão a pos-
sessão portugueza.
Os impostos alfandegaes, eonhecidos sob differentes
nomes, entravão vantajosamente em linha de conta.
Além de quinze por cento sobre o valor da pauta, que
regularmente pagavão quasi todas as mercadorias im-
portadas nos portos da colônia, estabelecêrão-se direi-
tos addicionaes em relação a algumas, os quaes augmen-
tavão a receita. Sujeitavão-se a estes os vinhos, com a
denominação de grande e pequeno subsidio, os escravos
vindos da costa da África, o azeite doce, as aguasarden-
tes e o sal. Cobrava-se ainda um tributo sobre cada um
navio que entrava, pacote que trazia, escravo que tinha a
bordo, e passageiro que carregava. Sabemos que regu-
lava a receita arrecadada annualmente pela alfândega
do Rio de Janeiro3 em cerca de 250,000#000 reis, não
incluindo os addicionaes, que se arrematavão á parte *
Não devia distar muito d'ella a da cidade da Bahia, que
a seguia em importância. Incluidos todos os impostos
alfandegaes de importação, não parecerá exagerado o
1
Visconde de São Leopoldo, Annaes davrovincia de. São Pedro do
Bio Grande do Sul.
' Relatório de.Luiz de Vasconcellos, vice-rei. ,<
3
Monsenhor Pizarro, Memórias históricas do Rio de Janeiro.
* Varnhagen, Historia geral do Brasil, tomo IIo.
17
— 258 —
calculo, que elevar sua somma á —850,000#000 Rs.;
e acrescentados os que nas mesmas repartições se paga-
vão pelos gêneros exportados e de producçâo do paiz,
não estaremos muito longe da verdade orçando o rendi-
mento em cerca de 1,100,000#000 Rs.
Os objectos que se consumião na colônia, posto fossem
de procedência d'ella, não estavão isentos de impostos.
Pagavão as aguardentes, o tabaco, as carnes salgadas,
panno de algodão, e gados •vaccum, cavallar e muar.
Sobre este consumo diversificava o methodo do tributo,
conforme as capitanias em que se cobrava. A de Minas
Geraes além de todas as imposições, a que estava sujeita
a colônia, contribuía ainda com uma taxa1 sobre cada um
escravo que nella entrava, e cada um pacote de fazenda,
ou vinho e outros objectos que se introduzia no seu ter-
ritório 2 Era este imposto apellidado de contagem, e exis-
tiâo encarregados de sua fiscalisação registros estabeleci-
dos sem todas as entradas, os quaes importavão em uma
nova alfândega addiciohal. Verificou-se que rendião cerca
de 200,000#000 annualmente5. Sujeitava-se também esta
capitania á taxa da passagem dos rios, em que estabele-
cera o governo barcas e pontes, e, notada a grande quan-
tidade dos rios em que era cobrada, deve-se comprehen-
der que não devia ser diminuito o imposto *.
1
4 #800 réis cada escravo.
1
Variava o tributo segundo a importância das mercadorias.
3
José Vieira do Couto. (Calculo dos annos de 1768 a 1778.)
* Referião-se os rios Parahyba, Parahybuna, Preto, Paraopcba, Velhas,
— 259 —
1
Cada indivíduo pagava annualmente quatro oitavas e três quartos de
ouro. As lojas ordinárias dezaseis oitavas; as menores, oito. Somente os
crioulos menores de 14 annos, as escravas em geral, e os escravos de
serviço doméstico dos officiaes, e ministros, forão isentos d'este tributo.
(Varnhagen, Historia geral do Brasil, tomo IIo.) — Termo lavrado
em 50 de junho de 1755. •
8
Lei de 5 de dezembro de 1750. <*
s
José Vieira do Couto, Memória, etc.
— 264 —
zados lhe devião os moradores. Subio esta somma a mais
de setecentas arrobas em 1791', igual a metade de todo
o ouro não amoedado que se calculava circular então
naquella capitania, e mais da metade do que corria em
todas as demais do interior do paiz, aonde não era co-
nhecido outro meio circulante. No anno de 1799 poude
apenas receber de seu quinto trinta e oito arrobas, doze
marcos.e seis onças, perdendo assim mais da metade do
que por contracto lhe deveria pertencer2
Não foi a capitania de Minas Geraes a única em-que
se descobrirão e explorarão terrenos auriferos. Appare-
cêrão também nas capitanias de Goyaz e Mato-Grosso.
Por mais interiores porém, e em despeito das ambições
excitadasdospovos, pouco concorridas forão as minas-
d'estas duas capitanias, porque se considerarão, além
das distancias, menos rendosas, posto o governo ali or-
ganisasse igualmente o seu estado maior official para a
cobrança do quinto °. Os rendimentos da metrópole po-
dem-se calcular, neste ramo de receita, em cerca de cem
mil e duzentas arrobas de. ouro desde 1695 até 1804,
regulando uns por outros annos do século XVIIIo em cem
arrobas.
1
Varões illustres do Brasil durante os tempos coloniaes, tomo IIo.—
Vidas de Gonzaga, Cláudio Manoel e Alvarenga Peixoto.
1
José Vieira do Couto, Memória sobre as minas da capitania de
Minas Geraes.
Os quintos do ouro em Goyaz regularão em 1753 em cerca de duzen-
tas e vinte oitavas. (Patriota, periódico publicado no Rio de Janeiro
em 1817.)
— 26o —
Em relação aos diamantes, como já o vimos na secção
anterior, pretendeo a coroa o exclusivo da posse de quan-
tos se extrahissem das minas do Rrasil. O districto de-
marcado como diamantino formou uma área de forma
eliptica, cujo maior diâmetro de norte a sul comprehen-
dia doze léguas, e o menor de leste ao poente sete léguas.
Erão setenta e cinco léguas quadradas mais ou menos,
não se contando o leito, margens e taboleiros do rio Je-
quitinhonha até a sua entrada na capitania de Bahia, que
se incluio igualmente na demarcação V
Considerado ao principio aurifero este território, foi
convertido em diamantino, por se haver ali encontrado
esta pedra preciosa. Annullárão-se as datas anterior-
mente concedidas para a exploração do ouro. Formou-se
regimento para a sua administração2. Creárâo-se as au-
toridades que afiscalisassem.Prohibio-se o estabeleci-
mento de lojas e casas de negocio dentro das localidades
lavradas, e apenas um numero d'ellasfixadona distancia
de duas léguas.
Especificarão-se datas e sua arrematação ás pes-
soas mais idôneas, com a única preferencia dos primei-
ros descobridores, guardando a coroa para si as mais
1
O Jequitinhonha, periódico da cidade da Diamantina, numero de
23 de janeiro de 1861. Foi a demarcação feita em seis marcos: I o na
barra do rio Inhahy; 2° no córrego do Borges subindo o Jequitinhonha,
á uma légua acima da barra; 3° na Serra do 0.; 4o no morro das Ban-
deirinbas; 5° na penha Tromba d'Anta, e 6° nas cabeceiras do rio Pardo.
* Regimento da data de 26 de junho de 1730.
— 266 —
1
productivas . Podião nellas lavrar, empregando o nu-
mero de trabalhadores livres ou captivos que designava
a autoridade competente, e pagando por cada um d'elles
ao governo a quantia annua de quatro mil reis, em que
começou o systema, até quarenta mil reis, a que foi pos-
teriormente elevado. Cercárão-se e guarnecêrão-se os
caminhos que davão entrada no districto. Tornou-se este
uiaccessivel sem permissão do governo, quer para nelle
se penetrar, quer para d'elle se sahir. Fundou-se o ar-
raial do Tijuco como cabeça do districto, o qual se deno-
mina actualmente cidade da Diamantina. 0 intendente
dos diamantes veio para esta localidade estabelecer a sua
residência, afim de acudir depromptoa quaesqueremer-
gências e necessidades que reclamassem os seus officios
e justiça, como primeira autoridade constituída para os
negócios que affectassem esta administração, e para toda
a qualidade de pessoas que se achassem dentro dos ter-
renos demarcados. Os diamantes encontrados devião ser
levados ás autoridades do governo, que os pagavão por
preços fixados em tabellas preparadas para esse fim. A
pena de confisco de todos os seus bens, e de degredo para
a África, estava reservada aos particulares, que ou-
sassem compra-los, ou que fossem apanhados com elles.
Como em todos os ramos do serviço publico d'aquelle
tempo e governo, animava-se com prêmios a delação, e
1
a Ainda que, diz o regimento citado, algum ahi esteja minerando,
porque primeiro que tudo está ei rei nosso Senhor.»
— 267 —
1
Carta regia de 10 de julho de 1771.
— 26S —
Calcula um autor circumspectol que a quantidade dos
diamantes que comprava a coroa regulava annualmente
em cerca de duzentas mil oitavas. De 1772 em diante
regulou a colheita do qüinqüênio, por termo médio —
6,610 5j4 de oitavas2. Custava cada uma ao governo,
com as despezas que fazia para a suafiscalisaçâo,a quan-
tia de 100#000reis em estado bruto5 Recolhia-se a co-
lheita aos cofres de Lisboa, de onde remetlia, até 1807,
para a Hollanda, a mercadores com quem se estipulara
da venda, sempre que as necessidades de erário exigião
que se desfizesse a coroa d'elles. A ultima remessa que
a capitania de Minas seguio para o Rio de Janeiro, e
d'ahi para Lisboa, teve lugar no anno de 1805. Pesava
84,258 quilates, e embarcára-se em duas fragatas de
guerra, Minerva e Trilão, em conserva uma de outra*
Já minuciámos na secção anterior a somma em que se
orçava a quantidade total de diamantes que até o anno
de 1814 foi entregue á coroa5
Não erão ainda estes impostos os únicos que acabru-
nhavão a colônia americana. Mais cruéis existião do que
1
Monsenhor Pizarro, Memórias históricas do Rio de Janeiro. — Mawe,
na sua Viagem ao Brasil, diz que o produeto annuo do governo regulava
em 20 mil quilates.
2
Koster, Traveis in Brasil. — Southey, History of Brasil. — José
Vieira do Couto, Memória, etc.
5
José Vieira do Couto, Memória, etc. — Von Eschweg, Reisen in
hrasilien.
4
Periódico Jequitinhonha da cidade da Diamantina, numero de 22 de
março de 1862.
5
Mil e quatrocentas libras, segundo Mawe, Eschweg e Pizarro.
— 269 —
todos os que temos referido. Os que se denominavão dona-
tivos voluntários, e que por intervallos exigia o governo
da metrópole, com pretextfls diversos e applicaçíes dif-
ferentes, mas que na pratica erão só destigjgdos para o
fim de encher o vácuo exhaurido dos cofres públicos do
reino, excedem, pela sua originalidade, a comprehensão
e justiça humana. Devião ora applicar-se aos dotes dos
príncipes que se casavâo; ora á reedificação de Lisboa e
vários lugares que havia estragado o terremoto de 1750;
ora a resgatar os captivos christãos que se achavão em
poder dos Mouros da África, que não cessarão, durante
o século XVIIIo, de fazer excursões marítimas e de apri-
sionar e roubar os navios mercantes portuguezes; ora a
pagar á Hollanda empréstimos da nação que chegavão ao
prazo do vencimento; ás véus declarados com franqueza
para alliviar o erário de grandes empenhos quecontrahíra,
eaque, por honra e dignidade da coroa, se devia fazer
face, quaesquer que fossem os sacrifícios que praticas-
sem os povos das conquistas, aos quaes cumpria que coad-
juvassem sempre o reino nos transes arriscados. Publicava
a coroa a somma de que carecia, e com que devia contri-
buir a colônia em epochas marcadas. Designava o que cabia
a cada uma das capitanias, e ordenava aos seus delegados
que procedessem á derrama pelos moradores em propor-
ção de suas fortunas individuaes. Era sempre de notar
que promettia o governo, a cada novo imposto d'esta na-
tureza que fixava e requeria aos povos, que não seria elle
repetido, por confessa-lo extraordinário e summamfinte
— 270 —
pesado. Um d'elles subio a somma de 2:800:000#000,
pagavel no prazo de vinte annos. Coube á capitania da
Bahia satisfazer annualmente* a quantia de 40:000#000
de reis, á d^Rio de Janeiro 28:000#000 de reis, e ás de-
mais capitanias o restante. Era clara a linguagem com
que fallavão os governadores aos povos nestas criticas
conjuncturas. Não lhes fazião um pedido; não lhes diri-
gião uma supplica. Não mostravão sentimento em sobre-
carrega-los com ônus novos. «Sua Magestade (dizia um
d'elles, e era quasi igual e stereotypada a phrase de to-
dos) , como senhor absoluto, exigia dos povos da con-
quista um donativo voluntário para alliviar o erário dos
grandes empenhos\
Não forão os povos das capitanias os únicos que clama-
rão contra as extorsões cruéis com que os atormentava
constantemente o governo da metrópole sob o véo de im-
postos, que, por exagerados, tocavão ao extremo dos ri-
gores financeiros. Levantárão-se no próprio seio do reino
vozes generosas que manifestavão a justiça das suas
queixas, e que exigião que se pozesse termo a vexames
que damnificavão a nação inteira. Merece atlenta leitura
uma consulta do conselho ultramarino de 1752, na qual
se propõe a abolição de dez por cento mais com que se
sobrecarregarão naquella occasião os direitos que paga-
vão o fumo e os assucares exportados do Brasil. Esboça
1
João da Maia Gama, governador e capitão-general do Maranhão, em
officio á câmara municipal do São Luiz, citado por J. F. Lisboa nos Apon-
tamentos para a historia do Maranhão, tomo IIo
— 271 —
esta consulta um quadro tristonho do estado infeliz da
colônia, acurvadaá prepotência dos governadores, contra
a qual quasi que nem um remédio deparava, em razão
das distancias que precisava vencer para se cpmmunicar
com a metrópole, e do tempo que era mister gastar para
lhe chegarem as providencias, e expõem não soas impo-
sições ordinárias exageradas, senão também aos donati-
vos voluntários, que ao próprio tribunal parecião ini-
quosl.
1
Consulta do conselho ultramarino de 1752, assignada por Antônio
Rodrigues da Costa. Damos aqui alguns trechos em seguida :
« Os povos do Brasil (continuava o illustre conselheiro) estão grave-
mente tributados, e havendo-lhes crescido, de poucos rnnos a esta parte,
de dez por cento na alfândega todos os seus gêneros, que são assucares e
tabacos, se achão tão carregados neste reino, que absolutamente se dão
por perdidos, e o seu commercio de todo arruinado. A este encargo tão
grande se ajuntou de novo a contribuição de sete milhões para as despezas
dos casamentos de suas altezas; e esta quantia é tão excessiva, que nunca
nem a metade d'ella coube nos cabedaes da nação portugueza; nem os
Portuguezes souberão nunca pronunciar sete milhões, nem lhes veio ao
pensamento que podessem contribuir com esta quantia, ainda em muitos
annos.»
•« 0 senhor rei D. João IIo, (são ainda palavras do digno conselheiro),
fez um pedido ao reino para o casamento de seu filho o principe D. Af-
fonso, e esta foi uma acção d*aquelle rei que desluslra muito a sua me-
mória; e como o pedido foi excessivo, e os povos não devião essa con-
tribuição, porque só são obrigados aos casamentos .das filhas dos reis,
e não dos filhos, se altribuio á iniqüidade d'este tributo o successo fu-
nesto que teve aqúelle casamento, morrendo o principe da queda de
um cavallo, e exhalando os últimos suspiros na cama que lhe subminis-
trárão as redes de uns pescadores, e extinguindo-se neste principe a
linha legitima d'aqueüe rei. É sem duvida que os povos do Brasil gemem
com este novo tributo, e é contra a verdade dizerem os vice-rei e gover-
nadores que foi voluntário nelles o offerecerem com grande gosto,
- 272 —
Não é possível calcular-se ao certo a somma de rendi-
mentos que na sua totalidade cobrava o governo portu-
guez nas colônias americanas pelos impostos que lhe erão
1
Livro I*, secção 3".
* Balbi, Statistique du Portugal.
18
— 274 —
LIVRO PRIMEIRO
DECRETO
EO PRÍNCIPE REGENTE DE PORTUGAL PELO QUAL DECLARA A SUA IN-
TENÇÃO DE MUDAR A CORTE PARA O BRAZIL, E ERIGE UMA REGÊN-
CIA, PARA GOVERNAR EM SUA AUSÊNCIA.
SENHOR,
SENHOR,
NAVIOS.
Peças. Peças.
Principe Real, de 84 Affonso d'Albuquerque, de 64
Raynha de Portugal, de. 74 D. João de Castro, de. 64
Conde D. Henrique, de 74 Principe do Brazil, de. 74
Meduza, de. 74 Martin de Freitas, de. 64
FRAGATAS.
Curiosa, de. 12
289 —
SENHOR,
LIVRO SEGUNDO
1
Estas diversas prohibições e comminações, que já se haviam estabelecido no
alvará de 16 de setembro de 1608, foram renovadas no de 21 de fevereiro de
1720, e em outros muitos, bem como em quasi todos os regimentos dados aos
governadores em diversas epochas. J. F. Lisboa, Apontamentos..
— _96 —
1
A carta regia de 51 de janeiro de 1710 havia já determinado que se mandas-
sem para o reino todos os religiosos sem conventualidade, e todos os clérigos
sem exercício, que se achassem nas conquistas. J. F. Lisboa, Apontamentos.
— 301 —
E das seculares, alem das já referidas, só poderão ir as
que alem de mostrarem que são Portuguezes, justificarem
com documentos que vão fazer negocio considerável com
fazendas suas ou alheas para voltarem, ou as que outrosim
justificarem que tem negócios tam urgentes e precisos,
que se lhes seguirá muito perjuiço, se não forem acudir a
elles.
Só nestes termos, e depois de rigorosa averiguação judi-
cial se lhes poderá dar passaportes na secretaria de Estado.
Na hora da partida dos navios para o Brasil, e estando
elles já á vela, se lhes dará busca, e serão presos todos os
indivíduos encontrados sem passaporte, assentando-se praça
aos que tiverem idade para isso, e soffrendo os mais seis
mezes de cadea, e cem mil réis de multa. Os que não tive-
rem com que pagar a condemnação, serão degradados por
três annos para África. Os capitães dos navios em que as-
sim forem encontrados pagarão quatrocentos mil réis de
multa.
A' chegada dos navios ao Brasil, e antes de communica-
rem com a terra, repetir-se-ha a diligencia da busca; e
'quantos se encontrarem sem passaporte, e não pertencerem
á equipagem, de que haverá lista, serão remettidos para o
reino.
E porque estas providencias só de per si não bastão para
atalhar a passagem de gente para o Brasil, afim de as tor-
nar mais efficazes, ha el-rei por bem que metade daquellas
condemnações sejão para os denunciantes.
As mulheres não poderão voltar do Brasil para o reino
sem permissão d'el-rei, salvo as que tiverem ido com seus
maridos, as quaes poderão recolher-se cm sua companhia,
se elles mesmos obtiverem licença para isso. Os mestres de
navios que as conduzirem fora das circumstancias indica-
— 302 —
das ficâo sujeitos á pena de dous mil cruzados pagos da ca-
dea. (Alv. 10 março 1752, e Prov. 14 abril 1732, e 20 fe-
vreiro 1755.)
20
506
LOJAS DE OURIVES
O auctor não corrigio as provas d'este volume, e por isso não foi empregada a.
sua orthographia, usando-se escrever de modo diverso os pretéritos e os futuros
condicipnaes dos verbos, e collocar-se a lettra s em vez do z nas palavras Brasil,
Brasileiro, Paris, etc, etc.
Pag. 7, linha
15, em vez de nalma, leia-se n'a\ma.
-13, — 6, — postos, leia-se pontos.
-14, — 22, — reivindicar, leia-se reivindicarem.
- 16, — 4, — sem, leia-se nem.
- «, — 4, — que regia, leia-se que o regia.
- 17, — 9, — nem se, leia-se, não se.
-18, —14, — pouco a pouco, leia-se a pouco e pouco.
- 40, —15, — nalma, leia-se n'alma.
— 50, — 8, — em 1°, leia-se á 1.
- 51, —24, — deliberar, lia-se deliberarem.
- 56, — 25, — commetter, leia-se commettercm.
-61, —11, — A paz só, leia-se Só a paz.
- 70, —19, — tanto, leia-se tão.
— 80, —14, — navigação, leia-se navegação.
- 81, — 5, — emprehender, receber, leia-se cmprehenderem,
receberem.
- 85, 8, — maiore s, leia-se maiores.
- 93, — 6, — Havião, leia-se Havia.
— 316 —
Pag. 100, linha 21, em vez de formassem, leia-se formasse.
120, — 19, — Princesa, leia-se Principe.
120, — 21, idem, leia-se idem.
123, — 13, por Lisboa, leia-se em Lisboa.
123, — 16, á correr, leia-se em correr.
130, — 4, mais, leia-se demais.
132, — 0, Marapitaras, leia-se Marapitanas.
133, — 18, Papajóz, leia-se Tapajóz.
135, — 18, Hingú, leia-se Xingu.
136, — 2, a do Sergipe, leia-se as do Sergipe e Espirito
Santo.
136, 4, as do Espirito Santo e, leia-se a.
147, — 12, ouvir as auctoridades em, leia-se ouvirem as
auctoridades.
147, 26, informar, leia-se informarem.
167, — 11, aquellas, leia-se áquellas.
171, — 4, sejfo, leia-se fossem.
190, — 20, poder corresponder-se, leia-se se poderem cor-
responder.
205, — 2, Commercio. — Navegação. —Passaportes e Mili-
tares, leia-se Instrucção publica. — Socieda-.
des. — Força. — Militares.
208, — 22, população enclaustrada, leia-se indivíduos en-
claustrados.
228, 11, mas, leia-se suas.
241, — 10, salinas, leia-se salinas3.
241, — 20, colônias5, leia-se colônias.
2|9, — 10, Jaguar, leia-se Jaguára.
254, — 21, dividi-se, leia-se divide-se.
256, — 4. commetter, leia-se commetterem.
259, — 15, sem, leia-se em
261, — 5, outros que julgao affugentavão, leia-se julgão
alguns que se affugentavão.
269, 15, ás véus, leia-se ás vezes.
271. 7, aos, leia-se os.
ÍNDICE
DO PBIMEIBO TOMO
LIVRO PRIMEIRO
SBCÇÃO pniMEiaA. — Revolução de 1640. — Estado em que se achou a
-«Mção.— D. João IVo. — Hollandezes em Pernambuco. — D. Affonso VIo.
— Victorias no reino. — Perdas na Ásia. — Deposição do rei. — D. Pe-
dro II o . — Cortes. — Sua extineção. — Tratado de Methuen. — Guerra
na Hespanha. — D. João Vo. — 0 cardeal da Motta. — Inquisição. —
Alexandre de Gusmão. — D . José I o . — Marquez de Pombal. — Cúria
romana. — Inglaterra. — Christãos novos. — Gentios. — Jesuitas. —
Nobreza. — Providencias, etc. 8
SKÇÃO II. — D. Maria K — Seus soffrimentos e caracter. — Tratado*
de 1777 com Hespanha. — Tratado da liga da mesma data. — Dissi-
pação e incapacidade dos ministros. — Entrega a regência ao principe
D. João. — Guerra contra a França. — Humiliações da paz. — Des-
gostos domésticos. — D. Carlota Joaquina. — Soffrimentos do regente..
— Seu caracter, etc. 59
SECÇÃO III. — Estudo sobre Portugal no principio do século. — Terras.
— Nobreza, clero e povo. — Producçâo do solo. — Emigração para o
Brasil. — Recrutamento e milícias. — Commercio. — Cidades. — Esta-
tística de valores importados e exportados. — Quaes se referem ao Brasil.
— Importância da colônia sob este ponto de vista. — População de Por-
tugal. — Industria e fabricas. — Minas. — Organisação do exercito e
marinha. — Frades e freiras. — Administração política, judiciaria, ad-
ministrativa, ecclesiastica. — Justiças excepcionaes. — Desembargo do
paço. — Casa da supplicação. — Relações. — Conservatória dos Inglezes.
— 518 —
— Conselho ultramarino. — Erário. — Mesa da consciência e ordem. —
Santo Officio. — Nunciatura. — Patriarchal. — Direitos e garantias dos
subditos. — Estado dos estudos e instrucção publica. — Litteratura. —
Scíencias. — Rendimentos. — Despezas, etc. G9
SECÇÃO IV. — Regência de D. João. — Ukimalum de França c Hespanha*.
— Irresolução e procrastinação do governo portuguez. — Decide-se in-
completamente. — Invasão franceza. — Frojecto de transferir-se a sede
da monarchia para o Brasil. — Medidas para elle. — Descripção da par-
tida da corte, e entrada dos Francezes em Lisboa cm 1807. 97
LIVRO SEGUNDO
SECÇÃO PRIMEIRA. — Administração politica no principio do século XIXo. —
Poderes e obrigações dos governadores. — Divisão administrativa. —
Theoria e pratica do governo colonial. 131
SECÇÃO III. — Organisação da administração judiciaria, financeira, eccle-
siastica, militar. — Theoria e pratica. — Legislação, etc.. 155
SECÇÃO III. — Câmaras municipaes. — Foros e privilégios. —Luctas com
os governadores. — Foros e direitos dos cidadãos. — Classe existente na
sociedade. — Nobreza, peões, degradados, judeos, gentios, escravos, etc. 173
SECÇÃO IV. — População. — Descripção das principaes cidades. — Com-
mercio. — Navegação. — Senhores de engenho. — Instrucção publica
e particular. — Falta de imprensa. — Força militar. — Milícias e orde-
nanças. ,' 205
SECÇÃO V. — Productos. — Assucar, fumo, arroz; anil, algodão, ouro,
diamantes, madeiras, couros. — Industria, fabricas, etc. 227
SECÇÃO VI. — Receita e despeza do Brasil. —- Objectos de imposições. —
Legislação financeira. — Donativos voluntários. —- Contractos, privilé-
gios, estancos. — Apreciação dos ramos da despeza, etc. 255
DOCUMENTOS
Documentos do livro primeiro. 279
Documentos do livro segundo. 293
CORRECÇÕES. 5l5
DE B. L. GARNIER
A RIO DE JANEIRO
69, RUA DO OUVIDOR, 69
rs°2
DE B. L. GARNIER
RIO DE JANEIRO
69, R U A D O O U V I D O R , 69
Todos os livros mencionados neste catalogo poderáõ também ser mandados pelo correio
mediante o augmento de 15 °/° sobre o preço dos mesmos
N° 23
OBRAS PRINCIPAES
A BÍBLIA
SAGRADA
TRADUZIDA EM PORTUGUEZ SEGUNDO A VULGATA LATINA
ILLUSTRADA COM P R E F A Ç Õ E S
E DEPUTADO DA I1EAL MESA DA COMMISSÃO GERAL SOBRE O EXAME E CENSDIU DOS LIVKOS
SEGUIDA
E APPROVADA
SEGUNDO
RAPKAEL, LEONARDO DE VINCI, O TICIAHO, POUSSIN
H O R A C I O V E R N E T , M U R I L L O , VANLOO, E T C .
HISTORIA DO BRASIL
TRADUZIDA DO INGLEZ DO ROBERTO SOUTIIEY
0 R J. C. FERNANDES P I N H E I R O
RELIGIÃO
DE INSTRUCÇÃO, ETC.
-j* BARKER (ANTÔNIO MARIA). Compêndio da doutrina christãa, que, para se salvar,
deve cada um saber, crer e entender. 1 vol. brochado 2 4 000
— Compêndio de civilidade christãa, para se ensinar praticamente aos meninos.
1 vol. brochado 2 0 000
— Rudimentos arithmeticos, ou taboadas de sommar, diminuir, multiplicar e di-
vidir, para por ellas se ensinarem aos meninos pratica e especulativamente as
quatro operações dos números inteiros, com as principaes regras dos quebrados e
decimaes. 1 vol. brochado 2 0 000
— Sy llabario portuguez, ou Arte completa de ensinar a ler por methodo novo e
faál, 2 partes. . 4 0 000
Cada parte vende-se em separado. 2 0 000
— Bibliotheca juvenil, ou Fragmentos moraes, históricos, politicos, litterarios e
dogmáticos extrahidos de diversos autores e offerecidos á mocidade brasileira.
1 vol. in-8 encadernado. 2 0 000
-J- ESTUDOS SOBRE O ENSINO PUBLICO, pelo Dr. APRIGIO JUSTIMANO DA SILVA
GUIMAIIÃES. 2 vol. brochados. 7 0 000
— 7
GRAMMATICA DA LINGUA ITALIANA, seguida de algumas observações por»
ordem alphabetica, por FALLETTI. 1 vol. brochado 2 4 000--
aceito, para o estudo dos alumnos do Imperial Collegio de Pedro II, pelo Dr.
JOSTIMANO JOSÉ DA ROCHA. 1 vol. in-8. encadernado 2 4 500
ECHO DA GUERRA (0) : BoTtico, Danúbio, Mar Negro, por LÉOUZOPJ LE Duc;
traduzido por D. P. E SILVA, ornado de 4 retratos. 1 vol. in-8 brochado. 2 0 000
Encadernado. 2 4 500
MAPPAS DO IMPÉRIO :
— Pará e Alto Amazonas. 2 0 500
— Maranhão. 2 0 500
— Ceará. 2 0 500
— Rio-Grande do Norte e Parahyba. 2 p 500
— Pernambuco, Alagoas e Sergipe. 2 4 500
— Bahia. 2 4 500
— Espirito Santo. . 2 0 500
— Rio de Janeiro.. 2 0 500
— 8. Paulo. â 0 500
— Santa Catharina. . 2 0 500
— S. Pedro do S u l . . 2 0 500
— Minas Geraes (2 folhas) 5 0 000
— Goyaz (2 folhas). 5 0 000
— Mato-Grosso . Õ 0 000
— Piauhy . 2 4 500
— Império do Rrasil (2 folhas). 7 0 000
— Planta do Rio de Janeiro, levantada pelo engenheiro inglez da Companhia do
Gaz JOHN EDGAR KER, por oceasião de fazer as medições para o estabelecimento
do caz na corte; 1 magnífica e grande folha impressa sobre excellente papel e
collada sobre panno, envernisada, com páos, própria para ser dependurada em
casas de commercio, escriptorios, gabinetes de estudo, salas, etc. . 7 0 000
COMMERCIO, ETC.
SYSTEMA MÉTRICO DECIMAL considerado nas suas applicações, por PEDRO D'AL-
CABTARA LISBOA. 1 vol. brochado.. 4 0 00O
MEDICINA, HOIV1CEOPATHIA
MAGNETISMO
PECCADOS DOS ALLOPATHAS e sua cegueira, ou falso systema que elles se-
guem ha- tantos séculos. 1 vol. brochado. 520
POESIAS, LITTERATURA
ASSUMPÇAO (A), poema composto em honra da Santa Virgem, por FR. FRANCISCO
DE S. CARLOS ; nova edição precedida da biographia do autor e d'um juizo critica
sobre a obra pelo conego Dr. J.C.FERNANDES PINHEIRO. 1 vol. in-8encad. 3 0 000
Cada vez mais raro tornando-se o mui celebre poema deFr. Francisco de S. Carlos, entendemos
que prestaríamos verdadeiro serviço ao publico se déssemos d'elle nova edição. Desejando po-
rém que expurgada d'erros sahisse ella, e ao mesmo tempo fosse enriquecida cValgum trabalho •
'" prévio congruente ao mérito do autor e da sua obra, dirigimo-nos ao Sr. conego doutor J. C.
Fernandes Pinheiro, que obsequiosamente prestou-se ao nosso anhelo, corrigindo o exemplar
que lhe dêmos, e escrevendo, para serem collocados cm frente da nova edição, um bellissimo
estudo biographico sobre o seraphico poela, assim como uma judiciòsa e imparcial apreciação do
poema. Assim melhorada, pensamos que mais digna do favor publico se tornará a obra.
CINZAS DUM LIVRO, fragmentos d'uin livro inédito, por BRUNO SEABRA.
1 vol. in-8. . 500
DORES E FLORES, poesias de AUGUSTO EMILIO ZALUAR. 1 vol. in-4, br. 2 0 000
encadernado. 5 4 000'
MARILIA DE DIRCEU, por THOMAS ANTÔNIO GONZAGA, nova edição dada pelo
Sr. J. NORBERTO DE SOUZA SILVA. 2 vol. in-8, com estampas.
Não ha talvez no Brasil livro mais popular do que o de Marilia de Dirceu; todos conhecem
essas famosas lyras, e raras são as pessoas que de cór não saibão algumas. Infelizmente porém
introduzirão algumas notáveis alterações no texto primitivo, passando como legitimas produc-
ções do engenho de Gonzaga espúrias e indignas imitações, ou antes paródias Quiz fazer cessar
este sacrilégio o infatigavel litterato o Sr. J. Norberto, acuradamente colleccionando o que de
genuíno lhe parecia, enriquecendo a nova edição de notas e esclarecimentos, e fazendo-a preceder
d'um minucioso estudo sobre Gonzaga, confeccionado em presença d'aulhenticos documentos. E
para que mais completo fosse o seu trabalho, addicionou-lhe a lyria de Marilia a birceu, que
compozera em resposta, attribuindo-a a D. Maria Dorothea de Seixas. Esta singela exposição basta
para provar a excellencia e superioridade d'esta nova edição.
NOVAES (Faustino Xavier de). Poesias, segunda edição. 1 vol. in-4 encader-
nado.'
A QUANTO SE EXPÕE QUEM AMA, novella que em todo o seu contexto não
admitte a lettra A, composta por JOSÉ JOAQUIM BORDALO. 1 vol. brochado. 320
— 25 —
ARMINDA E THEOTONIO, ou a consorte fiel, historia portugueza verdadeira.
1 vol. brochado. 1 0 000
MARQUEZ (O) de Pombal, por CLÉMENfE ROBERT. 1 vol. in-8 br. 1 4 000
Encadernado. . 1 0 500
•J-O GUARANY. Romance brasileiro por J. DE ALENCAR. 2" edição correcta. 2 vol.
in-4 nitidamente impressos e encadernados.. 10 0 000
OITO DIAS NO CASTELLO. Romance por F. SOULIÉ. 1 grosso vol. in-4° bro-
chado. . 3 0 000
Encadernado. 4 0 000
RAPHAEL E A FORNARINA, linda novella, por MÉRY. 1 vol. in-4 brochado. 800
^Encadernado. ... . 10 500
VIDA E ACÇÕES do celebre Cosme Manhoso, com os logros em que cahio por
causa da sua ambição, seus trabalhos e suas misérias. 1 vol. brochado. 520
— 28
PEÇAS DE THEATRO
DOUS (Os) SERRALHEIROS, drama em 5 actos, por FÉLIX PYAT, traduzido por
ANTÔNIO REGO. 1 vol. \ 4 000
ESTALAGEM (A) da Virgem, drama em 5 actos, por fl. HOSTEIN e TAVENET, tra-
duzido por ANTÔNIO REGO. 1 vol. brochado. 1 4 000
POR CAUSA DE MEIA PATACA, comedia em 1 acto, por JOSÉ ALARICO RIBEIRO
DE REZENDE. 1 vol. brochado. 500
QUEM PORFIA MATA CAÇA, comedia, por L. C. M. PENNA. 1 vol. brochado. 600
OBRAS DIVERSAS
NOVA EXPLICAÇÃO dos sonhos e visões, traduzida sobre algumas obras france/.as
e italianas, arranjada por ordem alphabetica. 1 vol. brochado. 2"Õ0
OBRAS NO PRELO
&
BM
BT
55?,