Quincas Borba
Quincas Borba
Quincas Borba
Machado de Assis
prof.aElaine
Livros para a FUVEST 2022 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
DETALHISMO
Contrários à idealização romântica, os realistas propunham-se a fazer um
retrato fiel e verdadeiro da sociedade. Baseados na observação e na pesquisa da
realidade, eles se valem da descrição minuciosa dos detalhes, em especial os menos
positivos e mais desagradáveis.
OBJETIVIDADE
O Realismo baseia-se no próprio objeto para analisá-lo, negando a
subjetividade, que é a consideração do sujeito nessa observação; ou seja, numa análise
subjetiva, o objeto varia conforme sua imaginação. Portanto, é necessário o controle da
razão sobre a emoção. Para caracterizar o objeto com o máximo de precisão possível,
os realistas servem-se dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) para
descrevê-lo.
ELEMENTOS DO COTIDIANO
O dia-a-dia prosaico entra para a literatura no período realista. O cotidiano do
povo, com suas atividades simples e corriqueiras vem para a ficção, bem como a
caracterização da classe dominante aparece, agora, com uma função crítica, contrária à
idealização e exaltação de seus costumes.
IRONIA
Os realistas recorreram imensamente ao uso da ironia para desnudar com
estilo os aspectos degradantes da realidade. O cinismo e o sarcasmo impregnam as
entrelinhas dos textos, manifestando uma crítica aguda.
ROMANCE PSICOLÓGICO
Anotações
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Romances:
Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881;
Quincas Borba, 1891;
Dom Casmurro, 1899;
Esaú e Jacó, 1904;
Memorial de Aires, 1908.
Anotações
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QUINCAS BORBA
CATEGORIAS ESTRUTURAIS DA NARRATIVA
Vamos, para facilitar, acordar o seguinte: que nos referiremos a Memórias póstumas
de Brás Cubas e Dom Casmurro, dada a quantidade de vezes que os compararemos a
Quincas Borba, respectivamente de MPBC e DC. E que, por se tratarem inegavelmente
dos três principais romances realistas do autor, por vezes chamar o conjunto de
“trilogia”.
NARRADOR
3a pessoa – onisciente (principal diferença em relação a MPBC e DC)
Este narrador tem o poder de revelar os pensamentos de todas as personagens
que quiser, e leva o leitor a uma jornada psicológico-social que nos permite
conhecer a “causa secreta” que motiva cada um.
Um narrador didático
Depois da surpreendente estrutura cronológica empregada no romance
anterior, o narrador aqui se cerca de vários cuidados, valendo-se da
interlocução com o leitor e a metalinguagem, a fim de guiá-lo, como nos
trechos abaixo:
“Rubião estava arrependido, irritado, envergonhado. No capítulo X deste livro ficou
escrito que os remorsos deste homem eram fáceis, mas de pouca dura;” (cap. LVI)
“Sofia estava magnífica. Trajava de azul escuro, mui decotada, – pelas razões ditas
no capítulo XXXV;” (LXIX)
“A filha estava ainda qual a deixamos no capítulo XLIII, com a diferença que os
quarenta anos vieram.” (LXXVIII)
“executando o gesto do capítulo XLIX, estendeu a mão, e coçou amorosamente as
orelhas e a nuca do cachorro” (LXXIX)
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1867 (cap IV), ano em que Rubião fecha sua escola de meninos para se tornar
enfermeiro do amigo Quincas Borba, logo após a morte de sua irmã Piedade,
com quem tentara casar o filósofo. Ocupa o cargo por quase seis meses.
CENÁRIOS
1 Tanto Quincas Borba quanto Rubião, ao deixar o interior rumo à cidade grande, que
como um rodamoinho de ambições, vaidades e interesses, acaba engolindo a ambos.
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Para o estudante cuja atenção tende a dispersar-se diante de certas
informações de local (rua tal, bairro tal), é bom saber que tais dados são sim
relevantes, pois sutilmente indicam a posição social dos envolvidos. Por
exemplo, os Palha: mudam-se do morro de Santa Teresa para o Flamengo, e
de lá para Botafogo, reiterando sua ascensão. Já major Siqueira e filha
mudam-se da Rua Dous de Dezembro para a dos Barbonos, e ainda de lá para
os Cajueiros, na Rua da Princesa, indicando o contrário.
Casa do casal Cristiano e Sofia Palha (de início no morro de Santa Teresa,
depois na praia do Flamengo2).
Meios de locomoção
Os diversos meios de transporte da época, presentes na obra, permitem
identificar a posição social de seus ocupantes e, dessa forma, é relevante
conhecê-los, ainda que superficialmente.
Carruagem é o nome genérico; de tração animal, obviamente, diferem-se pela
quantidade de animais, rodas, bancos, se aberta ou coberta (e se conversível
ou não...), de origem francesa ou inglesa etc. Sinônimos: coche, carro.
2
Ao final do romance, inauguram seu palacete em Botafogo
3
Fonte: http://meumundoavulso.blogspot.com/2012/07/carruagens.html
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“– A mim lembra-me, como se fosse ontem. Tu chegaste de carro, não era este; era
um carro de praça, uma caleça.”
É uma carruagem francesa do século XVIII. Tem quatro rodas e dois assentos
duplos de frente um para o outro. O
cocheiro conduz na parte da frente do
veículo. Era tradicionalmente puxada
por dois cavalos de alta qualidade, e
servia sobretudo para passeios de
personalidades abastadas durante o
verão.
PERSONAGENS
Rubião
Pedro Rubião de Alvarenga é o protagonista da história, apesar de não nomeá-
la. Alto, magro, usa barba e bigodes negros. De professor solteiro e quarentão
na pacata Barbacena (MG), torna-se capitalista (rico que vive da renda de suas
posses) ao herdar a fortuna de um amigo (Quincas Borba, que aparece no flash
back) e vem desfrutar de sua fortuna na cobiçada capital carioca. Sem traquejo
social: caipira ingênuo e milionário, desacostumado à Corte, ao trato com
damas e cavalheiros da alta sociedade, mas com imenso desejo de gozá-lo.
Sua larga generosidade vem da inexperiência e vaidade, desejo de agradar aos
outros para ser por eles bajulado, ao mesmo tempo que manipulado. Pródigo
em recepções, presentes caros (como jóias, a Sofia), empréstimos e fianças.
Cogita o posto de deputado após a sociedade com Camacho no jornal e com
Palha na firma. Começa a apoderar-se dele um sentimento de soberba, de
grandeza, que aos poucos vão se revelando sinais de delírio. Em sua
progressiva loucura, Rubião imagina-se Napoleão III. Consome seus últimos
bens, até parar numa casa de saúde, da qual foge para Barbacena com o cão, e
morre dias depois.
Mana Piedade
Personagem apenas do flash back (cap. IV), Maria da Piedade é viúva sem filhos, e
irmã de Rubião. Este teria tentado casá-la com o rico amigo Quincas, mas uma
enfermidade a levou antes; a proximidade criada entre ambos culmina na nomeação de
Rubião como herdeiro universal do inventário do amigo, de modo que a morte da irmã
acaba favorecendo seu destino.
Sofia Palha
É a primeira mulher que Rubião conhece em sua vinda para a capital, ainda na
viagem de trem, acompanhada do marido Cristiano Palha. Aos vinte e oito
anos está mais bela que aos vinte e sete4. Assim, mesmo entre moças bonitas e
mais jovens nos salões da sociedade, ela se destaca com seus ares de rainha.
Sobre o inexperiente Rubião, seus olhos negros exercem o mais puro fascínio.
Adora ser admirada, mas foi assim acostumada pelo marido, pois era ele
quem, a princípio, exibia os olhos e seios (em decotados vestidos) da mulher
nos teatros e bailes, como um troféu. Era “bonita e bem feita”. Até então fora
sempre digna e fiel, mas suas atenções para com o ricaço bobo encorajam-no a
declarar-se, e sua reação traz uma grande surpresa ao leitor5.
4
Note que a protagonista machadiana nunca é uma ninfeta, pois o autor valoriza o
“acabamento” que a experiência confere à mulher, perceptível em cada gesto ou olhar.
5
Do capítulo XLIII ao L o narrador se detém longamente nas análises psicológicas de
Tonica e Rubião e, quando retorna à residência dos Palha já tem o leitor enfadado;
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Na sequência, cresce na trama a personagem de Carlos Maria como potencial
amante, o esnobe “príncipe” dos salões, e o “leitor curioso” deseja saber se
logrará algo da cobiçada dama. Funda a “Comissão das Alagoas”, integrada
por senhoras de políticos e homens importantes, a fim de colher doações para
a terrível epidemia que então assolava o Estado. Tal iniciativa é determinante
para a ascensão social dos Palha, pois colocará Sofia em destaque na alta roda,
a custo de livrar-se dos antigos, agora inadequados, amigos da casa, como
major Siqueira e filha, e outros.
Cristiano Palha
Cristiano de Almeida e Palha é o primeiro conhecido que Rubião faz, ainda no
trem, a caminho do Rio de Janeiro (e a quem afoitamente revela sua futura
condição de capitalista). A consideração que o herdeiro tem por ele é visível
no início do romance, em que é citado mais de uma vez. Reside em Santa
Teresa com a esposa Sofia, tem 33 anos, casados há oito. Entre as vantagens
da confiança do recente e milionário camarada e a corte que este faz à sua
mulher, omite-se, fingindo ignorar tudo. Pede-lhe empréstimos, que demora a
pagar. Propõe-lhe sociedade numa casa de importação, e com o capital do
sócio e seu talento, firma-se e prospera. A partir daí, o casal vai substituindo
suas antigas relações por outras mais vantajosas e vistosas. Desfaz a sociedade
com o já então delirante amigo, e é a contragosto que toma as providências
necessárias durante essa fase de progressiva demência. A fuga de Rubião da
casa de saúde coincide com a inauguração do palacete do casal em Botafogo.
Carlos Maria
“rapaz de vinte e quatro anos, que roía as primeiras aparas dos bens da mãe”.
Narcisista, tem um ar de superioridade e indiferença para todos. Vaidoso, seu
prazer reside em ser o centro das atenções, nos bailes, salões e rodas chiques
da cidade. Corteja Sofia por julgá-la a única mulher à sua altura, mas ama
apenas a si mesmo. É conquistado pela adoração quem tem por si Maria
Benedita, prima de Sofia, moça simples e sem posses do interior.
Convivas de Rubião:
Freitas
Um dos primeiros frequentadores da casa em Botafogo, tem idade próxima de
Rubião; pobre, agrada ao anfitrião com sua bajulação e lisonjas, retribuídas
com muitos charutos de presente, mas não possui a consideração dos demais.
Acaba adoecendo e morre.
Camacho
Dr. João de Souza Camacho (seu histórico é narrado o cap. LVII), advogado
para pagar as contas, político por paixão, compara-se à D. Tonica pela longa
espera (um cargo) e frustração de seu único desejo. Sua aproximação em
relação a Rubião se dá exatamente durante o “gelo” que se seguiu ao episódio
das estrelas no jardim dos Palha e, tornando-se seu novo melhor amigo, vai
extorquir-lhe seu quinhão, para a manutenção da “folha” (Atalaia, jornal do
qual é redator).
Mulheres Secundárias
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Maria Benedita
Dona Fernanda
A “fada madrinha” citada acima. Gaúcha, pouco mais de trinta anos, robusta e
alegre, esposa de Teófilo, um deputado alagoano prestes a se tornar ministro.
Convidada por Sofia a integrar a comissão das Alagoas, afeiçoa-se a Maria
Benedita. Ocorre que esta senhora é prima de Carlos Maria, e tencionava casá-
lo com uma sua conterrânea. Ao perceber a paixão da moça, abraça a causa e
faz o papel de Cupido. Apoiadora, força o casal Palha a assumir a tutela de
Rubião após sua notória loucura; consola o marido quando este perde o tão
merecido cargo, e incentiva-o quando aceita a presidência6. Nanã, para o
marido e a amiga.
D. Tonica
“uma solteira, ou mais que solteira. Contava trinta e nove anos, e uns olhos
pretos, cansados de esperar. Era filha de um Major Siqueira”, ou seja, uma
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O autor não revela onde, mas, no caso, poderia ser de uma província ou Estado,
equivalendo hoje a um cargo de governador.
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“Quarentona, solteirona”. Uma das poucas senhoras solteiras às quais Rubião
é apresentado e, portanto, possível pretendente. O autor se utiliza desta
personagem secundária para traçar o realismo em sua mais bem acabada
forma, a amargura de uma vida sem tragédias mas também sem cor, sem
graça. Uma reviravolta, ao final, muda tudo para, em seguida, trazer outro
desfecho inesperado pelo leitor: perto do fim do romance aparece-lhe um
noivo, Rodrigues, que morre três dias antes do casamento.
Outras personagens:
Rodrigues – noivo de D. Tonica, traz a felicidade para sua vida, mas morre
três dias antes do casamento.
Anotações
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SINOPSE DO ENREDO
Em 201 capítulos curtos (embora irregulares), desta vez sem títulos7
e narrativa alinear, duas grandes marcas do autor, partindo de ponto já
adiantado do enredo, coloca o leitor diante de personagens e situações que não
compreende, e de uma perspectiva que permite acesso aos monólogos
interiores do protagonista, Rubião. Durante um momento de reflexão, mirando
a praia de Botafogo em um rico roupão e dentro de um casarão, este relembra
com satisfação a guinada que dera sua vida em um ano. Em três breves
capítulos somos introduzidos a esse “presente”, no qual são evidentemente
relevantes as figuras de um estimado amigo (Cristiano Palha) e uma bela
mulher (Sofia), após o qual o narrador nos convida a um flash back.
7
Em compensação, o autor dá-se ao trabalho de reportar o leitor-interlocutor
especificamente ao capítulo ao qual faz referência, como estudado no item “Narrador”.
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conta ao amigo a morte de sua avó, e o convida para ser seu discípulo e
compreender sua teoria – o Humanitismo. No dia seguinte anuncia viagem de
um mês para o Rio de Janeiro a fim de tratar de negócios; aparenta estar
melhor de saúde, vão a um tabelião, pois o amigo deseja lavrar seu testamento.
Confia-lhe o cão, e parte.
Sete semanas depois, chega do Rio uma carta de Quincas dizendo ao
amigo ter descoberto ser Santo Agostinho, pede segredo, e que voltará em
breve; Rubião percebe que o amigo enlouqueceu. Escondeu a carta ao médico
enquanto calculava quanto lhe deixaria o amigo. No começo da semana
seguinte, leu a nota de seu falecimento no jornal da Corte. Tenta convencer-se
de que a carta era uma piada. A notícia correu a cidade e foi confirmada por
um bilhete de Brás Cubas. Rubião, desobrigado, ordenou a um escravo que
levasse o cão à comadre Angélica, que gostava de bichos, mais este como
presente. Aberto o testamento, “quase caiu para trás”, pois era herdeiro
universal dos bens do finado, que lhe impunha uma única condição: cuidar de
seu cão até o fim de sua vida, e após dar-lhe sepultura e finalmente uma urna
no centro da casa. Volta à casa decidindo mudar-se para o Rio de Janeiro e só
então se lembra que dera o cachorro! Corre à casa da comadre buscá-lo,
resgata-o, e finalmente compreende a máxima do amigo: “Ao vencedor, as
batatas!”
No cap. XXI, Rubião vinha no trem de mudança para o Rio, quando
na estação de Vassouras embarcou o casal Palha. Cristiano puxou conversa, o
mineiro estava doido por extravasar sua euforia, revelando-lhes rapidamente o
resumo recente de sua feliz história, e fica muito impressionado com a beleza
da esposa. No dia seguinte Palha vai à hospedaria, leva Rubião a um advogado
seu parente, e na mesma noite recebe-o em casa; estão já familiares. Como
anfitriã, achou Sofia ainda mais radiante que no trem, e jantou lá muitas vezes.
Mudou-se para a casa de Botafogo, uma das herdadas, e também nesses
cuidados contou com a ajuda do casal.
CAPÍTULO CC
13
Para comprar aquele brilhante dos anos de Sofia, Rubião retirara dois contos.
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Anotações
Na alinearidade e digressões:
Quanto às tão famosas digressões do autor, dado que nesta presente obra os capítulos
variam um pouco, desde os curtíssimos (o CXIV tem uma linha) a outros mais longos,
de duas ou três páginas, as tais [digressões] podem aparecem tanto soltas quanto
emendadas ao enredo central. Também aqui tal cuidado pedagógico é visível: tão bem
encaixadas são as digressões, tão naturalmente se delongam das explorações
psicológicas das personagens que mal percebemos que o narrador desviara do enredo
para reflexionar sobre o comportamento humano.
FRAGMENTOS
CAPÍTULO PRIMEIRO
R
UBIÃO fitava a enseada, - eram oito horas da manhã. Quem o visse, com
os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa
de Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta;
mas, em verdade, vos digo que pensava em outra cousa. Cotejava o
passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista.
Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo,
Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o
céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade.
"Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas", pensa ele. Se mana Piedade tem
casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral. Não casou;
ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que o que parecia uma desgraça...
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CAPÍTULO II
QUE ABISMO que há entre o espírito e o coração! O espírito do ex-professor, vexado
daquele pensamento, arrepiou caminho, buscou outro assunto, uma canoa que ia
passando; o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria. Que lhe importa a
canoa nem o canoeiro, que os olhos de Rubião acompanham, arregalados? Ele,
coração, vai dizendo que, uma vez que a mana Piedade tinha de morrer, foi bom que
não casasse; podia vir um filho ou uma filha... – Bonita canoa! – Antes assim! – Como
obedece bem aos remos do homem! – O certo é que eles estão no céu!
CAPÍTULO III
UM CRIADO trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe deitava açúcar, ia
disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os
metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que
era matéria de preço, e assim se explica este par de figuras que aqui está na sala, um
Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher, escolheria a bandeja,– primor
de argentaria, execução fina e acabada. O criado esperava teso e sério. Era espanhol; e
não foi sem resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por mais que lhe
dissesse que estava acostumado aos seus crioulos de Minas, e não queria línguas
estrangeiras em casa, o amigo Palha insistiu, demonstrando-lhe a necessidade de ter
criados brancos. Rubião cedeu com pena. O seu bom pajem, que ele queria pôr na sala,
como um pedaço da província, nem o pôde deixar na cozinha, onde reinava um
francês, foi degradado a outros serviços.
– Quincas Borba está muito impaciente? perguntou Rubião bebendo o último golo de
café, e lançando um último olhar à bandeja
– Me parece que sí.
– Lá vou soltá-lo.
Não foi; deixou-se ficar, algum tempo, a olhar para os móveis Vendo as pequenas
gravuras inglesas, que pendiam da parede por cima dos dous bronzes, Rubião pensou
na bela Sofia, mulher do Palha, deu alguns passos, e foi sentar-se no pouf, ao centro da
sala, olhando para longe...
"Foi ela que me recomendou aqueles dous quadrinhos, quando andávamos, os três, a
ver cousas para comprar. Estava tão bonita! Mas o que eu mais gosto dela são os
ombros, que vi no baile do coronel. Que ombros! Parecem de cera; tão lisos, tão
brancos! Os braços também; oh! os braços! Que bem feitos!"
Rubião suspirou, cruzou as pernas, e bateu com as borlas do chambre sobre os joelhos.
Sentia que não era inteiramente feliz; mas sentia também que não estava longe a
felicidade completa. Recompunha de cabeça uns modos, uns olhos, uns requebros sem
explicação, a não ser esta, que ela o amava, e que o amava muito. Não era velho ia
fazer quarenta e um anos, e, rigorosamente, parecia menos. Esta observação foi
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acompanhada de um gesto; passou a mão pelo queixo barbeado todos os dias, cousa
que não fazia dantes, por economia e desnecessidade. Um simples professor! Usava
suíças, (mais tarde deixou crescer a barba toda) – tão macias, que dava gosto passar os
dedos por elas. E recordava assim o primeiro encontro, na estação de Vassouras, onde
Sofia e o marido entraram no trem da estrada de ferro, no mesmo carro em que ele
descia de Minas; foi ali que achou aquele par de olhos viçosos, que pareciam repetir a
exortação do profeta. Todos vós que tendes sede, vinde às águas. Não trazia idéias
adequadas ao convite, é verdade; vinha com a herança na cabeça, o testamento, o
inventário, cousas que é preciso explicar primeiro, a fim de entender o presente e o
futuro. Deixemos Rubião na sala de Botafogo, batendo com as borlas do chambre nos
joelhos, e cuidando na bela Sofia. Vem comigo, leitor; vamos vê-lo, meses antes, à
cabeceira do Quincas Borba.
CAPÍTULO IV
ESTE QUINCAS BORBA, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias Póstumas
de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo,
herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora em Barbacena. (...)
CAPÍTULO VI
(...)
– Queres ser meu discípulo?
– Quero.
(...)
– Humanitas é o princípio. Há nas cousas todas certa substância recôndita e idêntica,
um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível, - ou, para
usar a linguagem do grande Camões
Uma verdade que nas cousas anda
Que mora no visíbil e invisíbil.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim
lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
– Pouco, mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
– Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode
determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida,
porque a supressão de uma é princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e
benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas
apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a
montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos
dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e
morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma
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das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos,
aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a
guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de
que o homem só comemora e ama o que lhe aprazível ou vantajoso, e pelo motivo
racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao
vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
– Mas a opinião do exterminado?
– Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste
ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e
tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
– Bem; a opinião da bolha...
– Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas
terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um
benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como
porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de
podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde,
tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É D. Quixote. Se eu
destruir o meu exemplar, não elimino a obra que continua eterna nos exemplares
subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este
mundo divino e supradivino.
CAPÍTULO XXXIX
A LUA era magnífica. No morro, entre o céu e a planície, a alma menos audaciosa era
capaz de ir contra um exército inimigo, e destroçá-lo. Vede o que não seria com este
exército amigo. Estavam no jardim. Sofia enfiara o braço no dele, para irem ver a lua.
Convidara D. Tonica, mas a pobre dama respondeu que tinha um pé dormente, que já
ia, e não foi.
Os dous ficaram calados algum tempo. Pelas janelas abertas viam-se as outras pessoas
conversando, e até os homens, que tinham acabado o voltarete. O jardim era pequeno;
mas a voz humana tem todas as notas, e os dous podiam dizer poemas sem ser ouvidos.
Rubião lembrou-se de uma comparação velha, mui velha, apanhada em não sei que
décima de 1850, ou de qualquer outra página em prosa de todos os tempos. Chamou
aos olhos de Sofia as estrelas da terra, e às estrelas os olhos do céu. Tudo isso baixinho
e trêmulo.
Sofia ficou pasmada. De súbito endireitou o corpo, que até ali viera pesando no braço
do Rubião. Estava tão acostumada à timidez do homem... Estrelas? olhos? Quis dizer
que não caçoasse com ela, mas não achou como dar forma à resposta, sem rejeitar uma
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convicção que também era sua, ou então sem animá-lo a ir adiante. Daí um longo
silêncio.
– Com uma diferença, continuou Rubião. As estrelas são ainda menos lindas que os
seus olhos. e afinal nem sei mesmo o que elas sejam; Deus, que as pôs tão alto, é
porque não poderão ser vistas de perto, sem perder muito da formosura. . . Mas os seus
olhos, não; estão aqui, ao pé de mim, grandes, luminosos, mais luminosos que o céu...
Loquaz, destemido, Rubião parecia totalmente outro. Não parou ali; falou ainda muito,
mas não deixou o mesmo círculo de idéias. Tinha poucas; e a situação, apesar da
repentina mudança do homem, tendia antes a cerceá-las, que a inspirar-lhe novas. Sofia
é que não sabia que fizesse. Trouxera ao colo um pombinho, manso e quieto, e sai-lhe
um gavião, – um gavião adunco e faminto. (...)
CAPÍTULO XLI
(...)
Rubião estremeceu diante deste possessivo nossa ausência. Achou-lhe um princípio de
cumplicidade. Concordou que podiam dar pela nossa ausência. Tinha razão, deviam
separar-se, só lhe pedia uma cousa, duas cousas, a primeira é que não esquecesse
aqueles dez minutos sublimes; a segunda é que, todas as noites, às dez horas fitasse o
Cruzeiro, ele o fitaria também, e os pensamentos de ambos iriam achar-se ali juntos,
íntimos, entre Deus e os homens.
O convite era poético, mas só o convite. Rubião ia devorando a moça com olhos de
fogo e segurava-lhe uma das mãos para que ela não fugisse. Nem os olhos nem o gesto
tinham poesia nenhuma. Sofia esteve a ponto de dizer alguma palavra áspera, mas
engoliu-a logo, ao advertir que Rubião era um bom amigo da casa. Quis rir, mas não
pôde; mostrou-se então arrufada, logo depois resignada, afinal suplicante; pediu-lhe
pela alma da mãe dele, que devia estar no céu... Rubião não sabia do céu nem da mãe,
nem de nada. Que era mãe? que era céu? parecia dizer a cara dele.
– Ai, não me quebre os dedos! suspirou baixinho a moça.
(...)
CAPÍTULO XLVIII
(...)
Vai senão quando, ocorreu-lhe que os dous Quincas
Borba podiam ser a mesma criatura, por efeito da
entrada da alma do defunto no corpo do cachorro,
menos a purgar os seus pecados que a vigiar o
dono. Foi uma preta de São João d'EI-Rei que lhe
meteu, em criança, essa idéia de transmigração.
Dizia ela que a alma cheia de pecados ia para o
corpo de um bruto; chegou a jurar que conhecera
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um escrivão que acabou feito gambá (...) Olhou para o cão, enquanto esperava que lhe
abrissem a porta. O cão olhava para ele, de tal jeito que parecia estar ali dentro o
próprio e defunto Quincas Borba; era o mesmo olhar meditativo do filósofo, quando
examinava negócios humanos. . . Novo arrepio; (...)
CAPÍTULO L
NÃO, SENHORA minha, ainda não acabou este dia tão comprido; não sabemos o que
se passou entre Sofia e o Palha, depois que todos se foram embora. Pode ser até que
acheis aqui melhor sabor que no caso do enforcado.
(...)
– Foi só isto, concluiu; mas é bastante para ver que se ele não disse amor é porque não
lhe chegou a língua, mas chegou-lhe a mão, que me apertou os dedos . . . Só isso, e é
demais. Ainda bem que te não zangas; mas é preciso trancar-lhe a porta,-ou de uma vez
ou aos poucos; eu preferia logo, mas estou por tudo. Como achas melhor?
Mordendo o beiço inferior, Palha ficou a olhar para ela a modo de estúpido. Sentou-se
no canapé calado. Considerava o negócio. (...)
– E depois, Sofia, que lembrança foi essa de convidá-lo a ir ver a lua, não me dirás?
– Chamei D. Tonica para ir conosco.
– Mas, uma vez que D. Tonica recusou, devias ter achado meios e modos de não ir ao
jardim. São cousas que acodem logo. Tu é que deste ocasião...
Sofia olhou para ele, contraindo as grossas sobrancelhas ia responder, mas calou-se.
Palha continuou a desenvolver a mesma ordem de considerações, a culpa era dela, não
devia ter dado ocasião – Mas você mesmo não me tem dito que devemos tratá-lo com
atenções particulares? Seguramente, que eu não iria ao jardim se pudesse imaginar o
que se passou. Mas nunca esperei que um homem tão pacato, tão não sei como, se
tirasse dos seus cuidados para dizer-me cousas esquisitas...
(...)
– Alguns presentes, algumas jóias, camarotes no teatro, não são motivos para que eu
fite o Cruzeiro com ele.
– Prouvera a Deus que fosse só isso! suspirou o zangão.
– Que mais?
Livros para a FUVEST 2022 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
– Não entremos em minudências... Há outras cousas... Conversaremos depois... Mas
fica certa que nada me faria recuar, se visse no que contaste alguma gravidade. Não há
nenhuma. O homem é um simplório.
– Não.
(...)
CAPÍTULO C
(...)
Rubião, comovido, fez ainda outras perguntas acerca da luta e da vitória, se eram
precisas despesas já, ou carta de recomendação e pedido, e como é que se havia de ter
notícia freqüente do enfermo, etc. Camacho respondia a tudo; mas recomendava-lhe
cautela. Em política, disse ele, uma cousa de nada desvia o curso da campanha e dá a
vitória ao adversário. Contudo, ainda que não saísse vencedor, tinha Rubião a
vantagem de ficar com o seu nome sufragado; e o precedente contava-se por um
serviço.
– Firmeza e paciência, concluiu.
E logo em seguida
– Eu próprio que sou, senão um exemplo de paciência e firmeza? A minha província
está entregue a um grupo de bandidos; não há outro nome para a gente dos Pinheiros; e
além disso (digo-lhe isto com dor e em particular) tenho amigos que me intrigam, uns
ganhadores, que querem ver se o partido me repele e se me tomam o lugar. . . Uns
biltres! Ah! meu caro Rubião, isto de política pode ser comparado à paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo; não falta nada, nem o discípulo que nega, nem o discípulo que
vende. Coroa de espinhos, bofetadas, madeiro, e afinal morre-se na cruz das idéias,
pregado pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão...
Esta frase, caída no calor da conversa, pareceu-lhe digna de um artigo – reteve-a de
memória; antes de dormir, escreveu-a em uma tira de papel. (...)
Que se acautelem no dia em que subirmos! Hão de pagar tudo. Ouça-me este conselho
em política, não se perdoa nem se esquece nada. Quem fez uma, paga; creia que a
vingança é um prazer, continuou sorrindo- há muita delícia... Enfim, conta dos os
males e os bens da política, os bens ainda são superiores. Há ingratos, mas os ingratos
demitem-se, prendem-se, perseguem-se.
Rubião ouvia subjugado. Camacho impunha; faiscavam-lhe os olhos. (...) Rubião
interrompeu-o, erguendo-se; teve uma espécie de vertigem. Via-se na Câmara,
entrando para prestar juramento, todos os deputados de pé; e teve um calafrio. O passo
era difícil. Contudo, atravessou a sala, subiu à mesa da presidência, prestou o
juramento de estilo...
Livros para a FUVEST 2022 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
CAPÍTULO CVI
CAPÍTULO CXII
AQUI É QUE EU QUISERA ter dado a este livro o método de tantos outros, – velhos
todos,– em que a matéria do capítulo era posta no sumário"De como aconteceu isto
assim, e mais assim." Aí está Bernardim Ribeiro; aí estão outros livros gloriosos. Das
línguas estranhas, sem querer subir a Cervantes nem a Rabelais, bastavam-me Fielding
e Smollet, muitos capítulos dos quais só pelo sumário estão lidos. Pegai em Tom
Jones, livro IV, cap. I, lede este título Contendo cinco folhas de papel. É claro, é
simples, não engana a ninguém; são cinco folhas, mais nada, quem não quer não lê, e
quem quer lê, para os últimos é que o autor concluiu obsequiosamente". E agora, sem
mais prefácio, vamos ao seguinte capítulo".
EXERCÍCIOS
1. (FUVEST 2021)
Rubião fitava a enseada, — eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os
polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo,
cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas em verdade vos digo que
pensava em outra coisa. Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano?
Professor. Que é agora! Capitalista. Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de
Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a
enseada, para os morros e para o céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na
mesma sensação de propriedade.
– Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana
Piedade tem casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral.
Não casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que o que parecia uma
desgraça...
Machado de Assis, Quincas Borba.
Livros para a FUVEST 2022 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
O primeiro capítulo de Quincas Borba já apresenta ao leitor um elemento que será
fundamental na construção do romance:
a) a contemplação das paisagens naturais, como se lê em “ele admirava aquele pedaço
de água quieta”.
b) a presença de um narrador-personagem, como se lê em “em verdade vos digo que
pensava em outra coisa”.
c) a sobriedade do protagonista ao avaliar o seu percurso, como se lê em “Cotejava o
passado com o presente”.
d) o sentido místico e fatalista que rege os destinos, como se lê em “Deus escreve
direito por linhas tortas”.
e) a reversibilidade entre o cômico e o trágico, como se lê em “de modo que o que
parecia uma desgraça...”.
b) A expressão latina Vae victis! (“Ai dos vencidos!”) lembra ao leitor a máxima da
filosofia que Quincas Borba apresenta a Rubião no início do romance. Como essas
duas frases se contrapõem na trajetória do protagonista?
3. (FUVEST 2020)
TEXTO14 PARA AS QUESTÕES
E Sofia? interroga impaciente a leitora, tal qual Orgon: Et Tartufe? Ai, amiga
minha, a resposta é naturalmente a mesma, – também ela comia bem, dormia
largo e fofo, – coisas que, aliás, não impedem que uma pessoa ame, quando quer
amar. Se esta última reflexão é o motivo secreto da vossa pergunta, deixai que vos diga
que sois muito indiscreta, e que eu não me quero senão com dissimulados.
Repito, comia bem, dormia largo e fofo. Chegara ao fim da comissão das
Alagoas, com elogios da imprensa; a Atalaia chamou‐lhe “o anjo da consolação”. E
não se pense que este nome a alegrou, posto que a lisonjeasse; ao contrário, resumindo
em Sofia toda a ação da caridade, podia mortificar as novas amigas, e fazer‐lhe
perder em um dia o trabalho de
longos meses. Assim se explica o artigo que a mesma folha trouxe no número seguinte,
nomeando, particularizando e glorificando as outras comissárias – “estrelas
de primeira grandeza”.
Machado de Assis, Quincas Borba.
14
Do cap. CXXXVIII
Livros para a FUVEST 2022 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
d) se produz na imprensa, apesar de esta se esquivar da eloquência vazia.
e) se estende à sociedade, na qual o cinismo é o trunfo dos fortes.
Considerando o contexto, o trecho “E não se pense que este nome a alegrou, posto que
a lisonjeasse” (L.10‐11) pode ser reescrito, sem prejuízo de sentido, da seguinte
maneira: E não se pense que este nome a alegrou,
a) apesar de lisonjeá‐la.
b) antes a lisonjeou.
c) porque a lisonjeava.
d) a fim de lisonjeá‐la.
e) tanto quanto a lisonjeava.
4. (FUVEST 2020)
Texto1
Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos,
todos, fosse o mais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma
preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a companheira
os piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; as suas galinhas
produziam muito e ele não comia um ovo, do que no entanto gostava imenso; vendia-
os todos e contentava-se com os restos da comida dos trabalhadores. Aquilo já não era
ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular, de
reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba
sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e ao capinzal,
sempre em mangas de camisa, de tamancos, sem meias, olhando para todos os lados,
com o seu eterno ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele
não podia apoderar-se logo com as unhas.
Aluísio Azevedo, O Cortiço.
Texto2
(...) Rubião é sócio do marido de Sofia, em uma casa de importação, à Rua da
Alfândega, sob a firma Palha & Cia. Era o negócio que este ia propor-lhe, naquela
noite, em que achou o Dr. Camacho na casa de Botafogo. Apesar de fácil, Rubião
recuou algum tempo. Pediam-lhe uns bons pares de contos de réis, não entendia de
comércio, não lhe tinha inclinação. Demais, os gastos particulares eram já grandes; o
capital precisava do regime do bom juro e alguma poupança, a ver se recobrava as
cores e as carnes primitivas. O regime que lhe indicavam não era claro; Rubião não
podia compreender os algarismos do Palha, cálculos de lucros, tabelas de preço,
direitos da alfândega, nada; mas, a linguagem falada supria a escrita. Palha dizia coisas
extraordinárias, aconselhava o amigo que aproveitasse a ocasião para pôr o dinheiro a
caminho, multiplicá-lo.
Machado de Assis, Quincas Borba.
Livros para a FUVEST 2022 – prof.a Elaine Quincas Borba – Machado de Assis
a) Como o contraste entre os trechos “já não era ambição, era uma moléstia nervosa,
uma loucura, um desespero de acumular” e “não entendia de comércio, não lhe tinha
inclinação”, respectivamente sobre as personagens João Romão e Rubião, reflete
distintas linhas estéticas na prosa brasileira do fim do século XIX?
Extras
1. (FUVEST 2013) No excerto abaixo, narra-se parte do encontro de Brás Cubas com
Quincas Borba, quando este, reduzido à miséria, mendigava nas ruas do Rio de
Janeiro:
Tirei a carteira, escolhi uma nota de cinco mil-réis, a menos limpa, e dei-lha [a
Quincas Borba]. Ele recebeu-ma com os olhos cintilantes de cobiça. Levantou a nota
ao ar, e agitou-a entusiasmado.
– In hoc signo vinces!* bradou.
E depois beijou-a, com muitos ademanes de ternura, e tão ruidosa expansão, que me
produziu um sentimento misto de nojo e lástima. Ele, que era arguto, entendeu-me;
ficou sério, grotescamente sério, e pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era
alegria de pobre que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil-réis.
– Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu.
– Sim? acudiu ele, dando um bote para mim.
– Trabalhando, concluí eu.
*“In hoc signo vinces!”: citação em latim que significa “Com este sinal vencerás”
(frase que teria aparecido no céu, junto de uma cruz, ao imperador Constantino, antes
de uma batalha).
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
a) Tendo em vista a autobiografia de Brás Cubas e as considerações que, ao longo de
suas Memórias póstumas, ele tece a respeito do tema do trabalho, comente o conselho
que, no excerto, ele dá a Quincas Borba: “– Trabalhando, concluí eu”.
b) Tendo, agora, como referência, a história de D. Plácida, contada no livro, discuta
sucintamente o mencionado conselho de Brás Cubas.
3. (UNICAMP 2016) (...) pediu-me desculpa da alegria, dizendo que era alegria de pobre
que não via, desde muitos anos, uma nota de cinco mil réis.
– Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse eu.
– Sim? acudiu ele, dando um bote pra mim.
– Trabalhando, concluí eu. Fez um gesto de desdém; calou-se alguns instantes, depois
disse-me positivamente que não queria trabalhar.
(Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ateliê Editorial,
2001, p.158.)
O trecho citado diz respeito ao encontro entre Brás Cubas e Quincas Borba, no
capítulo 49, e, mais precisamente, apanha o momento em que Brás dá uma esmola ao
amigo.
Considerando o conjunto do romance, é correto afirmar que essa passagem
a) explicita a desigualdade das classes sociais na primeira metade do século XIX e
propõe a categoria de trabalho como fator fundamental para a emancipação do pobre.
b) indica o ponto de vista da personagem Brás Cubas e propõe a meritocracia como
dispositivo pedagógico e moral para a promoção do ser humano no século XIX.
c) elabora, por meio do narrador, o preconceito da classe social a que pertence Brás
Cubas em relação à classe média do século XIX, na qual se insere Quincas Borba.
d) sugere as posições de classe social das personagens machadianas, mediante um
narrador que valoriza o trabalho, embora ele mesmo, sendo rico, não trabalhe.
I
“Chamou aos olhos de Sofia as estrelas da terra, e às estrelas os olhos do céu. Tudo
isso baixinho e trêmulo. (...) Tinha razão, deviam separar-se, só lhe pedia uma cousa,
duas cousas, a primeira é que não esquecesse aqueles dez minutos sublimes; a
segunda é que, todas as noites, às dez horas fitasse o Cruzeiro, ele o fitaria também, e
os pensamentos de ambos iriam achar-se ali juntos, íntimos, entre Deus e os homens.”
CAPÍTULO XXXIX
II
“– Passou lá? perguntou Sofia.
– Estive lá; ia pelo Catete, já tarde, e lembrou-me descer à Praia do Flamengo. A
noite era clara; fiquei cerca de uma hora, entre o mar e a sua casa. A senhora aposto
que nem sonhava comigo? Entretanto, eu quase que ouvia a sua respiração.
Sofia tentou sorrir; ele continuou
– O mar batia com força, é verdade, mas o meu coração não batia menos rijamente -
com esta diferença que o mar estúpido, bate sem saber por que, e o meu coração sabe
que batia pela senhora.”
CAPÍTULO LXIX
Sofia Palha, esposa de Cristiano Palha, é a principal figura feminina do livro, e alvo
das duas declarações de amor acima transcritas. Responda:
a) Quem são as personagens que se declaram nos trechos I e II, e quais sentimentos ela
nutre por eles?
b) A passagem “palavras do vadio egoísta e enfatuado, que a convidou um dia à valsa
do adultério e a deixou sozinha no meio do salão” referem-se ao desfecho de qual dos
dois idílios? Explique.
CAPÍTULO XCI
(...)
Soou A CAMPAINHA de jantar; Rubião compôs o rosto, para que os seus habituados
(tinha sempre quatro ou cinco) não percebessem nada. Achou-os na sala de visitas,
conversando, à espera; ergueram-se todos, foram apertar-lhe a mão,
alvoroçadamente. Rubião teve aqui um impulso inexplicável,-dar-lhes a mão a beijar.
Reteve-se a tempo, espantado de si próprio.
8. CAPÍTULO CLXXIII
(...) O marido sorriu e tornou à revista inglesa. Ela, encostada à trona, passava-lhe os
dedos pelos cabelos, muito ao de leve e caladinha para não perturbá-lo. Ele ia lendo,
lendo, lendo. Maria Benedita foi atenuando a carícia, retirando os dedos aos poucos,
até que saiu da sala, onde Carlos Maria continuou a ler um estudo de Sir Charlen
Little, M.P., sobre a famosa estatueta de Narciso, do Museu de Nápoles.
Elaine Joaquim
próxima aula:
Unicamp
Bons dias!
Machado de Assis