Artigo Luis Ricardo
Artigo Luis Ricardo
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Resumo: Os debates acerca da pesquisa em música na atualidade contemplam uma diversidade de questões que se
inter-relacionam à complexidade e à amplitude do universo de abordagens da área. Entre as importantes discussões que
permeiam a pesquisa em música, a ética na produção do conhecimento científico musical tem ocupado lugar de destaque.
Com foco nessa realidade, este artigo tem como objetivo refletir sobre de aspectos éticos na prática investigativa e suas
implicações para a pesquisa em música, apontando perspectivas e diretrizes gerais que podem embasar a atuação dos
estudiosos da área em seus diferentes campos de investigação. O trabalho tem como base pesquisa bibliográfica e
experiências consolidadas do autor como pesquisador e orientador de trabalhos de pesquisa em diferentes subáreas
da música. A partir das discussões realizadas, o texto aponta aspectos conceituais que fundamentam as definições
de ética no campo da música, bem como destaca questões que devem ser consideradas na produção e divulgação do
conhecimento científico musical.
Abstract: Nowadays, discussions about research in music include a variety of issues that interrelate to the complexity
and breadth of the area approaches. Among the important discussions that permeate research in music, ethics in the
production of the scientific knowledge of music has occupied a prominent place. Focusing on this reality, this article
aims at reflecting about the ethical aspects of research practice and its implications for research in music, pointing out
general perspectives and guidelines that may be the basis for the activities of scholars of this area in their different fields
and approaches. The work is based on a literature review and consolidated experiences of this author as a researcher
and advisor of research papers in the different subfields of music. It presents conceptual aspects that underlie ethics
definitions in the field of music, while highlights issues to be considered in the production and propagation of the
scientific knowledge of music.
1 – Introdução
O campo de estudo da música, neste início do século XXI, Entre as muitas questões que permeiam o campo da
tem se mostrado cada vez mais abrangente e diversificado, música, nas suas distintas subáreas, a discussão sobre
evidenciando que as pesquisas sobre fenômenos musicais ética na pesquisa tem ganhado cada vez mais importância,
têm sido estruturadas a partir de uma multiplicidade de considerando os impactos da ação investigativa na
abordagens epistêmicas e metodológicas. Abordagens sociedade. Nessa direção, o estudo de práticas musicais
que visam abarcar a amplitude e as singularidades que em diversos contextos e com distintas características, o
constituem o estudo da música e que fazem emergir, na registro e circulação de músicas, processos de criação
contemporaneidade, questões intrínsecas à produção do e estruturação do fenômeno musical, formas de
conhecimento na área, que precisam ser analisadas e transmissão de saberes, aspectos relacionados ao som
discutidas pelos seus estudiosos de forma contextualizada e sua caracterização como expressão musical, entre
com a natureza, a abrangência e as especificidades dos outros diversos elementos que constituem o universo das
estudos musicais. pesquisas em música, vêm exigindo dos pesquisadores da
PER MUSI – Revista Acadêmica de Música – n.27, 236 p., jan. - jun., 2013 Recebido em: 22/11/2011 - Aprovado em: 13/06/2012
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QUEIROZ, L. R. S. Ética na pesquisa em música... Per Musi, Belo Horizonte, n.27, 2013, p.7-18
área cada vez mais responsabilidade, tanto na definição se em experiências pessoais consolidadas a partir da
e condução da pesquisa quanto nos processos e meios atuação como pesquisador e orientador de trabalhos
utilizados para a divulgação da produção científica. diversos de pesquisa na área de música.
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QUEIROZ, L. R. S. Ética na pesquisa em música... Per Musi, Belo Horizonte, n.27, 2013, p.7-18.
[…] tem sido uma inspiração constante para as declarações recentemente lançadas pelo CNPq para orientar a conduta
modernas sobre ética em pesquisa. Esse documento determina ética dos pesquisadores (CNPQ, 2012). Ações dessa
a necessidade do consentimento voluntário dos indivíduos
envolvidos na pesquisa após o seu devido esclarecimento sobre os natureza são bastante pertinentes e, se inter-relacionadas
objetivos e os riscos do projeto. Esse princípio básico foi refinado a questões específicas de cada área, podem trazer grandes
e reafirmado em 1964, na chamada Declaração de Helsinki, que contribuições para o fortalecimento da ética na pesquisa
sofreu algumas modificações nas décadas de 70, 80 e 90. Em 1975, brasileira. Considerando essa realidade, passo a refletir
por exemplo, foi incorporada a obrigatoriedade de aprovação
prévia de qualquer projeto de pesquisa em seres humanos por um mais especificamente acerca de perspectivas para a
comitê de ética. conduta ética no âmbito da pesquisa em música.
Portanto, a definição e a aplicação desse código só se Partindo da nevrálgica discussão sobre o estabelecimento
estabeleceram, de fato, a partir da segunda metade do de uma regulamentação específica que norteie ações
século XX, período em que a ética passa a ser considerada éticas nos diferentes campos de conhecimento, duas
elemento fundamental para a prática de pesquisa. O questões fundamentais emergem: 1) Diretrizes e câmeras
problema do código de Nuremberg, para as ciências estabelecidas para avaliar projetos de pesquisa em áreas
humanas, é que sua estruturação e definição atendem aos da saúde poderiam avaliar trabalhos qualitativos e até
princípios e às realidades das ciências biomédicas, e suas mesmo quantitativos de pesquisa em música, sem deturpá-
especificações, bem como as diversas ramificações que los, sem tirar a autonomia de seus pesquisadores etc.?
ocorreram ao longo dos anos a partir desse documento, 2) poderiam áreas como a música e as ciências humanas
têm forte ênfase nas especificidades das áreas de saúde. em geral serem regidas por códigos regulamentadores
No que tange a outras áreas de pesquisa, como a música, de ética, ou seria mais adequado diretrizes gerais que
por exemplo, é necessária a discussão e definição de norteassem a conduta dos pesquisadores?
diretrizes éticas que sejam adequadas às singularidades
de seus campos e abordagens de pesquisa. Assim como em outros países, as bases definidoras para a
regulação da ética em pesquisa no Brasil foram as ciências
Nesse sentido, a fim de fomentar a discussão sobre o biomédicas. Nesse sentido, muito embora a Resolução
tema no campo da música, apresentarei uma pequena 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde - CNS (BRASIL,
retrospectiva do debate sobre ética no âmbito das ciências 1996) seja enunciada como um documento válido para
humanas. Segundo DINIZ (2008) o tema foi intensamente todas as áreas disciplinares, no que se refere às diretrizes e
discutido na década de 1980, sobretudo nos Estados normas para as pesquisas que envolvem seres humanos, suas
Unidos. Ainda segundo a autora, reflexões direcionadas diretrizes normativas e metodológicas foram estabelecidas
para a temática emergiram num: a partir de perspectivas do campo da saúde, o que imprime
características específicas a seus focos de abordagem,
[...] momento de efervescência das pesquisas urbanas com grupos muitas vezes estranhas à prática investigativa, por exemplo,
alternativos aos estudos clássicos de Sociologia ou Antropologia,
tais como usuários de drogas, traficantes, presos e adolescentes, e das pesquisas que estudam fenômenos musicais.
de surgimento de novas questões de pesquisa, como a violência e
a sexualidade (DINIZ, 2008, p.418). Portanto, um ponto fundamental a ser discutido, em
áreas como a música, é se cabe avaliação de aspectos
Além disso, foi nesse período que as regulamentações éticos, realizada por câmaras não específicas, em
de ética em pesquisa com seres humanos ganharam pesquisas qualitativas, e até mesmo em alguns aspectos
força e projeção internacional, mas provocaram diversos das pesquisas quantitativas, ou se essa é uma tarefa a
debates sobre sua legitimidade para outros campos de ser realizada pelas comunidades disciplinares no debate
conhecimento que não se adequavam aos fundamentos entre pares. Sem dúvida os pesquisadores devem estar
da pesquisa nas áreas de saúde. Tal fato gerou, inclusive, o abertos a terem os seus projetos e trabalhos de pesquisa
questionamento, sobre a pertinência de regulamentações, em geral avaliados por comissões de ética. No entanto,
como as das ciências biomédicas, para áreas que tal processo precisa ser realizado por comitês capazes de
utilizavam metodologias mais focadas em abordagens dialogar com os pressupostos teóricos e metodológicos
qualitativas. A esse respeito, ISRAEL e HAY afirmam que: da área, contemplando aspectos que, ainda na atualidade,
não têm sido abordados em grande parte das diretrizes
Cientistas sociais estão indignados e frustrados. Eles acreditam
que seus trabalhos estão sendo coagidos e distorcidos por regulatórias vigentes no Brasil, a partir de documentos
regulamentos de condutas éticas que não necessariamente como a Resolução CNS 196/1996.
entendem a pesquisa em ciências sociais. [...] pesquisadores têm
argumentado que tais regulamentos são realizados com base nos Visto dessa forma, o que precisa ser enfatizado é que não
direcionamentos da biomédica, que fazem pouco ou nenhum
sentido para os cientistas sociais1 (2006, p.xiii, tradução minha). se discute a necessidade de diretrizes éticas para as áreas
das ciências humanas, principalmente para um campo
As questões apresentadas pelos autores representam com vinculações sociais e culturais tão fortes como o da
um dos mais significativos debates entre os muitos que música. O que se quer evidenciar, a partir das análises
marcam as definições da ética na pesquisa. Todavia, realizadas anteriormente, é a necessidade de condutas
o Brasil tem avançado nesse sentido com ações mais éticas embasadas em questões relacionadas ao universo
norteadoras e menos normativas, como são as diretrizes musical e à atuação do pesquisador nesse contexto.
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QUEIROZ, L. R. S. Ética na pesquisa em música... Per Musi, Belo Horizonte, n.27, 2013, p.7-18
Entendo que, como afirma DUPAS (2001), evocando o 3 – A ética no âmbito da pesquisa em música
pensamento de Habermas, a teoria deve prestar contas à na atualidade
práxis, e o saber não pode ser isolado de suas consequências.
Muitas questões relacionadas à ética, que permeiam a
Devido à imprevisibilidade das consequências de uma
pesquisa em música, têm relação direta com a natureza
investigação, é mister que diretrizes sobre ética estejam
singular do fenômeno musical, enquanto prática social
sempre presentes na elaboração de um projeto de pesquisa,
e cultural. Nesse sentido, aspectos como a apropriação
na realização de um trabalho investigativo e na divulgação
indevida de produções musicais, a divulgação e circulação
de resultados das descobertas científicas, principalmente
de músicas sem as devidas autorizações, a exposição
quando se está lidando com seres humanos ou com
inadequada de sujeitos vinculados aos saberes, fazeres e
produtos resultantes de suas crenças, valores, ideais e
criações musicais, a atribuição de valor a práticas musicais
demais aspectos culturais, como é caso da música.
distintas a partir de diretrizes etnocêntricas e uniculturais,
entre outros aspectos, demonstram que as questões de ética
Não se trata também de um isolamento e da busca de
transversalizam os campos da pesquisa, das produções e
uma neutralidade da ciência, pois ao adentrar em um
das práticas musicais em suas diversas ramificações.
determinado universo de pesquisa, visa-se, entre outros
aspectos, compreender e interpretá-lo para apresentá-
Para ILARI (2009, p.179):
lo em forma de conhecimento científico à sociedade, a
partir, inclusive, de valores, ideologias e objetivos dos O estudo da música humana é ao mesmo tempo fascinante e
pesquisadores. Assim, me acosto às concepções de COTTA, complexo. Ao tomar para si o desafio de compreender as relações
considerando especificamente o universo da musicologia entre a música e o ser humano, o pesquisador tem por princípio
histórica, mas que podem ser ampliadas para dimensões ao menos uma das duas premissas: (1) a ideia de que a música
é uma atividade eminentemente humana que se dá, antes de
mais abrangentes do estudo da música. Nas palavras do mais nada, em um plano individual, e (2) a compreensão de que
autor, possibilitar o acesso aos materiais investigados: a música, além de atividade humana, é também uma atividade
social e coletiva (ver Turino, 2007). Sendo assim, não há como o
[...] traduz-se no reconhecimento de uma ética não exclusivista pesquisador musical evitar o confronto com questões éticas (ver
em relação aos objetos de pesquisa. Isso significa, no âmbito Richardson & McMullen, 2007).
da musicologia histórica brasileira, uma mudança de paradigma
comparável à revolução copernicana: não se trata mais de Assim, é fundamental consolidar a discussão, a análise e
descobrir ‘tesouros musicais’ e apropriar-se deles, mas sim de as reflexões de questões éticas intrínsecas e extrínsecas
tratar a documentação de valor histórico pelo seu valor de
informação e disponibilizá-la para a comunidade científica [e para a área de música, haja vista que tais questões estão no
a sociedade] (COTTA, 1999, p.2008). cerne da atuação dos pesquisadores da área. Esse debate
se torna ainda mais premente ao considerarmos a teia
A citação acima retrata o duplo papel do pesquisador, qual de relações que congrega a música e as incursões do
seja, atender às expectativas da ciência e sua inserção na pesquisador em seus múltiplos universos.
sociedade, mas, também, cuidar, respeitar e preservar os
direitos, as escolhas e as definições dos sujeitos pesquisados, Analisando a pesquisa em música na contemporaneidade,
com toda a gama de produtos, significados e saberes KORSYN (2003), em Decentering music: a critique of
que permeiam suas relações com a música. Diante dessa contemporary musical research, enfatiza diretrizes para a
realidade da pesquisa na área de música, implica afirmar que pesquisa em música numa época em que a humanidade
é preciso agir com transparência e cuidado, pois quando se está em “crise”. O autor levanta um número significativo
investiga a realidade das produções musicais, bem como os de questões que discutem os modelos sobre os quais os
processos de criação, performance e transmissão de música, objetos disciplinares da música são construídos, sugerindo
pode-se lidar com questões que, se para os pesquisadores uma relação “[...] entre trabalhos de estudiosos da música e
são, sobretudo, somente questões de pesquisa, para outras as redes culturais nas quais eles participam”.2 (p.1, tradução
pessoas podem ser definidoras de sua vida. Refletindo sobre minha). Dos diversos paradigmas que aponta, relacionados
essa questão, MOITA LOPES destaca que: à pesquisa em música, o autor destaca a relevância da
ética para produção do conhecimento científico da área
Certamente, o pesquisador deve ter cuidado para que sua pesquisa na atualidade. Nesse sentido, o autor afirma que “a crise
não seja usada para tirar a voz e caçar o poder de quem está
em situação de desigualdade. Fazer pesquisa, i.e. [isto é], produzir da pesquisa em música é basicamente uma crise ética [...]”3
conhecimento, é uma forma de construção de significado (KORSYN, 2003, p.176, tradução minha).
prestigiada na sociedade e, portanto, impregnada das relações de
poder inerentes à prática discursiva. Assim, os resultados de nosso Muitas outras abordagens de pesquisas em diferentes
trabalho podem ser usados para desempregar, condenar, [atestar]
incompetência, etc. (MOITA LOPES, 1996, p.11) subáreas da música têm levantado questões relacionadas
à ética, a exemplo de O’DEA (2000) e GERLING e
Partindo de premissas e diretrizes éticas em geral e SANTOS (2010), no campo das práticas interpretativas;
de singularidades que permeiam suas implicações no GREEN (2009), CASTAGNA (2008) e COTTA (1999) no
campo da música, a parte seguinte deste texto traz um âmbito da musicologia; SEGEER (1992; 2008), SLOBIN
panorama do atual debate nos estudos musicais e dos (1992) e QUEIROZ (2010; 2011) em abordagens da
direcionamentos que a área tem adotado para pensar as etnomusicologia; FREEMAN-TOOLE (1998) e DENCH
idiossincrasias de seu campo de estudo. (1998) focando estudos composicionais; e RICHMOND
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QUEIROZ, L. R. S. Ética na pesquisa em música... Per Musi, Belo Horizonte, n.27, 2013, p.7-18.
(1996), BRESLER (1996), AZEVEDO, SANTOS, BEINEKE e questões que considero fundamentais, e com as quais
HENTSCHKE (2005), abordando o universo da educação tenho me deparado em estudos, discussões, propostas e
musical. Esses exemplos demonstram a ênfase que as orientações de pesquisa e que dizem respeito a definições
discussões sobre ética vêm ganhando na área da música. éticas que constantemente precisam ser revisitadas
durante os nossos trabalhos. Muitas das questões
Especificamente no que se refere ao cenário da pesquisa que permeiam a área de música também envolvem
sobre música no Brasil, as discussões relacionadas à outros campos de pesquisa, mas há, também, aspectos
ética ganharam impulsão a partir de debates realizados, específicos que são encontrados, sobretudo, no estudo
sobretudo no âmbito da Associação Nacional de Pesquisa e abordagem dos fenômenos musicais em seus diversos
e Pós-Graduação em Música (ANPPOM) e da Associação contextos. Nesse sentido, seja abarcando aspectos mais
Brasileira de Educação Musical (ABEM), desde a gerais e/ou específicos da área de música, ao lançar
década de 1990, bem como da Associação Brasileira de olhares e reflexões sobre questões de ética será possível
Etnomusicologia (ABET), a partir dos anos 2000. Nesse contribuir para o debate do tema no âmbito da produção
cenário tem se estabelecido reflexões pertinentes e do conhecimento científico musical.
necessárias sobre as múltiplas questões da ética na pesquisa
musical, embora tal discussão ainda seja embrionária em 4 – Doze questões fundamentais sobre da
relação à amplitude da área no Brasil atualmente. ética na pesquisa em música
Um levantamento detalhado de questões sobre ética,
No cenário internacional, a necessidade e a preocupação
que permeiam a pesquisa na área de música, exigiria
com a ética nos trabalhos de pesquisa estão evidenciadas
um exaustivo aprofundamento em matrizes que definem
em diversas diretrizes e definições que associações e
cultural, epistemológica e metodologicamente os
instituições da área de música têm estabelecido para
diferentes campos de estudo científico musical, aspecto
nortear a atuação de seus pesquisadores. Para mencionar
que foge ao escopo deste texto. Todavia, sintetizo, em
apenas dois exemplos, destaco:
doze questões, perspectivas que, em diálogo com outros
autores (BRESLER, 1996; CASTAGNA, 2008; COTTA,
1. As “Diretrizes para conduta ética”4, definidas pela
1999; KORSYN, 2003, PAIVA, 2005; SEEGER, 1992;
American Musicological Society (MAS) desde 1997,
SLOBIN, 1992), considero fundamentais para as reflexões
que estabelecem dimensões gerais para embasar o
relacionadas a condutas éticas na área de música.
trabalho de pesquisa do musicólogo, reconhecendo
a necessidade de promover princípios básicos de
conduta ética na profissão. O documento enfatiza 4.1 – Como lidar com o respeito à propriedade
ainda a necessidade de que o musicólogo defenda intelectual e aos trabalhos de outros
os princípios éticos definidos pela Associação, pesquisadores?
não só na sua atuação acadêmica, mas em todas Essa tem sido uma questão emergente e fundamental
as suas atividades profissionais (AMERICAN nas discussões sobre ética na atualidade. É evidente
MUSICOLOGICAL SOCIETY, 2012). que ao mesmo tempo em que se quer a democratização
do conhecimento e a desmistificação da pesquisa,
2. Outro exemplo é o “Código de Ética” definido pelo inserindo-a cada vez mais cedo no processo de
Journal of Research in Music Education, que visa formação, batalha-se, também, para não deixá-la cair na
orientar e estabelecer condutas éticas que devem estar banalização. Nesse processo, uma das questões que mais
na base dos textos e materiais científicos publicados têm preocupado pesquisadores na atualidade diz respeito
no periódico. No documento há uma clara referência ao plágio de textos. Como destacado por PAIVA (2005),
de que as suas definições estão preocupadas com a utilização responsável de trabalhos alheios é legítima
as condutas éticas no estudo com seres humanos. e contribui efetivamente para o diálogo e a ampliação
As perspectivas apresentadas são embasadas em do conhecimento científico. No entanto, é fundamental
diretrizes da área de psicologia, sendo que, inclusive, discutir os níveis de apropriação e até que ponto algo
o documento remete o leitor para o código de ética pode ou não ser classificado como cópia. Para PAIVA,
da “American Psicological Association”5. (JOURNAL “o plágio tem sido considerado como cópia integral
OF RESEARCH IN MUSIC EDUCATION, 2011).‑ ou parcial de trabalho intelectual alheio, sem a devida
menção ao autor”. A autora ressalta ainda que:
Diversos outros códigos e/ou diretrizes mais gerais que
tratam da ética em trabalhos de pesquisa em música [...] os problemas, no entanto, não se restringem à cópia. Informar
poderiam ser mencionados, mas esses dois são suficientes ao leitor, no início de um texto, por exemplo, que aquele trabalho
é baseado em outro não dá ao autor o direito de reproduzir, ipisis
para ilustrar um importante aspecto que merece atenção,
literis, o texto de outrem, sem as devidas aspas. Apropriar-se de
qual seja: a área de música está, cada vez mais, buscando uma ideia e tratá-la com outras palavras é, na minha opinião,
estabelecer caminhos, princípios e diretrizes que possam outra modalidade de plágio (PAIVA, 2005).
orientar os pesquisadores para uma atuação ética, que
abranja tanto a produção de pesquisa quanto a veiculação A facilidade de acesso gerada, sobretudo pela internet
e divulgação do conhecimento musical como um todo. e os diversos meios de circulação de informações na
Partindo dessa concepção, apresento, a seguir, doze contemporaneidade, as exigências por uma produção
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QUEIROZ, L. R. S. Ética na pesquisa em música... Per Musi, Belo Horizonte, n.27, 2013, p.7-18
cada vez mais ampla, a falta de uma formação No campo da música comercial, essa definição é um
consistente acerca do respeito à propriedade intelectual, pouco mais clara, já que é sabido que a autoria é algo
têm sido alguns dos fatores que têm levado estudantes garantido por lei (BRASIL, 1998) e o uso indevido de
e profissionais a copiarem textos e se apropriarem de determinada produção musical pode ser questionado,
ideias alheias. Assim, tem sido comum identificar o uso inclusive judicialmente. No entanto, no que tange
indevido de produção intelectual (textos e ideias) em a produções musicais não vinculadas ao cenário
materiais como monografias, dissertações e teses, artigos comercial, tem sido comum, por vezes, não se dar o
científicos, páginas de internet, entre outros. Mesmo esse devido respeito e a atenção necessária aos proprietários
não sendo um problema exclusivo da área de música, é dos patrimônios investigados.
uma questão que os seus estudiosos não podem se eximir
de discutir no processo de produção de conhecimento. São diversos os relatos que evidenciam o uso indevido
de músicas em trabalhos de pesquisa, sem que autores,
Além do plágio, o CNPq tem destacado a importância da familiares, mestres, intérpretes, entre outros detentores da
conscientização dos pesquisadores para o “autoplágio”, propriedade musical, tenham dado a devida autorização.
que “consiste na apresentação total ou parcial de Essa é uma questão diretamente relacionada ao campo
textos já publicados pelo mesmo autor, sem as devidas da música, tendo em vista que é intrínseca à natureza
referências aos trabalhos anteriores” (CNPQ, 2012). do fenômeno musical e que, portanto, merece grande
Para o Órgão, essa também é uma prática indevida que atenção por parte dos pesquisadores.
deve ser combatida no cenário da pesquisa nacional e
internacional. Portanto, é outra questão que merece 4.3 – Ao lidar com o estudo da música e/ou
atenção dos pesquisadores da área de música.
de pessoas fazendo música em comunidades
Vale salientar que apesar dos avanços nos estudos musicas, e/ou grupos diversos, o trabalho de pesquisa
ao longo das últimas décadas, a qualificação para a pesquisa pode ser feito sem alterar o ritmo e o
na graduação ainda é limitada e, por vezes, a preparação planejamento do contexto investigado?
do músico não passa por um processo sistemático de Essa questão emerge, mais especificamente, para os
formação científica. Todavia, a exigência do mercado de trabalhos que lidam com estudos etnográficos e que,
trabalho e a necessidade, cada vez mais emergente, de portanto, têm uma imersão direta no campo pesquisado,
realizar cursos de pós-graduação, têm levando estudantes seja uma escola, uma prática musical coletiva e/
e profissionais da área, com diferentes perfis, a imergirem ou individual, um processo de gravação etc. Como
no campo da pesquisa. Essa realidade, certamente, traz, enfatizado por diversos pesquisadores da música (NETTL,
de forma ainda mais contundente, a questão do respeito 1964; SEEGER, 2008; SLOBIN, 1992; QUEIROZ, 2006),
à propriedade intelectual para o foco dos debates, já que todo trabalho de pesquisa altera, de alguma forma,
tem sido comum encontrar textos e publicações diversas os acontecimentos musicais e culturais do universo
na área, que não passam de compilação de ideias alheias, pesquisado. Seria ingênuo achar que uma pesquisa poderá
reprodução e apropriação de pensamentos e palavras de ser realizada sem interferir, mesmo que minimamente, na
outros autores. Não há dúvidas que a falta de tradição prática e/ou a ação cotidiana do contexto investigado.
em pesquisa e o incipiente estágio de formação de
pesquisadores nos cursos de graduação, e até mesmo de Todavia, é fundamental que o pesquisador busque
pós-graduação, como ainda é o caso da música no Brasil, as melhores alternativas para que o seu estudo não
estão entre as muitas questões geradoras desse problema. comprometa demasiadamente os fatos e as práticas que
definem o modo de ser, agir e pensar das pessoas no
4.2 – Ao estudar, utilizar e divulgar práticas seu meio social. Quando houver a percepção de que o
e/ou produtos musicais (performances, trabalho pode interferir negativamente na realidade de
estudo, as pessoas e suas vidas devem ser priorizadas e a
partituras, gravações, entre outros aspectos) pesquisa colocada em segundo plano. Assim, concordando
são respeitadas a autoria e a propriedade do com ROUNDS (1996), acredito que cabe ao pesquisador
patrimônio musical? conseguir o máximo de informação possível sem violar a
Da mesma forma que não é possível admitir o plágio de privacidade ou quebrar a confiança dos pesquisados.
textos e ideias, também não se pode admitir o plágio
musical, inclusive no âmbito da pesquisa. Toda obra, 4.4 – A comunidade e os informantes/
performance e demais elementos relacionados à música, participantes (sujeitos envolvidos na
estudados e/ou utilizados em pesquisas e publicações,
devem ser devidamente citados e, quando não forem de
pesquisa de maneira geral) são devidamente
domínio público, autorizados pelos detentores dos seus informados sobre os objetivos do trabalho?
direitos. Não se pode, em nome da ciência, desrespeitar Essa é uma questão que está inter-relacionada à anterior e
o patrimônio alheio e o direito à propriedade musical, que é outro aspecto fundamental na condução da pesquisa.
mesmo quando se trata de uma produção coletiva de uma É preciso deixar claro para qualquer pessoa envolvida
comunidade, um grupo étnico específico etc. na pesquisa, como pesquisado, qual é foco do estudo,
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QUEIROZ, L. R. S. Ética na pesquisa em música... Per Musi, Belo Horizonte, n.27, 2013, p.7-18.
apresentando claramente os objetivos da pesquisa que são, geralmente, utilizados como material de base
será realizada, bem como seus possíveis desdobramentos, e analítica, mas também como ilustrações de textos e/ou
como será sua participação e/ou envolvimento. outros documentos produzidos.
O simples fato de enunciar o objetivo do trabalho não Fontes dessa natureza retratam situações, instru
é suficiente, pois é fundamental a garantia de que os mentos, performances e outros elementos da música
participantes entendam e tenham ciência do que trata e de pessoas fazendo música, e, portanto, para serem
o estudo. Para que o processo seja, de fato, legitimado é produzidos, utilizados e/ou divulgados também
preciso que o pesquisador expresse-se com uma linguagem necessitam de autorização. É recomendável que todo
adequada, de forma que as pessoas dos diferentes contextos pesquisador tenha o respeito e o cuidado devido,
investigados possam compreender o que será realizado solicitando autorização tanto para realizar os registros,
com a sua música, com a sua cultura, com a sua vida. durante a coleta, quanto para utilizá-los em publicações
resultantes do processo investigativo.
4.5 – A aplicação de questionários e a
realização de entrevistas são efetivadas 4.7 – Ao encontrar partituras, gravações e
respeitando as preocupações e os interesses outros documentos musicais “raros”, como o
dos informantes? pesquisador deve proceder?
Como acontece em praticamente todos os campos da Os estudiosos da área de música muitas vezes se deparam
pesquisa em ciências humanas, a utilização de questionários com elementos musicais de diferentes formatos e que,
e entrevistas é bastante recorrente na área de música. por distintas razões, são considerados “raros”: uma
Como esses instrumentos de coleta de dados são bastante partitura antiga, uma gravação histórica, um instrumento
difundidos, é comum encontrar em manuais de metodologia em extinção, um repertório ainda não conhecido, uma
científica orientações de como elaborar questionários, performance inusitada, entre outros. Diante desse fato,
formular questões e conduzir entrevistas. Entretanto, as o que fazer e como agir? Solicitar aos detentores desses
orientações apresentadas, geralmente, visam apenas fornecer patrimônios que os entreguem, quando for o caso, para
diretrizes para a elaboração de perguntas e a aplicação dos uma biblioteca, um acervo musical, um museu etc.; que
instrumentos que possibilitem “extrair” dos informantes os tornem públicos e acessíveis à sociedade, para que
respostas para as questões formuladas, atendendo aos outras pessoas possam conhecê-los, ou é melhor deixá-
objetivos, metodologia e cronograma da pesquisa. los no seu contexto de origem, mesmo tendo acesso
restrito, mas onde estarão culturalmente localizados
No entanto, antes da preocupação com o sucesso do e na posse das pessoas que são realmente os seus
trabalho realizado, é preciso buscar a adequação dos proprietários? Muitas vezes, não compete e não caberá
instrumentos utilizados e da sua forma de aplicação ao pesquisador tomar decisões dessa natureza, já que
ao universo de pesquisa, refletindo se as perguntas quem deve decidir são as pessoas que detêm os saberes
apresentadas e a condução do trabalho não são invasivas e e os produtos musicais. Mas é verdade que a postura
agridem os pesquisados, violando aspectos relacionados ao do pesquisador e seus encaminhamentos podem ter
seu contexto cultural, às suas crenças, ideais e princípios. impacto direto numa tomada de decisão em situações
como as exemplificadas.
O pesquisador precisa ficar atento para fazer perguntas
coerentes, claras e reveladoras do que se almeja estudar, Refletindo sobre a postura do pesquisador, no que concerne
mas, sobretudo, é fundamental, buscar a realização desse a suas relações com a produção musical, seus registros e
processo de forma humana e comprometida com os produtores, CASTAGNA evidencia a importância de uma
interesses de pessoas – os pesquisados – que nos orientam e conduta respeitosa e humana. Assim o autor destaca:
nos ensinam ao longo de todo o processo investigativo. Além
É fundamental uma postura ética e humanística dos pesquisadores
do cuidado na elaboração e na aplicação dos instrumentos, em relação aos acervos musicais, documentais, bibliográficos,
outro aspecto importante a ser considerado na realização das sonoros, iconográficos, organológicos etc., sejam eles públicos,
entrevistas é a obtenção de autorização para a inserção da eclesiásticos ou privados, procurando também retribuir à
“voz” do pesquisado na divulgação do trabalho, explicitando comunidade que os conservou, pelo acesso que teve às fontes
primárias (CASTAGNA, 2008, p.76).
qual o uso que será feito desse material, de que forma será
utilizado, em que formato será apresentado etc.
É fato que a ciência tem como princípio divulgar e
disponibilizar para a sociedade os conhecimentos que
4.6 – A realização de gravações de áudio, vídeo emergem dos trabalhos de pesquisa, e é com essa
e fotografias são devidamente autorizadas? convicção que o pesquisador de música vai a campo.
Além de utilizar documentos visuais, sonoros e Todavia, concordando com as colocações enfatizadas
audiovisuais já publicados, é recorrente na pesquisa por CASTAGNA, fica evidente que, ao agir com base
em música a realização de fotografias, filmagens e nos preceitos e objetivos científicos, não se pode passar
gravações de áudio durante o trabalho de campo. Esses por cima dos direitos e valores das pessoas que detêm
documentos, produzidos pelos próprios pesquisadores, saberes, performances, registros e produtos musicais e
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que, portanto, devem ter voz e poder de decisão sobre apresentação da “verdade” não podem ser desvinculadas
qualquer encaminhamento que envolva suas práticas e/ de suas consequências.
ou produtos.
Nas pesquisas que utilizam o trabalho de campo
4.8 – O pesquisador deve pagar para obter etnográfico, por exemplo, as pessoas contam suas
histórias, abrem gavetas de seus acervos, permitem
informações, documentos, gravações etc.? adentrar as portas de suas salas de aula, possibilitam a
Em diversas situações, no processo de coleta e inserção em suas práticas etc. Como, então, lançar juízo
análise de dados, o pesquisador necessita da ajuda de de valor sobre o que fazem musicalmente? O pesquisador
informantes para a realização da pesquisa, seja nas tem o direito, por exemplo, de, segundo determinadas
entrevistas, no empréstimo de documentos, no acesso diretrizes educacionais, criticar e/ou classificar como
a gravações, no registro de áudio, vídeo, fotografias “boa” ou “ruim” a ação de um professor de música?
etc. Sem dúvida, a participação num processo de Qual o impacto disso para o professor? Mesmo que lhe
pesquisa demanda, para o pesquisado, tempo e algum tenha sido garantido o anonimato, na apresentação
tipo de dedicação. Diante dessas situações é legítimo o dos dados, ele sabia que seria julgado, questionado,
pagamento aos informantes? rotulado? É possível, em nome da ciência, romper com
as relações pessoais estabelecidas ao longo da pesquisa,
Essa é mais uma questão que não pode ser respondida com a confiança depositada no pesquisador e os demais
sem analisar cada caso e cada situação específica de aspectos que lhe garantiram acesso aos fatos? No caso
pesquisa. Certamente comprar informações não é algo de uma obra musical analisada, depois de devidamente
legítimo e que, entendo, não pode ser aceito como ético. autorizado o estudo, pelo compositor ou sua família,
Todavia, alguém receber para dar aulas ao pesquisador de o pesquisador tem o direito de julgar como “fraca” tal
um determinado instrumento pode ser algo devidamente criação? Ele explicou que, entre os objetivos do seu
legitimado no campo da pesquisa. O pagamento de trabalho, visava fazer uma análise valorativa da obra?
músicos para apresentarem uma performance a ser Suas análises não desqualificarão a obra, tanto artística
gravada, também é algo aceitável. No entanto, pagar para quando socialmente? Que impactos isso trará para os
ter acesso privilegiado a documentos e acervos públicos detentores de tal produção?
é indevido. Pagar alguém para que forneça informações
que você precisa durante uma entrevista pode induzir o Certamente tenho posições e condutas que guiam as
entrevistado a dar as respostas que ele entende que o minhas respostas a essas questões. Todavia, não tenho
pesquisador quer ouvir e, portanto, não é algo legítimo a pretensão de, neste trabalho, responder, de forma
na prática de pesquisa. absoluta, nenhuma dessas perguntas, mas acredito que
elas servem para retratar a importância de reflexões
Enfim, essa é uma questão demasiadamente complexa, e dessa natureza para pensarmos condutas éticas na
o que pode ser afirmado, a partir dela, é que o pagamento área de música. Mais uma vez, portanto, fica evidente
a algum serviço e a compra de algum material deve ser que maturidade, conhecimento, bom senso, respeito ao
realizado com fins específicos de custear um trabalho, outro, são atributos fundamentais para a atuação do
uma despesa, uma mão de obra. O que não é aceitável é pesquisador em música e somente a inter-relação desses
qualquer tipo de pagamento que vise dar ao pesquisador diversos elementos fornecerão diretrizes para uma ação
privilégios de acesso, informações sem legitimidade ética de pesquisa na área.
científica, registros de práticas desvinculadas de suas
realidades, dados obtidos de forma indevida etc. 4.10 – O pesquisador se preocupa em dar
retorno aos seus informantes e ao contexto
4.9 – Como realizar análises críticas sem
pesquisado?
expor os informantes, músicos, grupos e/ou
A realização de uma pesquisa gera expectativas tanto
comunidades que abriram as portas para a para o pesquisador quanto para as pessoas pesquisadas.
realização da pesquisa? É, inclusive, habitual que as pessoas investigadas
Outro princípio básico da ciência é que todo projeto solicitem fotos, gravações, comentários e outras formas
de pesquisa tem compromisso com a “verdade” e deve de registro e apresentação relacionados à sua musica. Por
apresentar os dados e informações obtidos a partir das tal razão, da mesma forma que é preciso se preocupar
investigações de forma clara, crítica e reflexiva. Todavia, em apresentar os objetivos do trabalho, antes da sua
no âmbito das ciências humanas essa diretriz precisa realização, é fundamental que a partir da conclusão da
ser pormenorizada. É da índole da ciência que toda pesquisa os resultados sejam disponibilizados para as
produção científica seja submetida à avaliação dos pares, pessoas, grupos e/ou comunidades que permitiram a
e a crítica e o debate em torno dessa produção é algo investigação de suas músicas.
esperado, e até desejado, pela comunidade científica.
Todavia, quando realiza pesquisas em música, o estudioso É possível encontrar, em diferentes áreas, relatos
lida com pessoas, ou com práticas e produtos resultantes sobre pessoas que colaboraram com pesquisas e que
da interação entre pessoas e, nesse caso, a crítica e a demonstraram ressentimento por não terem sido sequer
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informadas da conclusão dos trabalhos. Em cursos a partir da divulgação desses materiais. Assim, as pessoas
de pós-graduação, não são atípicos casos em que os devem ter o direito de autorizar ou não a realização de um
informantes nem são convidados para as defesas de trabalho, fazendo isso de forma consciente, entendendo,
dissertação ou tese, tendo acesso ao trabalho, do qual claramente, que impacto a pesquisa poderá gerar.
faz parte, só algum tempo depois. Há, ainda, casos em
que pessoas colaboram com pesquisas e jamais têm 4.12 – Quando os resultados da pesquisa
qualquer tipo de retorno em relação às informações,
gravações e registros diversos realizados.
geram produtos (livro, CD, DVD, entre outros)
e algum tipo de lucro, os recursos obtidos
Portanto, na pesquisa em música, esse é mais um são compartilhados com os detentores dos
princípio ético importante, que deve ser considerado direitos sobre as músicas?
no processo de planejamento e realização do trabalho.
Trabalhos de pesquisa em música podem resultar
O pesquisador precisa prever mecanismos e alternativas
em produtos de cunho comercial, mesmo com
para que os registros realizados (fotografias, filmagens,
uma circulação limitada, podendo também, por
gravações de áudio, etc.) e os produtos gerados a partir
consequência, gerar algum tipo de lucro. Assim, é
do trabalho (dissertação, tese, CDs, DVDs etc.) sejam
comum se encontrar livros, DVDs, CDs, partituras,
disponibilizados, de forma transparente e respeitosa, para
entre outros materiais musicais, estruturados com
os sujeitos envolvidos na pesquisa, atendendo, assim, de
base em conhecimentos obtidos a partir de pesquisa
alguma forma, às suas expectativas e contribuindo, de
discográfica, documental, etnográfica etc.
acordo com as possibilidades de cada trabalho, com os
indivíduos e a comunidade envolvida.
Com efeito, as pessoas que possibilitaram o acesso ao
conhecimento e que são, de alguma forma, parceiras
4.11 – Ao fazer a divulgação da pesquisa, a na produção de determinado material resultante de
produção musical investigada e o direito à pesquisa, devem, naturalmente, ter direito à parcela do
propriedade cultural imaterial não ficarão lucro obtido com produtos que retratam e baseiam-se em
demasiadamente expostas? Quais as seus saberes. O pesquisador organiza, sistematiza, grava,
consequências disso para a comunidade? publica, divulga, mas faz isso a partir de conhecimentos
musicais que lhe são repassados.
Questões já apresentadas anteriormente destacaram a
importância do respeito à propriedade musical das pessoas, Essa diretriz não é prevista em qualquer lei de direitos
enfatizando a necessidade de que sejam solicitadas autorais, já que não se caracteriza como apropriação
autorização para o uso de músicas, imagens, falas etc. No indevida, pelo autor da obra, de uma melodia, uma letra,
entanto, o pesquisador precisa se preocupar, também, com um texto etc. com sendo seus. O fato é que somente
o uso desse material para além do seu próprio trabalho, mencionar os nomes de que detém aquele saber ou produto
entendendo que pessoas sem qualquer compromisso não é retorno suficiente, se o que foi gerado a partir do
firmado com o contexto investigado terão acesso a essas trabalho possibilita lucros comerciais. Assim, compartilhar
fontes e, assim, poderão fazer qualquer tipo de uso delas. ganhos e benefícios obtidos a partir da elaboração de
produtos resultantes de pesquisa é uma premissa e uma
Revisitando, mais uma vez, a ideia de que a realização
conduta que deve fazer parte de uma postura ética
de um trabalho não pode ser separada de suas
dos pesquisadores da área de música. Postura essa que
consequências, é necessário que pesquisadores reflitam
transcende qualquer norma e diretriz legal, estando de
sobre a exposição que farão do material musical alheio,
fato relacionada à sensibilidade de perceber e respeitar as
mesmo estando ela autorizada, e de que maneira tal
relações humanas, culturais e musicais estabelecidas ao
exposição poderá ser maléfica e/ou benéfica para seus
longo de um trabalho de pesquisa.
autores/detentores e/ou seu contexto.
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Com efeito, o que compete, fundamentalmente, aos receituário para a conduta cotidiana dos indivíduos, nem
estudiosos é uma postura ética, no sentido de dar voz aos servir de desculpa para justificar seu agir mediante motivos
verdadeiros detentores das práticas, saberes e produtos puramente externos. A justa medida requerida pela
musicais que investigam. Assim, a condução de qualquer ética não é extraída por intermédio de fórmula alguma;
trabalho de pesquisa no campo da música, como em ela é medida qualitativamente, e isso exige cautela,
qualquer área que lida com estudo dos humanos e suas conhecimento, capacidade crítica, bom senso, respeito
expressões culturais, deve ser realizada com bom senso, ao próximo, às produções musicais e aos músicos e, de
sensibilidade e respeito ao fenômeno musical, material maneira geral, respeito à vida humana. Ao se engajar no
ou imaterial, estudado. trabalho de pesquisa, o investigador deve estar consciente
das implicações diversas que seu trabalho traz para o
As discussões realizadas neste texto evidenciam a fenômeno estudado. Nessa perspectiva, deve conduzir
dificuldade para se definir códigos de ética, para a área sua inserção no campo e suas relações com os sujeitos e/
de música e afins, com normas objetivas, como muitas ou produtos pesquisados de forma respeitosa, prevendo
vezes se faz para as ciências médicas. Tal aspecto aponta, consequências, problemas, limites e possibilidades para a
mais uma vez, para a importância de fomentarmos, de realização de seu trabalho.
forma substancial, esse debate na área de música, tendo
em vista que, de fato, são os pesquisadores que deverão Por fim, a análise das doze questões apresentadas
assumir condutas éticas para suas investigações na área. evidencia que, para o pesquisador da área de música,
Condutas que se adéquem às perspectivas gerais das e talvez para o pesquisador de qualquer campo de
ciências na contemporaneidade, mas que, acima de tudo, conhecimento, não é suficiente considerar e seguir
sejam coerentes com a complexidade e a singularidade critérios de cientificidade, estabelecidos em linhas
que marcam os estudos musicais. gerais. Claro que a ciência tem diretrizes, princípios,
valores e condutas que legitimam os seus campos de
O que se reforça com essa afirmação é que a ética não saberes, entre eles a música. Mas para a investigação
será conquistada a partir de um conjunto de normas de fenômenos musicais tais parâmetros devem ser
absolutas que determinem as nossas formas de agir como confrontados com as realidades estudadas e, muitas
pesquisadores. Nesse sentido, uma conduta ética só vezes, questionados, se não atenderem, além de
ocorrerá se os indivíduos encontrarem saídas plausíveis, critérios científicos, aspectos relacionados ao respeito,
racionais e humanas para suas ações, relações e posturas. diálogo e interação pessoal que marcam a atuação ética
do pesquisador em música, ao lidar com expressões
A ética filosófica (formal e universalista) não pode, culturais e, portanto, com importantes patrimônios
paternalisticamente, dizer o que o indivíduo deve fazer, relacionados à vida social, espiritual, material e
prescrevendo ações; ela não pode se constituir em um imaterial dos indivíduos.
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Notas
1 Social scientists are angry and frustrated. They believe their work is being constrained and distorted by regulator of ethical practice who do
not necessary understand social science research […] researchers have argued that regulator are acting on the basis on biomedically driven
arrangements that make little or no sense to social scientists.
2 […] relationships between works of musical scholarship and the cultural networks in which they participate.
3 “The crisis of musical research is ultimately an ethical crisis […]”
4 Guidelines for Ethical Conduct.
5 <www.apa.org/ethics/code2002.html>. Acesso em: 08 maio 2011.
Luis Ricardo Silva Queiroz é Doutor em Música (área de Etnomusicologia) pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Mestre em Educação Musical pelo Conservatório Brasileiro de Música (CBM) do Rio de Janeiro e Graduado
em Educação Artística, Habilitação em Música, pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).
Professor Adjunto do Departamento de Educação Musical e do Programa de Pós-Graduação em Música (PPGM) da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Nessa Universidade foi Coordenador do Curso de Licenciatura em Música
(2005-2009), Chefe do Departamento de Educação Musical (2004-2005) e, atualmente, é coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Música. Foi professor adjunto da UNIMONTES, de 1998 a 2004, e do Conservatório Estadual
de Música Lorenzo Fernandez, de Montes Claros-MG, de 1995 a 2002. É violonista atuante como solista em várias
cidades brasileira e autor de diversos artigos nas áreas de música, publicados em livros, periódicos especializados e
anais de congressos nacionais e internacionais.
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