Vinte e Cinco de Abril 25 de Abril

Fazer download em pdf
Fazer download em pdf
Você está na página 1de 30
Alice Vieira Vinte cinco a sete vozes JN Bruto gravador, minhal Isso é para qué? Para um. trabalho que queres fazer? Desculpa 16, mas tu j4 no tens assim muita idade para andares na escola. Para uma pesquisa? Uma tese? Usas palavras bué da finas, ‘Arminha setOra de Portugués havia de gostar de te ou- vir! Mas afinal a pesquisa é sobre 0 qu€? O nosso ‘conhecimento sobre 0 25 de Abril? Ihhh! C4 0 meu, aviso-te j6, € muita pequenino, Comigo nio te safas. ‘A Madalena é que sabe imenso disso. A Madalena sabe imenso de todas as coisas. Pena que nio seja para a televisfo. Gramava bué ‘parecer num programa de televisio a dizer adeus & famflia ¢ tudo, A minha mie havia de gostar. Ela é Vidrada em televistio, minha! O A. Xis € que apareceu na televisio aqui hi uns meses. Quem 0 A. Xis? Um colega meu. O nome verdadeiro ndo sei toda a gente ‘ trata assim, até os professores, ele ndo responde por ‘outro nome. Mas quando o A. Xis apareceu na televi- so foi uma barraca que nem te conto. A setéra de Portugués viu 0 programa ¢ veio para a aula furio- sa, a dizer que ele devia era ter vergonha na cara, e que ao menos escusava de ter dito © nome da escola onde andava, sempre poupava os professores Aquele vexa- ‘me. O meu pai diz que se o A. Xis nao sabia o que era © 1. de Dezembro, a culpa € da escola que nio ensina nada. Que ele tem s6 a quarta classe e sabe muito bem ‘© que aconteceu no dia 1.° de Dezembro, porque a D. Quitéria, diz 0 meu pai, era uma professora como Jd nio ha. O meu pai diz sempre que essas coisas das datas a escola € que deve ensinar, para isso é que a gente cé anda, e por isso € que ele paga livros, mochi- las, eadernos e essa tralha toda, (Ola que tu podes interromper quando quiseres, is a ouvir? Eu, quando vou embalado, ninguém me agarra. Querias entao saber... Pois, 0 25 de Abril. Muito gostam voees de falar sobre 0s feriados, palavra de hhonra! E tem piada que a nossa sewOra de Hist6ria tam- bém veio hoje com esse blabla. Desculpa, vou tentar também dizer palavras bué da finas, para nf ficar mal ana cassete, no meio das outras pessoas que vais en- tuovista, Queria eu dizer que a set6ra de Histéria também nos perguntou hoje se a gente sabia 0 que era 0 25 de Abril, © nds, ts ver a cena, n6s todos a olharmos para © parceiro do lado, e para o de trés, ¢ a darmos cotoveladas uns aos outros, «€ pi, diz tu, que tu é que sabes», «sei nada, tis sonhar?», ém para mim. ‘Mas nunca desist, Todos os meses Id ia a carta para o Ministério, Isto durante anos! S6 em selos devo ter gasto uma pequena fortuna! 'Até que um dia, j6 eu desesperava de tudo, apare- cce-me junto da escola uma carrinha, a trazer,finalmen- te, material quo © Ministério mandava. S6 nao deitei foguetes porque nfo os tnha, mas senti-me rebentar de felicidade. Até que enfim eu ia poder ser uma profes sora a sério! Estava tio feliz, mas tao feliz, que nem estranhei a pressa que o chofer tinha em despachar aquilo, e nem liguei, quando ele disse que em Lisboa tinha havido qualquer coisa esquisita, tinha encontra- do muita tropa na rua quando de Id safta, e aquilo no the parecera normal, "Acho mesmo que nem ouvi bem o que cle disse. ‘© que eu queria era abrir os pacotes, ver © material, coloeé-lo na sala, ¢ poder dar, finalmente, uma aula decente as criangas. ‘A menina até pode nem acreditar, porque esta his- ‘ria parece mentira, mas juro que foi assim mesmo que aconteceu: senhora Aurora, que era quem limpava & tescola, a chegar ao pé de mim e a dizer que na rédio se falava de uma revolugo, de um Movimento das Forgas Armadas que tina ido prender 0 governo todo, eeu a abrir os pacotes cheia de alegria, a dar de ea ras com 0§ retratos do Américo Tomas e do Marcelo Cactano! Nem um pat de giz, nem um mapa, nem for- ‘mas geométticas, nada de nada, @niio ser 0s retratos daqueles dois para pendurar na parede. A senhora ‘Aurora, coitada, afitissima, «senhora Professora, hi uma revolugdo em Lisboal», e eu a olhar para os re {ratos no chio ea pensar, «e agora, © que é que eu Fao ‘com estes dois?» Anda hoje, que jf se passaram 25 anos, de cada ‘vex que vejo, na televisio, documentérios sobre 0 25 de Abril, com o chaimite que levou Marcelo Cacta- ro € © Américo Toms do Quartel do Carmo, s6 me lembro do retrato deles, no chio, a entrada da escola, edo meu espanto no meio de tudo, Quer tm eafezinho? Nao, nio incomoda nada, a Madalena ji me falou de si, © do trabalho que esti a fazer. engragado, mas eu lembro-me sobretudo dos dias a seguir a0 25 de Abril. Do dia, propriamente dia, Jembro-me de muito pou. Mas lembro-me, para af uns dois ov uts dias a se- sui, de os meus pus se teem metido comigo e com © meu irmao no carro, ¢ de termos seguido para ‘Monsanto. Eu conhecia bem 0 caminho, costumava ir para I todos os domingos brincar, havia Ii um elée- tric antigo, uma avioneta, ¢ eu gostava muito de trepar I para dento, e... desculpe, nio era nada isto «que eu queria contr. anos ento para Monsanto, eeu perguntei ao meu pa se famos brincar para © parque, mas ele comepou a rire disse que nio, que ndo famos para Monsanto mas sim para um lugar que se chama- vva Caxias. «Bo que 6 que a gente vai li fazer», per- guntei. E 0 meu pai disse que famos buscar uns ami- {208, € ento chegmos ao pé de uma casa enorme € ‘muito feia, de paredes brancas e com janelas cheias de ‘grades, ¢ arame farpado no alto, e policias a volta, © 0 ‘meu pai disse que aquilo era uma prisfo, e que 0s nos- 8 amigos estavam Id dentro mas nfo tardariam em saito» «E 0 que é que 0s nossos amigos fizeram, pai?», Jembro-me de ter perguntado. Mas © meu pai no me respondeu, $6 disse que os nossos amigos eram muito bons, e que gostavam muito de nés, ¢ eu lembro-me de aquilo me te feito muita confusio, nas prises de- ‘via estar os homens maus, pelo menos era 0 que auvia dizer e o que acontecia nas historias. Mas depois no ppensei mais nisso, porque quando safmos do carro es- tava muita gente ali ao pé daquela casa to fei, € toda a gente se abragava e estava muito feliz, ¢ toda a gen- te tinha ali amigos que nfo tardariam a sai, acho que pensei que agua historia devia ser ao contrtio daquilo ‘que me contayam,e figuel & espera, Mas 08 nossos ami- {208 nunca mais safam, e as pessoas felizes comegaram 8 ficar menos felizes, e jé nfo riam tanto, ¢ havia car- ros que partiam e carros que chegavam, c cada pessoa dizia a sua coisa, e entdo lembro-me de ouvir alguém dizer que afinal os nossos amigos ndo iam sar, e logo toda a gente gritou muito, e correu ainda para mais perto da casa de janelas com grades, ¢ comegaram a sitar, «0 povo unido jamais seré vencido. Foi entio. que 0 meu irmiio, que era muito pequeno, comesou a chorar,¢ nunca mais parava, ea minha mie teve de vir com pa cto, 60 meu psi die, eva ambén {Soni fos oes, quando exams es mo t coger cuvirrae rn eo ve fo meso, toh que a mia fe tien na fora fr, Sita eu pat ern Ms me pa nea als sparc oot chore tno oto 0 te indo, © Ravin maa pnt qe tae ina come el brovme de our algun dizer qu ava fein que tm ds tos tinh ngid una mena da ade do Inu ml, ee gar pelo et pa at qe 0 me ‘cabo po peer ef vam pars NS Sever sire, did pe ha una grande murs meio casa Sendo for je ama, dk rin amin ie prs osama, mas leno prea Imo sopra ef rept, eno podem ¢ ead gars Eu nunce now eat pal erat Tembre de porguntar que si pears a me nah dade Go oo queria peau oe me pe de que a Gna sido ating por abla per Eide mas qs eo sim pelo onl volaramos te com ee, ae into pod sr paigoso, ands nto ¥e Sabi bem em et confi Ede noite 0 mu pa Satna iru Cn. qf of oa cua Urugaa qu 0 migos, fame, sam, A le iotnmsovtloocaraba ne chat pone ovo tr exadm en anda hoje aco ue {Sepa upon compe amin ca lo, de ef com sls ose can ao aompenbase ome pal oat dese eid a ido pala tei, Sec Ths por iv, patra en pasos a car muitos dias seguidos em casa da avé Teresa, enquan- to cles andavam os dois pelo pais todo, no meio da festa. Foi sempre assim que os meus pais se referiram 0 25 de Abril: a festa. A minha me morreu hi dois ‘anos, mas o meu pai ainda hoje continua a falar assim do 25 de Abril: a festa. E ainda hoje 08 olhos se The eenchem de um brilho que até me faz lembrar a canti- ga do Sérgio Godinho, «com um brilhozinho nos olhos», esti a ver qual €? Quando penso nisso, fico com muita pena de nio ter sido mais velha nessa altura, de ter falhado a fest, ‘Quando comecei a perceber realmente as coisas, onde € que a festa jf in... Por isso, se voe® precisa de refe- réncias mesmo concretas do 25 de Abril, o melhor & falar com o meu pai, esse € gue The conta tudo, com todos os pormenores. Ele est no café aqui da esqui- 1a, € um habito que munca perdeu, ir lé beber a bica a seguir ao jantar. Ele vai gostar de certeza de the con- tar tudo. O mais certo, se nio the travar as recordagées, € pose para Id a cantar a Grindola e tudo! Ele é que the pode contar as manifestagbes que se ‘organizavam todos os dias, os partidos politicos que se faziam hoje e se desfaziam no dia seguinte, as paredes pintadas com slogans e palavras de ordem, «0 sol quan- do nasce ¢ para todos!», «nem mais um Soldado para as colénias», «unidos venceremos!», e @ nossa sala ‘ansformada em atelier de pintura! Disso & que eu me embro bem: os panos estendidos no cho, ¢ n6s todos 4 pintar letras em cima deles. Ainda me lemmbro de dar ‘uma ajuda: passaram-me para as mios um grande pit cel,e eu enchi a tnta vermelha as pemas de um enorme «. Mas 0 amigo chegava quase sempre muito tarde, 0 jes. tava deitads no da seguins, quando perguntava por ele, a minha mie dirs que ele jas ia io embora, ‘As vere hava outos amigos que se dernoravam mais, cers extranho porque nunca salam do quart, nem amy 4Lrua, nem aban porta, nem steno telefone. Viviam dias das fechados na nossa sala transforma dia em quarto de dormir, com 0 sofé sempre aberto Depoiso amigo desapareci, © o meu pai feava com uma cara muito séria dizi que o amigo tina ido ‘ajar para muito longee que eu nio devin falar dele a ringuém. Na noite em que o Joao nmceu,tinha um mig acabado de chezar a nossa eas. A minha mae 6 teve tempo de me vestr para o meu psi me deixar em cas da a¥6 Teresa, de explicar a amigo onde & 4ueextavam lenis e eobetres,e como & i ear © sofécama, Lembrosme deo ver entrar nasal, lem brosme de descer no elevador de mio dada com a mi- na mae e,c4 em baixo na rua, o me pa A minha espera no automevel. Amina mie disse-n0s adeus, ftravessou aru, entrow na materidade e uma hora depois nasciao Joo, Esta era uma histria que mi nha mse gostava muito de recordar Quanto ao amigo, muitos anos depois, num 25 de Abril em que a televisdo se lembrou de transmitit 4 reportagem da libertagio dos presos politicos, re- conheci-o quando safa da prisio no meio dos outros, ‘Mas nunca mais © voltei a ver. © tempo separa mui {0 as pessoas, ¢ a meméria vai-se gastando também. Aqui hd tempos perguntei ao mew pai se ele sabia 0 que é que afinaltinka acontecido & menina que apa- nhara um tiro quando esperévamos a saida dos ami- ‘gos em Caxias, e ele fez. um ar muito espantado, € disse que eu devia estar a sonhar, que no tinha ha- vido tiro nenhum, que a libertagio dos presos polt- ticos tnha sido o momento mais emocionante de toda 4 sua vida, sobretudo por nio ter sido manchado por rnenhum acto de violéncia e por todos se trem abra- «ado como ima, ‘Mas, como Ihe disse, quanto ao dia, propriamen- {te a0 dia 25 de Abril, as ecordagses sio poucas, Lembro-me de nao ter ido 3 escola, ‘Lembro-me do meu av6 o dia inteiro com 0 rio colado ao ouvido e a repetir, desta € que él, desta & ue él». Lembro-me de a minha avé Teresa tlefonar mui- tas vezes e a minha mle sem paciéneia nenhuma para falar com ela Lembro-me da minha mie a fazer café ¢ a encher ‘muita garrafas termos e sair porta fora a gitar para 0 ‘meu av6, «tome conta da Sénia e do Jodo, pa, que eu vou levar café aos soldados! LLembro-me de ninguém me ligar nenbum, Lembro-me de o Joao entomnar a papa na carpete ce de ninguém the ralhat. ‘Lembro-me do meu pai a dar-me um eravo e a por ‘outro eravo entre as grades da cama do meu irmio. Lembro-me de o ver abragar © meu avé durante muito tempo. Lembro-me de no haver desenhos animados na televiséo, ‘Lembro-me de ir muito tarde para a cama. ‘Lembro-me de nao ter lavado os dentes. ‘Lembro-me de adormecer a pensar, «Deus queira ‘que amanh também nao haja escola ‘A minha filha fez muito bem em mandé-ta vir ter ‘comigo. Tenho muito prazer em conversar consigo. Conto-the tudo. E s6 dizer 0 que quer saber. Nao, n30 tenho medo nenhum de falar, olla que ideia! Medo por- ‘qué? Se eu nem dantes tina medo, havia de ter ago- a? $6 quero é que me garanta que depois no vai ‘mudar nada do que eu disse, nem cortar nada do que ‘eu disse. Aqui hé tempos chegou-se ao pé de mim uma ccolega sua, jd nfio me lembro de que jornal.. Ai a ‘menina nao ¢ jornalista? Entko isto 6 para qué? Para uum trabalho para a universidade? Uma tese de mestrado? A menina parece ainda tio novinha e ja & doutora! E 0 que eu conto vai ajudar nalguma coisa? Aida bem, ainda bem, que eu gosto é de ser dtil & ‘gente nova. No meu tempo a gente nova, coitadinha, tinha uma vida bem complicadal A menina descul- Pe eu estar sempre a dizer, no meu tempo, no mew ss tempo, Depois esereve isso de outra mancira, nlo 6? ‘Mas no muda mais nada, pois no? Acredit, ‘A menina imagine que, antes do 25 de Abril, nem podliamos estar 08 dois como estamos agora, aqui no café, a menina a perguntar, eu a responder, 0 grava- dor a gravar. Nem a menina tinha coragem de fazer as perguntas, porque ao seu lado podia estar um informador da PIDE a ouvir tudo ¢ 0 mais certo era ‘a menina depois ser chamada & Ant6nio Maria Car- ddoso... A menina sabe © que era a Ant6nio Maria Cardoso, ndo sabe? Exactamente, era a rua da sede da IDE, e para lé marchavam as pessoas para serem ‘nterrogadas, e muitas eram interrogadas dias e dias ‘seguidos, sem poderem dormir. Algumas eram obri- das a estarem de pe dias inteiros até desmaiarem. Sabe, eu as vezes, quando conto estas coisas a gente assim da idade da menina on mais novos, até tenho ‘medo que eles pensem que sou eu a inventar, € que estas coisas terriveis no aconteceram. O pior € ‘que aconteceram mesmo, Mas sabe como & havia a ‘censura e por isso os jomais nio diziam nada, ar dio nao dizia nada, a televisio no dizia nada. ‘Ao menos agora, pode-se dizer tudo! As vezes, quan {do ougo para af certa gente berrar contra 0 25 de Abril, ‘emais isto e mais aquilo,s6 me apetece dizer-Ihes que se nio fosse 0 25 de Abril, eles nfo podiam estar a dizer aquelas asneiraslivremente! Nio se ra, porque assim mesmo! A menina ea gente que tem a sua de sabe 14, faz Id ideia do que é viver sabendo que estamos sempre a ser vigiados! Nas coisas mais % banais! Othe, por exemplo, a minha irmé namorava lum rapaz.¢ um dia ele teve que ir a Franga fazer no sei 0 qué, ¢ a volta, ela foi esperi-lo a0 aeroporto. Depois vinham por af abaixo a conversar, novitos os dois, jd se sabe, If se entusiasmaram um bocadito, & vvé de darem um betjo. Pois logo nessa altura passou tum policia que os levou para a esquadra! El teve de iro meu pai buscé-a, e ouvir um grande sermio, que eles no podiam estar a fazer poucas vergonhas na via Piiblica, que isto nfo era a Franca, se ele quisesse fazer estas coisas entio que tivesse ficado por la menina nem faz ideia do que aquilo foil E s6 porque aqueles , diziam eles! E entio iam a casa de pessoas que eles sabiam que podiam nesse dia fazer ‘manifestagdes ou distribuir comunicados, ov cantar tantigas proibidas,¢ metiam-nos na cadeia por uns tem- ‘pos. Assim, sem eles terem feito nada, Po isso alguns, ‘Quando chegava essa altura, deixavam as suas casas € ‘pediam abrigo em casa de amigos, onde 0s policias no fe lembrassem de os ir procurar. Ora, diga-me 1, fa- ‘ia algum mal festejar © 1.° de Maio, fazia? Fazia ‘lgum mal festejaro dia dos tabalhadores? Mas aquela fente nem podia ouvie falar em trabalhadores. Acho que tinham alergia & palavral Puxavam dos cassctetes € aguilo era dar a torto € a direito, a velhos © novos, homens © mulheres, tudo a eit. Esté a ver como as coisas mudaram com 0 25 de Abril? Olhe a misica, por exemplo. A menina sabe que @ havin cantigas proibidas, nio sabe? O Zeca Afonso, para nio ir mais longe. A menina sabe quem foi o Ze ‘Afonso, no sabe? Claro, hoje toda a gente fala nee, toda a gente canta as misicas dele. Mas antes do 25 de ‘Abril sabe que ele nunca pode ir 4 televisio cantar? Sabe que a rédio no passava cantiga nenhuma que fosse dele? Sabe que os discos que safam eram logo levados pela policia? Agora toda a gente as canta. Por ‘caso acho até uma certa piada quando ougo @ Dulce Pontes cantar, para plateias muito finas, muito aperal- tadas, aquela em que ele fala da «sanha de esganar a ‘burguesian! A burguesta ali toda repimpada a ouvir aquelas coisas e a dar palmas, ainda por cima! Bom, ‘mas isso é outra histria, ej no tem nada a ver com ‘trabalho que a menina quer fazer. Como? Se falo des {as coisas com a minha neta? Claro que falo, Falo até muitas vezes. Para dizer 1 verdade, até devo ser um bocado magador, porque ‘estou sempre a repetir as mesmas coisas. Mas € que eu acho que temos de contar estas coisas muitas vezes, ‘muita vezes, para as pessoas nfo exquecerem, para as ‘pessoas estarem sempre atentas ¢ nfo deixarem que coisas destas voltem um dia a acontecer. ‘Sabe, a Madalena é uma menina de ouro. Nao é por ser minha neta que eu digo isto, & porque é mes- mmo verdade. Ouve o que eu digo, interesa-se pot es- tas coisas, Mas ha muita gente nova que nem quer ‘ouvir. Esto «noutra», como eles dizem. Mesmo gen te assim da idade do meu Jodo, ou da idade da meni- na, que também devia ser muito novinha no 25 de 6 [Abril.Como? Nasoeu nesse ano? Optimo ano para se naseer, sm senor! S6 espero & que no tena sido mes- ‘mo, mesmo no dia 25, que ness dia as pessoas deviam andar todas de eabega perdi... Uma vizinha minha, ‘itd, sem pereshor nada do que estava a aconece, ja para o emprego, que era ali para So Paulo, e viu- “se no mio dos tangues eds chaiites no Terero do Pago, ela a querer passre 0s soldados a nto deixar, e cla muito afta, e sempre sem perceber nada, que ea, Nerdade sj dla, € muito boa pessoa mas um bocad nho de compreenséo lenta, a perguntar para um cap tio, agora como é que vou tabular?» ele, ese

Você também pode gostar