Saul Neves Jesus (2000) - Formaçao de Profs. Recensao Critica

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Recensão Crítica

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Saul Neves Jesus (2000)


Motivação e formação de professores
Coimbra: Quarteto, 527 p.

Fala-se com alguma premência da de teorias da motivação e de investiga-


parca motivação dos professores mas, ções de campo que procuraram aclarar
excepcionalmente pouco se tem passa- a problemática e apresentar estratégias
do das simples reflexões de conjuntura. de intervenção no plano da formação
No entanto, esta insistência e o facto de inicial e contínua de professores, sus-
um tal discurso circular entre a própria ceptíveis de contribuir para a resolução
classe docente merece que se lhe dedi- da problemática da baixa motivação dos
que a devida ponderação, tanto mais que professores e dos potenciais professores
se tem averiguado que os professores dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico e do
portugueses manifestam uma inferior Ensino Secundário.
motivação e satisfação profissional do Neste sentido, os seis capítulos que
que os dos outros países da Comunida- integram o estudo dividem-se em duas
de Europeia. partes (enquadramento teórico e estudo
De entre diversos factores podemos de campo), mas obrigatoriamente inter-
apontar como um dos principais para a dependentes.
diminuição da motivação profissional Na primeira, o enquadramento teóri-
“o facto de atravessarmos um período co, o autor apresenta-nos uma revisão
de “crise económica”, traduzindo-se global da literatura publicada sobre a
em elevadas taxas de desemprego, com motivação para a profissão docente,
tendência para aumentar. Neste contex- onde se identificam três grandes linhas
to, também tende a aumentar a percen- de investigação: o estudo dos factores
tagem de trabalhadores insatisfeitos que de escolha da profissão docente, o es-
“permanecem na profissão exercida” tudo dos factores de abandono da pro-
(p.22). Assim a incerteza do indivíduo fissão docente e o estudo dos incentivos
face ao seu futuro profissional afecta profissionais dos professores, que pro-
o seu desempenho, uma vez que existe curam resposta para as três principais
cada vez mais um maior hiato entre a preocupações dos responsáveis da edu-
formação escolar, “correspondente a de- cação, respectivamente:
terminadas expectativas profissionais, e - atrair os potenciais professores com
o início do percurso profissional, pois, melhores qualificações,
frequentemente, este representa uma - manter os melhores professores nes-
desilusão relativamente às expectativas ta profissão,
iniciais” (p.23). - incentivar o seu desempenho profis-
Este estudo, que se insere no âmbito da sional.
Psicologia da Educação pretende, preci- Analisa os quadros teóricos que têm
samente, vir dar uma contribuição sig- suportado investigações anteriores e
nificativa para uma análise sistemática fundamenta a sua opção pela perspecti-
e aprofundada da motivação para a pro- va cognitiva, expondo, de forma sintéti-
fissão docente, a partir de um conjunto ca, as teorias seleccionadas, nomeada-

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mente a Teoria da Aprendizagem Social nimo Aprendido (Teoria da Atribuição


de Rotter, a Teoria da Auto-Eficácia de Causal).
Bandura, a Teoria da Atribuição Causal O quinto capítulo, Motivação, desen-
de Weiner, a Teoria da Motivação Intrín- volvimento profissional e formação de
seca de Deci e a Teoria Relacional de professores, cuida de fundamentar a im-
Nuttin. E é segundo a Teoria de Nuttin portância da formação educacional de
que o autor nos apresenta os resultados professores, segundo um modelo rela-
obtidos nas investigações que tem reali- cional, decorrente da Teoria Relacional
zado sobre a motivação para a profissão da Motivação que, como é manifesto,
docente. constitui para o autor a sua opção teó-
No quarto capítulo, Motivação e mal- rica de fundo, dado que as implicações
estar docente, procura explicitar o con- desta teoria na formação de professores
ceito de mal-estar docente e analisar os se pode verificar em diversos momen-
potenciais factores que nele intervêm, tos: na formação científica educacional,
bem como as metodologias utilizadas no estágio pedagógico e na formação
para o avaliar e as estratégias usadas na continua, em conformidade com o Qua-
sua prevenção e intervenção. Tais me- dro 5.1: Principais diferenças entre os
todologias tiveram por base os modelos modelos normativo e relacional de for-
teóricos da Discrepância Motivacional mação (p.319), que de seguida se apre-
(Modelo Expectativa-Valor) e do Desâ- senta:

MODELO NORMATIVO MODELO RELACIONAL

Há um modelo de “bom
Há várias formas de ser “bom
Pressupostos professor” idealizado e
professor” (especificidade situacional)
universal

Levar todos os formandos


Objectivos Ajudar cada formando a descobrir
a adquirir as características
gerais e potencializar as suas qualidades
do “bom professor”
relacionais

Estratégias
Transmissão de “receitas Antecipação e previsão de possíveis
de formação
pedagógicas” aos situações profissionais pelo formando
inicial
formandos
Estratégias
Reciclagem de “receitas” Resolução de problemas reais em
de formação
pedagógicas equipa
contínua

Menor motivação dos


Implicações Maior motivação de formandos
formandos

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A segunda parte do livro considera os nimo Aprendido, mas que integra se-
estudos de campo desenvolvidos, preci- quencialmente as demais variáveis em
samente com o objectivo de esclarecer estudo, tendo por finalidade possibilitar
a problemática de que o processo de uma compreensão mais ampla do com-
formação inicial pode ser indispensável plexo fenómeno.
para a prevenção do mal-estar docente Por último, partindo do princípio de
e da baixa motivação para a profissão que a iniciação da vida profissional é
docente dos professores portugueses. de importância basilar para o subse-
No capítulo sexto, Estudo das implica- quente desenvolvimento da actividade
ções motivacionais da formação educa- de professor e de que o processo de for-
cional de professores, são relatados os mação inicial pode ser necessário para
procedimentos utilizados na formulação a prevenção do mal-estar docente, são
dos instrumentos de medida das variá- estudados os desenvolvimentos ocorri-
veis de motivação durante o processo dos nas variáveis motivacionais durante
inicial de formação de professores, bem a formação inicial, arrostando, por um
como os resultados obtidos no estudo lado, o período de formação científica
prévio dos itens e apresenta ainda um educacional e, por outro, o período de
estudo preliminar das relações do tipo estágio pedagógico, e avaliados os con-
preditor-critério entre as variáveis em tributos do processo de formação educa-
análise, tendo o autor verificado que “os cional em tais desenvolvimentos.
resultados profissionais obtidos pelo es- Da descrição geral do teor desta obra
tagiário no processo ensino-aprendiza- resulta claro que ela alia o rigor e a se-
gem influenciam de forma significativa riedade duma investigação científica
o seu grau de stress profissional, no com a intenção de dar resposta a um
sentido de este ser tanto maior quanto problema com que se debate o nosso
mais o professor percepciona fracassos sistema educativo: a baixa motivação
na sua prática profissional” (p.396). para a profissão docente por parte dos
É também analisado, neste capítulo, professores portugueses.
se as variáveis cognitivo-motivacionais Esta obra de Saul Neves de Jesus cons-
resultantes das teorias da motivação titui um bom título de referência. No en-
seleccionadas como enquadramento te- tanto, não estamos perante um livro de
órico possibilitam decifrar e antever o leitura ligeira, nem tão pouco diante de
mal-estar docente nos professores esta- propostas simples, desfasadas da reali-
giários, destacando como indicadores o dade nacional. Nele desenha-se não só
stress profissional, a exaustão emocio- uma sinopse das teorias e dos estudos
nal bem como a falta de empenhamento até agora realizados, mas também uma
profissional e o desejo de abandono. E investigação que se debruça sobre as
testa-se um modelo cognitivo-motiva- circunstâncias que afectam o exercício
cional hipotético do mal-estar docente, da profissão docente em Portugal.
desenvolvido a partir dos arquétipos da Conquanto o rigor e a amplitude do
Discrepância Motivacional e do Desâ- estudo não signifique um cerrar da cor-

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tina sobre a temática da motivação para


a profissão docente, não é de mais sa-
lientar que ele permite que se extraia
conclusões que se não devem limitar a
um mero exercício de análise académi-
ca. De facto, seria de todo conveniente
que aqueles que detêm as responsabili-
dades ao nível da formação de professo-
res utilizassem algum tempo na leitura
deste livro e reflectissem sobre algumas
das suas conclusões, particularmente
naquela que nos diz que para a motiva-
ção profissional e para a prevenção do
mal-estar docente no início da carrei-
ra, é importante que o professor esteja
motivado para exercer a profissão ainda
antes de nela ingressar e que lhe seja
fornecido apoio e orientação adequados
durante o estágio pedagógico.
E terminamos com as palavras do
próprio autor: “Em síntese, a falta de
motivação para a profissão docente é
um problema complexo, não existindo
apenas uma solução genérica, pois é ne-
cessária uma intervenção consertada em
diversos planos” (p.451).

Custódia Nunes Lopes

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