SeqDid Oralidade Textos em Circulo 08 02 2015
SeqDid Oralidade Textos em Circulo 08 02 2015
SeqDid Oralidade Textos em Circulo 08 02 2015
Sequência didática
APP - janeiro de 2015
um campo de
referências (ou
campo temático)
Textos em círculo
integrado e o Filomena Viegas
recorte de um Apresentação
rumo discursivo
consistente […] Nome da sequência: Textos em círculo
constituem uma Contexto: estratégias para trabalhar a coesão e a coerência textual em textos narrativos
Anos de escolaridade: 4.º, 6.º e 9.º anos
dimensão central
Duração estimada: 130 minutos (90 min. + 45min.)
da noção de Domínio: Oralidade
coerência do Texto. Competências: Compreensão do oral; Expressão oral; Leitura¸ CEL/Gramática;
Outras dimensões Resultados esperados no final da sequência: explicitar aspetos de (in)coerência textual em textos narrativos,
se lhe juntam, quer a nível microestrutral, quer a nível macroestrural
porém, e não raro é
Roteiro
a elas que quase
exclusivamente se Atividade 1: Escutar o texto
faz referência na
caracterização Competência: Compreensão do oral
daquela mesma Descritores de desempenho: Identificar ideias-chave de um texto ouvido. (MC, 4.ºano); Utilizar técnicas para
noção. Dizem elas registar, tratar e reter a informação; articular a informação retida com conhecimentos prévios (PPEB, 1.º ciclo);
respeito à exigência Tomar notas e registar tópicos (MC, 6.ºano); Indicar o essencial da informação ouvida (PPEB, 2.º ciclo);
de não tautologia, Consolidar processos de registo de informação (MC, 9.ºano); Interpretar discursos orais, [identificando] o
assunto, tema ou tópico (PPEB, 3.º ciclo).
de não contradição
e de relevância Conteúdos associados: Ideia principal (PPEB, 1.º ciclo); Ouvinte; discurso (PPEB, 2.º e 3.º ciclos)
entre o comunicado
em sucessivos Atividade 2: Recontar a história
enunciados e entre
Competência: Expressão oral
o comunicado em
sucessivas Descritores de desempenho: Retomar o assunto, acrescentar informação pertinente, precisar ou resumir ideias
sequências de (MC, 4.ºano); Produzir discursos [com a] finalidade de recontar, contar (PPEB, 1.º ciclo); Relatar o essencial de
enunciados (cada uma história ouvida; produzir textos orais [combinando] com coerência uma sequência de enunciados (PPEB,
2.º ciclo); Produzir textos orais [com a] finalidade de relatar/recontar; Implicar-se na construção partilhada de
uma delas
sentidos, retomar, resumir ideias (PPEB, 3.º ciclo).
correspondente a
uma Conteúdos associados: Relato, Reconto, Narrativa (PPEB, 1.º ciclo); Texto oral - sequência de enunciados,
macroestrutura) do progressão temática (PPEB, 2.º ciclo); Texto narrativo- sequência de enunciados, progressão temática; coesão;
coerência (PPEB, 3.º ciclo)
Texto.[…]
Atividade 3: Ler e interpretar frases
O Texto
apresentar-se-á Competências: Leitura e Conhecimento explícito da língua/Gramática
coerente tanto ao
nível local (ou Descritores de desempenho: distinguir Identificar informação implícita (MC, 4.ºano); Fazer deduções e
inferências (MC, 6ºano), Captar sentidos implícitos (PPEB, 2.º e 3.º ciclos)
microestrutural)
como ao nível Conteúdos associados: Texto oral e texto escrito (PPEB, 1.º ciclo); processos interpretativos inferenciais (PPEB,
global (ou 2.º ciclo); progressão temática, macroestruturas textuais/microestruturas textuais
macroestrutural).
In Fonseca, J. (1993). Conhecimentos prévios (Atividades 1, 2 e 3):
Estudos de Sintaxe- Os alunos são capazes de prestar atenção ao que ouvem, identificando e interpretando informação essencial,
Semântica e Pragmática (4.º ano); são capazes de hierarquizar a informação, recebida e articulam-na com conhecimentos prévios,
do Português. Porto: identificam informação implícita (6.º ano); produzem textos orais, combinando com coesão e coerência uma
Porto Ed., pp. 182-183. sequência de enunciados, são capazes de apreciar valores estéticos, éticos, culturais, presentes nos (9.º ano).
1
A atividade
“Textos em
círculo” pode em
ser
desenvolvida círculo
em diferentes
contextos
didáticos. Por
exemplo, pode
Como uma pedra que atravessa a água, a palavra lança o texto em círculos concêntricos. Os
ser utilizada círculos ondulam pela superfície da água, os textos alastram nos sulcos da memória.
com o objetivo
de desenvolver
Guião para o professor
a atenção, a
capacidade de Nas três atividades que compõem esta sequência didática são proporcionadas aos alunos
escuta, a situações de aprendizagem, onde se procura que exercitem a sua capacidade de escuta
competência (Atividade 1), aprendam a recontar uma história (Atividade 2) e desenvolvam a capacidade de
narrativa. interpretar frases contextualizadas por essa história, em aspetos que diretamente se ligam à
coesão e coerência textuais (Atividade 3). No final das três atividades, os alunos deverão
A estratégia identificar o que aprenderam.
mais Na apresentação da sequência didática, o professor indica aos alunos os objetivos das
proveitosa atividades. À semelhança das atividades da sequência Autorretratos, apresenta-as como jogos
para a ou exercícios nos quais terão de ser rigorosamente cumpridas as regras.
dinâmica do
Atividades
grupo será
aquela em que
Atividade 1: Escutar o texto
se opte pela
O objetivo é que os alunos relacionem a informação ouvida, um texto extraído de uma
disposição dos narrativa, com o seu conhecimento prévio, a narrativa completa que já tiveram oportunidade
participantes de ouvir ou de ler. Ao relacionarem o texto que estão a ouvir com a história conhecida, ativam a
em círculo, ou atenção seletiva e a memória a longo prazo .
1
retângulo, O professor dá as instruções da atividade: (1) sentados em círculo, fecham os olhos e ouvem o
onde todos se texto que vai ser lido; (2) registam depois numa folha a resposta a duas questões: (a) Quem
possam narra o excerto (quem conta o bocadinho) da história que ouviram? (b) Qual é o assunto
observar e principal do texto que ouviram?
participar com As respostas a estas duas questões preparam o reconto da história completa, no qual os alunos
terão de situar na globalidade da história a sequência narrativa que escutaram.
estatuto igual.
In, Grupo de Atividade 2: Integrar o excerto lido na narrativa completa. Recontar a história.
de Nesta atividade os alunos deverão recontar a história completa, retomando a informação de
modo a serem capazes de se substituir, enquanto narradores em 3.ª pessoa, ao autor da
Comunicação
narrativa.
e Teatro,
Respeitando a sua ordem no círculo, cada aluno conta uma sequência da história, onde será
Núcleo de integrada a parte que corresponde ao texto lido pelo professor. Todos devem procurar resumir
Português, a informação acessória, escolher a informação essencial e combinar com coerência as
DGEB-ME, sequências de enunciados. Se um aluno tiver muita dificuldade em contar a sua sequência da
1982. história, poderá mimá-la, não quebrando assim a narrativa que está a ser contada em círculo.
1
Cf o texto “Saber para… aprender e ensinar a ler” (Vitória de Sousa) do módulo da Leitura.
2
Textos para escutar e frases para interpretar
“Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha", disse o Príncipe, «não queres ficar comigo por uma
noite e ser a minha mensageira? O menino tem tanta sede e a mãe está tão triste!»
«Eu acho que não gosto de meninos», respondeu a Andorinha. «No Verão passado, quando eu estava
ao pé do rio, apareceram dois meninos mal educados, os filhos do moleiro, e passaram a vida a atirar-me
pedras. É claro que nunca me acertaram; nós, as andorinhas, voamos muito bem para permitir que isso
aconteça e, além disso, eu pertenço a uma família famosa pela sua agilidade; mesmo assim, foi um sinal de
desrespeito."
Mas o Príncipe Feliz estava tão triste que a Andorinha teve pena dele. «Aqui está muito frio", disse ela;
«mas eu vou ficar contigo por uma noite, e ser a tua mensageira.»
«Obrigado, pequena Andorinha», disse o Príncipe.
E assim, a Andorinha tirou o enorme rubi da espada do Príncipe e voou com ele no bico por cima dos
telhados da cidade.
Oscar Wilde, “O Príncipe Feliz”, In As melhores histórias de Oscar Wilde, Ed. Ambar, 2002, p.45.
3.1 Ouviste duas vezes o texto extraído da história “O Príncipe Feliz”, realiza agora as tarefas.
(a) Lê as 9 frases a seguir.
(b) Identifica as frases que fazem sentido no texto e na história e as que não fazem sentido, em relação ao
texto, à história ou à realidade que conhecemos, isto é, vais identificar as frases que são coerentes
com o texto e com a história e as que não são coerentes (são incoerentes).
(c) Segue o exemplo e preenche a tabela com os números das frases.
Frases:
1. A Andorinha aceitou ser a mensageira do Príncipe Feliz.
2. As andorinhas são aves de migração, por isso nunca saem do mesmo sítio.
3. O Príncipe Feliz era feliz porque na sua cidade toda a gente vivia contente.
4. Os filhos do moleiro acertaram com pedras na Andorinha.
5. A mãe do menino doente recebeu um presente do Príncipe Feliz.
6. A Andorinha voou e juntou-se ao seu bando no Egito.
7. A avezinha voava muito, subia para cima e descia para baixo.
8. Havia um grande rubi na espada da estátua do Príncipe Feliz.
9. O Príncipe Feliz e a Andorinha ficaram juntos para sempre no Paraíso.
Frases coerentes com o texto e com a história Frases incoerentes em relação ao texto, à história
ou à nossa realidade
Números: Números:
1; 5; 8; 9 2; 3; 4; 6; 7
3
3.2 Vamos ver se compreendeste bem as tarefas anteriores.
(a) Sublinha as duas frases que interpretaste com mais facilidade.
(b) [Tarefas orais]
Compara as frases que sublinhaste com as frases sublinhadas pelos teus colegas.
São as mesmas?
O que foi mais fácil de interpretar para ti?
O que foi mais fácil de interpretar para os teus colegas?
3.3 Lê as informações em A, B e C e pensa no modo como interpretaste as 9 frases em 3.1 e em 3.2. Segue o
exemplo e preenche depois as três colunas da tabela com os números das frases.
A B C
«Bastou-me a parte do texto «Precisei de pensar na história «É conhecimento que eu tenho.»
que ouvi.» toda.»
A B C
Basta o texto ouvido para Temos de pensar na história toda Não precisamos de pensar no
interpretarmos as frases. para interpretarmos as frases. texto ouvido ou na história toda
para interpretarmos as frases.
_________________________________________________________________________________
O que aprendi:
Atividade 1
Atividade 2
Atividade 3
4
6.º ano
Variante 1
Frases:
Frases coerentes com o texto e com a Frases incoerentes em relação ao texto, à história ou à
história realidade
Números: Números:
1; 3; 5; 8; 9. 2; 4; 6; 7;10.
Variante 2
A chuva escorre um pouco pelo nosso cabelo, pelo saco de plástico, em pequeninas gotas
transparentes e frias. Esta chuva tranquila de Verão, que não cheira a «golden day», nem a «green flower»,
nem a «morning star», mas apenas a terra fresca aos nossos pés. Estendo à Rita o meu chocolate já meio
comido:
Toma. Dá uma trincadela, que isto aquece.
Caminhámos devagar até casa, o chocolate terminado mesmo à entrada da porta. Sacudimos as gotas
de chuva do cabelo. Mesmo assim a minha avó começou logo a prever milhentas catástrofes mal nos viu
entrar:
Com esta chuva e vocês nem ao menos uma sombrinha levaram! É gripe certa, vão ver! Ao menos
bebam alguma coisa quente.
A Rita tentou acalmá-la e mandar para bem longe os seus agoiros:
Isto é chuva que não molha ninguém, até faz crescer o cabelo. E nós somos fortes, não há nada que
entre connosco!
Passei o meu braço pelos ombros da Rita, sorrindo para ela:
Nós aguentamos tudo disse eu.
Tudo repetiu ela.
Alice Vieira, Chocolate à chuva, Cap. 34, pp 190-191
Frases:
Frases coerentes com o texto e com a Frases incoerentes em relação ao texto, à história
história ou à realidade
Números: Números:
2; 3; 7; 10. 1; 4; 5; 6; 8; 9.
Uma noite, noite de silêncio e de escuridão, indo ela [a aia] a adormecer, já despida, no seu catre,
entre os seus dois meninos, adivinhou, mais que sentiu, um curto rumor de ferro e de briga, longe, à entrada
dos vergéis reais. Embrulhada à pressa num pano, atirando os cabelos para trás, escutou ansiosamente. Na
terra areada, entre os jasmineiros, corriam passos pesados e rudes. Depois houve um gemido, um corpo
tombando molemente, sobre lajes, como um fardo. Descerrou violentamente a cortina. E além, ao fundo da
galeria, avistou homens, um clarão de lanternas, brilhos de armas... Num relance tudo compreendeu o
palácio surpreendido, o bastardo cruel vindo roubar, matar o seu príncipe! Então, rapidamente, sem uma
vacilação, uma dúvida, arrebatou o príncipe do seu berço de marfim, atirou-o para o pobre berço de verga
e tirando o seu filho do berço servil, entre beijos desesperados, deitou-o no berço real, que cobriu com um
brocado.
Eça de Queirós, “A Aia”, In Contos, Livros do Brasil, pp. 159-160
Frases:
Frases coerentes com o texto e com a Frases incoerentes em relação ao texto, à história
história ou à realidade
Números: Números:
1;5;8; 9; 11. 2; 3; 4; 6; 7; 10.
7
Números: Números: Números:
1; 3; 5; 8. 4; 5; 6; 9; 10; 11 2; 7.
ANEXO
O Príncipe Feliz
[Na versão que a seguir se apresenta deste texto estão assinaladas as supressões propostas a
cinzento]
Lá ao cimo da cidade, numa coluna muito alta, estava a estátua do Príncipe Feliz. Estava
coberto com finas folhas de ouro maciço, tinha duas brilhantes safiras como olhos e um enorme rubi
vermelho brilhava no cabo da sua espada.
Era realmente muito admirado. «Ele é tão bonito como um catavento», comentou um dos
Conselheiros da Cidade que queria ganhar reputação por ter gostos artísticos; «Só que não é tão
útil», acrescentou, temendo que pensassem que ele não era uma pessoa prática, e realmente não
era.
«Porque é que tu não és como o Príncipe Feliz?» perguntou uma mãe sensível ao seu filhinho
que estava a chorar pela lua. «O Príncipe Feliz nem sequer sonha em chorar por alguma coisa».
«Fico contente por saber que há alguém no mundo que é muito feliz», murmurou um
homem desapontado, enquanto admirava a maravilhosa estátua.
«Ele parece mesmo um anjo!» disseram as Crianças da Caridade ao saírem da catedral, em
suas capas de escarlate brilhante e em seus aventais muito brancos.
«Como é que sabem?» perguntou o Professor de Matemática, «vocês nunca viram um anjo.»
«Ah! já vimos, nos nossos sonhos», responderam as crianças. O Professor de Matemática
franziu as sobrancelhas e olhou-os severamente, pois não aprovava sonhos de crianças.
Uma noite, voou sobre a cidade uma pequena Andorinha. As suas companheiras tinham
voado para longe, para o Egipto, seis semanas antes, mas ela tinha ficado para trás, pois estava
apaixonada por uma linda Cana. Tinham-se conhecido no início da Primavera, quando a Andorinha
voava rio abaixo, atrás de uma mariposa amarela e, sentiu-se tão atraída pela cintura estreita da
Cana que parou para falar com ela.
«Irei amar-te?» disse a Andorinha que gostava de ir direta ao assunto, e a Cana fez-lhe uma
vénia. E assim, ela voou à sua volta, tocando a água com as asas e fazendo ondulações prateadas.
Esta era a sua forma de fazer a corte e durou todo o Verão.
«É uma ligação ridícula», riam-se, trocistas, as outras Andorinhas, «ela não tem dinheiro e
conhece gente a mais»; e realmente o rio estava cheio de Juncos. Depois veio o Outono e elas
voaram para longe.
Depois de elas partirem, a Andorinha sentiu-se sozinha, e começou a cansar-se da sua
amada. «Ela não sabe conversar», disse a Andorinha, «e acho que é muito namoradeira pois está
sempre a namoriscar com o vento.» Realmente, quando o vento soprava, a Cana fazia os mais
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graciosos movimentos. «Eu aceito que ela seja doméstica», continuou, «mas eu gosto de viajar, e a
minha mulher também terá de gostar.»
«Vens comigo para longe daqui?» perguntou um dia à Cana; mas a Cana abanou a cabeça,
pois estava muito ligada à sua casa.
«Tu tens estado a brincar comigo», gritou ela, «eu vou-me embora para as Pirâmides.
Adeus!» e foi-se embora.
Voou durante todo o dia e à noite chegou a uma cidade. «Onde é que eu me vou hospedar?»
disse ela; «espero que a cidade tenha feito os preparativos necessários». Depois, viu a estátua ao
alto da enorme coluna. «Vou hospedar-me ali», gritou ela, «é um ótimo lugar, com muito ar fresco».
E assim, pousou entre os pés do Príncipe Feliz.
«Tenho um quarto de ouro», disse ela para consigo, enquanto olhava em volta e se
preparava para dormir; mas quando estava a pôr a cabeça debaixo da asa, uma gota de água enorme
caiu-lhe em cima. «Que coisa curiosa!» gritou ela, «não há uma só nuvem no céu, as estrelas estão
muito claras e brilhantes e, no entanto, está a chover. O clima do norte da Europa é realmente
horrível. A Cana costumava gostar de chuva mas era só por puro egoísmo.»
E então caiu outra gota.
«Para que serve uma estátua se não consegue abrigar-me da chuva?» disse ela; «tenho de
procurar uma boa chaminé», e decidiu ir embora.
Mas ainda não tinha aberto as asas quando uma terceira gota caiu e ela olhou para cima e
viu Ah! O que é que ela viu?
Os olhos do Príncipe Feliz estavam cheios de lágrimas e as lágrimas caíam pelas suas faces
douradas. A sua cara era tão linda, à luz da lua, que a pequena Andorinha ficou cheia de pena.
«Quem és tu?» disse ela.
«Eu sou o Príncipe Feliz.»
«Mas então porque estás a chorar?» perguntou a Andorinha, «molhaste-me toda.»
«Quando eu era vivo e tinha um coração humano», respondeu a estátua, «não sabia o que
eram lágrimas, pois vivia no palácio Sem-Cuidados, onde não é permitida a entrada da tristeza. De
dia eu brincava com os meus amigos no jardim, e à noite abria o baile no salão. À volta do jardim
havia um muro muito alto mas eu nunca me preocupei em perguntar o que estava do outro lado,
pois tudo à minha volta era muito bonito. Os meus cortesãos chamavam-me o Príncipe Feliz e
realmente, se o prazer é felicidade, eu era feliz. E assim vivi, e assim morri. E agora que estou morto,
eles puseram-me aqui em cima, tão alto que consigo ver todas as coisas feias e toda a miséria da
minha cidade, e apesar do meu coração ser feito de chumbo, não consigo deixar de chorar.»
«Então não é feito de ouro maciço?» disse a Andorinha para consigo. Ela era muito educada
para fazer comentários pessoais em voz alta.
«Lá longe», continuou a estátua em voz baixa e melodiosa, «lá, longe, numa rua pequena, há
uma casa pobre. Uma das janelas está aberta e através dela eu posso ver uma mulher sentada à
mesa. Ela tem um rosto magro e fatigado, e tem as mãos rudes e vermelhas, todas picadas da agulha,
pois é costureira. Ela está a bordar flores de paixão num vestido de cetim para a mais bela das damas
de honor da Rainha vestir no próximo baile da Corte. Numa cama, ao canto do quarto, o seu filhinho
está deitado, doente. Ele tem febre e está a pedir laranjas. A mãe não tem nada para lhe dar, a não
ser água do rio e, por isso, ele está a chorar. Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha, levas-lhe
por favor, o rubi do cabo da minha espada? Os meus pés estão presos a este pedestal e eu não me
posso mexer».
«Estão à minha espera no Egipto», disse a Andorinha. «Os meus amigos sobem e descem o
Nilo e falam com as enormes flores de lótus. Daqui a pouco irão dormir no túmulo do Grande Rei. O
Rei está lá no seu caixão pintado. Está envolto em linho amarelo e embalsamado com especiarias. À
volta do seu pescoço está uma corrente de pálido jade verde e as suas mãos são como folhas secas.»
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha", disse o Príncipe, «não queres ficar comigo por
uma noite e ser a minha mensageira? O menino tem tanta sede e a mãe está tão triste!»
«Eu acho que não gosto de meninos», respondeu a Andorinha. «No Verão passado, quando
eu estava ao pé do rio, apareceram dois meninos mal-educados, os filhos do moleiro, e passaram a
vida a atirar-me pedras. É claro que nunca me acertaram; nós, as andorinhas, voamos muito bem
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para permitir que isso aconteça e, além disso, eu pertenço a uma família famosa pela sua agilidade;
mesmo assim, foi um sinal de desrespeito.»
Mas o Príncipe Feliz estava tão triste que a Andorinha teve pena dele. «Aqui está muito frio»,
disse ela; «mas eu vou ficar contigo por uma noite, e ser a tua mensageira.»
«Obrigado, pequena Andorinha», disse o Príncipe. E assim, a Andorinha tirou o enorme rubi
da espada do Príncipe e voou com ele no bico por cima dos telhados da cidade.
Passou pela torre da catedral, onde estavam esculpidos anjos de mármore branco. Passou
pelo palácio e ouviu o som do baile. Uma bonita rapariga veio à varanda com o seu amado. Como são
bonitas as estrelas», disse-lhe ele, «e que bonito é o poder do amor!» «Eu espero que o meu vestido
esteja pronto para o baile da Corte», respondeu ela; «eu mandei bordar flores de paixão, mas as
costureiras são tão preguiçosas.» Passou pelo rio e viu as lanternas penduradas nos mastros dos
navios. Passou pelo Bairro pobre e viu os Judeus velhos a regatearem uns com os outros e a pesar
dinheiro em balanças de cobre. Finalmente, chegou à casa pobre e espreitou. O menino tossia febril
na sua cama e a mãe tinha adormecido, pois estava muito cansada. Saltou lá para dentro e pousou o
enorme rubi na mesa, ao lado do dedal da mulher. Depois voou devagar à volta da cama, provocando
uma certa aragem com as asas para refrescar a fronte do menino.
«Que fresquinho», disse o menino, «devo estar a melhorar»; e caiu num sono delicioso.
Depois a Andorinha voou de volta para o Príncipe Feliz e contou-lhe o que tinha feito. «É
curioso», notou ela, «sinto-me tão bem, agora, apesar de estar tanto frio.»
«Isso é porque fizeste uma boa ação», disse o Príncipe. E a pequena Andorinha começou a
pensar e depois adormeceu. Pensar dava-lhe sempre sono. Quando o dia amanheceu, ela voou até
ao rio e tomou um banho. «Que fenómeno espantoso», disse o Professor de Ornitologia, quando
passou pela ponte. «Uma andorinha no Inverno!» E escreveu uma longa carta sobre isso para o jornal
local. Toda a gente falou nele, pois estava tão cheio de palavras estranhas que ninguém percebeu
nada.
«Esta noite vou para o Egipto», disse a Andorinha, e ficou satisfeita com tal ideia. Visitou
todos os monumentos públicos e pousou, durante um bocado, no topo da torre da igreja. Onde quer
que ela fosse, os Pardais chilreavam e diziam uns aos outros: «Que estranho tão distinto!» E por isso
a Andorinha estava muito satisfeita consigo própria.
Quando a lua apareceu, ela voou para o Príncipe Feliz. «Tens alguma mensagem para o
Egipto?» gritou ela; «eu vou agora mesmo.»
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «não queres ficar comigo só
mais uma noite?»
«Estão à minha espera no Egipto», respondeu a Andorinha. «Amanhã os meus amigos voarão
para a Segunda Catarata. Os hipopótamos escondem-se entre os juncos e o Deus Memnon está
sentado num magnífico trono de granito. Ele observa as estrelas durante a noite e quando a estrela
da manhã brilha, solta um grito de alegria e depois fica silencioso. Ao meio-dia, os leões amarelos
descem até à beira da água para beberem. Eles têm olhos como o berilo verde e o seu rugir é mais
alto do que o rugir da Catarata.»
«Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «lá longe, do outro lado da cidade, eu
vejo um jovem num sótão. Ele está inclinado sobre uma secretária coberta de papéis e, a seu lado,
num copo, está um ramo de violetas mortas. O seu cabelo é castanho e encaracolado, os seus lábios
são vermelhos como uma romã, e ele tem olhos grandes e sonhadores. Está a tentar acabar uma
peça para o Diretor do Teatro, mas está com muito frio e não consegue escrever mais. Não há chama
na lareira e a fome deixou-o enfraquecido.»
«Eu ficarei contigo só mais esta noite», disse a Andorinha, que no fundo tinha um bom
coração. «Levo-lhe outro rubi?»
«Ai! Eu não tenho mais rubis», disse o Príncipe, «só tenho os meus olhos. São safiras raras,
trazidas da Índia há cem anos. Tira uma delas e leva-a. Ele vendê-la-á ao joalheiro e comprará comida
e lenha para a lareira, e acabará a peça.»
«Querido Príncipe», disse a Andorinha, «eu não posso fazer isso»; e começou a chorar.
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «faz o que eu te digo.»
Então a Andorinha tirou um dos olhos do Príncipe e voou até ao sótão do estudante. Era
muito fácil entrar, pois tinha um buraco no telhado. Passou através dele e entrou no quarto. O jovem
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tinha a cabeça enterrada nas mãos e por isso não ouviu o esvoaçar das asas do pássaro, e quando
olhou para cima encontrou a linda safira nas violetas mortas.
«Começam a dar-me valor», gritou ele; «isto é de algum grande admirador. Agora posso
acabar a minha peça», e ficou muito feliz.
No dia seguinte, a Andorinha voou até ao porto. Sentou- se num mastro de um navio enorme
e observou os marinheiros puxando grandes caixas com cordas, do porão. «Puxem para cima!»
gritavam uns para os outros quando as caixas subiam. «Eu vou para o Egipto!» gritou a Andorinha,
mas ninguém lhe prestou atenção, e quando a lua apareceu voou de volta para o Príncipe Feliz.
«Vim para te dizer adeus», disse ela.
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha", disse o Príncipe, «Não queres ficar comigo só
mais uma noite?»
«É Inverno», respondeu a Andorinha, «e a fria neve não tarda a chegar. No Egipto, o Sol é
quente nas palmeiras verdes e os crocodilos ficam na lama a olhar preguiçosamente à sua volta. Os
meus companheiros constroem os ninhos no Templo da Baalbec, e os pombos cor-de-rosa e brancos
observam-nos e arrulham uns para os outros. Querido Príncipe, eu tenho de te deixar, mas nunca te
esquecerei, e na próxima Primavera trago-te duas lindas joias para o lugar daquelas que tu deste. O
rubi será mais vermelho do que uma rosa vermelha, e a safira mais azul do que o magnífico mar.»
«Na praça, lá em baixo», disse o Príncipe Feliz, «está uma rapariguinha que vende fósforos.
Ela deixou-os cair na sarjeta e eles estão todos estragados. O pai dela vai bater-lhe se ela não levar
dinheiro para casa e ela está a chorar. Ela não tem sapatos, nem meias e a sua cabecita não tem
nenhum agasalho. Tira o meu outro olho e vai dar-lho e, assim, o pai já não lhe baterá.»
«Eu ficarei contigo só mais esta noite», disse a Andorinha, «mas não posso tirar-te o teu
olho. Assim, ficarás cego.»
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «faz o que eu te digo.»
E assim, ela tirou o outro olho do Príncipe e partiu com ele. Desceu rapidamente e passou
pela menina dos fósforos e deixou a joia na palma da sua mão.
«Que lindo bocadinho de vidro», gritou a menina; e correu para casa, rindo.
Depois a Andorinha voltou para o Príncipe. «Agora tu estás cego», disse ela, «por isso ficarei
contigo para sempre.»
«Não, pequena Andorinha», disse o pobre Príncipe, «tu tens de ir para o Egipto.»
«Eu ficarei contigo para sempre», disse a Andorinha, e dormiu aos pés do Príncipe.
No dia seguinte, sentou-se no ombro do Príncipe todo o dia e contou-lhe histórias do que
tinha visto em terras distantes. Falou-lhes das íbis, as aves que passam o tempo em longas filas nas
margens do Nilo, e apanham peixe dourado com o bico; da Esfinge que é tão antiga como o mundo,
vive no deserto e sabe tudo; falou-lhe dos mercadores que andam devagar ao lado dos seus camelos
e levam contas de âmbar nas mãos; falou-lhe do Rei das Montanhas da Lua, que é negro como o
ébano e adora um enorme cristal; falou-lhe de uma enorme cobra verde que dorme nas palmeiras e
que tem vinte padres a alimentá-la com bolinhos de mel; e dos pigmeus que viajam em folhas, num
grande lago, e estão sempre em guerra com as borboletas.
«Querida pequena Andorinha», disse o Príncipe, «tu falas-me de coisas de espantar, mas
mais espantoso do que tudo isso é o sofrimento dos homens e das mulheres. Não há Mistério maior
do que a Miséria. Pequena Andorinha, voa pela minha cidade, e conta-me o que vês.»
E assim, a Andorinha voou pela grande cidade e viu os ricos a divertirem-se nas suas lindas
casas, enquanto os pedintes estavam sentados aos portões. Voou por becos e viu as caras pálidas das
crianças que, cheias de fome, olhavam com indiferença para as ruas negras. Debaixo de um arco de
ponte, estavam dois rapazinhos deitados, um nos braços do outro, a tentarem manter-se quentes.
«Que fome que nós temos!» disseram eles. «Vocês não podem ficar aqui», berrou o Guarda Noturno
e lá foram eles para a chuva.
Então, a Andorinha voou de volta e contou ao Príncipe o que tinha visto.
«Eu estou coberto de ouro maciço», disse o Príncipe, «tira-o, folha a folha, e dá-o aos meus
pobres; os vivos acham que o ouro os faz sempre felizes.»
A Andorinha tirou o lindo ouro, folha a folha, até o Príncipe Feliz ficar cinzento e sem graça.
Folha a folha, ela levou o ouro aos pobres e as faces das crianças tornaram-se mais rosadas, e elas
riam e brincavam nas ruas. «Agora temos pão!» gritavam elas.
11
Então a neve chegou e depois o gelo. As ruas tão claras e brilhantes pareciam feitas de prata;
longos pingentes de gelo que mais pareciam espadas de cristal, pendiam dos beirais das casas; toda a
gente vestia casacos de peles e os rapazinhos vestiam capas escarlates e deslizavam no gelo.
A pobre Andorinha foi ficando cada vez com mais frio, mas não abandonou o Príncipe, pois
gostava muito dele. Apanhava migalhas à porta do padeiro, quando este não via, e tentava manter-
se quente, batendo as asas.
Mas por fim, percebeu que ia morrer. Só tinha forças para voar para o ombro do Príncipe,
mais uma vez. «Adeus, querido Príncipe!» murmurou ela, «Deixas-me beijar a tua mão?»
«Fico contente por ires, finalmente, para o Egipto», pequena Andorinha», disse o Príncipe.
«Já ficaste aqui muito tempo; mas tu deves beijar-me nos lábios, pois eu gosto muito de li.»
«Não é para o Egipto que eu vou», disse a Andorinha. «Eu vou para a Casa da Morte. A Morte
é a irmã do Sono, não é?»
E beijou o Príncipe nos lábios, e caiu morta aos seus pés.
Nesse momento, ouviu-se um barulho estranho, como se alguma coisa se tivesse partido
dentro da estátua. A verdade é que o coração de chumbo tinha-se partido em dois. Estava um frio
terrível.
Na manhã seguinte, bem cedo, o Prefeito andava a passear na Praça, na companhia dos
Conselheiros da Cidade. Quando passavam pela coluna, ele olhou para a estátua. «Meu Deus! Que
maltrapilho está o Príncipe Feliz!» disse ele.
«Realmente!» gritaram os Conselheiros, que concordavam sempre com o Prefeito, e foram
para cima para olhar bem para a estátua. «O rubi caiu da espada, os olhos desapareceram, e ele já
não é dourado», disse o Prefeito; na verdade, parece um mendigo!»
«Parece um mendigo», disseram os Conselheiros. «E até tem um pássaro morto aos pés!»
continuou o Prefeito. «Temos de fazer um decreto para proibir os pássaros de morrer aqui». O
secretário tomou nota da sugestão.
E assim, deitaram abaixo a estátua do Príncipe Feliz. «Como deixou de ser bonito, já não tem
utilidade», disse o Professor de Arte da Universidade.
Depois, derreteram a estátua num forno, e o Prefeito convocou uma reunião com a
Corporação para decidir o que fazer com o metal. «É claro que temos de ter outra estátua», disse, «e
será uma estátua minha.» «Minha», disseram cada um dos Conselheiros da Cidade, e começaram a
discutir. A última vez que eu ouvi falar deles, ainda estavam a discutir.
«Que coisa estranha!», disse o capataz dos trabalhadores da fundição. «Este coração de
chumbo, partido, não derrete no forno. Vamos deitá-lo fora.» E, por isso, deitaram-no num monte de
lixo onde já estava a Andorinha morta.
«Traz-me as duas coisas mais preciosas da cidade», disse Deus a um dos seus Anjos; e o Anjo
levou-lhe o coração de chumbo e o pássaro morto.
«Escolheste bem», disse Deus, «pois no meu jardim do Paraíso, este pássaro cantará para
sempre, e na minha cidade de ouro o Príncipe Feliz far-me-á companhia.»
Oscar Wilde, “O Príncipe Feliz”, In As melhores histórias de Oscar Wilde, Ed. Ambar, 2002.
12
O Príncipe Feliz
[Texto com supressões]
Lá ao cimo da cidade, numa coluna muito alta, estava a estátua do Príncipe Feliz. Estava
coberto com finas folhas de ouro maciço, tinha duas brilhantes safiras como olhos e um enorme rubi
vermelho brilhava no cabo da sua espada.
Era realmente muito admirado. «Ele é tão bonito como um catavento», comentou um dos
Conselheiros da Cidade que queria ganhar reputação por ter gostos artísticos; «Só que não é tão
útil», acrescentou, temendo que pensassem que ele não era uma pessoa prática, e realmente não
era. […]
Uma noite, voou sobre a cidade uma pequena Andorinha. […]
«Onde é que eu me vou hospedar?» disse ela; «espero que a cidade tenha feito os
preparativos necessários». Depois, viu a estátua ao alto da enorme coluna. «Vou hospedar-me ali»,
gritou ela, «é um ótimo lugar, com muito ar fresco».
E assim, pousou entre os pés do Príncipe Feliz.
«Tenho um quarto de ouro», disse ela para consigo, enquanto olhava em volta e se
preparava para dormir; mas quando estava a pôr a cabeça debaixo da asa, uma gota de água enorme
caiu-lhe em cima. «Que coisa curiosa!» gritou ela, «não há uma só nuvem no céu, as estrelas estão
muito claras e brilhantes e, no entanto, está a chover. O clima do norte da Europa é realmente
horrível. […]
E então caiu outra gota.
«Para que serve uma estátua se não consegue abrigar-me da chuva?» disse ela; «tenho de
procurar uma boa chaminé», e decidiu ir embora.
Mas ainda não tinha aberto as asas quando uma terceira gota caiu e ela olhou para cima e
viu Ah! O que é que ela viu?
Os olhos do Príncipe Feliz estavam cheios de lágrimas e as lágrimas caíam pelas suas faces
douradas. A sua cara era tão linda, à luz da lua, que a pequena Andorinha ficou cheia de pena.
«Quem és tu?» disse ela.
«Eu sou o Príncipe Feliz.»
«Mas então porque estás a chorar?» perguntou a Andorinha, «molhaste-me toda.»
«Quando eu era vivo e tinha um coração humano», respondeu a estátua, «não sabia o que
eram lágrimas, pois vivia no palácio Sem-Cuidados, onde não é permitida a entrada da tristeza. De
dia eu brincava com os meus amigos no jardim, e à noite abria o baile no salão. À volta do jardim
havia um muro muito alto mas eu nunca me preocupei em perguntar o que estava do outro lado,
pois tudo à minha volta era muito bonito. Os meus cortesãos chamavam-me o Príncipe Feliz e
realmente, se o prazer é felicidade, eu era feliz. E assim vivi, e assim morri. E agora que estou morto,
eles puseram-me aqui em cima, tão alto que consigo ver todas as coisas feias e toda a miséria da
minha cidade, e apesar do meu coração ser feito de chumbo, não consigo deixar de chorar.»
«Então não é feito de ouro maciço?» disse a Andorinha para consigo. Ela era muito educada
para fazer comentários pessoais em voz alta.
13
«Lá longe», continuou a estátua em voz baixa e melodiosa, «lá, longe, numa rua pequena, há
uma casa pobre. Uma das janelas está aberta e através dela eu posso ver uma mulher sentada à
mesa. Ela tem um rosto magro e fatigado, e tem as mãos rudes e vermelhas, todas picadas da agulha,
pois é costureira. Ela está a bordar flores de paixão num vestido de cetim para a mais bela das damas
de honor da Rainha vestir no próximo baile da Corte. Numa cama, ao canto do quarto, o seu filhinho
está deitado, doente. Ele tem febre e está a pedir laranjas. A mãe não tem nada para lhe dar, a não
ser água do rio e, por isso, ele está a chorar. Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha, levas-lhe
por favor, o rubi do cabo da minha espada? Os meus pés estão presos a este pedestal e eu não me
posso mexer».
«Estão à minha espera no Egipto», disse a Andorinha. «Os meus amigos sobem e descem o
Nilo e falam com as enormes flores de lótus. […]
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha", disse o Príncipe, «não queres ficar comigo por
uma noite e ser a minha mensageira? O menino tem tanta sede e a mãe está tão triste!»
«Eu acho que não gosto de meninos», respondeu a Andorinha. «No Verão passado, quando
eu estava ao pé do rio, apareceram dois meninos mal-educados, os filhos do moleiro, e passaram a
vida a atirar-me pedras. É claro que nunca me acertaram; nós, as andorinhas, voamos muito bem
para permitir que isso aconteça e, além disso, eu pertenço a uma família famosa pela sua agilidade;
mesmo assim, foi um sinal de desrespeito.»
Mas o Príncipe Feliz estava tão triste que a Andorinha teve pena dele. «Aqui está muito frio»,
disse ela; «mas eu vou ficar contigo por uma noite, e ser a tua mensageira.»
«Obrigado, pequena Andorinha», disse o Príncipe. E assim, a Andorinha tirou o enorme rubi
da espada do Príncipe e voou com ele no bico por cima dos telhados da cidade.
Passou pela torre da catedral, onde estavam esculpidos anjos de mármore branco. Passou
pelo palácio e ouviu o som do baile. […] Passou pelo rio e viu as lanternas penduradas nos mastros
dos navios. Passou pelo Bairro pobre e viu os Judeus velhos a regatearem uns com os outros e a
pesar dinheiro em balanças de cobre. Finalmente, chegou à casa pobre e espreitou. O menino tossia
febril na sua cama e a mãe tinha adormecido, pois estava muito cansada. Saltou lá para dentro e
pousou o enorme rubi na mesa, ao lado do dedal da mulher. Depois voou devagar à volta da cama,
provocando uma certa aragem com as asas para refrescar a fronte do menino.
«Que fresquinho», disse o menino, «devo estar a melhorar»; e caiu num sono delicioso.
Depois a Andorinha voou de volta para o Príncipe Feliz e contou-lhe o que tinha feito. «É
curioso», notou ela, «sinto-me tão bem, agora, apesar de estar tanto frio.»
«Isso é porque fizeste uma boa ação», disse o Príncipe. E a pequena Andorinha começou a
pensar e depois adormeceu. Pensar dava-lhe sempre sono. Quando o dia amanheceu, ela voou até
ao rio e tomou um banho. […]
«Esta noite vou para o Egipto», disse a Andorinha, e ficou satisfeita com tal ideia. Visitou
todos os monumentos públicos e pousou, durante um bocado, no topo da torre da igreja. […]
Quando a lua apareceu, ela voou para o Príncipe Feliz. «Tens alguma mensagem para o
Egipto?» gritou ela; «eu vou agora mesmo.»
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «não queres ficar comigo só
mais uma noite?»
«Estão à minha espera no Egipto», respondeu a Andorinha.[…]
«Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «lá longe, do outro lado da cidade, eu
vejo um jovem num sótão. Ele está inclinado sobre uma secretária coberta de papéis e, a seu lado,
num copo, está um ramo de violetas mortas. O seu cabelo é castanho e encaracolado, os seus lábios
são vermelhos como uma romã, e ele tem olhos grandes e sonhadores. Está a tentar acabar uma
peça para o Diretor do Teatro, mas está com muito frio e não consegue escrever mais. Não há chama
na lareira e a fome deixou-o enfraquecido.»
«Eu ficarei contigo só mais esta noite», disse a Andorinha, que no fundo tinha um bom
coração. «Levo-lhe outro rubi?»
«Ai! Eu não tenho mais rubis», disse o Príncipe, «só tenho os meus olhos. São safiras raras,
trazidas da Índia há cem anos. Tira uma delas e leva-a. Ele vendê-la-á ao joalheiro e comprará comida
e lenha para a lareira, e acabará a peça.»
«Querido Príncipe», disse a Andorinha, «eu não posso fazer isso»; e começou a chorar.
14
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «faz o que eu te digo.»
Então a Andorinha tirou um dos olhos do Príncipe e voou até ao sótão do estudante. Era
muito fácil entrar, pois tinha um buraco no telhado. Passou através dele e entrou no quarto. O jovem
tinha a cabeça enterrada nas mãos e por isso não ouviu o esvoaçar das asas do pássaro, e quando
olhou para cima encontrou a linda safira nas violetas mortas.
«Começam a dar-me valor», gritou ele; «isto é de algum grande admirador. Agora posso
acabar a minha peça», e ficou muito feliz.
No dia seguinte, a Andorinha voou até ao porto. Sentou- se num mastro de um navio enorme
e observou os marinheiros puxando grandes caixas com cordas, do porão. «Puxem para cima!»
gritavam uns para os outros quando as caixas subiam. «Eu vou para o Egipto!» gritou a Andorinha,
mas ninguém lhe prestou atenção, e quando a lua apareceu voou de volta para o Príncipe Feliz.
«Vim para te dizer adeus», disse ela.
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha", disse o Príncipe, «Não queres ficar comigo só
mais uma noite?»
«É Inverno», respondeu a Andorinha, «e a fria neve não tarda a chegar. No Egipto, o Sol é
quente nas palmeiras verdes e os crocodilos ficam na lama a olhar preguiçosamente à sua volta. […]
Querido Príncipe, eu tenho de te deixar, mas nunca te esquecerei, e na próxima Primavera trago-te
duas lindas joias para o lugar daquelas que tu deste. O rubi será mais vermelho do que uma rosa
vermelha, e a safira mais azul do que o magnífico mar.»
«Na praça, lá em baixo», disse o Príncipe Feliz, «está uma rapariguinha que vende fósforos.
Ela deixou-os cair na sarjeta e eles estão todos estragados. O pai dela vai bater-lhe se ela não levar
dinheiro para casa e ela está a chorar. Ela não tem sapatos, nem meias e a sua cabecita não tem
nenhum agasalho. Tira o meu outro olho e vai dar-lho e, assim, o pai já não lhe baterá.»
«Eu ficarei contigo só mais esta noite», disse a Andorinha, «mas não posso tirar-te o teu
olho. Assim, ficarás cego.»
«Andorinha, Andorinha, pequena Andorinha», disse o Príncipe, «faz o que eu te digo.»
E assim, ela tirou o outro olho do Príncipe e partiu com ele. Desceu rapidamente e passou
pela menina dos fósforos e deixou a joia na palma da sua mão.
«Que lindo bocadinho de vidro», gritou a menina; e correu para casa, rindo.
Depois a Andorinha voltou para o Príncipe. «Agora tu estás cego», disse ela, «por isso ficarei
contigo para sempre.»
«Não, pequena Andorinha», disse o pobre Príncipe, «tu tens de ir para o Egipto.»
«Eu ficarei contigo para sempre», disse a Andorinha, e dormiu aos pés do Príncipe.
No dia seguinte, sentou-se no ombro do Príncipe todo o dia e contou-lhe histórias do que
tinha visto em terras distantes. Falou-lhes das íbis, as aves que passam o tempo em longas filas nas
margens do Nilo, e apanham peixe dourado com o bico; da Esfinge que é tão antiga como o mundo,
vive no deserto e sabe tudo; falou-lhe dos mercadores que andam devagar ao lado dos seus camelos
e levam contas de âmbar nas mãos; falou-lhe do Rei das Montanhas da Lua, que é negro como o
ébano e adora um enorme cristal; falou-lhe de uma enorme cobra verde que dorme nas palmeiras e
que tem vinte padres a alimentá-la com bolinhos de mel; e dos pigmeus que viajam em folhas, num
grande lago, e estão sempre em guerra com as borboletas.
«Querida pequena Andorinha», disse o Príncipe, «tu falas-me de coisas de espantar, mas
mais espantoso do que tudo isso é o sofrimento dos homens e das mulheres. Não há Mistério maior
do que a Miséria. Pequena Andorinha, voa pela minha cidade, e conta-me o que vês.»
E assim, a Andorinha voou pela grande cidade e viu os ricos a divertirem-se nas suas lindas
casas, enquanto os pedintes estavam sentados aos portões. Voou por becos e viu as caras pálidas das
crianças que, cheias de fome, olhavam com indiferença para as ruas negras. Debaixo de um arco de
ponte, estavam dois rapazinhos deitados, um nos braços do outro, a tentarem manter-se quentes.
«Que fome que nós temos!» disseram eles. «Vocês não podem ficar aqui», berrou o Guarda Noturno
e lá foram eles para a chuva.
Então, a Andorinha voou de volta e contou ao Príncipe o que tinha visto.
«Eu estou coberto de ouro maciço», disse o Príncipe, «tira-o, folha a folha, e dá-o aos meus
pobres; os vivos acham que o ouro os faz sempre felizes.»
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A Andorinha tirou o lindo ouro, folha a folha, até o Príncipe Feliz ficar cinzento e sem graça.
Folha a folha, ela levou o ouro aos pobres e as faces das crianças tornaram-se mais rosadas, e elas
riam e brincavam nas ruas. «Agora temos pão!» gritavam elas.
Então a neve chegou e depois o gelo. As ruas tão claras e brilhantes pareciam feitas de prata;
longos pingentes de gelo que mais pareciam espadas de cristal, pendiam dos beirais das casas; toda a
gente vestia casacos de peles e os rapazinhos vestiam capas escarlates e deslizavam no gelo.
A pobre Andorinha foi ficando cada vez com mais frio, mas não abandonou o Príncipe, pois
gostava muito dele. Apanhava migalhas à porta do padeiro, quando este não via, e tentava manter-
se quente, batendo as asas.
Mas por fim, percebeu que ia morrer. Só tinha forças para voar para o ombro do Príncipe,
mais uma vez. «Adeus, querido Príncipe!» murmurou ela, «Deixas-me beijar a tua mão?»
«Fico contente por ires, finalmente, para o Egipto», pequena Andorinha», disse o Príncipe.
«Já ficaste aqui muito tempo; mas tu deves beijar-me nos lábios, pois eu gosto muito de li.»
«Não é para o Egipto que eu vou», disse a Andorinha. «Eu vou para a Casa da Morte. A Morte
é a irmã do Sono, não é?»
E beijou o Príncipe nos lábios, e caiu morta aos seus pés.
Nesse momento, ouviu-se um barulho estranho, como se alguma coisa se tivesse partido
dentro da estátua. A verdade é que o coração de chumbo tinha-se partido em dois. Estava um frio
terrível.
Na manhã seguinte, bem cedo, o Prefeito andava a passear na Praça, na companhia dos
Conselheiros da Cidade. Quando passavam pela coluna, ele olhou para a estátua. «Meu Deus! Que
maltrapilho está o Príncipe Feliz!» disse ele.
«Realmente!» gritaram os Conselheiros, que concordavam sempre com o Prefeito, e foram
para cima para olhar bem para a estátua. «O rubi caiu da espada, os olhos desapareceram, e ele já
não é dourado», disse o Prefeito; na verdade, parece um mendigo!»
«Parece um mendigo», disseram os Conselheiros. «E até tem um pássaro morto aos pés!»
continuou o Prefeito. […]
E assim, deitaram abaixo a estátua do Príncipe Feliz. […]
Depois, derreteram a estátua num forno, e o Prefeito convocou uma reunião com a
Corporação para decidir o que fazer com o metal. «É claro que temos de ter outra estátua», disse, «e
será uma estátua minha.» «Minha», disseram cada um dos Conselheiros da Cidade, e começaram a
discutir. A última vez que eu ouvi falar deles, ainda estavam a discutir.
«Que coisa estranha!», disse o capataz dos trabalhadores da fundição. «Este coração de
chumbo, partido, não derrete no forno. Vamos deitá-lo fora.» E, por isso, deitaram-no num monte de
lixo onde já estava a Andorinha morta.
«Traz-me as duas coisas mais preciosas da cidade», disse Deus a um dos seus Anjos; e o Anjo
levou-lhe o coração de chumbo e o pássaro morto.
«Escolheste bem», disse Deus, «pois no meu jardim do Paraíso, este pássaro cantará para
sempre, e na minha cidade de ouro o Príncipe Feliz far-me-á companhia.»
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Orientações de gestão da leitura
Tendo sempre presente que, neste ciclo [1.º], a razão fundamental para a leitura do texto
literário é a fruição pessoal, ele pode, no entanto, ser objeto de leitura orientada ou
constituir-se como pretexto para a realização de atividades que o prolonguem ou o recriem.
Programa de Português do Ensino Básico, 2009, p. 65.
As crianças devem ouvir ler o adulto para se apropriarem de bons modelos de leitura: ler em
voz alta às crianças fortalece os vínculos afetivos entre quem lê e quem ouve, estimula o
prazer de ouvir, o prazer de imaginar, facilita a aquisição e o desenvolvimento da linguagem e
faz emergir a vontade de querer aprender a ler.
idem, p. 63
1. A leitura completa da história é feita numa única sessão pelo professor, enquanto atividade de
compreensão do oral que pode dar contributos para a formação estética e literária dos alunos. Só no
final da leitura são fornecidas explicações sobre o vocabulário e colocadas questões sobre as ideias
principais do texto.
2. A leitura, silenciosa e oral, é feita pelos alunos em 3 momentos/aulas distinto(a)s. Cada momento
é seguido da explicação de vocabulário específico e de questões sobre as ideias principais das
sequências narrativas lidas.
2.2 No segundo momento, é lida a sequência narrativa que inclui a segunda prova da Andorinha:
volta a fazer planos de partida para o Egito; adia a partida; aceita ser mensageira do Príncipe levando
uma safira ao escritor de peças de teatro (dramaturgo).
2.3 No terceiro momento, são lidas as restantes sequências narrativas até ao fim da história. Incluem
a terceira prova da Andorinha, a sua decisão de não abandonar mais o Príncipe, a sua despedida e
morte no Inverno, a destruição da estátua, a passagem do anjo na cidade e a sua recolha, na lixeira,
do coração de chumbo do Príncipe e do pássaro morto, o desenlace da história, com o Príncipe Feliz
e a Andorinha juntos para sempre no Paraíso.
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