"Caminho Da Fé" Reflexões Sobre Lazer e Ambiência

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Motriz, Rio Claro, v.16 n.3 p.559-570, jul./set. 2010 doi: http://dx.doi.org/10.5016/1980-6574.

2010v16n3p559

Artigo Original

“Caminho da fé”: reflexões sobre lazer e ambiência

Jaqueline Costa Castilho Moreira 1,2


Gisele Maria Schwartz 1
1
Instituto de Biociências. UNESP - Univ Estadual Paulista, Campus de Rio Claro,
Departamento de Educação Física, LEL, Rio Claro, SP, Brasil
2
Faculdade de Ciências e Letras. UNESP - Univ Estadual Paulista, Campus de
Araraquara, Departamento de Ciências da Educação, Araraquara, SP, Brasil

Resumo: Este estudo, de natureza qualitativa, objetivou investigar atitudes capazes de fomentar
comportamentos pró-ambientais, durante uma caminhada. Escolheu-se o “Caminho da Fé”, com 425 km
entre Tambaú e Aparecida/SP, o qual atrai turistas, esportistas e fiéis. Após revisão bibliográfica sobre a
temática, foi feita uma pesquisa exploratória, com uma amostra aleatória, de sete adultos, de ambos os
sexos, utilizando um questionário misto e a Escala de Thompson e Barton de ecocentrismo e
antropocentrismo, aplicado nos locais de parada, por três vezes: no início, no meio e ao final do trajeto. A
análise qualitativa foi feita por meio da técnica de “Análise de Conteúdo Temático”, com os dados
apresentados percentualmente, para ilustrar. Concluiu-se que, embora os estímulos tenham cessado; sua
intensidade, quantidade e qualidade desencadearam processos de reflexão, que associados às variações
ambientais, físicas e sociais; a pré-disposição ao diálogo e a identificação simbólica, colaboraram para que
os participantes percebessem transições de valores e novas possibilidades de condução e sentidos para
suas vidas.
Palavras-chave: Lazer. Caminhada. Comportamento. Ambiente.

“Caminho da fé”: reflections on leisure and environment


Abstract: This study, of qualitative nature, it aimed to investigate attitudes capable to foment pro-
environmental behaviour, during one walked. The "Caminho da Fé" was chosen, with 425 km-itinerary trail
between Tambaú and Aparecida/SP, which attracts tourists, physical activities performers and religious
persons. After a literature review on the thematic one, was made an exploratory research, with a random
sample, of seven adults, of both sexes, using a mixed questionnaire and “Thompson e Barton’s Scale of
Ecocentrism and Anthropocentrism", applied in the stop places, or three times: at the beginning, in the
middle of the way and at the end of the itinerary. The qualitative analysis was made by the use of “Thematic
Content Analysis”, with results also presented in a percentile way, to illustrate. As conclusion, it is inferred
that, even the stimulation has ceased with the ending of the hike, the intensity, amount and quality of the
experience had stimulated reflection processes, associated to variations on physical and social
environmental conditions, the predispose to the dialogue and the symbolic identification, at which, had
collaborated so that the participants had been able to perceive possibilities of conduction and transitions of
values and new senses for their lives.
Key Words: Leisure. Hike. Behavior. Environment.

Introdução No Brasil, a partir da década de 1990, houve


As inquietações geradas pelas culturas de uma intensificação da demanda por opções no
massa e tecnológica, associadas ao estresse contexto do lazer que possibilitassem a
ambiental deste século, são capazes de motivar, intensificação de vivências emocionalmente mais
no ser humano contemporâneo, uma busca por significativas. Dessa forma, surgiu o interesse
novas possibilidades de usufruto do seu tempo pelas atividades físicas de aventura na natureza
disponível. (AFAN), em especial as caminhadas.
Ofertadas em atividades do âmbito do lazer, Proporcionalmente a esse aumento, cresceu
muitas opções visam a resgatar, não só as também a preocupação com a saturação dos
sensações e as percepções construídas a partir locais de prática, as condições estruturais e de
de uma corporeidade urbana, mas também, sustentabilidade para manutenção dessas
permitem auto-reflexão e questionamento atividades, como também, a necessidade da
profundos sobre as formas com que o ser conscientização de preservação desses
humano se relaciona com o meio a que está ambientes e sistemas.
exposto e interage sistematicamente.
J. C. C. Moreira & G. M. Schwartz

Essa conscientização se refletiu na produção participante contempla, discute, frui e observa a


acadêmica de estudiosos preocupados na natureza.
disseminação de atitudes e condutas
O trekking é caracterizado por um certo grau
preservacionistas, nas mais diversas áreas do
de incerteza, por depender dos fenômenos
conhecimento, cada qual contribuindo de sua
metereológicos e das condições de relevo;
maneira, para incentivar a sustentabilidade no
envolvendo as dimensões emocionais (suas
usufruto do ambiente natural. Nesse sentido,
condutas ascéticas e as sensações, que variam
também a área do lazer tem prestado sua
entre prazer e descanso, com perspectiva de
contribuição, promovendo reflexões acerca da
eliminação de riscos, por meio do uso dos
maneira como suas variadas dimensões
recursos biotecnológicos). As AFAN permitem
colaboram para a demanda crescente de
grande variedade de práticas com valorização
vivências de experiências corporais, que
ambiental, que vão desde a preocupação quanto
aproximam o ser humano aos ambientes naturais.
ao impacto ecológico, intensidade, duração da
Potencializadas tanto pelas possibilidades atividade, estação do ano, momento do dia,
hedônicas que representam, como pela vulnerabilidade das espécies animais e vegetais,
oportunidade de criação de laços afetivos e de assim como o comportamento ambiental dos
desenvolvimento de relacionamentos sociais e participantes; além de proporcionar dinâmicas em
culturais menos fugazes; essas práticas são ambientes sociais variados, de individuais à
capazes de estimular a apreensão de valores e colaboração e acompanhamento de equipes.
ressignificações. Mas, em que medida estas
Colabora para o crescimento dessas
práticas permitem um repensar sobre as atitudes,
modalidades, a diversidade geográfica e climática
comportamentos e representações adotados para
brasileiras, e que, segundo Bittencourt e Amorin
com o ambiente, em seus níveis físico e social?
(2005, p. 455), “embora sem registros oficiais”,
Essas e outras inquietações perpassaram o
remetem a uma ordem de 7.000 praticantes
interesse deste estudo, de natureza qualitativa, o
regulares.
qual teve por objetivo investigar as atitudes
capazes de fomentar comportamentos pró- As caminhadas em trilhas, de caráter
ambientais, durante uma atividade física educativo, têm curta extensão, mas são
extenuante, representada por uma caminhada planejadas para que, em um curto espaço de
longa. tempo, seja possível o conhecimento da fauna,
flora, geologia, geografia, dos processos
Caminhadas e caminhos
biológicos, das relações ecológicas, do meio
O termo “caminhada” vem passando por uma
ambiente e sua proteção, de forma bastante
evolução conceitual, deixando de ser apenas uma
intensa. A caminhada em trilha interpretativa é
mera forma de locomoção humana (BETRÁN,
planejada para que os recursos naturais ali
2003). Acompanhada de novas simbologias e
dispostos sejam traduzidos para os visitantes,
outros conflitos, tornou-se, também, uma
com o propósito de que suas percepções sejam
atividade física com grande número de adeptos,
estimuladas e que, com isso, questionem,
tanto no âmbito esportivo, como no âmbito do
experimentem, sintam e descubram os vários
lazer. Suas principais vertentes são: o trekking
sentidos e significados ao tema exposto
(caminhada rústica) e o pedestrianismo (jogging).
(GHILLAUMON, 1977).
O trekking é um dos esportes de convivência
Já o pedestrianismo tem-se feito presente ao
com a natureza dos mais acessíveis e que abarca
longo da História, sendo seus registros mais
grande parte dos pacotes de ecoturismo
antigos, as caminhadas bucólicas inglesas do
(BITTENCOURT e AMORIN, 2005), por não
século XVIII (TEIXEIRA et al, 2006). Na França,
exigir preparo específico e poder ser praticado
como em outros países da Europa, também foi
por qualquer pessoa de diferentes faixas etárias,
um hábito bastante apreciado desde o século
não oferecendo grandes riscos.
XIX. Essa modalidade consiste em realizar
Betrán (2003) classificou o trekking como uma grandes marchas a pé (da caminhada à corrida),
atividade física de aventura na natureza (AFAN), acima de dois quilômetros, de modo livre e
de modalidade suave, por não provocar impactos assistemático, em caminhos e terrenos abertos,
ambientais importantes. O autor também
evidencia seu caráter ativo e passivo, pois o

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Caminho da fé

urbanos, que podem ser desde praças, a conservação dos recursos naturais”, presentes,
logradouros públicos, estradas a rodovias. tanto no trekking, quando no pedestrianismo, as
“caminhadas religiosas” evocam outros objetivos,
Os passeios pedestres situam-se no limiar
até mesmo, arquivos afetivos, nem um pouco
entre o desporto e o turismo, sendo que sua
relacionados com os descritos anteriormente.
prática, ao mesmo tempo em que tem um caráter
ativo, representado pelo caminho a percorrer, Para Beni (1997), os peregrinos são turistas
possui, também, um caráter passivo, no qual o potenciais, os quais, ao se deslocarem a centros
praticante desfruta da natureza que o rodeia religiosos motivados pela fé em distintas crenças,
(contemplando, descansando, sem pressa de utilizam-se de equipamentos e serviços com
chegar ao fim). Na maior parte dos casos, as estrutura de gastos semelhantes a outros turistas.
caminhadas não exigem grande aprendizagem O autor ressalta que a variável permanência está
nem técnicas especiais. Podem ser praticadas intimamente ligada ao tempo de duração das
por pessoas em todas as faixas etárias. Não cerimônias, ritos, celebrações religiosas e, até
requerem equipamento sofisticado, material mesmo, romarias, denominando-o como turismo
técnico, conhecimentos prévios de cartografia ou religioso.
orientação. No entanto, para determinados tipos
Richena (2005) e Nabo Filho (2005) admitem
de percursos, torna-se importante a presença de
que são necessários: preparo físico anterior,
um guia mais experiente e conhecedor do trajeto.
equipamentos e check-up geral, antes de uma
A distinção entre o pedestrianismo e outras peregrinação religiosa com duração de vários
atividades similares é que essa modalidade se dias, comparando as distâncias percorridas às
utiliza de marcas e códigos internacionalmente estabelecidas em ultramaratonas.
conhecidos e aceitos. Os percursos pedestres
No Brasil, o maior exemplo de peregrinação
podem ser de grande rota (GR), com extensão
está relacionado ao deslocamento realizado por
superior a 30 km e dois dias de jornada ou mais,
fiéis em direção ao santuário localizado na cidade
sinalizados a branco e vermelho e de pequena
de Aparecida (SP). Denominadas por Santos
rota (PR), com até um dia de jornada e não mais
(2005) como “Caminhadas à Aparecida”, elas
de 30 km, sinalizados a amarelo e vermelho. O
existem desde o século XVI, sendo esse roteiro o
pedestrianismo ganhou impulso na década de
mais difundido e antigo. Durante vários anos,
setenta, com as pesquisas do médico norte-
homens e mulheres, muitas vezes sem
americano Kenneth Cooper e a difusão do "Teste
preparação física adequada, sem equipamentos,
de Cooper", massificando-se amplamente
alimentação ou água de boa qualidade e, até
(WEBRUN, 2006).
mesmo, sem trilhas traçadas, percorreram
No Brasil, embora existam registros do distâncias acima de 45 km por dia, quer com
pedestrianismo desde 1910 (SANTOS, 2005), claridade ou com escuridão, para cumprir suas
sabe-se que aqui, ele é praticado desde datas promessas, fazer pedidos e agradecer por graças
bastante anteriores à assinalada. Para esse recebidas.
autor, as caminhadas religiosas são exemplos
Apesar de esses percursos serem realizados
bem peculiares de pedestrianismo no âmbito do
a pé desde o final do século XVI, as
lazer.
peregrinações a Aparecida/SP só foram
Também conhecidas como peregrinações, reconhecidas como “caminhadas” recentemente,
reúnem pessoas de todas as idades e classes sendo incluídas no Atlas do Esporte (SANTOS,
sociais que percorrendo antigos traçados, 2005). São apontados como motivos para essa
motivados por espírito cristão, misticismo, busca convalidação: a evolução do conceito de
interior, respostas rumo ao sagrado ou aventura “caminhada”, seu reconhecimento como uma
realizam romarias a lugares santos como forma atividade física, não só do âmbito esportivo
de devoção, algumas até milenares (FERREIRA, regular, mas, agora também, do contexto do
1986). lazer, aos processos de “turistificação” pelos
quais passam atualmente algumas trilhas
Apesar da afirmação de Tabanez et al (1997,
brasileiras e ao grande envolvimento das
p. 89) acerca das “oportunidades de reflexão
populações do entorno do santuário.
sobre valores, indispensáveis a mudanças
comportamentais que estejam em equilíbrio com

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J. C. C. Moreira & G. M. Schwartz

O trajeto mais bem estruturado para Atitudes


Aparecida é o “Caminho da Fé”; um percurso Coelho, Gouveia, Maja e Milfont (2006)
misto de trekking e pedestrianismo recreativo (os relataram que muitas pesquisas têm sido feitas,
espanhóis chamam de senderismo). Para sua especialmente na área da Psicologia Ambiental,
concretização, o projeto “Caminho da Fé” contou na tentativa de buscar explicações para as
com a adesão de prefeituras, igreja católica, relações entre as atitudes e os comportamentos
fundações, sindicatos, empresas, rede hoteleira e favoráveis ao ambiente. Entretanto, muito, ainda,
organizações não governamentais, com intuito de há para se compreender sobre estas relações,
organizar e oferecer uma infra-estrutura especialmente quando o foco recai sobre esses
receptiva, montada nos principais pontos de elementos bastante complexos.
parada credenciados para acomodação e
Na literatura específica, sugere-se como
confirmação da passagem pelo local, assim como
atitude, “a prontidão da psique para agir ou reagir
pontos de apoio e orientação nas estradas
numa certa direção” (JUNG, citado em
vicinais de terra, trilhas por bosques, pastagens e
CAMPBELL, 1986, p. 60). Ter certa atitude
asfalto, até a chegada ao pólo receptor.
significa estar direcionado a priori, e em prontidão
São atraídos para este tipo de atividade do para algo ou alguma situação definida, presente
âmbito do lazer um público variado, desde ou não na consciência. Campbell (1986)
peregrinos e turistas, até praticantes de AFAN, complementa que têm sido realizadas várias
que percorrem os 425 km do “Caminho da Fé”, a tentativas para mensurar as atitudes, no entanto,
pé, a cavalo ou de bicicleta. Considerado um elas recebem muitas críticas, por medirem mais a
percurso de pedestrianismo, os participantes opinião do que a atitude.
caminham de 20 a 30 km diários, o que leva,
Do ponto de vista da temática ambiental, os
iniciando em Tambaú, entre 14 a 21 dias para se
estudos que abarcavam as atitudes ambientais
chegar a Aparecida. O percurso é caracterizado
evidenciavam o uso, sem distinção aparente, de
como uma caminhada longa, de nível regular a
várias denominações, as quais, às vezes,
médio, com possibilidades de contemplação de
interligavam-se e, outras vezes, eram usadas
algumas porções do bioma formado pela fauna e
como sinônimo. Schultz et al (2004) apontaram
flora da Floresta Ombrófila da Mantiqueira, além
como exemplos dessas denominações os
de sua estreita relação com a devoção nacional
conceitos de “consciência ambiental” (pessoas
de Nossa Sra. Aparecida.
que possuem convicções afetivas/empáticas
O “Caminho da Fé”, realizado neste estudo, acerca dos problemas ambientais), de “atitude
iniciou-se em Tambaú, passando por Casa ambiental” (pessoas que possuem suas próprias
Branca, Vargem Grande do Sul, São Roque da convicções afetivas ou empáticas, seus próprios
Fartura, Águas da Prata, Andradas, valores, que têm intenções comportamentais e
Inconfidentes, Borda da Mata, Tocos do Mogi, que são firmes com relação às temáticas e às
Estiva, Consolação, Paraisópolis, São Bento do atividades ambientais) e de “ecological worldview”
Sapucaí, Sapucaí Mirim, Santo Antônio do Pinhal, (aqui traduzido como visão ecológica de mundo,
Pindamonhangaba, Roseira até Aparecida. Como sendo aquelas que acreditam na relação
o “Caminho da Fé” não é uma rota estática e harmônica entre as pessoas e a natureza).
pretende tornar-se um percurso em termos de
Atualmente, as “atitudes ambientais” são
distância, análogo ao caminho espanhol
sugeridas como “as percepções ou convicções
(Santiago de Compostella); após 2006 (data da
relativas ao ambiente físico, inclusive fatores que
pesquisa), foram incorporados novos
afetam sua qualidade” (AMERICAN
prolongamentos à rota, assim como, substituídos
PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2001, p. 89),
alguns trechos.
e adjetivadas como favoráveis ou desfavoráveis
Essas atividades tendem a focalizar atitudes e em relação ao ambiente em si ou a um de seus
comportamentos importantes, envolvidos, tanto problemas.
na decisão de início, quanto em todo o
Para Coelho, Gouvêa, Maja e Milfont (2006)
planejamento e execução do trajeto, os quais,
as atitudes ambientais podem estar relacionadas
ainda não foram devidamente explorados nos
a experiências subjetivas e aprendidas. Estas, no
estudos que já focalizaram essa temática.

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Caminho da fé

olhar dos autores representam um repertório de assemelham aos ecocentristas, por julgarem que
crenças relacionadas ao ambiente. o ambiente deve ser um contexto de
desenvolvimento espiritual humano, com valores
Este estudo optou por utilizar as
independentes de sua contribuição para se atingir
nomenclaturas e conceitos de atitude ambiental
metas humanas.
cunhados por Thompson e Barton (1994): “atitude
ecocêntrica” e “atitude antropocêntrica”. Ambas Thompson e Barton (1994) colocam na
são expressões positivas de atitudes a favor do mesma categoria os ecocentristas e os
ambiente, com o interesse de preservar os espiritualistas, porque ambos julgam o ambiente,
recursos, no entanto, a principal diferença entre também, como um contexto moral e de
elas é a razão que leva as pessoas a manter enriquecimento espiritual. Mas, todos esses
essas atitudes ambientalistas. “Os aspectos da atitude estão intrinsecamente ligados
antropocentristas” têm uma visão utilitarista, à forma de expressão e das intervenções geradas
defendem a preservação dos recursos naturais e em relação ao ambiente. Mas, de que maneira
da saúde do ecossistema, mas mantêm a atitude essas atitudes efetivamente representam
conservacionista e a suportam em função do elementos que podem assessorar o
conforto, do acúmulo de riqueza, da qualidade de comportamento pró-ambiental? Esta inquietação
vida e da sua saúde. mobilizou o desenvolvimento da pesquisa
exploratória descrita a seguir.
Já “os ecocentristas” vêem a natureza
importante por si só, independente da economia
Método
ou do estilo de vida. Estes possuem uma O estudo teve uma natureza qualitativa, por
dimensão espiritual e valores intrínsecos, que entender que este método se adequa ao estudo
refletem suas experiências na natureza e seus das variáveis envolvidas, tendo sido elaborado a
sentimentos sobre a composição harmônica dos partir da união entre pesquisa bibliográfica e
ecossistemas. Eles concordam com os pesquisa exploratória.
antropocentristas sobre a preservação ambiental
direcionada à saúde e à qualidade de vida, mas
Participantes
A pesquisa exploratória foi realizada no início
discordam nas razões para se manter as atitudes
do ano de 2006, com a amostra pesquisada in
pró-ambientais.
loco nos momentos das vivências na trilha.
Os ecocentristas não percebem o pró- Podendo-se, com isso, captar as atitudes
ambientalismo como um valor, mas como uma capazes de fomentar comportamentos pró-
dimensão que transcende habilidade, capacidade ambientais, durante uma caminhada.
de gerenciar os recursos naturais e seus próprios
Como acontece com as AFAN, pequenos
desejos psicológicos. Seus conceitos
grupos de praticantes, que não têm elos comuns
fundamentam-se na colaboração e na
de amizade, são formados na hora da prática.
manutenção das atitudes preservacionistas,
Essa possibilidade é ampliada por tratar-se,
mesmo que envolvam algum desconforto,
também, de uma espécie de ritual de passagem
inconveniência ou gastos que possam reduzir sua
ou de romaria, que desperta empatia e certa
qualidade de vida material (THOMPSON e
camaradagem, tanto nas pessoas da trilha, como
BARTON, 1994). Reforçam essa conceituação
das comunidades presentes no caminho. A
Pinheiro et al (2005, p.01), ao afirmarem que:
possibilidade de formar pequenos grupamentos é
“enquanto o primeiro valoriza a natureza por seu
grande, além de ser recomendada pelos
valor intrínseco, o segundo leva em conta os
administradores do “Caminho da Fé”, em seus
benefícios materiais e vantagens, proporcionados
folhetos, na internet, pelo Departamento de
pelo cuidado ambiental para os seres humanos”.
Turismo em Tambaú e nas pousadas.
A distinção entre antropocentrismo e
Esses grupamentos, formados nos pontos
ecocentrismo não é nova. Essas duas atitudes
onde se pode obter a credencial e o “mapinha” do
são análogas aos pontos de vista filosóficos
trajeto (Tambáu, Águas da Prata, Andradas e
discutidos em Stokols (1990). Para este autor, os
Ouro Fino) e outros, previamente constituídos por
instrumentalistas se assemelham aos
amigos e familiares, ou, ainda, as equipes
antropocentristas, já que o ambiente é uma forma
geradas por afinidades durante as conversas nas
de se atingir metas. Já os espiritualistas, se
paradas, compuseram os elementos da amostra,

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J. C. C. Moreira & G. M. Schwartz

com os quais foram desenvolvidas as participantes em locais de parada. Explicitam-se


investigações. como razões para aplicação do questionário
dessa forma (investigação inicial, durante e ao
Com essa compreensão, foram selecionados, final da prática), as necessárias adaptações
aleatoriamente, como participantes desse estudo, fisiológicas e psicológicas dos participantes, que
sete pessoas adultas (com faixa etária acima de acompanham as atividades dessa natureza.
18 anos), de ambos os sexos, de perfil
Este estudo não aborda investigações sobre
socioeconômico-cultural aleatório, adeptos às
as adaptações metabólicas, fisiológicas e
experiências vivenciadas em ambiente natural,
psicológicas dos participantes, em função da
quer seja como praticantes de AFAN (bikers,
aleatoriedade da amostra e da despreocupação
trekkers e off-roads), ou como turistas ou
da pesquisa em evidenciar quais sujeitos são
romeiros, e que, no momento dessa investigação,
treinados fisicamente para a caminhada e quais a
deslocavam-se a pé de um dos pontos onde pode
estão realizando simplesmente pela fé.
ser obtida a credencial à Aparecida e que se
Entretanto, houve necessidade de se levar em
dispuseram, voluntariamente, a participar desta
consideração, de forma molar, que essas
etapa da pesquisa.
adaptações tivessem colaborado no
Os indivíduos foram contatados no momento desenvolvimento de um processo de estresse e
em que se informavam ou pegavam a credencial de capacidade de resposta do sujeito. Esta
no quiosque do Departamento de Turismo em afirmação é decorrente do fato de que o cansaço
Tambaú, solicitando-se a anuência dos mesmos e a inadequação biofísica e psicológica podem
para a participação na pesquisa; bem como, foi afetar o rendimento em quaisquer atividades
apresentando o termo de consentimento livre e físicas (WEINBERG, GOULD, 2001).
esclarecido, e prestadas elucidações sobre os
No caso da Caminhada da Fé, os
termos de divulgação dos resultados em reuniões
participantes estavam expostos a uma variação
científicas e artigos.
de altitude entre 1.550 metros (Serra do Pico do
A amostra foi caracterizada por cinco homens Gavião, região do ponto mais alto da Serra da
e duas mulheres, de origem urbana, provenientes Mantiqueira) e 542 metros (Aparecida/SP), o que
de cidades paulistas de médio e grande portes. envolve caminhar por aclives e declives. Durante
Com relação à faixa etária, dois participantes todo o percurso (como acontece no trecho Tocos
tinham entre “17 e 22”, dois tinham entre “45 e do Mogi a Bom Repouso, que tem uma variação
50”, um tinha “37”, o outro “40” e o último “55” de 1.050 metros de altitude, para 1.410 metros,
anos. Na amostra não havia participantes com numa distância de apenas 16 km), as alterações
faixa etária entre “23 e 32” ou “acima de 56” anos. dos ritmos circadianos ficam por conta das
mudanças de hábitos alimentares (horários e
A pesquisa seguiu rigorosamente os cardápios), hábitos excretores e hábitos quanto à
procedimentos éticos para estudos com seres vigília e o repouso, ou, ainda, à prática de uma
humanos, tendo sido previamente aprovada pelo atividade física, mesmo que num nível bastante
comitê de ética em pesquisa, do Instituto de moderado, mas num tempo prolongado.
Biociências, da UNESP- Campus de Rio Claro.
Foram acompanhadas essas três fases
O Questionário Misto Trifásico (QMT) sugeridas por Costa (1983): “fase de euforia,
Richardson (1989) aponta que os reorganização e aclimatação” e o tempo de
questionários utilizados como formas de adaptação ao exercício, indicados por Willmore e
investigação conseguem descrever Costill (1994), que previu a aplicação do
adequadamente as características, beneficiando questionário no primeiro dia, entre o quarto e o
a análise a ser feita e medir determinadas sétimo e no último dia.
variáveis de um grupo, permitindo observar as
Análise
peculiaridades individuais e sociais. Para examinar os dados obtidos com o
O questionário misto usado nesta questionário, optou-se pela “Análise de Conteúdo
investigação, conforme suas características, Temático”, a qual, Bardin (1977, p. 38) define
combinou perguntas abertas e fechadas. O como “um conjunto de técnicas de análise das
instrumento foi denominado “trifásico”, porque comunicações, que utiliza procedimentos
sua aplicação se realizou em três fases da sistemáticos e objetivos de descrição de
caminhada, durante a permanência dos conteúdos das mensagens”. Esse autor ainda

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Caminho da fé

destaca a importância da articulação entre a Com base na freqüência das respostas


simples interpretação da mensagem dos sujeitos obtidas foi feita uma categorização em duas
com os fatores que determinaram essas etapas: a primeira, por meio de um inventário e a
respostas deduzidas logicamente, procurando se segunda, por meio de uma classificação. A partir
estabelecer uma correspondência entre as do tratamento dos resultados dessa classificação,
estruturas semânticas e as estruturas foram realizadas inferências e interpretações, que
psicológicas ou sociológicas. foram apresentados de maneira percentual como
Nessa perspectiva, as categorias usadas ilustração, por meio da “Tabela 1”.
devem se apresentar claras e explicitamente
definidas.

Tabela 1. Afirmações sobre a preservação ambiental em resposta a: “A caminhada (pode ajudar, está
ajudando, ajudou) os participantes a pensarem na preservação ambiental”.
PERCEPÇÕES NA CAMINHADA QUANTO Á ANTES (%) DURANTE (%) DEPOIS (%)
Desmatamento 7,70 29,16 16,67
Beleza cênica 15,37 16,67 8,33
Degradação 15,37 12,50 12,50
Lixo 0 25 0
TEMAS AMBIENTAIS
Água 7,70 0 12,50
Saúde e ambiente 7,70 8,33 8,33
Consciência 0 0 12,50
Extração de areia 0 4,17 0
Dilema ecológico: tempo, produção e 15,37 4,17 12,50
QUESTÕES
cultura
AMBIENTAIS
Questão socioambiental 7,70 0 12,50
PERCEPÇÃO DE Alterações do meio ambiente 23,09 0 4,17
PROCESSOS
TOTAL 100 100 100

geral ou específica da área ambiental, foram


Resultados e Discussão unânimes na concordância de que a caminhada
A pergunta: “Esta caminhada pode ajudar, colaborou para reflexões sobre a preservação
está ajudando, ou ajudou os participantes a ambiental.
pensarem na preservação do ambiente?”,
Na segunda parte da pergunta, os
repetida em três fases, foi destinada ao
caminhantes utilizaram verbos para explicar suas
entendimento de como a caminhada colaborou
convicções sobre esse tema, dentre eles:
nas reflexões sobre a preservação ambiental. Os
Observar; contatar diretamente;
sujeitos deveriam assinalar com um “X” se
refletir/meditar/pensar; estar cercado/estar dentro;
concordavam ou não com a afirmação, para,
perceber; criticar; opinar; cuidar; conscientizar;
posteriormente, explicarem de forma aberta, suas
ver; sentir; valorizar/dar importância;
razões.
preservar/cuidar; relatar; entender; conhecer
Vale ressaltar que o termo “preservação” foi melhor; “auto-melhorar” (neologismo criado por
utilizado de forma coloquial; embora existam um dos sujeitos).
diferenças e contradições entre os conceitos
É necessário observar a diferenciação entre “o
relacionados em dicionários da língua portuguesa
ajudar a pensar” disposto na pergunta, com a
e nos dicionários específicos de ecologia e meio
quantidade de verbos utilizados nas respostas
ambiente.
pelos sujeitos, já que verbos são palavras que
Verificou-se que, em todas as fases da sugerem ação (FERREIRA, 1986) e, até mesmo,
aplicação do QMT (Questionário Misto Trifásico), o desejo de intervenção, na medida do possível.
os sujeitos que não se preocupavam com as
distinções entre o vocabulário em sua definição

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J. C. C. Moreira & G. M. Schwartz

Retornado a Thompson e Barton (1994), os alteração ambiental, ocorrendo no próprio


quais alertam para a grande dificuldade de se ‘Caminho da Fé’”, percebidos principalmente
manter regras conservacionistas, já que as antes do início da caminhada.
pessoas não agem ou não se comportam de
Antes de começar a caminhada, o maior
acordo com suas atitudes; essa diferenciação
percentual relacionava-se com as alterações do
entre o “ajudar a pensar” e os verbos devolvidos
meio, percebidas em 23,09% das respostas.
como resposta indicam uma intenção, uma
Como todos os participantes eram urbanos e
tendência, mas que não necessariamente se
haviam chegado ao destino inicial (local de
traduzirá numa ação, em um comportamento.
obtenção da credencial) por meio de ônibus, a
Este aspecto corrobora a teoria da dissonância
viagem até o local de credencial já havia
cognitiva apontada por Festinger (1975) e
proporcionado a visão de uma transição entre os
permeada nas reflexões de Schwartz (1997).
ambientes degradados das grandes cidades e o
A tabulação geral de todas as fases das ambiente rural da trilha, o que foi ilustrado pelas
respostas permitiu uma divisão das opiniões em falas de dois sujeitos: “...quero observar as
três grandes grupos: temas ambientais, questões alterações do meio ambiente e relatar passo a
ambientais e percepção de processos. Os “temas passo o percurso” ou ainda, “...mesmo antes de
ambientais” são os assuntos normalmente iniciar a caminhada é possível passar por
encontrados na literatura (desmatamento, ambiente urbanos degradados e ambientes rurais
degradação, lixo, etc). preservados”.
As “questões ambientais” foram divididas em O segundo maior percentual foi para o dilema
dilema ecológico e questão socioambiental. O ecológico, a beleza cênica e a degradação, com
dilema ecológico foi denominado como um 15,37% cada um e, empatados com 7,70%, os
conjunto de situações de temática ambiental, com temas relacionados ao desmatamento, à água, à
resoluções difíceis e/ou penosas, em que se opta saúde e ambiente e às questões socioambientais.
pelo desenvolvimento com seus benefícios e
Com relação ao dilema ecológico, os
malefícios, ou pelo retrocesso/retorno ao estado
resultados puderam ser reforçados por intermédio
primitivo com suas conseqüências favoráveis e
de alguns dos discursos dos participantes sobre o
desfavoráveis.
assunto, com aparência de discurso romântico
Esse tema pode ser pensado em termos (RODRIGUES, 1979), no qual as palavras tempo,
individuais dentro dos microssistemas, ou, de produção e cultura estão articuladas de forma
forma mais abrangente, envolvendo os contraposta, como, por exemplo, nessa
macrossistemas (econômicos e as culturas). A afirmação: “...longe da população e da sociedade
afirmação de Schultz et al (2004), ao assinalarem é que se dá importância para a natureza”; ou
que a tendência de rejeição tem aumentado em ainda: “A observação e o contato de perto e
relação ao estilo de vida consumista, nos países “devagar” com a natureza permite observá-la
ricos, estando relacionados a comportamentos melhor – da janela do carro é distante... é
individuais mais positivos associados ao fugaz”,em um discurso de tom mais
ambiente, pode ser um exemplo disto. A questão contemporâneo.
socioambiental está relacionada à reflexão sobre
Nos comentários que seguem é possível
as desigualdades sociais ocultas no discurso
observar a disposição de reflexão dos sujeitos,
ecológico.
encadeando noções de tempo e espaço: “A
A “percepção de processos” pressupõe que observação e a reflexão seguem a velocidade da
um conteúdo é algo construído numa sucessão caminhada. Há tempo suficiente para pensar e
de estados e mudanças, num seguimento, numa observar”, ou ainda, em afirmação proferida por
marcha (FERREIRA, 1986). Sendo assim, em outro caminhante: “O contato direto, na
76,6% apareceram os grandes “temas velocidade dos passos, contribui para a
ambientais”, dentre eles, o desmatamento, o qual observação mais acurada e com tempo para
apareceu em 26,09%; a beleza cênica e a reflexão sobre a preservação”.
degradação, em 17,39% cada; lixo, em 13,04%;
A relevância de se pinçar esses trechos de
água e saúde ambiental, em 8,70% cada;
diálogos está em mostrar que, ao longo do
consciência dos peregrinos, em 6,52% e extração
caminho, os sujeitos tinham questionamentos,
de areia, em 2,17%.
conflitos, dilemas, interiorizavam e refletiam sobre
Com 16,67% dos votos, foram citadas as isso. Desse modo, as alterações que estavam
“questões ecológicas’. Nesse item, os dilemas acontecendo com eles não eram somente do
ecológicos representaram 60% das respostas e a âmbito dos estados de ânimo, mas do “corpo”
questão socioambiental 40% das mesmas. Com como um todo.
6,67%, foram evidenciados “aspectos da

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Caminho da fé

A beleza cênica colocada com o mesmo restauração e melhoria para a própria população,
percentual da degradação, ambas incluídas no esta também é uma condição básica para o fluxo
grande grupo dos temas ambientais, também turístico (PEARCE,1981; KRIPPENDORF,1989).
refletia o dilema dos participantes: “A trilha Tanto essa afirmação é verdadeira que, São
colabora para a percepção do grau de Bento do Sapucaí e Sapucaí Mirim, foram
degradação... Mesmo com tanto verde, a excluídas do trajeto do “Caminho da Fé”, ao final
degradação é perceptível”. Esse resultado é de 2006, em função da degradação ambiental.
também apontado por Loureiro (2000), o qual Não é só lixo que é gerado pelas AFAN. Várias
afirma que a noção de crise e de ameaça à de suas práticas, principalmente as que utilizam
sobrevivência, aliada ao distanciamento entre motores, no caso do “Caminho da Fé”, os
teoria social e questão ambiental, facilitou a veículos off-roads (4 x 4; motos e gaiolas),
passagem de um ambientalismo “romântico produzem alto impacto ecológico, como a
ingênuo”, que sacralizava a natureza, para a destruição da vegetação, agressão à fauna
consolidação de uma nova versão, mais silvestre, incêndios, lixo, erosão, colocando em
pragmática e utilitarista. risco ecossistemas frágeis.
Durante a caminhada, o desmatamento foi o A ausência de indicadores de capacidade de
principal aspecto das reflexões ambientais, carga que um atrativo turístico natural como uma
aparecendo em 29,16% das respostas; o lixo trilha pode suportar sem sofrer alterações deixou
ocupou o segundo lugar, em 25%; em 16,67%, os de ser uma preocupação somente para os
participantes destacaram a beleza cênica; em receptores, mas passou a ser uma outra
12,50% a degradação; em 8,33% a saúde e o condição para o fluxo de turistas, além do
ambiente e, em 4,17% cada, a extração de areia, cuidado da comunidade com seu próprio
juntamente com o dilema ecológico: tempo, município. No “Caminho da Fé”, existe uma
produção e natureza. Interessante ilustrar como pressão social por parte dos próprios
os participantes percebiam o desmatamento: “... caminhantes na preservação ambiental. Isso
muito verde... mas muitas áreas devastadas pode ser ilustrado por meio da seguinte citação
foram transformadas em pastos. Falta mata de um dos participantes: “A degradação da
ciliar... Tem corte irregular de madeira. Roça nas natureza é mal vista pelos moradores da região e
matas... Falta mata nos morros”. pelos peregrinos”.
As observações dos participantes têm sentido Corral-Verdugo e Pinheiro (1999) acrescentam
porque o intenso uso da terra, ocorrido após o que, independentemente do perfil do público,
século XIX principalmente pela monocultura algumas ações das variáveis situacionais podem
cafeeira, provocou, por um lado, o contínuo interferir no comportamento pró-ambiental. São
desmatamento e, por outro, o desenvolvimento citadas: a pressão social para cuidar do
econômico do Estado e do País, como afirmam ambiente, os arranjos planejados para que a
Wanderley et al (2007). conservação seja mais conveniente para os
O tema “Lixo” aparece sob três ângulos sujeitos e o efeito dos lembretes (prompts ou
diferenciados. Um deles é gerado pelo próprio “bilhetinhos”) no comportamento de cuidado dos
município que faz parte do caminho. O segundo, recursos naturais. Em relação ao caminho, os
de pouca expressividade, é ocasionado pelos peregrinos, não raro, guardavam seus
caminhantes que realizam a trilha e, em último guardanapos e plásticos de barra de cereal na
ângulo, o “lixo” de grande volume, com mochila; havia certo monitoramento silencioso
conseqüências bastante graves e que apenas é entre os participantes.
gerado nos locais de romaria, ou seja, no O deslocamento de massas turísticas provoca
município onde se inicia o percurso (Tambaú/SP) um impacto negativo no ambiente e entorno, em
e ao final (Aparecida/SP), proveniente do função da inadequação da capacidade de suporte
deslocamento de massas turísticas, denominadas do local receptivo. Em relação ao “Caminho da
aqui como trânsito de romeiros. Fé”, isso foi notado em dois momentos, durante a
O lixo gerado pelas cidades é o resultado das estada em Tambaú e na chegada a Aparecida.
diretrizes adotadas pela política pública, Em Tambaú, neste estudo tomado como marco
específica de cada comunidade. Entretanto, os inicial do percurso, tem-se a figura do Padre
municípios que fazem parte do trajeto, deveriam Donizette, cuja fama de milagres difundiu-se
tornar efetiva a expectativa de um atraindo romarias de pessoas à cidade,
desenvolvimento sustentável local por meio do procurando restabelecimento e esperança
turismo, pois da mesma forma que o recurso (AZEVEDO, 2003).
natural, o entorno e os serviços básicos de
abastecimento merecem manutenção,
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No ano de 1955, o lixo dos romeiros era naturais, não só em momentos de prática de
queimado em frente à Igreja Matriz e a Prefeitura atividades na natureza, mas também, em todos
Municipal da época dispunha apenas de doze os seus contatos e experiências com o meio,
varredores de rua. Essa situação foi modificada e, agindo com ele e não contra ele, alerta Marinho
atualmente, as romarias em finais de semana (2001).
continuam acontecendo, mas houve uma
Ao final da caminhada o “desmatamento”
adequação da infra-estrutura da cidade para
permaneceu com percentual mais alto (16,67%).
recebê-las.
Posteriormente, apareceram todos empatados
Em Aparecida/SP, ponto final do “Caminho da com 12,50%: a “água”, a “preservação do
Fé”, durante o ano todo, a cidade recebe caminho”, a “conscientização dos peregrinos, o
romarias de até 1.500 pessoas, utilizando vários “dilema ecológico” e a “questão socioambiental”.
meios de transporte (ônibus fretados, cavalos, Depois vieram “beleza cênica”, “saúde e
motos), além do fluxo de sete milhões de veículos ambiente”, com 8,33% cada uma delas, e,
ao ano, provenientes de todas as regiões do encerrando, a “extração de areia” e o “dilema
Brasil, o que ocasiona um inchaço urbano ecológico”, com 4,17%.
(SANTUÁRIO, 2005).
Todos os outros itens já foram discutidos
Essa população flutuante convive com a anteriormente, por esse motivo será dada
população efetiva da cidade de aproximadamente atenção especial nesse momento à água potável,
35 mil habitantes em uma área de 121 km² a qual, durante o “Caminho da Fé”, se
(APARECIDA, 2005), sendo que, no dia 12 de transformou também em uma questão
outubro, durante a Festa de Nossa Senhora da socioambiental, a partir do momento em que
Aparecida, são reunidos mais de 100 mil fiéis no deveria ser um recurso disponível básico e de
Santuário (MARQUES SILVA, 2005). qualidade, em qualquer lugar, para todas as
Sendo assim, há a preocupação pública e pessoas.
privada em absorver, não só o comportamento de No caso do “Caminho da Fé”, a água tem a
consumo e gastos desse público, mas, também, o conotação de sobrevivência e está diretamente
impacto estrutural que essas demandas sazonais relacionada às questões ambientais urbanas. Os
exigem, no que tange à disponibilidade de comentários dos participantes sobre a água
instalações, hospedagens, saneamento e limpeza refletem essa preocupação. Um dos sujeitos
pública, tráfego (desde o fechamento de ruas que salientou a “...falta tratamento de água e esgoto”;
circundam as festas ao controle do trânsito de enquanto outro participante comentou: “ ...Você
carros, motos, ônibus de excursão e de linha, percebe que não é nada sem um simples copo
cavalos), ao oferecimento de equipamentos e d’água. NAAAADAHH!”, ou ainda na fala de um
serviços, tanto de saúde (ambulâncias e plantão terceiro participante: “...a gente começa a dar
de funcionários para o atendimento de eventuais valor as coisas mínimas, como um copo de
ocorrências), como turísticos (patrocinando, água”. As três declarações se referiam à
promovendo e divulgando os shows). Porém, dificuldade de água potável em alguns trechos do
ocorreram alterações ambientais importantes na caminho e no receio de beber a água das bicas,
cidade e em seu entorno, afetando as condições que poderiam estar contaminadas, considerando
de vida humana, dentre elas, contaminação de a virose de que alguns dos participantes foram
rios por esgoto doméstico, deslizamento de acometidos durante o trajeto por esse motivo.
encostas, doenças endêmicas, presença de
Acreditando ilustrar como a caminhada
vetores e esgoto a céu aberto (BRASIL, 2002).
colaborou com a reflexão sobre a preservação
Embora o desenvolvimento permitido pela ambiental, será relatada uma curiosidade
tecnologia potencialize grandes avanços e acontecida no final do percurso. Três sujeitos que
possibilite construir mecanismos que tornem mais percorreram o caminho em dias alternados
fáceis os deslocamentos e a vida da maioria das criticaram seriamente o mesmo lixão a céu aberto
pessoas, para a resolução da equação com um matadouro irregular próximo, na periferia
desenvolvimento e sustentabilidade, o ser de Sapucaí-Mirim/MG. Um desses sujeitos,
humano não pode ser eximido de sua penalizado pelas crianças recolhendo o lixo, fez o
responsabilidade, pois suas ações, mesmo que seguinte depoimento sobre o quê aprendeu com
aparentemente irrelevantes, são capazes de o “Caminho da Fé”: “...conhecer melhor as
causar danos consideráveis ao ambiente. necessidades das comunidades dependentes da
natureza”.
Portanto, fica evidente a relevância da
conscientização, para que se venha interferir em Colabora com as reflexões, o enunciado de
menor escala no meio, sem interromper os ciclos Loureiro (2000, p. 32):

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Caminho da fé

a simples percepção e sensibilização para a BITTENCOURT, V.; AMORIN, S. Trekking –


problemática ambiental não expressa aumento Enduro/Rally a pé. In: DACOSTA, L. (Org.). Atlas
de consciência, o que faz com que se retome o do esporte no Brasil: atlas do esporte, da
argumento sobre cidadania: a consciência
educação física e atividades físicas de saúde e
ecológica, para ser ecológica, precisa ser crítica.
lazer no Brasil. Rio de Janeiro: Shape, 2005. p.
O incômodo causado pela situação 455- 456.
socioambiental das crianças que vivem do lixão
gerou imagens e críticas, não só desses BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e
participantes, mas de tantos outros que Estatística – IBGE. Perfil dos Municípios
realizaram o caminho. No entanto, isso não lhes Brasileiros: meio ambiente 2002. Disponível em:
melhorou a vida, apenas a cidade foi retirada do http://www.ibge.gov.br/munic_meio_ambiente_20
02/index.htm . Acesso em: 07 dez. 2005.
trajeto, o que não garante mudanças.
CAMPBELL, R. J. Dicionário de psiquiatria. São
Considerações Finais Paulo: Martins Fontes, 1986.
Com base nas respostas a mesma pergunta,
realizada em três momentos diferentes da COELHO, J. A. P. M; GOUVEIA, V. V.; MAJA;
caminhada, conseguiu-se perceber que os MILFONT, T. L. Valores humanos como
estados emocionais estiveram presentes durante explicadores de atitudes ambientais e intenção de
a atividade, sendo indiretamente responsáveis comportamento próambiental. Psicologia em
por reflexões importantes. Houve internalização Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 199-207, jan./abr.
de alguns valores e o desenvolvimento de 2006.
atitudes mais positivas em relação ao meio
ambiente. CORRAL-VERDUGO, V; PINHEIRO, J. Q.
Condições para o estudo do comportamento pró-
Infere-se, com isso, a possibilidade de atitudes
ambiental. Estudos de Psicologia, Natal, RN, v.
elaboradas a partir da presença e participação 4, n. 1, p. 7- 22, 1999.
em atividades de aventura no contexto do lazer
na natureza serem catalisadoras do COSTA, L. P. C. Treinamento esportivo em
comportamento pró-ambiental. Estes resultados regiões de altitude. In: PINI, M, C. (Org.).
evidenciam a premência de novos estudos, Fisiologia esportiva. Rio de Janeiro: Guanabara
levando em consideração as subjetividades Koogan, 1983. p.211-228.
envolvendo a participação humana na natureza.
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AZEVEDO, J. W. C. Quem é o Padre Donizetti 25).
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Victoria, Canada, v. 24, p.31- 42, 2004. Santos SP Brasil
11025-153
SCHWARTZ, G. M. Atividades lúdicas e Tel/fax: (13) 3301-9162
educação física: possível dissonância? 1997. e-mail: [email protected]
181 p + anexos. Tese (Doutorado) – Faculdade
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570 Motriz, Rio Claro, v.16, n.3, p.559-570, jul./set. 2010

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