Monografia Helbert
Monografia Helbert
Monografia Helbert
1. INTRODUÇÃO
outras palavras, todos os nativos americanos teriam uma origem única a partir do leste
Um dos principais fatos que embasaram essa idéia foi a descoberta nos EUA, em
meados do século vinte, de locais de matança de grandes animais já extintos, como bisontes
(pontas de pedra lascada ditas “Clovis”, com uma técnica original e sofisticada de acaneladura
“Clovis” entre 10,5 mil e 11 mil anos atrás. (PROUS, 1997). Durante a segunda metade do
último século, considerava-se que os famosos “caçadores Clovis”, armados com seus projéteis
direção ao Alaska (através do Estreito de Bering), entre 11 mil e 11,5 mil anos, colonizando o
Novo Mundo (MELTZER, 1989; LYNCH, 1990; BRYAN, 1991; STANFORD, 1991).
povoamento pré-colombiano das Américas e isso só foi conseguido a partir dos estudos
realizados por Greenberg, Turner e Zegura (1986), onde se elaborou o que viria ser chamado
de a “hipótese da três migrações”. Segundo esse modelo, o continente americano teria sido
ocupado recentemente (há cerca de 11,4 mil anos), apenas três migrações teriam dado origem
contudo, também são propostas. Guidon e Delibrias (1986), por exemplo, situam em mais de
32 mil anos a entrada do homem nas Américas. Com base nos estudos da morfologia craniana
paleoíndios americanos não são apenas de mongolóides, como muitos defendem, mas sim,
também, de negróides.
parte da história das migrações realizadas pelo homem. São a genética, a arqueologia, a
2. PROPOSTA DE TRABALHO
Este documento tem por objetivo, o estudo compilatório e crítico das diferentes linhas
arqueologia, inclusive com dados paleoparasitológicos, pois são essas as linhas de pesquisas
pesquisa, assim como a identificação de eventuais limitações na abordagem adotada por cada
3
uma delas. Desse modo, esse documento não se trata apenas de um trabalho compilatório, mas
sim de um estudo onde as diferentes teorias serão interpretadas e discutidas sob uma
3. METODOLOGIA
regional.
catálogos de referência bibliográfica das áreas de geologia (e.g., Georef, Geobase) e biologia
Piauí) foram contactados, com o intuito de averiguar os mais recentes estudos na área.
4
4.RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1. Genética
estudar a diversidade genética das populações nativas americanas e tentar estabelecer relações
genealógicas, que podem representar o grau de afinidade genética entre diferentes populações.
(SALZANO, 1997).
recombinação ao de seu processo de transmissão pela via sexual. Estão elas presentes no
trabalhos são comentados e analisados. Como já mencionado, nos anos 1980, a partir de
uma equipe de cientistas americanos cunhou o que viria a ser chamado de “Modelo das três
hominídeos nas Américas há não mais que 11,4 mil anos. Ainda pressupõe que apenas
5
migratórias. A primeira leva teria dado origem à praticamente todas as populações indígenas
Tabela 1 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados genéticos.
Molecular de Bering
Molecular de Bering
de mt DNA de Bering
imunoglobulinas de Bering
de mt DNA de Bering
conhecidas na América; a segunda leva migratória teria dado origem apenas aos índios
Nadene, encontrados hoje na costa pacífica do norte dos E.U.A e do Canadá; e a terceira leva
e encontraram, novamente, uma considerável homogeneidade interna entre esses três grupos.
Essa homogeneidade, segundo os pesquisadores, sugere que um único estoque gênico teria
dado origem a todas as populações encontradas nas Américas (tabela 1, figura 1). Estes
estudos em biologia molecular, que traçaram um perfil homogêneo entre os grupos étnicos
das três Américas, o que forneceria, segundo o autor, forte evidência de que uma única onda
migratória teria dado origem a todas as populações do continente americano. (tabela 1, figura
1). O mesmo pesquisador, entretanto, atenta para o fato de que os dados obtidos do
poderiam ser explicados por fluxo gênico entre os grupos populacionais do Novo Mundo.
A partir dos dados obtidos dos sistemas genéticos clássicos, mais especificamente dos
o Estreito de Bering foi a única via de entrada das primeiras populações americanas, porém
7
continente, de acordo com esse tipo de análise genética, estariam situadas ao redor de 30 mil
Finalmente, é importante salientar que grande parte dos pesquisadores dessa área
afirma que os trabalhos em genética não podem elucidar a respeito de grupos populacionais
que tenham sido extintos desde as primeiras migrações para o Novo Mundo. (PENA et al.,
descendência e
FIGURA GEN[ETIVCA
8
ancestralidade entre os grupos humanos atuais. A molécula de DNA, por ser extremamente
instável, não se conserva de forma íntegra em materiais humanos datados de alguns milênios.
(SALZANO, 1997).
algumas limitações características de sua linha de pesquisa, e sugerem, por exemplo, que os
seus dados possam por um fim na discussão a respeito do processo de povoamento do Novo
9
Mundo. Essa postura, em geral, é tomada por pesquisadores que têm trabalhos muitos bem
fundamentados, mas que pecam ao atribuir importância maior aos seus resultados do que eles
realmente representam. Este tipo de conduta, muitas vezes, contribui para o acúmulo de
informações desencontradas no meio científico, o que dificulta, ainda mais, a busca por um
4.2. Arqueologia
tem como unidade de estudo o sítio arqueológico. Os sítios arqueológicos são locais onde, por
Sabe-se que os supostos sítios pleistocênicos americanos (aqueles que teriam uma
origem em mais de 10 mil anos) apresentam vestígios que podem ser atribuídos tanto à ação
lascadas podem resultar de fenômenos naturais e até mesmo os sinais de fogo podem ter uma
testemunhas da atividade humana e também por serem datados por métodos físicos bastantes
origem humana, sua idade estimada pode ser questionada se a posição estratigráfica ou a
10
associação dos mesmos com os materiais datados por análise física forem duvidosas.
(PROUS, 1997).
Conforme pode ser observado na tabela 2, dentre os pesquisadores que trabalham com
os dados arqueológicos existe uma distinção entre aqueles que sugerem, segundo seus
remotos, em torno de 32 mil anos (GUIDON e DELIBRIAS, 1986), 300 mil anos
(BELTRÃO, 1996) e até 1 milhão de anos atrás (BELTRÃO, 1996), e os pesquisadores que
apostam num processo de colonização mais recente, como é o caso de Prous (1997), Dillehay
(1997) e Roosevelt et al., (2002), que sugerem datas em torno de 13 mil e 14 mil anos atrás.
americanos em três famílias ou troncos lingüísticos diferentes. Nos resultados, cada uma das
três famílias mostrou maior afinidade com famílias lingüísticas asiáticas do que com as
sugeriram que cada tronco lingüístico encontrado nas Américas teria uma origem distinta na
segundo esses autores, as três levas migratórias de populações mongolóides vindas da Ásia e
atravessando o Estreito de Bering que teriam dado origem aos povos americanos, há no
Tabela 2 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados arqueológicos. As diferentes
lascados
Prous (1991) Lapa Vermelha IV, Lagoa entre 15.000 e carvões esparsos e um
Vialou e Vialou (1994) Santa Elina, MT, Brasil 23.000 anos carvões naturais
associados às lascas
Roosevelt et al., (1996) Lapa do Sol, AM, Brasil entre 11.000 e instrumentos de
e fogueiras
Dillehay (1994) Monte Verde II, Chile entre 12.000 e pedras lascadas
12
Adovasio e Carlisle (1984) Nordeste dos USA entre 15.000 e pedras lascadas
20.000 anos
mil anos atrás. Segundo os autores, a visão de que os hominídeos não chegaram nas Américas
em períodos anteriores à última glaciação (glaciação Würn, entre 30 mil e 12 mil anos antes
do presente), deve-se ao fato dos sítios arqueológicos americanos não possuírem grandes
Boqueirão da Pedra Furada, Piauí, Brasil e dataram carvões de suposta origem antrópica em
até 32 mil anos. Este sítio, que é uma das mais de 200 cavernas que abrigam grande
quantidade de arte rupestre no Piauí, foi descoberto no ano de 1973 por uma missão
onde foram encontrados e datados os carvões de provável origem antrópica, de acordo com os
partir desses critérios duas culturas pré-históricas humanas, presentes em diferentes períodos,
foram identificadas, estando a mais antiga (Cultura Pedra Furada), presente entre 32 mil e 17
13
mil anos atrás e a mais recente (Cultura Serra Talhada) presente entre 10 mil e 6 mil anos
atrás.
Assim, a partir das datações e dos vestígios encontrados, Guidon e Dilibrias (1986)
Homem no norte da América do Sul já há 32 mil anos e sugerem, portanto, que o povoamento
Américas é Maria Beltrão, pesquisadora que se destaca desde os anos 1970 por estudar locais
na jazida paleontológica de Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, uma cascalheira onde encontrou
centenas de seixos de quartzo lascados, aos quais ela atribuiu uma idade estimada de mais de
1 milhão de anos (tabela 2). Seus achados, entretanto, foram contestados por boa parte dos
arqueólogos, entre os quais, Prous (1997) que se apóia no argumento de que os seixos
encontrados por Beltrão (1996) poderiam ser facilmente creditados a processos naturais.
Beltrão (1996) também dirigiu pesquisas na região calcária de Central, Bahia, Brasil,
tendo encontrado na gruta Toca da Esperança algumas lascas e três seixos de quartzito
toscamente lascados associados aos ossos da megafauna extinta, tendo esses ossos datações
entre 200 mil e 300 mil anos pelo método 230th/234u. Mais uma vez, Prous (1997) questiona
os dados obtidos pela pesquisadora e salienta que o método de datação é pouco usado por ser
pouco confiável, concluindo, ainda, que os “artefatos”, de tecnologia simples, poderiam ser
produzidos pela natureza. Beltrão (1996) rebate e salienta que a gruta é formada no calcário e
o quartzito não existe nas proximidades, o que sugere um transporte pelo homem. Em
quartzito teria se formado acima do calcário e que alguns blocos desse material poderiam ter
sido transportados por condutos calcários depois de erosões de cobertura. Durante esse
transporte, haveria naturalmente o lascamento das porções mais frágeis dos blocos de
quartzito. Outro argumento lançado por Beltrão (1996), a favor da presença humana no local é
que os grandes herbívoros não teriam condições de chegar à gruta, de difícil acesso para
animais de pouca agilidade. Para Prous (1997), os ossos dos grandes herbívoros poderiam ter
sido depositados no local por condutos a partir de outra entrada ou os herbívoros, ainda,
Ao propor uma presença humana nas Américas há cerca de 300 mil e até 1 milhão de
anos, inevitavelmente, Beltrão (1996) sugere a existência de uma humanidade pré-sapiens nas
Américas. A comunidade científica, no entanto, não considera viável tal suposição. (PROUS,
1997).
de Bering como via principal de entrada dos primeiros americanos. Isso se deve a
(extremo noroeste do continente asiático) existente nessa região. Outro dado importante é que
grande parte dessas teorias estabelece datas de entrada nas Américas dentro do intervalo de
tempo preenchido pela ocorrência da última glaciação, período o qual o nível do mar teria
diminuído em cerca de 100 metros, descobrindo ilhas ou, até mesmo, formando uma faixa
caso de Guidon e Delibrias (1986) que os humanos estavam presentes no Novo Mundo num
período anterior a última glaciação (há cerca de 30 mil anos) ou, ainda, há cerca de 100 mil
anos atrás (GUIDON, 2003, informação pessoal). Além de propor uma idade bastante antiga
15
para a colonização das Américas, Guidon (1989, 2003) abre mão das facilidades (para um
processo migratório) oferecidas pelo Estreito de Bering durante a Glaciação Würn e sugere
pacífico ou até mesmo o atlântico, se fazem necessárias. Segundo Neves (2003) o Homo
sapiens, no final do Pleistoceno, não tinha tal capacidade. Sabe-se que os primeiros Homo
sapiens que povoaram a Austrália há pelo menos 40 mil anos, já usavam embarcações
bastante rudimentares (PROUS, 1997). Nesse caso, porém, a proximidade entre o sul da Ásia
e a Austrália, além das muitas ilhas que as separam, teriam facilitado as migrações. Na
realidade, Prous (1997), não apóia as hipóteses de migrações transpacíficas (tabela 2, figura
2).
FIGURA 2 ARQUEOLOGIA
16
anteriores a 30 mil ou 40 mil anos fossem mais facilmente aceitas pela comunidade científica,
evidências mais sólidas dessas populações nas Américas deveriam ser encontradas. Mesmo se
for comprovada a presença humana nas Américas, há mais de 30 mil anos, novas hipóteses no
17
que diz respeito às rotas migratórias utilizadas por essas populações deveriam ser
consideradas. Uma passagem pelo Estreito de Bering, por exemplo, poderia ser uma
alternativa às propostas sobre migrações transpacíficas ou até mesmo atlânticas lançadas por
Guidon (1989, 2003). Nesse caso hipotético, estudos sobre as condições climáticas,
Apesar de grande parte dos estudiosos terem, por muito tempo, aceitado a cultura
“Clovis” como a primeira que teria se estabelecido nas Américas, estudos mais recentes
contestam essa “verdade” intocável. Por exemplo, baseado em vários anos de pesquisas
arqueológicas realizadas no sítio de Monte Verde, sul do Chile, Dillehay (1997) afirma que,
atualmente existem evidências sólidas, com base na arqueologia, que indicam a chegada dos
hominídeos no Novo Mundo num período em torno de 13 mil anos atrás (tabela 2), e que as
populações “Clovis” não foram as primeiras a migrar do norte em direção ao sul do continente
americano.
Para Dillehay (1997) o fato dos arqueólogos não terem conseguido, até o momento,
localizar os restos mortais dos primeiros americanos, inclusive os das populações “Clovis”,
arqueológica usada para estudar esses registros que, até agora, não foi bem sucedido em achar
Brasil, demonstrou que os humanos já estavam presentes na região amazônica a partir de 11,3
mil anos atrás (tabela 2), no mesmo período da suposta entrada das populações “Clovis” na
18
América do Norte. Roosevelt (2002) sugeriu ainda um novo modelo para o processo de
estabelecer no Novo Mundo. A cultura “Clovis”, segundo o novo modelo, seria apenas uma
Ainda, segundo Roosevelt (2002) a cultura “Clovis” já não pode ser vista como a ancestral de
4.2.3 Paleoparasitologia
Outra interessante linha de estudo, que, por sinal, utiliza-se dos achados
foram encontrados junto com os restos fecais humanos fossilizados datados de pouco mais de
7 mil anos. (ALLISON et al., 1974; FERREIRA et al., 1980). A grande problemática em
torno dessa questão é que essa espécie de parasita humano é originária da África e atualmente
se encontra somente em regiões tropicais. Isso implicaria, segundo Araújo e Ferreira (1997),
que a espécie A. duodenale, uma vez que surgida na África, teria sido introduzida nas
Américas junto com populações pré-históricas que teriam chegado ao Novo Mundo através de
pré-históricos, foi primeiramente lançada por Darling (1920). Darling sugeriu que a
americanus, poderia indicar a origem dos primeiros americanos. Na mesma década, Soper
transpacífica da espécie. Quase meio século depois, Manter (1967) sugeriu que a espécie A.
duodenale teria sido introduzida junto com japoneses pré-históricos e que a espécie N.
Tabela 3 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados
Estreito de Bering e reforçou a idéia de que um contato transpacífico seria a forma mais
predominante na América, foi introduzida através do tráfico negreiro, a partir do século XV.
20
atualmente, duas vertentes principais que buscam esclarecer alguns aspectos da entrada de A.
De acordo Araújo e Ferreira (1997), durante a fase adulta, esses parasitas humanos
indivíduos infectados eliminam ovos embrionários de A. duodenale com as fezes nas quais os
infecta o homem preferencialmente por via oral, mas também o faz pela pele.
ancilostomídeos não poderiam ter mantido seu ciclo reprodutivo no solo, sob condições
climáticas adversas para a espécie, como as da região de Bering há cerca de 10 mil anos antes
subtropical, até 52º de latitude do hemisfério norte, uma vez que as larvas sobrevivem em
temperaturas, no solo, acima de 22ºC. A presença de alguns focos dessa espécie em latitudes
mais ao norte estaria associada a locais específicos como minas e túneis, que oferecem
Tomando como referência Schad (1990), Araújo e Ferreira (1997), sugerem ainda,
pesquisadores afirmam,
Fig 3
21
22
entretanto, não haver conhecimento científico suficiente, por conta de poucos casos dessa
natureza terem sido diagnosticados, para atribuir a importância da transmissão vertical entre
as populações pré-históricas que migraram para o Novo Mundo. Outro argumento de Araújo e
Ferreira contra uma possível rota por Bering é o de que estudos (FREEMAN e JAMISON,
1976) já demonstraram não haver, na região holoártica, entre os esquimós atuais, registro de
que esses vermes teriam sido introduzidos no Novo Mundo através de migrações
duodenale não seria um parasita estritamente tropical, pois seria dotado de mecanismos
região de Bering.
ancilostomídeos nas Américas junto com as populações que habitavam as regiões geladas
próximas ao Estreito de Bering e que atingiram, como mostra a figura 3, o extremo norte do
continente americano.
23
se encontra em seu nível mais baixo, onde somente as funções vitais estão em funcionamento.
Em Ancylostoma canina, espécie que parasita o cão, foi observado (SCHAD, 1990;
YU e SHEN, 1990) que a hipobiose está associada com a transmissão vertical do parasita, o
que significa que os filhos de mães infectadas podem adquirir os parasitas por via oral,
durante o período da amamentação. Hawton e Jhonston (1996) sugerem que o mesmo ocorre
entre os ancilostomídeos humanos e poderia ter ocorrido entre os grupos humanos pré-
microclimas artificiais pelos aglomerados humanos e à contaminação, por fezes, das áreas
habitadas, poderiam ter sido cruciais para a persistência dessas espécies, sob condições
ambientais adversas, entre os grupos humanos que habitavam a região do Estreito de Bering.
(figura 3)
tricuris, parasita intestinal humano que necessita das mesmas condições ambientais requeridas
europeus, com cerca de 7000 anos. Esse fato poderia ser interpretado como uma evidência de
24
que alguns ancilostomídeos teriam realmente capacidade de se manter sob condições extremas
de temperatura no solo. (HAWDON E JHONSTON, 1996). Por outro lado, Araújo e Ferreira
um fato isolado. O homem achado, segundo esses pesquisadores, teria se perdido do grupo
original e atingido aquelas regiões frias dos Alpes. Isso não forneceria, portanto, nenhuma
interessante a ser notado é a discussão que se estabeleceu por conta das diferentes visões em
durante um período pré-histórico. Na realidade, são mais que visões, ou idéias, são
conjecturas calcadas em conhecimento científico. Mas como a Ciência, com todo o seu rigor
metodológico, permitiu que houvesse tamanha divergência entre duas de suas concepções? Na
verdade, esses últimos parágrafos, ao contrário do que aparentam, podem nos mostrar um dos
princípios que regem o conhecimento científico, a discussão. Esta confere uma ferramenta
torno de um fenômeno, desde que estas estejam apoiadas em evidências sólidas e que passem
caracteriza o método científico. Uma discussão surge quando, pelo menos, duas hipóteses
estão sendo consideradas a fim de esclarecer um determinado fenômeno. Mas como escolher
entre as hipóteses que explicam o que estudamos? É nesse momento que o método científico
lança mão de um outro dispositivo, a parcimônia. Esta, por sua vez, julga como melhor a
teoria que explica um determinado fenômeno de maneira mais simples, ou seja, que dependa
de um menor número de eventos envolvidos na ocorrência desse mesmo fenômeno. Sob essa
25
perspectiva é que os diferentes modelos para o povoamento pré-histórico das Américas devem
ser trabalhos para que consigamos reconstruir, o mais próximo possível, parte da história
4.3 Morfologia
forma, como através de caracteres não mensuráveis, fator que é especialmente útil para
exame fácil, tanto em indivíduos vivos como nos mortos. O mais importante é saber que os
traços fenotípicos dentários se encontram sob rígido controle genético e, portanto, podem ser
presente (POWELL, 1997). Dessa maneira, a variação dentária fornece indícios de como e
testar os modelos atuais de povoamento das Américas e gerar novas idéias a respeito da
No início dos anos 1980, a partir da análise morfológica dos dentes de 12 paleoíndios,
com idade estimada em 11 mil anos, Turner e Bird (1981) e Turner (1983) já sugerem um
perfil morfológico homogêneo entre as populações americanas (tabela 4). As datações do tipo
Carbono-14 foram obtidas a partir de carvões de uma fogueira de suposta origem antrópica
populações do nordeste asiático são muito similares entre si e formam um grupo homogêneo,
idéia de que os índios americanos teriam uma origem única no nordeste asiático e que pouca
evolução da morfologia dentária teria ocorrido entre os americanos, nos últimos 11 mil anos.
27
Tabela 4 - Principais referências sobre a entrada do homem na América com base em dados morfológicos. As diferentes
mongolóide
mongolóide transpacíficas
mongolóide Bering
mongolóide Bering
Mongolóide Bering
Adicionalmente, Turner e Bird (1981) e Turner (1983) sugerem que pequenos grupos
Pleistoceno.
Uma das principais críticas aos trabalhos de Turner e Bird (1981), Turner (1983) e ao
que trabalha com a análise da morfologia dentária de populações de todo o mundo, incluindo
ameríndios atuais refletem, apenas, a morfologia dos primeiros habitantes das Américas de
cerca de 12 mil anos. Adicionalmente, Powell (1997) sugere que a morfologia apresentada
pelos ameríndios atuais não é resultado apenas de migrações passadas, mas também de
populacional, deriva genética, fluxo gênico e grau de diversidade biológica, Powel (1997)
zero, o que condizia com a homogeneidade dos primeiros americanos até então proposta, além
equações de previsão, o que foi repetido para 100 gerações. A realização dos cálculos
uma população atual que teve sua origem a partir de uma população original homogênea há
cerca de 12 mil anos atrás. Curiosamente, Powell (1997) observou em seus dados que, com o
seja, uma diferenciação dos grupos populacionais. Seus resultados, portanto, sugerem ser
pouco provável que um único tipo morfológico tivesse povoado as Américas e mantido o
Como explica Powell (1997), a deriva genética está associada a grupos populacionais
pequenos, que apresentam baixas taxas decrescimento anual, e que tendem a se diferenciar de
29
gênico tem efeito contrário, ou seja, leva a homogeneização entre os grupos e está associado a
Ainda segundo Powell (1997), o modelo de Turner e Bird (1981), Tuner (1983) e
Greenberg et al. (1986) se apóia numa rápida expansão populacional logo após a chegada dos
primeiros americanos. Essa rápida expansão, dentro do continente americano, teria anulado o
efeito da deriva genética e mantido, dessa forma, o tipo morfológico (mongolóide) dos
primeiros americanos entre os aborígines americanos atuais. Ainda de acordo com essa
análise, seria necessário aplicar uma alta taxa de crescimento, em torno de 0,02 (crescimento
tempo como um fator presente entre as populações americanas da pré-história, seria uma
modernos. Powell (1997) produziu uma série de simulações genéticas nas quais os primeiros
americanos eram extremamente diversos, ao contrário do que foi proposto por Turner e Bird
(1981) e Turner (1983). Quando se incorporou nas simulações baixos níveis de migração (um
migrante por geração), obteve-se como resultado, uma variação biológica decrescente ao
30
Novo Mundo, Powell (1997) realizou uma série de análises morfológicas, através das quais,
americanos atuais. Nos resultados, os paleoíndios não se assemelharam aos índios americanos
atuais (mongolóides típicos), mas sim às amostras de morfologia mais generalizada (não
al., 1995; NEVES et al., 1996, 1997) a partir de análises morfocranianas de paleoíndios
Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil, que, de certa forma, a fazia algo distinta da “raça
maxilar. O naturalista encontrou em Lagoa Santa crânios estreitos e com grande prognatismo
teriam passado por um processo de degeneração e, assim, dado origem à morfologia cranial
encontrada em Lagoa Santa. Esta hipótese, entretanto, foi abandonada quando o pesquisador
indicava a grande antiguidade dos homens americanos. Sob essa nova perspectiva, Lund
defendia a idéia de que o homem teria surgido na América e migrado para a Ásia, onde teria
dado origem ao tipo mongolóide de crânio (figura 4). Curiosamente, nenhum dos
antropólogos que sucederam a Lund deu importância às suas observações, nem tampouco às
explicações que ele sugeriu para dar conta dos fenômenos estudados. (BLUM e NEVES,
2002).
Outros autores também sugeriram que a colonização das Américas se deu de maneira
mais complexa do que até então se considerava. Rivet (1943), por exemplo, considerou a
morfologia craniana dos primeiros habitantes do Novo Mundo semelhante às dos aborígines
australianos (tabela 4). A rota de colonização, assim, seria transoceânica, direto da Oceania
para as Américas. Tal idéia, contudo, não foi assimilada totalmente pela comunidade
científica. Em verdade, sempre se considerou que a espécie Homo sapiens seria capaz de
32
no final do Pleistoceno. Outra suposta evidência contrária à proposta de Rivet (1943) seria a
de que a ocupação das ilhas polinésicas se deu muito recentemente, a não mais que 2 mil ou 3
mil anos. Não haveria, portanto, nessas ilhas, qualquer evidência de ocupações humanas do
Fig 4 morf
33
morfologia dos crânios humanos escavados por Lund no Sumidouro (armazenados no museu
inclusive o da “Luzia”, o fóssil humano mais antigo das Américas e amplamente divulgado
pela mídia, apresentam sua forma craniana (neurocrânio longo e estreito associado a uma face
também estreita e baixa com nariz e órbitas baixos e largos) muito similar a dos aborígines
os seus contemporâneos do Velho Mundo, Neves e Pucciarelli (1990 e 1991) iniciaram uma
série de análises baseadas nos mesmos métodos estatísticos utilizados no trabalho deles de
final do Pleistoceno e início do Holoceno da África, Ásia, Europa e Austrália com três
amostras de paleoíndios americanos (duas amostras de Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil e
Desse modo, com base nas informações geradas entre 1989 e 1995, Munford et al.,
(1995) e Neves et al., (1996, 1997) sugeriram um novo modelo que acrescentava uma
migração anterior às três migrações já defendidas por Greenberg et al., (1986). Por esse
motivo o novo modelo foi denominado de “modelo das quatro migrações”, segundo o qual se
manteriam as três migrações de origem mongolóide apresentadas pelo velho modelo, aceito
por grande parte da comunidade científica à época. Segundo o modelo de Neves, as três
depois os índios Nadene e mais recentemente os Inuit (esquimós) e os índios Aleuta, teriam
sido precedidas por uma onda migratória de um grupo de morfologia cranial mais
Outro fato curioso é que Blum et al. (2000, 2001, 2002) encontraram uma significante
Médio e datados de 100 mil anos. (SCHWARCZ et al., 1988). Adicionalmente, Blum et al.,
primeiros americanos e os primeiros habitantes da Austrália. Blum et al., (2001) sugerem que
o povoamento da América está intimamente relacionado com a saída dos primeiros Homo
sapiens do continente africano e com o povoamento da Austrália (figura 5). Nesse sentido, os
por volta de 50 mil ou 60 mil anos atrás no sudeste asiático. Este ancestral, com uma origem
direta na África, teria migrado deste continente para o sudeste asiático provavelmente através
Curiosamente, depois de pouco mais de meia década defendendo o “modelo das quatro
migrações” (MUNFORD et al., 1995; NEVES et al., 1996, 1997), há uma mudança de
pensamento e uma nova postura com relação ao número de rotas propostas para o
precisamente o número de rotas migratórias para o Novo Mundo, dada a alta complexidade
dos fenômenos estudados. Nesse sentido, o “modelo das quatro migrações” foi substituído
Figura mark 5
36
37
(NEVES et al., 2001) que representa os principais dados obtidos pelo estudo da morfologia
craniana dos primeiros americanos e sugerem a presença de pelo menos duas morfologias
teriam sido substituídas pelas populações mongolóides ou teria havido uma miscigenação
al., 1999) sugerem pelo menos duas hipóteses interessantes em torno da questão. Nessas
poderiam ser resultado de uma miscigenação in situ entre os primeiros americanos (de
2002). Um outro dado interessante para tentar entender o complexo “Homem de Kennewick”,
já salientado por alguns autores (LAHR, 1996; JANTS e OWSLY, 2001 e POWELL e
NEVES, 1999), seria aceitar a possibilidade de que populações com diferentes graus de
entre o Velho e o Novo Mundo, desde o final do Pleistoceno até o início do Holoceno. Estas
questões estão em aberto e recentemente tem sido o foco principal de pesquisadores que se
BLUM, 2002).
38
relacionados com as origens dos povos americanos. Esta linha de pesquisa, em especial, tem
tempos muito remotos, o que lhe confere uma vantagem em relação a outras linhas de
pesquisa como, por exemplo, os estudos em genética, que são aplicados apenas às populações
atuais.
Beríngia (ponte de terra firme na região do Estreito de Bering que teria unido a Sibéria ao
Alaska, durante a última glaciação), formada com a retração do nível do mar no final do
Pleistoceno. A partir da região do Alaska, os primeiros americanos teriam migrado para o sul
do continente através de um estreito corredor livre das duas geleiras que, nesse período,
cobriam a América do Norte. Este caminho teria condições climáticas compatíveis com a
americano, teria ocorrido num curto intervalo de tempo e no mesmo período do suposto
Propostas recentes, entretanto, apostam num novo modelo de passagem pelo Estreito
Norte para o Sul da América) pelo litoral, por meio de navegação de cabotagem. De acordo
continente, de oeste para leste. Com o retraimento das massas de gelo, as populações teriam
migrado para o norte, dando origem a novas culturas, entre elas a cultura “Clovis”. Curioso
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notar que o novo modelo de deslocamento pelo Estreito de Bering pode explicar o porquê dos
sítios norte-americanos não serem mais antigos que os sul-americanos. (NEVES, 2003).
5. CONCLUSÕES
pelo Estreito de Bering, entre 30 mil e 12 mil anos. Há divergências, contudo, com
• Estudos arqueológicos, que ainda não são aceitos por grande parte da comunidade
anos, período o qual a passagem pelo Estreito de Bering estava inacessível. Outros
americano há 300 mil anos, ou ainda, há 1 milhão de anos. Por outro lado, há
território americano.
• Estudos morfológicos, como já previsto por Lund (século XIX), confirmaram que
o povoamento da América foi marcado pela presença de, no mínimo, dois estoques
• Rotas pelo Estreito de Bering ainda são consideradas as mais prováveis vias de
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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