Gestão Do Pedagogico
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GESTÃO DO PEDAGÓGICO:
DE QUAL PEDAGÓGICO SE FALA?
Liliana Soares Ferreira
Universidade Federal de Santa Maria
Brasil
Resumo
O artigo objetiva deslindar o que é pedagógico, partindo de três supostos: a imprecisão do termo e
sua relação com Pedagogia; a dimensão social do pedagógico; a gestão do pedagógico como uma
compreensão mais ampliada do pedagógico e expressa com o trabalho dos professores. Expressa
assim um estudo, subsidiado com pesquisa bibliográfica, que tem a preocupação com o uso
indiscriminado da palavra pedagógico e continuará como possibilidade de descrever tantos e
diversos aspectos da produção do conhecimento, muitas vezes não esclarecedores sobre os
sentidos utilizados, o que gera a impressão que tudo pode ser pedagógico.
Palavras-Chave: pedagógico, professores, aula, conhecimento, escola
Abstract
This article aims at defining what is pedagogical, starting from three presumptions: the lack of
clearness about this concept and its relation with Pedagogy; the social dimension of the
pedagogical; the management of the pedagogical as a pedagogical extended understanding related
with teachers’ work. This is a result of a bibliographical research that will continue worried about
the indiscriminate use of the word pedagogical, and as a possibility to describe how diverse the
production of knowledge is, and, many times, not being clear enough in the ways it is used,
generating the impression that everything can be pedagogical.
Keywords: pedagogical, professors, lesson, knowledge, school
Introdução
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[...] não apenas no aspecto epistêmico de um sujeito que projeta seu mundo para
realizá-lo. Trata-se, muito mais, de perceber o processo da educação
hermeneuticamente presentificado no contexto sociocultural específico de sua
atuação concreta e relançado para a superação de si mesmo no sentido radical da
emancipação humana. Subjaz a tudo isso o tratamento pedagógico dos desafios
da educação na dimensão da interlocução dos saberes. (1996, p. 59)
Considero ser esta uma interessante contribuição para pensar a Pedagogia como
ciência. Uma ciência que pode organizar os pedagogos com vistas não somente à produção
da aula, mas possibilitar-lhes os subsídios necessários a esta produção.
Uma outra reflexão interessante sobre o termo Pedagogia é apresentada por Ghiraldelli
(1996). Pedagogia é, segundo o autor (1996, p. 11), um termo utilizado, como utopia
educacional (com base em Durkheim, para o qual a pedagogia é uma teoria da educação,
elaborada com base no pensamento utópico), como ciência da educação (com base em
Herbart, para o qual a pedagogia é ciência), filosofia da educação com base em Dewey
(relativa ao pragmatismo, a Pedagogia é intimamente relacionada à filosofia; as razões
filosóficas poderiam explicar o que acontece nas práticas educativas e estas servem como
evidências daquelas).
Libâneo, que, por muito tempo, vem se dedicando a compreender o lugar social da
Pedagogia, assim sintetiza uma concepção de Pedagogia: “Para se compreender com mais
profundidade o que é a pedagogia, é preciso explicitar seu objeto de estudo, a educação ou
prática educativa” (LIBÂNEO, 2002, p. 64). Segundo o autor, a educação é a soma de
processos, “influências, estruturas, ações, que intervêm no desenvolvimento humano de
indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado
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contexto de relações entre grupos e classes sociais” (LIBÂNEO, 2002, p. 64). Tais fatores
convergem, juntos, para os processos de desenvolvimento humano, pois a educação é “uma
prática humana, uma prática social, que modifica os seres humanos nos seus estados físicos,
mentais, espirituais, culturais, que dá uma configuração à nossa existência humana
individual e grupal”. (LIBÂNEO, 2002, p. 64)
No mesmo texto, o autor destaca:
Tal afirmação pode gerar a impressão que a única ciência que tem com objeto de
estudo central a educação é a Pedagogia. Libâneo alerta:
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Assim, concordando com Pimenta (1988, 1996), Libâneo reitera que a pedagogia
É nesse sentido que a Pedagogia trata amplamente da educação como fenômeno, tendo
interface com as demais ciências da educação. E o pedagogo, profissional que atua, direta
ou indiretamente, na prática educativa, sendo a docência apenas uma de suas funções, pois
“a docência subordina-se à pedagogia, uma vez que o ensino é um tipo de prática educativa,
vale dizer, uma modalidade do trabalho pedagógico” (LIBÂNEO, 2002, p. 67). Do mesmo
modo, o trabalho dos professores é “trabalho pedagógico porque é uma atividade
intencional, implicando uma direção, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho
docente” (LIBÂNEO, 2002, p. 69).
Outros autores vêm se dedicando a estudar a pedagogia como ciência. Embora já em
1966 Mattos afirmasse que a Pedagogia tinha “por objetivo especifico o estudo do
fenômeno educativo; este é por ela investigado em suas múltiplas facetas e dimensões, em
suas manifestações no tempo e no espaço e em suas complexas relações de causa e efeitos
com os demais fenômenos que integram a vida humana em sociedade, dentro do seu
cotidiano cultural imediato.” (p.42), por sua vez, Franco (2002, p. 114) alerta que há uma
“descaracterização” da Pedagogia enquanto campo científico e tal fato contribui para
mantê-la como legitimadora de práticas sociais conservadoras, descontextualizadas, porque
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Não há sujeito de saber e não há saber senão em uma certa relação com o
mundo, que vem a ser, ao mesmo tempo e por isso mesmo, uma relação com o
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saber. Essa relação com o mundo é também relação consigo mesmo e relação
com os outros. Implica uma forma de atividade e, acrescentarei, uma relação
com a linguagem e uma relação com o tempo” . (1997, p.63)
O terceiro fator que, a meu ver, é importante ser pauta de reflexão, é o que tenho
chamado de gestão do pedagógico, sob a perspectiva dos professores, estes sujeitos e
trabalhadores da educação. Entendo que o trabalho dos professores é a produção da aula e,
nesta, a produção do conhecimento. Portanto, não há compreensão do trabalho dos
professores senão entendido como pedagógico.
Com isto, desde já, quero evitar compreensões errôneas que possam atrelar o
pedagógico somente à ação dos professores. Contrariamente, ratifico que o pedagógico
perpassa toda a dinâmica da educação, porém, estou defendendo a inversão da análise que
se faz do pedagógico, passando a vê-lo como a centralidade do trabalho dos professores e
que são estes sujeitos, em primeira instância, os gestores do pedagógico na escola. Tal
centralidade, tendo os professores como sujeitos da gestão do pedagógico, significa
adentrar cada vez mais no arcabouço epistemológico que fundamenta a práxis pedagógica,
ou seja, entender e dar novos sentidos a um cotidiano, sem atrelamento excessivo à prática,
em detrimento de um contínuo estudo, um revisitar os teóricos da educação como fontes
para comparar a proposta de aula, redimensioná-la, e, até mesmo, entendê-la. Significa,
finalmente, revelar aos próprios professores as bases de suas decisões de ação, pondo em
evidência dimensões relacionadas à sua formação para o magistério.
O pedagógico é da ordem do instituído e do instituinte (CASTORIADIS, 1988). Por
isto, está relacionado ao modo como o grupo que compõe a escola se organiza
regularmente, a como entende e produz a educação. Transita entre o individual e o coletivo,
de modo dialético, elaborando-se e acontecendo cotidianamente na escola.
Por esses motivos, tenho defendido que a gestão do pedagógico, contrariando a
tradição, deva acontecer a partir dos professores, sendo eles um dos sujeitos da prática
pedagógica, ao lado dos estudantes e dos demais sujeitos da dinâmica escolar. Acredito que
esta alternativa seria uma efetiva mudança no modo como têm sido organizadas as
dinâmicas do aprender na escola. Em vez de, primeiramente, organizar-se o projeto
pedagógico institucional, por que não propor o planejamento do projeto pedagógico
individual e aquele ser elaborado com base no coletivo destes? Por que não resgatar a
dimensão de sujeito do pedagógico nos professores, alimentando seus projetos, suas
intencionalidades, propondo a discussão e a socialização de suas intencionalidades, para,
então, paulatinamente, ir promovendo o encontro de intencionalidades que passam a, em
colaboração, constituírem-se projetos conjuntos? Gestão do pedagógico é, em essência, o
trabalho, a profissionalidade dos professores, seus aportes teórico-metodológicos, em suma,
todos os aspectos orientadores e determinantes na produção da aula e, em decorrência, na
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O professor como sujeito que não reproduz apenas o conhecimento pode fazer
do seu próprio trabalho de sala de aula um espaço de práxis docente e de
transformação humana. É na ação refletida e na redimensão de sua prática que o
professor pode ser agente de mudanças na escola e na sociedade. (LIMA, 2002,
p. 246)
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(...) desenvolvimento das ciências pode, então, ser avaliado como uma
permanente descentração do sujeito face ao objeto; ou seja, como um percurso
pelo qual o sujeito deixa sua centralidade para reconhecer que suas explicitações
são combinações das relações que mantém com o objeto. Dessa maneira, o
objeto é compreendido como um “constructo”, um “protótipo”, um “modelo”,
um “simulacro” do “real” e este, o “real”, jamais seria atingido em sua
integridade. A teoria seria, então, a exposição do objeto e das relações que o
sujeito do conhecimento estabelece com o objeto. (...) Nesse sentido seria
possível compreender a Pedagogia como uma ciência do fazer educativo, mas,
como tal, não se confundiria com o próprio fazer que permanece como atividade
do educador. (1994, p. 06)
A prática a que se referem os autores não é tão-somente a ação prática, a aula em si, os
fazeres, mas educação, entendida como prática pedagógica. Por isto, Pimenta reitera em
diferentes momentos de sua obra a necessidade de se destacar a relação entre a Pedagogia e
a prática pedagógica, uma prática eminentemente social:
Nesse sentido, também a educação, que entendo como interação, precisa ser vista
ampliada. Pimenta propõe uma ampliação do conceito de educação, relacionando-o à
concepção de Pedagogia, como ciência da educação:
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constituído. Por isso, não será captado na sua integralidade, mas o será na sua
dialeticidade: no seu movimento, nas usas diferentes manifestações enquanto
prática social, nas suas contradições, nos seus diferentes significados, nas suas
diferentes direções, usos e finalidades. Será captado por diferentes mediações
que revelam diferentes representações construídas sobre si. (PIMENTA, 2006, p.
58).
Por isso, a definição da Pedagogia que aqui proponho assume precisamente esse
caráter. Trata-se do conhecimento da realidade educativa mediante a participação na
criação das formas mais adequadas às necessidades da civilização em desenvolvimento e às
tarefas que a humanidade deve solucionar nestas condições. Ao considerar a Pedagogia
como uma ciência sobre a atividade transformadora da realidade educativa, tem-se a
possibilidade de uma nova determinação dos objetivos da educação e das suas categorias
fundamentais. (SUCHODOLSKI, 1977, p. 19)
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também, que pode haver a superação dos modelos empresariais aplicados à gestão da
escola.
Tenho trabalhado com uma concepção de produção, quando me refiro à produção do
conhecimento, entendendo-a como “criação e se aplica à arte, à ciência, às instituições, ao
próprio Estado, assim como às atividades geralmente designadas como ‘práticas’, [...] de
tudo que faz uma sociedade e uma civilização” (LEFEBVRE, 1999, p. 45). É, por isso, que
me refiro a professores, entendendo-os como profissionais, diferentemente de educadores,
pois estes, na minha concepção são todos os seres humanos em suas relações sociais. Todos
educam e são educados, entretanto, na escola, trabalham profissionais, que se constituíram
assim, por processos educativos específicos e pela interação e participação em uma
comunidade profissional. Nessa perspectiva, os professores são profissionais, ou como
dizem Libâneo e Pimenta:
Notas
1
Em referência à obra de Paulo Freire.
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