Arqueologia
Arqueologia
Arqueologia
A Arqueologia é uma ciência social que tem por objetivo compreender as sociedades humanas
desde as suas origens até os dias atuais. Essa palavra vem do grego e significa estudo do
antigo (archeo = antigo; logos = estudo). Por isso é muito comum ouvirmos que a Arqueologia
estuda o passado e as populações humanas que nele viveram.
Você deve estar se perguntando “o que isso quer dizer exatamente? O que diferencia a
Arqueologia de outras disciplinas que estudam o passado como a História ou a Paleontologia,
ou que estudam as sociedades humanas, como a Sociologia e a Antropologia? Quais são os
objetos e os métodos da Arqueologia? E qual a contribuição específica da Arqueologia para um
melhor entendimento da história da humanidade?”
Se a Arqueologia é uma ciência voltada para a reconstrução de modos de vida do passado, ela
não é uma máquina do tempo. Podemos pensar na arqueologia como um quebra-cabeça que
perdeu muitas peças e no arqueólogo como o cientista que tenta recompor as peças faltantes
e encaixar as que sobraram.
Nem sempre é possível reconstruir o passado de forma completa. O trabalho dos arqueólogos
é estruturar uma aproximação do passado, munidos de teorias e técnicas próprias. Muitas das
reconstruções históricas propostas pelos arqueólogos são interpretações embasadas nos
dados de suas pesquisas, por isso, às vezes é possível mais de uma interpretação. Além disso,
também temos sempre que pensar que se trata de um passado reconstruído no presente,
dentro dos recursos de pesquisa que os arqueólogos dispõem atualmente. Com o tempo,
novos dados, técnicas, métodos e teorias vão surgindo, fazendo com que as interpretações
possam mudar, tornar-se mais completas ou mesmo ser totalmente descartadas. Portanto, a
Arqueologia é uma ciência, e como a maioria das ciências não só interpretativa, também
dinâmica, em que não existem verdades absolutas.
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Também devemos pensar que a Arqueologia não trabalha só com o passado, isto é, com o
passado muito antigo ou distante. Ela pode reconstruir momentos da história da humanidade
bem recentes. Existem ramos da arqueologia que estudam as cidades modernas, as tecnologias
mais recentes, nosso modo de vida atual e até mesmo investigam crimes. Além disso, muitas
vezes o arqueólogo precisa estudar o presente, para melhor entender o passado.
Assim, a partir dos restos materiais encontrados no presente, faz-se um diálogo entre os dois
tempos – presente e passado. Com isso é possível narrar outras histórias que nem sempre
foram conhecidas, contadas ou escritas, podendo revelar novos aspectos do passado.
Vamos pensar em uma história que aparentemente é bem conhecida: a História do Brasil. Em
sua grande maioria, os livros de História contam esta história em torno das ações de alguns
poucos indivíduos, em determinados momentos, e em alguns locais. Quer ver só?
Quem descobriu o Brasil e quando? A resposta vem automaticamente na sua cabeça: Pedro
Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500. E se perguntarmos sobre a Independência? Dom Pedro I,
no dia 7 de setembro de 1822. Viu? Por muito tempo, foi assim que aprendemos e reproduzimos
a história do Brasil.
Mas, há algumas décadas, a própria História (como a Arqueologia) vem procurando conhecer
e contar as várias histórias que ainda não foram escritas ou que são parcialmente conhecidas.
É esta a razão da existência deste livro. Queremos mostrar a você que é possível conhecer a
História através de novas perspectivas, novos olhares.
Pensando na história da Amazônia, alguns nomes bem conhecidos e que povoam os nomes de
ruas, praças e monumentos são: Francisco de Orellana, Pedro Teixeira, Marquês de Pombal...
De fato, esses nomes são importantes, contudo, a história da nossa região não está restrita
somente a esses personagens. Existem muitas outras pessoas e muitos grupos importantes
além dos exploradores europeus e seus descendentes. Desse modo, abordaremos de maneira
mais ampla a História da Amazônia, analisando suas populações antes, durante e depois da
conquista europeia. Para isso vamos trabalhar com três livros diferentes e complementares,
sobre a Arqueologia e suas aplicações na Amazônia, sobre Santarém e sobre Monte Alegre.
Como toda ciência, a Arqueologia é movida por perguntas. São elas que direcionam a forma
como a pesquisa será realizada. Algumas das perguntas mais comuns que os arqueólogos
fazem são: Quem produziu os vestígios que encontramos? Quando esse material foi feito e
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usado? Para que ele era usado e porque foi abandonado ou descartado? Quais as técnicas
usadas para fabricar esse material? Que outros materiais podem ter existido em associação
com o que encontramos? À medida que vamos identificando as sociedades que deixaram esses
restos, as perguntas ficam mais amplas: Como eram organizadas as sociedades do passado;
quantos eram e como se distribuíam em seus territórios? Como eram suas moradias? Tinham
contato com outras sociedades? Por quanto tempo essas sociedades ocuparam aquele lugar?
Elas se transformaram ao longo do tempo? Por que desapareceram ou abandonaram aquele
local? Deixaram alguma modificação ou marca significativa na paisagem? Como era o ambiente
no qual elas viviam? De quais recursos naturais dispunham e exploravam? O que comiam e
como produziam e processavam os alimentos? Que problemas enfrentavam no seu dia a dia?
Ao ler essas perguntas, percebemos que a Arqueologia estuda, portanto, vários aspectos do
ser humano, havendo múltiplas maneiras de olhar para os vestígios e interpretá-los. Uma das
respostas dos arqueólogos à nossa primeira pergunta “Quem produziu os vestígios que
encontramos?” é pela ideia de que cada sociedade ou grupo humano tem sua própria maneira
de fazer e usar as coisas e o espaço que ocupam. Assim, os instrumentos, os objetos utilitários
ou rituais, as moradias, os cemitérios, as roças, os caminhos, são todos feitos a partir de critérios
e escolhas culturais, compartilhados dentro daquele grupo, muitas vezes compondo tradições
de técnicas e estilos passados sucessivamente de uma geração a outra, ao longo de centenas
de anos. Isso é o que chamamos de “cultura material”. É com base nesses diferentes modos de
fazer as coisas que os arqueólogos geralmente identificam a partir dos restos encontrados,
que é possível responder à pergunta sobre quem produziu os materiais que encontramos.
Já deu pra perceber que o conceito de cultura material é uma peça chave no trabalho do
arqueólogo, pois ele nos fala diretamente sobre a identidade das sociedades humanas do
presente e do passado. Vamos falar um pouco mais sobre este conceito?
Cultura é um dos conceitos mais amplos e debatidos na história das Ciências Sociais. A maior dificuldade
em definir “cultura” é que ela se refere a quase tudo que os seres humanos são capazes de
fazer, aquilo que vai sem dizer, que nos torna humanos e nos diferencia do comportamento
estritamente biológico dos animais. É o conjunto de ideias, comportamentos, práticas e crenças
compartilhados por um determinado grupo social ao longo de um determinado tempo.
A cultura imaterial refere-se às práticas e aos processos do fazer, dos modos de ser, de vestir e
de falar, por exemplo. O imaterial é o oposto do material; é algo intangível, oposto ao tangível.
Dentro da cultura imaterial estão os conhecimentos das pessoas em relação às atividades,
como as maneiras de festejar, caçar, plantar etc. Também importam as formas de utilizar os
objetos, que podem ser para o uso em um ritual, em uma festa, enfim, as culturas imateriais
estão no campo das relações que se estabelecem entre as pessoas, entre os grupos, revelando
uma multiplicidade de saberes e práticas.
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como estes conhecimentos são transmitidos entre gerações, é o que o arqueólogo utiliza para
identificar diferentes grupos socioculturais, e aos poucos reconstruir suas histórias ao longo do
tempo e do espaço. Estas histórias, em geral distintas das versões já escritas ou contadas, também
nos falam da continuidade e rupturas de determinadas tradições ao longo do tempo; da
resistência temporal das práticas e como elas se propagam ou não entre os outros.
Para estudos de períodos mais recentes, geralmente o arqueólogo conta com várias fontes de
informação, impressas, digitais ou mesmo contadas oralmente, que podem ser confrontadas
com os dados gerados a partir da cultura material, complementando-os ou refutando-os.
Os vestígios podem ter sido produzidos intencionalmente, ou não. Por exemplo: um objeto
quebrado (que foi produzido e depois descartado intencionalmente); ou um resto de fogueira
(no caso, a madeira que se transformou em carvão não foi produzida intencionalmente pelo
homem, mas foi utilizada por ele).
Veremos aqui alguns dos principais vestígios arqueológicos encontrados na Amazônia, mas
também evidências de outras partes do mundo. Como não é possível tratar de tudo que os
humanos já produziram ao longo do tempo, então teremos alguns exemplos. É preciso
considerar as distintas condições de preservação dos materiais em diferentes ambientes; os
materiais orgânicos, como palha, plumas e madeira decompõem rapidamente, sobretudo em
climas úmidos como o da Amazônia; outras matérias-primas como pedra e cerâmica são mais
duradouros, por isso são encontrados com maior frequência.
Por vezes, estes restos materiais estão preservados mesmo à superfície de sítios arqueológicos,
sendo facilmente identificados em prospecções de superfície, apenas ao observar o terreno.
Porém, a maior parte fica enterrada ao longo do tempo, tendo que ser recuperada em
escavações cuidadosas; alguns vestígios são muito pequenos, por isso só aparecem quando o
solo escavado é peneirado em peneiras com tramas bem finas.
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Na Amazônia, os objetos feitos de barro queimado, as cerâmicas, são o tipo de vestígio mais
comum. Os potes inteiros, mas sobretudo os fragmentos de vasilhas quebradas são
encontrados tanto à superfície quanto nas escavações. Esses recipientes de cerâmica, mesmo
quebrados, fornecem inúmeras informações. A maneira como eram feitos, suas formas, volume,
decoração e marcas de uso nos informam a finalidade para que eram feitos e usados: cozinhar,
armazenar, servir alimentos, e às vezes contêm até resíduos do conteúdos, que podem ser
identificados em laboratório. Outros recipientes eram usados para fins rituais, como armazenar
bebidas fermentadas para as festas ou as urnas funerárias enterradas com os ossos humanos
nos cemitérios. Às vezes essas vasilhas eram decoradas com pinturas de cores variadas e
modelados em forma de animais ou pessoas, retratando animais, humanos e seres
sobrenaturais que eram importantes nas histórias, lendas ou mitos dos povos indígenas do
passado. As vasilhas são, portanto, uma fonte para entendermos o que determinada cultura
julgava importante representar e a forma mais apreciada fazê-lo.
A cerâmica no mundo
Os vasos cerâmicos mais antigos no mundo foram encontrados no Japão, há
aproximadamente 13 mil anos. A invenção dessa tecnologia revolucionou a maneira
como nossos antepassados podiam guardar ou cozinhar alimentos sólidos e líquidos.
Essa novidade foi reinventada várias vezes em nossa história, em diferentes momentos
e locais. Antes dessa data, há 26 mil anos, foram confeccionadas estatuetas femininas
chamadas de “Vênus” na República Tcheca. Essa população nunca cozinhou o barro
para transformá-lo em vasos ou pratos, somente para fabricar essas pequenas
estátuas. Elas são provavelmente símbolos de fertilidade.
Em alguns casos, podemos encontrar uma ou duas vasilhas muito diferentes entre várias
parecidas, e isso pode indicar que foram feitas por outros povos e que existia um sistema de
troca entre diferentes regiões.
Mas, por que existem tantos objetos de cerâmica na Amazônia? Em primeiro lugar, a matéria-
prima das vasilhas é muito comum na região: o barro! Em segundo, o barro é uma matéria-
prima muito versátil, podendo assumir qualquer forma, desde que o artesão seja um bom
ceramista! Em terceiro, o barro queimado fica muito duro e resistente, fasendo com que a
vasilha se preserve por muito tempo, pois mesmo após centenas e milhares de anos elas são
encontradas pelos arqueólogos!
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Ossos de fauna
encontrados em sítio
arqueológico.
A preservação desse
material normalmente é
muito difícil, mas ele
traz muitas informações
sobre as práticas
alimentícias do passado.
Foto: Val Moraes.
Você sabia que ainda hoje utilizamos ossos de animais para muitas atividades? Por exemplo,
podem ser usados como adubo nas hortas e em pequenas plantações ou ser encontrados em
vários artesanatos regionais, como bijuterias e enfeites. Os ossos humanos são vestígios
extremamente importantes para os arqueólogos, pois deles podem ser extraídas inúmeras
informações sobre as populações passadas, como a idade que um indivíduo morreu, o gênero, a
altura, o peso, o que comia e até doenças que teve. Além disso, informam sobre as diversas
formas de sepultar os mortos (o que pode representar crenças diferentes). É possível até fazer
uma reconstrução facial e saber como era a fisionomia da pessoa. Também pode-se fazer estudos
genéticos com amostras de DNA e saber quem eram seus antepassados. Contudo, nunca
podemos esquecer que os ossos humanos devem ser tratados com muito respeito e só são
manipulados por especialistas.
O arqueólogo também trabalha com vestígios vegetais, como a madeira, sementes, palhas
etc. Infelizmente, a maioria dos objetos feitos com matéria-prima vegetal fica mal preservado,
sendo muito raro encontrarmos esses objetos, principalmente na Amazônia. Mas, quando
queimado, o carvão é um dos vestígios mais abundantes e fáceis de ser notado num sítio
arqueológico, pois se torna muito durável.
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Com os carvões e antigas sementes queimadas também podem ser feitas o que chamamos de
“reconstituições paleoambientais”. Mas o que isso significa?
Os objetos mais antigos produzidos pela mão humana, que conhecemos, são feitos de pedra
(ou melhor, rocha).
Os primeiros objetos produzidos em rocha eram muito simples, usando o peso e a dureza da rocha
para bater e quebrar; os gumes formados pelas lascas quebradas eram usados para cortar e raspar.
Existem muitas formas de se produzir objetos em rocha. A principal e mais antiga é o lascamento.
Lascar é usar uma rocha como martelo (percutor) e bater com força em outra rocha (que
chamamos de núcleo), num determinado ângulo, de modo a retirar pedaços da rocha. As
partes retiradas (ou lascas) vão formando um gume afiado, muito parecido com uma faca, e as
lascas também podem ser usadas para se fazer outros instrumentos. No capítulo De onde vêm
os Humanos há algumas imagens dessas rochas lascadas.
As rochas são minerais formados há milhões de anos, muito antes de qualquer vestígio
da presença humana existir. E elas provavelmente vão continuar durante muitos
outros milhões de anos... Elas podem ter diversas formas, texturas e cores.
Dependendo de sua estrutura e composição podem ser usadas como matéria prima
pelo homem para fabricar instrumentos.
Os artefatos em “pedra” lascada muitas vezes se confudem com fragmentos de rocha, sem
aparentar qualquer modificação, que só são reconhecíveis se soubermos exatamente quais as
marcas deixadas pelo lascamento. E que marcas são essas? Quando uma rocha recebe um
golpe em um determinado ponto, provoca uma ruptura na sua estrutura, removendo uma
lasca. Uma das características do lascamento são ondas que se propagam a partir do ponto de
impacto, provocando esta ruptura, e que ficam marcadas como cicatrizes na superfície da
lasca e do bloco do qual ela foi retirada (núcleo). O entorno do ponto de impacto fica desgastado
e a partir dali também se formam algumas estrias. Por estas marcas é possível reconstruirmos
a sequência de retiradas das lascas, remontando toda a estratégia empregada para o
aproveitamento daquele bloco, e assim entendermos as técnicas e os gestos utilizados. Há
vários tipos de artefatos, uns que conhecemos até hoje, como martelos, facas, pontas de flecha;
e outros que o uso se perdeu com o tempo.
Os tecidos usados para vestimenta, feitos de vários tipos de fibra (como o algodão ou a lã) são
materiais muito frágeis e preservam-se só em ambientes muito secos ou muito úmidos. Um dos
lugares onde foram encontrados vestígios de vestimentas fica no Peru. Na região dos Andes,
os tecidos eram fabricados há milhares de anos e cada família produzia seu próprio tecido,
usando suas respectivas cores e símbolos.
Um dos vestígios mais comuns na Amazônia e muito conhecido pelos seus moradores é a Terra
Preta Antropogênica (TPA), também conhecida como Terra Preta ou Terra Preta de Índio). A
maioria dos solos da Amazônia são considerados impróprios para o plantio, por serem muito
ácidos e pobres em nutrientes, mas as terras pretas são incrivelmente férteis (contêm alto
teor de nutrientes e são pouco ácidas). A princípio, estes solos eram considerados como um
fenômeno natural, entretanto, os arqueólogos perceberam que a terra preta é o resultado da
ação humana ao longo de milhares de anos de ocupação. Elas indicam locais onde havia as
16 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
antigas aldeias; e os solos escuros foram formados a partir da deposição intensiva e cumulativa
de materiais orgânicos. Nesses locais, normalmente são encontrados muitos artefatos
cerâmicos, assim como carvões, restos de alimentos e outros resíduos.
Através das terras pretas conseguimos mapear a extensão das aldeias e sabemos que algumas
eram muito grandes, tendo sido ocupadas por populações indígenas durante milhares de anos.
Você consegue imaginar de onde vem a cor escura da terra preta? Sim, a grande quantidade de
carvão aos poucos foi colorindo o solo! E ele ficou escuro, em tons de marrom a preto.
A arte rupestre é um dos vestígios que mais se destacam, por ser facilmente visível. Mas, o que
significa “Rupestre”? Falamos de arte rupestre quando encontramos desenhos pintados e
gravados sobre rochas, seja dentro de uma caverna ou na beira de um rio. O que está registrado nas
rochas são os conhecimentos dos povos antigos, muitas vezes eles desenhavam pessoas, animais
ou coisas que viam ou que imaginavam. Nesses desenhos, geralmente também temos as histórias
de um povo, mas o arqueólogo nem sempre consegue “ler” todas essas informações por não
entender os seus significados. Temos que imaginar que a Arte é uma maneira de se comunicar,
através da qual as pessoas compartilham seus gostos e suas culturas, porém o arqueólogo, muitas
vezes, não possui o “dicionário” para traduzir o que ele está lendo. Isso se evidencia quando duas
pessoas olham para uma mesma figura e veem coisas completamente diferentes. Se elas não tiverem
uma referência em comum, nem sempre vão se entender.
Um arqueólogo nunca olha para um painel (onde estão inseridas as pinturas e gravuras) só
para dizer “que lindo”. Os painéis devem ser estudados por meio de suas formas, dos materiais
utilizados na produção, das técnicas que podem ser percebidas através dos traços, das
informações contidas neles e da sua cronologia, buscando entender se todas as representações
foram feitas ao mesmo tempo ou se é possível identificar a realização dos desenhos em
momentos diferentes. Em alguns lugares, ainda existem descendentes dos grupos que fizeram
as pinturas ou gravuras e, portanto, podem ser questionados sobre o significado ou a
interpretação, porém esses casos são raros. No livro sobre Monte Alegre vamos apresentar
várias dessas pinturas, como foram feitas e onde foram encontradas.
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Por fim, você sabia que até a paisagem pode nos contar histórias sobre o passado? Que as
pessoas marcam o ambiente onde moram de forma permanente? Por isso, também devemos
cuidar do local onde moramos, para que o nosso impacto não leve à destruição ambiental.
Quando olhamos uma paisagem, podemos pensar que tudo é natural (especialmente na
Amazônia), porém muito do que vemos foi modificado pelas sociedades ao longo do tempo.
Os Arqueólogos são treinados para observar as paisagens em todos os detalhes, procurando
indícios da ação humana. Em alguns casos, as alterações podem ser bem sutis, um exemplo
são as elevações de terra que, à primeira vista, parecem obra da natureza, mas geralmente
eram as bases de antigas casas. Além dessas, há várias modificações na paisagem, como
manipulação e plantio de árvores frutíferas, construção de canais para irrigação, valas
defensivas, entre outras.
Há vários tipos de sítios arqueológicos. A maioria dos sítios encontra-se em locais onde os
grupos se estabeleceram por muito tempo e fixaram residência por décadas e até séculos; em
locais onde os grupos habitaram temporariamente em acampamentos; nas áreas de onde
eram extraídas matérias-primas para produzir artefatos etc. Existem outros sítios que eram
lugares utilizados para realização de rituais, além de outros espaços que os arqueólogos ainda
não conseguiram determinar com precisão o que representavam e qual a finalidade deles.
Existem também áreas de enterramento, algumas são muito parecidas com as atuais, em
cemitérios bem delimitados; outras áreas são em cavernas ou em áreas próximas às casas.
Na Amazônia, há um tipo de sítio muito especial e difícil de encontrar, que são conhecidos como
geoglífos, foram vistos pela janela do avião! Os arqueólogos identificaram essas marcas na
paisagem observando de cima, por avião, por drone ou imagens de satélites.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 19
Os sítios arqueológicos são locais onde encontramos vestígios de ocupações passadas. Eles variam de acordo com
as populações que ocuparam uma determinada área. Na imagem temos uma série de estruturas funerárias do sítio
Hatahara, município de Iranduba (Amazonas). Foto: Val Moraes.
Geoglífos são estruturas de terra de tamanho monumental que apresentam formas geométricas
como retângulos, círculos, quadrados, hexágonos etc. Examinando de perto, percebeu-se que
os geoglífos são formados por valas e montes de terra acumulados ao redor. Contrariando as
expectativas de alguns arqueólogos, poucos artefatos foram encontrados nesses sítios, por isso
não podemos afirmar qual a sua função entre os grupos. Existem mais de 500 Geoglífos na
Amazônia ocidental, nos estados do Acre, Rondônia, Amazonas e também na Bolívia. Para ver
imagens espetaculares dos geoglífos, acesse o site: http://amazonia.org.br/tag/geoglifos.
Os sítios megalíticos (mega = grande; lítico= pedra) têm esse nome por serem contruídos com
blocos de “pedra grande” erguidos na vertical, criando monumentos de vários formatos. Um
dos mais famosos é o de Stonehenge, na Inglaterra. Porém, muitas pessoas não sabem que
também temos sítios deste tipo aqui na Amazônia, em Calçoene, no estado do Amapá. Para
saber mais sobre estes sítios acesse o site do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas
do Estado do Amapá (http://www.iepa.ap.gov.br/nuparq.php).
Apesar de termos falado antes sobre arte rupestre, é válido destacar que os sítios com arte
rupestre podem ser encontrados em vários ambientes: em paredões a céu aberto, próximos a
rios, sob abrigos, em cavernas, entre outros. Além disso, devemos considerar que as pessoas
também poderiam morar e fabricar suas ferramentas perto desses sítios.
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Existem sítios arqueológicos que são as expressões artísticas de um determinado grupo. O sítio Painel do Pilão, no
município de Monte Alegre, possui inúmeras representações de pinturas sobre os grandes afloramentos rochosos
da região. Foto: Anne Rapp Py-Daniel.
Sambaqui é uma palavra tupi, que significa monte de conchas. Estes sítios também são conhecidos
como concheiros. Variam bastante de tamanho, podem ter de cinco até sessenta metros de altura!
Geralmente estão localizados em regiões costeiras ou em áreas fluviais com muitos moluscos.
Antigamente estes sítios eram vistos como lixeiras, onde as antigas populações descartavam os
restos de alimentos, principalmente de moluscos, formando várias e pilhas. Atualmente, sabemos
que estes sítios foram produzidos intencionalmente e tinham funções variadas (como moradia,
monumento funerário etc). Alguns sambaquis foram produzidos ao longo de mais de mil anos.
Os sítios de acampamento têm esse nome por serem moradias temporárias de grupos que se
deslocavam com certa frequência em busca de alimentos e matérias-primas para ferramentas,
ficavam muito temo longe de casa e precisavam acampar. Existem sítios de acampamento a
céu aberto e também sob abrigos e cavernas.
Outro tipo de sítio que os arqueólogos pesquisam chamam-se sítios “históricos”. Estes sítios
abrangem período colonial e pós-colonial do Brasil. Os arqueólogos têm como fonte auxiliar
documentos escritos e relatos de pessoas que conhecem as áreas de estudo. Os vestígios incluem
moedas, material de construção, plástico, cerâmica, faianças, porcelanas, metais, grés, vidro etc.
O fazer da Arqueologia
Escavar um sítio é uma tarefa que exige cautela e principalmente, especialização, pois é um
processo destrutivo. Uma vez retirados, os vestígios nunca mais poderão ser recolocados no
sítio. Por isso, o arqueólogo não pode intervir em um sítio sem ter definido exatamente o que
quer e como irá realizar a pesquisa. Para isso, o seu projeto de pesquisa é fundamental!
O fazer da arqueologia é composto por várias fases. Então, vamos explicá-las em etapas. Mas
não se preocupe, tentaremos abordar o assunto de uma forma simples e didática!
O primeiro passo é ter uma base teórica sólida (a teoria é o conjunto de regras e especificidades
de cada disciplina); as questões e o plano de pesquisa bem delimitados. A partir disso, o
arqueólogo pode começar a agir. O próximo passo a ser dado é encontrar um sítio arqueológico.
Encontrar um sítio
arqueológico às vezes é
uma tarefa difícil,
principalmente nas áreas de
floresta. Nesses casos,
devemos fazer sondagens
no solo e buscar indícios de
ocupação enterrados.
Foto: Anne Rapp Py-Daniel.
Durante o trabalho de campo, os arqueólogos sempre levam e utilizam várias fichas de diversos
tipos. Nelas são anotadas minuciosamente todas as informações pertinentes, como o contexto
ambiental (vegetação, fauna, hidrografia); as características do solo ou sedimento; a presença/
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 23
Os vestígios arqueológicos
às vezes estão na superfície,
nesse caso, temos que
marcar a localização do
material através de
coordenadas geográficas,
fotografias e fichas de
registro. Observem as
banderinhas vermelhas: elas
indicam o posicionamento
dos vestígios arqueológicos.
Foto: Anne Rapp Py-Daniel.
ausência de vestígios e sua descrição etc. As fichas são extremamente importantes, pois fazem
parte do que chamamos de “registro”. Quando o arqueólogo termina o trabalho no campo, por
meio das fichas de registro, ele obtém todos os elementos necessários para fazer a sua análise e
guardar as informações registradas. As fotografias também são de grande valor, pois com a
sofisticação da tecnologia tem ficado cada vez mais fácil registrar imagens (até por meio do celular).
Ainda na etapa de análise da superfície, se o arqueólogo julgar necessário, ele pode fazer uma
coleta de artefatos. O registro de seu posicionamento (coordenadas) é fundamental, pois
através dele, pode-se saber a extensão do sítio; a distribuição dos vestígios (onde há
concentrações maiores/menores); e as relações entre eles (se estão mais próximos ou mais
distantes). Quando se conhece a posição de todos os elementos, é possível marcá-los por
pontos num mapa onde estão demarcados os limites do sítio.
Você sabia que os sítios arqueológicos são um Patrimônio Brasileiro e protegidos por lei?
Quando uma equipe de pesquisa encontra um sítio ainda não catalogado, é necessário fazer um
cadastro no IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão responsável
pelo gerenciamento do patrimônio arqueológico e histórico no Brasil, para que o sítio seja
reconhecido e incluído no inventário, passando a receber a proteção do Governo Federal.
A prospecção ajuda o arqueólogo a decidir onde escavar, caso seja necessário. Depois que fizer
todo o mapeamento e o registro do material encontrado, o arqueólogo pode definir as áreas
mais indicadas para responder às suas perguntas de pesquisa.
É importante destacar que um arqueólogo não pode sair escavando por aí! Somente
arqueólogos autorizados pelo IPHAN podem fazer pesquisas em sítios arqueológicos. Se
escavar sem a devida autorização, o arqueólogo ou qualquer outra pessoa cometerá um crime.
24 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
O solo retirado
durante uma
escavação precisa ser
peneirado (como
vemos na foto). Esse
procedimento
permite que todos os
vestígios sejam
recuperados.
Foto: Val Moraes.
Dominando esses conceitos, agora podemos explicar mais diretamente sobre a escavação em si.
Quando chegamos num sítio arqueológico temos que fazer um mapa com demarcação da sua
área. A forma mais simples é imaginar linhas traçadas do norte para o sul e do leste para o oeste,
formando um quadriculamento da área. Uma vez estabelecida a área e as quadras do sítio, o
arqueólogo pode abrir áreas de diferentes tamanhos. Muitas vezes uma área maior de escavação
é composta por várias unidades menores de um metro quadrado, como pode ser visto na foto da
página anterior.
E depois da escavação?
(laboratório, conservar, restaurar, mostrar etc.)
Você pensa que o trabalho do arqueólogo termina quando ele volta do campo? Não, a próxima
etapa é uma das que demandam mais tempo. Trata-se da etapa de laboratório. Só para você
ter uma ideia, um mês de escavação pode fornecer material para um ano de trabalho no
laboratório! Os materiais enviados aos laboratórios passam por um processo chamado
curadoria. Mas, como essa curadoria será realizada, vai depender tanto da natureza do material
(osso, vegetal, lítico etc.) quanto do seu estado de conservação.
26 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
O trabalho do arqueólogo
consiste em várias etapas.
Em laboratório, muitas
peças são desenhadas, isso
nos permite visualizar
melhor os detalhes do
material. Foto Val Moraes.
Inicialmente, é necessário fazer uma limpeza do material. Esse procedimento tem por objetivo
facilitar a visualização das propriedades dos vestígios, mas nem todos os materiais serão limpos.
O material cerâmico, lítico, dentre outros, podem conter resíduos de alimentos ou resinas, que
são importantes para análise de outros especialistas.
O material cerâmico (grande parte fragmentado) pode passar por uma limpeza mecânica “a
seco”, com auxílio de um pincel, por exemplo, quando a camada de sujeira é fina e facilmente
removível. Quando as camadas estão mais espessas, exigem aplicação de mais força para
remoção de sedimento. Nesse caso, recomenda-se a utilização de um solvente para amolecê-
lo, pois a pressão excessiva poderá fragmentar o material. Utilizamos principalmente o solvente
universal (água), aplicado com pincéis de cerdas macias. Todo trabalho é realizado com muito
cuidado, não só para evitar a quebra da evidência, mas também impedir que as superfícies
sejam arranhadas ou que a decoração seja removida (pinturas podem ser removidas facilmente
num mínimo descuido).
O material lítico costuma ser mais resistente, por isso pode ser limpo com água e escovas de
cerdas mais ásperas. Quando os vestígios são muito pequenos, geralmente não são lavados ou
se faz uma lavagem delicada usando peneiras de malhas finas como apoio. Materiais delicados
como ossos, normalmente não são lavados; já os carvões nunca são lavados.
Como explicamos, o contexto dos vestígios é de extrema importância. Portanto, todas as peças
retiradas de campo são numeradas. A numeração funciona como um “documento” de cada
material na ficha de análise. Quando possível, pode ocorrer a remontagem. Como o próprio
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 27
Outro passo é a triagem, que funciona como uma análise preliminar. Esta etapa consiste na
separação e classificação, assim como quantificação das evidências. As informações da triagem
são arquivadas e ficam disponíveis para que os arqueólogos selecionem os atributos que irão
trabalhar. Qualquer tipo de vestígio pode ser analisado por diversas abordagens, dependendo
da área científica do pesquisador, do objeto estudo de sua pergunta de pesquisa.
1 - Na maior parte do tempo, encontramos inúmeros fragmentos cerâmicos. Não há como saber
quantos vasos haviam ali só olhando para os vestígios no campo, nem se todos os fragmentos
pertencem a um mesmo objeto. No processo de triagem, vamos separando os fragmentos por
partes do vaso: base, parede e borda. Ainda podemos separar os fragmentos que apresentam
decoração, como pintura, modelagem, cores etc. A partir dessa primeira etapa, vamos tentar
remontar. A forma e a decoração de um vaso indicam se ele era destinado para guardar líquidos,
cozinhar, assar, em rituais etc.
Parte do trabalho do
arqueólogo é entender quais
as etapas de produção dos
objetos encontrados.
Essas etapas são definidas
pelo tipo de material e pelas
escolhas culturais
de cada sociedade.
Ao lado temos as etapas de
produção de um vaso
cerâmico antes da queima.
28 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
2 - O material lítico possui diversos atributos ligados à forma como as rochas foram
transformadas e/ou utilizadas. O reconhecimento de determinado número de características
revela se temos um artefato pronto, como pontas de projétil ou se estava em processo de
fabricação. Nem todas as ferramentas líticas possuem formas definidas. Muitas delas são
agrupadas como afiadores, cortadores, raspadores etc. Para identificar o uso de uma ponta
de flecha é fácil, mas de outras peças não é tão fácil. É importante esclarecer que diversos
artefatos foram utilizados no passado, mas o conhecimento sobre o seu uso se perdeu no
decorrer do tempo. Portanto, os arqueólogos trabalham com experimentos e reprodução de
artefatos para ajudar a entender qual a função e como o material foi produzido .
No laboratório, também pode ocorrer a separação de carvão e cerâmica a serem enviados para
datação. Outros recursos utilizados para documentação são fotografias e desenhos.
Após a análise dos materiais, eles são enviados para a reserva técnica, onde os vestígios
arqueológicos são conservados.
Em laboratório, o material
encontrado é analisado
e comparado ao material
já identificado.
Foto: Anne Rapp Py-Daniel.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 29
Antes de iniciarmos a elaboração desse livro, fizemos um levantamento sobre quais os temas
que poderiam ser abordados no seu conteúdo. Ao aprofundar essa pesquisa, percebemos
que há uma disseminação de ideias que não condizem com a realidade mais recente das
pesquisas arqueológicas. Isso não é culpa das pessoas. Um dos fatores responsáveis por essa
propagação de ideias distorcidas é a falta de divulgação do conhecimento produzido nas
universidades, instituições de pesquisa e museus.
A Arqueologia,
embora seja uma
disciplina pouco
conhecida no Brasil,
trabalha com a
história das antigas
ocupações
humanas.
Os conhecimentos
gerados pelas
pesquisas
arqueológicas
precisam ser
transmitidos para
todos os públicos.
Foto: Val Moraes.
30 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
salvamento arqueológico
Além do trabalho da arqueologia na área acadêmica (feita por instituições de ensino e pesquisa)
há o salvamento arqueológico. Esta área de atuação pauta-se em dois princípios: primeiro, o
patrimônio histórico e arqueológico brasileiro é protegido por lei (desde 1961), pois entende-
se que são os vestígios da nossa história; segundo, o ser humano tem feito cada vez mais
alterações no meio ambiente, num ritmo acelerado. As mudanças que geram maior impacto
para os sítios arqueológicos são as grandes construções.
A edificação de gasodutos, estradas, ferrovias, hidrelétricas e até mesmo shoppings, por
exemplo, podem destruir rapidamente evidências da ocupação humana de centenas (e até
milhares) de anos. Como já vimos antes, todas as informações que não foram registradas, são
perdidas definitivamente.
Se um empreendimento pretende realizar uma construção, a legislação brasileira é clara: antes
das obras serem realizadas, deve-se primeiro realizar um levantamento ambiental, social e
arqueológico; se for encontrado um sítio arqueológico, ele tem que ser estudado, antes de ser
destruído. Além disso, os arqueólogos devem realizar um projeto de educação patrimonial
direcionado à comunidade para repassar as informações obtidas .
No entanto, até então as ações de fiscalização dos grandes projetos devem ser aprimoradas.
Em muitos casos, as empresas não realizam a etapa de salvamento arqueológico e grande
parte da História se perde.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 31
o que é a interdisciplinaridade?
2. Para entender o que se preserva num sítio após centenas de anos, é necessário
entender os processos químicos e microbiológicos que modificam os vestígios
(nem tudo se preserva, e o que causa o desaparecimento desse material?).
Datando na Arqueologia
Em todos nossos livros, vamos sempre explicar quando ocorreram alguns eventos, como se faz na
História. Porém, diferente da História, na Arqueologia temos alguns métodos de datação próprios
e trabalhamos numa escala de tempo muito maior, chegando a milhões de anos. Em referência à
datação: quando conseguimos estabelecer a ordem dos eventos que aconteceram no mundo ou
em um sítio arqueológico, isso significa que construímos uma cronologia ou sequência.
Vamos apresentar três importantes métodos aplicados com objetivo de datar: a primeira forma
é compartilhada pela História e pela Arqueologia, a História Oral; em seguida, veremos a
datação relativa, que é um conceito essencial para entendermos a sequência de aparecimento
de objetos e estruturas nos contextos arqueológicos; por fim, veremos um método de datação
absoluta, as datações por radiocarbono, esses métodos fornecem datas precisas de calendário.
História Oral
Você já chegou a se questionar sobre quais são os objetos mais antigos que existem na sua
casa? Os que foram da sua mãe, avó ou bisavó?
Conversando com os donos dos objetos, eles podem nos dizer quando os adquiriram.
Geralmente aprendemos algo a mais sobre a vida dos objetos e de seus proprietários. Talvez
fossem um presente de casamento, uma herança de um parente, um bem adquirido após um
trabalho bem pago, e assim por diante.
Esse acesso direto aos dados sobre o passado é chamado de história oral. A memória pode
guardar informações por períodos muito longos, pois as histórias podem passar de uma geração
a outra. As histórias orais não só revelam fatos sobre os objetos usados pelas pessoas, mas
também podem mencionar as histórias de vida, a fundação de comunidades, as guerras que
houveram, os heróis culturais, a religião e as mudanças no ambiente, entre outros.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 33
As glaciações: são as famosas “Eras do Gelo”. Periodicamente o clima do nosso planeta muda.
Atualmente, vemos o efeito do aquecimento causado pela ação dos humanos. Contudo, ao
longo da história, ocorreram várias mudanças do clima no planeta, em alguns momentos a
temperatura ficou tão baixa que se formaram grandes camadas de gelo nos Polos Sul e Norte e
o nível do mar baixou mais de 100 metros! A última grande glaciação terminou há uns 10 mil anos.
Datação relativa
Voltando aos objetos, temos um segundo caminho a investigar para descobrir a idade dos
vestígios arqueológicos: as histórias contadas pelas técnicas de manufatura e os estilos dos
artefatos. As fábricas hoje produzem objetos de acordo com a moda, a demanda dos
consumidores e a tecnologia disponível. A maior parte dos estilos são passageiros e só são
produzidos por curtos espaços de tempo. Por exemplo, se pensarmos nas roupas que usamos
hoje, são diferentes das roupas que os nossos avôs usavam há 50 anos, e assim por diante.
Vamos pensar em outro exemplo: as calças jeans. Elas começaram a ser produzidas como roupas
de operários nos Estados Unidos, ainda no século XIX. No início, poucas pessoas conheciam ou
usavam essa vestimenta, mas aos poucos a produção aumentou porque as pessoas se
interessaram pelas calças, pois eram de um tecido mais resistente do que os que usavam antes.
Ao longo dos anos, os estilos foram variando, e hoje as calças produzidas são completamente
diferentes daquelas do final do século XIX. As mais antigas já não são mais fabricadas, porém,
ainda conseguimos diferenciar as novas das antigas. Além do estilo, a técnica de fabricação, o
próprio tecido, as costuras, se usam ou não bolsos, o próprio uso, tudo isso foi mudando ao
longo das décadas. Podemos dizer que a tecnologia, a forma e o estilo mudaram ao longo do
34 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
Somente a partir do século XIX, os arqueólogos e cientistas de outras áreas iniciaram a buscar
respostas para essas perguntas de forma mais sistemática. Eles procuravam no solo e,
principalmente nos fósseis, indícios que sugerissem como a humanidade evoluiu, de onde ela
veio e as maneiras para explicar todas as diferenças entre os humanos.
Outras perguntas surgiram no âmbito dessa ciência ao longo do tempo: O que é ser humano?
Quando começamos a pensar e agir como humanos? Esses questionamentos surgiram quando
os pesquisadores perceberam que muitos outros tipos de mulheres e homens existiram antes
das sociedades modernas.
Um dos primeiros fósseis identificados como sendo de um antigo hominídeo foi um crânio
descoberto no Vale de Neander (depois esse vestígio foi chamado de Homo neanderthalensis
ou Homem de Neandertal), na Alemanha, ainda no século XIX. Depois, outros fósseis foram
descobertos e datados em diferentes partes do mundo, e assim pudemos saber que os nossos
ancestrais mais antigos possuem aproximadamente sete milhões de anos.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 37
O que é a Evolução?
A Teoria da Evolução foi proposta por Charles Darwin e Alfred R. Wallace, dois cientistas
britânicos do século XIX. A Evolução é o resultado de um mecanismo chamado de “Seleção
Natural”, que seleciona os indivíduos de um grupo que estão mais bem adaptados (ou
mais preparados) para viver em um determinado ambiente. A Seleção Natural atua ao
longo de várias gerações e para que possa “funcionar” é necessário: que exista uma
grande variabilidade genética dentro de uma população; que essas variações sejam
transmitidas de uma geração para outra em diferentes proporções; e que os indivíduos
deixem descendentes férteis. A Teoria da Evolução explica a grande quantidade e
variedade das espécies de seres vivos atualmente, suas diferenças e como estão
relacionadas. A Evolução não significa melhorar; mas significa mudar ao longo do tempo,
mantendo-se adaptado ao meio ambiente onde se vive.
Há pelo menos duas formas de atribuir o nome a todos os seres vivos na terra: uma
forma é o nome comum (que será diferente em cada língua); o outro é o nome Lineano
(sempre nomeado em latim e usado em praticamente todos os países). Atualmente, os
cientistas de todo o mundo usam o sistema Lineano para identificar as diferentes espécies
e assim evitar que o mesmo ser vivo receba dois nomes científicos ou que dois seres
distintos recebam o mesmo nome científico. Além disso, há diferentes hierarquias de
análises para cada ser vivo, que são divididas nas seguintes categorias: Reino, Filo, Classe,
Ordem, Família, Gênero e Espécie. Vamos ver como os seres humanos são classificados
pela biologia? Veja a tabela abaixo:
A nossa espécie é conhecida pelos especialistas como Homo sapiens ou Homo sapiens sapiens.
Antes dessa espécie surgir havia outras espécies de humanos, algumas muito semelhantes e
outras muito diferentes de nós. O vestígio mais antigo encontrado de um hominídeo é o de
uma espécie chamada de Sahelanthropus tchadensis, que foi encontrada na República do Chade,
na África Central. Foram descobertos fragmentos de um crânio e de um fêmur (o maior osso da
perna), que foram datados de aproximadamente 7 milhões de anos!
Depois desse hominídeo houve vários outros ao longo de milhões de anos, que aos poucos
foram ficando cada vez mais parecidos com a nossa espécie, no tamanho do corpo e do cérebro;
possuindo cada vez menos pelos; produzindo ferramentas cada vez mais complexas etc. Esse
processo foi muito lento e repleto de outros hominídeos. Nossa espécie surgiu por volta de
200 mil anos atrás, mas só começa a ter um comportamento quase totalmente semelhante
com o nosso, por volta de 80 mil anos atrás.
Houveram diversos hominídeos vivendo ao mesmo tempo, nossa espécie só ficou sozinha no
mundo nos últimos 20 mil anos. É extremamente difícil imaginar que existiram outros seres
humanos diferentes e, ainda assim, convivendo conosco; isso deve ter causado um impacto
muito grande nos nossos ancestrais.
A vida na Terra
A Terra teve origem há 4.5 bilhões de anos, mas os primeiros seres vivos (parecidos com
bactérias) surgiram somente a partir de 3.5 bilhões de anos. Os primeiros mamíferos surgiram
há 250 milhões anos e os primeiros primatas há 55 milhões de anos. A linhagem que vai dar
origem à humanidade aparece no registro arqueológico a partir de 7 milhões de anos, mas o
humano plenamente moderno surgiu somente entre 80 e 50 mil anos.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 39
Os primeiros hominídeos
foram todos encontrados na
África há quase 7 milhões de
anos. Desde então, muitos
outros surgiram e
desapareceram até 20 mil anos
atrás, permanecendo somente
o Homo sapiens.
Os nossos ancestrais Homo sapiens saíram da África entre 100 e 80 mil anos atrás e foram para
os países do Oriente Médio – onde hoje estão localizados a Síria, Jordânia, Iraque e outros. –
durante milhares de anos eles percorreram toda a superfície do globo terrestre. O último local
a ser conhecido pelos humanos foi a Antártida, já em períodos recentes. É provável que
indígenas do sul da América do Sul e aborígenes da Austrália e da Nova Zelândia soubessem da
sua existência, mas descrições precisas só passaram a existir no século XIX.
40 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
Os humanos precisaram percorrer longos caminhos no decorrer dos milênios, a maior parte
dessas viagens foi realizada a pé, mas outras foram realizadas em barcos. Por exemplo, a Austrália
começou a ser ocupada há 50 mil anos e, antes dos aviões, o único meio de chegar até esse
continente era pela navegação. Infelizmente, não conhecemos os primeiros barcos construídos
e utilizados, mas sabemos que eles existiram pela existência de pessoas no continente.
Há 40 mil anos, homens e mulheres iguais a nós chegaram à Europa, onde conviveram com os
Neandertais durante 10 mil anos. O último continente ocupado foi a América, onde os ancestrais
dos primeiros indígenas chegaram entre 25 e 15 mil anos atrás. Como veremos no próximo
capítulo, há controvérsias a esse respeito, e a data de chegada dos primeiros humanos nesse
continente pode inclusive ser mais antiga.
As primeiras ferramentas
As primeiras ferramentas produzidas pelos hominídeos eram muito simples, feitas de seixos
lascados que serviam de cortadores e martelos. O nome dado a essas ferramentas foi Chopping
Tool (traduzindo significa “ferramenta de cortar”); as mais antigas foram datadas entre 3 e 2.5
milhões de anos , sendo produzidas pelo Homo habilis (ou Homem habilidoso).
Essas ferramentas permaneceram iguais até a invenção do Biface, que já é uma ferramenta
muito mais elaborada, servindo para cortar e bater, ficando também praticamente igual até
300 mil anos atrás. Ela foi produzida pelo Homo erectus (que foi o primeiro a sair da África).
Além disso, ele foi provavelmente o primeiro a conseguir dominar o fogo, ou seja, conseguia
A partir de 300 mil anos, vimos o surgimento de outra ferramenta: a ponta Levallois, que era
encabada em haste de madeira formando lanças poderosas para caçar grandes animais. Elas
foram fabricadas principalmente pelo Homo neanderthalensis. Antes dessas ferramentas, os
hominídeos deviam caçar apenas pequenos animais, sendo provável que a maior parte da carne
que consumiam viesse de restos de carcaças deixadas pelos grandes carnívoros, como os leões.
A partir de uns 80 mil anos na África e 40 mil anos na Europa, começamos a identificar
ferramentas altamente diversificadas. Essa tendência à diversidade vai se propagar e
continuar até os nossos dias.
É interessante pensar que a nossa espécie, além de produzir ferramentas, também criou a
Arte, e através dela pôde expressar diferentes ideias ligadas à religião, à decoração e à
demarcação do seu território. Além disso, a Arte permitiu que as pessoas criassem formas de
se diferenciar e ter estilos próprios. As definições do que é Arte e quais as suas funções são
distintas, de acordo com diversas populações no mundo. Isso significa que devemos ter muito
cuidado ao definir este conceito, porque arte não é sinônimo de beleza.
Apesar de muitos pensarem que as ferramentas em rocha, em madeira ou em osso são simples e
“atrasadas”, na verdade, elas exigem muito conhecimento e técnicas específicas para a sua
confecção. Alguns arqueólogos que trabalham com a reprodução desses materiais perceberam
que até a elaboração das ferramentas líticas mais simples exigiam certos conhecimentos de
física e mais específicos sobre geologia. Hoje, estamos cada vez mais acostumados a comprar os
objetos que precisamos em lojas, por isso, temos dificuldade em entender como eram feitas
algumas ferramentas antigas. No entanto, a Arqueologia estuda esses artefatos, pois eles nos
permitem entender o que as pessoas faziam, o que comiam, como viviam e, em alguns casos, até
mesmo o que pensavam.
Alguns especialistas sugerem que talvez o Homo erectus já tivesse criado algum tipo de
linguagem, pela forma como eles produziam o biface, uma ferramenta que exigia alta
complexidade no processo de fabricação. Os pesquisadores acreditam que eles necessitavam
da comunicação para repassar o conhecimento e ensinar o passo a passo de como fazer este
tipo de ferramenta.
Para nos ajudar a pensar na importância da linguagem, precisamos saber que atualmente
existem milhares de línguas faladas no mundo todo (são cerca de 7.000 línguas vivas e várias
extintas), só no Brasil são aproximadamente 200 línguas, sendo a maior parte delas faladas só
pelas populações indígenas. Contudo, várias dessas línguas estão correndo risco de extinção
porque o número de falantes vem se reduzindo rapidamente, e a cada língua que se extingue
também desaparece uma forma única de pensamento e visão de mundo.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 43
Alguns estudiosos tentaram estimar a quantidade de pessoas que viviam nas Américas quando
chegaram os primeiros europeus, em 1492. Porém, esses dados são imprecisos, pois muitas
sociedades inteiras desapareceram antes de qualquer possibilidade de documentação por parte
dos que vieram da Europa. Considerando a dificuldade de chegar a esses números, é importante
sabermos que algumas estimativas previam 112 milhões de pessoas vivendo nas Américas
quando Cristóvão Colombo aportou nas Antilhas. Se os dados estiverem corretos, isso significa
que, naquela época, a população das Américas era mais numerosa que a da Europa. Estima-se
que só na Amazônia havia uma população de aproximadamente 10 milhões de pessoas.
A parte triste desta história é que a outra estimativa revela que nos primeiros 130 anos após a
chegada dos primeiros europeus, 95% dos nativos desapareceram, vítimas do confronto direto
com os europeus e principalmente das doenças que vieram com eles.
Mesmo considerando que os dados sobre a população habitante das Américas são difíceis de
estimar, em referência à ocupação amazônica, as pesquisas arqueológicas desenvolvidas até
então nos permitem afirmar com bastante segurança: na Amazônia, os sítios arqueológicos
datados por volta do ano 1000 de nossa era são de aldeias muito maiores que as do período em
que os europeus chegaram à região. Assim, embora não seja possível confirmar a quantidade
de habitantes, podemos afirmar que um número muito grande de pessoas viveu nas Américas.
Mas de onde vieram essas pessoas? Quais são as evidências mais antigas da presença humana
nas Américas?
Desde que foram produzidos os primeiros documentos relatando características dos nativos
americanos os relatores já mencionavam uma semelhança na fisionomia (ou aparência física)
entre as populações. Se compararmos os traços físicos dos americanos com populações nativas
de outras partes do mundo, suas feições se assemelham mais aos povos da Ásia. Os
pesquisadores classificam este tipo físico como asiático ou mongoloide. Chineses, coreanos,
japoneses, mongóis, indígenas americanos e uma diversidade de outros povos da Ásia entrariam
neste grupo. Africanos, maoris e nativos australianos seriam classificados como negroides.
Europeus, indianos, egípcios e vários outros povos são classificados como caucasoides. A
semelhança entre os asiáticos e os americanos fez com que desde muito cedo, os estudiosos
propusessem que eles tinham uma origem comum.
Você sabia que o ponto mais próximo entre as Américas e outro continente é um lugar chamado
Estreito de Bering?
O Estreito de Bering, como o próprio nome diz é uma pequena faixa de água ou canal que
separa o Alasca (na América) da Sibéria (na Ásia). São cerca de 82 quilômetros entre entre os
dois continentes. Atualmente, o oceano tem cerca de 50 metros de profundidade neste local.
44 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
O Alasca e a Sibéria ainda são dos lugares mais frios da Terra, imagine como era na Era do Gelo!
Alguns pesquisadores acreditam que durante a Era do Gelo seria quase impossível para os
humanos conseguir comida e sobreviver nessas partes mais frias da Terra.
Todavia, por volta de uns 12 a 15 mil anos atrás iniciou o aquecimento do clima na terra, mas os
efeitos desse fenômeno não ocorrem de forma rápida e, aos poucos, algumas partes que eram
muito frias passaram a esquentar e o nível do mar também foi subindo. Os animais e os humanos
tiveram que se adaptar ao clima mais quente e houveram diversas migrações nesse período.
Numa delas, acredita-se que animais e humanos começaram a migrar para as regiões mais
frias, justamente onde se encontram a Sibéria e o Alasca. Hoje, no Estreito de Bering a
profundidade do oceano é de cerca de 50 metros. Consideramos que no final da Era do Gelo
esta região era coberta por terra e geleiras, e devido à elevação do clima algumas geleiras
reduziram, possibilitando que animais e humanos atravessassem da Ásia para as Américas.
Presume-se que este seria o momento no qual os povos da cultura Clóvis fizeram a travessia e
seguiram até os Estados Unidos caçando mamutes e bisões.
Durante muito tempo, até os anos 1980, essa foi a explicação de como primeiros humanos
teriam chegado ao continente americano.
A partir dos anos 1980, muitos países da América do Sul começaram a dar mais importância
para as pesquisas arqueológicas. Além disso, pesquisadores europeus e norte-americanos
fizeram parcerias para pesquisar sítios arqueológicos nesses países. À medida que elevou o
número de sítios arqueológicos encontrados e pesquisados na América do Sul, surgiram novos
dados e datas mostrando que os humanos já estavam presentes na América do Sul em períodos
anteriores ao do povo da cultura Clóvis nos Estados Unidos.
No Brasil, foram encontrados vários sítios com datas mais antigas que os da cultura Clóvis. Em
São Raimundo Nonato, no Piauí, Niede Guidon encontrou evidências que sugeriam a presença
de humanos na região há pelo menos 40 mil anos, além de outros vestígios indicando que
poderiam viver aqui antes dessa data. Em Rondonópolis, no Mato Grosso, numa área conhecida
como Cidade de Pedras, o casal de arqueólogos Agueda e Denis Vialou encontrou evidências
da presença de humanos datadas por volta de 25 mil anos.
Na Amazônia, um arqueólogo chamado Eurico Miller encontrou um sítio arqueológico na terra
indígena Nambiquara, chamado Abrigo do Sol, em que foram encontrados vestígios datados
em 13 mil anos.
Nos Estados Unidos, muitos arqueólogos envolvidos nesta questão defendiam, em alguns
casos ainda defendem, que não existiram humanos nas Américas antes do povo da cultura
Clóvis. Esses arqueólogos apelidados de “Clóvistas”, quando souberam das informações de
sítios mais antigos no Brasil e na América do Sul, questionaram a validade destas informações.
Como a Arqueologia só foi difundida mais tarde na América do Sul, e já contava com um grande
arcabouço de pesquisas nos Estados Unidos, os Clóvistas questionaram os métodos e as
técnicas dos arqueólogos que escavaram e produziram os dados sobre os sítios mais antigos.
48 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
A questão foi se tornando cada vez mais difícil de resolver, mas intensificaram-se as pesquisas na
América do Sul e continuaram a surgir sítios mais antigos que os da Cultura Clóvis e, em alguns
casos, os sítios foram pesquisados por arqueólogos dos Estados Unidos. É o caso de um sítio no
Chile, chamado Monte Verde, onde uma escavação liderada pelo arqueólogo norte- americanoTom
Dillehay revelou vestígios da presença de humanos datados em mais de 13 mil anos.
MONTE ALEGRE – PA
Um caso muito importante para nós é de um sítio arqueológico encontrado no Parque Estadual
de Monte Alegre, chamado Caverna da Pedra Pintada, que foi visitado por muitos pesquisadores
desde o século XIX. Nos anos 1920, Curt Nimuendajú fez anotações sobre algumas das pinturas
que aparecem nas paredes desta gruta. Nos anos 1980, Edithe Pereira iniciou um estudo
detalhado das pinturas que ocorrem em vários sítios no Parque Estadual de Monte Alegre.
Nos anos 1990, uma arqueóloga norte-americana chamada Anna Roosevelt liderou uma equipe
que escavou a Caverna da Pedra Pintada e encontrou vestígios da presença humana de 11.200
anos. Estudos atuais, liderados por vários dos autores deste livro, encontraram datas ainda
mais antigas para este sítio, que ultrapassam 12 mil anos.
Um aspecto importante a ser considerado nessa discussão refere-se aos tipos de vestígios que
estão sendo encontrados. O povo da cultura Clóvis era composto por caçadores especializados
na caça de megafauna, principalmente mamutes e bisões. Nos sítios da América do Sul, os
vestígios são bem diferentes. Eles caçavam animais grandes e pequenos e coletavam muita
comida retirada das plantas.
A certeza que temos hoje é o fato que de que existem ocupações humanas mais antigas que
Clóvis nas Américas, mas ainda é muito difícil afirmar de onde eles vieram.
Se eles chegaram antes de terminar a Era do Gelo, não seria possível passar pela região onde
hoje está situado o Estreito de Bering, pois as geleiras eram tão grandes que não haveria
condições de sobreviver a uma travessia.
Como eles vieram então? Alguns arqueólogos acreditam que eles podem ter construído
pequenas embarcações (chamam de navegação por cabotagem) e navegado margeando a
costa pacífica do continente, e assim chegado nas Américas pelo litoral. O problema é que na
Era do Gelo a diferença do nível do mar, como dissemos, pode ter sido acima de 100 metros.
Isso significa que o litoral daquela época pode estar submerso atualmente, por isso ainda é
muito difícil desenhar a rota por onde vieram os humanos, mesmo que encontremos sítios
antigos no interior.
Para concluir esta parte, podemos afirmar com clareza que os humanos estão presentes no
continente americano há muito tempo. Os contextos de 25 mil anos já podem ser aceitos, pois
repetem-se em alguns sítios arqueológicos. Há registros de alguns sítios com datas ainda mais
antigas, porém, muitas pesquisas estão sendo realizadas e novas evidências podem ainda
aparecer. Quem sabe um dia conseguiremos encontrar a rota dos primeiros americanos.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 49
Muitas vezes ouvimos que a Amazônia é uma região enorme, mas será que entendemos o que
isso quer dizer? Ela tem aproximadamente 6 milhões de km2, se considerarmos todo o continente
europeu (sem a Rússia), a Amazônia é praticamente do mesmo tamanho. Equivale a um quinto
de todo o território Africano e é um pouco menor do que a Austrália (contando as áreas das
ilhas). Ou seja, a Amazônia possui dimensões continentais, e cabem vários países nesta região.
Neste capítulo, vamos iniciar nosso percurso pelo meio ambiente, buscando mostrar a grande
diversidade de regiões dentro da própria Amazônia. Depois definiremos algumas questões
sociais, culturais e linguísticas. Vamos tentar responder algumas perguntas feitas no parágrafo
anterior e deixar outras em aberto para reflexão, para pensarmos no que é a Amazônia como
um todo. Continuaremos falando sobre algumas regiões da Amazônia nos livros sobre Santarém
e Monte Alegre.
Sabemos que há três grandes tipos de rios na Amazônia: os de água clara, os de água preta e os
de água branca. Cada um desses rios possui características próprias e nem todos estão
presentes em todo o território. Os rios de água clara (ex. rios Tapajós e Xingu) possuem águas
relativamente transparentes com pouco sedimento ou matéria orgânica em suspensão; esses
rios são formados nos Planaltos Brasileiro e Guianense. Os rios de água preta (ex. rio Negro)
possuem uma coloração escura, variando de marrom escuro a quase preto, o que torna muito
difícil enxergar embaixo da água. Além disso, esses rios são muito ácidos, com presença de
ácidos húmicos e fúlvicos. Os rios de águas claras e pretas não possuem várzeas muito
significativas, mas junto com os igarapés formam grandes áreas de igapó, que são florestas
inundadas durante o período das chuvas.
Por fim, os rios de água branca (ex. rios Amazonas e Madeira) nascem na região andina; contêm
uma enorme quantidade de sedimentos em suas águas e a visibilidade é muito reduzida. Esses
rios são conhecidos por formarem grandes áreas de várzea, que são planícies de terras
inundadas anualmente e, por isso, recebem parte do sedimento existente nesses rios. Em
virtude dessa deposição de “terra nova” todos os anos esses locais são particularmente férteis
e, por isso, são utilizados para plantio durante um determinado período do ano.
Ao leste da Amazônia, temos uma particularidade: o Oceano Atlântico, que tem uma forte
influência sobre o rio Amazonas e sua fauna. As idas e vindas das águas marinhas formam as
marés, que alternam em vários metros todos os dias. Contudo, a quantidade de água doce dos
rios despejadas no oceano é tão grande que todo o litoral amapaense e paraense possui águas
de cor amarronzada com espécies animais que lhe são próprias.
Ao longo dos rios e do litoral, encontramos áreas de floresta, mas elas também não são todas
iguais. As Florestas de Terra Firme, são áreas que nunca alagam e representam a maior parte
das florestas amazônicas; podem ser florestas densas ou semiabertas e com maior ou menor
presença de palmeiras e/ou cipós. Normalmente as árvores são muito altas, com mais de 20
metros de altura, e abrigam uma grande diversidade de animais vivendo em suas copas.
Próximas a alguns rios também temos áreas de buritizais, enquanto que no litoral encontram-
se muitas áreas de mangues, com árvores resistentes e onde muitos animais aquáticos fazem
seus ninhos ou criam seus filhotes.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 51
Por último, não podemos deixar de citar a importância das Savanas Amazônicas, que são
encontradas em diferentes localidades, como Santarém e Monte Alegre no estado do Pará, e
também ocorrem nos estados de Roraima e Amapá. Fora do Brasil existem savanas
principalmente na Bolívia e na Venezuela. Por causa da vegetação diferente, similar à do cerrado
brasileiro, com árvores mais baixas e de caules mais retorcidos, essas regiões também são
chamadas de “campos”.
Toda essa diversidade ambiental fez com que os humanos tivessem que estudar as florestas,
os rios, os mangues e com isso aprender a conviver com ela. Atualmente, estamos passando
por um descontrole na ocupação humana na Amazônia, que está ameaçando não só as plantas,
rios e animais, mas também todos aqueles que ainda vivem de modo tradicional. Isso nos leva
a uma outra grande pergunta: quem vive na Amazônia?
Esses ocupantes mais antigos são os ancestrais das populações indígenas atuais. Ao contrário
do que se pensou até recentemente, essas populações nunca viveram completamente isoladas,
sem nenhum contato com outros grupos humanos. Segundo estudos de Arqueologia,
percebemos que as sociedades formadas na Amazônia tinham contato umas com as outras.
Havia interação social através de redes de comércio, intercâmbio de matérias-primas, de pessoas,
casamentos, trocas e serviços, conhecimentos rituais, guerras etc. As populações indígenas
foram as únicas a ocupar o continente Americano até 1492, quando Cristóvão Colombo chegou
às Américas. Mesmo que alguns contatos com populações da Polinésia tenham ocorrido antes
dessa data, não podemos afirmar que esses contatos deram origem a grandes migrações.
Somente com a vinda dos Europeus (espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, portugueses
etc.) e o início do processo de colonização, que pessoas de outros continentes começaram a
migrar para o continente americano.
52 | Arqueologia e suas aplicações na Amazônia
Em todos os casos, o processo de colonização pelos europeus ao longo dos séculos, não foi
pacífico. A chegada dos colonizadores representou mudanças drásticas para as populações
que aqui habitavam, pois junto com essa nova população vieram: as doenças que dizimaram
milhões de pessoas, pois as populações americanas não estavam habituadas aos vírus e
bactérias vindos da Europa, e muitos morreram rapidamente; guerras e exploração, pois os
europeus, em busca de novas terras e riquezas, ocuparam à força uma terra que já era
ocupada, e assim começaram uma série de guerras contra as populações indígenas – na
Amazônia muitos grupos tiveram que fugir para áreas de difícil acesso, tentando evitar que
fossem capturados e transformados em escravos.
Já no século XX, iniciaram-se outros processos de ocupação de áreas ditas “vazias”, mas que,
na verdade, eram habitadas por populações indígenas; nessas áreas também ocorreram muitos
conflitos, em alguns casos, os territórios foram demarcados pelo governo para garantir a
sobrevivência dessas populações, em outros, a violência contra as populações e as culturas
indígenas continuou.
A colonização europeia também foi responsável por trazer milhões de pessoas da África para
trabalhar como escravos nas plantações ou residências. Até o século XIX, praticamente todos os
africanos que vieram para o Brasil ou para a Amazônia, vieram forçados, acorrentados. Não
temos como saber exatamente de onde vieram os escravos negros trazidos para cada local: se
vieram diretamente da África ou de outras localidades da Amazônia ou do Brasil. O arqueólogo
Diogo Costa afirma que a maior parte dos africanos trazidos para a Amazônia nos séculos XVII e
XVIII, vieram de grupos do Sudão (como Mina, Mali, Fula, Fulupo e Bijojó) ou de grupos falantes
de línguas Bantu (como Angola, Congo, Benguela, Cabinda, Moçambique, Macua e Caçanje).
Apesar de não terem vindo por vontade própria, atualmente os descendentes das sociedades
africanas representam uma grande parcela da população amazônica. Após a Constituição
Brasileira de 1988, reconheceu-se a possibilidade de que os territórios ou comunidades
formados pelos descendentes de escravos pudessem ter seus locais de moradia reconhecidos
como “Quilombos”. Assim, os moradores teriam seus direitos de morar, plantar, criar e viver
na terra em que habitam reconhecidos.
Arqueologia e suas aplicações na Amazônia | 53
No início do século XX, iniciaram-se novas migrações, algumas envolvendo pessoas de fora do
Brasil e outras internas. Por exemplo, em função de graves crises econômicas, muitos japoneses
migraram para o Brasil e uma das regiões em que se estabeleceram definitivamente foi a
Amazônia. A maioria dos imigrantes japoneses vindos para a região dedicou-se à agricultura.
Entre o fim do século XIX e início do século XX um grande contingente de nordestinos vieram
para a Amazônia, fugindo da seca e em busca de trabalho na extração da borracha. Boa parte
desses imigrantes se estabeleceram no interior da Amazônia e juntamente com populações
indígenas e/ou descendentes de escravos povoaram as margens de diversos rios amazônicos,
cujos descendentes são geralmente chamados de caboclos ou ribeirinhos. Continuaremos
apresentando informações sobre as migrações para a Amazônia no livro sobre Santarém.
De acordo com o Instituto Socioambiental, existem mais de 180 línguas faladas no Brasil, sendo
que mais de 80% delas correm o risco de extinção, pois há poucos indivíduos falantes na
atualidade. Estima-se, também, que desde a chegada dos portugueses houve a perda de 1.000
línguas, o que representa 85% das línguas existentes no território brasileiro no século XVI.
As línguas no Brasil e em todas as regiões do mundo formam grandes grupos, de acordo com as
suas semelhanças e diferenças. Esses grupos de línguas são chamados de “troncos linguísticos”.
As línguas, dentro de um tronco linguístico, são provenientes de uma só língua ancestral. Vamos
ver um exemplo: o português, o espanhol, o inglês, o grego e o sânscrito são línguas diferentes,
mas todas possuem alguns elementos comuns que as colocam no tronco “Indo-europeu”.
Na Amazônia, existem quatro grandes troncos linguísticos: Karib, Arawak, Macro-Tupi e Macro-
Gê. Além desses troncos, existem outras dezenas de línguas que não são classificadas e são
consideradas como “isoladas”. No início do capítulo, dissemos que a Amazônia é do tamanho
da Europa, entretanto, no continente europeu só existe praticamente um tronco linguístico na
atualidade, enquanto na Amazônia existem pelo menos quatro grandes troncos linguísticos,
ou seja, a diversidade linguística na Amazônia é muito maior do que na Europa.
Essa diversidade era certamente muito maior antes da colonização europeia. O português
falado no Brasil foi influenciado por algumas línguas indígenas, principalmente as línguas do
tronco “Macro-Tupi”. Nossa língua também recebeu contribuições de línguas africanas, o tronco
linguístico que mais contribuiu foi o “Bantu”.
Histórias conectadas,
marcadas por relações complexas e negociações constantes
Com toda essa diversidade, será que podemos falar de um modo de vida amazônico? A resposta
é sim e não ao mesmo tempo!
Vimos anteriormente que os rios da Amazônia funcionaram e ainda funcionam como grandes
vias de contato; falamos também que as populações amazônicas nunca viveram de forma
totalmente isoladas, ao contrário, temos evidências muito antigas de pessoas e objetos
percorrendo milhares de quilômetros.
Mesmo com todas essas situações adversas, de inúmeras tentativas e políticas de assimilação
e integração, de apagamento dessas identidades e culturas étnicas, o processo colonizatório
não conseguiu interromper a continuidade das populações indígenas e a reestruturação social
em áreas de quilombo. Essas populações persistem enquanto grupos distintos com identidades
e práticas culturais específicas.
Nesses vários cenários, político, econômico e natural (rios, fauna e flora), do que estamos
chamando de universo amazônico, inúmeros povos indígenas influenciaram as populações
que aqui chegaram. Essas influências se deram através de ensinamentos sobre a região.
Pensando nos últimos 500 anos, podemos falar de um mundo amazônico, onde práticas e
conhecimentos persistem e outras formas de saber foram apropriadas e reelaboradas. Para o
estudioso Mark Harris, a forte presença do rio tem sido a característica mais constante das
sociedades ao longo do Amazonas nesse período. Em torno dele, uma cultura das águas se
desenvolveu, rica em práticas associadas e significados.
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Ao longo desse período, um exemplo que se conforma como sendo do mundo amazônico é em
relação aos guias, pilotos e remeiros de embarcações, que desde o século XVI aparecem como
profissões eminentemente de indígenas, pois sem eles, as viagens, sejam por terra ou água,
não poderiam ser feitas de maneira segura. Essas pessoas eram os guias de colonos,
missionários e agentes do governo, e assim eles tiveram acesso a inúmeras regiões e
comunidades, o que lhes permitiu repassar tanto informações quanto formas de fazer.
Os rios e sua navegação eram o cerne das identidades em constante formação. Subindo ou
descendo nessas águas, as pessoas aprenderam novas formas de associação, construindo
experiências em suas relações, não só com a natureza, mas com todas as interações e
diversidades sociais aí engendradas com jeitos de ser, de fazer e de nomear.
Para além dos ofícios e habilidades que foram se conformando, vale enfatizar a importância
dos conhecimentos indígenas sobre os diferentes produtos da região: onde encontrá-los e
como processá-los. Para exemplificar, basta lembrarmos da importância dos indígenas para a
prática da coleta das drogas do sertão. Durante a conquista colonial, produtos como: canela,
raízes, salsaparrilha, breu, baunilha, cravo, óleos vegetais (andiroba, copaíba, cumaru), piaçava,
urucum, etc., fizeram parte de uma economia muito rentável para os não indígenas. Entretanto,
é bom lembrar que as populações nativas, muito antes, já dominavam essas práticas e usos.
Com isso, queremos enfatizar que, mesmo estando em meio ao caos, iniciado após a chegada dos
europeus, muitas habilidades e conhecimentos foram trocados em um processo comum de
ressocialização, que envolveu negociações e conflitos diversos. Sem dúvida, o contexto colonial
criou desordem nos diversos modos de vidas e cosmologias nativas, causando impactos sobre as
comunidades e suas estratégias econômicas. Mesmo assim, é possível afirmar que, apesar das
transformações, há práticas que persistiram e alimentaram outras vidas e gerações de praticantes
de uma economia diversa em um ambiente complexo, como é o caso da Amazônia. Histórias de
colaboração foram compartilhadas e produziram significados próprios.
Mesmo que não tenhamos conhecimento das narrativas, histórias orais e mitos desenvolvidos
ao longo desses períodos, devemos supor que eles tenham existido e possibilitado criar sistemas
de conhecimentos compartilhados, de preservar elementos, misturar outros e isso resultar no
modo de vida amazônico.