Trajetórias de Vida de Mulheres Da EJA: o Papel Da Escola No Empoderamento Feminino
Trajetórias de Vida de Mulheres Da EJA: o Papel Da Escola No Empoderamento Feminino
Trajetórias de Vida de Mulheres Da EJA: o Papel Da Escola No Empoderamento Feminino
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________
Prof. Dr. Rafael Arenhaldt
Orientador
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
________________________________
Profª. Drª. Aline Cunha
Examinador
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
______________________________
Profª. Drª. Maria Aparecida Bergamaschi
Examinadora
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Dedico esse trabalho a todas as pessoas que trilharam
meu caminho, bem como contribuíram para minha
formação docente e permitiram um compartilhamento de
saberes, ensinando-me o que eu não sabia e tornando-
me uma professora apaixonada pela educação e
esperançosa por dias melhores e mudanças significativas
na área.
AGRADECIMENTOS
Simone Beauvoir
RESUMO
1 CONTEXTUALIZANDO ................................................................................. 8
REFERÊNCIAS .............................................................................................. 40
APÊNDICES ................................................................................................... 42
8
1 CONTEXTUALIZANDO
Entendendo que apenas pelo fato de ser mulher dentro de uma sociedade
machista e excludente de acesso e igualdade já ‘’saímos’’ em desvantagem em
inúmeros aspectos, nós mulheres sentimos essa diferenciação diariamente com as
experiências vividas. Partindo da convenção social de que a nossa sociedade
carrega em sua história e atualidade inúmeras exclusões, em cor, raça, gênero e
posição social, a mulher já “sai” em desvantagem na corrida da vida. Essa
diferenciação só é sentida por quem incorpora em sua história algum desses
ingredientes, e, quanto à mulher, a caminhada pode e, na maioria das vezes, é mais
difícil.
Portanto, quando ingressei na escola e na sala da Totalidade 1,
correspondente a alfabetização, me deparei com uma turma composta apenas por
mulheres, passei a entender que as práticas de exclusão são e foram efetivas. A
partir desse momento, comecei a refletir e a tentar entender o que fez essas
mulheres não terem tido acesso à escola. Será que havia sido pelo machismo vivido,
ou pela diferença de cor, ou talvez pela classe social?
Como base no contexto observado, senti a necessidade de fazer uma escuta
visando compreender, por meio das histórias de vida ou suas trajetórias, quais foram
os condicionantes sociais que elas viveram para que as fizessem não conseguir
frequentar a escola com efetividade.
A partir disso, decidi buscar entender o porquê de não terem conseguido
frequentar a escola na infância e ou no tempo que se diz ‘’regular’’. Outro
questionamento que estava muito presente naquele contexto, era como essas
mulheres depois de adultas, com família constituída, aposentadas e trabalhadoras
retornaram ao ambiente escolar. O que as fez voltar a estudar? Quais seriam seus
objetivos a partir desse retorno? Como elas se sentem dentro desse contexto? Qual
a importância da escola para elas? Muitas eram as perguntas que eu me fazia ao
estar imersa dentro da realidade daquelas mulheres.
Trouxemos uma temática coerente com o contexto da turma, nosso principal
objetivo era trazer para elas mulheres que fizeram história e mostrar o
reconhecimento dessas mulheres, trazer a ideia do machismo tão enraizado na
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nossa sociedade e buscar fazer com que elas passassem a se enxergar como
sujeitos ativos e pertencentes de forma significativa naquele espaço. No decorrer
das aulas, senti que muitas conseguiam refletir e entender a diferenciação de gênero
muito presente na nossa sociedade, pois elas ficavam muito felizes em descobrir ou
conhecer algo novo sobre mulheres que fizeram história, ou até mesmo descobrir
que, até pouco tempo, as mulheres não podiam sequer votar.
A partir dessas vivências que passamos a ter com elas, surgiu outra
inquietação: como que essas mulheres com diferentes histórias e trajetórias se
sentem com a nova inserção no ambiente escolar? O que mudou na vida delas? E
como elas fazem uma comparação delas antes da EJA e depois de passar a
pertencer ao espaço escolar? Passei a refletir também acerca do papel que a escola
desempenha, pois, muito mais do que alfabetizar aqueles adultos, a escola também
é um espaço de reposicionamento social, considerando que nesse ambiente as
pessoas podem discutir sobre política, começar a ser sujeitos reflexivos e atentos
aos acontecimentos, isto é, a escola é um espaço de criação de vínculo, de
estabelecimento de afetividade entre os sujeitos no sentido de formá-los também
socioculturalmente.
Com isso, comecei a pensar sobre todas as inquietações e a fazer um
movimento de escuta com as mulheres para tentar compreender as demandas que
eu havia estabelecido por meio das conversas e falas em sala de aula ou como elas
se colocavam e refletiam com as propostas que eram oferecidas. O objetivo
principal, então, era entender como ocorriam os processos de vida e da escola para
tais mulheres, além de buscar relacionar quais foram os condicionantes culturais e
históricos que impediram que esses sujeitos frequentassem a escola no tempo dito
“regular” e, agora, depois de estarem imersos nesse contexto escolar o que mudou
em suas vidas e nos demais espaços sociais dos quais fazem parte. Com um
objetivo traçado resolvi realizar, após conseguir alguns relatos que surgiram de
forma espontânea, algumas entrevistas com as estudantes. Escolhi cinco alunas
com a faixa etária de entre 40 e 70 anos, para responder algumas perguntas que
elaborei, ou seja, questionamentos simples e associados ao espaço escolar.
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Queiroz define história de vida como: "o relato do narrador sobre a sua
existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou
e transmitir a experiência que adquiriu" (1988, p.20).
Com um objetivo traçado, resolvi após conseguir alguns relatos que saiam de
forma espontânea, realizar algumas entrevistas com as estudantes. Escolhi cinco
alunas para responder algumas perguntas que elaborei, a escolha das cinco delas e
o critério de escolha das estudantes deu-se de forma aleatória, à medida que elas
iam sentindo-se a vontade para contar sobre suas vidas isto é, questionamentos
simples e associados ao espaço escolar. As perguntas eram as seguintes: o que
impossibilitou de frequentar a escola no tempo ‘’regular’’? O que fez com que
retornasse para a escola agora depois de adulta? O que mudou na sua vida após
retornar para a escola? Qual a importância da escola para você?
Utilizei como metodologia de pesquisa entrevistas semiestruturadas
realizadas durante as aulas com as estudantes da Totalidade Inicial da EJA, bem
como a partir de observações viabilizadas durante a prática pedagógica na condição
de estagiária docente da Educação de Jovens e Adultos. As entrevistas foram
efetuadas durante alguns intervalos (momentos de descanso das estudantes) e
momentos nos quais a formalidade diminuía. As conversas surgiam de forma
espontânea e algumas delas permaneciam em sala de aula. As perguntas foram
elaboradas com o intuito de perceber quais os motivos as impediram de frequentar a
escola, qual a importância da escola na vida de cada uma delas e o que mudou em
suas vidas a partir do retorno ao ambiente escolar.
As entrevistas foram realizadas a partir de um roteiro elaborado, em destaque
no Apêndice 1. O objetivo do roteiro foi nortear a conversa com as estudantes.
Contudo, a entrevista se deu de forma bastante informal, isto é, com base nas
perguntas que foram feitas, elas respondiam e acrescentavam um pouco mais
acerca de suas histórias de vida e trajetórias.
Sendo assim, decidi conhecer um pouco das histórias de vida das mulheres
estudantes da EJA, por imaginar que naqueles rostos, muitas vezes marcados em
razão do tempo, existia também uma grande bagagem, histórias e relatos que
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pudessem fazer com que fosse possível entender um pouco mais sobre elas e o que
fez com que deixassem a escola no passado para retornar depois de um longo
período de afastamento.
Quando falamos de sujeitos da EJA, estamos partindo do pressuposto que
eles carregam uma enorme bagagem, de seus diferentes contextos vividos e seus
percursos até a chegada na escola novamente. A partir desse contexto, a escola
tem um papel fundamental na vida de tais pessoas, pois passa a ser um agente de
transformação e empoderamento em suas vidas ao oportunizar que leiam o mundo e
possam, a partir de suas aprendizagens, ter voz ativa na sociedade, fazendo suas
escolhas e sendo as protagonistas de suas próprias vidas.
Decidi resgatar as memórias por meio da oralidade buscando, com
entrevistas simples, um relato conciso de suas vidas e os motivos pelos quais
estavam na escola novamente. O processo de escuta sensível é um momento que
evidencia enorme sensibilidade, tanto por parte do ouvinte quanto do interlocutor,
pois, naquele caminho, diferentes sentimentos estão sendo resgatados e também
algumas memórias não tão agradáveis.
Utilizar o dispositivo de uma Escuta sensível em processos de pesquisa
implica se dispor a ter um olhar atento para as demandas e vivências dos sujeitos,
compreender com empatia suas trajetórias de vida e buscar relações de confiança
com o grupo. A perspectiva científico-clínica da escuta sensível, segundo Barbier
(2002), acontece durante a avaliação inicial do grupo para diagnosticar suas
necessidades, bem como considera os sujeitos de forma holística em suas
dimensões física, mental e espiritual.
No entanto, tal exercício foi fundamental para a compreensão da vida dessas
mulheres e por todos os caminhos que elas trilharam, ficando evidente o papel
essencial que a escola apresenta no sentido de que tais mulheres possam resgatar
sentimentos esquecidos, se sintam vivas, pertencentes a um grupo e sejam
responsáveis por elas mesmas. Além disso, tenham condições de se sentir
empoderadas em todos os lugares que frequentam, sabendo que são pessoas
fortes, que podem expressar suas opiniões e decidir sobre suas próprias vidas.
O trabalho proposto utilizou nomes de Flores para representar as
interlocutoras da pesquisa, ou seja, Violeta, Margarida, Rosa, Dália e Jasmim. Com
isso, além de preservar suas identidades, figurou como uma maneira de prestigiá-
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las, fazendo com que se sentissem diferentes, sensíveis, com diferentes histórias de
vidas, partindo da ideia de florescimento, evolução e crescimento.
No período do estágio, realizei a entrevista com três estudantes. Na ocasião,
a produção de dados foi realizada a partir de uma conversa informal na qual as
participantes relatavam acerca de suas trajetórias enquanto eu inseria as perguntas
ao longo da conversa. A realização da entrevista foi espontânea, pois as estudantes
aceitaram, de forma satisfatória, conversar e contar sobre suas vivências e histórias.
Assim, observei que aquele momento de conversa foi importante para elas, uma vez
que, naquele diálogo, havia uma pessoa interessada em ouvi-las, conhecê-las e
valorizar suas trajetórias.
Após a análise das três entrevistas, senti a necessidade de conversar com
mais mulheres para entender um pouco a ligação de suas trajetórias de vida com o
abandono da escola e o retorno já na vida adulta. Diante da necessidade de mais
escutas, retornei à escola e conversei com mais duas estudantes que estavam
inseridas na mesma turma na qual foi realizada o estágio. A conversa foi viabilizada
a partir da gravação de um áudio e ocorreu de forma natural. Foi oportuno notar que
elas estavam felizes ao ter a possibilidade de contar suas histórias. Assim, observei
que elas se sentiram valorizadas, vistas e importantes naquele processo de escuta.
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Gênero é uma categoria criada para demonstrar que a grande maioria das
diferenças entre os sexos são construídas social e culturalmente a partir de papéis
sociais diferenciados que, na ordem patriarcal, criam polos de dominação e
submissão (CUNHA, 2014. p.2). A educação segue desde o Brasil colônia uma
conduta excludente com um grupo de indivíduos, pois as classes que eram
privilegiadas ao acesso à educação eram as pessoas brancas pertencentes à elite e
que exerciam um papel de destaque na sociedade, as demais classes: negros,
indígenas e principalmente a maioria das mulheres eram excluídas do acesso à
educação. Quanto menor fosse o privilégio, mais excluso o sujeito era.
Nesse período da história no Brasil Colônia não havia nenhuma preocupação
pedagógica ou de políticas públicas que se voltassem para a educação de jovens e
adultos, existia somente por parte de instituições religiosas (jesuítas) a prática de
alfabetização dos indivíduos pertencentes as fazendas. Contudo o que existia era
apenas um olhar generalizado para as classes populares. Nos anos 40, após o
processo de “regulamentação’’, tudo começou na Educação de Jovens e Adultos e
foi dada a partida na Política Educacional Nacional. Conforme Ribeiro (2001, p.59),
“se constituiu como política educacional”. Assim, as organizações voltadas para
essa modalidade de ensino foram articuladas para sua efetividade.
A EJA é procurada por sujeitos que não tiveram acesso à educação no tempo
dito “regular’’, pois inúmeros motivos fizeram com que tais sujeitos não tivessem
condições de estar no ambiente escolar no período considerado o adequado.
Entretanto, pensando no acesso, as mulheres tiveram menos oportunidades ainda,
pois, desde muito cedo, tiveram que abraçar suas casas e famílias e/ou trabalhar
para garantir o sustento e completar a renda. Vale frisar também a clara imposição
pautada na construção social de que somente homens deveriam exercer cargos
importantes, profissões importantes, restando às mulheres da classe média alta a
possibilidade de atuar sendo professora. As mulheres pobres foram, então,
obrigadas a deixar a educação em razão de três aspectos: primeiro porque o acesso
era dificultado; segundo por conta da prioridade ser o trabalho e terceiro porque
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de avanço social para as mulheres, isto é, após criarem seus filhos e conseguirem
certa liberdade quanto às amarras impostas por seus companheiros e/ou pela
sociedade, elas hoje buscam retomar ao espaço escolar almejando novas
oportunidades em torno do que é um de seus direitos, além de criarem uma
perspectiva de vida satisfatória para obter um emprego melhor e a aquisição de
autonomia para conduzir suas vidas.
O “quem somos” vai se constituindo por meio das relações com os outros,
com o mundo dado, objetivo. Cada indivíduo encarna as relações sociais,
configurando uma identidade pessoal, uma história de vida e um projeto de vida.
Neste processo, o fato de se pertencer a um gênero ou outro, ser menino ou
menina, também conforma as referências iniciais no mundo.
É importante frisar que, embora muitas vezes possa parecer que as relações
de poder que permeiam a prevalência da categoria gênero possam atingir apenas a
população adulta, elas vêm sendo cultivadas desde o período da infância. Desde
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Diferentes são as práticas que podemos levar para dentro das escolas
proporcionando uma visão mais humanizada de educação e um olhar mais sensível
para os sujeitos. Práticas de empoderamento em uma turma de jovens e adultos é
primordial para os estudantes, pois é naquele espaço que eles vão se
reconstituindo, criando possibilidade de um novo olhar e prática social, seres em
constante transformações, internas e externas, sujeitos que buscaram retornar para
a escola esperando um lugar diferente, um espaço de criação e liberdade. Sendo
assim, é fundamental que pensemos em temáticas e eixos condutores que
fundamentem e conversem com a busca dessas estudantes, promovendo
aprendizagens significativas, partindo do olhar individualizado para as estudantes,
buscando sua construção e busca por empoderamento.
a casa organizada para esperá-los. Outro aspecto relevante para essa exclusão é o
fato de que os maridos tivessem ciúmes que as mulheres saíssem, pois imaginavam
que os ambientes pelos quais elas fossem circular poderiam incentivá-las à traição
ou ao contato com outras pessoas que pudessem influenciá-las a tomar atitudes de
libertação, empoderamento.
Muitas mulheres eram expostas às práticas de violência física e psicológica
fazendo, assim, elas terem medo dos seus companheiros, afirmando que eles as
dominavam e mandavam nelas e na casa, pois o lugar delas era dentro de casa,
sem poder ter socialização, trabalho e o acesso ao estudo.
Outro condicionante é o preconceito por conta dos diferentes tempos de
aprendizagem ou a forma física das pessoas. Com base nos relatos das mulheres
da turma no decorrer do estágio, pude observar que muitas foram as práticas
excludentes que fizeram com que abandonassem a escola, sendo uma delas a
“deficiência” ou o diferente, visto que eram julgadas em razão da forma física, de
peso, tamanho e algum outro aspecto que as diferenciava do dito “normal”. Uma de
tais diferenças, por exemplo, é o lábio leporino que uma das estudantes tinha. Com
isso, ela relatou em sala de aula que a chamavam de aleijada e a excluíam dos
grupos na escola ou da interação e integração entre os colegas. O ambiente escolar
para aquela mulher, então, passou a figurar como espaço de dor, sofrimento e
exclusão.
A condição social das pessoas era um fator importante para a dificuldade do
acesso à escola. Muitas famílias saiam de seus lugares de nascença para tentar a
vida em outros lugares, uma prática que acabava muitas vezes sendo falha, pois
não se conseguia emprego e moradia de forma efetiva. Os casais com muitos filhos
acabavam por precisar do auxílio dos filhos para a complementação de renda e o
estudo ficava em segundo plano. Essas práticas eram muito comuns. Uma das
alunas da turma do estágio relatou em aula que sempre passou muita dificuldade
com a família, visto que sua mãe até gostaria que ela e os irmãos estudassem, mas
em razão da baixa renda e as condições precárias que viviam, não foi possível
proporcionar o acesso à escola para ela e nem para seus irmãos. Faltavam recursos
financeiros para o deslocamento, alimentação e materiais escolares.
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critica a visão que havia e se tem acerca dos negros. A prática de exclusão e
segregação influenciou diretamente no psicológico dessas pessoas, fazendo
acreditar que essa diferenciação existia de fato é que eles eram inferiores apenas
pela cor da pele, o que ocorria principalmente com as mulheres que já eram vistas
como as que tinham menos saber, que eram destinadas a cuidar da casa, filhos e
servir os senhores.
Tal comportamento preconceituoso e excludente se perpetua desde a escola
em sua formação, sendo que, nos dias atuais, as práticas dentro da sala de aula
promovem preconceito e discriminação às vezes de forma involuntária. Quando, por
exemplo, pede-se um lápis de cor, cor de pele, precisamos refletir imediatamente
sobre qual cor de pele estamos referindo, visto que todas as pessoas possuem cor
de pele diferentes. Além desse exemplo, vários outros estão presentes no dia a dia
da sala de aula. “Assim, sob formas distintas, a exclusão tem apresentado
características comuns nos processos de segregação e integração, que pressupõem
a seleção, naturalizando o fracasso escolar” (BRASIL, 2010). Pensando em
mulheres presentes na educação de jovens e adultos, podemos refletir ainda acerca
da faixa etária dessas mulheres, pois muitas estão na faixa dos 40 até 70 anos,
confirmando que a oportunidade de acesso antigamente era muito mais difícil,
considerando que as mulheres foram excluídas por diferentes formas e causas.
Contudo, cabe ressaltar tamanha segregação e condicionantes ao fracasso escolar.
Diferentes são os aspectos que excluíram essas mulheres da escola:
5 EMPODERAMENTO FEMININO
A luta das mulheres continuou após as conquistas ditas como burocráticas, tidas
como direitos. Ela floresce em meio a uma sociedade com suas próprias dificuldades, pois
o empoderamento é contemporâneo e necessário. Hoje, ele é como fruto desse processo,
é causa e ação do feminismo. As adeptas sofrem antes de empoderar outras mulheres,
pois o seu próprio processo de empoderamento que as permite enxergar e combater a
imposição masculina a que estão sujeitas, implica em ofertar mudanças no meio em que
estão inseridas transformando as estruturas de subordinação. É fato que há muito a ser
mudado, mas isso não diminui o que foi e está sendo conquistado. O empoderamento é
um importante elemento na construção de uma sociedade igualitária. A união entre as
mulheres é capaz de estabelecer uma verdadeira revolução.
ou de diferentes outros lugares de convivência social, na maioria das vezes pelo fato
de serem mulheres. Devemos oportunizar empoderamento das as mulheres para
que elas tenham a possibilidade e autonomia de fazer sua própria revolução, para
que possam se enxergar de forma igualitária perante aos homens.
Pensando nas lutas e nos espaços nos quais essas mulheres podem se
tornar “empoderadas”, não podemos deixar de falar de um espaço fundamental para
essa mudança, a escola, lugar que tem uma responsabilidade social com os
indivíduos que ali estão imersos. A escola precisa formar alunas empoderadas que
possam refletir sobre os acontecimentos da sociedade e não tenham medo de se
expor e expressar sua opinião. Além dessas construções internas e
desenvolvimento do indivíduo no sentido de aquisição de autonomia, também vale
acrescentar que esse conceito vai além de uma luta individual. Ele faz com que as
mulheres se ajudem de maneira mútua para que possam se inserir de forma ativa na
comunidade em que vivem e que esse processo de empoderamento vá ao encontro
de todas as formas de liberdade consolidando, assim, uma sociedade justa e
igualitária. Por isso, é fundamental que conceito seja tratado no ambiente escolar.
Diferentes são as práticas que podemos levar para dentro das escolas
proporcionando uma visão mais humanizada de educação e um olhar mais sensível
para os sujeitos. Práticas de empoderamento em uma turma de jovens e adultos são
primordiais para os estudantes, pois é naquele espaço que eles vão se
reconstituindo, criando possibilidade de um novo olhar e prática social, seres em
constante transformações, internas e externas, sujeitos que buscaram retornar para
a escola esperando um lugar diferente, um espaço de criação e liberdade. Em razão
disso, é fundamental que pensemos em temáticas e eixos condutores que
fundamentem e conversem com a busca dessas estudantes, promovendo
aprendizagens significativas, partindo do olhar individualizado para as estudantes,
buscando sua construção e busca por empoderamento.
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A aluna Violeta relatou que nunca foi para a escola, nunca conheceu como
era a arquitetura de uma escola. Sua família era muito pobre e passavam trabalho.
Ela e os irmãos tiveram que trabalhar para complementar a renda da família. Disse
que tinha amigos que iam para a escola e ela não entendia o motivo pelo qual não
podia frequentar o ambiente escolar, mas dizia que ‘’tudo bem, quando eu tiver
oportunidade eu vou aprender’’. Violeta diz que logo muito nova foi morar em casas
de família e trabalhar para essas pessoas. Sofreu bastante, pois não conseguia ler
nem escrever, mas que teve uma ‘’patroa’’ que tentou ajudá-la na leitura, ensinou
para ela as vogais e como escrevia seu nome. Ela estava grávida e tinha muito
receio que o “estudo’’ atrapalhasse no trabalho. Contudo, a patroa a tranquilizou e
disse que ela poderia fazer as duas coisas, pois compraria os materiais e a
incentivaria no que fosse necessário. Entretanto, apesar dessa ajuda, não chegou a
ir para a escola e nem se alfabetizou.
Violeta não gostava da condição que vivia. Disse que sabia que existia um
mundo melhor, diferente do que ela vivia. Ela não queria mais aceitar estar nessa
condição. Relatou que, depois de adulta, uma amiga disse que estava estudando e
mencionou que ela deveria se apresentar na escola. Violeta disse que tinha um
sonho de estudar, mas hoje estava com tinha 51 anos de idade. Tinha vergonha de
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voltar. Mesmo assim, teve incentivo de sua filha que a auxiliava, assim como contou
com o apoio de sua amiga. Hoje, sente-se muito honrada de estar na escola. Diz
que aquele espaço é um paraíso, que a vida dela agora é a escola. Quando preciso
responder a respeito da importância da escola em sua vida afirmou: “mudou minha
vida. Me sinto honrada, me sinto tão feliz’’. E complementou informando que: “Hoje
eu passo pelos lugares e leio as placas, não leio só na escola. Hoje, em todos os
lugares que vou eu leio. Sei ler. A escola mudou a minha vida e quero ainda
convidar vocês para participar da minha formatura. Eu não vou desistir. Eu vou até o
fim’’.
A aluna Violeta é um exemplo do quanto a escola, principalmente de
educação de jovens e adultos, exerce um papel fundamental e transformador na
vida das pessoas, pois, além de aprender a ler e a escrever, a aluna relatou com
felicidade sobre o quanto se constituiu como pessoa, o quanto fica feliz em ler o
mundo na rua, nas trocas que estabelece na escola e na interação com as pessoas
que também pertencem a este espaço.
“Nunca pude estudar, sempre fui escravinha de branco, meu marido também nunca
me incentivou” (Rosa)
“Eu só consegui entrar na escola depois fiquei viúva, meu marido nunca me
incentivou, nunca me deu força para estudar, para ele mulher tinha que ficar em
casa de escravinha dele. Não deixou nem eu trabalhar, imagina me deixar a
estudar”. (Rosa)
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“Acho que se eu aprender a ler, vou ter um outro mundo, esse mundo ‘’tá’’ fechado,
todo mundo sabe e eu não, parece que estou em uma escuridão” (Jasmim)
“Colégio não era para negro, ainda mais naquela época a prioridade era o trabalho”
(Dália)
“Minha necessidade é de aprender, passa um ônibus não sabe, vai em uma loja
não sabe, pega um cartão não sabe o que está escrito nem o que significa,
precisa fazer alguma compra e não sabe” (Dália)
melhor. Agora elas conseguem circular pelos lugares, ler placas, fazer compras de
forma autônoma.
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6 (ENTRE)TECENDO TRAJETÓRIAS
REFERÊNCIAS
CUNHA, Bárbara Madruga. Violência contra a Mulher, Direito e Patriarcado. In: XVI
Jornada de Iniciação Científica de Direito da UFPR, 2014, Curitiba. Anais... XVI
Jornada de Iniciação Científica de Direito da UFPR, 2014. v. 1. p. 149-170.
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social. [S.l: s.n.], 1996.
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História das Mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto e UNESP, 1997. p.
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LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e poder. In: LOURO, Guacira Lopes.
Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis:
Vozes, 1997.
41
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Deslocamentos. In: MANTOAN, Maria Teresa Eglér.
Inclusão, diferença e deficiência: sentidos, deslocamentos, proposições.
Campinas. [s. n.], 2017.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. de. Relatos orais: do "indizível" ao "dizÍvel". In:
SIMSON Olga (org.). Experimentos com histórias de vida. São Paulo: Vértice,
1988.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. A pesquisa-ação. Trad. Lucie Didio. Brasília: Plano
Editora,
2002
RIBEIRO, Vera Masagão, JOIA, Orlando, PIERRO, Maria Clara Di. Visões da
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novembro/2001. Acesso em: 14 mar. 2019. Disponível em:
www.scielo.be/pdf/ccedes/v21n55/5541.pdf>.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução de
Christiane Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. [S. l.: s. n.], 1990. Acesso em: 20 abr.
2019. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/Gênero-
Joan%20Scott.pdf.
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APÊNDICES
43
1.O que fez você não conseguir ir à escola no tempo dito regular?
2. O que fez você retornar à escola?
3. Qual a necessidade de voltar à escola?
4. Qual a importância da escola para você?
5. O que mudou na sua vida após retornar para a escola?
6. O que a sua família achou quando voltaste a estudar?