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sans
Gayeté
(Montaigne, D es livres)
Ex Libris
José M i n d l i n
OLIVEIRA L I M A
ASPECTOS
DA
LITTBRATURA COLONIAL
BRAZILBIRA
M a s já que t e n h o t o m a d o a m i n h a c o n t a o
h a v e r de d i z e r das g r a n d e z a s do B r a z i l , i r e i
mostrando primeiramento a grande fertilidade
do seus c a m p o s , o despois f o r m a r e i u m a f r e s c a
h o r t a a b u n d a n t e de d i v e r s i d a d e s do cousas,
o logo iroi ordenando um p o m a r bastecido
de d i v e r s a s a r v o r e s e c o m e x c e l l e n t e s p o m o s ,
e d a m e s m a m a n e i r a u m j a r d i m p o v o a d o de
flores e b o n i n a s sem c o n t o . E então j u l g a r e i s
si se p o d e d a r ao B r a z i l n o m e de r u i m t e r r a ,
c o m o do p r i n c i p i o l h e q u i z e s t e s c h a m a r .
(Diálogos das Grandezas do flrazil.)
LEIPZIG
f L 1. B R 0 C K II A U S
18%
ASPECTOS
DA
LITTERATURA COLONIAL
BRAZILEIRA
DO MESMO AUTOR:
ASPECTOS
DA
LITTERATURA COLONIAL
BRAZILEIRA
Mas já que tenho tomado a minha conta o
haver de dizer das grandezas do Brazil, i r e i
mostrando primeiramente a grande fertilidade
de seus campos, e despois formarei uma fresca
horta abundante de diversidades de cousas,
e logo i r e i ordenando um pomar bastecido
de diversas arvores e com excellentes pomos,
e da mesma maneira um j a r d i m povoado de
flores e boninas sem conto. E então julgareis
si se pode dar ao B r a z i l nome de r u i m terra,
como de p r i n c i p i o lhe quizestes chamar.
(Diálogos das Grandezas do Brazil.)
LEIPZIG
F. A. BROCKHAUS
1896
O presente estudo critico foi intentado e fica
publicado como uma introducção a um trabalho
sobre o Romantismo no Brazil; como uma fixa-
ção dos antecedentes pátrios d' este fecundo mo-
vimento que uma vez distinguio brilhantemente
a nossa litteratura, hoje incomparavelmente menos
original. Trilhando o caminho traçado pela apu-
rada investigação e larga comprehensão philo-
sophica do Snr. Sylvio Romero, cuja idéia matriz
da concorrência dos trez factores ethnicos para
a formação do producto nacional illumina singu-
larmente toda a nossa evolução intellectual, bus-
quei entretanto, na medida do possivel e sem
preoccupações de excentricidade, fazer obra pes-
soal quanto á apreciação peculiar de cada escrip-
tor, insistindo especialmente no caracter succes-
sivãmente differenciado de suas lucubrações.
Posto que constituindo no geral estas lucu-
brações o reflexo do gosto metropolitano por seu
turno influenciado no século X V I pelo classi-
cismo italiano, no X V I I pelo culteranismo hespa-
nhol e no X V I I I pelo neo-classicismo francez,
julgo~todavia encontrar-se n' ellas uma progres-
siva particularização. Si mais vagarosa tem ca-
VI
II.
SÉCULOS XVI-XVII.
PRIMEIROS ESCRIPTORES.
m.
SÉCULOS X V I I — X V I I I .
A ESCOLA B A H I A N A , O J U D E U E O MOVIMENTO
ACADÊMICO.
O B r a z i l e a índia no conceito econômico do reino. —
Uma ostentosa tragicomedia jesuitica fornecendo a sum-
mula de t a l conceito. — A índia feitoria e o B r a z i l co-
lônia. — Ausência n' este de circumstancias favoráveis
ao desenvolvimento litterario. — Esterilidade da Reforma
X SUMMARIO.
IT*
SÉCULO X V I I I .
C O L Ô N I A E REINO.
y.
SÉCULO X V I I I .
ESCOLA MINEIRA.
i.
mais approxima-se do p r i s t i n o t y p o t r a n s f i g u r a d o
p<-la m i s t u r a . E n t r e todas as diversas fôrmas
craneanas escasseiam no emtanto as differenças
fundamentaes, f a c t o que, posto não i m p l i c a n d o a
m o n o g e n i a , segundo declara M . de Nadaillac,
r
II.
SÉCULOS XVI—VIL
PRIMEIROS ESCRIPTORES.
g a r no n u m e r o dos precursores de u m a l i t t e r a t u r a
n o v a que, não podendo reclamar originalidade,
exigia pelo menos o s i g n a l da admiração e do
c a r i n h o pela nação da q u a l ella t e n d i a paulatina-
m e n t e a tornar-se a expressão.
III.
SÉCULOS XVII-XVIE.
A ESCOLA BAHIANA, 0 JUDEU E 0 MOVIMENT
ACADÊMICO.
m i n g o a n d o p o r t a n t o as condições de qualquer
c o n t i n u a manifestação l i t t e r a r i a ou artística. S i
porém o meio social transudava d i m i n u t o pres-
t i g i o m e n t a l , sobravam-lhe em u m a maior salu-
b r i d a d e e s p i r i t u a l e no viço da j u v e n t u d e ele-
mentos p a r a u m p r o g r e d i r constante, de que
devia resultar u m a expressão i n t e l l e c t u a l dotada
de caracteres próprios, c u j a franqueza compen-
sasse a f a l t a de agudeza e c u j a espontaneidade
resgatasse a carência de requinte.
O traço d i s t i n c t i v o dos p r i m e i r o s escriptores
brazileiros, no século X V I , assignala i g u a l m e n t e
e mais pronunciadamente a m a g r a l i t t e r a t u r a do
século immediato. Notam-se n' esta u m apego
crescente dos autores ao torrão natal, u m a com-
prehensão cada d i a mais clara da importância
da colônia, já considerada em seu organismo
nacional, e u m a convicção progressivamente a r r a i -
g a d a dos seus b r i l h a n t e s destinos. A s circums-
tancias h a v i a m de resto v a r i a d o muito.
N ã o precisavam mais os escriptores de l i m i -
tar-se, como Bento T e i x e i r a P i n t o e G a b r i e l
Soares, a listas das m a g n i f i c e n c i a s do sólo, entre-
cortadas de passageiras allusões a acontecimentos
d i g n o s de registro. No começo do século X V I I I
caberia a i n d a a u m poeta, f r e i M a n o e l de Santa
M a r i a I t a p a r i c a , descrever e enaltecer, mas p o r
simples desfastio l i t t e r a r i o , em versos graciosos,
a flora b r a z i l e i r a ; assim como se l e m b r a r i a N u n o
Marques P e r e i r a , o autor do insulso Peregrino
da America ( l i v r o que aliás encerra paginas i n -
teressantes como subsidio p a r a a p s y c h o l o g i a
94 III. SÉCULOS X V I I — X V I I I .
do século), de o r c h e s t r a r em u m seguimento de
versos reunidos sob o t i t u l o de Romance, as ento-
ações e t r i l l o s das m a i s conhecidas aves nacio-
naes. P o r c o n t r a nos p r i n c i p i o s do século X V I I ,
em 1627, já as afortunadas e as malaventuradas
fundações de c a p i t a n i a s , i n s t i n c t i v a m e n t e apre-
ciadas no seu c o n j u n c t o e como resultado geral
de civilização; as luctas c o n t r a os indios e os
progressos das missões religiosas olhados, talvez
inconscientemente, não apenas em seus effeitos
de p r o s e l y t i s m o christão, mas em seus resulta-
dos sociaes, d a v a m pasto á prosa de f r e i Vicente
do Salvador.
Por este tempo sobreveio a p r o l o n g a d a e glo-
riosa g u e r r a dos hollandezes, manifestação ro-
busta da v i t a l i d a d e d a possessão, e a sua volu-
mosa b a g a g e m de recordações marciaes não so-
m e n t e p r o v o c o u a f a c u n d i a de apologistas pro-
fanos e fradescos d a metrópole ou vivendo na
colônia, como c o n t r i b u i o p r i n c i p a l m e n t e para des-
p e r t a r a penna a l t a n e i r a do nosso historiador
Rocha P i t t a . Chronologicamente pertence este
h o m e m de l e t t r a s a u m período posterior ao sé-
culo X V I I , a saber que nos p r i m e i r o s decennios
do século X V I I I exerceu sua mais profícua acti-
vidade. A escola bahiana de que elle f o i orna-
m e n t o a b r a n g e aliás no B r a z i l todo o lapso de
tempo que se extende dos meados do século X V I I
aos meados do século X V I I I , produzindo entre
vários d i s t i n c t o s engenhos Gregorio de Mattos
G u e r r a , o mais a n t i g o eseriptor brazileiro —
b r a z i l e i r o m a i s do que n a intenção panegyrica
A ESCOLA BAHIANA. 95
Se me desejas
Da morte izento,
Não te retires;
Pois só me alento
Com ver-te aqui.
IV.
SÉCULO xvin.
COLÔNIA E REINO.
mesmo medianamente, a h i s t o r i a b r a z i l e i r a , as
contendas cruentas entre os p a u l i s t a s , descobri-
dores das minas, e os forasteiros p o r elles deno-
minados emboabas, a t t r a h i d o s pela fascinação do
oiro. C a m i n h o u l e n t a m e n t e a pacificação de tão
desordeiros elementos: realizou-a porém a me-
trópole c o m f i r m e z a , e, esboçada a constituição
das novas capitanias i n t e r i o r e s , e n t r o u a affluir
ao reino u m a c o r r e n t e cada d i a mais volumosa
de riquezas.
A colonização de M i n a s Geraes eífectuou-se
absolutamente ao sabor das descobertas dos seus
veios e j a z i g o s auriferos e diamantinos. Segundo
a q u i o u a l l i as terras dos morros, as gupiaras dos
sopés dos montes o u o cascalho das margens e
dos leitos dos rios annunciavam-se mais abun-
dantes do m e t a l cobiçado e das pedras mara-
v i l h o s a s , assim se e n c a m i n h a v a m para os luga-
res apontados e n' elles a c a m p a v a m os copiosos
bandos de i m m i g r a n t e s , chamados pelo deslum-
b r a m e n t o das diversas capitanias, mesmo das
mais p r o s p e r a s , e do longínquo P o r t u g a l . Mu-
davam-se estas t r i b u s nômadas carregando peno-
samente as suas pobres trouxas e magros farneis
e enxotando d i a n t e de s i rebanhos de negros
escravos, requeridos pelos duros trabalhos das
lavras. V i l l a R i c a e outras cidades t i v e r a m se-
m e l h a n t e e s i n g e l a origem. Nasceram esponta-
neamente de u m a c a m p a m e n t o mais prolongado
m o t i v a d o pela o p u l e n c i a m i n e i r a do lugar.
J u s t i f i c a - s e d ' e s t ' a r t e o facto da principal
povoação d a c a p i t a n i a , arvorada em c a p i t a l , le-
COLÔNIA E EEINO. 139
o nascente r o m a n t i s m o e j u l g a v a - s e f o r t e para
sonegal-o: assim como presentemente esconde
o estrebuchar de tendências postas demasiado
em c o n t a c t o c o m a realidade apparente, transfor-
m a n d o essa agonia, de reaccão delicada em feixe
de inclinações vaporosas. Pela independência da
sua posição social o inglez teve a i n d a a felicidade
pouco freqüente de não carecer, como tantos
o u t r o s , de afivelar sobre aquella sua physiono-
m i a s y m p a t h i c a de i d e a l i s t a , a mascara de i n -
diíferentismo debaixo da q u a l occulta-se muitas
vezes u m coração f a c i l m e n t e v i b r a n t e de enthu-
siasmo e de ternura, c o m p e l l i d o a e n c o b r i r quali-
dades que seriam talvez nocivas no meio em que
o misero se debate.
B e c k f o r d esteve p o r duas vezes em Portugal.
A p r i m e i r a em 1787 l o g o apóz o fallecimento de
sua m u l h e r , andando á cata de sensações novas
que escurecessem a i n c i s i v a crueldade do terrível
golpe doméstico, experimentado a meio de uma
r a d i a n t e v e n t u r a . A segunda sete annos depois,
escreveu u m autor portuguez que obrigado a
deixar a I n g l a t e r r a p o r m o t i v o de grave aceusa-
cãu, c u j o o l v i d o o príncipe regente D. Joào ob-
teve do r e i J o r g e I I I . Esta supposiçào não
acha-se porém c o n f i r m a d a nos dois volumes con-
sagrados em 1859 p o r piedosa penna á memória
de W i l l i a m B e c k f o r d , dizendo-se a b i c o m singe-
leza que o faustoso inglez v o l t o u ás margens do
T e j o p o r mora distracção, no i n t u i t o de visitar
a m i g o s a quem m u i t o prezava, p a r t i c u l a r m e n t e a
COLÔNIA E REINO. 165
a y u l t a m b r i l h a n t e m e n t e ao lado d a subserviência
e passividade c o m que a A l l e m a n h a Rhenana e a
Itália, faltas de u m v i b r a n t e sentimento nacional,
dobraram-se ao d o m i n i o de Napoleão. O general
J u n o t ao e n t r a r , fácil t r i u m p h a d o r , n a capital
que sua mulher, a engraçada, desperdiçada e es-
t o u v a d a duqueza de A b r a n t e s , descreve nas co-
nhecidas Memórias como u m a cidade porca, es-
c u r a , pejada de negros, i n v a d i d a p o r matilhas
de cães u i v a n d o , sujeitos os h a b i t a n t e s a assaltos
n o c t u r n o s e a cobardes assassinatos executados
por desfastio o u p o r encommenda, fornecendo as
numerosissimas egrejas asylo inviolável aos ho-
micidas, não a d i v i n h a r i a certamente que no paiz
s u b j u g a d o pela sua espada começaria a eclyp-
sar-se a estrella f u l g u r a n t e do Imperador; que
nos serros portuguezes, e m a i s adiante, nos des-
filadeiros hespanhoes, c a h i r i a m i n g l o r i a m e n t e d i -
zimados os soldados orgulhosos de tantas cam-
panhas, os vencedores lendários de Marengo, de
A u s t e r l i t z e de Iena.
V.
SÉCULO XVIII.
ESCOLA MINEIRA.
Acabamos de examinar com certa minudencia
q u a n t o , nos últimos decennios do grande século
de transformação m e n t a l que f o i o século X V I I I ,
apresentava-se eivada de atrazo, minada pela ro-
ESCOLA MINEIRA. 199
abastardando-se não r a r o , do l i b e r a l i s m o na i n -
congruência.
A s aspirações sociaes r e v e s t i r a m effectiva-
m e n t e os ouropeis das utopias m a i s disparata-
das, e o a r r o j o das proposições sinceramente
enunciadas roçou, mesmo antes da Assembléa
N a c i o n a l , pelos l i m i t e s da i g u a l d a d e sediciosa-
mente c o n v e n c i o n a l , p r e c u r s o r a do desmorona-
m e n t o da o r d e m e d a falsificação do progresso
— males de que a França e c o m ella a civi-
lização apenas se s a l v a r a m pelo momentâneo
despotismo e passageiro p r e d o m i n i o da força em
toda a sua b r u t a l i d a d e , encarnados n a espada
gloriosa de Napoleão. No século X V I I I , si o
presidente M o n t e s q u i e u e o seu c u l t o do parla-
m e n t a r i s m o b r i t a n n i c o r e p r e s e n t a v a m a modera-
ção e o d o u t r i n a r i s m o , já V o l t a i r e retratava no
seu estylo v i v o e elegante, a sátira i m p i a e per-
versa; n a sua clareza de exposição eminentemente
franceza, o desengano religioso, histórico e social.
A philosophia, a r r a s t a d a até á natureza, ultra-
passou a p a r c i a l negação do espiritualismo ante-
posta p o r L o c k e ás idéias i n n a t a s de Descartes;
c h e g o u ao sensualismo de Condillac, ao materia-
l i s m o de Cabanis, ao selvagismo exaltado e do-
entio de Jean Jacques Rousseau. A sciencia, em
grande parte edificada sobre factos insufficiente-
m e n t e investigados, hypotheses abstrusas, induc-
ções apressadas, generalizações fáceis, teve tanto
de dogmática quanto de frágil, tanto de atrevida
q u a n t o de alinhavada. A Encyclopedia f o i cer-
ta mente mais do que o simples i n v e n t a r i o das
ESCOLA MINEIRA. 209
. ., e todos sabem
Que estas terras, que pizas, o Ceo livros
Deo aos nossos Avôs; nós também livros
A s recebemos dos antepassados.
L i v r e s as hão de herdar os nossos filhos.
até chegar
Operários santos,
Que com fadiga dura, intenção reta,
Padecem pela Fé trabalhos tantos;
234 V. SÉCULO XVIII.
o r e c o b r a m e n t o da bahia do R i o de Janeiro, de
V i l l e g a i g n o n e seus companheiros p o r M e m e
Estacio de Sá ajudados pelo i n d i o A r a r i g b o i a ,
que o poeta c o g n o m i n a pomposamente de Marte
do Brasil, e m f i m as variadas peripécias da occu-
pação hollandeza, desde a p r i m e i r a defeza de
F u r t a d o de Mendonça,
Deixemos, ó Musa ,
Empreza maior,
Só posso seguir-te
Cantando de Amor.
(Gonzaga, L y r a XI.)
ou ainda:
Minha Marilia,
Se tens belleza,
Da Natureza
He h u m favor.
Mas se aos vindouros
Teu nome passa,
He só por graça
Do Deos de amor.
Que tanto inflamma
A monto, o peito
Do teu Pastor.
Ah ! não se manche
Teu brando peito
ESCOLA MINEIRA. 263
Do v i l defeito
Da ingratidão!
Os versos beija,
Gentil Pastora,
A penna adora,
Respeita a mão,
A mão discreta,
Que te segura
A duração.
Ha-de, M a r i l i a , mudar-se
. Do destino a inclemencia :
Tenho por mim a mnoeencia,
Tenho por mim a razão.
Muda-se a sorte de tudo:
Só a minha sorte não?
Da desgraça a l e i fatal
Pode de t i separar-me;
Mas nunca d' alma tirar-me
A g l o r i a de te querer.
Ausente de t i , M a r i l i a ,
Hei de amar-te até morrer.
physionomia litteraria,
ESCOLA MINEIRA. 269
Vagos desejos
D a boca as brasas
ESCOLA MINEIRA. 271
A s frágeis azas
Deixão queimar.
Trazei-me, amores,
Coraes subidos,
Rubins polidos,
Para a pintar.
Do peito as ondas
São tempestades,
Onde as vontades
V ã o naufragar.
Trazei-me, amores,
Globos gelados,
Limões nevados
Para o pintar.
Porte de deosa
Spirito nobre,
B o mais, qu' encobre
F i n o avental.
Só vós, amores,
Que as graças nuas
Vedes, as suas
Podeis pintar.
T u , entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Pódes gozar;
Priva-me a estrella
De t i e d' ella,
Busca dous modos
De me matar!
272 V. S É C U L O XVIII.
Cajueiro desgraçado,
A que fado te entregaste.
Pois brotaste em terra dura ,
Sem cultura e sem senhor!
Mas se estéril te a r r u i n a s ,
Por destino te conservas,
E pendente sobre as hervas
Mudo ensinas ao pastor.
Que a fortuna é quem exalta,
Quem h u m i l h a o nobre engenho :
Que não vale humano empenho,
Se lhe falta o seu favor.
(Rondo O Cajueiro.)
Quando mesmo o travo se não percebe, a
satisfacção não é commummente expansiva: en-
cerra um grão de desconfiança nos fados pro-
pícios, que a envenena, que a restringe nos li-
mites da duvida. Si aqui e além rompe alguma
nota inteiramente jubilosa, é o amor que exclu-
sivamente a instiga, derrubando na expansão da
sua lubricidade quaesquer embaraços ao seu
canto glorioso:
Sem o amor, ó Glaura, tudo
E r a mudo e triste e feio;
Tudo cheio de alegria
N' este dia o vê tornar.
V e m comtigo a formosura
E as d e l i c i a s d'este monte:
D á valor ao prado, á fonte,
A v e n t u r a de te amar.
N' outro tempo a estéril serra
Teve a cor das minhas magoas;
Hoje b r i l h a o sol nas agoas,
Ri-se a t e r r a , o eéo e o mar.
(Rondo A Alegiia.)
ESCOLA MINEIRA. 279
— responde Alcindo:
Embora, Glaura, um dia a desventura
Consuma a v i v a côr do teu semblante;
A m o o t e u coração, fiel, constante,
Que vale mais que toda a formosura.
19
290 V. SÉCULO XVIII.
gemeram desprezadas
D a nobre L y s i a no fecundo seio.
Hoje cheias de g l o r i a resuscitam
Até nestes confins do Novo Mundo.
Graças á m ã o augusta que as anima!
Seguem-se a physica,
Da firme experiência sustentada,
A s s i m irá, M a r i l i a , docemente
Meu corpo supportando
Do tempo deshumano a dura guerra.
Contente m o r r e r e i , por ser M a r i l i a
Quem sentida chorando
Meus baços olhos cerra.
m i n e i r o s p o r f a l t a de u m a tradição de indepen-
dência que os alentasse, pelo h a b i t o da sujeição
p o l i t i c a , pela inconsistência do seu plano de r e -
b e l d i a : t o d a v i a não p o r m i n g u a de amor ao paiz
n a t a l , que v i v o o p o s s u i r a m e de tão nobre sen-
timento foram martyres na lugubre masmorra e
no doloroso exílio, s i n i s t r a m e n t e t e r m i n a d o pela
m o r t e isolada, e r m a de quaesquer c a r i n h o s , he-
d i o n d a na sua nudez, e a i n d a assim recebida
como l i b e r t a d o r a .
Pelo lado l i t t e r a r i o e pelo lado da acção a t t i n -
g e m esses escriptores coloniaes, nos fins do sé-
culo X V I I I , o auge do sentimento de n a t i v i s m o ,
realçando poderosamente p o r meio dos seus de-
sejos de independência o aspecto n a c i o n a l da
escola poética que representam.
Brasileiros são todos os nascidos na America
Portugueza, e no n u m e r o contavam-se a l g u n s da
m e l h o r espécie; constitue a possessão u m a pátria
nova; devem-lhe seus filhos de todas as cores:
e também os
Pardos e pretos, tintos e tostados,
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IMPRESSO POR Í\ A. BKOCKHAUS, LEIPZIG.
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