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Resumo: A cognição animal pode ser definida como a capacidade apresentada por um organismo em
adquirir, reter e posteriormente utilizar a informação sensorial na tomada de decisões, em diferentes
contextos. A compreensão de como os sinais emitidos no ambiente interagem com os canais sensoriais
dos animais capazes de percebê-los ajuda a desvendar o significado ecológico e evolutivo das interações
entre os organismos. No contexto da polinização, a atração de visitantes à flor é atribuída a uma grande
diversidade de sinais, principalmente os visuais e olfativos. Além de atuarem como atrativos, esses sinais
também podem exibir funções relacionadas à comunicação da presença/ausência de recursos. Não
obstante, outras modalidades sensoriais menos conhecidas, também desempenham papel relevante na
interação entre flores e visitantes. A ideia central do presente trabalho é expor, através de exemplos
relevantes da literatura, os principais sinais emitidos pelas flores e percebidos pelas abelhas, seja através
do uso de uma única modalidade sensorial ou através de múltiplas modalidades. Independente da
modalidade sensorial e da complexidade dos estímulos, estudos sobre as interações entre plantas e seus
visitantes florais ganham maior entendimento das relações se consideramos os diferentes aspectos
relacionados com o sinal que está sendo emitido, e a direcionalidade do mesmo, ou simplesmente a
capacidade ou não de ser percebido. Quantificar os processos, suas causas e consequências reforça o
entendimento de padrões evolutivos, ecológicos e comportamentais entre os organismos interagentes,
tanto em relações puramente mutualistas quanto em relações antagonistas.
Palavras-chave: cognição; interação planta-polinizador; polinizadores; sinais florais, sistema sensorial.
HOW DO BEES PERCEIVE FLOWERS AND WHY IT IS IMPORTANT? Animal cognition can be defined as
the ability of an organism to acquire, retain and subsequently use the sensory information during
decision-making processes in different contexts. The understanding of how the signals emitted in the
environment interact with the sensory system of animals capable of perceiving them helps to unravel the
363 | Ecologia sensorial e polinização
ecological and evolutionary significance of the interactions between organisms. In the context of
pollination, the attraction of visitors to the flower is attributed to a great diversity of signals, especially
visuals and olfactory. In addition to acting as attractants, they can also exhibit functions related to the
communication of the presence/absence of resources. Nevertheless, other sensory modalities, also play a
relevant role on the interaction between flowers and visitors. The central idea of the present study is to
present, through relevant examples from the literature, the main signals emitted by the flowers and
perceived by the bees, either by a single sensory modality or through multiple modalities. Regardless of the
sensory modality and the complexity of the stimuli, studies of the interactions between plants and their
floral visitors can be better understood and detailed if we consider the different aspects related to the
signal being emitted and the directionality of the same, or simply the capacity or not to be perceived.
Quantifying processes, their causes and consequences reinforce the understanding of evolutionary,
ecological and behavioral patterns among interacting organisms, both in mutualistic and antagonistic
relationships.
de atração e seus efeitos nos visitantes são 2009). A constância floral pode se dar através de
contexto-dependentes (Raguso & Willis 2002, relações especializadas (Praz et al. 2008, Klaus
Junker & Parachnowitsch 2015). Ainda, os Lunau et al. 2011) ou através de especializações
visitantes são capazes de aprender a reconhecer temporais, nas quais animais considerados
componentes considerados chave de um conjunto generalistas se especializam temporalmente na
de sinais mais complexos, como ocorre com as exploração de uma ou poucas espécies de plantas
fragrâncias florais, em que determinados grupos capazes de suprir as necessidades relacionadas
respondem exclusivamente a presença e concen- com a quantidade e/ou qualidade dos recursos
trações específicas de determinados voláteis procurados (Wilson & Stine 1996, Schiestl et al.
(Reinhard et al. 2010). 2010, Grüter et al. 2011). Contudo, entre os
Independente da origem e complexidade do mecanismos de sinalização, nem todos são
sinal, ao emergirem e durante o transcurso de suas considerados honestos e, dependendo do caso, o
vidas, os visitantes florais devem responder a uma estabelecimento de uma relação mutualista pode
variedade de estímulos ocorrendo simultânea- ser afetado. No processo de sinalização honesta,
mente no espaço. Respostas iniciais são um sinal é emitido e o visitante é recompensado
moduladas por preferências inatas, seja por pela visita - e no melhor dos casos pelo serviço de
formas que se assemelham a morfologias florais polinização prestado - com a obtenção do recurso
(Lehrer et al. 1995), por cores e odores procurado. No entanto, existem plantas que se
(filogeneticamente determinadas) (Lunau & Maier beneficiam de sinais honestos emitidos ao seu
1995, Gumbert 2000, Milet-Pinheiro et al. 2012), ou redor (espécie modelo) para enganar visitantes e
ainda, através de preferências moduladas pelas receber visitas sem recompensá-los, a partir do
condições da flora local (Chittka et al. 2004). As mimetismo de sinais (Ellis & Johnson 2010,
preferências inatas guiam o forrageio de animais Jürgens et al. 2013). No caso dos mecanismos
recém-emergidos em direção à estímulos nunca envolvendo decepção alimentar, nos quais ambos
percebidos, mas que, por razões ecológicas e modelo e espécie mimética coocorrem, a
evolutivas, resultam vantajosos para eles. Porém, percepção e recusa da sinalização desonesta é
estímulos que correspondam às preferências dificultada, já que naturalmente durante as visitas,
inatas podem nem sempre estar disponíveis na os forrageadores encontram variações nas
natureza no momento do surgimento dos recompensas entre flores/inflorescências na
indivíduos ou, ainda que os visitantes mostrem população - ora com recompensa porque ainda
preferências inatas por certos estímulos, a escolha não foi visitada, ora sem recompensa após uma
em comunidades naturais pode não refletir essas visita prévia de outro indivíduo.
preferências (Heinrich 1979, Reverté et al. 2016). No contexto das comunidades, as interações
Por isso, no processo de sinalização-resposta, flor-visitante podem resultar em processos de
devem existir outros mecanismos capazes de competição ou facilitação, tanto entre as plantas
assegurar a obtenção da informação, e na tentativa de atrair e selecionar seus
consequentemente dos recursos, de maneira polinizadores – como entre visitantes (Mitchell et
contínua ao longo do tempo. A modularidade al. 2009a, Irwin et al. 2010, Bergamo et al. 2017).
gerada pela variação espacial e/ou temporal na No entanto, na perspectiva da comunidade, onde
comunidade de plantas e visitantes florais, dá há emissão de sinais de diferentes naturezas,
lugar à processos associativos, através do intensidades e frequências, é possível que a
aprendizado (Heinrich 1979). presença de múltiplos sinais florais seja fonte de
O processo de associação entre os estímulos ruído no processo de percepção das flores e na
florais e os recursos disponibilizados pela planta, é associação de seus recursos pelos visitantes
o principal mecanismo de determinação da (Chittka et al. 1999, Chittka & Thomson 2001,
persistência das interações (Chittka & Thomson Rusch et al. 2016). Por outro lado, também
2001), levando, por exemplo, a uma constância na podemos imaginar que a complexidade resultante
frequência das visitas (Chittka et al. 1999, Márquez da existência de variações nos atributos florais
(e.g. cor, tamanho, forma, simetria, odor), e o fato sobre os temas de cada subseção também foram
dos visitantes exibirem certas preferências por incluídos.
determinados sinais, ou serem capazes de filtrar
sinais mais relevantes, pode ajudar durante o
processo de seleção e reconhecimento das PERCEPÇÃO A PARTIR DA VISÃO E A
espécies vegetais entre as várias presentes no INTERAÇÃO ENTRE CORES, TAMANHOS,
ambiente (Lehrer et al. 1995, Gegear & Laverty FORMAS E SIMETRIA FLORAL
2001, Kárpáti et al. 2013, Riffell et al. 2014).
O presente trabalho consiste em uma revisão A atração de visitantes às flores é atribuída em
sobre os principais sinais emitidos pelas flores no parte à diversidade de cores, formas, tamanhos e
processo de atração de um grupo com destacada simetrias exibidas por suas pétalas e demais
relevância nos estudos das interações: as abelhas componentes florais (Endress 1999). Através
(Hymenoptera). No cenário da sinalização e destes componentes, as plantas sinalizam a
aprendizado, as abelhas são excelentes modelos presença de recurso, de maneira honesta ou
em estudos de ecologia sensorial e cognitiva, desonesta, para atrair seus polinizadores (Chittka
principalmente pela alta capacidade de & Raine 2006, Pélabon et al. 2012). A variedade de
aprendizagem e variabilidade comportamental, cores, formas, tamanhos e simetrias, bem como
consequência dos diferentes modos de vida seu padrão nas flores, é o resultado de diferentes
(sociais e solitárias) e da diversidade de ambientes pressões seletivas, podendo os polinizadores e
que habitam e nos quais forrageiam (Chittka & suas preferências por determinados atributos
Thomson 2001, Loukola et al. 2017). Com o intuito também atuarem como uma destas (Armbruster et
de expandir a percepção da relevância desses al. 2005, Herrera et al. 2006, Tanaka & Brugliera
processos e padrões nos estudos das interações 2006, Koski & Ashman 2016).
entre plantas e abelhas visitantes florais, selecio- A capacidade visual dos visitantes em detectar
namos os principais componentes de diferentes e discriminar estímulos florais tem sido foco de
canais sensoriais conhecidos na literatura, em muitos estudos nas interações flor-visitante
maior ou menor escala, que influenciam a (Chittka & Menzel 1992, Dyer & Chittka 2004b,
atividade de forrageio das abelhas. Ressaltamos Dyer et al 2011a, Lunau et al. 2011). O sistema
ainda, o contexto destas interações e sua signifi- visual das abelhas é constituído por três ocelos
cância ecológica e evolutiva, com consequências (conhecidos como olhos simples), usualmente
para o sucesso reprodutivo das plantas. associados com o controle de voo e detecção da
intensidade luminosa, e dois olhos compostos
formados por centenas de omatídeos (unidade
óptica básica) (Land 1977, Snyder 1977, Mizunami
MATERIAL E MÉTODOS 1995, Land & Nilsson 2002). Cada omatídeo é
constituído de uma lente córnea (faceta) que capta
O material bibliográfico referente aos estudos a luz direcionando-a para os rabdômeros,
abordados nas seguintes subseções desta revisão estruturas formadas por células fotorreceptoras
foi obtido através do Portal Periódicos Capes (Praagh 1980), que por sua vez, determinam a
(www.periodicos.capes.gov.br). A busca foi reali- sensibilidade espectral de cada indivíduo/espécie.
zada pelo assunto a ser discorrido em cada Nas abelhas, a estrutura interna dos olhos
subseção, utilizando palavras-chave relacionadas compostos pode se apresentar de duas formas: 1-
com o tema, de forma isolada e/ou combinada, aposição, com capacidade limitada na captura de
em inglês, tais como: bee, sensory ecology, fótons já que os omatídeos são isolados uns dos
cognition, anatomy, perception, floral signals, outros, de forma que a luz captada atinge apenas o
visual system, olfactory system, tactile system, rabdoma correspondente, usualmente encontrado
gustatory system, plant chemical signals, petal em forrageadores de hábito diurno; e 2-
micromorphology, ectrogmagentic field, e assim superposição, com maior sensibilidade à luz, pois
por diante. Além dessa busca exata por palavras- nestes um único rabdoma recebe luz advinda de
chave, trabalhos a pirori considerados relevantes várias lentes, usualmente encontrado em
tipos de fotorreceptores das abelhas (UV, azul e Os VOCs são compostos de baixo peso
verde); e um canal acromático, com capacidade de molecular (e.g. terpenóides, carotenóides,
processar a informação visual de maneira mais benzenóides e derivados de ácidos graxos)
rápida e, portanto, sem muitos detalhes, baseado liberados por praticamente todos os tecidos
apenas nas diferenças de contraste produzidas vegetais (Dudareva 2004, Dobson 2006, Dudareva
entre a flor e o plano de fundo onde esta se & Pichersky 2006, Dudareva et al. 2006). Em geral,
encontra (Giurfa et al. 1996, Dyer et al. 2008). A as fragrâncias florais constituem complexas
prevalência do uso de um canal ou outro parece misturas de VOCs emitidas através de glândulas
depender da distância em que a abelha se denominadas osmóforos (Vogel 1963), localizadas
encontra do estímulo procurado. Ainda assim, em diferentes partes da flor, especialmente nas
mesmo que a imagem captada a uma determinada pétalas (Sazima et al. 1993, Cunningham et al.
distância não permita às abelhas resolverem em 2006, Dudareva & Pichersky 2006, Pansarin et al.
detalhes a coloração e padrões florais (Giurfa et al. 2014). Os VOCs possuem diferentes funcio-
1996), a forma floral fornece importantes sinais nalidades na interação entre plantas e abelhas,
visuais para que elas consigam discriminar flores especialmente relacionados à atração floral em si,
de outros objetos presentes no ambiente, ou até ou sinalizando a presença de recursos como pólen
mesmo de diferentes espécies a diferentes e néctar (Raguso 2004, Farré-Armengol et al. 2013).
distâncias (Vorobyev et al. 1997, Ibarra & Giurfa Sua presença também pode estar associada a
2003). A determinação dessas distâncias - outros processos desencadeados através da
conhecidas como ângulos visuais - é pouco interação entre plantas e herbívoros, podendo
representativa para a grande maioria das espécies afetar a sinalização, com consequências para as
de abelhas, não obstante, considera-se um plantas e seus visitantes (Kessler et al. 2011). Os
processo comum a todas elas (Dyer & Griffiths VOCs variam amplamente em sua presença e
2011, Ne’eman & Ne’eman 2017). abundância relativa em suas misturas, com
determinados perfis apresentando associações
com certos grupos de visitante floral (Dobson
PERCEPÇÃO A PARTIR DO OLFATO 2006, Jürgens et al. 2006), como por exemplo as
abelhas da tribo Euglossini (Apidae). Machos
Os sinais olfativos são percebidos pelas abelhas e destas abelhas exibem preferência por voláteis que
outros artrópodes através de estruturas chamadas compõem a fragrância floral de plantas de pelo
sensilas, dispostas principalmente nas peças menos dez famílias neotropicais (particularmente
bucais, pernas e antenas (Sutcliffe 1994, representativos em Orchidaceae), o que conse-
Steinbrecht 1996, Hansson & Stensmyr 2011). quentemente permite uma relação bastante
Estas estruturas estão relacionadas com diferentes estreita entre seleção de odores florais e
modalidades sensoriais além do olfato, tais como preferência por polinizadores (Zimmermann et al.
gustação, mecanorrecepção e termorrecepção, 2009, Hetherington-Rauth & Ramírez 2016, Mitko
mas são principalmente conhecidas pelas funções et al. 2016, Milet-Pinheiro & Gerlach 2017).
olfativas e gustativas (Steinbrecht 1996, Spaethe et Algumas espécies de orquídeas produzem
al. 2007, Onagbola et al. 2008, Wang et al. 2016), fragrância como única recompensa para machos
sendo as sensilas multiporosas as principais de abelhas Euglossini, concomitantemente utili-
responsáveis pela função olfativa (Blassioli- zado como atrativo floral (Dressler 1982, Sazima et
Moraes et al. 2008, Ravaiano et al. 2014). As al. 1993, Nunes et al. 2017). Para aquelas espécies
sensilas medam a interação química entre co-ocorrendo no tempo e no espaço, exibindo
receptores proteicos específicos e compostos fragrâncias semelhantes e competindo por
orgânicos voláteis (COVs ou VOCs, do inglês visitantes, como Gongora bufonia e Catasetum
Volatile Organic Compounds), desencadeando o cernuum (Orchidaceae), a posição de deposição
processamento da informação (Steinbrecht 1996, do polinário define o sucesso da polinização
Stengl et al. 1999, Blassioli-Moraes et al. 2008, Sato (Nunes et al. 2017). Espécies distintas podem
& Touhara 2008; Fialho et al. 2014, Bohbot & Pitts emitir voláteis através de diferentes partes florais,
2015). influenciando o comportamento dos polinizado-
res durante a coleta para obter um posiciona- mesmas classes químicas encontradas em aromas
mento ideal dos respectivos polinários (Dodson de flores, porém contrastando com odores de
1962, Nunes et al. 2017). Desse modo, o outras partes florais e indicando a presença do
compartilhamento de polinizadores – mesmo que recurso (Dobson & Bergström 2000). A presença de
geralmente reduzido – não seria problema, já que fragrância em pólen, pétalas e néctar são mais
através desse mecanismo a flor tem diferentes pronunciados nas plantas visitadas por insetos em
locais tocados pelo visitante durante a visita, o que comparação com aquelas visitadas por aves ou
consequentemente pode aumentar tanto o polinizadas pelo vento, sugerindo que a emissão
sucesso reprodutivo da planta como do de compostos orgânicos voláteis evoluiu em parte
polinizador (Hills et al. 1972, Schiestl & Schlüter sob seleção para atrair insetos polinizadores
2009, Eltz et al. 2011). (Dobson & Bergström 2000, Flamini et al. 2002,
A atração do polinizador mediada pelos VOCs é Schiestl 2015). Assim, a presença de voláteis no
considerada uma condição derivada porque néctar e pólen, seria forte e honestamente
assume-se que a função original das fragrâncias associada com a presença do recurso, com
florais provavelmente era defensiva (Raguso 2004). implicações diretas à biologia reprodutiva das
De maneira generalizada, as fragrâncias florais plantas, especialmente à quantidade de visitas que
têm a função de comunicar a presença de um a flor receberia em função da sinalização do
recurso aos polinizadores efetivos e evitar ou próprio recurso (Raguso 2004).
repelir visitantes pouco efetivos ou indesejados, A atração de polinizadores por engano também
atuando como filtros (Raguso 2004, Cunningham é bastante frequente na sinalização de VOCs e o
et al. 2006, Junker & Blüthgen 2010). Ainda, as único beneficiário dessa interação é a planta. Em
plantas apresentam a capacidade de modular a diversas espécies de orquídeas, principalmente do
produção de VOCs dependendo da fase repro- gênero Ophrys, as flores mimetizam feromônios
dutiva na qual se encontram. Um exemplo clássico sexuais das fêmeas aos machos de diferentes
dessa modularidade acontece na relação entre Hymenoptera, como as abelhas, que ao tentar
formigas e plantas de Acacia spp. (Fabaceae). copular com as flores acabam por polinizá-las
Neste sistema, as formigas conferem defesa (Schiestl et al. 1999, Schiestl 2003, 2005, Aysasse et
biótica contra herbívoros, mas durante a fase al. 2011).Vale ressaltar ainda, que a sinalização
reprodutiva e mais especificamente quando através dos VOCs pode ser alterada caso ocorra a
ocorre a abertura das flores, estas passam a presença de organismos como bactérias e fungos,
produzir VOCs que atuam como repelentes contra que podem utilizar os compostos orgânicos
as formigas, dissuadindo-as e permitindo a visita presentes no néctar como recurso, afetando a
de polinizadores. Estas mesmas formigas patru- qualidade do néctar através da fermentação e
lham os botões jovens e retornam às flores após a causando repulsa dos polinizadores (Rering et al.
deiscência, protegendo os óvulos fertilizados e as 2017).
sementes em desenvolvimento (Willmer & Stone A emissão de VOCs também pode ocorrer por
1997). outras partes das plantas, como sépalas, folhas e
Assim como no caso das cores, a sinalização frutos (Lucas-Barbosa et al. 2013, Schiestl et al.
das fragrâncias pode ser honesta ou não. Quando 2014). Neste caso, a liberação dos VOCs pode
honesta, sua presença facilita o reconhecimento acontecer ou ser modificada quanti- e qualitativa-
pelos forrageadores, especialmente nos casos em mente em função da herbivoria, onde os danos
que sua intensidade é qualitativa ou quantita- nos tecidos causam a liberação de compostos
tivamente correlacionada com a recompensa. Por secundários altamente voláteis (Kessler et al. 2011,
exemplo, abelhas fêmeas de Osmia (Megachilidae) Pareja et al. 2012, Lucas-Barbosa et al. 2013).
são capazes de detectar diretamente a presença de Assim, a presença destes compostos, inclusive os
néctar nas flores de Penstemon caesius liberados nas estruturas florais, seria resultado das
(Plantaginaceae) através dos voláteis presentes no pressões seletivas exercidas tanto por poliniza-
néctar (Howell & Alarcón 2007). Ainda, os dores como por agentes antagonistas (herbívoros
compostos voláteis responsáveis pela fragrância e predadores) (Raguso et al. 2003, Zhang et al.
do pólen compreendem voláteis que pertencem às 2016), com pequenas alterações modificando a
colmeia exerce um impacto relevante nas mesmas uma fidelização de visitas, por parte das abelhas,
capacidades. Os autores compararam abelhas em flores com morfologia semelhante àquela em
operárias forrageadoras e abelhas nutridoras (que que houve experiência prévia positiva quanto à
permaneceram dentro da colmeia). A aquisição qualidade do recurso (Muth et al. 2018). Além
táctil foi comprometida nas abelhas forrageadoras, disso, a complexidade da vida social das abelhas,
mas não nas abelhas nutridoras da mesma idade. como nas colônias de Apis mellifera, reforça o
A função do indivíduo na colmeia (atividade papel da gustação, atuando no reconhecimento
reduzida na colmeia ou atividade de forragea- interindividual e na variedade de compostos aos
mento ativa fora da colmeia) parece ser o fator que quais as abelhas são expostas durante as
determina a rapidez com a qual uma abelha diferentes atividades realizadas. Alguns estudos
apresenta sinais de senescência. recentes relatam a incapacidade de abelhas em
reconhecer compostos neonicotinoides, conse-
quentemente, afetando a seleção dos recursos
(contaminados e não contaminados) durante o
PERCEPÇÃO A PARTIR DA GUSTAÇÃO forrageamento (Kessler et al. 2015, Raine & Gill
2015).
A gustação é um importante sentido de percepção Um dos principais desafios da sinalizaçao floral
dos visitantes florais. É através dessa modalidade é que os sinais devem ser não apenas atraentes,
sensorial que os visitantes julgam a qualidade dos mas também memoráveis: quanto mais distinto
recursos, decidindo então se a relação será um sinal for, mais provável é que um polinizador
estabelecida. Nas abelhas, as antenas, partes se lembre dele, aumentando a chance de
bucais e segmentos distais das pernas dianteiras polinizadores visitarem mais flores de deter-
constituem os principais órgãos quimios- minadas espécies enquanto ignoram outras
sensoriais. Nestes apêndices, células receptoras concorrentes (Chittka & Peng 2013). Wright e
gustativas, mas também mecanossensoriais e colaboradores (2013) relatam que algumas
olfativas, estão localizadas dentro de estruturas espécies de plantas parecem se beneficiar neste
cuticulares especializadas e mencionadas anterio- ambiente competitivo, manipulando a memória
rmente, as sensilas (Brito-Sanchez 2011). A das abelhas com substâncias neuroestimulantes,
descrição geral das diferentes sensilas gustativas como a cafeína e a nicotina, presentes no néctar
em cada apêndice do corpo das abelhas pode ser (Raguso 2008, Wright et al. 2013). Estes estimu-
encontrada em uma compilação feita por Brito- lantes, produzidos como compostos secundários,
Sanchez (2011). são substâncias de baixo investi-mento para as
A capacidade de resposta a diferentes plantas, mas com efeitos intensos para os
concentrações e compostos dos recursos florais visitantes (Chittka & Peng 2013). Por exemplo,
não é fixa, variando entre colmeias e indivíduos, espécies contendo cafeína recebem mais
assim como no tempo e no espaço. Isso porque as visitantes independente da coloração floral
composições nutricionais de compostos orgânicos (Thomson et al. 2015), além de gerarem depen-
como proteínas, lipídios e carboidratos, variam de dência, compromentendo a entrada de recursos
acordo com a espécie de planta (Cnaani et al. na colmeia (Raguso 2008, Chittka & Peng 2013,
2005, Hanley et al. 2008, Agostini et al. 2014). Por Wright et al. 2013). Originalmente, ocorrem em
exemplo, o pólen de plantas que dependem da muitos tecidos vegetais (atuando na defesa contra
polinização por abelhas possui maior herbívoros), podendo ser adicionados facilmente
porcentagem de proteínas do que plantas com ao néctar, além de serem encontrados em espécies
autopolinização espontânea (Hanley et al. 2008). pertencentes a diferentes famílias como Solana-
Como esperado, a composição desses recursos ceae (Nicotiana L.), Tiliaceae (Tilia cordata Mill),
florais afeta diretamente a frequência de visitantes Rutaceae (Citrus L.), Rubiaceae (Coffea L.) e
de acordo com experiências prévias, já que as Asteraceae (Helianthus annuus).
abelhas podem perceber e selecionar o recurso Se por um lado os polinizadores são estimula-
(Cnaani et al. 2005). Por outro lado, pode ocorrer dos a incrementar o número de visitas através da
(Erickson 1975, Warnke 1976), por isso, quando a sensoriais e cognitivas dos visitantes e os sinais
abelha pousa na flor, parte da carga positiva em florais emitidos pelas diferentes espécies vegetais,
seu corpo cancela parte das cargas negativas associados, posteriormente, com o valor dos
presentes na flor, alterando a conformação do recursos oferecidos (Riffell 2011). Plantas
campo elétrico, fenômeno perceptível para a disputam a atenção de seus polinizadores através
próxima abelha que busca visitar a flor (Clarke et de uma diversidade de atributos. A exibição da flor
al. 2013). A distribuição do campo elétrico na e seus recursos, envolvendo odor, cor, morfologia,
planta varia com o formato das pétalas, sendo textura e sabor, são todos direcionados para
complexa, não uniforme e mudando rapidamente estimular o sistema sensorial dos possíveis
devido a corrente condutora que flui da terra visitantes, especialmente aqueles com potencial
(Cobert et al. 1982, Dai & Law 1995). para promover a polinização.
Alguns estudos evidenciam a capacidade das O que parece ser mais comum no processo da
abelhas do gênero Bombus e Apis mellifera em sinalização é que exista um contínuo na maneira
perceber e se comunicar por meio de campos como os animais podem perceber os estímulos. Às
elétricos (Warnke 1976, Kirschvink & Gould 1981, vezes, a presença de um único sinal em uma única
Colin et al. 1991, Clarke et al. 2013, Greggers et al. modalidade pode ser suficientemente potente
2013). Além disso, não somente se tem mostrado a para desencadear respostas satisfatórias nas
capacidade das abelhas em reconhecer campos abelhas (Telles et al. 2017). Com exceção de alguns
eletromagnéticos presentes nas flores (Clarke et al. exemplos (Leonard & Papaj 2011, Sánchez et al.
2013, Greggers et al. 2013, Sutton et al. 2016), mas 2011, Katzenberger et al. 2013, Leonard et al. 2013,
como tal percepção pode ser uma ferramenta de Leonard & Masek 2014), estudos detalhando a
comunicação rápida e dinâmica entre planta e maneira como as abelhas respondem às diferentes
polinizador (Clarke et al. 2013, Brito et al. 2014). sinalizações, simples ou complexas, são poucos, e
Uma das hipóteses levantadas para explicar a os caminhos evolutivos que levaram a um tipo ou
relevância dos sinais eletromagnéticos é o uso outro de sinalização ainda não são tão claros,
desta informação sensorial na identificação de podendo ser contexto-dependentes. Devemos
flores que foram recentemente visitandas. A lembrar que os sinais também enfrentam seleção,
percepção da mudança de carga dos campos não só do ambiente físico (Koski & Ashman 2015),
elétricos aumentaria a eficácia das abelhas no mas também dos sistemas sensoriais e cognitivos
momento de selecionar em quais flores pousar e dos receptores, através das preferências (inatas
coletar recurso (Clarke et al. 2013, Zakon 2016, e/ou aprendidas) e do trade-off entre gastos
Clarke et al. 2017). A espécie Bombus terrestris, por energéticos e a energia obtida. O produto final
exemplo, pode detectar e aprender como utilizar a dessa relação entre sinalizações simples e
variação estrutural do campo elétrico floral para complexas e a motivação dos visitantes pode ser
discriminar entre flores visitadas ou não visitadas medido através do sucesso reprodutivo de ambos
(Clarke et al. 2013). Ao que tudo indica, a interagentes (Kulahci et al. 2008), onde plantas
percepção do campo elétrico faz parte da teriam sua reprodução favorecida pela
experiência de forrageamento dessa espécie, visto transferência de grãos de pólen – no caso de
que a velocidade de aprendizado dessas abelhas agentes atuando como polinizadores - para um
aumenta quando esse sentido está pareado com estigma coespecífico (Waser 1978, Chittka et al.
outros, como a cor (Clarke et al. 2013, 2017). 2001), enquanto visitantes receberiam em troca –
nos processos honestos de sinalização - o recurso
pelo qual buscam.
CONCLUSÃO Atributos comuns a uma infinidade de espécies
vegetais, como a simetria e a morfologia floral,
Os componentes fundamentais que medeiam as podem desempenhar um papel de extrema
interações entre flores e seus visitantes (seja relevância em diferentes processos como, por
através de relações generalistas, especialistas, exemplo, de isolamento reprodutivo e constância
mutualistas ou antagonistas) podem ser divididos por parte dos visitantes. Ao que parece, a maioria
em dois elementos principais: as capacidades das espécies com uma simetria irregular foram
derivadas de espécies com flores com simetria foram encontrados em mais de 50% das famílias
regular (Neal et al. 1998). Em que circunstâncias a de plantas investigadas até o momento (Knudsen
presença de flores com simetrias irregulares et al. 2006). Da mesma forma como acontece para
representa uma vantagem para ambos a maioria dos sinais, no entendimento da relação
interagentes? Ou até que ponto diferentes entre VOCs e a resposta das abelhas ainda existem
morfologias florais são o resultado de pressões muitas perguntas em aberto.
bióticas e não abióticas? A evolução de uma corola Muito do que sabemos sobre sistemas
bilateralmente simétrica poderia restringir a sensoriais e cognitivos em abelhas se restrige a
direção de aproximação e movimento de duas espécies: Apis mellifera e Bombus terrestris.
polinizadores nas flores, fazendo com que a visita Se considerarmos a diversidade de habitats, estilos
e coleta do recurso fosse apenas possível a partir de vida, tempos de divergência, hábitos de
de uma única direção, o que facilita a deposição forrageamento e as cerca de 16.000 espécies
específica de pólen no corpo do polinizador e o restantes, podemos concluir que nosso enten-
contato mais preciso com o estigma, por exemplo dimento é limitado (Michener 2000). Como
(Schlindwein et al. 2014). Quando combinada com mensagem final, gostaríamos de incentivar os
o tamanho, morfologia e constância do polini- leitores a explorarem essa diversidade e que
zador, a deposição em áreas especificas pode incorporassem as questões sensoriais e cognitivas
aumentar a probabilidade de que grãos de pólen em seus estudos de interações, para uma melhor
alcancem um estigma compatível (Sargent 2004). compreensão da diversidade de comportamentos
Além disso, as flores podem ter diferentes padrões e respostas aos diferentes sinais florais, variando
geométricos de disposição do campo elétrico, no tempo e no espaço.
determinados pela sua morfologia, que são
distinguíveis pelas abelhas, podendo atuar como
sinalizadores (Clarke et al. 2013). AGRADECIMENTOS
A restrição de células cônicas às pétalas das
flores leva à sugestão de que elas estão envolvidas Este trabalho é resultado da disciplina “Funda-
na atração de polinizadores (Whitney et al. 2009). mentos e Fronteiras da Ecologia da Polinização”,
No entanto, a existência de diferenças e o papel da oferecida pelos programas de Pós-Graduação em
microtextura de pétalas ainda é pouco explorada Biologia Vegetal e Ecologia e Conservação de
nos estudos das interações. Sinais táteis de Recursos Naturais da Universidade Federal de
microtextura nas pétalas podem atuar como guias Uberlândia. Todos os autores são gratos pela
de néctar para as abelhas, por exemplo, com ou oportunidade de aprendizado durante a escrita e
sem a diferenciação visual, uma função que revisão deste trabalho. Agradecemos aos três
poderia ser testada em plantas visitadas por revisores anônimos que contribuíram para
animais que forrageiam durante períodos de baixa melhoria desse manuscrito. LRFM, BMCG, LCO e
luminosidade, como abelhas crepusculares e TNA agradecem à CAPES pelas respectivas bolsas
noturnas, ou ainda para plantas que apresentem de mestrado. GJB agradece pela bolsa PELD/
orientações especificas de suas flores (upside CAPES/CNPq nº 88887.137914/2017-00. FJT
down). agradece pela bolsa PNPD/Capes.
No contexto de forrageamento, a determinação
da qualidade do néctar e pólen, que fornecem,
respectivamente, carboidratos e proteínas (entre REFERÊNCIAS
outros), irá influenciar a sobrevivência dos
indivíduos e da prole, contudo, o entendimento Adler, L. S. 2000. The ecological significance of
das demandas de diferentes grupos de abelhas toxic nectar. Oikos, 91(3), 409–420. DOI:
(sociais e solitárias) está restrito a poucas espécies. 10.1034/j.1600-0706.2000.910301.x
No caso dos VOCs, alguns compostos podem ser Agostini, K., Sazima, M., & Galetto, L. 2011. Nectar
muito específicos e raros, enquanto outros production dynamics and sugar composition in
especialmente comuns. Por exemplo, o composto two Mucuna species (Leguminosae, Faboideae)
aromático benzaldeído e o monoterpeno linalol with different specialized pollinators. Naturwis-
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