Livro O Rio Que Nos Une

Dárlison Fernandes Carvalho de Andrade
Jackeline Nóbrega Spínola

(Organizadores)
O rio que nos une: Uso & Gestão na

Floresta Nacional do Tapajós e Reserva
Extrativista Tapajós-Arapiuns
ICMBio
2022
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Arte de Capa: Artista Liz Reale
Revisores científicos: Alberto Conceição Figueira da Silva, Antônio José Mota Bentes,
Cleiton Adriano Signor, Dárlison Fernandes Carvalho de Andrade,
Everton Cristo de Almeida, Jackeline Nóbrega Spinola, Luana Lazzeri Arantes,
Luciana Carvalho, Luís Alípio Gomes, Karla Mayara Almada Gomes, Márcio Benassuly,
Marcelo Moraes de Andrade, Maria Jociléia Soares da Silvia, Michelle Fugimura,
Thiago Vieira, Viviane Daufemback, Zilda Joaquina Cohen G. dos Santos
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
O Rio que nos une [livro eletrônico] : uso &

gestão na Floresta Nacional do Tapajós e
Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns /
Dárlison Fernandes Carvalho de Andrade, Jackeline
Nóbrega Spínola, (organizadores). --
Brasília, DF : Instituto Chico Mendes - ICMBio,
2022.
PDF
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-5693-044-2
1. Comunidades - Desenvolvimento
2. Desenvolvimento sustentável 3. Floresta Nacional
do Tapajós (PA) 4. Florestas - Administração
5. Qualidade de vida 6. Recursos naturais -
Amazônia - Conservação 7. Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns (PA) 8. Sustentabilidade ambiental
9. Sustentabilidade econômica 10. Territorialidade
I. Andrade, Dárlison Fernandes Carvalho de.
II. Spínola, Jackeline Nóbrega.
22-117200 CDD-634.90981
Índice para catálogo sistemático:
1. Florestas : Manejo sustentável : Comunidades :
Desenvolvimento socioambiental : Ciência
florestal 634.90981
Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro
Ministério do Meio Ambiente

Joaquim Leite
Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Marcos de Castro Simanovic
Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade

Marcos Aurélio Venâncio
Coordenação Geral de Pesquisa e Monitoramento da Biodiversidade

Keila Rêgo Mendes
Floresta Nacional do Tapajós

José Risonei Assis da Silva
Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns

REALIZAÇÃO
FINANCIAMENTO
PARCEIROS
UFOPA INPA EMBRAPA RAS SFB
FEDERAÇÃO DA
TAPAJOARA ARPA
FLONA DO TAPAJOS
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos que se dedicaram e atuam na proteção da Floresta Nacio-
nal do Tapajós e da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, seja diretamente nas ati-
vidades de gestão dessas Unidades de Conservação, seja no fomento e realização de
atividades científicas e didáticas, seja na promoção do uso sustentável dos recursos
naturais, seja na participação nos colegiados consultivo e deliberativo e, também, no
dia a dia e na convi-vência harmoniosa entre os moradores tradicionais e os recursos
naturais das áreas protegidas. São as pessoas que fazem estas Unidades de Conservação
serem referências em uso sustentável e gestão do território.
Engenheiro Florestal, Mestre em Ciências Florestais

pela Universidade Federal Rural da Amazônia e Doutor
em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do
Oeste do Pará - UFOPA. Analista Ambiental do Insti-
tuto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
- ICMBio, trabalhou na Floresta Nacional do Tapajós,
entre 2009 e 2020, coordenando ações de pesquisa cien-
tífica e manejo comunitário de recursos naturais. Na
carreira científica, tem experiência com o monitora-
mento de áreas atingidas por distúrbios antrópicos
(extração seletiva de madeira e fogo) e com pesquisas voltadas ao manejo comunitário de
florestas nativas na Amazônia. Desde dezembro de 2020, desempenha a função de Coor-
denador de Monitoramento da Biodiversidade, com a responsabilidade de coordenar o
Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade - Programa Monitora.
Amazonense, Engenheira Florestal, Mestre em Ges-

tão de Áreas Protegidas, pelo Instituto Nacional de
Pesquisas na Amazônia-INPA. Analista Ambiental
do Instituto Chico Mendes de Conservação da Bio-
diversidade-ICMBio, trabalhou durante 5 anos no
sul do Amazonas na gestão da Floresta Nacional
Balata-Tufari e está há 10 anos na gestão da Reserva
Extrativista Tapajós-Arapiuns, no oeste do Pará.
Possui experiência em processos de gestão territo-
rial, pesquisa e monitoramento, fiscalização ambien-
tal, gestão participativa socioambiental e implementação de políticas públicas e
cadeias produtivas.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO�� 15
Jackeline Nóbrega Spinola
PREFÁCIO�� 17
João Ricardo Vasconcellos Gama
PARTE 1
CARACTERIZAÇÃO E GESTÃO DO TERRITÓRIO
SEÇÃO 1
CONTEXTO HISTÓRICO-REGIONAL DO
TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS UNE
CAPÍTULO I
HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA FLORESTA
NACIONALDO TAPAJÓS E DA RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-
ARAPIUNS�� 21
Maria Jociléia Soares da Silva
Bruno Delano Chaves do Nascimento
Luiz Felipe Rêgo Magalhães
CAPÍTULO II
INSTITUIÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS ATUANTES NO BAIXO
TAPAJÓS E S UAS RELAÇÕES COM O TERRITÓRIO DO RIO QUE
NOS UNE�� 33
Alcilene Magalhaes Cardoso
Rubens Elias da Silva
Jean Matheus Souto de Miranda
Glez Rodrigues Freitas Bentes
Fabio Pena
Valeria Maria Bentes Ferreira
Maria da Luz Farias
CAPÍTULO III
MOVIMENTO INDÍGENA NO BAIXO TAPAJÓS: luta por autonomia e
respeito�� 49
Bruna Vaz
Judith Costa Vieira
Luanna Cardoso Oliveira
Raimundo Abimael Ferreira dos Santos
Rosimary de Souza Cruz
PARTE 1
CARACTERIZAÇÃO E GESTÃO DO TERRITÓRIO
SEÇÃO 2
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E GOVERNANÇA NO
CAPÍTULO IV
OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DA FLORESTA NACIONAL DO
TAPAJÓS E
DA RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS�� 65
CAPÍTULO V
O PAPEL DOS ARRANJOS INSTITUCIONAIS LOCAIS NA
GOVERNANÇA DA FLORESTA N ACIONAL DO TAPAJÓS E NA
RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS�� 79
Marcelo Moraes de Andrade
Zilda Joaquina Cohen Gama dos Santos
CAPÍTULO VI
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DAS UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO: o papel dos conselhos gestores na Flona do Tapajós e
na Resex Tapajós-Arapiuns�� 93
Danielle Wagner Silva
Biane Silva Pontes
Thiago Almeida Vieira
CAPÍTULO VII
O ASSOCIATIVISMO E COOPERATIVISMO NO MANEJO DE
RECURSOS E SERVIÇOS NO TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS UNE�� 107
Antônio José Mota Bentes
Caetano Scannavino
Maria da Luz Farias
CAPÍTULO VIII
ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS
UNE�� 123
Jackeline Nóbrega-Spinola
Mauricio Mazzotti Santamaria
Jose Risonei Silva
Rubens François
PARTE 2
PRÁTICAS DE USO E SOCIOECONOMIA NO TERRITÓRIO
SEÇÃO 3
SABERES E PRÁTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL
CAPÍTULO IX
MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO NA FLORESTA NACIONAL DO
TAPAJÓS�� 147
Carlos Richelle Braga
José Risonei Assis Silva
Ângelo Ricardo Sousa Chaves
Luciana Karla Valéria dos Santos Sousa
Karla Mayara Gomes
CAPÍTULO X
MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO NA RESERVA EXTRATIVISTA
TAPAJÓS-ARAPIUNS�� 159
Maurício Mazzotti Santamaria
CAPÍTULO XI
AGROEXTRATIVISMO NAS COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO BAIXO
TAPAJÓS�� 171
Everton Cristo de Almeida
Alcilene Magalhães Cardoso
Karla Mayara Almada Gomes
Andrea Araújo da Silva
Danielly Caroline Mileo Gonçalves
Dinael dos Anjos
Arimar Feitosa
CAPÍTULO XII
TURISMO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: contexto histórico e
regional sobre a Floresta Nacional do Tapajós e a Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns�� 193
Cleiton Adriano Signor
Sandra Maria Sousa da Silva
CAPÍTULO XIII
MANEJO DOS RECURSOS PESQUEIROS PELOS RIBEIRINHOS D O
BAIXO TAPAJÓS (PESCA ARTESANAL E PISCICULTURA)�� 205
Tony Marcos Porto Braga
Josele Trindade da Silva
George Henrique Rebêlo
Luciano Jensen
Michelle Midori Sena Fugimura
PARTE 2
PRÁTICAS DE USO E SOCIOECONOMIA NO TERRITÓRIO
SEÇÃO 4
O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS: conflitos, qualidade de vida
e a relevância das comunidades do território do rio que nos une
CAPÍTULO XIV
CONCEITOS SOBRE QUALIDADE DE VIDA: o que aprendemos com
unidades de conservação às margens do rio tapajós?�� 219
Anne Gabriella Salgado dos Santos Mota
Cleide da Silva Basgal
Iani Dias Lauer Leite
Everton Cristo Almeida
Helionora da Silva Alves
Ana Carolina Vitorio Arantes
Ellen Priscila Farias de Freitas
Jurandy Batista Dantas
CAPÍTULO XV
COSMOLOGIA, CONHECIMENTOS E OS SABERES TRADICIONAIS
DAS COMUNIDADES E ALDEIAS NA Flona do Tapajós E RESEX
TAPAJÓS-ARAPIUNS�� 237
Florêncio Almeida Vaz-Filho
Auricelia dos Anjos
Sebastião Diego Cardoso dos Santos
Veraneize dos Anjos
CAPÍTULO XVI
AMEAÇAS À QUALIDADE DE VIDA NO TERRITÓRIO DO RIO QUE
NOS UNE�� 253
Márcio Júnior Benassuly Barros
Jackson Rêgo Matos
FINALIZANDO UMA OBRA EM CONSTRUÇÃO�� 265

ÍNDICE REMISSIVO�� 267
SOBRE OS AUTORES�� 271

APRESENTAÇÃO
A gestão territorial das Unidades de Conservação Brasileiras tem passado, ao
longo dos últimos anos, por diversos desafios e transformações. Entre estes, destaca-
mos a quebra do paradigma de que as Unidades de Conservação (UCs) são ilhas de
“conservação e preservação”, “redomas” que devem ser protegidas e intocadas e que
aos humanos que as cercam cabe apenas a sua contemplação.
Essa visão que permeou os primórdios da gestão das Unidades de Conservação
no Brasil trazia em suas premissas, apenas o olhar dos limites da área protegida para o
seu próprio interior, ou seja, um olhar para o seu próprio “umbigo”! Mudar essa pers-
pectiva, principalmente, entre profissionais da área ambiental, é uma tarefa complexa
e árdua, pois envolve outras áreas de conhecimento que estes profissionais por vezes
não dominam e/ou não dialogam, como as ciências humanas, sociais e econômicas.
Este livro também nasceu de uma mudança de perspectiva, uma mudança de
olhar. Nasceu em 2016, a partir de um projeto que trazia em seu escopo olhar a gestão
da Floresta Nacional do Tapajós e da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns pela sua
principal limitação geográfica, o Rio Tapajós, que até então era considerado pelos
gestores o principal elemento que separava as duas UCs.
Olhar para o Rio Tapajos, como o “Rio que nos Une” é justamente o resultado,
dessa mudança de perspectiva de gestão territorial da Floresta Nacional do Tapajós e
da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, como um território único, com diferenças
e similaridades, dinâmicas e movimentos sociais de luta, resistência, manutenção de
saberes e tradicionalidades no Baixo Tapajós.
São 16 capítulos, divididos em 4 seções que trazem informações atualizadas, sobre
o contexto histórico-regional, a organização política e governança para a gestão terri-
torial, os saberes e práticas para o desenvolvimento socioambiental e, por fim, pontos
fundamentais, que muitas vezes passam desapercebidos aos olhos, como qualidade de
vida, conflitos e a relevância das comunidades para o território.
Um dos principais diferenciais deste livro, é também o seu conjunto de autores,
reuni-los também foi tarefa complexa, que a pandemia permitiu, em virtude dos even-
tos adiados, do excesso de tempo em casa, e das relações de amizade e sentimento de
pertencimento ao local. Foi escrito por moradores locais, professores, pesquisadores
e gestores com vasto conhecimento e experiência no território. A nós editores, foi
uma honra organizá-lo e trazer a sociedade tão rico conhecimento produzido por
especialistas.
Este livro traz em sua essência o olhar humano e social sob o modo de vida das
pessoas que tem suas vidas totalmente vinculadas ao “Rio que nos Une”.
Jackeline Nóbrega Spinola1

Dárlison Fernandes Carvalho de Andrade2
1 Analista Ambiental da Reserva Extravista Tapajós-Arapiuns.

2 Analista Ambiental da Floresta Nacional do Tapajós.
PREFÁCIO
O RIO QUE NOS UNE: uso & gestão na Floresta Nacional (Flona) do Tapajós
e Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns é uma obra inédita, interdisciplinar,
que reflete uma unidade com início, meio e fim. O livro concatena informações
valiosas de importantes Unidades de Conservação (UCs), do oeste Paraense, que são
vizinhas e interligadas pelo majestoso rio Tapajós, o rio que nos une. Vou apresentar a
publicação como uma unidade, fundindo os capítulos, fazendo uma leitura transversal,
trazendo a prévia das emoções que vocês irão experimentar, ao mergulharem nesse
rio de informações, vocês vão se encantar.
O livro abrange descrição, gestão, uso e socioeconômia da Flona do Tapajós e
da Resex Tapajós-Arapiuns. A Flona foi criada em 1974 na época do “integrar para
não entregar” possuí 4.000 moradores e 24 comunidades. A Resex, criada em 1998,
para garantia do território das comunidades, é a mais populosa do país, possui 23 mil
habitantes e 78 comunidades.
A gestão nas duas UCs é compartilhada, realizada pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pelos respectivos Conselho Consultivo e
Conselho Deliberativo, com base nas diretrizes de seus Planos de Manejo. Considerando
que são áreas de grande importância cultural, social, ambiental e econômica, várias
instituições governamentais e não governamentais atuam conjuntamente no território
com as organizações comunitárias. Foram realizados diversos arranjos institucionais,
utilizados como mecanismos de mediação social, fundamentais para a gestão compar-
tilhada, e assim garantir a preservação e conservação dos recursos naturais.
As articulações interinstitucionais são muito importantes, porque viabilizam às
associações comunitárias o acesso aos programas e projetos, que disponibilizam recurso
para as demandas locais. Já ocorreram várias experiências de sucesso no território do
rio que nos une, com destaque para o protagonismo das mulheres.
O associativismo e o cooperativismo, nas duas UCs, começaram pela necessi-
dade de defesa do território e melhoria da qualidade de vida dos comunitários. Esses
processos organizacionais são descritos e comentados por moradores, que também
relatam suas percepções em relação ao uso dos recursos florestais, principalmente o
manejo florestal comunitário, e serviços oferecidos no território.
A atuação do poder público no território do rio que nos une ocorre por meio
do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que é res-
ponsável pela gestão das UCs, a Fundação Nacional do Índio (Funai) que executa a
política indigenista junto às etnias, e o Sistema Único de Saúde (SUS) que disponibi-
liza serviços de atenção básica com apoio do Exército Brasileiro, Marinha do Brasil,
Secretarias Municipais de Saúde e da Universidade Federal do Oeste do Pará. Com
relação a educação, além das escolas, os ministérios da Educação (MEC) e do Meio
Ambiente (MMA), implementaram o PRONATEC-Bolsa Verde que promove cursos
de capacitação.
O manejo florestal comunitário é praticado na Flona e na Resex por meio de
cooperativas. É o instrumento de legalização e gestão da floresta, que garante sua
PREFÁCIO
18
conservação. O extrativismo de produtos florestais não madeireiros (PFNMs) e a

produção agrícola nas duas UCs, são sistemas de produção que contribuem com a
segurança alimentar (p.e açaí, uxi e farinha) e geração de renda (andiroba, copaíba,
cupuaçu e artesanato), a fruticultura chama atenção por ser a principal atividade
agrícola na Flona e na Resex. Ao se agregar a pesca, a caça e o Turismo de Base
Comunitária (TBC), verifica-se que a diversificação produtiva é muito alta, mas que
necessita de apoio técnico para a sua continuidade.
A pesca artesanal é uma prática centenária utilizada para alimentação e renda, a
piscicultura ainda é pouco utilizada, devido requerer alto investimento de capital. A
caça é praticada apenas para alimentação das famílias. Já o Turismo de Base Comu-
nitária (TBC) é uma atividade lucrativa no território do rio que nos une, nas duas UCs
é operacionalizado pelas associações comunitárias, na Resex a Cooperativa Turiarte
também oferece um pacote turístico. O TBC é uma atividade âncora para outras fontes
de renda, como por exemplo o artesanato. Entretanto necessita de aperfeiçoamento
da organização social e capacitação contínua dos comunitários.
A integração socio-bio-econômica dos moradores, da Flona e Resex, com a
natureza reflete em sua qualidade de vida e bem estar. Os moradores estão satisfeitos
com a vida que levam, gostam de interagir com o rio e com a floresta, mantendo suas
tradições e o respeito aos seres não humanos. Entretanto, comunidades que estão
fora de UCs sofrem pressão de ocupações capitalizadas, que promovem alteração no
ecossistema e no modo de vida das populações da bacia do rio Tapajós.
Espero ter despertado a curiosidade de vocês, para lerem o livro! Procurei fazer
uma análise objetiva dos capítulos, que foram escritos de maneira detalhada e brilhante,
por professores, pesquisadores, consultores, estudantes e moradores da Flona e da
Resex que possuem vivência e/ou vários anos de experiência no território do rio que
nos une.
João Ricardo Vasconcellos Gama3
3 Professor da Ufopa.
PARTE 1
CARACTERIZAÇÃO E GESTÃO
DO TERRITÓRIO
SEÇÃO 1
CONTEXTO HISTÓRICO-REGIONAL DO
CAPÍTULO I
HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E
IMPLEMENTAÇÃO DA FLORESTA
NACIONAL DO TAPAJÓS E DA RESERVA
EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS
Introdução
Caros leitores (as), nesse capítulo iremos apresentar, brevemente, a história de criação
e implementação da Floresta Nacional (Flona) do Tapajós e Reserva Extrativista (Resex)
Tapajós-Arapiuns. Mas antes, viajaremos no tempo para enriquecer o nosso entendimento
sobre o histórico de ocupação do território antes da criação das Unidades de Conservação
(UC). Além disso, vamos conhecer os instrumentos jurídicos publicados, a partir da década
de 80, pelo governo brasileiro que garantiram a criação desses espaços legalmente protegidos
e resguardaram os direitos das comunidades sobre os espaços tradicionalmente ocupados.
Ao final desse trajeto, viaje pela linha do tempo e conheça a história conjunta
da Flona do Tapajós e Resex Tapajós-Arapiuns, com os principais marcos da imple-
mentação dessas áreas desde a criação até os dias atuais. A elaboração desse histórico
foi realizada com base em diversas literaturas listadas no final do capítulo.
Histórico de ocupação do território antes da criação das

Unidades de Conservação
A atual região do baixo Amazonas era ocupada por diversas tribos indígenas, den-
tre elas as do Tapajós e dos Mundurucus. Em 1542, durante a expedição de Francisco
de Orelhana registrou-se que a população indígena ocupava grandes áreas da foz e do
médio Tapajós. Os portugueses assumiram o controle da região em 1616, e inicialmente
se concentraram em exportar produtos da floresta conhecidos como “drogas do sertão”
(cravo, cacau, salsaparrilha, óleos etc), utilizando para isto trabalho escravo indígena.
As comunidades ribeirinhas atuais se formaram a partir das vilas oriundas de
antigas aldeias indígenas, das missões jesuítas (a partir de 1653) e de agrupamentos for-
mados no período da cabanagem (1835-1840). Mais tarde, em 1852, o naturalista Henry
Bates registrou em seu diário de bordo a ilha do Capitari, Aveiro, a aldeia missionária
HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA FLORESTA NACIONAL
DO TAPAJÓS E DA RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS
22
de Santa Cruz que abrigava mundurucus catequizados, indígenas mundurucus na

cabeceira do rio Cupari e as localidades, atualmente conhecidas como comunidades
de Piquiatuba, Boim, Itapaiuna, Itapuama, Pinhel, Pini, Marai, Jaguarari e Acaratinga.
A partir de 1850 ocorreu o aumento da demanda por borracha produzida do
látex da seringueira, oriunda da espécie Hevea brasilienses L., para abastecer as indústrias
de pneus, até seu declínio, com a produção de borracha na Ásia. Durante décadas, a
região foi fornecedora de diversos produtos extrativistas, como castanha e borracha, e
até 1960 navios vindos de Belém, a capital do estado do Pará, aportavam na Ponta do
Inajatuba (comunidade do Surucuá), Ponta do Pau da Letra (comunidade do Boim) e
São Luis no Alto Tapajós para embarque da produção e desembarque de mercadorias.
A região oeste do Pará, onde estão localizadas a Flona do Tapajós e Resex Tapa-
jós-Arapiuns, foi alvo de projeto de integração de desenvolvimento da Amazônia na
década de 70, durante o governo militar, e mais recente nos anos 2000, através do Plano
BR 163 Sustentável que foi a primeira experiência apoiada nas bases do Plano Amazônia
Sustentável (PAS) que buscava um novo modelo de desenvolvimento da Amazônia.
Na década de 70, o governo militar liderou uma série de estudos na região visando
a elaboração de políticas de ocupação e desenvolvimento da Amazônia. Em 16 de junho
de 1970 lançou o Projeto de Integração Nacional-PIN e destinou recursos financeiros
para a abertura das rodovias BR 163 (Santarém-Cuiabá) e 230 (Transamazônica), bem
como aportou investimento em projetos de desenvolvimento agrícola para a região, sob
o lema “integrar para não entregar”.
O projeto Radam, executado entre os anos de 1970 e 1985, foi responsável pelo
mapeamento e levantamento de recursos naturais da Amazônia. O projeto indicou que o
pau rosa (Aniba rosaeodora Ducke) ocorria em diferentes regiões. A espécie foi explorada, de
forma predatória, para a comercialização de linalol na indústria de perfumaria. Na década de
50, antes a criação da Flona do Tapajós, ocorreu a abertura de estradas na UC para a explo-
ração da referida espécie que, atualmente, encontra-se na lista da flora ameaçada de extinção.
Contexto para a criação das Unidades de Conservação

Como um dos resultados do avanço da ocupação e da conversão de florestas em
pastagens ou monoculturas na Amazônia como um todo, o movimento ambientalista
brasileiro, iniciado ainda sob a presença do governo militar, estimulou e promoveu a
discussão para criação de uma política ambiental que favorecesse a criação de áreas
protegidas. Diante deste quadro, entre as décadas de 80 e anos 2000, o governo criou
uma série de políticas públicas e instrumentos jurídicos que influenciaram a dinâmica
de ocupação e uso da região que envolve a Flona do Tapajós e Resex Tapajós-Arapiuns.
Dentre os projetos criados pelo governo destaca-se o Projeto de Apoio ao
Manejo Florestal Sustentável na Amazônia (Promanejo), vinculado ao Programa Piloto
para a Proteção das Florestas Tropicais (PPG7), lançado em 1999. Abaixo seguem
apresentados os instrumentos jurídicos que garantiram a criação de UCs e resguarda-
ram os direitos das comunidades sobre os espaços tradicionalmente ocupados.
A criação da Flona do Tapajós e Resex Tapajós Arapiuns fez parte do pacote de
políticas públicas do governo brasileiro, sendo que a Flona foi criada em 1974 na época
O RIO QUE NOS UNE
23
em que o governo visava promover o desenvolvimento da região Amazônica e a Resex

em 1998 com intuito de garantir e assegurar os espaços tradicionalmente ocupados pelas
comunidades que habitavam a região.
A partir dos anos 80 e 90, o governo brasileiro publicou uma série de instru-
mentos jurídicos que regulamentaram e ordenaram a criação dessas e outras áreas
protegidas, dentre eles, destaca-se a Política Nacional de Meio Ambiente, promulgada
em 1981, que considera a criação de espaços territoriais, especialmente protegidos
pelo Poder Público Federal, estadual e municipal como um dos seus instrumentos de
aplicação (Inciso VI do Artigo 9º da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981).
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, diz que cabe ao poder público
e a coletividade, ou seja, a todos, o dever de defender e preservar o meio ambiente
para as presentes e futuras gerações. Além disso, a constituição passou a atender os
anseios dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada, além de respeitar o
conhecimento espacial das comunidades e garantir aos povos e comunidades tradi-
cionais o acesso a territórios tradicionalmente ocupados.
A Convenção sobre povos indígenas e tribais, adotada na 76ª Conferência da
Organização Internacional do Trabalho – OIT em l989, garantiu a consulta prévia
e o direto desses povos de definir as suas próprias prioridades. Além disso, o Brasil
aderiu a Convenção nº 169 da OIT em julho de 2002 e, desde então, passou a ratificar
as normas previstas nesse instrumento.
Na década de 90, após anos de luta que culminou com a morte do Chico Mendes,
em 1988, e mediante a pressão do movimento dos seringueiros, o Brasil criou as primeiras
reservas extrativistas, dentre elas a famosa Resex Chico Mendes, através do Decreto nº
99.144 de 12 de março de 1990. Em janeiro do mesmo ano, o Decreto nº 98.897 definiu
as Reservas Extrativistas como espaços territoriais destinados à exploração autossusten-
tável e conservação dos recursos naturais renováveis por população extrativista.
O supracitado decreto atendeu os anseios dos seringueiros e demais extrativistas
que lutaram pela permanência nas áreas que estavam sendo ocupadas por pecuaristas na
Amazônia. Além disso, garantiu o direito real de uso, através do Contrato de Concessão
Real de Uso, previsto no artigo 7 do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967,
alterado pela Lei 11.481/2007 que garantiu o direito pleno de uso de seus territórios
pelas comunidades tradicionais.
O regulamento das Florestas Nacionais (Decreto nº 1.298 de 27 de outubro de 1994)
também garantiu a permanência das famílias que já residiam no interior dessas Unidades.
Em 2000, através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SNUC), o governo brasileiro ratificou a criação de espaços protegidos e considerou a
presença das populações tradicionais nas UCs de Uso Sustentável. Além disso, definiu como
um dos objetivos do SNUC a proteção dos recursos naturais necessários à subsistência de
populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e pro-
movendo-as social e economicamente (Artigo 4º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000).
Em 2004, por pressão dos movimentos sociais, o governo federal decretou a criação
da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais com objetivo
de implementar uma política nacional especialmente dirigida para tais comunidades, que
foi instituída em fevereiro de 2007, através do Decreto 6.040, que criou a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
24
Este decreto definiu povos e comunidades tradicionais como “grupos cultural-

mente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias
de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como con-
dição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
Os territórios da Flona e Resex somente podem ser entendidos através do
conhecimento do histórico da área e da luta das comunidades locais que motivaram
a criação de políticas públicas necessárias para garantia da permanência no território
e desenvolvimento socioeconômico da região. A seguir, apresentaremos o histórico
de criação e implementação das duas UCs.
A criação e implementação da Flona do Tapajós

A Flona do Tapajós possui uma área de cerca de 530 mil hectares e foi criada em
1974 (Decreto nº 73.684 de 19/02), após inventário realizado pelo Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF) que identificou a área com grande potencial florestal
e com localização estratégica que facilitaria o escoamento da produção via fluvial (Rio
Tapajós) e terrestre (rodovia BR163).
Entre os anos de 1974 a 1989, a gestão da Flona era de responsabilidade do Ins-
tituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) e a partir do dia 22 de fevereiro
de 1989 passou para administração do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). A partir de 2007, a gestão da UC passou a
ser de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio).
A Flona do Tapajós abriga atualmente (2021) mais de mil famílias e cerca de 4 mil mora-
dores que residem nas 24 comunidades, nas três aldeias indígenas e em localidades ao longo
da rodovia BR 163 (lotes do Incra). Ao longo desses mais de 45 anos ocorreram diversas
intervenções do governo e as comunidades se organizaram formalmente para participarem
da gestão da UC e buscarem melhorias na qualidade de vida das famílias que nela residem.
Desde a criação da UC até 1994, as comunidades viviam na incerteza se perma-
neceriam ou não na Flona e somente após a publicação do regulamento das Florestas
Nacionais (Decreto nº 1.298 de 27 de outubro de 1994) foi possível garantir a per-
manência das famílias nessas Unidades.
Em outubro de 2010, o ICMBio repassou a Federação das Organizações e Comuni-
dades Tradicionais da Flona do Tapajós (Federação) por meio de Contrato de Concessão
de Direito Real de Uso (CCDRU) áreas localizadas na zona populacional (58.140 há),
que envolve áreas das comunidades e aldeias, e de manejo florestal (18.785 há) situada
nas margens da rodovia BR 163. A Federação representa politicamente e juridicamente
as comunidades da UC.
Na Flona do Tapajós foram implantados diversos projetos de pesquisas de curto, médio
e longo prazo que a tornaram uma das UCs mais pesquisadas da Amazônia. A Embrapa
iniciou suas pesquisas em 1975. O Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera
na Amazônia (LBA), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA),
e o projeto Seca Floresta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) inicia-
ram em 1999. Além das já citadas instituições, outros grupos de pesquisa e instituições, do
O RIO QUE NOS UNE
25
Brasil e do exterior, realizam suas atividades na UC. Dentre eles, o Programa de Pesquisas
em Biodiversidade (PPBio), o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD)
Oeste do Pará, o Rede Amazônia Sustentável (RAS), a Universidade Federal do Oeste do
Pará (Ufopa), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Universidade de São Paulo
(USP), a Lancaster University, a Oxford University e West Virginia University.
A UC também é destaque em Uso Sustentável dos recursos naturais na Amazônia.
As mais de mil famílias beneficiárias da UC, usufruem dos recursos naturais através
do Manejo Florestal Madeireiro e Não Madeireiro, Agricultura, Pesca e Turismo de
Base Comunitária (TBC). O Manejo Florestal Comunitário é operacionalizado pela
Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona), criada em 2005, e no TBC as
famílias e associações comunitárias fazem a gestão dos serviços prestados aos visitantes
e dos benefícios oriundos da atividade.
Outro fato marcante na história da Flona do Tapajós foi o movimento de reafir-
mação da identidade indígena que surgiu a partir da década de 90 no baixo rio Tapajós.
Em 1997, foram registradas na Flona três aldeias da etnia munduruku (Bragança,
Marituba e Takuara) e somente em 2016 foram declaradas de posse permanente, ao
povo Munduruku, as Terras Indígenas Munduruku-Takuara e Bragança-Marituba.
Uma característica presente na implementação da gestão da Flona do Tapajós
é a atuação de organizações governamentais, não governamentais e de coordenações
e associações comunitárias, formais e informais. Dentre as brasileiras, destacamos as
que realizam pesquisas na UC que foram citadas anteriormente, o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e
a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do estado do Pará (Emater).
Desde a década de 90 as agencias de fomento estrangeiras também atuam no
território tais como a Agência de Cooperação Alemã (GTZ) e Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) com o apoio do Serviço Flo-
restal dos Estados Unidos. Dentre as organizações não governamentais que estiveram
presentes na gestão da UC foram a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Sindicato
de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém e Belterra, o Projeto Saúde e
Alegria (PSA), o IPAM e mais recentemente a o Instituto de Conservação e Desen-
volvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e a Conservação Internacional (CI).
Em 2021 existiam 32 organizações representativas das comunidades, incluindo
duas associações intercomunitárias que foram criadas na década de 90, a Federação, a
Coomflona e o Conselho Indígena Munduruku de Belterra (Cimb) formalizadas em
2004, 2005 e 2017, respectivamente. A Federação representa todas as comunidades
da UC e o Cimb as três aldeias das Terras Indígenas Bragança-Marituba e Munduru-
ku-Takuara, que estão em interface com a Flona do Tapajós.
A gestão da Flona do Tapajós ocorre com base nas diretrizes previstas no Plano de
Manejo. O primeiro Plano de Manejo foi publicado em 2005 e sua revisão ocorreu em 2019.
Outros instrumentos de gestão da UC são o Conselho Consultivo e o Perfil da família bene-
ficiária. A portaria do Perfil da família beneficiária, publicada em 2017, indica os critérios
para a definição das famílias beneficiárias das políticas públicas e recursos naturais da UC.
O primeiro Conselho Consultivo foi formado em 2001 e passou por três pro-
cessos de renovação nos anos de 2010, 2014 e 2019. O colegiado garante a participa-
ção das organizações que atuam no território da UC. Em 2021 era formado por 48
organizações representativas do poder público, das comunidades e sociedade civil.
26
A criação e implementação da Resex Tapajós-Arapiuns

No início da década de 30, em viagem a comunidade de Boim, Magalhães Barata,
governador do estado do Pará, repassou aos moradores da região, através do termo de doa-
ção, as terras compreendidas entre as bacias dos rios Anduru e Amorim, com a finalidade
de serem terras de serventia pública. Os comunitários foram pressionados pelas empresas
privadas a pagarem suas dívidas e entregaram as suas posses da terra como pagamento.
Nas décadas de 70, a produção de ouro no alto Tapajós e exploração da madeira
no médio Tapajós provocaram mudanças nas relações e concepções sobre o uso dos
recursos naturais. Entretanto, as atividades não trouxeram as melhorias esperadas
pelas famílias que presenciaram apenas a exploração predatória dos recursos naturais.
A exploração predatória dos recursos florestais madeireiros ocorreu em áreas
próximas às comunidades de Boim e Tucumatuba na região do Tapajós e em São Pedro,
na região do médio Arapiuns. A pressão das madeireiras serviu como motivação para
que na década 80 as comunidades se mobilizassem para defender suas terras e efetuas-
sem a demarcação de uma faixa de terra de 13.400 metros da margem do Rio Tapajós
ao Centro da Mata, passando a ser conhecida como área de reserva comunitária.
Em 1981, diversas comunidades da margem esquerda do rio Tapajós se organi-
zaram para evitar o avanço da empresa madeireira Amazonex na região. Naquele ano,
elas conquistaram junto ao Incra a demarcação de uma faixa de terra ao longo do rio
Tapajós. Na região do Rio Arapiuns, a empresa Santa Isabel também iniciou a exploração
madeireira, mas as comunidades manifestaram pouca resistência à invasão de suas terras.
Em 1996 iniciaram as discussões para assegurar a posse da terra, quando as
comunidades de Pinhel, Camarão e Escrivão, no rio Tapajós, manifestaram a intenção
de evitar invasões de madeireiras que já atuavam na comunidade vizinha (Cametá)
e formaram a associação YANÉ-CAETÉ (Nossa Floresta). O movimento também
influenciou a mesma discussão na região do Arapiuns e em julho do mesmo ano os
movimentos se unificaram para impedir o avanço das empresas madeireiras.
Em fevereiro de 1997, na comunidade de Cachoeira do Maró, foi realizada a
Assembleia de Fundação da Associação Intercomunitária das Regiões do Arapiuns,
Maró e Aruã (AIRAMA), composta por 21 comunidades, cujo principal objetivo era
a regularização fundiária.
As duas associações intercomunitárias (AIRAMA e YANÉ–CAETÉ) buscaram
orientação técnica junto aos órgãos responsáveis pela questão fundiária em Santarém.
Entretanto, inicialmente contaram apenas com o apoio de entidades ligadas à questão
de conflitos fundiários em Santarém, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) que
articulou junto ao Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações
Tradicionais (CNPT/IBAMA) em Brasília a primeira discussão sobre a criação da Resex.
Posteriormente foram realizados vários encontros e seminários para discutir a
proposta de criação da Resex. A coordenação dessas atividades ficou a cargo do Grupo
de Trabalho (GT RESEX), composto pelas associações Comunitárias, o CNPT/
IBAMA e por organizações não-governamentais como o Grupo de Defesa da Ama-
zônia (GDA), o Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária (Ceapac), o Projeto
Saúde e Alegria (PSA), a CPT e AJURYKABA.
O RIO QUE NOS UNE
27
O processo de criação foi bastante debatido por grupos que defendiam a cria-
ção da UC e outros contrários, até a publicação do Decreto presidencial s/n de 06
de novembro de 1998, que criou a Resex Tapajós-Arapiuns. Logo após a criação da
UC, diversos grupos passaram a assumir a identidade das etnias indígenas Arapium,
Maytapu, Tupaiú, Tupinambá, Cara-Preta, Munduruku, Kumaruara e Arara Vermelha.
A Resex Tapajós-Arapiuns, com uma área total de 647.610 hectares é a mais
populosa do país, com cerca de 4.853 famílias e 23 mil habitantes, em 78 comunidades.
Em outubro de 2003, o Incra reconheceu a Resex Tapajós-Arapiuns, permitindo o
acesso dos moradores as políticas públicas destinadas aos beneficiários da reforma
agrária, como às linhas de Crédito Instalação do Incra e do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) “A”.
Os principais instrumentos de Gestão da Resex Tapajós-Arapiuns são o Plano de
Manejo, Acordo de Gestão, Conselho Deliberativo, o CCDRU e o Perfil da Família Beneficiá-
ria, sendo que este último definiu os critérios para identificar as famílias beneficiárias da UC.
O Plano de Manejo foi aprovado em 2014 e o Perfil da família beneficiária foi
publicado em 2019. O Conselho Deliberativo da Resex foi criado em 10 de maio de 2004,
através da Portaria 50, e teve sua composição alterada duas vezes, em 2016 e 2018. O
colegiado delibera sobre projetos e outras atividades relacionadas com a gestão da UC.
A atuação de organizações comunitárias foi fundamental no processo de criação
e implementação de gestão da Resex. As comunidades também se organizam em
coordenações comunitárias e associações, formais e informais, e intercomunitárias.
A Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (TAPA-
JOARA) representa politicamente as 78 comunidades da UC e o Conselho Indígena
dos rios Tapajós e Arapiuns (CITA), criado em maio de 2000, representa os indíge-
nas do baixo Tapajós, com parte das aldeias localizadas na Resex Tapajós-Arapius.
Os extrativistas também se organizaram para facilitar a comercialização de seus
produtos em cooperativas como a Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas do
Oeste do Pará (ASCOPER), Cooperativa das Oficinas Caboclas do Tapajós (OCT),
Cooperativa Mista Agroextrativista do Rio Maró (COOPERAMARO), Cooperativa
Mista Agroextrativista do Rio Inambú (COOPRUNÃ) e Cooperativa de Turismo e
Artesanato da Floresta (TURIARTE).
Considerações Finais
A criação e implementação das Unidades de Conservação que fazem parte do territó-
rio “o rio que nos une” estão entrelaçadas com os diferentes momentos de ocupação e com
as políticas governamentais para o desenvolvimento da Amazônia brasileira. É necessário
olhar para o histórico e o atual cenário para compreender os desafios de gestão dessas UCs,
que permeiam por diversos interesses dos atores sociais que atuam no território e que nem
sempre são convergentes. Abaixo apresentaremos a linha do tempo da Flona do Tapajós
e Resex Tapajós-Arapiuns com os fatos históricos marcantes na gestão das UCs, dentre
eles a formação das organizações representativas das comunidades, criação e renovação
do conselho, elaboração e revisão do plano de manejo, dentre outros.
Figura 1 – Linha do tempo, com marcos referencias na história da Floresta Nacional do Tapajós e da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
IBDF contrata Decreto

STTR e CPT o 8º BEC para IBAMA nº 1.298 de
INCRA apoiam a delimitar a área INCRA Projeto INCRA e IBDF IBAMA define 27/10/1994
emite demarcação de exclusão das suspende Saúde e discutem realiza normas permite a
Criação da títulos de áreas de uso comunidades da emissão Alegria (PSA) situação Criação inventário para presença
Floresta Nacional sobrepostos de comunidades FNT; comunitários de títulos inicia suas fundiária do florestal visitação de populações
do Tapajós (FNT). a FNT. na FNT. paralisam o trabalho. na FNT. atividades. da FNT. IBAMA. na FNT. na FNT. em Flonas.
1974 1976 1980 1981 1983 1983 1987 1988 1989 1990 1993 1994
Comunidades da margem esquerda

do Tapajós se organizam contra o
avanço da exploração madeireira
Assembléia de Plebiscito junto as Apresentação dos projetos
por empresas no território.
fundação da comunidades sobre de Lei nº 794 e 939,
Associação permanência ou não solicitando exclusão de
Intercomunitária Concessão para na FNT; 61,07% dos Aveiro, 48 lotes do INCRA,
das regiões do exploração madeireira Aprovação do moradores votantes comunidades de São Jorge
Arapiuns, Maró e de 3.222 ha para a empresa Plano de Utilização optaram e áreas ocupadas pelas
Aruã (AIRAMA). agropecuária Treviso na FNT. da FNT. por ficar fora da UC comunidades ribeirinhas na FNT.
1997 1997 1997 1997 1997 1996 1996 1996 1995 1995 1995 1994
Comunitários Moradores das Início das discussões IBAMA elabora Inicio das Reativação do Criação de
retomam comunidades de de garantia da posse de Plano Diretor da discussões grupo de associações
a extração de Marituba, Bragança terra nas comunidades de FNT, Zoneamento de estudos para intercomunitárias
látex na e Takuara se Pinhel, Camarão e Escrivão, Florestal e movimentos tratar da na FNT
comunidade reconhecem como no rio Tapajós, contra a mapeamento indígenas regularização (ASMIPRUT e AITA).
do Maguari. indígenas. invasão de madeireiras. comunitário com o na FNT. fundiária
apoio do Promanejo. na FNT.
1997 1998 1999 1999 1999 2001 2001 2001 2001 2001 2003 2003
Associações Criação Início do Criação da Aprovação Apresentação Criação Criação de GT Promanejo Início do Projeto FUNAI Projetos de Lei
Inter- da projeto primeira do Plano da emenda ao do pela FUNAI para o contrata Oficinas cria GT nº 764 e 939
-comunitárias Resex de manejo brigada de de Utilização Projeto de Lei Conselho diagnóstico situacional estudo de Caboclas para são arquivados:
(AIRAMA e Tapajós da FNT, incêndios da RTA; nº 794, Consultivo do Tapajós; formação viabilidade e Programa de realizar Em novo
YANÉ-CAETÉ) Arapiuns viabilizado da FNT. criação da assegurando da FNT. de Comissão Fundiária de exploração Bom Manejo estudos de plebiscito 80%
buscam (RTA). pelo ITTO. Tapajoara. às comunidades da FNT que realiza madeireira do Fogo, identificação dos comunitários
orientação o direito real o levantamento de de gestão viabilizados e delimitação optam em
técnicas sobre a de uso na FNT. áreas tituladas comunitária pelo IPAM de TI’s. permanecer
questão fundiária. pelo INCRA. na FNT. e Promanejo. na FNT.
Reuniões conjuntas
Audiência Pública Projeto de Educação dos Conselho Consultivo
com MPF, sobre a Ambiental visando a e Deliberativo da FNT e
convivência de instalação de um espaço RTA para tratar do Aprovação do
indígenas e de diálogo entre Acordo de Pesca e Publicação Publicação do Perfil da Família
não indígenas indígenas e não a criação de do Perfil da Família Plano de Manejo Beneficiária da
na FNT. indígenas na FNT. gado nas UC’s. Beneficiária da FNT. revisado da FNT. RTA.
2014 2015 2015 2016 2016 2017 2017 2017 2019 2019 2019
Publicação Criação da Declaração de posse III Seminário de Aprovação do

do Plano Cooperativa de permanente do povo Pesquisa da FNT; Plano de Manejo
de Manejo Turismo e Artesanato Munduruku as Terras Indígenas I da RTA. Florestal Sustentável
da RTA. da Floresta Munduruku-Takuara e Comunitário da
(TURIARTE). Bragança-Marituba. Cooprunã na RTA.
Consolidação
Estruturação da do acordo de
Área Demonstrativa gestão
de Uso Público na FNT. da RTA.
2014 2014 2014 2014 2013 2013 2013 2012 2011 2011 2011 2010
Formação do Comunidades II Seminário Certificação Florestal Ampliação Redefinição de Assinatura do I Seminário ICMBio faz Simpósio de
grupo de moradores da FNT e RTA de Pesquisa a Coomflona pelo Forest da limites com Contrato de de Pesquisa acordos Manejo Florestal
tradicionais da protocolam da FNT. Stewardship, Council: Transtapajós. exclusão de 2 Concessão de da FNT. para da Amazônia
FNT para acompanhar manifestação diversificação das atividades polígonos da FNT Direito Real de a retirada e Seminário
a revisão do Plano de para aprovação e da cooperativa com movelaria, em Aveiro e Uso (CCDRU) de gados de 30 anos
Manejo da UC. revisão dos Planos de serraria portátil e artesanato. região de na RTA com a na FNT. de Pesquisa
Manejo das UC’s. São Jorge. TAPAJOARA. Florestal na FNT.
2003 2004 2004 2004 2005 2005 2006 2006 2007 2009 2010
IBAMA aprova Criação do Secretaria de Fundação da Fundação da Publicação Criação de Presidente do Criação Aprovação e Assinatura do
manejo florestal Conselho Patrimônio da Organização COOMFLONA: do 1º Plano casas Senado Federal do publicação dos Contrato de
de uso múltiplo Deliberativo União (SPU) Federação início do de Manejo com o crédito declara de ICMBio. estudos de Concessão de
sob gestão das da RTA. repassa para representar manejo da FNT. do INCRA; interesse social, identificação e Direito Real de
Associações 111.217,08 ha politicamente florestal chegada de para fins de delimitação das Uso (CCDRU)
comunitárias de terras as comunitário. energia desapropriação, Terras Indígenas na FNT com
da FNT. da União comunidades elétrica nas os imóveis Munduruku-Takuara a Federação.
para o IBAMA. da FNT. comunidades particulares e Bragança-Marituba.
da FNT. incluídos na RTA.
30
REFERÊNCIAS
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O RIO QUE NOS UNE
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PSA. Almanaque da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, prazer em conhecer.

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Amazônia: demandas, desafios e perspectivas. Brasília: Editora Universidade de Bra-
sília, 2011. p. 9-13.
CAPÍTULO II
INSTITUIÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS
ATUANTES NO BAIXO TAPAJÓS E
SUAS RELAÇÕES COM O TERRITÓRIO
DO RIO QUE NOS UNE
Alcilene Magalhaes Cardoso
Fabio Pena
Maria da Luz Farias
Introdução
A preocupação e mobilização dos movimentos sociais em defesa dos territórios,
em especial na Amazônia, historicamente evidenciou e evidencia até hoje a manuten-
ção dos recursos naturais, o acesso, uso e usufruto desses recursos para a viabilidade
da vida coletiva pelas populações locais. As contribuições históricas e culturais dos
povos das florestas e das águas tiveram grande importância na fase mais recente do
movimento conservacionista, embasando movimentos e políticas públicas adotadas,
em especial nas últimas quatro décadas; sendo uma delas, a adoção dos modelos de
unidades de conservação (SIMONIAN, 2000).
Entende-se por povos das águas, as populações que vivem nas margens dos
rios, de lagos e lagoas no interior da Amazônia e cujas relações sociais são mediadas
pelas interações que estabelecem com as águas para a manutenção da sua vida social
(FURTADO et al., 1993). No entanto, a vida coletiva destas populações tradicionais,
é constantemente ameaçada por forças externas que constrangem das mais diversas
formas, de modo que preservar e conservar os ecossistemas tornou-se fundamental
para a vida biológica e social existentes.
O uso e a posse coletiva desses territórios valorizam os aspectos socioambien-
tais e revitalizam a necessidade de espaços de ordenamento que podem contribuir
para diminuir a crescente desertificação da terra e o êxodo das populações rurais
(BENATTI, 2002). Esse elemento de valoração do uso coletivo da terra ganhou
importante destaque na Amazônia levando-se em consideração a luta dos povos tra-
dicionais extrativistas que trouxe à tona um conceito de domínio pelo apossamento
conhecido também como posse agroecológica.
INSTITUIÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS ATUANTES NO BAIXO TAPAJÓS E
SUAS RELAÇÕES COM O TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS UNE
34
No final da década de oitenta, o modelo extrativista foi promovido como uma

estratégia para conciliar a conservação e o aproveitamento econômico das florestas
amazônicas. Para Mello (2006) “Não resta dúvida de que a proteção territorial na
Amazônia depende da demarcação das terras indígenas e da implantação de (UCs)”.
Nesse sentido, nos últimos anos foram criadas várias UCs federais e estaduais em
toda a região amazônica, a exemplo das unidades aqui em estudo. Nesse processo
ganha especial destaque a atuação de organizações não governamentais ambientalistas,
denominadas ONGs que muito contribuíram para os debates e as proposições das
políticas públicas.
Vale resgatar, no entanto que a atuação do Movimento de Educação de Base
(MEB) na região do Tapajós, até 1996, sob orientação da igreja católica, foi muito
importante para o surgimento dessas institucionalidades nas comunidades rurais do
município de Santarém resultando ainda na implementação de escolas nas comu-
nidades, assistência social à população e capacitação de lideranças para o serviço
comunitário e de evangelização (SANTOS, 2019).
Os territórios dos rios que nos une e suas lutas sociais e fundiárias
A criação e a consolidação da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns e
o direito de permanência das comunidades tradicionais dentro dos limites da Floresta
Nacional (Flona) do Tapajós, representaram processos de conquistas e a materialização
de muitos sonhos dos moradores das comunidades, dentre eles, a segurança na terra
habitada desde os seus ancestrais. Historicamente, o sentimento de pertencimento ao
território está associado ao direito de ser reconhecido como dono da terra e de viver
nela com segurança, foi e tem sido a grande questão quando se discute a territorialidade
no contexto da Resex Tapajós-Arapiuns e da Flona do Tapajós.
Ambas têm suas gestões realizadas pelo Instituto Chico Mendes de Conserva-
ção da Biodiversidade (ICMBio) e pelos seus respectivos Conselhos Deliberativo e
Consultivo com base nas diretrizes do Plano de Manejo. As comunidades, bem como
os demais atores sociais envolvidos, direta e indiretamente na gestão da UC, são
representadas nos Conselhos e muitas dessas organizações, atuam e já atuavam nos
dois territórios mesmo antes de sua criação como UCs. As principais atividades de
produção são: agricultura de base familiar, a pesca e o extrativismo, além do manejo
florestal madeireiro e não madeireiro, presente em especial na Flona do Tapajós, mas
também existente na Resex.
A estrutura de gestão nessas áreas é semelhante as demais UCs e que vem se
consolidando em especial pelo aumento de organizações de base, como associações
e cooperativas que trabalham em conjunto com a organização geral da unidade, que
na Flona do Tapajós é a Federação das Organizações e Comunidades Tradicionais da
Flona do Tapajós – FCFT e na Resex Tapajós-Arapiuns, a Tapajoara. Também ocorre
uma marcante atuação de organizações não governamentais com projetos sociais,
econômicos e ambientais, além de muitas pesquisas coordenadas pelas universidades,
entre elas a Universidade Federal do Oeste do Pará – Ufopa. As ONGs têm tido
papel importante nos últimos anos em ambos os territórios, sendo fundamentais ao
O RIO QUE NOS UNE
35
processo de criação das UCs como estratégia de proteção e empoderamento das lutas
sociais, pressionadas pelas mudanças de ocupação do território.
Estas UCs possuem inúmeras organizações sociais de base, como associações
comunitárias e intercomunitárias, e algumas delas fomentam de forma direta ou indi-
reta a produção de seus associados. Em um breve levantamento de campo, foram
identificadas na Flona do Tapajós 29 organizações, formais e informais, além da
atuação do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Belterra,
da Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona), da Federação da Flona do
Tapajós, do Conselho Indígena Munduruku de Belterra (CIMB) e Casa Familiar Rural
(CFR) de Belterra, que também atuam no incentivo à produção agroextrativista das
comunidades e aldeias. Na Resex há 68 instituições organizativas como associações
comunitárias e intercomunitárias, e cinco cooperativas, bem como uma grande atuação
de organizações não governamentais tais como Grupo de Defesa da Amazônia (GDA),
Projeto Saúde e Alegria (PSA), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM),
Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária (Ceapac), Comissão Pastoral da
Terra (CPT), Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Federação de Órgãos para
Assistência Social e Educacional (FASE), entre outras, e as organizações sindicais
como os STTRs de Santarém e Aveiro e a Colônia de Pescadores Z-20 de Santarém.
Questões fundiárias na Flona do Tapajós e a participação

das organizações
Os conflitos fundiários na Flona do Tapajós antecedem a criação das Unidades
de Conservação. As comunidades e aldeias tradicionalmente já ocupavam o território
que envolve atualmente a Resex Tapajós-Arapiuns e a Flona do Tapajós, e na época
a legislação brasileira não permitia a presença de moradores no interior de Flonas e
a categoria Resex não existia. Após a criação da Flona do Tapajós, o antigo Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) solicitou ao 8° Batalhão de Engenha-
ria Civil (BEC) a desocupação de terras pelas famílias classificadas como ocasionais e
invasoras no limite da UC, levando à extinção da colônia de São João e da comunidade
de Veado e a indenização e remoção de 162 famílias (IBAMA, 2004).
No início dos anos 1990, logo após a criação do IBAMA, foi inventariada uma
área de 5 mil hectares no km 83 da BR-163 para o projeto da Organização Interna-
cional da Madeira Tropical (OIMT) ou siglas em inglês ITTO, e que levou novamente
a mobilização e discussões sobre a questão fundiária na região da Flona, pois havia
sobreposição com as áreas ocupadas pelas comunidades, ou seja, abaixo do pico dos
10 km, afetando principalmente a comunidade de Piquiatuba (IBAMA, 2004).
Ainda no sentido de ver resolvida a questão fundiária desse território, em 1994
a Câmara e a Prefeitura Municipal de Santarém editam o Decreto n° 018/1994, com
objetivo de reconhecimento da presença de população na Flona, resultando na sele-
ção de membros para comporem uma comissão de acompanhamento, composta por
quatro líderes comunitários escolhidos pelas comunidades e outros representantes
por organizações civis que já atuavam no território (PMS, 1994).
36
Deve-se ressaltar que a partir de 1994 foi permitida a permanência de comunida-

des tradicionais no interior de Flonas no Brasil e no ano de 2010 o governo repassou
parte da área da Flona do Tapajós à Federação das Organizações e Comunidades
Tradicionais da Floresta Nacional do Tapajós – FCFT, através do Contrato de Con-
cessão de Direito Real de Uso (CCDRU). A organização intercomunitária desenvolvida
pelas comunidades da Flona do Tapajós, assim como na Resex, fomentou à criação da
Federação das Organizações Comunitárias da Flona do Tapajós como representação
colegiada de todas as organizações locais. Esse fato trouxe uma nova abordagem de
gestão da Unidade para além do Conselho Consultivo e seu marco legal no Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Além de ser a detentora do CCDRU,
por decisão dos moradores, a sua estrutura organizacional garante a participação e a
representatividade dos seus beneficiários.
Organizações não governamentais atuantes no Território

das Unidades
O papel das organizações não governamentais na luta pela defesa dos territó-
rios tradicionais na Amazônia vem crescendo nas últimas décadas e apresentando
importantes marcos para as políticas de ordenamento dessas áreas como a criação
das Unidades de Conservação. No território ocupado pela Flona do Tapajós e Resex
Tapajós-Arapiuns, essa dinâmica não foi diferente. Entre as principais organizações
sociais, tanto ligadas à pesquisa, extensão ou educação, destacamos as que atuaram
ou atuam em parceria com as comunidades e aldeias para o desenvolvimento socioe-
conômico e ambiental.
As comunidades mais organizadas, e contando com apoio de parceiros estraté-
gicos como as ONGs, passam a desenvolver um papel principal de fomentador do
processo democrático da Flona do Tapajós, resultando na criação de duas associações
intercomunitária, uma chamada de Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos
Produtores Rurais e Extrativista da Margem Direta do Rio Tapajós e Piquiatuba à
Revolta – ASMIPRUT e a Associação Intercomunitária dos Pescadores, Trabalhadores
Rurais e Seringueiros da Margem Direita do Rio Tapajós – AITA, criadas de forma
participativa e de iniciativa das próprias comunidades.
Cabe aqui destacar o importante papel da Federação, que representa jurídica
e politicamente todas as comunidades da UC Flona assim como a Tapajoara que
desempenha essa função na Resex, além de varias associações comunitárias e inter-
comunitárias e cooperativas que atuam nos dois territórios. Muitas organizações do
terceiro setor, conhecidas como ONGs também possuem forte atuação tanto na Flona
quanto na Resex desde a sua concepção até os dias atuais.
Grupo de Defesa da Amazônia – GDA

O GDA é uma organização não governamental de defesa do meio ambiente,
fundada em 1978, com sede na cidade de Santarém e atuação em especial no território
O RIO QUE NOS UNE
37
do Baixo Amazonas e do Tapajós, no Estado do Pará. As principais linhas de atua-

ção são: a) Educação ambiental formal e informal, voltada à áreas rural e urbana da
região; b) Desenvolvimento comunitário e geração de renda com a implementação
de projetos alternativos de geração de renda para produtores familiares, extrativis-
tas, indígenas, negros, mulheres e assentados; c) Produção de informações técnicas,
através de pesquisa aplicada voltada ao atendimento de demandas de comunidades e
movimento social em geral; e d) Capacitação e formação de lideranças por meio de
projetos voltados à formação técnica e política de lideranças do movimento social e
comunitário (GDA, 2004).
Sua atuação na Resex Tapajós-Arapiuns e área de entorno com foco em capaci-
tação teve destaque com o Projeto de capacitação de Educadores Ambientais Multi-
plicadores – PROCEAM. Inserido no contexto da criação da Resex Tapajós-Arapiuns,
a atuação dos educadores ambientais nas regiões Tapajós e Arapiuns, possibilitou
uma significativa contribuição ao processo de criação, consolidação e fortalecimento
desta Resex, destacando o protagonismo e a organização comunitária em defesa do
território. Participantes do referido Projeto, como educadores ambientais, fizeram
parte posteriormente da composição da primeira diretoria da Tapajora (GDA, 2004).
Este Projeto envolveu 41 comunidades com o objetivo de contribuir com a
consciência socioambiental, bem como a mudança de atitude em relação ao manejo
dos recursos naturais, visando a melhoria da qualidade de vida da população, pela
capacitação de 77 agentes comunitários multiplicadores em educação ambiental entre
os anos de 1998 a 2004. Nesse mesmo período desenvolveu ações de orientação por
meio de oficinas sobre prevenção às queimadas, em parceria com Grupo de Trabalho
de Prevenção às queimadas na Resex e na Flona.
Entre outros trabalhos nas duas unidades, o GDA realizou diversas oficinas
de capacitação para diagnóstico rural participativo em comunidades e aldeias, tendo
contribuído para o fortalecimento institucional e elaboração de projetos pelas pró-
prias comunidades além de materiais didáticos como cartilhas e outros que ajudam a
contar a rica história desse território do Tapajós. Tanto as capacitações, quantos os
próprios diagnósticos realizados, contribuíram para a construção de instrumentos de
planejamento do potencial madeireiro e não madeiro nas comunidades.
Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental

– CEAPS (Projeto Saúde Alegria – PSA)
O Projeto Saúde e Alegria (PSA) surgiu de uma vivência do médico Eugênio
Scannavino Netto e da arte-educadora Marcia Silveira Gama em 1983. Os trabalhos
iniciais eram de assistência em saúde nas comunidades ribeirinhas, em parceria com
a Prefeitura de Santarém. O Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e
Ambiental (CEAPS), que executa o PSA, foi fundado em 1987, durante toda sua
atuação, o PSA manteve sempre como território de maior atuação a Resex Tapajós-A-
rapiuns, embora também atuando na Flona e em outras regiões do Baixo Amazonas,
como a várzea. Com o objetivo de promover e apoiar processos participativos de
38
desenvolvimento comunitário, integrado e sustentável, contribuiu no aprimoramento

das políticas públicas, na qualidade de vida e no exercício da cidadania e direitos
humanos das populações ribeirinhas atendidas (PSA, 2019).
A equipe técnica interdisciplinar do projeto utilizou metodologias participativas
para mobilizar e engajar os comunitários, não apenas como público participante, mas
como parceiros ativos na construção de soluções para seus próprios desafios. Em
um trabalho lúdico e educativo, lideranças, agricultores, extrativistas, empreendedo-
res, professores, agentes de saúde, mulheres, jovens e crianças tornaram-se, também,
multiplicadores dos projetos e ações nas comunidades e aldeias das duas unidades de
conservação. A participação ativa no diagnóstico, planejamento e acompanhamento
das ações tornou o PSA uma organização com forte participação na definição da Resex
como unidade de autogestão das comunidades e aldeias (PSA, 2019).
O PSA acompanhou projetos de avicultura e módulos florestais gerenciados
pela ASMIPRUT e foi proponente de outros projetos na área de promoção da saúde
e de manejo dos recursos naturais atuando inicialmente em oito comunidades na
Flona e depois expandindo para outras, em especial com ações e projetos ligados à
organização e gestão comunitária, geração de renda e economia da floresta, educação
e cultura, gênero, comunicação e infraestrutura comunitária (IBAMA, 2004). Os pro-
jetos executados, tanto na Flona quanto na Resex, são impulsionados por recursos
próprios captados junto a um amplo leque de financiadores, nacionais e estrangeiros,
destacando-se o programa de microcrédito; projetos de sistemas agroflorestais; de
saneamento e abastecimento de água; inclusão digital, e outras ações transversais e
complementares (IBAMA, 2004).
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM

O IPAM é uma organização não governamental sem fins lucrativos, criada em
maio de 1995 e tendo seu escritório mais antigo instalado em Santarém. Tem o obje-
tivo de promover ciência, educação e inovação para uma Amazônia ambientalmente
saudável, economicamente próspera e socialmente justa promovendo: a) produção
de conhecimento (científico e tradicional); b) implementação de iniciativas locais e
regionais com impacto em políticas públicas; c) promoção de desenvolvimento econô-
mico, igualdade social e a preservação/conservação do meio ambiente (IPAM, 2018).
Sua criação foi resultado da confluência de atividades e projetos que combinavam
ciência ambiental com reivindicações dos movimentos sociais, com foco nas parce-
rias locais e regionais, como na atuação nos territórios tanto da Flona do Tapajós,
quanto da Resex Tapajós-Arapiuns. Destaca-se projeto na Flona, como o trabalho com
“Oficinas Caboclas do Tapajós – OCT” descrito no Plano de Manejo no item 9.3.3,
com sua primeira etapa desenvolvida na comunidade do Pini e, a partir de 2003, nas
comunidades de Itapaiuna e Prainha I passando então para comunidades da Resex
como Nova Vista, Nuquini e Surucuá. Destaca-se ainda sua atuação com a área de
proteção florestal descrita com mais detalhes no item 9.5.1 do Plano de Manejo da
Flona, publicado em 2005 e revisado em 2019.
O RIO QUE NOS UNE
39
As ações e projetos desenvolvidos ao longo dos anos no território do Tapajós

são sempre voltados à conservação, tendo participado dos processos de criação da
Flona do Tapajós e Resex Tapajós-Arapiuns. Na Resex, o IPAM foi reconhecido pelo
INCRA e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por seu trabalho
de assistência técnica e extensão rural (ATER) com excelência em 22 comunidades,
executado nos anos de 2013 a 2017.
Entre os principais projetos executados nas duas unidades, nas áreas de entorno
ou em ações que impactaram sobre eles, destacam-se: a) Assessoria na construção
do PROAMBIENTE – Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção
Familiar, de 2002 a 2003; b) Orientação técnica aos agricultores familiares de 17
comunidades da Flona do Tapajós sobre Bom Manejo de Fogo e construção de Acor-
dos Coletivos, com apoio do Ministério do Meio Ambiente/PPG7/PROMANEJO,
de 2000 a 2004; c) Assessoramento Técnico para Manejo Florestal Comunitário e
Oficinas de Móveis Artesanais, com apoio do Funbio nos anos, de 2001 a 2003; e d)
Assessoramento técnico para aproveitamento de madeira morta/caída (para movelaria
artesanal) na Flona do Tapajós para elaboração de planos de negocio e mercado das
Oficinas Caboclas do Tapajós (IPAM, 2018).
Outro projeto em execução é a Plataforma SOMUC (Sistema de Observação
e Monitoramento de Unidades de Conservação) que integra dados as unidades de
conservação federais e estaduais na Amazônia, entre elas Flona do Tapajós e Resex
Tapajós-Arapiuns. Em andamento está o trabalho em parceria com a Conservação
Internacional – CI Brasil (2020 a 2021) de um diagnóstico socioeconômico para o
desenvolvimento de capacitações para as organizações sociais (associações e coope-
rativas) atuantes na Flona do Tapajós.
Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária – CEAPAC

O Centro foi fundado em 1983 e teve sua personalidade jurídica reconhecida
em 1990, com trabalhos voltados ao fortalecimento organizacional e à capacitação
de lideranças buscando promover experiências produtivas sustentáveis e fortalecer a
agroecologia, o associativismo e a cidadania comunitária, com base no desenvolvimento
regional. Sua intervenção é sempre com comunidades rurais, especialmente grupos e
associações de pequenos produtores agroextrativistas. Ações mais pontuais têm sido:
implantação de sistemas agroflorestais; consórcio de culturas para o melhor aprovei-
tamento das áreas; manejo florestal comunitário; e o apoio às cadeias produtivas, tais
como a do artesanato, meliponicultura e apicultura.
O CEAPAC, na sua atuação, aos longos dos últimos anos na Resex Tapajós-A-
rapiuns e na Flona do Tapajós, sempre buscou trabalhar a formação através de um
modelo de educação popular que ajude a transformação social das comunidades, assim
como apoiando a diversificação da produção familiar e demais práticas agroecológicas
que estimulam o processo coletivo de uso dos meios de produção e comercialização
da produção familiar seja da agricultura, do extrativismo, do artesanato ou outros
arranjos que compõem a diversidade nesses territórios (PENA, 2015).
40
Um dos maiores legados da sua atuação nas comunidades e aldeias do território

do rio que nos une sem dúvida se configura na consolidação de arranjos produtivos de
sucesso para o bem-estar e a geração de rendas das famílias assistidas pela equipe do
Centro. Destaque também seja dado ao processo de educação ambiental e formação
de lideranças, em especial nas comunidades da Resex Tapajós-Arapiuns, garantindo a
adoção de um modelo de participação consciente e ativa nos espaços de deliberação
e decisão das comunidades.
Entre os projetos executados na região do Tapajós tem destaque sua atuação no
território da Resex Tapajós-Arapiuns onde foi prestadora de ATER por contrato com
o INCRA nos anos de 2013 a 2017 e por executar projetos voltados ao fortalecimento
de atividades produtivas e capacitação de lideranças com destaque aos trabalhos com
os jovens. Sua atuação na Resex e na Flona ocorre sempre com articulação com par-
ceiros e com as organizações das comunidades.
Conservação Internacional – CI Brasil

A Conservação Internacional (CI-Brasil) é uma organização sem fins lucrativos
criada em 1990, voltada a promoção do bem-estar humano e conservação da natu-
reza. Baseado no programa estratégico denominado “Cruzeiro do Sul”, até 2025, a
Organização estabeleceu quatro metas prioritárias, sendo elas: Natureza para o Clima,
com ações de mitigação climática; Conservação dos Oceanos em grande escala, para
ampliação e fortalecimento da governança nos oceanos; Paisagens Terrestres e Mari-
nhas Sustentáveis, contribuindo para construção de modelos de gestão dos recursos
naturais sustentáveis, produção e conservação na escala de paisagem e, Inovação em
Ciência e Finanças (CI-BRASIL, 2019).
Nesse horizonte, a organização atua em algumas regiões do Brasil, sendo uma delas
a do Tapajós, a qual teve como marco inicial o projeto “Corredor Tapajós-Abacaxis”,
envolvendo oito municípios, dentre estes: Santarém, Aveiro e Itaituba. O projeto apoiava
investimentos nas oportunidades de conservação e pesquisa, pensada a partir de 2007,
desencadeando suporte a capacitação do Conselho Deliberativo da Resex Tapajós-Arapiuns
em legislação ambiental e regimento interno do Conselho no ano de 2009 (ICMBio, 2014).
Na mesma época a CI–Brasil contribuiu para o mapeamento participativo do uso
dos recursos naturais, e posteriormente, compôs a equipe de elaboração do Plano de
Manejo da UC. Os estudos e ações que se seguiram entre as organizações, contribuíram
para nitidez sobre o papel do Conselho e da participação de comunidades e aldeias,
garantindo aos povos indígenas não apenas os espaços, mas a proximidade nas lutas
coletivas das duas unidades do território do rio que nos une, potencializando a gestão
e o desenvolvimento sustentável dessa Unidade de Conservação.
Desde 2017, com apoio do Fundo Amazônia e de uma rede de parceiros, a
organização executa o projeto “Tapajós Sustentável e Resiliente” na área da Floresta
Nacional do Tapajós, além do entorno das Florestas Nacionais de Trairão e de Itai-
tuba I, apoiando o desenvolvimento sustentável de cadeias produtivas madeireira e
não madeireira e o fortalecimento organizacional. Dentre as demandas em fase de
O RIO QUE NOS UNE
41
execução estão a implantação da unidade de beneficiamento de madeira pela Coom-

flona, lançamento do edital de apoio a projetos de produtos não madeireiros e da
sociobiodiversidade, apoio à divulgação do Plano de Manejo da Flona do Tapajós,
através da produção de uma cartilha e resumo executivo, bem como, diversas ativi-
dades de fortalecimento organizacional (CI-BRASIL, 2019). A atuação da CI-Brasil
considera sempre os pressupostos, de que o desenvolvimento socioeconômico e a
proteção ambiental podem e devem caminhar juntos.
Conselho Nacional das Populações Extrativistas – CNS

O Conselho surgiu durante o I Encontro Nacional dos Seringueiros, através da
força de uma voz coletiva em defesa das populações extrativistas da Amazônia e apre-
sentado como proposta dos próprios povos da floresta para fomentar uma reforma
agrária ecológica para a Amazônia. Essa proposta de reforma tem como base o empo-
deramento das famílias extrativistas sobre as Resex, passando a elas efetivamente todo
o direito de posse da terra e o usufruto das riquezas da floresta, sem a ela causar danos
ambientais. Em 2009, o CNS passou a se chamar Conselho Nacional das Populações
Extrativistas, em memória e respeito ao líder dos seringueiros e considerando o vasto
mosaico de entidades extrativistas que se espalharam por todo o território brasileiro.
A criação, a ampliação e a consolidação das Reservas Extrativistas e dos demais
projetos de preservação do patrimônio da sociobiodiversidade brasileira, acompa-
nhando os processos de criação das Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais, Reser-
vas de Desenvolvimento Sustentável, Projetos de Assentamento, Florestas Nacionais
é a principal bandeira de luta do CNS.
Dentre os principais desafios enfrentados pelo CNS, estão: a) lutar para que a
atividade produtiva sustentável não coloque em risco a natureza; b) investir no manejo
sustentável dos recursos naturais e na valorização dos produtos do extrativismo; c)
exigir dos governos a garantia dos serviços essenciais do Estado para as populações
extrativistas; e, d) criar os mecanismos de participação das mulheres e da juventude
nas lutas das presentes e futuras gerações.
Na etapa de Planejamento do Plano de Manejo da Resex Tapajós-Arapiuns
(2014), o CNS colaborou em vários pontos, tais como no Programa de Manejo de
Recursos Naturais e Cadeias Produtivas, atuando através de cooperação em Subpro-
gramas, como o de Organização Social Produtiva, que tem como objetivo apoiar e
fortalecer a organização social de produtores agroextrativistas. Entre as ações estru-
turantes do CNS, estão o apoio à formação social e produtiva para manejo florestal
madeireiro e não madeireiro, o fortalecimento das associações comunitárias e a for-
mação de novas lideranças.
Comissão Pastoral da Terra – CPT

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) surgiu durante o Encontro de Bispos e Prela-
dos da Amazônia, em 1975, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
42
(CNBB), realizado em Goiânia (GO). Foi fundada como resposta às graves situações
vividas pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explora-
dos em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos
das terras que ocupavam, com objetivo de ser um serviço à causa dos trabalhadores e
trabalhadoras do campo e de ser um suporte para a sua organização (CPT, 2021).
Em 1997, devido à forte ascendência indígena de três comunidades da Flona
do Tapajós a CPT apoiou a reinvindicação de moradores das comunidades de Mari-
tuba, Bragança e Taquara, que decidiram assumir a identidade indígena e passaram
a reivindicar a demarcação de uma área dentro da Flona do Tapajós. Este processo
foi amparado pelo trabalho de resgate de identidade étnica e cultural promovido pela
Comissão, pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) e pelo Grupo Consciência
Indígena – GCI (SOARES, 2004).
Ao longo desta construção e processos sociais que moldou a institucionaliza-
ção de Resex Tapajós-Arapiuns, a CPT vem articulando ações sobre o uso de espaço
e ocupação de território, bem como a situação da região diante das atividades das
madeireiras clandestinas, através da participação no Grupo de Trabalho – GT Resex,
esse grupo foi fundamental para alicerçar o projeto de luta pela terra coletiva, onde se
empreendeu um sistemático investimento na mobilização social e política dos mora-
dores, por meio de reuniões e seminários, pelos quais reafirmavam-se os objetivos
definidos (ANDRADE, 2019).
Organizações sociais de base atuantes nas unidades do rio que

nos une
As organizações sociais dentro das unidades de conservação são seus principais
alicerces, base onde todo o território está apoiado e vai se desenvolvendo, cabendo a
elas o papel de representar os interesses da coletividade e buscar as parcerias neces-
sárias para que isso possa acontecer. Assim, será sempre assertivo o investimento
para criação e implementação de programas de fortalecimento dessas organizações
que atuam diretamente nas bases com comunidades e aldeias seja com atividades
produtivas ou organizacionais.
Federação das Organizações e Comunidades Tradicionais da

Floresta Nacional do Tapajós – FCFT
A FCFT fundada em 2004 é a organização mãe representante das demais orga-
nizações sociais e moradores tradicionais da Flona do Tapajós e possui hoje cerca de
977 associados. Sua principal linha de atuação é a organização social das organizações
e comunidades tradicionais do território da Flona do Tapajós e a defesa dos direitos
constitucionais dos moradores buscando as parcerias com o ICMBio como gestor da
Unidade e as demais entidades que atuam no território e que contribuem para conso-
lidar propostas do planejamento macro da Federação como os ligados a: a) melhoria
O RIO QUE NOS UNE
43
da infraestrutura de logística e acesso (ramais, fornecimento de água e energia, escolas,

posto de saúde etc.); b) Acesso a ATER e apoio á diversificação produtiva e agroeco-
lógica; c) Capacidades desenvolvidas para lideranças comunitárias jovens e mulheres
no fortalecimento da gestão compartilhada.
Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós-

Arapiuns – TAPAJOARA
A Tapajoara é a Organização das Associações da Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns e foi fundada em 1999 sendo a instância política de representação
máxima dos moradores, das comunidades, associações comunitárias e cooperativas
atuantes no território da Resex. Entre seus objetivos figura o de proporcionar o for-
talecimento da organização social e produtivo das comunidades e aldeias por meio da
elaboração e execução direta ou em parceria de projetos para melhoria da qualidade de
vida dos moradores. A Tapajoara é a detentora da Concessão do Direito Real de Uso
da Reserva (CDRU) e atualmente além de executar e apoiar projetos das suas associa-
ções membros na linha de organização social, melhorias de infraestrutura e sistemas
produtivos, também vem contribuindo na implantação de telecentros junto às escolas
e comunidades como forma de fortalecer o protagonismo juvenil nas comunidades e
aldeias. Outra ação em curso desde 2019 é o Fundo Socioambiental da Tapajoara que
executa recursos oriundos da participação na execução de Planos de Manejo Florestal,
apoiando pequenos projetos das organizações da Resex.
Grupo Consciência Indígena (GCI); Conselho Indígena Tapajós

(CITA); Conselho Indigenista Missionário (CIMI); e Conselho
Indígena Munduruku de Belterra (CIMB)
Em 1997, um ano antes da criação da Resex Tapajós-Arapiuns, surgiu o Grupo
Consciência Indígena (GCI), a partir do Grupo de Reflexão dos Religiosos Negros e
Indígenas (GRENI). Uma das lideranças do grupo, Frei Florêncio Vaz, participava
ativamente dos movimentos que debatiam e buscavam soluções para a proteção do
território com valorização da história e da cultura tradicional. A luta pela manu-
tenção da identidade ancestral indígena esteve presente desde o início das reivin-
dicações pela área que hoje é a UC e foi de suma importância para que o território
tivesse finalmente sido outorgado a seus moradores frete a especulação e pressão de
madeireiros e outros grupos. Após a criação da Resex, fato que uniu a todos tanto
os indígenas quanto os não indígenas que ocupavam já historicamente o território,
o movimento indígena continuou sua trajetória pelo reconhecimento legal como
indígenas das comunidades e aldeias que estavam tanto no interior da Resex quanto
da Flona do Tapajós (PSA, 2015).
Em maio de 2000 é fundado o Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (CITA),
que reflete a luta pelo reconhecimento dos indígenas do Baixo Tapajós e cresce
44
como um dos braços da Coordenação das Organizações Indígenas da Ama Brasi-

leira (COIAB). O CITA com o lema “O sonho e o sangue de nossos antepassados
permanecem em nós” além de representar os povos indígenas do Baixo Tapajós,
Rio Arapiuns e Rio Maró também o faz com outros 12 povos na região do Baixo
Amazonas e Tapajós. Juntamente com o CGI e o CITA, atua ainda na defesa dos
direitos indígenas o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que integra a luta no
Tapajós e estes em conjunto com a FUNAI passam a atuar de forma mais integrada
nas pautas e agendas para o reconhecimento e proteção dos direitos dos povos
indígenas sobre seus territórios, em especial na Resex Tapajós Arapiuns e na Flona
do Tapajós (PSA, 2015).
O Conselho Indígena Munduruku de Belterra (CIMB) com atuação nas aldeias
da Flona em Belterra foi fundado em 7 de junho de 2017 e vem desenvolvendo suas
atividades em especial de fortalecimento da luta pelo reconhecimento e pelas políticas
públicas das aldeias em especial das três dentro da Flona. Para ingresso nas Terras
Indígenas, visando a realização de pesquisas científicas, por exemplo, a solicitação
deverá ser realizada pelo pesquisador/professor previamente junto a Funai e ao CIMB
para a realização de atividade, uma vez que este representa as aldeias do povo mun-
duruku nessa unidade.
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém

– STTR
O Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais foi criado em 4 de dezem-
bro de 1973, tem o importante papel de representar os direitos dos trabalhadores e
trabalhadoras rurais, promovendo o fortalecimento da agricultura familiar oportuni-
zando melhor qualidade de vida às famílias dos agricultores. Atualmente, sua atuação se
dá apenas no território da Resex em função da emancipação do município de Belterra
antes pertencente a Santarém. Na Resex, o STTR de Santarém atua com suas delegacias
sindicais e congrega associados em várias comunidades que recebem assessoramento
e apoio para o desenvolvimento de suas atividades agrícolas e extrativistas em especial
participando de formações e eventos que colaboram para diversificação da produção,
melhoria no escoamento dos produtos e acesso a mercados.
Colônia de Pescadores e Pescadoras Z-20 de Santarém

Fundada em 1920, a Colônia Z-20 é uma organização que atua na represen-
tação dos pescadores e pescadoras nas suas lutas pelos territórios pesqueiros, com
atuação na Resex Tapajós Arapiuns. A Colônia Z-20, tem hoje, segundo dados de sua
diretoria, 10 núcleos de base, que são uma espécie de delegacia sindical e se dedica
à organização social e sindical dos pescadores e pescadoras, atuando com capaci-
tações e fortalecimento organizacional. Outra ação importante foi a participação
na elaboração do primeiro acordo de pesca que envolveu as duas UCs, discutindo
propostas nas comunidades entre os anos de 2017 e 2018, resultando no protocolo
O RIO QUE NOS UNE
45
junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará – SEMAS

e aguardando publicação.
Considerações finais
As organizações não governamentais desenvolvem papel importante na luta em
defesa dos territórios até a criação das unidades de conservação Flona do Tapajós e
Resex e, realizam trabalho de assessoria técnica e de formação de lideranças visando
o fortalecimento das organizações locais tais como associações, cooperativas, fede-
rações e os sindicatos para atuarem na consolidação dessas unidades de gestão dos
recursos naturais e proteção dos saberes tradicionais. Essas organizações fomentam
as discussões sobre a sustentabilidade do uso dos recursos e a soberania territorial das
comunidades e aldeias contribuindo para o fortalecimento da participação comunitária
para o planejamento e elaboração coletiva de projetos de forma mais horizontal sem
negligenciar a garantia dos direitos dos povos tradicionais.
Além dos projetos desenvolvidos nas duas UCs essas organizações, sejam as
ONGs ou as de base comunitária, atuam em colaboração técnica direta com o órgão
gestor, que é o ICMBio, como a Ufopa, entre outros parceiros governamentais e não
governamentais nos três níveis, federal, estadual e municipal. Essa atuação colegiada
visa sempre o fortalecimento da gestão e defesa dos territórios como referências na
Amazônia e no Brasil.
A participação efetiva das comunidades através de suas organizações, incluindo
as Associações Intercomunitárias e as Associações Comunitárias, coordenação comu-
nitária é uma condição indispensável para garantir a transparência dos processos
decisórios em relação ao uso dos recursos e a implementação de serviços, assim como
garantir o exercício da equidade na distribuição dos benefícios gerados da produção,
comercialização e comunicação.
A luta encampada pelos povos da floresta nessas áreas só faz sentido se for
travada por seus verdadeiros detentores, auxiliados pelo governo e organizações
como as ONGs que contribuem com estudos e ações de formação, mas tendo
sempre a garantia do espaço de fala e de protagonismo dos moradores das comu-
nidades e aldeias. Nesse sentido se faz importante lembrar do lema utilizado pelas
famílias da Resex Tapajós-Arapiuns pela criação da Unidade: “A floresta nas mãos
dos filhos da floresta”.
46
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CAPÍTULO III
MOVIMENTO INDÍGENA NO BAIXO
TAPAJÓS: luta por autonomia e respeito
Bruna Vaz
Judith Costa Vieira
Introdução
Este texto tem como objetivo apresentar e discutir o processo de surgimento
e organização do movimento indígena na região do Baixo Tapajós. Através de um
panorama geral do passado, presente e perspectivas do futuro debatendo os diferentes
tipos de violência e violações que estes povos foram submetidos ao longo de séculos
de dominação branca. Ao mesmo tempo, pretendemos demostrar como a resistência
e organização indígena foram capazes de alterar este cenário.
A importância desse debate se deve ao fato de, hoje em dia, os indígenas são um
dos principais sujeitos políticos da região e sua atuação vem transformando a maneira
como a sociedade e o poder local se relacionam com eles. Além disso, os indígenas
em movimento provocam rupturas nas formas de pensar e decidir questões políticas
importantes, pois ao se colocarem como sujeitos dispostos a participar da feitura das
regras e das decisões que lhes afetam, abrem caminhos para diálogos mais democráticos
entre o Estado e sociedade ajudando a reescrever a história da região.
Desse modo, percorremos diferentes períodos da atuação dos povos indígenas
visando explicar como e porque a região do Baixo Tapajós abraça, de acordo com as
informações do CITA (Conselho indígena Tapajós Arapiuns) a re-existência de 13
povos indígenas distribuídos (Borari, Arapiun, Jaraqui, Tupaiú, Tapuia, Munduruku,
Munduruku Cara preta, Kumaruara, Apiaká, Tupinambá, Maytapu, Arara Vermelha
e Tapajó) em 65 aldeias em número crescente de adesões e ainda, quais as conquistas
e desafios enfrentados pelo movimento indígena nesta trajetória de lutas.
O texto foi construído com base na bibliografia sobre a mobilização dos indíge-
nas no Brasil, mas principalmente, na bibliografia de autores locais que pesquisaram
e atuaram junto ao movimento onde são apresentados os eventos e situações contra
aos quais os indígenas sentiram a necessidade de reagir e os efeitos deste processo
para a maneira como estes sujeitos se organizam politicamente. Traz também um
pouco das memórias que os autores indígenas ouviram dos seus antepassados sobre
a efervescência étnica em suas aldeias e comunidades.
MOVIMENTO INDÍGENA NO BAIXO TAPAJÓS: luta por autonomia e respeito
50
Para cumprir seu objetivo o texto inicia plainando sobre o período da coloni-
zação, período este comumente associado com a extinção dos indígenas, mas que
esconde em verdade uma série de formas de resistência cultural que permitiu que
os saberes, crenças e valores dos antepassados indígenas chegassem aos sujeitos que
hoje reivindicam o seu reconhecimento como indígena e se tornassem o principal
combustível deste movimento. Em seguida, abordaremos os fatores sociais e políticos
que promoveram a reorganização étnica na região e com isto o surgimento do movi-
mento indígena tal como se apresenta hoje. Por fim, faremos considerações acerca
das conquistas e também dos desafios atuais deste novo sujeito político.
Indígenas no Baixo Tapajós: História e Resistência

Para entender os processos de reorganização étnica no Brasil como um todo e
na região amazônica em particular, faz-se necessário conhecer e questionar a maneira
como a história dos povos indígenas foi contada. Isto porque, a história oficial tentou
por muito tempo decretar a extinção dos povos indígenas desta região, contudo, o
movimento recente de emergência étnica reacende o debate acerca desta extinção e
disputa o lugar de fala acerca da necessidade de outra narrativa que não tome a extin-
ção como um dado, mas sim, que procure vislumbrar as causas dos silenciamentos
e invisibilidade dos indígenas, pois somente assim será possível perceber as muitas
estratégias de resistência cultural e política elaboradas por estes sujeitos durantes os
séculos de colonização e violência a que foram submetidos.
Visando contribuiu com este novo entendimento esta seção pretende discutir
o processo de colonização, cujo efeitos estão no cerne da luta por reconhecimento
e existência desencadeadas por estes povos desde daquele período até a atualidade.
Conforme veremos, o processo de colonização impactou de maneira tão devastadora
os moradores desta região, mas não foi capaz de apagar nem os indígenas e muitos
menos sua cultura.
De início, vale lembrar que a presença indígena no baixo Tapajós é tão intensa
quanto antiga. De acordo com o autor Vaz Filho (2010a):
Através do conhecimento já disponível, sabe-se que a ocupação tapajônica se iniciou

no final do primeiro milênio e chegou até o século XVII. Pelos relatos dos missioná-
rios e pelos dados arqueológicos disponíveis, sabemos que essa sociedade era bastante
hierarquizada e que as mulheres tinham um papel político e religioso destacado (p. 59).
Os primeiros relatos de contato dos europeus com as populações indígenas da

região do baixo Tapajós datam de 1541 e 1542 através da expedição comandada por
Francisco Orellana (VAZ FILHO, 2010a). A dimensão populacional que habitava este
território impressionou os navegantes e, pela primeira vez, a metrópole teria conhe-
cimento da diversidade étnica e da magnitude da riqueza do interior da Amazônia.
O contato dos europeus com os nativos a partir do século XVI, provocou o
extermínio de milhares de indígenas, conforme Vaz Filho (2010a), “em poucos anos,
a maioria dos povos foram exterminados por epidemias, guerras e escravidão” (p.
O RIO QUE NOS UNE
51
61). Este processo de contato acarretou profundas mudanças sociais e culturais nos
povos localizados nessa região, tanto assim que estes acabariam sendo considerados
‘extintos’ pouco mais de dois séculos depois (IORIS, 2010). As doenças trazidas pelos
invasores europeus, a violência e a escravização foram fatores determinantes para
dizimação de inúmeras etnias, as que resistiam, sofreram um processo de negação de
sua condição indígena.
Em meados de 1652, sob a responsabilidade da Companhia de Jesus, os jesuítas
adentraram a região e passaram a promover as missões. Essas missões tinham um
plano bem articulado, com objetivos econômicos e políticos camuflados sob fins reli-
giosos; seu intuito era, de fato, facilitar e garantir a expansão territorial e das finanças
da Coroa. As missões jesuíticas foram uma das primeiras ações de homogeneização,
assimilação e aculturação contra os indígenas dessa região. Além disso, essas ações
no interior da Amazônia expandiam concomitantemente à exploração das riquezas
naturais, as chamadas “drogas do sertão”.
Ioris (2010) explica que a política jesuítica para toda a Amazônia consistia em
aumentar o controle sobre a vida e os costumes indígenas. As estratégias eram as seguintes
[...]reunindo etnias diversas sob um mesmo regime linguístico, de organização reli-

giosa e de trabalho, transformaram um contexto multiétnico e multilinguístico em
um ordenamento socioespacial que aparava as diferenças culturais e estabelecia uma
unidade linguística assentada na Língua Geral Amazônica (LGA), que veio a ser
conhecida como Nheengatu (Bessa Freire, 2003). Ao longo de quase um século,
até serem expulsas em 1750, essas missões cumpriram duplo papel, o de assegurar
o alargamento das fronteiras coloniais lusitanas e o de promover um movimento
para homogeneizar cultural e linguisticamente uma mão de obra indígena oriunda
de diversos e distintos grupos étnicos (IORIS, 2010, p. 225).
As ações de aculturação propostas pelos colonizadores ignoraram toda a histó-

ria, a cultura e modos de ser dos habitantes que residiam nessas terras. Transforma-
ram territórios indígenas em vilas com nomes de cidades portuguesas, estabeleceram
o uso da Língua Geral Amazônica (LGA) e, posteriormente, o uso da Língua Por-
tuguesa (língua do dominador-invasor) que sucumbiria violentamente centenas de
outras línguas indígenas.
Após a expulsão das missões por volta de 1755, iniciou-se o processo de imple-
mentação da política pombalina, conhecido historicamente como Diretório dos Índios.
O governo português buscou transformar os índios em massa de trabalho controlada,
incorporando-os a “vida civilizada” (VAZ FILHO, 2010b), ou seja, o diretório inten-
sificava as políticas assimilacionistas iniciadas pelas missões religiosas,
[...]dentre as medidas legais que alteraram profundamente a vida dos indígenas estão:
o estímulo ao casamento com brancos, a proibição das línguas indígenas e obriga-
toriedade do Português, a proibição da nudez e a obrigatoriedade do uso de roupas
“decentes” (VAZ FILHO, 2010b, p. 118).
52
A criação do Diretório do índio contribuiu diretamente para o violento processo

de destruição de identidade dos povos do baixo Tapajós, obrigando-os a se transfor-
marem em tapuios e depois em caboclos, segundo Vaz Filho (2010b):
O Diretório vigorou durante 42 anos, ao fim dos quais Portugal conseguiu integrar
os indígenas à sua economia e aplicou um duro golpe às suas formas de organização
social. Com isso, muito da forma de convivência indígena se perdeu ou ficou seria-
mente abalada. Após esse período, no vale do rio Amazonas, não mais existam povos
específicos, mas tapuios, cujas línguas, sistemas de parentesco, meios de subsistência
e crenças ligadas aos povos indígenas específicos estavam profundamente alterados
(PARKER, 1985b). As unidades tribais que persistam haviam fugido para a cabeceira
dos rios ou para o interior da floresta (p. 118).
De acordo com Tapajós e Medeiros (2019) a legislação Pombalina para povos indí-
genas era totalmente assimilacionista, voltada para transformar os índios em mão-de-obra
para o desenvolvimento da economia colonial. Este projeto “civilizatório” se fez com a
proibição dos costumes locais e pela imposição do Português como língua única com
proibição tanto das línguas nativas como do Nheengatu.
Estrategicamente para sobreviverem, os povos dessa região negaram suas iden-
tidades, “essa gente teve que assimilar vários costumes dos colonizadores, passando
a negar sua história, identidade e parte da sua cultura indígena e a se comportar
como civilizados” (VAZ FILHO, 2010b, p. 112). Os efeitos da colonização nos povos
do baixo Tapajós foram devastadores, deixando rastros de violência, silenciamento,
desestruturação na vida social e cultural, sobretudo, as estratégias de invisibilização,
que Vaz Filho (2010b) denomina de processo de dupla face, a “desindização” e a
“caboclização” (p. 108).
O autor enfatiza que, o termo “desindianização” alude as perdas das referências
étnicas e culturais indígenas específicas, enquanto o termo “caboclização”, envolve
a aquisição de uma cosmovisão e um modo de vida genéricos, com elementos das
tradições culturais indígenas, europeias e africanas. Se as missões tiveram o objetivo
de “desindianizar a partir do discurso da salvação das almas, e assim formar uma
sociedade cristã aos moldes da civilização europeia” (PEIXOTO; PEIXOTO, 2019,
p. 152), a transformação em caboclos, termo este, que remete “a ausências culturais,
pelo que perderam, pelo que deixaram de ser, como resquícios de sociedades que
sucumbiram” (IORIS, 2010, p. 227), era de fato a consolidação da invisibilização,
desprezo e negligências para com os povos indígenas da Amazônia.
Entretanto, o termo caboclo é renegado pelos povos da região, exatamente por
denotar forte sentido pejorativo e, além disso, o uso deste termo alude à exclusão, de
desprezo em relação ao outro (LIMA, 2009). Dessa maneira, entre tantas definições,
tentativas de anulação do indígena, o termo, caboclo, enquanto denominação imposta
pelo colonizador, objetiva apagar os elementos da cultura indígena que ainda estão
vivos e dinâmicos, tentando fazer parecer que toda a existência indígena foi perdida.
De acordo com Vaz Filho (2010), a política colonial com seus silenciamentos e
violência não foi totalmente capaz de aniquilar os indígenas. Isto porque estes foram
O RIO QUE NOS UNE
53
adotando várias estratégias de resistências discretas para conservar seus costumes e

práticas sociais. Para o autor as práticas de pajelança, crenças nos encantados e festas
de santos (VAZ FILHO, 2010), são exemplos da cultura indígena modificada para
persistir. Além disso, os conhecimentos sobre as práticas produtivas, sobre a natureza
e a própria linguagem são testemunhos vivos da herança indígena que resiste na região.
Como se percebe, para escapar da violência e do preconceito, os indígenas uti-
lizam da invisibilização. Esta não só foi uma imposição da política colonial para os
costumes e tradições indígenas, mas foi também uma forma que os indígenas encon-
traram para continuar existindo. Tornar-se invisível enquanto povo permitia que os
sujeitos não fossem vítimas da violência aberta contra seus corpos, muito embora
continuassem a sofrer do desrespeito da sua identidade e formas de vida.
Mas este cenário começou a mudar a partir dos anos 90, quando a força das
organizações indígenas consegue alterar a forma como sociedade e o poder público as
enxergavam e conseguem uma positivação da identidade indígena, onde o assumir-se
indígena, passa a ser valorizado. O ‘assumir-se’ indígena, perpassa pela consciência
histórica, de se ver como sujeitos ativos, sujeitos de direitos. Através deste autoreco-
nhecimento os indígenas “estão se descaboclizando e emergindo politicamente como
indígenas desde o final do século XX” (VAZ FILHO, 2010a, p. 72).
Neste movimento de mobilização política pelo reconhecimento das identidades
étnicas os indígenas da região baixo Tapajós também têm participado ativamente
escrevendo suas próprias histórias, em um processo de revalorização e revitalização
das tradições, dos costumes, de sua língua, mas também pela luta para a permanência
em seus territórios. Vejamos como se deu esta transformação aqui.
O Movimento Indígena no Baixo Tapajós: Luta por Autonomia

e Respeito
O surgimento do movimento indígena no baixo Tapajós decorre de dois fatores
interligados. Um deles atrelado ao aumento dos conflitos socioambientais na região
pressionando as comunidades a ingressarem em uma luta pelo direito de permanecerem
em seus territórios tradicionais. De outro, o advento de mudanças no contexto político
nacional gerado pelo o aumento na organização e da mobilização indígena, o que
ocasionou uma forte pressão sobre os poderes públicos no Brasil, cuja consequência
foi a criação de um novo aparato normativo e o estabelecimento de uma nova forma
de relação entre o Estado e os povos indígenas.
O primeiro destes fatores tem início na década de 70 quando esta região passa
a ser vista pelo governo militar como fonte de recursos. O governo da época criou
uma série de incentivos para que a indústria madeireira pudesse explorar os estoques
florestais deste lugar concebido pelos militares como desabitado. Para implementar
seu plano de implantação de um polo madeireiro na região do Tapajós, os militares
criaram em 1974 a Floresta Nacional do Tapajós (Flona). De acordo com a legis-
lação da época as florestas nacionais eram áreas de propriedade pública destinada
à exploração madeireira.
54
A implantação da Flona, do lado direito do rio Tapajós, acabou também atraindo

outras indústrias madeireiras para as áreas do seu entorno. Ocorre que tanto o interior
da Flona, quando as áreas do entorno, principalmente aquelas localizadas no lado
esquerdo do rio Tapajós, eram repletas de comunidades tradicionais que tiravam seu
sustento da floresta. Assim, temendo serem expulsas de seus territórios ou perderem
o acesso aos recursos naturais necessários à sua sobrevivência, as comunidades iniciam
um amplo processo de mobilização política.
Neste primeiro processo de resistência, as comunidades da FLONA, quanto
daquelas da área que mais tarde seria transformada em Reserva Extrativista, eram
representados pelo Sindicato dos Trabalhadores rurais e contavam com a ajuda de
outras entidades que apoiavam a luta destas comunidades, como a FASE (Federação
de órgãos para a assistência social e educacional), pastorais sociais, entre outros.
A proposta que era garantir uma faixa de terra em ambos os lados do rio para uso
exclusivo das comunidades.
Após vários embates e propostas, as comunidades conseguem duas vitórias
importantes. A primeira foi a garantia do direito de permanência das comunidades na
Flona, haja vista que a ameaça que pairava sobre estas comunidades era de expulsão.
Essa garantia veio primeiramente através de um acordo com o órgão encarregado da
gestão da reserva, o Instituto Brasileiro de desenvolvimento florestal (IBDF) e em 1990
há a modificação na legislação sobre Florestas Nacionais, e estas passam a “permitir”
a permanência das comunidades tradicionais no interior na reserva.
A segunda vitória, ocorreu em 1998 quando, após intensas mobilizações, as
comunidades da margem esquerda do rio Tapajós criaram a Reserva Extrativista
Tapajós Arapiuns (Resex) através da qual acessaram dois direitos fundamentais, o
reconhecimento de seus direitos territoriais sobre aquelas áreas, e a expulsão das
madeireiras. Para Ioris (2009):
Enquanto na década de 1980 as populações nativas do baixo Tapajós enfrentaram

ameaças diretas à manutenção dos territórios, causadas pelo avanço da econômica
madeireira, em meados da década seguinte elas começam a vislumbrar direitos terri-
toriais serem reconhecidos oficialmente. Esse fato ocorreu no contexto das intensas
mobilizações que se configuraram na Amazônia entre grupos ambientalistas e seg-
mentos das populações rurais, especialmente aquelas cujo modo de vida dependiam
da manutenção da floresta, em reação aos alarmantes níveis de degradação ambiental
e ameaças à integridade do território dessas populações que se evidenciam por toda
a região (p. 237).
A autora chama a atenção para o fato de que, os imensos esforços das comuni-
dades locais para permanecerem em seus territórios, somou-se o apoio de organismos
internacionais e nacionais ambientalistas que pressionavam o governo brasileiro para
implementar medidas de proteção ambiental e de proteção aos territórios de comuni-
dades tradicionais que eram tidas como protetoras do meio ambiente (IORIS, 2009).
O resultado desta convergência de forças foi o reconhecimento daquelas comu-
nidades de ambas as margens do rio Tapajós como comunidades tradicionais, categoria
O RIO QUE NOS UNE
55
legal a quem a legislação reconhece direitos territoriais e também o reconhecimento de

suas formas locais de uso dos recursos naturais. Contudo, ainda que a ameaça a perda
do território tenha sido afastada com a retirada da ameaça madeireira e com a prote-
ção conferida às áreas que essas populações ocupam por meio da configuração destas
áreas como de conservação, algumas comunidades da Flona e outras da Resex iniciam
um segundo processo de resistência, buscando agora o seu reconhecimento enquanto
indígenas e, assim como o reconhecimento dos direitos territoriais correspondentes.
Para entender as motivações deste segundo movimento de resistência, é preciso
retroceder alguns anos. Em conformidade com o que relata Vaz Filho (2010b), desde
o começo dos anos 80 alguns sacerdotes e religiosos seguidores da Teologia da Liber-
tação, visitavam as comunidades do Tapajós, estimulando os moradores a reavivar as
suas tradições culturais, principalmente aquelas ligadas às festas de santos padroeiros.
Outros religiosos faziam parte do GRENI (Grupo de reflexão de religiosos Negros e
Indígenas), grupo interno da igreja católica que se propunha a discutir elementos da
identidade indígena, também começaram a atuar na região valorizando os aspectos
da cultura e tradição indígena, como é caso do Frei Florêncio Vaz.
Essa discussão acerca da importância da valorização da cultura local foi de suma
importância para luta travada contra as madeireiras e contra os órgãos de estado. Nestas
discussões o argumento desenvolvido era de que os membros daquelas comunidades
tinham o direito não só de permanecer naquela terra, quanto o direito de viverem
nela de acordo com suas formas tradicionais de produção, pois eles eram descenden-
tes dos primeiros habitantes daquela região, os quais já estavam lá, antes da chegada
do europeu (VAZ FILHO, 2010b). Segundo Vaz Filho (2010b): “Um dos resultados
desse processo de reuniões, estudos e audiência com autoridades foi uma mudança
na autoestima dessas pessoas. Elas passaram a se orgulhar mais da sua história e dos
seus costumes, além de se sentirem reconhecida como sujeitos de direitos” (p. 115).
Assim, mesmo após a conquista territorial, as comunidades continuaram o pro-
cesso de valorização da cultural local e agora contavam com o apoio de uma nova
entidade criada em 1997, o Grupo Consciência Indígena (GCI). Esta entidade foi
criada por alguns membros do GRENI e por outros religiosos leigos católicos que
se reconheciam como indígena. O GCI atuava como mediador entre as discussões
sobre o resgate da cultura indígena que ganhava força no contexto nacional com a
ampliação dos direitos indígenas e com as amplas mobilizações indígenas que ocorriam
no Brasil visando superar o preconceito e discriminação contra os indígenas no país.
O papel do GCI foi de suma importância para que o debate internacional e
nacional sobre a questão indígena chegasse nas comunidades do interior da região do
baixo Tapajós e é assim que o setor fator que impulsionou o surgimento do movi-
mento indígena no baixo Tapajós começa a exercer influência nas comunidades da
Flona e da Resex. Esse fator diz respeito ao reconhecimento dos direitos indígenas
na Constituição Federal de 1988 no Brasil.
As alterações normativas na Constituição Federal de 1988 foram resultados de
um amplo processo de mobilizações indígenas que iniciaram ainda na década de 70.
Segundo Baniwa (2012):
56
A partir de 1970, ocorre um fortalecimento dos movimentos indígenas provocado

pela realização de assembleias indígenas, articuladas pelo CIMI, e pelo surgimento
de lideranças indígenas carismáticas com projeção regional, nacional e internacional
que impulsionaram o surgimento das primeiras organizações indígenas regionais e
nacional, sob a liderança da União das Nações Indígenas (UNI) (p. 211).
Esse movimento indígena de caráter nacional leva, segundo Baniwa (2012),

à formação de uma frente indígena em defesa dos direitos coletivos composta por
lideranças indígenas em diálogo com suas bases e por um conjunto de organizações
não governamentais e setores progressistas da Igreja e da academia. O efeito desta
mobilização política desta frente foi a pressão os membros da Assembleia Nacional
constituinte encarregados da elaboração do texto da nova Carta Constitucional.
Aprovada no ano de 1988, a nova Constituição brasileira alterou profundamente
o panorama dos direitos indígenas no país, a começar pela superação de um ideal
assimilacionista predominante na época que determinava a integração dos indígenas
na sociedade. O novo ideal trazido pela CF é o de respeito à diversidade cultural
segundo o qual os indígenas deveriam ter protegidas suas próprias formas de viver e
de se representar perante o Estado brasileiro.
Outras alterações constitucionais substanciais se referem ao reconhecimento da
plena capacidade dos indígenas, o que significava o rompimento com a tutela a que
estavam submetidos. Além do reconhecimento aos seus territórios, a cultura, a educação
e saúde diferenciada, do respeito as suas perspectivas de desenvolvimento e formas de
organização política. Essas mudanças redefinem um novo quadro, onde os indígenas pas-
sam a ser considerados sujeitos capazes de definirem suas prioridades política e colocam
para o Estado o dever de promover o bem estar dos diferentes povos.
Para Baniwa, estas mudanças produziram efeitos significativo na história dos
povos indígenas. Do ponto de vista das políticas públicas houve uma série de garantias
esculpidas que visam garantir uma vida digna aos povos indígenas, e do ponto de vista
da vida cotidiana o que estas mudanças provocaram foi: “a recuperação da autoes-
tima em função das possibilidades de continuidade étnica e de acesso aos benefícios
materiais e tecnológicos do mundo moderno está possibilitando a reafirmação das
identidades reprimidas e a (re)elaboração/(re)construção de novos projetos societários
para o futuro” (BANIWA, 2012, p. 207).
Consolidado ainda mais este quadro no contexto político e normativo, em 2004
o Brasil ratifica a Convenção 169 da OIT4, hoje considerado o instrumento mais avan-
çado de proteção dos direitos dos povos tradicionais. Este instrumento jurídico trouxe
uma série de disposição importantes para povos indígenas como o direito a terem
respeitados seus próprios ideais de desenvolvimento, suas línguas, culturas, religião
e sistemas jurídicos próprios, assim como, o direito ao território e outras políticas
sociais em caráter diferenciado que respeitem a diversidade cultural de cada povo.
4 A convenção 169 da OIT é um documento internacional que obriga os países signatário a obedecer seus
termos. No direito brasileiro, ela equivale a uma norma constitucional quanto a sua força normativa.
O RIO QUE NOS UNE
57
Outros importantes direitos introduzidos pela convenção foi o direito à consulta

prévia, segundo o qual, os povos devem ser ouvidos quando houver qualquer política
ou empreendimento que possa ameaçar seu território ou modo de vida, devendo os
Estados garantirem um processo justo e eficaz de consulta. Também foi introduzido
o direito ao autorreconhecimento que nos termos da própria convenção significa que
a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério
fundamental para determinar os grupos que se aplicam as disposições da Convenção.
Em outras palavras significa que os povos tem autonomia para constituírem sua iden-
tidade étnica, são eles que se organizam e se reconhecem como pertencentes a um
grupo distinto politicamente e culturalmente da sociedade envolvente.
Como se percebe o impacto dessas transformações políticas e normativas tanto
foram produtos de mobilizações indígenas como elas mesmas provocaram efeitos para
a ampliação da organização política indígena no Brasil. Isto porque, os indígenas que
eram discriminados e oprimidos desde a colonização, passaram a ter, pela primeira vez,
um cenário político que não só respeitava e valorizava a diversidade cultural, quanto
garantia direitos sociais e participativos para estes povos. Portanto há a configuração
de um cenário onde indígenas não precisam mais se esconder, mas que possível a livre
expressão de sua cultura e anseios políticos.
O resultado disto não poderia ser outro a não ser o aumento no número de
indivíduos e povos que buscaram recuperar suas tradições e se autorreconheceram
perante seus vizinhos, opositores e o Estado sua condição de indígena, e com ela a sua
condição de sujeito capaz e merecedor dos direitos reconhecidos. Este movimento de
reorganização política dos povos indígenas se espalhou por todos os estados do Brasil
e aqui na região do baixo Tapajós não foi diferente. Vejamos então como isto ocorreu.
Como dito acima, desde os anos 80 e mais fortemente nos anos 90 vários gru-
pos vinham atuando nas comunidades rurais, principalmente na região da Flona do
Tapajós e da Resex Tapajos-Arapiuns reavivando antigas tradições e reforçando os
laços territoriais dos habitantes destas áreas. É depois da criação das reservas que estes
mediadores começam a perceber o desconforto de algumas comunidades locais com
a forma como as políticas ambientais estavam sendo implementadas em seus terri-
tórios. Para estes comunitários a atuação dos órgãos ambientais entrava em conflito
com a forma como eles estavam acostumados a organizar suas atividades produtivas
Estas insatisfações quanto a forma de organizar o gerir o território acabaram
por desencadear um novo processo político na região, do qual algumas comunidades
reivindicavam maior autonomia no controle sobre o território. Todavia este pro-
cesso que se traduzia até aquele momento em críticas e queixas aos órgãos estatais
encarregados da gestão das áreas se transforma em uma questão indígena a partir do
autorreconhecimento de uma comunidade da Flona como indígena no ano de 1998.
Foi Takuara, localizada no munícipio de Belterra, a primeira comunidade a se
reconhecer indígena na região. Além do desacordo das lideranças quanto a forma de
gestão do território, o que de fato levou a esta assunção da identidade indígena, foi
a ocorrência de um evento que comoveu toda a comunidade. Trata-se da morte de
Laurelino, conhecido curador morador de Takuara. Laurelino era conhecido em toda
a região do baixo Tapajós e ele sempre costumava ressaltar o orgulho de suas raízes
58
indígenas. Sua morte muito sentida em sua comunidade, desencadeou a procura pelas
origens da parentela de Laurelino, os quais, após longas discussões internas, decidem
por se assumir indígena e a procurar os seus direitos junto à Funai.
O autorreconhecimento de Takuara foi seguido por outras duas comunida-
des vizinhas Bragança e Marituba, a partir daí, com ajuda das entidades de apoio,
o movimento se espalha e alcança outras comunidades da Resex Tapajós-Arapiuns,
pela região do Lago Grande e do Rio Maró. Até hoje na região do Planalto santareno
há povos indígenas buscando o respeito as suas formas de vida e ao seu território.
Atualmente o movimento indígena continua em expansão com a adesão de famílias
e comunidades à causa indígena.
Como se percebe, o movimento indígena no Baixo Tapajós nasce da busca
pelo resgate a autoestima de povos que foram oprimidos pelas diferentes políticas
de controle do território realizadas pelo Estado brasileiro ao longo de vários sécu-
los. A luta dos povos indígenas desta região pelo poder de se definir e de poder
definir como querem viver. A luta pelo território é uma luta para ter assegurado
o seu poder decisão sobre as questões que lhes afetem e também é uma luta por
melhores condições de existência, como o acesso a políticas públicas que respeitem
sua cultura e tradições.
Conquistas e Desafios Atuais do Movimento Indígena do

Baixo Tapajós
Como já mencionado, na região do baixo Tapajós, desde 1990, diversas comu-
nidades passaram a reivindicar a identidade étnica indígena em detrimento do que
eram comumente chamados, ribeirinhos ou caboclos. Para Bartolomé (2009, p. 44)
“os povos nativos sempre estiveram ali, não como fósseis viventes do passado, mas
sim como sujeitos e participantes da história, como sociedades dotadas de dinâmicas
próprias que transcendem as percepções estáticas”.
Longe de pensar os povos indígenas por uma vertente em que são povos isolados
possuindo uma cultura estática e “pura” ou interpretados como agentes passivos da
ascensão do colonialismo, é preciso compreender que há uma consciência dos povos
indígenas sobre o processo de violência aos quais foram submetidos, e o que levou
à essa dinâmica das relações interétnicas, o uso da força para a dizimação em massa
de seus antepassados e sua cultura. Isso reflete na forma como esses eventos são
interpretados atualmente e como os enfrentam.
Ao longo desses mais de 20 anos de reorganização do movimento indígena
no baixo Tapajós, para que sua presença e direitos fossem garantidos, houve muita
resistência e luta. Diversos desafios foram postos, principalmente, o não reconheci-
mento como sujeitos de direitos. É importante destacar que muitas conquistas foram
alcançadas ao longo desse processo.
A luta pela demarcação do território como garantia de suas identidades e
presenças possui um apelo forte no movimento indígena do baixo Tapajós. Perce-
be-se que a ofensiva é continuamente marcada por intensos conflitos territoriais e
O RIO QUE NOS UNE
59
identitários. Os diversos tipos de violência que rondam essas aldeias geram medo e
insegurança aos indígenas, uma vez que a ausência, e a própria ofensiva do Estado
é crescente na região.
Situações de ameaças de morte são constantes ao longo dos rios principais como
Tapajós, Arapiuns e Maró tendo como principal causa as atividades de madeireiras
clandestinas, da pesca predatória realizadas por geleiras, de empresas originárias de
outros lugares e municípios, caças da fauna por estranhos. Grandes empreendimentos
econômicos são apontados como agentes que provocam transformações irreversíveis
ao equilíbrio da natureza, são particularmente os latifúndios ligados a pecuária e ao
agronegócio da soja, que ocupam extensas áreas desmatadas, além de contaminar
o solo e as nascentes de rios e igarapés com agrotóxicos, provocam o afastamento
e o próprio desaparecimento de espécies do ecossistema local (COSTA; VIEIRA;
LIMA; MILEO, 2013).
Para além da luta pela demarcação do território, o Movimento Indígena no

baixo Tapajós luta pela garantia de outros direitos diferenciados como educação e
saúde. Ao longo da história desse movimento de resistência, a garantia pela educa-
ção diferenciada foi alcançada em 2006, quando a Secretaria Municipal de Educação
(SEMED) de Santarém determinou a criação da Educação Escolar Indígenas. Em
relação à política da saúde, através de uma ação judicial e da mobilização dos indígenas,
houve a implantação de um polo da SESAI e a garantia do atendimento diferencial
aos indígenas independentemente da situação territorial de sua aldeia.
Outro ganho da área da educação foi a criação do Processo Seletivo Especial
Indígena (PSEI) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). A UFOPA é
um espaço com uma grande responsabilidade social e política de formar indígenas e
quilombolas para que sejam profissionais que atuem como representantes políticos
que possam eles mesmos fazer um diálogo com a sociedade e com o Estado brasileiro.
A região do baixo Tapajós é um lugar em constante disputa seja identitária ou territo-
rial. E, formar indígenas e quilombolas nas Licenciaturas, Antropologia, Arqueologia,
Direito, dentre outros cursos é promover não somente a democracia de conhecimento
ou saber, mas é promover a busca pela utilização de ferramentas que subsidie suas
lutas na construção de políticas que possam atender suas demandas.
Diante de todo esse cenário de desafios e conquistas é possível dizer que o pro-
cesso de autoidentificação indígena na região do baixo Tapajós decorreu de uma série
de motivações. Primeiramente, da valorização da sua origem indígena, que mesmo já
existindo estava escondida, disfarçada. Como vimos a decisão de “assumir-se” indí-
gena, se deu devido a vários fatores: necessidade de preservação e manutenção sobre
suas terras e dos bens naturais indispensáveis para a sobrevivência física e cultural
desses povos e ainda a necessidade de ter maior autonomia nos processos de tomadas
de decisões sobre suas vidas e seus futuros. Para isso, foi necessário criar sistemas
próprios de representação política que, de fato, estivessem em consonância com os
interesses dos próprios indígenas, daí o surgimento do Conselho Indígena Tapajós
Arapiuns (CITA).
60
Como se viu ao longo deste texto, longe de uma concepção invisibilizadora onde
supostamente os grupos indígenas teriam sido apenas agentes passivos de um projeto
colonizador, é importante salientar que inteligência e persistência indígena foram
decisivas para salvaguardar suas práticas culturais e conhecimentos ancestrais, dando
condições para o florescimento e valorização das identidades desses povos. Justamente
por isto é possível dizer que o colonialismo tentou apagar a existência indígena na
região, mas não conseguiu provocar sua extinção. As identidades indígenas do baixo
Tapajós são fundadas na consciência de quem foram os ancestrais desses povos e do
impacto dos eventos históricos sobre a vida e a organização indígena.
O RIO QUE NOS UNE
61
REFERÊNCIAS
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titários e conflitos territoriais na Amazônia. Ilha– Revista de Antropologia, v. 11,
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LUCIANO, G. J. dos S.; OLIVIEIRA, J. C. de; HOFFMANN, M. B. Olhares indí-
genas contemporâneos. Brasília: Centro Indígena de Estudos e Pesquisas, 2010 b.
PARTE 1
CARACTERIZAÇÃO E GESTÃO
DO TERRITÓRIO
SEÇÃO 2
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E
GOVERNANÇA NO TERRITÓRIO
DO RIO QUE NOS UNE
CAPÍTULO IV
OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DA
FLORESTA NACIONAL DO TAPAJÓS
E DA RESERVA EXTRATIVISTA
TAPAJÓS-ARAPIUNS
Introdução
Imagine que em sua casa tenha uma sala de estar bem bonita, cheia de móveis valio-
sos e únicos que merecem bastante cuidado. Garantir a organização e o cuidado com essa
sala é muito importante para o bem-estar da casa inteira, pois dela depende a ventilação,
a iluminação, a tranquilidade e o acesso aos demais cômodos. Imagine que sua mãe saiu
para trabalhar e te nomeou como responsável por garantir a proteção aos móveis e a
organização desta sala. Agora, caro leitor, imagine que você possua quatro irmãos: o mais
velho adolescente que trouxe amigos para dar uma festa na sala; o segundo mais velho
que precisa estudar para um teste da escola e precisa da iluminação da sala; a terceira irmã
que precisa do espaço da sala para treinar passos de uma coreografia de dança e o irmão
caçula que quer brincar nos móveis e desenhar nas paredes.
Imaginou? Então, eis a questão, como garantir a proteção aos móveis raros da
sala, a organização deste ambiente e o bem-estar nos outros cômodos, e atender os
desejos dos quatro irmãos que precisam utilizar a sala, cada um com seu interesse
particular, isso tudo sem desapontar a sua mãe, que confiou a você essa missão?
Essa é uma boa comparação que ajuda na compreensão da complexidade que
envolve fazer a gestão de Unidades de Conservação – UCs, a partir de uma perspectiva
do órgão gestor.
No Baixo Tapajós, as duas Unidades de Conservação Federais que margeiam esse
grande rio, a Floresta Nacional do Tapajós e a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns,
estão representadas nessa analogia, pois são áreas de grande importância socioambiental.
Elas protegem uma boa porção de ecossistemas florestais de terra firme, florestas
de igapó, campinaranas, ecossistemas aquáticos continentais como igarapés, lagos e
rios, além de representantes da flora e da fauna amazônica ameaçadas de extinção, e
espécies endêmicas. Além disso, protegem o território e buscam garantir a promoção
OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DA FLORESTA NACIONAL DO TAPAJÓS
E DA RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS
66
sociocultural de povos e comunidades tradicionais, dentre elas comunidades indígenas,

de rica cultura associada ao uso sustentável da biodiversidade.
Mas, assim como os irmãos da analogia têm interesse em usar aquela sala, as
Unidades de Conservação são utilizadas por diversos atores com os mais diversos
interesses. Primeiramente, as populações tradicionais beneficiárias residentes nas UCs,
as instituições públicas e organizações da sociedade civil atuantes no território, os
turistas, os pesquisadores, os proprietários de áreas, dentre outros atores sociais que
têm relação e/ou fazem uso desse território.
Então, podemos pensar que a solução para o caso da sala seria bem simples,
bastando o irmão nomeado pela mãe proibir a todos os outros irmãos de a usarem,
certo? Não é bem assim! Imagina a confusão e o desgaste na família em que esse irmão
se meteria caso proibisse os demais de usarem a sala?
Assim como nas Unidades de Conservação, para o caso do uso da sala o ideal
é que todos possam utilizar esse espaço da melhor maneira possível de modo que
nenhum dos atores sintam-se prejudicados, desde que garantindo a conservação dos
elementos que justificaram a proteção desse espaço. Porém, isso não é um trabalho
simples e é necessário o uso de ferramentas adequadas e estratégias para conciliar os
diferentes usos e garantir a proteção da sala.
E veja só o desafio que a mãe deixou em suas mãos! Na analogia podemos
entender que você estaria cumprindo o papel do ICMBio (Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade), órgão gestor de UC, ao tentar organizar e proteger
o espaço e conciliar os diversos usos.
Mas afinal, quem é a mãe nessa história? Conforme determina a Constituição
Federal de 1988, no parágrafo único do art. 1º, todo poder emana do povo, enquanto
o art. 225 determina que é dever do Poder Público e da coletividade defender e
preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Desta forma, alinhado aos
preceitos constitucionais, essa figura na analogia representada pela mãe, nada mais
é do que o povo brasileiro, a coletividade, que nomeou você, instituição do Estado
brasileiro (Órgão Gestor-ICMBio), um dos irmãos utilizadores deste espaço, como
responsável pela proteção do patrimônio de todos, resguardado nesta “sala”, sem
prejudicar nenhum de seus outros irmãos, e você não pode desapontar.
O povo brasileiro, através de seus representantes legisladores que formularam
e aprovaram a legislação ambiental brasileira, criou algumas ferramentas de gestão,
aqui denominados de instrumentos de gestão, que auxiliam os órgãos gestores no
estabelecimento de estratégias para que todos estes usuários possam buscar usar esse
espaço sem prejuízos e simultaneamente assegurar a conservação dos elementos, bem
como o alcance do objetivo de criação desses espaços protegidos.
Cabe destacar que se fez uso dessa analogia da sala de estar como recurso pedagó-
gico para ilustrar de forma simplificada como se dá o papel do órgão gestor de Unidades
de Conservação na proteção da natureza e na promoção do desenvolvimento sustentável,
dialogando com os mais diversos atores do território e buscando também a garantia dos
direitos de todos, tendo como ferramentas norteadoras para esse fim os instrumentos
de gestão criados para guiar a condução da gestão das UCs. Nesta analogia não se entra
no mérito de análise das falhas do Estado na promoção e garantia de direitos, nem nas
O RIO QUE NOS UNE
67
disputas políticas, econômicas e sociais que acontecem no âmbito dos conflitos pelo uso
do território, inclusive com o próprio Estado. O Estado representado pelo órgão gestor
é um dos atores (um dos irmãos) que precisa dialogar com os demais na construção do
melhor caminho a seguir para a gestão dessas áreas protegidas.
Os instrumentos de gestão estão estabelecidos na legislação ambiental que orienta
e disciplina a gestão das Unidades de Conservação e são ferramentas utilizadas pelos
gestores ambientais para tomada de decisão, para orientar e nortear a gestão, bem
como avaliar a efetividade de gestão.
A própria Lei que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação-SNUC
(Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000) apresenta e regulamenta vários desses instru-
mentos de gestão. Como estamos falando de gestão de áreas protegidas, estamos
falando de Gestão Ambiental Pública – GAP, por isso, é importante ressaltar que
esses instrumentos devem ter previsão legal, ou, se não estiverem expressamente
previstos na Lei, devem estar alinhados com as diretrizes da legislação ambiental e
com os princípios da Administração Pública.
São diversos os instrumentos de gestão, porém, no Baixo Tapajós os principais
instrumentos aplicados à gestão da Floresta Nacional do Tapajós e Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns são os:
1) Conselhos Consultivo e Deliberativo;

2) Os Planos de Manejo e seus Zoneamentos;
3) Os Contratos de Concessão de Direito Real de Uso – CCDRU;
4) O Perfil da Família Beneficiária das UCs.
A Floresta Nacional do Tapajós e Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns são

unidades de conservação do grupo de uso sustentável, onde são permitidos os usos
diretos dos recursos naturais em bases sustentáveis. A primeira da categoria Floresta
Nacional tem como objetivo o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a
pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas
nativas; a segunda da categoria Reserva Extrativista tem como objetivo proteger os
meios de vida e a cultura das populações extrativistas da UC, e assegurar o uso sus-
tentável dos recursos naturais da unidade de conservação (Lei nº 9.985/2000).
Conselhos gestores das UCs: participação e controle social na

gestão ambiental
No caso das políticas públicas da área ambiental, são vários os documentos legais
que ao estabelecerem as diretrizes para que o Estado promova a regulação do uso dos
recursos naturais e dos territórios, preveem a participação social nesse processo de
gestão ambiental (ICMBIO, 2014).
Para promover a participação social dos diversos atores e principalmente das
comunidades locais na condução da política ambiental de gestão de Unidades de
Conservação, a Lei n° 9.985/2000 (Lei do SNUC) cria, e o Decreto n° 4.340/2002
68
regulamenta, os Conselhos Gestores de Unidades de Conservação, que são conside-

rados o principal (mas, não o único) instrumento de participação social na gestão
dessas áreas protegidas.
Voltando para a analogia da “sala”, seria
como se o filho responsável pela organização da
sala reunisse todos os irmãos e criassem um fórum
para pensarem juntos em como conciliar os usos
do espaço por todos, planejarem juntos como se
daria esse uso, em que áreas da sala seriam per-
mitidos os usos e de que forma cada um poderia
utilizá-la sem afetar os demais, bem como fossem
todos igualmente responsáveis por buscar garantir
a proteção dos móveis e a organização do espaço
para o bem-estar da casa e para que continuem uti-
lizando o espaço.
Os Conselhos Gestores são colegiados previstos na Lei do SNUC instituídos
para discussão e articulação das estratégias de gestão das Unidades de Conservação;
são instrumentos legítimos de exercício de cidadania, em que a sociedade em conjunto
com o órgão gestor trabalham pelos mesmos objetivos, onde a primeira atua como
corresponsável pela gestão do patrimônio ambiental (WWF-BRASIL; ICMBIO, 2016;
CASTRO; MOURA, 2009). É espaço de exercício pleno de democracia onde diferen-
tes atores de diferentes grupos, estratos e camadas sociais são trazidos para o centro
do processo decisório, para que proponham encaminhamentos, assumam demandas
de implementação dessa área protegida e exerçam o controle das ações do Estado.
No contexto do Baixo Tapajós a participação social é a regra antes mesmo da
institucionalização deste fórum pela promulgação da Lei do SNUC. Por exemplo, a
própria criação da Resex Tapajós-Arapiuns em 1998 se deu por força da organização
das comunidades tradicionais locais buscando a proteção de seus territórios contra a
exploração madeireira empresarial. As organizações comunitárias, aliadas a instituições
e entidades da sociedade civil, conseguiram o apoio do Centro Nacional de Desen-
volvimento Sustentado das Populações Tradicionais – CNPT/IBAMA para instituir o
Grupo de Trabalho da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (GT Resex), colegiado
este que foi essencial para o avanço no processo que culminou com a criação da UC
(ICMBIO, 2008).
Na outra margem do rio, a Floresta Nacional do Tapajós também tem um grande
histórico de envolvimento e participação social anterior à aprovação do SNUC, com
articulação de comunidades locais, órgãos governamentais e instituições da sociedade
civil organizada, atuando principalmente para garantir a permanência e os direitos
territoriais das famílias tradicionais na UC que até meados da década de 1990, antes da
redação do SNUC, não permitia a existência de ocupações humanas nessa área prote-
gida. As ações se deram principalmente a partir da criação de um Grupo de Estudos
criado em 1992, convertido em Grupo de Trabalho mais tarde e que buscava solucionar
esse conflito territorial conciliando a conservação e os direitos das populações extra-
tivistas locais. A partir dessas iniciativas de diálogo houve uma grande aproximação
O RIO QUE NOS UNE
69
do órgão gestor com a sociedade, fortalecimento da mobilização e participação das

comunidades locais e desenvolvimento de uma relação positiva entre estes atores
(IBAMA, 2005; PENA; HERNRIQUES, 2015).
Essa aproximação do órgão gestor com a sociedade, seja por meio do Grupo de
Estudos para a questão fundiária, seja pela aproximação propiciada no âmbito de projetos
como o ProManejo, formaram o caminho para que em 1997 fosse criado um Conselho
formado por diferentes segmentos sociais, antes mesmo do SNUC determinar a obriga-
toriedade dos conselhos em UC. Porém, formalmente e nos moldes preconizados pelo
SNUC, o Conselho Consultivo da Floresta Nacional do Tapajós só foi criado em 2001,
pela Portaria nº 84/2001, com a participação de 21 membros, incluindo associações
comunitárias, sendo a primeira Floresta Nacional a estabelecer seu Conselho Consultivo.
A formação do Conselho Deliberativo da Resex Tapajós-Arapiuns foi iniciada em
agosto de 2002, mas a Criação formal do Conselho se deu em 2004 pela Portaria nº
50/2004. Mas, no caso da Resex Tapajós-Arapiuns, existe também outro fórum exclu-
sivamente comunitário de deliberação que é reconhecido pelo colegiado do Conselho
Deliberativo da UC e que deve discutir preliminarmente as pautas a serem tratadas nas
assembleias ordinárias do Conselho. Trata-se do Conselho Comunitário da Tapajoara,
organização social de representação política de todas as comunidades da UC reconhecida
como “associação mãe”, onde os representantes comunitários devem arguir preliminar-
mente e buscar alinhamentos antes da assembleia do Conselho gestor da UC.
O SNUC determina que apenas as categorias Reservas Extrativistas e Reser-
vas de Desenvolvimento Sustentável devem ter conselhos deliberativos, que têm o
poder de tomar decisões efetivas e imediatas de gestão, considerando principalmente
o caráter dessas categorias, que tem por objetivo intrínseco delas e o porquê de sua
criação, a proteção aos modos de vida sustentável das populações tradicionais e o
protagonismo desses povos.
Para ser um instrumento capaz de contribuir com avanços na gestão da Unidade de
Conservação, o Conselho Gestor, seja deliberativo ou consultivo, deve ser atuante e represen-
tativo da sociedade com efetiva relação com aquele território e deve buscar participação plena.
A Instrução Normativa do ICMBio nº 09/2014 estabelece os procedimentos de
formação/criação e implementação do conselho. A IN detalha os procedimentos para
identificação dos atores que têm relação com o território e podem estar representados nesse
conselho. A Instrução também prevê a elaboração de um Plano de Ação do Conselho,
contendo as atividades a serem executadas, cronograma, membro ou membros respon-
sáveis pela execução das ações e formas de monitoramento. Há uma tendência de que os
conselheiros entendam esse Plano de Ação como uma responsabilidade do Órgão Gestor,
todavia, muito pelo contrário esse é um Plano de Ação do Conselho com atividades previstas
para os membros do Conselho executarem participando de forma efetiva da gestão da UC.
Nesse aspecto, embora o conselho esteja vinculado institucionalmente à estrutura
gerencial da Unidade de Conservação, cabe destacar que ele tem autonomia para se
manifestar diretamente a qualquer instituição governamental ou não governamental,
demais fóruns e colegiados. Os conselhos são autônomos nas suas decisões e enca-
minhamentos, auxiliando assim o órgão gestor no desempenho da gestão da UC. Na
70
assembleia o Órgão Gestor é apenas mais um dos membros do conselho com igual
responsabilidade pelas ações e pela condução da assembleia como os demais membros.
No mais, é importante destacar que os conselhos não são instâncias técnicas formais
com um papel a cumprir por obrigação da legislação. São na verdade “arenas de conflitos”,
conflitos permanentes de interesses e ideologias entre as diferentes instituições envolvidas
e as populações que habitam seu interior e seu entorno (IRVING, 2014).
Planos de Manejo: planejamento participativo e adaptativo

Digamos que o irmão responsável por manter a sala de estar em ordem resolveu
chamar os demais para elaborar um plano para organizar o uso daquele espaço. Nesse
processo eles identificaram qual a dimensão da sala, quais os móveis presentes e quais
deles são os mais raros, em qual área seria possível a irmã ensaiar a dança, em qual
seria possível o irmão estudar com luz adequada, onde o mais velho poderia se reunir
com os amigos sem causar danos aos móveis e onde o caçula poderia fazer suas brin-
cadeiras. Eles definiram também algumas regras
para que todos pudessem fazer suas atividades
sem atrapalhar os demais e sem comprometer a
organização da sala. Só seria possível o mais velho
fazer sua festa a partir das 17:00 e sem bebidas
alcoólicas, a irmã poderia ensaiar sua dança desde
que em horário disponível e na área determinada
longe da cristaleira com peças valiosas, o caçula
poderia brincar na área designada desde que não
deixasse os brinquedos espalhados e estava ter-
minantemente proibido de pintar as paredes.
Tudo isso foi aprovado em comum acordo por
todos os irmãos. De forma simplista podemos dizer que o que esses irmãos fizeram
foi elaborar uma espécie de Plano de Manejo da sala de estar.
Você sabe o que é um Plano de Manejo? Este é um importante instrumento de ges-
tão de Unidades de Conservação previsto legalmente no SNUC. É o principal documento
técnico/jurídico de planejamento e orientação da gestão da Unidade de Conservação e
de sua Zona de Amortecimento, além de ser exigência obrigatória pela Lei do SNUC.
Segundo o SNUC o Plano de Manejo trata-se de um:
Documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma
unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem
presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das
estruturas físicas necessárias à gestão da unidade. (Inciso XVII, Art. 2º da Lei 9.985,
de 18 de julho de 2000).
No tópico anterior percebemos o quanto é importante a participação social

em Unidades de Conservação, nesse sentido a Instrução Normativa nº 07/2017 do
ICMBio estabelece como diretriz para a elaboração e revisão de Planos de Manejo
O RIO QUE NOS UNE
71
a necessidade de participação social. Por isso, considera-se fundamental a existência

de um Conselho formalizado e atuante antes do início da elaboração/revisão do PM.
Além do acompanhamento do Conselho, a elaboração desse plano deve se dar de
forma participativa com o envolvimento dos usuários do território e a realização de
oficinas com os atores da UC e especialistas.
O novo Roteiro Metodológico de Elaboração e Revisão dos Planos de Manejo
do ICMBio (2018) simplificou a metodologia de elaboração do Plano de Manejo e
definiu as etapas do processo de elaboração (Figura 1).
Figura 1 – Etapas do processo de elaboração do Plano de Manejo
Fonte: D’amico, Coutinho e Moraes (2018)�
Agora que você já sabe o que é o Plano de Manejo de uma Unidade de Conser-
vação, vamos conhecer como eles foram elaborados e funcionam na Floresta Nacional
do Tapajós e na Reserva Extrativista Tapajos-Arapiuns?
Antes de serem reconhecidos legalmente pelo SNUC, os Planos de Manejo
já vinham sendo utilizados na gestão de áreas protegidas no Brasil desde a década
de 1970. Porém, na Flona do Tapajós, nos seus primeiros anos, os instrumentos de
planejamento se limitavam a Planos de Manejo Florestal visando o ordenamento
da atividade de exploração madeireira. Apenas em 1996, com apoio do Programa
Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais – PPG-7 (Componente ProManejo),
contratou-se uma consultoria para elaboração do Plano Diretor da Flona do Tapajós,
primeiro instrumento de planejamento da UC, que estabeleceu o primeiro Zoneamento
da Flona e um Plano de Atividades a serem executadas em várias áreas como turismo,
proteção territorial, manejo florestal e desenvolvimento sustentável das comunidades,
entre outras, além de indicar o fortalecimento organizacional e de indicar que este
documento deveria ser revisado (VERISSIMO, 2005; IBAMA, 2005).
Em 1997 o Plano de Utilização da Flona do Tapajós, contendo as normas de uso
dos recursos naturais e uso do solo, foi aprovado e anexado ao Termo de Ajustamento
72
de Conduta5 celebrado entre IBAMA e Ministério Público Federal – MPF que garan-
tiu o uso da área pelas Populações Tradicionais na Floresta Nacional do Tapajós. O
primeiro Plano de Manejo da UC nos moldes preconizado pelo SNUC foi aprovado
em 2005, ainda sob gestão do IBAMA, sendo revisado e aprovado em 2019, pelo
ICMBio. Já na Resex Tapajós-Arapiuns para elaboração da primeira versão do Plano
de Manejo foi discutido e elaborado um documento preliminar em 2008, que foi
complementado com dados de expedições científicas e oficinas nas comunidades para
sua aprovação em 2014.
O Plano de manejo da Flona do Tapajós possui 4 Volumes, onde se encontram
informações atualizadas sobre: (I) os aspectos naturais, socioeconômicos e institucio-
nais sobre a Flona do Tapajós (Diagnóstico); (II) Zoneamento, Programas de Gestão
e Monitoramento (Planejamento); (III) os 42 mapas produzidos para a revisão do
Plano de Manejo (Caderno de Mapas); e (IV) todos os relatórios das oficinas e demais
documentos produzidos durante o processo de revisão do Plano de Manejo.
Na revisão do zoneamento da Flona do Tapajós foram definidas 7 zonas com
diferentes graus de intervenções e normas de uso: de Preservação, Primitiva, de Manejo
Florestal, de Uso Conflitante, Populacional, de Recuperação e de Sobreposição. O
novo Plano de Manejo da UC apresenta 12 Programas de Manejo: Pesquisa e Moni-
toramento; Incentivo e Alternativas de Desenvolvimento; Desenvolvimento Comu-
nitário; Manejo Florestal; Uso Público; Interpretação e Educação Ambiental;
Recuperação de Ambientes Degradados; Serviços Ambientais; Monitoramento
Ambiental; Proteção e Fiscalização; Consolidação Territorial e Regularização Fundiária
e Administração e Comunicação.
Na Resex Tapajós-Arapiuns o primeiro ins-
trumento de planejamento e ordenamento dos
usos dos recursos naturais foi elaborado antes do
SNUC, um ano após a criação da UC. O Plano de
Utilização teve sua primeira versão elaborada por
comunitários, por intermédio de seus representan-
tes e lideranças, sendo aprovado através da Portaria
IBAMA n° 95, de 4 de outubro de 1999.
A primeira versão do Plano de Manejo da
RESEX Tapajós-Arapiuns foi elaborada em 2003,
e atualizada em 2008 e complementada por expedi-
ções científicas e oficinas comunitárias em 2011, além de ter sido debatida em diversos
momentos junto ao Conselho Deliberativo, até que finalmente se chegou à versão aprovada
e publicada pela Portaria 124, de 24 de novembro de 2014. Em todas as etapas descri-
tas as comunidades e o Conselho Deliberativo participaram ativamente da concepção e
5 Segundo o Ministério Público Federal (2021) o Termo de Ajustamento de Conduta é um acordo que o Minis-
tério Público celebra com certo violador de determinado direito coletivo e que tem a finalidade de impedir
que a situação de ilegalidade continue, reparar o dano ao direito coletivo e evitar que seja impetrada uma
ação judicial para tratar desta situação.
O RIO QUE NOS UNE
73
elaboração do documento. O Plano de Manejo da Reserva Extrativista Tapajos-Arapiuns

é composto por 3 volumes.
O volume 1 – Diagnóstico, apresenta um resumo sobre a caracterização ambien-
tal, social, econômica e institucional do território. O volume 2 – Planejamento, é o
principal documento orientativo de gestão, pois apresenta todo o planejamento e os
marcos estratégicos da Resex Tapajós-Arapiuns. Também apresenta os cenários pos-
síveis para implementação do Plano de Manejo e seus indicadores de monitoramento.
Neste volume, estão descritos (5) Programas de Sustentabilidade Ambiental e Socioe-
conômica, divididos em vinte e quatro (24) Subprogramas a serem desenvolvidos na
UC, com destaque para: Qualidade de vida, Manejo de Recursos Naturais e Cadeias
Produtivas, Recuperação de Áreas Degradadas e Impactos Ambientais, Monitoramento
e Proteção Ambiental e por fim Gestão e Administração. Finalizando, o volume 2, traz
o Zoneamento da UC, descrevendo as principais regras de uso dentro do território.
Por fim, o volume 3 – Anexos contém estudos, relatórios, pareceres, oficinas, que
subsidiam as informações contidas no volume 1.
Contrato de Concessão do Direito Real de Uso – CCDRU

Voltando para a alegoria da sala, imaginemos que a mãe, antes de sair, entregou um
documento para os filhos reconhecendo-lhes o direito de, como herdeiros, usarem ple-
namente a sala, mas sob a condição de garantir que as características da sala não fossem
alteradas e que os móveis fossem conservados. Então o irmão mais velho assina este
documento assumindo essa responsabilidade em nome dos demais. Isso está parecendo
muita formalidade para uma situação real em família, mas é uma maneira de ilustrar outro
instrumento de gestão chamado Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, ou sim-
plesmente CCDRU. Porém, diferente da alegoria da sala em que todos os usuários tem
seus direitos de uso do território reconhecidos pelo CCDRU, na realidade das Unidades
de Conservação esse instrumento se aplica apenas aos povos e comunidades tradicionais
das Unidades de Conservação de uso sustentável das categorias Flonas, Resexs e RDSs,
conforme legislação e normas sobre esse tema.
A Concessão de Direito Real de Uso é um instrumento de regularização fundiária
previsto na legislação brasileira pelo art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro
de 1967 com a seguinte redação:
Art. 7º É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remu-

nerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolú-
vel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização,
industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas,
preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou
outras modalidades de interesse social em áreas urbanas (Art. 7º, Decreto-Lei nº 271,
de 28 de fevereiro de 1967) [grifo nosso].
Esse instrumento também está previsto na Lei do Código Civil e no art. 23 da

Lei do SNUC, em que é apontado como mecanismo de regularização da posse e do
74
uso das áreas ocupadas pelas populações tradicionais nas Unidades de Conservação
de uso sustentável e de domínio público onde a presença desses povos é legalmente
admitida.
A formalização desse direito se dá através de um contrato em que a União, detentora
do domínio desse imóvel onde estão inseridas as UCs (em uma linguagem informal e casual
podemos dizer que a União é a dona do terreno), concede o direito de uso desse imóvel
aos povos e comunidades tradicionais residentes e beneficiários da UC.
Aqui, amigo leitor, será necessário nos distanciarmos um pouco da alegoria da sala de
estar, pois o ICMBio, como instituição do Estado, é legalmente o responsável para represen-
tar o Estado na concessão deste direito as comunidades tradicionais, saindo um pouco do
papel de apenas um dos irmãos e assumindo a autoridade para conceder esse direito. Então
este contrato é assinado entre o representante da União, o ICMBio, e o representante das
comunidades tradicionais através das “associações mães” que as representam. No entanto
cabe destacar que o domínio da área continua sendo da União, ou seja, a União continua
sendo a “dona” do terreno, portanto, aos concessionários/usuários é vedado a venda de
áreas do imóvel concedido tendo que ainda é terra pública.
A Federação das Organizações e Comunidades Tradicionais da Flona do Tapajós
(Federação ou FCFT), representação política das comunidades da Flona, formalizou
CCDRU em 2010, recebendo a concessão de uma área de 76.925 hectares localizados
na Zona Populacional (em sua maior parte) e na Zona de Manejo Florestal. Algumas
comunidades da Flona, situadas no município de Aveiro, permanecem fora da área
concedida, logo há necessidade de complementação do CCDRU para essas áreas.
Já na outra margem do rio a Organização das Associações da Reserva Extra-
tivista Tapajós-Arapiuns (Tapajoara) é a concessionária do CCDRU do imóvel que
corresponde à totalidade da área da Resex. O contrato da Resex foi assinado em 2011
e toda a área da Resex foi concedida, não havendo necessidade de complementação.
Nos contratos, as concessionárias (Federação ou Tapajoara) são responsáveis por
garantir o cumprimento das condições contratuais assumidas, que englobam principalmente
a garantia da conservação da natureza e o uso sustentável das áreas dos imóveis.
Perfil da Família Beneficiária: dinâmica sociais e reconhecimento

do Estado
De volta para a sala de estar, digamos que
o irmão mais velho resolveu trazer uns amigos
que acabou de conhecer para a festinha dele, que
o segundo mais velho convidou um colega de
classe para vir estudar com ele e que uma prima
veio ensaiar com a irmã. O irmão incumbido
da organização da sala resolve então estabelecer
com os seus irmãos quem são aqueles que pode-
rão utilizar os benefícios dessa sala conforme
as orientações da mãe. Eles estabeleceram, por
O RIO QUE NOS UNE
75
exemplo, que para usar essa sala o indivíduo deveria 1) ser um dos irmãos; 2) ser amigo de
longa data ou parente próximo e 3) que seus pais sejam conhecidos pela mãe dos irmãos.
Assim eles estabeleceram critérios para definir quem poderia utilizar aquele espaço.
O irmão mais velho já não poderia mais fazer sua festa com desconhecidos, pois estes não
cumpririam o perfil definido por todos. Essa é mais ou menos a ideia do Perfil da Família
beneficiária, mais um importante instrumento de gestão das UCs de uso sustentável.
A Instrução Normativa nº 35, de 27 de dezembro de 2013, normatiza e regulamenta
no âmbito do ICMBio os procedimentos administrativos de elaboração e homologação
do Perfil da Família Beneficiária em Resex, RDS e Flona. Esse Perfil é construído com
ampla participação das comunidades para que as próprias definam os critérios para que o
Estado (ICMBio) reconheça uma família como beneficiária de uma UC.
O Perfil é um instrumento importante para orientar e embasar legalmente o gestor
quanto a quais pessoas podem utilizar esse território de acordo com o que preconiza a lei
do SNUC, em conformidade com o Decreto nº 6.040/2007 e com o entendimento das
próprias comunidades para indicar quem são os legítimos usuários e beneficiários deste
território. Esse balizamento é fundamental para garantir também a proteção dos direitos
dessas comunidades para que terceiros, não reconhecidos pelas famílias da comunidade
e sem vínculo com este território, não venham surrupiar o direito dos legítimos usuários.
Há casos na Floresta Nacional do Tapajós, por exemplo, a investida de interessados
em especulação imobiliária relacionada ao turismo (desassociado ao turismo de base
comunitária – TBC) tentarem se passar por beneficiários da UC e somente o Perfil da
Família beneficiária consegue impedir o avanço desses interesses sobre a Flona.
Na Floresta Nacional do Tapajós o Perfil da Família Beneficiária da UC foi definido
através da Portaria nº 254, de 12 de abril de 2017. O Perfil da Família Beneficiária da Flona
do Tapajós aponta que para ser família beneficiária dos recursos naturais e das políticas
públicas voltadas para esse território esta família deve 1) residir permanentemente na
UC; 2) usar o território da UC e seus recursos naturais como condição de subsistência,
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica; 3) realizar suas atividades
produtivas preferencialmente através da mão de obra familiar ou mutirões e 4) possuir
vínculos familiares e ser reconhecida pela comunidade.
Na margem esquerda do Tapajós a Portaria nº 100, de 15 de março de 2019 define
os critérios para enquadrar como família beneficiária da Resex Tapajós-Arapiuns. De modo
semelhante à Flona do Tapajós, o Perfil da Resex estabelece 6 critérios gerais: 1) autor-
reconhecimento; 2) ancestralidade e histórico de ocupação; 3) uso habitual dos recursos
naturais da UC; 4) depender dos recursos da UC para atividade produtiva; 5) depender
do território da UC para sua reprodução física, social, cultural, religiosa e econômica; 6)
utilizar, preferencialmente, mão-de-obra familiar ou mutirão, ou prestar serviço público.
Porém, na Resex Tapajós-Arapiuns, foram divididos em 4 categorias que atendem a maior
parte dos critérios de acordo com sua especificidade: I) os que residem permanentemente
na UC; II) os que residem um período do ano na UC; III) os que residem em área vizinha
a UC, mas que utilizam o território desta para sua produção e/ou extrativismo e IV) os
cujo responsável familiar ou cônjuge não é nascido na UC mas é casado com beneficiário
e é aceito pela comunidade.
76
Não é trabalho simples fazer a gestão de unidades de conservação com toda essa
complexidade. Mas os instrumentos apresentados possibilitam ao gestor encaminhar sua
tarefa com planejamento, avaliação, participação social e segurança jurídica. Nas UCs do
Tapajós outros instrumentos como o SAMGE – Sistema de Monitoramento e Avaliação
de Gestão, são também utilizados para guiar os caminhos do gestor ambiental público.
O próximo passo da gestão e comunidades indígenas será a elaboração do Plano de
Gestão Territorial das Terras Indígenas em interface com a Floresta Nacional do Tapajós
e Resex Tapajós-Arapiuns, conforme previsto na PNGATI, Política Nacional de Gestão
Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (Decreto nº 7.747, de 5 de julho de 2012).
Caros leitores, para finalizar a nossa viagem pela gestão das Unidades de Conser-
vação do Rio que Nos Une, mostramos na Figura 2 abaixo uma síntese dos instrumen-
tos que norteiam a gestão da Floresta Nacional do Tapajós e Resex Tapajós-Arapiuns.
Figura 2 – Quadro resumo dos Instrumentos de Gestão
Agradecimentos
A todos os colegas servidores do ICMBio, brigadistas, colaboradores, voluntários
e estagiários pelo empenho no avanço na gestão dessas UCs.
A ilustradora Heloisa Barbi Perucello pela produção das figuras utilizadas neste capítulo.
O RIO QUE NOS UNE
77
REFERÊNCIAS
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urbano, responsabilidade do loteador concessão de uso e espaço aéreo e dá outras pro-
vidências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0271.
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9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza – SNUC, e dá outras providências. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4340.htm. Acesso em: 22 fev. 2021.
BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1°, inci-
sos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm. Acesso em: 22 fev. 2021.
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VERSIDADE. Conselhos gestores de unidades de conservação federais: um
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ICMBIO – INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODI-

VERSIDADE. Instrução Normativa nº 07, de 30 de outubro de 2017. Estabelece
diretrizes e procedimentos para elaboração e revisão de planos de manejo de unida-
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br/portal/videos/24-legislacao/instrucoes-normativas/115-instrucoes-normativas.
Acesso em: 22 fev. 2021.
ICMBIO – INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVER-

SIDADE. Instrução Normativa nº 09, de 5 de dezembro de 2014. Disciplina as
diretrizes, normas e procedimentos para formação, implementação e modificação na
78
composição de Conselhos Gestores de Unidades de Conservação Federais. Disponível

em: https://www.icmbio.gov.br/portal/videos/24-legislacao/instrucoes-normativas/
115-instrucoes-normativas. Acesso em: 22 fev. 2021.

SIDADE. Instrução Normativa nº 35, de 27 de dezembro de 2013. Disciplina as
diretrizes e procedimentos administrativos para a elaboração e homologação do perfil
da família beneficiária em Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sus-
tentável e Florestas Nacionais, com populações tradicionais. Disponível em: https://
www.icmbio.gov.br/portal/videos/24-legislacao/instrucoes-normativas/115-instru-
coes-normativas. Acesso em: 22 fev. 2021.

SIDADE. Plano de Manejo Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Santarém:
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prazer em conhecer. Santarém: CEAPS – Projeto Saúde e Alegria, 2015.
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TUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Ciclo de
gestão de conselhos de unidades de conservação. Brasília: WWF-Brasil, 2016. 51 p.
CAPÍTULO V
O PAPEL DOS ARRANJOS
INSTITUCIONAIS LOCAIS NA
GOVERNANÇA DA FLORESTA
NACIONAL DO TAPAJÓS E NA RESERVA
EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS
Introdução
Embora em contextos históricos distintos, a criação da Floresta Nacional do
Tapajós (Flona do Tapajós), em 1974, e da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
(Resex Tapajós-Arapiuns), em 1998, impôs novas formas de organização social ao
território do Baixo Amazonas, exigindo a formação de arranjos institucionais por
meio da cooperação de vários agentes sociais. Para efeitos deste texto, arranjos ins-
titucionais são compreendidos como estruturas organizacionais formadas pelo con-
junto de entidades, processos, sistemas normativos e agentes sociais, considerando
suas inter-relações no atendimento dos objetivos socioambientais das Unidades de
Conservação (UC).
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei nº 9.985/2000,
institucionalizou as 12 categorias de UC subdivididas em dois grupos, de proteção
integral e de uso sustentável. As Resex e as Flonas pertencem ao grupo de uso
sustentável e adotam modelo de gestão compartilhada, baseado em sistema de
corresponsabilidade de diversos agentes sociais. Se por um lado a articulação entre
distintos agentes sociais do Estado, da sociedade civil e agentes econômicos (e seus
interesses) representa importante avanço no que se refere à participação social na
governança do território, por outro, expressa a complexidade e o desafio da gestão
compartilhada em integrar processos, muitas vezes, contraditórios. De fato, a gestão
compartilhada dos territórios das UC se tornou mais complexa e desafiadora no
sentido de que passou a considerar as características e necessidades de preservação
ambiental, associada à promoção da qualidade de vida dos moradores das UC e a
inserção de novos atores.
É neste sentido que a construção da ordem social é dependente dos arranjos
institucionais e da atuação de agentes sociais responsáveis pela mediação institucional
voltada à implementação de programas de intervenção, especialmente focados no
reconhecimento de direitos (NEVES, 2008). Os arranjos institucionais, enquanto
O PAPEL DOS ARRANJOS INSTITUCIONAIS LOCAIS NA GOVERNANÇA DA FLORESTA
NACIONAL DO TAPAJÓS E NA RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS
80
mecanismos institucionalizados de mediação social, que visam a participação e nego-

ciação, no caso da Flona do Tapajós e da Resex Tapajós-Arapiuns, para além dos res-
pectivos conselhos gestores, são materializados por meio das associações comunitárias
e intercomunitárias presentes e atuantes nas UC.
O protagonismo comunitário nos arranjos institucionais construídos se manifesta
por intermédio de lideranças locais, fundamentais no planejamento e execução das
estratégias de conservação e desenvolvimento projetados pela gestão compartilhada
das UC. Portanto, o campo de mediação social constituído pelos arranjos institucionais,
conforme ressaltado em estudo de Andrade (2019) na Resex Tapajós-Arapiuns, tem
nas associações comunitárias e seus representantes delegados, presidentes e demais
membros, o principal elo de interligação de dois universos distintos, o formal/legal
do Estado, responsável pela elaboração dos programas sociais (regras de uso e gestão
dos recursos naturais), e o tradicional, constituído na vida cotidiana dos moradores
das comunidades da UC.
O objetivo deste texto é apresentar análise e discussão referente a arranjos
institucionais locais constituídos com intuito de auxiliar na governança das UC,
enfocando suas interconexões, os processos que demonstrem a descentralização da
gestão e o empoderamento dos comunitários residentes na Flona do Tapajós e na
Resex Tapajós-Arapiuns. A análise toma como base pesquisas anteriores realizadas
nas duas UC pelos autores deste texto.
O arranjo institucional da Flona do Tapajós

O atual arranjo político institucional da Flona do Tapajós é formado por um
conjunto de organizações governamentais, não-governamentais e comunitárias que
permite que a gestão dos recursos da floresta seja feita de forma compartilhada por meio
de mecanismos de cogestão entre Estado e comunidade, cabendo a cada uma dessas
organizações papéis específicos na condução da gestão com fins de proporcionar o uso
sustentável dos recursos, como pode ser observado na Figura 1 a seguir.
Essas organizações estão fortemente entrelaçadas e foram criadas com papéis
distintos. Cabe à Federação das Organizações e Comunidades Tradicionais da Flona
do Tapajós (Federação) o papel de representar as comunidades tradicionais nas are-
nas de decisão das questões sociais e políticas, enquanto cabe à Cooperativa Mista da
Flona do Tapajós (COOMFLONA) o papel de executar o Plano de Manejo Floresta
Sustentável (PMFS) e lidar com as questões econômicas do manejo.
O RIO QUE NOS UNE
81
Figura 1 – Arranjo organizacional para o Manejo Florestal

Comunitário – MFC na Flona do Tapajós
ICMBIO
Cooperativa
Federação
AITA
Associações
ASMIPRUT Comunitária
Org.
ONGs Empresas
públicas
Fonte: Gama (2019, p� 155)�
As relações desse arranjo são coordenadas pelo conjunto de regras que for-
mam o atual sistema de governança, configurado a partir das mudanças institucionais
ocorridas na primeira década do século XXI. Essas regras fornecem os parâmetros
institucionais para a cogestão entre Estado e comunidade, permitindo a participação
de atores externos tais como organizações não-governamentais (ONGs), empresas
privadas e demais órgãos públicos além do órgão gestor da Unidade de Conservação
(UC), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO).
Na medida em que conformam as regras vigentes, as transformações no sis-
tema de governança foram fundamentais para a formação do atual arranjo político
institucional, contudo, esse arranjo é resultado da interação entre fatores externos
e fatores internos do sistema socioecológico da Flona do Tapajós. Entre os fatores
internos estão a presença de líderes ativos, que a partir de um histórico de lutas e
conquistas construíram ao longo dos anos uma reputação que se materializou em
confiança gerando um mecanismo circular de ação coletiva apresentado na Figura 2,
onde pode-se observar que as conquistas das associações fizeram com que se criasse
uma reputação positiva que alimentou a confiança nessas organizações permitindo a
criação de relações de reciprocidade e assim fortalecendo ainda mais as associações.
82
Figura 2 – Esquema da ação coletiva
Reputação
Conquistas das positiva das
Associações Associações
Fortalecimento Confiança dos

das associações comunitários
Relações de
reciprocidade
são
construídas
Fonte: Gama (2019, p� 140)�
Para compreender o mecanismo de interação entre fatores internos e externos

é necessário fazer uma retrospectiva das mudanças nas regras ambientais, ponderar
como elas impactaram as comunidades da Flona do Tapajós, e identificar qual foi a
reação dessas comunidades até a formação do atual arranjo. A primeira regra formal
que impactou o modo de vida das comunidades tradicionais foi a própria criação da
Flona do Tapajós, por meio do Decreto nº 73.684 de 19 de fevereiro de 1974. Criada
como uma Estação Experimental para o uso dos recursos, o ato do governo descon-
siderou a existência tanto dos ribeirinhos do rio Tapajós, que habitam a região há
séculos, quanto dos colonos que se estabeleceram à margem da BR 163, a partir do
incentivo de programas de colonização do governo da década de 1970, de modo que
este ato deu início a um conflito fundiário que durou mais de 20 anos.
Sem obter êxito nas inúmeras tentativas de retirar os comunitários do interior
da floresta, a partir de 1989 o governo modificou sua estratégia e alinhado a um novo
modelo de governança voltado para os mecanismos de mercado, iniciou a realização
de um inventário florestal juntamente com a Organização Internacional de Madeiras
Tropicais (ITTO, sigla em inglês). Essa parceria resultou no Projeto ITTO cujos recur-
sos subsidiaram atividades pré-exploratórias e definição do contrato de exploração
florestal que foi vencida por meio de licitação pela empresa Agropecuária Treviso
Ltda, que explorou madeira em uma área equivalente a 3.222 hectares no interior da
Flona do Tapajós, entre 1999 e 2004 (MMA, 2004).
Devido à ausência de regras sobre os critérios e condições para a concessão de
florestas públicas para uso da iniciativa privada, o que só correu com a Lei nº 11.284
de 2 de março de 2006, a Lei de Gestão das Florestas Públicas (LGFP), e também em
virtude dos conflitos fundiários que já existiam desde o momento de criação da UC,
esse modelo de concessão empresarial mostrou-se inadequado à realidade da Flona
O RIO QUE NOS UNE
83
do Tapajós e fracassou. A partir de meados da década de 1990, logo após a Confe-

rência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a RIO 92, mudanças emergiram
com maior intensidade, guiadas por novos atores, marcadamente ONGs. O modelo
de governança que se desenhou incluía a participação ativa de vários segmentos da
sociedade o que implicou na criação de novas regras e na construção de arranjos ins-
titucionais que fossem adequados aos novos padrões. Endogenamente, estimuladas
por ONGs e organizações da Igreja Católica, como as comunidades eclesiais de base,
as comunidades da Flona do Tapajós encontraram na intensa mobilização uma forma
de buscar mudanças e ajustes ao ambiente institucional restritivo e limitante que lhes
era imposto pelas regras existentes nesse período.
Assim, com o intuito de mudar a trajetória que estava sendo desenhada pelas
instituições e arranjos existentes, em meados da década de 1990 foram criadas duas
associações intercomunitárias. Unindo várias comunidades em torno de um único
objetivo, foram criadas a Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos Produto-
res Rurais e Extrativistas da margem direita do Rio Tapajós de Piquiatuba à Revolta
(ASMIPRUT) e a Associação Intercomunitária dos Pescadores, Trabalhadores Rurais
e Seringueiros da margem direita do Rio Tapajós (AITA).
Dando continuidade a essa mudança de trajetória, em 1997 outro fator externo
veio impulsionar as mudanças e a auto-organização. Trata-se do Programa Piloto para
Proteção das Florestas Tropicais, instituído por meio do Decreto nº 2.119 de 13 de
janeiro de 1997, que atualmente não está mais em vigor. Entre suas ações o programa
previa a disponibilização de recursos financeiros, por meio do Projeto de Apoio ao
Manejo Florestal Sustentável na Amazônia (ProManejo), para o fortalecimento de
iniciativas de uso dos recursos por comunidades tradicionais. Com os recursos do
ProManejo as comunidades da Flona do Tapajós elaboraram o Plano Diretor, o Plano
de Utilização, que contaram com a participação dos comunitários na sua elaboração,
avançando-se assim na construção de arranjos de governança participativa, e o PMFS
da UC.
Para Veríssimo (2005), o ProManejo foi um ponto de Atualmente o Plano de Utilização foi substituído pelo
inflexão na trajetória do manejo florestal comunitário Acordo de Gestão, um instrumento instituído pela IN/
(MFC) da Flona do Tapajós, na medida em que possibili- ICMBIO nº 29 de 2012 que estabelece as regras da
tou por meio da disponibilização de recursos financeiros gestão compartilhada entre Estado e comunidades
o fortalecimento da organização social, a elaboração de tradicionais.
instrumentos de governança e a adaptação as novas
tecnologias para uso dos recursos através de cursos e
treinamentos aos comunitários.
Apesar de na década de 1990 ter iniciado um movimento em direção a uma

governança participativa, com a inserção de novos atores e um incentivo a organiza-
ção social e protagonismo das comunidades, foi somente a partir de 2000 que esse
movimento se materializou em uma regra formal, a Lei nº 9.985 de 18 de julho de
2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
O SNUC veio regulamentar uma série de conquistas das comunidades tradicionais,
entre elas: o direito de uso dos recursos, por meio da institucionalização do contrato de
84
concessão de direito real de uso (CCDRU) e, o direito a gestão compartilhada, por meio
da criação de Conselhos, no caso das Flonas, os Conselhos Consultivos.
A consolidação dessas conquistas estabelecidas no SNUC se deu ao longo da primeira
década do século XXI, por meio dos Decretos e Instruções Normativas. No caso especí-
fico da Flona do Tapajós, como já havia uma forte articulação iniciada pelas organizações
intercomunitárias criadas na década anterior, o Conselho Consultivo foi instituído antes
mesmo da existência da normativa adequada, de modo que em 2001 o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) emitiu a Portaria nº 84 criando o
Conselho Consultivo da Flona do Tapajós e aprovando o seu Regimento Interno.
Com relação à definição dos direitos de propriedade, o Contrato de Concessão
de Direito Real de Uso (CCDRU) foi assinado em 2010 entre o ICMBio e a Federação,
organização criada em 2004 para representar politicamente todas as comunidades da
Flona do Tapajós, permanecendo, contudo, as associações comunitárias e intercomuni-
tárias. Antes, porém, da assinatura do CCDRU, em 2004 o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG) por meio da Portaria nº 166 cedeu ao Ibama duas
áreas, referente a parte da área onde foi criada a Flona do Tapajós, com objetivo de
regulamentar o uso dos recursos florestais madeireiros pelas comunidades tradicionais.
De posse do direito de explorar os recursos florestais e com o PMFS aprovado,
em 2005 as comunidades tradicionais da Flona do Tapajós iniciaram as atividades do
MFC, com foco, inicialmente, na exploração madeireira. Entretanto, antes do início das
atividades as comunidades tradicionais da Flona do Tapajós tiveram que se adaptar ao
ambiente institucional vigente que impunha restrições a comercialização de produtos
madeireiros por associações. Diante disso a cooperativa COOMFLONA foi fundada em
2005, com o objetivo de ser a organização responsável pela operacionalização do MFC.
Foi a partir dessa trajetória histórica de mudanças e adaptações que se chegou
ao atual arranjo político institucional de gestão da Flona do Tapajós. Trata-se de um
arranjo sustentado em um sistema de regras que garante que as relações entre as
organizações internas e externas à Flona do Tapajós possam ocorrer sem interme-
diários, requerendo a anuência do órgão gestor e dos colegiados de deliberação, em
casos específicos. Ou seja, o sistema de governança atual concede às organizações
comunitárias autonomia para realizar as próprias parcerias.
Dessa forma, as organizações comunitárias, tais como Federação, Associações
Intercomunitárias e Comunitárias, estão constantemente realizando parcerias com
ONGs, a exemplo das parcerias com o Projeto Saúde e Alegria e com a Conservação
Internacional, e com órgãos públicos para implantação de projetos de pesquisa e
extensão que proporcionem transmissão de conhecimento e geração de renda.
Contudo, é importante destacar que para Espada (2015) essas parcerias são pouco
densas o que traz fragilidade para o arranjo. Entre essas fragilidades a autora cita: a
informalidade das parcerias e relações de poder desequilibradas face sobretudo a forte
dependência técnica das organizações comunitárias para proposição de projetos com
vistas a busca de recursos financeiros para executá-los.
Por outro lado, Gama (2019) identificou que o envelhecimento dos líderes expe-
rientes e a pouca participação dos mais jovens nas decisões é o principal ponto de
O RIO QUE NOS UNE
85
vulnerabilidade do arranjo, uma vez que a manutenção do mecanismo circular de ação

coletiva depende da presença de líderes ativos e comprometidos.
De forma complementar, outra fragilidade identificada por Gama (2019) foi o
baixo nível de diversificação produtiva com relação às práticas de manejo, uma vez
que o arranjo atual concede certo privilégio ao manejo madeireiro em detrimento
ao não madeireiro. A maior utilização dos recursos florestais não madeireiro, como
por exemplo a andiroba e a copaíba, entre outros, implicaria numa ampliação dos
resultados econômicos para outros usuários, na redução da pressão sobre os recursos
madeireiros e, ainda, no fortalecimento do arranjo, evitando que projetos paralelos
sejam conduzidos e colaborem para enfraquecimento da ação coletiva.
Do ponto de vista externo a instabilidade surge na possibilidade de alterações nas
regras atuais, que caso ocorram, demandarão novas adaptações. Entre essas mudanças
destaca-se a demarcação de Terras Indígenas (TIs) no interior da Flona e a incerteza
na forma como elas serão homologadas. Caso a homologação seja feita por meio de
Decreto, as TIs permanecerão na Flona e a gestão será compartilhada, algo que já se
iniciou com a inclusão da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e do Conselho Indígena
Munduruku (CIM) no Conselho Consultivo da Flona. Caso a homologação das TIs se dê
por meio de lei, será necessária a desafetação de terras que deixar de fazer parte da UC.
O desafio atual é a manutenção e no fortalecimento do capital social, face a
mudanças que poderão advir, tais como: a definição das TIs e a consequente inserção
de mais um órgão governamental, a FUNAI, na gestão compartilhada; a ampliação
dos negócios da cooperativa, a criação da agroindústria e da serraria; novas demandas
dos atores internos e externos, quanto à dinâmica e os resultados do manejo florestal
comunitário (MFC); e as questões fundiárias que permanecem indefinidas das comu-
nidades no sul da Flona.
O protagonismo das associações e lideranças comunitárias nos

arranjos institucionais da Resex Tapajós-Arapiuns
A constituição da Resex Tapajós-Arapiuns resultou do encadeamento de esfor-
ços, organizados a partir de arranjo institucional que ficou conhecido como Grupo
de Trabalho da Resex. Dentre os diversos componentes do referido GT, estavam duas
organizações constituídas por iniciativas locais, as quais tiveram atuação fundamental
na criação da Reserva: a Associação Intercomunitária das Regiões do Arapiuns, Maró
e Aruã – Airama e a Associação Yané-Caeté.
Com a nova configuração do território a partir da institucionalização de Reserva
Extrativista (em 6 de novembro de 1998), foi necessária criação de conjunto de progra-
mas de intervenções estatais de preservação ambiental e desenvolvimento social. No
processo organizativo das comunidades da Resex, as associações comunitárias e inter-
comunitárias se tornaram uma das principais medidas administrativas de representação
política, de participação em processos de decisão, de defesa de seus interesses e resolução
de problemas comuns, contribuindo para o fortalecimento social dos moradores.
86
Embora o Conselho Deliberativo, o qual era formado em 2018 por 11 entidades

do setor público, 10 da sociedade civil e 29 associações comunitárias, seja o principal
espaço institucional de tomada de decisão e definição de programas, as associações,
compreendidas como movimentos associativos comunitários, são fundamentais na
articulação política, elaboração e divulgação de metas, diretrizes, ideias e modos de
organização da Resex. As associações são responsáveis tanto pela mediação da par-
ticipação das comunidades na gestão da UC, por meio de seus presidentes e demais
membros gestores que transitam por distintos ambientes institucionais, quanto pela
mobilização das ações na esfera comunitária, assim como pelo aprimoramento da
consciência política entre os moradores.
Em pesquisa realizada por Andrade (2019, p. 158), que analisou processos de
mudanças sociais, tomando como estudo de caso situações sociais observadas nas
comunidades Anã e Boim, constatou-se que “em 2004 havia 12 associações na área da
Resex, no período entre 2005 e 2018 foram criadas 39 associações, correspondendo a
um incremento de 325% no período, somando 51 associações formais registradas em
2018”. Anteriormente à criação da Resex, as poucas associações existentes estavam
constituídas em modelos de organização informal, sem registro no Cadastro Nacional
da Pessoa Jurídica (CNPJ), estatuto e prestação de contas. Após a constituição da
Resex, passou a vigorar um modelo de organização de associações formalizadas, com
ações estabelecidas em estatuto social, estrutura de gestão baseada em Conselho de
Administração, Diretoria e Conselho Fiscal, sendo os gestores escolhidos mediante
eleições com mandatos previamente instituídos (ANDRADE, 2019).
O Conselho Comunitário e a Organização das Associações da Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns – Tapajoara são as principais instâncias institucionais de representação
constituídas pelos moradores da Resex. O Conselho Comunitário é composto por três
lideranças paritárias de cada comunidade e/ou aldeia, sendo de sua competência deli-
berar sobre os assuntos políticos, administrativos, financeiros e projetos que envolvam
a área da UC. A Tapajoara, considerada ‘mãe’ das organizações intercomunitárias da
Resex, preside o Conselho Comunitário e é a representante institucional dos moradores
e organizações locais. Ela foi fundada em 7 de julho de 1999, com o objetivo de promo-
ver a gestão participativa, conjuntamente com demais gestores da UC, principalmente
no que se refere à organização das associações comunitárias presentes no território. De
acordo com o estatuto da Tapajoara, é sua missão e objetivo, além da representação dos
moradores, zelar pelo território, sendo ela a concessionária do CCDRU.
Essa configuração de organização formalizada confere aos comunitários o status de
sujeitos políticos, podendo atuar na interlocução direta com órgãos do governo (federal,
estadual e municipal), ONGs (nacionais e internacionais), instituições financeiras, orga-
nismos de financiamento, acesso a serviços de assistência social via programas públicos
e garantia de direitos (ANDRADE, 2019). Foi por intermédio da associação Tapajoara,
mediante negociação travada no ano de 2002 por seu presidente, Sr. Nazareno José de
Oliveira (presidente da segunda diretoria executiva – mandato 2002 a 2005), que comu-
nitários residentes em UC obtiveram acesso ao crédito habitação.
O financiamento de habitações, até o ano de 2002, era desenvolvido pelo pro-
grama de reforma agrária, em parceria entre Ministério do Desenvolvimento Agrário
O RIO QUE NOS UNE
87
(MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), restrito a

moradores de projetos de assentamento. Sr. Nazareno, em reunião na sede do MDA
em Brasília, em 2002, convenceu os representantes do Estado de que o financia-
mento deveria ser ampliado para o crédito atender outras populações tradicionais.
Deste modo, em setembro de 2002, foi publicada a Portaria Interministerial 013/2002
MDA/MMA, que estendeu o acesso ao crédito habitação às populações tradicionais
beneficiárias de UC de uso sustentável (ANDRADE, 2019).
Nazareno José de Oliveira

No meu mandato, de 2002 a 2005, nós trabalhamos o crédito habitação
das comunidades. Inclusive aqui eu coordenei 70 unidades para ajudar a
construir com os pedreiros. Foi uma conquista em meu mandato como pre-
sidente da Tapajoara, consegui no Ministério do Desenvolvimento Agrário
– MDA. O modelo de projeto de habitação era feito só nos assentamentos.
Por que só nos assentamentos? Como foi meu argumento? Nós como bra-
sileiros, trabalhadores e produtores, nós precisávamos de ter uma moradia
descente, que as nossas casinhas eram de palha, de barro, de madeira.
A gente nunca morou numa casa de alvenaria. Então nós precisávamos.
Nós precisamos ter uma educação de boa qualidade, eu fui aluno disso,
estudei e tive dificuldade de apagar meu erro porque não tinha borracha.
Nós precisávamos de ter uma saúde e um atendimento de boa qualidade.
E nós precisava ter dinheiro no bolso através de projetos de mercado, para
a nossa produção da Resex. Esses argumentos eu falei lá e a resposta foi
(Fonte: Arquivo pessoal de simples: “Ok, então vai o crédito para as Resex também”.
Natalina de Oliveira, 2020).
Importa destacar que são pelas articulações interinstitucionais que as associações

comunitárias têm a possibilidade de acessar programas e recursos para sanar demandas
locais. A exemplo da parceria firmada no ano de 2015 entre o ICMBio e o governo
dos Estados Unidos da América, por intermédio da US Forest Service (Serviço Flo-
restal Americano) e a United States Agency for International Development – USAID
(Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), que destinaram
R$ 90.000,00 (noventa mil reais) para três comunidades da Resex. Os recursos foram
disponibilizados via associação para: comunidade Cametá, Associação Intercomunitá-
ria de Moradores Extrativistas de Cametá e Andarú (AMECA); comunidade Pascoal,
Associação Comunitária Rural e Extrativista de Pascoal (ACREP); comunidade Anã,
Associação de Piscicultores e Extrativistas da Comunidade Anã (APAA) e a Coope-
rativa de Ecoturismo e Artesanato da Floresta (TURIARTE).
Do ponto de vista operacional, a criação de associações tornou-se importante para
gestão dos interesses comuns aos moradores das comunidades da Resex, seja para o
acesso a recursos financeiros ou materiais de instituições públicas e privadas, seja para
gestão de embarcações comunitárias, operacionalização de infraestruturas básicas, como
os microssistemas de água e energia das comunidades, acesso a programas públicos, como
o crédito habitação, ou na intermediação de projetos de desenvolvimento, preservação
e pesquisa. As mobilizações associativas na Resex são as principais responsáveis pela
88
implementação de atividades voltadas para a geração de alimento e renda aos moradores.

A título de exemplo, sem pretensão de esgotar as inúmeras experiências no território,
destacaremos apenas algumas. Pode-se citar a criação de peixe em tanque rede, produ-
ção de ração para peixes, meliponicultura e o turismo de base comunitário, atividades
desenvolvidas na comunidade Anã, coordenadas pelas respectivas entidades: APAA,
Mulheres Sonhadoras em Ação – MUSA e a TURIARTE.
A Associação de Moradores Agroextrativistas e Indígenas do Tapajós – AMPRA-
VAT é outra iniciativa desenvolvida na Resex, envolvendo dez comunidades. A asso-
ciação tem se destacado nas atividades de artesanato, produção, beneficiamento e
comercialização de alimentos. Também com protagonismo das mulheres, a associação
vem trabalhando com produtos derivados da mandioca e, aos poucos, vem conquis-
tando espaço na região pela produção de vinho de mandioca. Destaca-se ainda que,
recentemente, em 2019, teve início o primeiro projeto de manejo florestal sustentável
comunitário na Resex, desenvolvido pela Cooperativa Mista Agroextrativista do Rio
Inambú – Cooprunã (ALMEIDA, 2020).
Ainda no âmbito da gestão compartilhada da Resex, a legitimidade das associa-
ções é confirmada por intermédio de seu envolvimento em canais formais de participa-
ção, como os Grupos de Trabalho – GTs de caráter temporário e as Câmaras Técnicas,
de caráter permanente, os quais contribuem para o reconhecimento e fortalecimento
das entidades locais (ANDRADE, 2019). Em 2016 havia cinco GTs em atividade no
Conselho Deliberativo da Resex Tapajós-Arapiuns voltados ao debate de questões
fundamentais à UC: I) Planejamento de Uso Público II) Relação de Beneficiários (RB)
da Resex; III) Projeto Conselho nas Comunidades (Edital ARPA cujo escopo previa
incentivar a participação de conselheiros e comunitários na gestão); IV) GT para dis-
cussão da questão do gado e; V) GT para discussão da pesca. Além desses, mesmo
que atualmente estejam inativos, outros GTs foram importantes para a gestão da UC,
como os GTs sobre educação, infraestrutura e assistência técnica.
Além dos GTs, em 2016 havia a Câmara Técnica Territorial, constituída para discu-
tir e apresentar propostas de resolução de questões territoriais relacionadas às questões
de identidades indígenas e não indígenas. Cerca de 41% das entidades componentes
do Conselho Deliberativo estavam participando ao menos de uma dessas instâncias de
debates, sendo que a grande maioria era de associações comunitárias e intercomunitárias.
Conferindo maior complexidade aos arranjos institucionais estabelecidos na
Resex, é importante mencionar que a região do Baixo Tapajós é marcada por proces-
sos de emergência de identidades étnicas indígenas. Em 2018 havia 74 comunidades
na Resex e cerca de 35 aldeias, sendo que em alguns casos aldeias e comunidades
ocupam áreas sobrepostas. Conforme registra Andrade (2019, p. 169), este fato “gera
conflitos até o momento presente na consolidação de práticas associativas e tornam
a governança da UC arena de manifestação de conflitos interétnicos”.
O movimento indígena na região do Baixo Tapajós emerge no contexto de
criação da Flona do Tapajós e se consolida com a criação da Resex Tapajós-Arapiuns.
No atual contexto, o movimento indígena da região é organizado a partir do Grupo
Consciência Indígena – GCI e do Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns –
CITA. Em 2017, atendendo à demanda do CITA, o Conselho Deliberativo da Resex
O RIO QUE NOS UNE
89
conferiu à organização o mesmo status que a Tapajoara no âmbito da representação

sociopolítica e decisória nas instâncias de gestão do território.
A despeito dos conflitos em torno do uso dos recursos naturais, que no atual contexto
envolve principalmente Planos de Manejo Florestal Sustentável Comunitário implantados
ou em processo de licenciamento, além das sobreposições territoriais, grupos indígenas
presentes na Resex também vêm adotando a constituição de associações como forma
de representação. De acordo com o planejamento da Diretoria Executiva da Tapajoara
(2017-2020), naquele contexto havia oito associações indígenas na Resex, as quais exerciam
importante papel nas articulações interinstitucionais, internas e externas às aldeias.
Embora com trajetórias diferentes, reflexo principalmente das características das
categorias de UC, a Resex Tapajós-Arapiuns e a Flona do Tapajós comungam de um
fator comum no que se refere à formação de seus arranjos institucionais locais, que é o
engajamento das associações comunitárias nos processos de construção das formas de
participação comunitária. Além disso, tais interconexões foram estruturadas com base em
um sistema de regras consolidado a partir do começo do século XXI, o qual implementou
a governança compartilhada, dando ênfase ao papel de diferentes atores nos processos de
gestão e uso dos recursos naturais, retirando do Estado o papel de único gestor.
A partir da criação das UC se desenhou um arranjo institucional formal/legal,
impondo diferenciadas formas de envolvimento político, consequentemente, ressigni-
ficando a participação social na gestão do território, instituindo as associações como
importantes agentes responsáveis pela interlocução política com instituições internas
e externas às UC. Por um lado, do ponto de vista operacional, a ação administrativa
preconizada pela maioria dos programas e subprogramas, ao indicarem os rumos das
relações sociais (políticas, econômicas e ambientais) convertem as associações em
canais decisivos na interlocução entre os moradores e a governança da UC.
Contudo, este processo não está livre de conflitos, é marcado por contrariedades,
negociações, disputas internas e externas. Se por um lado as associações demarcam uma
nova forma de organização política, por outro, podem se constituir como campos de
disputas de poder no cotidiano interno às comunidades, assim como no âmbito dos
conselhos gestores. Embora elas proporcionem melhor capacidade organizativa dos
comunitários, elas criam ambientes de poder que exigem atuação na formulação de
demandas e diálogos com distintos agentes estatais e da sociedade civil. Atuação que con-
fere às lideranças locais distinção e status, podendo gerar rivalidades e até desarticulação
entre moradores das comunidades e enfraquecimento de laços de confiança interpessoal.
90
REFERÊNCIAS
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de ocupação territorial no Oeste Paraense – Amazônia Oriental. 2020. 206 f.
Tese (Doutorado em Ciências Ambientais) – Programa de Pós-Graduação Sociedade,
Natureza e Desenvolvimento – PPGSND, da Universidade Federal do Oeste do Pará
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public/programa/defesas.jsf ?lc=pt_BR&id=815. Acesso em: 2 dez. 2020.
ANDRADE, Marcelo Moraes de. Organização social na Reserva Extrativista

Tapajós-Arapiuns: sistemas sociais em mudança. 2019. 294 f. Tese (Doutorado em
Ciências Ambientais) – Programa de Pós-Graduação Sociedade, Natureza e Desenvol-
vimento – PPGSND, da Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, Santarém,
PA, 2019. Disponível em: https://sigaa.ufopa.edu.br/sigaa/public/programa/defesas.
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BRASIL. Decreto nº 2.119, de 13 de janeiro de 1997. Dispõe sobre o programa

piloto de proteção das florestas tropicais sua comissão de coordenação e dá outras
providências. Diário Oficial da União, DF, Brasília, p. 733, 14 jan. 1997. Seção 1.

Tapajós e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v. 2, p. 245,
20 fev. 1974. Seção 1.
BRASIL. Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006. Dispões sobre a gestão de florestas

públicas para a produção sustentável, institui, na estrutura do Ministério do Meio
Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro – SFB, cria o Fundo Nacional de Desenvol-
vimento Florestal – FNDF, altera as Leis nº 10683 de 28 de maio de 2003, 5868 de 12
de dezembro de 1972, 9605 de 12 de fevereiro de 1968, 4771 de 15 de setembro de
1965, 6938 de 31 de agosto de 1981 e 6015 de 31 de dezembro de 1973, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 1, 3 mar. 2006. Seção 1.
BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta os arts. 225, incisos I, II,
III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Con-
servação da Natureza e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
DF, v. 7, p. 4.917, 19 jul. 2000. Seção 1.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente – MMA. Floresta Nacional do Tapajós:

Plano de Manejo. Brasília: S.e, 2004.
ESPADA, Ana Luiza Violato. Parceria enquanto dimensão da governança

ambiental para o manejo florestal comunitário na Amazônia: o caso da Floresta
Nacional do Tapajós. 2015. 151 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Programa de
O RIO QUE NOS UNE
91
Pós-Graduação em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Ama-

zônia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.
GAMA, Zilda Joaquina Cohen dos Santos. Governança dos recursos florestais em
Unidades de Conservação na Amazônia: o manejo florestal comunitário na Floresta
Nacional do Tapajós. 2019. 237 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.
INSTITUTO Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

Portaria nº 84, de 29 de junho de 2001. Cria o Conselho Consultivo da Floresta
Nacional do Tapajós. Brasília.
INSTITUTO Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

Portaria nº 9, de 22 de fevereiro de 2005. Aprova o Plano de Manejo da Floresta
Nacional do Tapajós. Brasília.
NEVES, Delma Pessanha. Mediação social e mediadores políticos. In: NEVES, D. P.

(org.). Desenvolvimento social e mediadores políticos. v. 1. Porto Alegre/Brasília:
Editora da UFRGS/PGDR/NEAD, 2008. p. 21-44.
VERÍSSIMO, Adalberto. Influência do Promanejo sobre políticas públicas de manejo

florestal sustentável na Amazônia. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005.
CAPÍTULO VI
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO
DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO:
o papel dos conselhos gestores na Flona
do Tapajós e na Resex Tapajós-Arapiuns
Biane Silva Pontes
Introdução
A promulgação da Lei n° 9.985, em julho do ano 2000, conhecida como a Lei do
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), demarcou uma nova fase na
legislação brasileira de planejamento ambiental. Para além de sua relevância no que se
refere aos tipos de Unidades de Conservação (UC’s), o SNUC abriu espaço para a rea-
lização de um desejo antigo da sociedade civil e de ambientalistas: a participação social.
O SNUC estabeleceu princípios democráticos na gestão das UC’s ao criar instâncias de
promoção de participação, destaque para os Conselhos Gestores.
Os conselhos são espaços importantes de participação da sociedade, contri-
buindo com a interlocução política do governo e a população. São espaços de debate
e formulação de políticas públicas, no qual a sociedade tem a possibilidade de exercer
o controle social do governo, descentralizando-o, ou seja, compartilhando as decisões
e não somente cumprindo-as (SOUZA, 2012).
Mas, afinal, o que é participação social? Participação social é o envolvimento
da sociedade civil na governança pública e ocorre quando, por meio de suas repre-
sentações em instâncias de decisão, a sociedade tem poder de intervir na proposição,
implementação e gestão de políticas públicas. Direito garantido na Constituição Federal
de 1988, esse tema tornou-se forte bandeira de luta dos movimentos sociais, princi-
palmente a partir da década de 1990. Entre os principais instrumentos de participação
social no Brasil estão os Conselhos e Comitês gestores de políticas públicas. Esses
órgãos colegiados geralmente são formados por representantes do poder público e
da sociedade civil organizada.
Apesar da Constituição Federal de 1988 garantir que a sociedade tenha oportu-
nidade de participação, sendo esta manifestada pela democracia direta (participativa)
PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO:
o papel dos conselhos gestores na Flona do Tapajós e na Resex Tapajós-Arapiuns
94
ou indireta (representativa), e dos avanços significativos previstos no SNUC, tanto

relativos à proteção da biodiversidade, quanto à inserção de instâncias de participação
na gestão das áreas protegidas no Brasil, muitos são os entraves na sua efetivação
(SANTOS et al., 2013).
Para assegurar a participação social na gestão das UC’s, no contexto do estado
brasileiro foi instituída a chamada gestão participativa, que é uma diretriz utilizada
em muitos países onde existem alianças pela conservação dos recursos naturais, con-
siderada um mecanismo de administração conjunta que permite o envolvimento de
pessoas com diferentes níveis sociais e escolaridade (SATHLER, 2005). Na gestão
participativa das UC’s, a participação é livre e voluntária e o SNUC (Lei nº 9.985/2000)
prevê no Art. 5º, inciso 3, “a participação efetiva das populações locais na criação,
implantação e gestão das Unidades de Conservação”.
Ao longo do tempo, os Conselhos Gestores de UC’s vem sendo implementa-
dos pelo ICMBio, de modo a consolidar a gestão compartilhada dos territórios. Na
atualidade, configuram-se como um dos principais indicativos do nível de efetividade
de gestão. Mas, como ocorre essa participação? Ao longo das seções a seguir são des-
critos os processos de criação dos Conselhos Gestores da Floresta Nacional (Flona)
do Tapajós e da Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, destacando suas res-
pectivas formas de funcionamento e importância como instrumentos de participação
e controle social na gestão do território.
Conselhos gestores como instrumentos de participação social

na gestão de UC’s
A degradação ambiental provocada pela ação antrópica, notadamente a partir
da revolução industrial do século XIX, tem provocado mudanças em nosso planeta
sob diferentes formas e colocado em risco nossa própria existência (BRUDTLAND,
1987). Em nível mundial, a criação de áreas protegidas representa o esforço para
evitar a destruição do meio natural, causados pelo desmatamento e pela expansão
das atividades humanas sobre os ecossistemas naturais. Assim, diversos países insti-
tucionalizaram áreas protegidas com nomenclaturas e regimes de administração de
acordo com suas realidades socioambientais, fundamentados no aprimoramento dos
objetivos de conservação e sustentabilidade.
O Brasil adotou um modelo original de gestão institucional de proteção e con-
servação do meio natural, distinto inclusive pela adoção da terminologia ‘Unidades
de Conservação’. Conforme apresentado no capítulo “Os instrumentos de Gestão da
Floresta Nacional do Tapajós e da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns”, os modelos, os
instrumentos e as legislações foram sendo modificados no decorrer de décadas e,
progressivamente, se ajustando às peculiaridades do Brasil. Atualmente há consenso
entorno da premissa de que a inclusão de populações locais ou da sociedade de modo
geral na gestão de UC’s é fundamental para o delineamento e alcance de princípios
de conservação. Neste sentido, a participação social tornou-se fundamental à boa
O RIO QUE NOS UNE
95
governança, a qual pode ser compreendida como as “interações entre estruturas,

processos e tradições que determinam como o poder e as responsabilidades são exer-
cidos, como as decisões são tomadas e como cidadãos ou outros interessados diretos
manifestam sua opinião” (BORRINI-FEYERABEND et al., 2017, p. 10).
No contexto de UC’s, a participação social representa a necessidade de demo-
cratização das decisões sobre questões ambientais, de modo a buscar maior integração
entre agentes do Estado, população em geral e o meio natural. Conforme previsto
no SNUC, os Conselhos Gestores são os instrumentos legais de participação social,
tendo como premissa a gestão compartilhada dos territórios.
Por definição, o Conselho Gestor de uma UC é um espaço de articulação de
interesses de diversos agentes sociais que o compõem, discussão e, a depender de sua
condição, de deliberação. Em termos de planejamento e gestão de uma UC, é o meca-
nismo responsável por amparar a constituição dos demais instrumentos de gestão, tais
como: diagnósticos ambientais e socioeconômicos, elaboração e aprovação de planos
de manejo, acordos de uso e manejo de recursos naturais, dentre outros.
Logo, o Conselho Gestor é o ambiente de concretização da gestão comparti-
lhada por promover a participação de diferentes representantes delegados de órgãos
públicos, instituições privadas, organizações não governamentais e entidades repre-
sentativas de variados segmentos sociais atuantes na região onde a UC está situada. É
a instância política e técnica com a incumbência de estabelecer diretrizes de controle
social e ambiental, delinear articulações interinstitucionais, fomentar a elaboração
de mecanismos de conservação ambiental, propor melhorias para a UC, estimular o
desenvolvimento de instrumentos que favoreçam o bem-estar das populações resi-
dentes na UC, identificar e propor alternativas de resolução de problemas. Tudo isso
sem perder de vista os objetivos da UC.
Assim, o Conselho Gestor de UC’s de uso sustentável tem como pressuposto
servir de instrumento de participação social por ser constituído de representações das
populações/comunidades que habitam a UC. Nesse contexto, as comunidades, bem
como os demais atores sociais envolvidos com as UC’s atuam, direta e indiretamente,
na gestão delas por intermédio de seus conselhos.
Os Conselhos Gestores têm a prerrogativa de discutir temas diversos, tais como:
políticas internacionais, acordos orçamentários nacionais e de planos regionais de uso
da terra, implementação de projetos dentro da UC e decisões cotidianas que afetam o
modo de vida dos comunitários. Entretanto, conforme determinado na lei do SNUC,
os conselhos assumem diferentes papeis e apresentam constituições de acordo com a
finalidade da UC, podendo ser deliberativos ou consultivos, conforme a categoria em
que a unidade está inserida. No Quadro 1 a seguir, são apresentadas as características
atribuídas no SNUC aos Conselhos Consultivo e Deliberativo:
96
Quadro 1 – Atribuições dos Conselhos Consultivos e Deliberativos
Conselho Consultivo Conselho Deliberativo
• Decide sobre assuntos relacionados à forma de • Decide sobre assuntos relacionados à forma de
funcionamento do Conselho, prevista em seu Regi- funcionamento do Conselho, prevista em seu
mento Interno; Regimento Interno;
• Decide sobre o conteúdo do Plano de Ação do • Decide sobre o conteúdo do Plano de Ação do
Conselho; Conselho;
• Emite manifestações sobre assuntos relacionados • Decide sobre assuntos relacionados à gestão da
à gestão da unidade de conservação; unidade de conservação;
• Propõe resoluções; • Emite resoluções;
• Emite recomendações e moções. • Emite recomendações e moções;
Fonte: Adaptado a partir de Instituto Estadual de Florestas – IEF, Minas Gerais (2021).
Com a institucionalização da Lei do SNUC em 18 de julho do ano 2000, houve

significativas mudanças nos regimes de governança de UC’s, principalmente pela clas-
sificação, categorização e formas de gestão. O SNUC definiu que as UC’s seriam
administradas pelo Estado, com a participação da sociedade civil.
Em 2002, o Decreto nº 4.340 regulamentou o SNUC e em seu Capítulo V, definiu
as diretrizes para criação, funcionamento, composição e competência dos conselhos e
órgãos gestores de UC’s. Assim, ficou determinado que as Resex seriam geridas por um
Conselho Deliberativo, presidido por um agente do Estado vinculado ao órgão gestor:
§ 2o A Reserva Extrativista será gerida por um Conselho Deliberativo, presidido

pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de
órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais
residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da
unidade (BRASIL, 2002).
Esse mesmo dispositivo estabeleceu que as Flonas devem dispor de Conselho

Consultivo, formado por representantes delegados de diversos órgãos públicos e pri-
vados, assim como representantes de populações tradicionais residentes no território.
Uma das normas de regularização dos Conselhos Deliberativos foi efetuado
pela Instrução Normativa – IN nº 02, de 18 de setembro de 2007, do Ministério do
Meio Ambiente – MMA, que disciplinou as diretrizes, normas e procedimentos para
formação e funcionamento do Conselho Deliberativo das Resex’s e das Reserva de
Desenvolvimento Sustentável – RDS. Esta normativa, além de instituir a figura do
‘chefe’ da UC, estabeleceu o Conselho Deliberativo como órgão institucional máximo
responsável pela gestão das referidas UC’s e definiu-o como “[...] o espaço legalmente
constituído de valorização, discussão, negociação, deliberação e gestão da Unidade de
Conservação e sua área de influência referente a questões sociais, econômicas, culturais
e ambientais” (BRASIL, 2007, Art. 2º).
A IN ICMBio nº 11, de 8 de junho de 2010, disciplinou as diretrizes, normas e
procedimentos para a formação e funcionamento de Conselhos Consultivos em UC’s
federais. Em dezembro de 2014, a IN foi revogada e publicou-se a IN n° 9 com uma
nova abordagem, indicando também que a composição do conselho deveria ser por
O RIO QUE NOS UNE
97
instituições representativas dos setores que tenham relação com os usos do território
de influência das UC’s. A definição das instituições ocorre no âmbito do próprio
conselho, em assembleias definidas para essa finalidade.
Os moradores das comunidades, conforme demonstrado no capítulo V deste
livro “O papel dos arranjos institucionais locais na governança da Flona do Tapajós e na Resex
Tapajós-Arapiuns”, são detentores de direitos sobre o território, no âmbito da gestão,
tem seu direito à participação garantidos pela constituição de associações comunitárias
e intercomunitárias. Por essa forma de representação, garantem assento nos Conselhos
Gestores e direito a voto.
Assim, o tipo de governança adotado para administração da UC é o que deter-
mina o nível de participação social. Por exemplo, no regime de governança pública,
a gestão é centralizada no Estado; no regime de cogestão ou gestão compartilhada, a
administração da área envolve diversos atores, governamentais e não governamentais;
já no regime de governança privada, a gestão compreende UC’s sob propriedade de
indivíduos, cooperativas, ONGs ou empresas, geridas com ou sem fins lucrativos;
e, por fim, na governança comunitária, a gestão é de responsabilidade das próprias
pessoas residentes nas comunidades da UC (DUDLEY, 2008).
Diversos estudos, como os de Bulla e Leal (2004), Azevedo (2005) e Pontes
(2017), apontam que os conselhos se mostram como os principais instrumentos da
gestão descentralizada e participativa da sociedade civil e, ainda, são tidos como um
dos principais instrumentos de participação democrática, à medida que são e geram
espaços de participação, debate e controle social da gestão pública. Assim, os Conse-
lhos Gestores atuam ora como mecanismos de cooperação na gestão pública, ora como
canais democráticos ou como instrumentos de participação popular, com a finalidade
de promover o controle político e social da administração pública, averiguando se
as ações executadas pelos gestores se pautam em bases legais e atendem ao interesse
coletivo na busca do bem comum (AZEVEDO, 2005).
A constituição dos Conselhos Gestores da Flona do Tapajós e

da Resex Tapajós-Arapiuns
A Flona do Tapajós e a Resex Tapajós-Arapiuns são UC’s criadas em territórios
de conflitos relacionados principalmente à exploração madeireira. Nesse sentido, os
Conselhos Gestores das UC’s tornaram-se instrumentos privilegiados, tanto para
discussão de problemas e divergências, quanto de delineamento de estratégias de
desenvolvimento e negociação de demandas diversas.
Desde o início de suas formações, os Conselhos Gestores, por meio de seus
conselheiros, vêm atuando ativamente em diversos processos de consolidação dessas
UC’s, tais como na regularização fundiária interna e elaboração do perfil das famílias
beneficiárias, análise e aprovação de projetos, elaboração conjunta dos acordos de
pesca, além da revisão dos Regimentos Internos dos Conselhos, elaboração e revisão
do Plano de Ação do Conselho e elaboração e revisão dos Planos de Manejo das UC’s.
98
Para ICMBio (2015), conselheiro é quem representa a instituição membro, pessoa

empossada e com direito a voto.
A participação social nos Conselhos Gestores é garantida por intermédio de
grupos de interesse da sociedade civil, organizados a partir de entidades represen-
tativas, tais como cooperativas, associações, colônias de pescadores, sindicatos de
trabalhadores, federações, congregações religiosas e demais entidades e organizações
não-governamentais. A condição de membro do conselho, a qual depende de apro-
vação, garante o direito a voto nas deliberações.
O Conselho Consultivo da Flona do Tapajós foi formalizado pela portaria n°
84 de 29 de junho de 2001, sendo o primeiro a ser criado no Brasil nos moldes esta-
belecidos pelo SNUC. Atualmente, o conselho é formado por 49 organizações repre-
sentantes do poder público, sociedade civil e comunidades. A primeira formação do
conselho derivou do Grupo de Estudos criado pela Prefeitura Municipal de Santarém
em 1992 (Decreto nº 18/1992), visando delinear soluções para a situação de conflito
daquele território, formas de conciliar a conservação dos recursos naturais, o uso e
comercialização de produtos florestais e os direitos das populações extrativistas locais.
O Grupo de Estudos era formado por representantes dos moradores da Flona,
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR de Santarém, Poder
Executivo, Legislativo, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
– IBAMA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, Projeto
Saúde e Alegria, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, Empresa
de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER do Pará e Faculdade de Ciências
Agrárias do Pará – FCAP.
A gestão participativa é promovida através do Conselho Consultivo e dos demais
fóruns de discussões formais e não formais na UC. A Federação das Organizações
e Comunidades Tradicionais Flona do Tapajós, chamada localmente de Federação, é
a representação política dos moradores das comunidades do interior dessa UC e foi
criada em 2004, no intuito de ser a organização formal concessionária do Contrato
de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU).
Quando a Resex Tapajós-Arapiuns foi criada, em novembro 1998, os atuais
instrumentos legais de gestão não existiam. A governança da UC era baseada na
governança comunitária em decorrência do processo de organização política e luta dos
moradores das comunidades para criação dessa UC. Em 1999, os moradores criaram a
Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns – localmente
denominada Tapajoara, organização de representação máxima dos moradores junto
a sociedade em geral, em especial as instituições públicas. A Tapajora é reconhecida
pelos moradores como a associação ‘mãe’ de todas as associações, sendo representante
formal e política de todas as comunidades e em 2011, concessionária do CCDRU.
O Conselho Deliberativo da Resex Tapajós-Arapiuns é a principal instância de
decisão de aspectos relativos ao meio ambiente e socioeconômicos do território. O
conselho teve sua formação iniciada no ano de 2002, sendo formalizado em 2004.
No atual contexto, é constituído por 57 cadeiras, sendo 37 destinadas às associações
comunitárias e 20 às entidades de órgãos públicos e da sociedade civil. De modo geral,
O RIO QUE NOS UNE
99
o Conselho Deliberativo é formado por 100 conselheiros. As entidades suplentes são

todas organizações do interior da UC (ICMBio, 2014).
A Resex Tapajós-Arapiuns é pioneira em âmbito nacional na institucionalização
de outras instâncias de participação social dos moradores na gestão territorial. Além
do Conselho Deliberativo, a UC dispõe de outro órgão colegiado de participação
social na gestão do território: o Conselho Comunitário da Tapajoara. Assim, a
governança instituída na Resex é atípica no contexto de gestão e participação social
em UC’s, pois desde a sua criação em 1998, ou seja, há mais de duas décadas, as
decisões referentes à gestão do território passam por um duplo procedimento de
consultas, debates e deliberações, através de processos em duas instâncias soberanas
de deliberação, a saber:
1. Primeiro as discussões e deliberações são realizadas no contexto do Conse-

lho Comunitário, que é composto por três lideranças locais de cada uma das
74 comunidades e/ou aldeias que pertencem a Reserva. Lideranças essas indi-
cadas pelas próprias comunidades e aldeias, perfazendo cerca de 250 mora-
dores que representam aproximadamente 3.600 famílias nas discussões sobre
temas de interesse da UC. Destaca-se que esse conselho é constituído única e
exclusivamente por moradores beneficiários do território da Reserva Extrati-
vista Tapajós-Arapiuns, não cabendo manifestação ou influência de quaisquer
organizações externas a este grupo, seja de governo ou não-governo, e que
suas decisões são formalizadas através de resoluções e/ou atas das assembleias
soberanas que se tornam instrumentos públicos de consulta.
2. Após exauridos os debates e deliberações do Conselho Comunitário, os
projetos, programas e/ou ações, são submetidos a apreciação do Conselho
Gestor da Unidade, o Conselho Deliberativo. Importante reforçar que o
Conselho Deliberativo da Resex Tapajós-Arapiuns é atualmente o maior
do Brasil, em número de cadeiras e membros de todas as UC’s federais do
país, com 57 cadeiras, divididas em 95 entidades (entre titulares e suplentes),
sendo a ampla maioria (62) entidades de base comunitária do interior da
Resex, ou seja, os próprios moradores, e que este conselho não tem suas
decisões determinadas pelo ICMBio. Conforme destacado do Regimento
Interno do Conselho, a plenária é suprema nas decisões do colegiado, e o
ICMBio, tem apenas um único voto, nessa instância de gestão.
Essa configuração de governança mostra que, apesar do Conselho Deliberativo ser

a principal ferramenta legal para o exercício da governança compartilhada, envolvendo
diversos agentes sociais, dispositivos e poderes, operando em vários níveis das esferas de
tomada de decisão, a participação dos moradores na gestão da UC também ocorre em
outras instâncias de participação, como as associações comunitárias, o Conselho Comunitá-
rio da Federação da Flona, da Tapajoara e o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA).
Essa conformação torna a experiência administrativa desses territórios única no país.
É importante ressaltar que em termos de organização política, a diversidade
de entes representativos nessas UC’s ocorre também devido à existência de aldeias
100
indígenas nos territórios regularizados como UC’s, ampliando a complexidade das

formas de organização social. O CITA, conselho constituído como representação dos
povos indígenas do Médio e Baixo Tapajós, é representante institucional de povos
indígenas da Resex e desfruta, juntamente com a Tapajoara, da representatividade
política desses grupos em todas as questões alusivas ao território da UC.
Em relação à questão de gênero no contexto dos conselhos, de acordo com
estudo de Pontes (2017), entre 2014 e 2016, os conselheiros da Flona do Tapajós
eram 97% do sexo masculino e 3% do feminino, sendo as organizações comunitárias
representadas exclusivamente por homens com idade média de 49 anos. Nas regras
legalmente instituídas pelo órgão gestor, na IN nº 09/2014 do ICMBio, não há pre-
visão de equidade de gêneros nos conselhos.
Observa-se que é comum na região Amazônica o protagonismo masculino em
atividades relacionadas à esfera pública, uma vez que as tarefas domésticas e de educa-
ção dos filhos é tradicionalmente responsabilidade das mulheres. Quando há presença
de mulheres nas organizações, estas fazem parte do secretariado (LEAL, 2011). Tal
característica é percebida não somente no conselho consultivo, mas também nas
organizações comunitárias e intercomunitárias na Flona do Tapajós, onde as mulheres
estão mais diretamente ligadas a atividades religiosas e a grupos de mulheres.
Organização normativa da participação e funcionamento dos

Conselhos Gestores
As instâncias de organização interna dos Conselhos Gestores são regulamen-
tadas por meio do Regimento Interno de cada conselho, elaborados e aprovados em
assembleias específicas. Conforme definido nesses documentos, essas instâncias são
estruturadas da seguinte forma: a) Plenária – conjunto de membros reunidos; b) Pre-
sidência – exercida pelo chefe da UC; c) Secretaria Executiva – exercida pelo ICMBio
ou outra instituição membro do conselho; d) Grupos de Trabalho – responsáveis
pela discussão de assuntos temporários, e; d) Câmaras Temáticas – encarregadas de
discussão de assuntos de caráter permanente.
As regras de funcionamento dos colegiados são indicadas no Regimento Interno
que é construído de forma coletiva pelos seus membros. As atividades dos Conselhos
são indicadas no Plano de Ação e deverão ser executadas a curto e médio prazo (1 ou
2 anos) (embora em 2020 as atividades tenham sido suspensas e retomadas de forma
virtual em março de 2021). Os atuais planos de Ação dos Conselhos da Flona do
Tapajós e da Resex Tapajós-Arapiuns foram elaborados em 2019. A Figura 1 a seguir
ilustra esquematização dos Regimentos Internos de UC’s.
O RIO QUE NOS UNE
101
Figura 1 – Funcionamento dos Conselhos Gestores de

Unidades de Conservação (ICMBio, 2014)
A funcionalidade do conselho se dá, sobretudo, através de reuniões. Estas reu-

niões podem ser ordinárias ou extraordinárias. As reuniões ordinárias ocorrem três
vezes ao ano e as extraordinários sempre que necessárias, geralmente com duração de
7 a 8 horas. No entanto, a depender da pauta decidida previamente, podem ocorrer
em dois dias de trabalho.
As reuniões são descentralizadas, de maneira que possam ocorrer em todas as
comunidades. Nas reuniões são tratados assuntos diversos relacionados à infraestrutura
e questões ambientais, como crimes ambientais, sendo a relação dos moradores com
a UC a pauta principal das discussões, sobretudo no que tange às normas de uso e
perfil de beneficiários. Tais temas afetam a vida dos moradores como um todo, uma
vez que as famílias não beneficiárias não participam de políticas públicas voltadas às
populações tradicionais.
As manifestações e encaminhamentos dos conselhos gestores podem ser for-
malizadas das seguintes maneiras:
a) Recomendação: documento com a indicação de medidas a serem realizadas

por um ou mais órgãos competentes.
b) Moção: documento emitido pelo conselho com proposta ou reivindicação
de determinada medida ou decisão de algum órgão competente.
c) Resolução: documento que expressa uma decisão do Conselho Delibera-
tivo sobre determinado tema de gestão, neste caso referente às Resex ou
Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
102
As Câmaras Temáticas são instituídas e compostas por representações defini-

das em assembleias. Os Grupos de Trabalho – GT’s, criados quando há necessidade
de debates mais específicos, são instâncias com caráter temporário e de apoio para
discutir assuntos específicos e relacionam-se diretamente com os planos de ação. O
órgão gestor reconhece que ao discutir temas específicos em grupos menores, como
é o caso dos GT’s, além de garantir a transparência nos processos, viabiliza o diálogo
entre a diversidade de conselheiros, o que amplia os níveis de compreensão e reflexão
dos mesmos em torno do tema discutido (ICMBIO, 2015). Observa-se, portanto, que
os GT’s são importantes mecanismos para ampliar a participação social na gestão das
UC’s. A partir das suas atividades, normalmente em oficinas, toma-se novos encami-
nhamentos para atividades executadas em grupos menores.
Um fator que interfere na eficiência do funcionamento do Conselho Deliberativo
da Resex Tapajós-Arapiuns é a escassez de técnicos no órgão gestor, o qual conta com
apenas 3 analistas para atender as demandas de um território com 677.513,24 hectares,
75 comunidades, dentre elas tradicionais e aldeias indígenas, com aproximadamente
16 mil comunitários. Além desse fator, a pesquisa realizada por Pontes (2017) sobre
a participação social na Flona do Tapajós mostrou que o principal gargalo do conse-
lho gestor da UC era manter o quórum em pelo menos 75%, tal qual sugere o órgão
ambiental, uma vez que a presença dos conselheiros oscila, chegando a 50% em 2016.
Responsável pelo controle externo, o Tribunal de Contas da União (TCU, 2013),
em 2013 realizou uma auditoria com objetivo de obter informações sobre a realidade
e avaliar as condições normativas, institucionais e operacionais das UC’s federais e
estaduais de estados da região Amazônica. Nessa ocasião foi desenvolvido o Índice de
Implementação e de Gestão de Áreas Protegidas. O índice se baseou em 14 aspectos
da gestão para avaliar seu grau de implementação, fragilidades e boas práticas, classi-
ficando as UC’s em baixa, média e alta implementação de governança.
Embora o estudo tenha sido realizado há quase dez anos, apresenta ótimos
indicativos para reflexão sobre questões da Resex Tapajós-Arapiuns e da Flona do
Tapajós. Naquela época, o índice de implementação e governança em ambas UC’s foi
médio. Apesar de contar com instâncias de participação efetivamente em operação
na gestão das UC’s e possuírem Plano de Manejo, há desafios a serem superados que
poderiam melhorar a atuação dos Conselhos Gestores.
Considerações finais: aprendizados e apontamentos sobre

participação social na gestão de Unidades de Conservação
Os Conselho Gestores da Flona do Tapajós e da Resex Tapajós-Arapiuns, por
intermédio de diversas ações imprescindíveis à boa governança, ao longo dos anos
vem se consolidando como instâncias de gestão. Esses conselhos vêm sendo recon-
figurados em termos de estrutura organizacional (representações e funcionamento),
passando tanto pela aceitação por parte dos comunitários, à conformidade imposta
pela legislação, quanto de legitimidade ao garantir a participação dos moradores,
permitindo o diálogo e a expressão dos interesses dos envolvidos na gestão das UC’s.
O RIO QUE NOS UNE
103
O conselho da Flona do Tapajós, apesar de consultivo, atua como deliberativo

e está em constante reconstrução para ser um importante instrumento de gestão
participativa para a unidade, desde que visto pelos moradores como oportunidade
de participação nas tomadas de decisões sobre a gestão dos recursos naturais em
conjunto com o ICMBio e demais intituições parceiras, como a Federação e as
associações intercomunitárias.
Entretanto, dada sua característica de reunir distintos agentes sociais para deci-
dir sobre os rumos do território, os Conselhos Gestores, muitas vezes, vão sendo
(re)configurados como ambientes de disputas de poder entre seus membros ou de
afloramento de visões de mundo divergentes. Tais situações por vezes expressam ou
geram conflitos internos às comunidades, mas também levam a reflexões mais amplas,
perpassando questionamentos sobre a sobreposição de direitos adquiridos por povos
tradicionais e a necessidade de consideração de aspectos específicos (ANDRADE,
2019). Exemplo disto está ocorrendo atualmente na Resex Tapajós-Arapiuns, em
decorrência da recente implantação de projeto de manejo florestal comunitário que,
embora tenha sido aprovado pelo Conselho Deliberativo, é tema polêmico porque
não há unanimidade na aceitação dessa atividade por parte de moradores da Resex.
Povos indígenas residentes no território são contrários aos projetos e reivindicam que
seja realizada consulta livre, prévia e informada (CLPI), conforme preconizado pela
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
De maneira geral, as pautas e/ou encaminhamentos são seguidos tanto pelo órgão
gestor, quanto pelas comunidades, inferindo-se um princípio de afirmação da representati-
vidade dos conselhos para as UC’s, embora a participação seja regular. Nesse aspecto, um
dos maiores problemas que envolve o bom funcionamento dos Conselhos Gestores em
UC’s é o fato de o papel e as atribuições dos conselhos ainda não estarem devidamente
entendidos e assimilados pelos conselheiros e gestores das unidades.
Entretanto, é imprescindível à boa governança de uma UC, garantir a efetiva par-
ticipação dos comunitários em todas as esferas de decisões referentes ao delineamento
de diretrizes do território. Para tanto, é preciso investimentos no fortalecimento dos
mecanismos de promoção da organização social voltada à participação, o que implica
inclusive em maior orçamento para viabilizar a realização das reuniões.
A participação deve acontecer com base nos princípios da representatividade e da
legitimidade: um conselheiro ou uma conselheira deve ser um representante legítimo
da comunidade ou instituição, escolhido e nomeado por seus pares; deve dispor de
habilidades para influenciar decisões. Ele deve ser reconhecido como porta-voz, o elo
entre a comunidade, instituições diversas e o conselho.
Apesar da legislação ambiental brasileira prever a gestão compartilhada e para
gestores do ICMBio a gestão participativa nas UC’s também visa promover processo
de aprendizagem social e empoderamento dos atores sociais no entorno e dentro das
unidades, ainda não se pode afirmar, por exemplo, que há uma gestão social efetiva, pois
esse empoderamento é limitado no que tange à gestão. A exemplo do poder fiscalizador
decisório ser apenas do órgão gestor (PONTES, 2017; ANDRADE, 2019).
As tomadas de decisões no âmbito do conselho fornecem ou não caráter de
efetividade da gestão participativa, tendo em vista que para tal é necessário que o
104
conselheiro se sinta parte do processo e que sua participação seja legitimada pelo
grupo que representa. Para tanto, faz-se necessário repensar as estratégias de comu-
nicação entre conselheiros, conselheiros e comunidades ou instituições/entidades que
representam, uma vez que recorrentemente comunitários reclamam que as decisões
tomadas no âmbito do conselho gestor não são difundidas internamente.
É preciso desenvolver estratégias participativas que legitimem as atividades
dos conselhos, de modo a garantir a efetiva participação da sociedade na tomada de
decisões e a representação dos interesses de todos os envolvidos na UC, havendo
capacidade e habilidade de lidar com os conflitos internos e externos. A participa-
ção ampliada pela criação de Câmaras Técnicas e GT’s descentraliza a participação
social, mas necessita de agentes mediadores (internos ou externos ao conselho) para
facilitar o processo de diálogo, sistematizar as informações geradas e registrar as
atividades realizadas. Logo, a capacitação de pessoas com habilidades para mediar
conflitos e para utilizar ferramentas participativas podem contribuir com o processo
de participação.
Apesar dos avanços, ainda se caminha para a legitimação da representatividade
(aceitação social das instâncias legais de participação). Entretanto, a forma organiza-
cional dos moradores das UC’s aponta para uma gestão cada vez mais participativa,
evidenciando o papel das instâncias de representação comunitária, como a Federa-
ção, a Tapajoara e das associações comunitárias e intercomunitárias, assim como do
movimento indígena.
As reflexões apresentadas nesse texto apontam a necessidade de estudos que
aprofundem a análise do funcionamento dos Conselhos Gestores das UC’s e dos pro-
cessos de organização política dos comunitários, sob diversas óticas, que contribuam
para o melhor entendimento sobre a participação social da gestão do território, tais
como relações de gênero e geracional, relações de dominação, processos comunica-
tivos, processos de construção identitária e mediação.
O RIO QUE NOS UNE
105
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SANTOS, E. S.; ARAÚJO, F. X. S.; ESTEVES, L. U.; SILVA, T. L. Gestão Participativa

em Unidades de Conservação: Uma breve análise no Amapá. Enciclopédia Biosfera,
Centro Científico Conhecer, Goiânia, v. 9, n. 17, p. 2013.
SATHLER, E. B. Conselhos de Unidades de Conservação: entre o Consultivismo

e o Deliberalismo na gestão participativa de áreas naturais protegidas. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2005.
CAPÍTULO VII
O ASSOCIATIVISMO E COOPERATIVISMO
NO MANEJO DE RECURSOS E SERVIÇOS
NO TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS UNE
Antônio José Mota Bentes
Caetano Scannavino
Maria da Luz Farias
Introdução
O associativismo e o cooperativismo são fenômenos históricos na Amazônia
utilizados também como estratégias de organização por comunidades tradicionais e
pequenos produtores. Apesar de muito utilizadas pelas comunidades na Amazônia
são poucas as experiências exitosas (McGRATH et al., 2008).
Na Resex Tapajós-Arapiuns a história do associativismo faz parte de vários
processos envolvendo comunidades e suas organizações em diferentes momentos e
está relacionado inicialmente à defesa do território, dentre eles, contra a presença de
empresas madeireiras nas décadas de 1970/80 (PSA, 2015).
Na Floresta Nacional do Tapajós (Flona), a organização institucional das comu-
nidades também integra um processo histórico de defesa do território, de permanência
na terra, pelo uso sustentável dos recursos florestais, acesso aos serviços visando a
melhoria da qualidade de vida dos moradores (BENTES, 2015).
As lutas em defesa do território no rio Tapajós são parte da história do associa-
tivismo comunitário, construído ao longo de décadas e importantes à consolidação
da garantia da permanência na terra com segurança, respeito aos direitos tradicionais
e à conservação dos recursos naturais, beneficiando moradores de cerca de mais de
vinte comunidades na Flona do Tapajós e mais de setenta comunidades da Resex
Tapajós-Arapiuns.
A compreensão do associativismo e cooperativismo e sua interface com o manejo
de recursos e serviços na Resex Tapajós-Arapiuns e Flona do Tapajós, passa pelo
significado que o território tem para os seus moradores tradicionais. Processo que
será tratado neste capítulo com a análise das diferentes formas de associativismo e
cooperativismo e os principais elementos desta percepção nos relatos dos moradores,
bem como a visão destes, sobre os processos de organização comunitária e relação
com os usos dos recursos florestais e serviços no território.
Este capítulo, apresenta-se como ensaio acadêmico e contempla também vários
anos de vivências dos autores com a temática em ambas regiões, além dos relatos de
O ASSOCIATIVISMO E COOPERATIVISMO NO MANEJO DE RECURSOS
E SERVIÇOS NO TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS UNE
108
lideranças e diálogos com a literatura científica. Diferentemente do artigo científico,

o ensaio acadêmico permite a inserção de reflexão baseada no posicionamento dos
autores sobre o tema de forma mais empírica e subjetiva (CAMPOS, 2014).
Associativismo e cooperativismo na Reserva Extrativista

Tapajós-Arapiuns
O associativismo e o cooperativismo na Resex Tapajós-Arapiuns têm sua origem,
a partir do final da década 1980 e início de 1990, no processo histórico das primeiras
formas de organização das comunidades (coordenações e conselhos comunitários, clu-
bes de mães e de futebol, grupos de revenda, organização de transportes comunitários
e delegacias sindicais). Tais institucionalidades comunitárias de base informal, eram
caracterizadas principalmente pela capacidade de autogestão por meio da cooperação
e dos trabalhos comunitários.
As organizações comunitárias da margem esquerda do Rio Tapajós possuem
uma longa trajetória de defesa do território e dos recursos naturais existentes. As
mais conhecidas, em meados da primeira metade da década de 1980, foram a auto-
demarcação de faixa de terra de aproximadamente 64 km por 13 km ao longo do rio
Tapajós para evitar o avanço das empresas madeireiras. E na região do Rio Arapiuns,
a luta contra a exploração desordenada de seixo, material usado na construção civil
(GDA, 2001).
As experiências de revendas e o primeiro projeto de transporte comunitário
denominado “Santo Inácio”, na década de 1980, foram pioneiros na oferta de serviços
aos moradores e se constituem nas primeiras formas de associativismo e cooperati-
vismo desenvolvido pelas comunidades (OLIVEIRA, 2012). Os relatos de lideranças
populares confirmam a importância dessas experiências vivenciadas na época.
“As revendas comunitárias foram experiências muito importantes desenvolvidas nas

comunidades do Tapajós até meados de 1980, principalmente em algumas comunida-
des, como Suruaca, Surucua, Muratuba, Nuquini, Jauarituba, entrando em decadência
a partir do início da década de 1990 com a intensificação dos barcos de linha[...]”
(Carlos Dombroski, 8 jan. 2021).
“[...] Na direção do Sindicato, o processo de organização das Revendas Comunitárias

foi levado a todas as regiões, incorporando as experiências de compra e administra-
ção coletiva pelos agricultores. [...] o processo teve seus sucessos e fracassos. Um
dos maiores problemas das Revendas, por terem um capital pequeno, compravam
seus estoques de mantimentos no comércio da cidade, onde também compravam
os comerciantes particulares instalados nas comunidades. Isto causava grande difi-
culdade para enfrentar a concorrência na venda dos seus produtos” (Pedro Peloso,
15 jan. 2021).
“As experiências dos barcos comunitários, foram embriões de cooperativismo e asso-

ciativismo [...], mas nós não montamos uma estratégia de continuidade[...]Nós tínha-
mos uma limitação, com a nossa cultura de origem indígena, nos permite trabalhar
O RIO QUE NOS UNE
109
por exemplo o puxirum, [...], mas não temos cultura de cooperativismo. [...]. Somos
solidários pontualmente, no puxirum, no trabalho comunitário, mas falta essa cultura
do cooperativismo. Então, os barcos comunitários passaram por isso[...]” (Edilberto
Sena, 16 fev. 2021).
A partir do início da década de 1990, novos processos de organização comunitária

moveram os objetivos das comunidades da margem esquerda do rio Tapajós pela luta
e resistência em defesa do território, levando à criação das Associações intercomuni-
tárias. Nesse contexto, surgiram a Associação dos Produtores Rurais Extrativistas da
Margem Esquerda do Tapajós, Comunidades de Solimões, Pedra Branca, Anumã e
Santi-APRUSPEBRAS em 1994/95 e nos anos seguintes: Associação YANE-CAETE;
Associação Intercomunitária TUPAIU da região do Tapajós, Associação Intercomu-
nitária MAIRA da região do Tapajós, Associação de Minis e Pequenos Produtores
Rurais de Amorim a Vista Alegre do Tapajós-AMPRAVAT, Associação de Moradores
Extrativistas de Cametá e Anduru-AMECA, e Associação Intercomunitária das Regiões
do Arapiuns, Maró e Aruã-AIRAMA, inaugurando uma nova fase nos processos
de organização comunitária. Estas associações protagonizaram as lutas e discussões
precursoras à criação da Resex Tapajós-Arapiuns (PSA, 2015).
O associativismo protagonizado por essas organizações intercomunitárias,
apoiado por entidades não governamentais como o Grupo de Defesa da Amazônia
(GDA), o movimento AJURIKABA que se tornou o Grupo Consciência Indígena
(GCI), revelou um despertar consciente da identidade étnica de povos indígenas
que habitaram a região; contribuindo posteriormente para o surgimento da luta pelo
reconhecimento identitário, como relatado pelos moradores.
“A ideia das comunidades criarem as Associações Intercomunitárias era para lutar

pela criação da RESEX e por alguns benefícios, alguma coisa que viesse a beneficiar a
todas essas comunidades. A proposta da Associação MAIRA era atuar da Comunidade
Tucumatuba a Jauarituba. MAIRA, pelo meu conhecimento, tinha um significado
indígena [...]. Já a TUPAIU era um povo indígena que habitava o Tapajós, há muito
anos, e por isso resolvemos criar a Associação e assim chamar[...]” (Morador da
Resex, 8 jan. 2021).
“[...] Havia uma grande necessidade das comunidades de se unirem e lutarem pelos
seus direitos, aí renovar o sentimento dessas comunidades dando maior importância
ao movimento dos nativos junto a conjuntura política atual. No primeiro momento
a união das três comunidades – Pinhel, Camarão e Escrivão com o compromisso
de desenvolver um trabalho voltado para o desenvolvimento social dos nativos”
(Moradora da Resex, 31 jan. 2021).
Ainda na região do Tapajós e Arapiuns, vale destacar o Projeto de Capacitação de

Educadores Ambientais Multiplicadores (PROCEAM), desenvolvido de 1998 a 2004
pelo GDA, envolvendo 36 comunidades, em parceria com a Associações Intercomu-
nitárias, no rio Arapiuns, a AIRAMA e no Tapajós: MAIRA, AMPRAVAT, APRUS-
PEBRAS e AMECA. Este projeto de capacitação de lideranças contribuiu de forma
110
qualificada nas experiências associativistas, por meio da criação de mecanismos de

controle e de gestão dos recursos naturais nas comunidades e da ação de educadores
ambientais voluntários (GDA, 2004).
A criação da Resex Tapajós-Arapiuns em 1998 representou a conquista resultante
desses processos históricos de organização das comunidades, do associativismo e suas
relações de parceria. Consolidou uma perspectiva de garantia da terra embasada na
coletividade dos interesses comunitários e na resistência aos interesses econômicos
privados sobre os recursos florestais existentes. Como observado nos depoimentos
dos moradores sobre a criação das Associações intercomunitárias.
“A AIRAMA foi criada com o intuito de lutar em defesa da terra, e essa questão
era um de seus principais objetivos. Começou com a denúncia da comunidade São
Pedro em meados de 1996 contra a empresa Santa Isabel, por conta de um desmata-
mento de mais de 2.000 ha de floresta para fazer campo[...]. A criação da AIRAMA
era organizar as comunidades para defender a terra ocupada tradicionalmente, pois
tinha uma área marcada imaginariamente e chegaram até a fazer picos para a auto-
demarcação de suas terras[...]. As comunidades demarcaram suas terras em uma
faixa comunitária, igualmente no Tapajós que as comunidades haviam definido uma
faixa de 13 Km, e as comunidades do Arapiuns tinham essa mesma mentalidade[...].
(Morador da Resex, 10 fev. 2021).
“[...] Nós, os líderes das comunidades das regiões do Tapajós, Arapiuns, reunimos com
as autoridades Federais e outras entidades; foi feito um treinamento de lideranças, era
o primeiro seminário que se discutia a criação da Reserva Extrativista Tapajós Ara-
piuns em 09/06/1997. Esse apoio era fundamental para todos, que demonstrassem
empenho, através das suas organizações populares, interesse e necessidade do povo
ribeirinho, se colocava assim “Reserva somos nós, a floresta nas mãos dos filhos da
Amazônia” (Moradora da Resex, 8 jan. 2021).
No final da década de 1990, junto com a Resex, surgiu uma nova abordagem de
associativismo com a criação da Associação das Organizações da Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns (Tapajoara). Inaugurando a concepção de uma representação social
e política de uma “associação mãe”, atribuindo-lhe o papel de promotora da gestão
participativa da Unidade, e dos interesses coletivos associativos e comunitários. A
Tapajoara, surgiu com o objetivo de ser a instância política de representação máxima
das comunidades e das associações existentes, com a missão de discutir, encaminhar
e orientar as estratégias, políticas e os projetos de interesse coletivo (ICMBio/MMA,
2014/2019). Organizada com uma estrutura de associativismo capaz de ressoar os
anseios de seus moradores, por meio de um conselho comunitário de caráter delibe-
rativo, cuja representação, se daria a partir das organizações existentes nas comuni-
dades. Por decisão dos moradores, a Tapajoara se tornou a detentora do Contrato de
Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) da Unidade. O Conselho Comunitário
desta representação funciona como uma instância auxiliar do Conselho Deliberativo
da Unidade, com o papel de defesa exclusiva dos interesses das comunidades.
O RIO QUE NOS UNE
111
Em suas narrativas, os moradores mencionam mudanças na estratégia de asso-

ciativismo da Associação Tapajoara. A partir de 2005, quando esta Associação passou
a ser organizada por associados das comunidades e não mais em uma estrutura asso-
ciativa colegiada, distanciou-se do referencial das relações mútuas com as Associações
Intercomunitárias e Comunitárias e com as próprias comunidades. Essa alteração na
concepção organizacional da Tapajoara trouxe prejuízo na estrutura do associati-
vismo participativo. Situação semelhante teria ocorrido também com as Associações
intercomunitárias atuando prioritariamente em benefícios das comunidades sede em
detrimento das demais; gerando descontentamento interno que desencadeou na criação
de associações locais, como afirmam os moradores:
“A TUPAIU foi desativada, hoje na comunidade Nova Vista tem uma outra Asso-
ciação, só da comunidade, assim como a comunidade Nuquini criou também a sua
Associação, própria da comunidade, desmembrando da TUPAIU. A TUPAIU funcio-
nou de 1997 a 2000. Além das dificuldades já relatadas, a outra razão de desativação,
foi a criação das Associações das próprias comunidades, pois havia uma discussão
que os benefícios vinham somente para a Sede da TUPAIU em Nova Vista, e aí, cada
comunidade decidiu criar a sua própria Associação para lutar por seus benefícios
somente internamente” (Morador da Resex Tapajós/Arapiuns, 8 jan. 2021).
O cooperativismo institucionalizado desenvolvido pelos moradores da Resex é

recente. A primeira cooperativa envolvendo moradores da margem esquerda do rio
Tapajós foi a Cooperativa dos Trabalhadores do Oeste do Pará (ACOSPER) criada
em 1995, ligada ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém.
Embora se propusesse à realização de várias atividades de incentivo à produção e
comercialização, a sua principal atividade na região do Tapajós foi o fomento à pro-
dução e comercialização da borracha natural (OLIVEIRA, 2012).
A primeira cooperativa formada apenas por moradores da Resex foi a experiência
das Oficinas Caboclas do Tapajós/Arapiuns (OCT), fundada em 2003 pelas comunida-
des Nova Vista, Nuquini e Surucuá, com assessoria do Instituto de Pesquisa Ambiental
da Amazônia (IPAM), cuja principal atividade era o manejo florestal comunitário para
a produção de artesanatos em madeira. Ficou conhecida como a primeira experiência
de aproveitamento de madeira morta na região. Vale ressaltar que as comunidades
envolvidas na criação dessa cooperativa já tinham iniciado as atividades com o bene-
ficiamento de madeira desde 1999/2000, deflagrando-se na criação da cooperativa
para a comercialização da produção junto a uma empresa de artigos de decoração de
São Paulo, a Tokstock, no período de 2003/2004.
O cooperativismo das Oficinas Caboclas trouxe uma abordagem de manejo
florestal comunitário madeireiro inovadora de uso dos recursos florestais baseado
na utilização do incremento anual da floresta, em áreas de manejo comunitário não
superiores a 200 ha. A partir de 2004, esta experiência foi levada à Flona do Tapajós,
com apoio do ProManejo, envolvendo as comunidades de Pini, Prainha e Itapaiuna.
Recentemente, foram criadas outras cooperativas, como a do Rio Inambú, Coo-
perativa Mista Agroextrativista do rio Inambú (Cooprunã) em 2016, do Rio Maró a
112
Cooperativa Mista Agroextrativista Do Rio Maró (Coopermaro) em 2018, a Coo-

perativa Agroextrativista de Surucua (Cooprasu) e da Resex, a Cooperativa Mista
Agroextrativista das Comunidades e Aldeias da Resex Tapajós-Arapiuns (Cooperrios),
ambas em 2020, embaladas pelo êxito do cooperativismo sustentável da Cooperativa
Mista da Flona do Tapajós (Coomflona).
Há também estruturas associativas que surgiram da necessidade de formalização
de negócios a partir de empreendimentos produtivos potenciais, a exemplo das ativi-
dades de Turismo de Base Comunitária (TBC) e de artesanatos da floresta. Iniciativas
que em sua maioria, contaram com o apoio inicial da Organização Não Governamen-
tal Projeto Saúde e Alegria (PSA) através dos seus programas de fortalecimento às
mulheres, na implantação de pólos receptivos e pousadas locais, ou na assessoria aos
grupos de artesãs para confecção e comercialização de cestarias.
Em 2015, foi fundada a Cooperativa de Turismo e Artesanato da Floresta
(TURIARTE), composta por 70 sócios fundadores, na maioria mulheres, com refe-
rência em artesanatos da floresta e operadora de viagens e roteiros pela região do
Tapajós, tendo as comunidades como protagonistas na oferta de produtos e serviços.
Enquanto que o associativismo veio das experiências informais de organização
comunitária, o cooperativismo teve sua origem nas experiências do associativismo
institucional de produção e comercialização vivenciadas pelos moradores da margem
esquerda e direita do rio Tapajós e Arapiuns. A exemplo das experiências das cantinas
e revendas de mercadorias desenvolvidas na década de 1980 e os serviços de barcos
comunitários consolidados a partir de 1990 na margem esquerda do rio Tapajós.
Associativismo e cooperativismo na Floresta Nacional

do Tapajós
A criação da Floresta Nacional do Tapajós em meados de 1974, desconsiderando
os moradores, se constituiu em um grande entrave para as comunidades. Este pro-
cesso envolveu muitos anos de discussão acerca da permanência ou não da população
nos limites da referida Unidade. O que gerou conflitos socioambientais, envolvendo
diversos atores (FATTEUER, 1998). Um longo processo até se chegar à conclusão
de que a permanência das comunidades na área era parte indissociável da estratégia
de conservação que justificava a existência da Floresta.
A Flona do Tapajós foi a primeira Unidade de Conservação desta modalidade à
consolidar mecanismos de interlocução e gestão participativa com os diferentes atores
envolvidos no processo, sendo uma referência nacional na solução dos problemas
decorrentes dos conflitos de interesses gerados e da relação do governo na implemen-
tação das políticas ambientais. Esta construção envolveu mecanismos de participação
social na gestão da unidade que passou por vários caminhos até a consolidação atual
do associativismo e cooperativismo (BENTES, 2000).
A construção do associativismo nas comunidades da Flona do Tapajós passou
por um longo processo até se tornar um instrumento de representação política e
de gestão dos recursos na relação com os demais atores envolvidos nesta unidade.
O RIO QUE NOS UNE
113
A primeira fase desta construção, ligada aos embates com o Instituto Brasileiro de
Desenvolvimento Florestal (IBDF) e posteriormente, com o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Foram fortalecidos
sentimentos de pertencimento e defesa do território tradicional, buscando-se meios
para estabelecer a relação com o Estado na negociação deste direito. Deste processo
de mobilização e resistência, a partir de 1990, as comunidades criaram as Associações
intercomunitárias (AITA, ASMIPRUT, APRUSANTA) e as Associações Comunitárias.
A formação das Associações Intercomunitárias dos Pescadores, Trabalhadores
Rurais e Seringueiros da Margem Direita do rio Tapajós (AITA), de Mini e Pequenos
Produtores Rurais e Extrativistas da Margem Direita do rio Tapajós de Piquiatuba à
Revolta (ASMIPRUT) e da Associação de Pequenos Produtores rurais de São Jorge,
Santa Clara e Nossa Senhora de Nazaré (APRUSANTA), nos anos de 1994 e 1995,
desencadeou na região, as primeiras manifestações institucionalizadas das represen-
tações coletivas de maior abrangência entre as comunidades. Este processo de orga-
nização foi fundamental para consolidar os instrumentos de gestão da Unidade e do
cooperativismo, a partir da criação da Cooperativa Mista da Floresta Nacional do
Tapajós (Coomflona), no início de 2005.
Esta base de organização social possui uma forte ligação com as ações de orga-
nização sindical estimuladas pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
de Santarém junto às comunidades da Flona do Tapajós, a partir do início da década de
1980, e posteriormente com o Sindicato de Belterra. Muitas lideranças foram formadas
no bojo da organização sindical na região, e outras, nos embates travados na luta pela
terra nas comunidades. Esse capital social construído deu sustentação ao surgimento
das primeiras organizações associativas e de representação política das comunidades
no contexto da Flona do Tapajós.
Até o final da década de 1990, as ações eram localizadas e pouco participadas
pelas comunidades e moradores; contrariando os objetivos da Unidade de Conser-
vação. A exemplo dos projetos implementados pelo Fundo Constitucional do Norte
(FNO) e financiados pelo Banco da Amazônia (BASA) em 1997/98, para atividades
Agroextrativistas, segundo depoimentos dos moradores no item 5 sobre as percepções.
A partir do ano 2000, como resultado das experiências realizadas através das
Associações Intercomunitárias, cada comunidade passou a criar a sua própria Asso-
ciação para a sua representação política e benefícios específicos à cada realidade.
Com a perspectiva de serem instrumentos jurídicos de mobilização das comunidades,
objetivando a busca por projetos de desenvolvimento comunitário.
A criação da Federação das Organizações e Comunidades da Flona do Tapajós
em 2004, deu início à um novo associativismo na margem direita do rio Tapajós,
consolidando uma representação colegiada, que uniu Associações existentes, comu-
nidades e demais organizações locais, para a gestão do território e o esforço em busca
de benefícios comuns. A Federação passou a representar o esforço de superação das
fragmentações das formas anteriores de organização, sem anulá-las.
O associativismo na Flona do Tapajós exerceu importante papel nas discussões
de uso dos recursos florestais pelas comunidades, levando a implementação, no final
da década de 1990, do Projeto de Apoio ao Manejo Florestal Sustentável na Amazônia
114
(ProManejo), por meio do IBAMA e apoio do Programa Piloto para a Proteção das
Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), com um componente específico para a Floresta
Nacional do Tapajós. Este processo se consolidou com a publicação pelo IBAMA
da Portaria de nº 40 de 22/08/2004, permitindo às Associações Intercomunitárias
implementar um projeto piloto de manejo florestal comunitário, que ficou conhecido
como Projeto Ambé (SOUSA et al., 2019).
A partir de 2005, quando as comunidades por intermédio das Associações Inter-
comunitárias criaram a Coomflona, foi marcado o início do cooperativismo como uma
nova estratégia de organização institucional para promover o uso dos recursos naturais,
a comercialização da produção das comunidades e a geração de renda.
A Coomflona, a Federação, as Associações intercomunitárias e comunitárias,
fazem parte de um mesmo processo histórico de organização que são indissociáveis
e interdependentes. O cooperativismo se constitui no suporte econômico de desen-
volvimento comunitário e o associativismo exerce o papel de representação política
das comunidades, sendo papéis complementares.
A Coomflona foi a primeira cooperativa genuinamente das comunidades da
Flona do Tapajós; responsável por promover o manejo florestal comunitário como
uma estratégia de empoderamento das comunidades em relação às boas práticas de
gestão florestal, tornando-se uma referência de uso sustentável dos recursos florestais,
gerido integralmente pelas próprias comunidades. A partir de sua experiência, outras
comunidades em Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia, iniciaram
seus projetos de manejo florestal comunitários orientando-se pelas lições apreendidas
junto às comunidades da Floresta Nacional do Tapajós.
Atualmente, o cooperativismo na Flona do Tapajós, enfrenta o desafio de resgatar
o seu verdadeiro sentido, como alternativa de promoção da qualidade de vida integrada
ao associativismo. Sem a superação das causas que têm gerado os descontentamentos
dos moradores em relação à estratégia de cooperativismo da Coomflona, a tendência é
um cenário de nascimento de novas cooperativas para atendimento aos interesses que
se rompem do modelo em curso. Em geral, essa situação ocorre por conta dos pro-
cessos de gestão, em muitos casos, associados à pouca rotatividade dos trabalhadores
no acesso aos benefícios criados, dificuldade para se cooperar, ausência de informação
do funcionamento da cooperativa, falta de transparência nos processos de gestão,
pouca capacitação na estratégia do cooperativismo; burocratização do acesso pelos
moradores como cooperados e da falta de clareza entre o papel do cooperativismo e
do associativismo. Essa realidade pode ser observada nos depoimentos de moradores.
“[...] Se criou a cooperativa pensando em trazer renda para as famílias que fazem
parte principalmente, e também para as comunidades, para a distribuição de renda,
e isso aqui na verdade não aconteceu, como deveria. Existe muita reclamação[...],
somente quem se dava bem eram os membros da diretoria, enquanto que os outros
cooperados ficavam a desejar. Então, o espírito do cooperativismo não é esse [...]. A
gente espera que isso melhore, porque um grande problema é a questão da gestão,
pois muitas vezes as pessoas querem, mas não estão capacitadas, vão assumem e não
O RIO QUE NOS UNE
115
dão conta, e querem projetos, vem projetos e também não dá certo, e aí as coisas
não vão em frente[...] (Morador da Flona do Tapajós, 18 fev. 2021).
Apesar dos percalços, o cooperativismo e o associativismo ainda são as princi-

pais estratégias de organização das comunidades da Flona do Tapajós e representam
também, o melhor instrumento para a organização institucional.
Percepções de moradores sobre o Associativismo e

Cooperativismo no contexto da Resex Tapajós Arapiuns e Flona
do Tapajós
Esta parte contém as narrativas de moradores, da Flona do Tapajós e da Resex
Tapajós-Arapiuns acerca da trajetória do Associativismo e do Cooperativismos na
região. Além da percepção dos processos históricos e suas reflexões da situação atual.
Algumas percepções dos moradores da Resex Tapajós-Arapiuns e Floresta Nacio-
nal do Tapajós sobre o associativismo:
“A Associação TUPAIU foi criada em novembro de 1997. A proposta de criação da

Associação era fortalecer o movimento pela criação da RESEX, através das Asso-
ciações Intercomunitárias. No caso da Associação TUPAIU a ideia foi de organizar
numa só associação as comunidades de Nova Vista, Nuquini e Samaúma”. (Morador
da Resex, 8 jan. 2021).
“Uma das primeiras motivações foi criarmos as Associações Intercomunitárias para

poder representar as comunidades, e foi dividido na época em áreas, a ASMISPRUT
representando de forma jurídica de São Domingos até Piquiatuba, e de Piquia-
tuba até Itapaiuna a AITA[...]. E também a gente esperava conseguir algum tipo de
financiamento[...]. Tivemos muitas dificuldades na questão de projetos, que muitas
vezes não deram certo, inclusive um desses projetos, que hoje ainda dificulta até o
funcionamento dessas intercomunitárias [...], é quanto ao débito que ficou junto ao
banco do Brasil e BASA, do financiamento do PRODEX, entre 2001 e 2002 [...] e
hoje elas se encontram na situação de inadimplência sem poder fazer outros tipos de
projetos por causa de algumas dívidas que não foram quitadas na época[...] (Morador
da Flona do Tapajós, 18 fev. 2021).
“A criação da Associação Comunitária foi motivada por questões de representativi-

dade da própria comunidade. Na época era apenas comunidade, e enquanto comu-
nidade não se representava, ela existia de fato, mas não existia de direito, não tinha
CNPJ. Então, foi esse um dos motivos de ter uma pessoa jurídica, e também poder
correr atrás de alguns projetos, que hoje em dia é muito mais fácil conseguir um
projeto para a comunidade como pessoas jurídica, se não for fica mais difícil, vai
depender de outra[...]” (Morador da Flona do Tapajós, 18 fev. 2021).
Percepções dos moradores da Resex Tapajós-Arapiuns e Floresta Nacional do

Tapajós sobre o cooperativismo.
116
“O motivo da criação da Coomflona foi a de ter um instrumento legal para a comer-

cialização dos produtos oriundos do Manejo Florestal Sustentável Comunitário e de
outras cadeias produtivas na Floresta Nacional do Tapajós. Foi criada pelo motivo das
Associações Intercomunitárias não apresentarem perfil jurídico e contábil compatível
com o montante de recursos que objetiva arrecadar com a venda da madeira em tora
e outras cadeias produtivas. Nesse sentido, a colaboração das intercomunitárias foi
primordial na organização social e política da Coomflona” (Morador da Flona do
Tapajós, 21 fev. 2021).
“Quando se trabalhava ilegal pouca gente vendia madeira e nos esperava que todos
moradores da comunidade Nova Canaã e Porto Rico que são as donas do manejo
fosse beneficiado, com intuito que todas as famílias mudassem de situação – ninguém
serra mais ilegal, já se vê o povo com nova situação, para se ter uma ideia em 2018
apenas eu tinha uma moto, hoje já tem mais de 15 motos na comunidade, a coope-
rativa tem 2 carros de apoio um em Santarém outra na comunidade isso mostra que
já teve algumas mudança na comunidade” (Morador da Resex, 4 mar. 2021).
“[...] Hoje nós temos 68 associações, essas associações elas se organizaram, porém
não podem comercializar seus produtos, e 8 comunidades se organizaram no sistema
de cooperativismo, Nova Canaã e Porto Rico que criaram a COOPRUNÃ e que
trabalharam com o manejo florestal madeireiro e não madeireiro, e já está no seu ter-
ceiro ano de produção, foi criado agora recente a COOPERMARO, que é de Prainha
do Maró e Vista Alegre do Maró, também para a comercialização madeireira e não
madeireiro, temos a COOPRASU, que é a cooperativa das mulheres produtoras de
polpa de frutas lá de Surucuá[...] e tem hoje recém criada a COOPERIOS, [...]criada
por 36 comunidades e aldeias[...]. A COOPERIOS tem uma missão muito grande,
ela vai trabalhar com 7 cadeias produtivas, do madeireiro ao turismo, do turismo à
agricultura familiar” (Morador da Resex, 25 fev. 2021).

Tapajós sobre o uso dos Recursos.
“O manejo florestal madeireiro é recente. Quando começamos a criação da Resex,

uma das questões era a atividade de exploração madeireira, mas que não poderia se
dar logo no início, mas depois através de um plano de manejo comunitário. Nessa
fase, não se discutia ainda como seria feito, apenas se falava da intenção de um dia
elaborar um plano de manejo florestal comunitário. [...]no início não se imaginava
que outros tirariam a madeira da floresta, mas apenas as próprias comunidades é que
fariam isso. Hoje os planos de manejo florestal contam com uma equipe especializada
e as comunidades ficam apenas assistindo porque não possuem uma equipe técnica
para fazer o manejo, então dependem das empresas. Esse manejo da floresta, me
deixa muito preocupado, porque da forma como está sendo feito, nós não teremos
a floresta mais no futuro. Eu acho que a floresta deve ser explorada, mas de outra
forma mais lenta[...] (Morador da Resex, 4 fev. 2021).
O RIO QUE NOS UNE
117
“Eu acho que no começo os moradores do Arapiuns que participaram da criação

da AIRAMA não pensavam ainda no manejo florestal madeireiro, mais tarde com a
criação da RESEX, surgiu a ideia do manejo dos produtos não madeireiros. A com-
preensão do manejo comunitário estava a ideia de que a comunidade era quem iria
fazer a extração da madeira e fazer o seu beneficiamento, diferente do que depois foi
definido, mais recentemente com a utilização de maquinário, mas a ideia que havia
antes, era de uma extração florestal manejada sem o uso de maquinário” (Morador
da Resex, 10 fev. 2021).
“Muita gente acha que o manejo é uma atividade devastadora, mas é diferente de
uma exploração convencional. Muita gente pensa que o manejo é uma destruição da
floresta, mas assim, quem vai numa área que foi explorada há mais de 10 anos não vai
perceber que houve atividade de exploração na área. É verdade que a área não estará
ainda totalmente recuperada 100%, mas 90% está. No Km 97 da Santarém-Cuiabá,
na área que foi desmembrada da Flona, os sojeiros tomaram conta dessa área que
foi desmembrada e os limites dessa área com a Flona do Tapajós está totalmente
detonada, com exploração madeireira sem manejo, com invasão da área indígena
Taquara[...] (Morador da Flona, 21 jan. 2021).

Tapajós sobre a sustentabilidade do associativismo e do cooperativismo:
“Uma das dificuldades da Tapajoara é manter a diretoria em Santarém. Uma das

coisas que algumas diretorias fizeram foi tomar a decisão da Tapajoara ter associados
de moradores individualmente para fazer a arrecadação porque as Associações não
estavam mais colaborando[...], e deixaram por um dos motivos porque a Tapajoara
relaxou com as comunidades em relação à benefícios, e as coisas funcionam assim, se
você não recebe nada, também não contribui. A questão produtiva é hoje o principal
gargalo nas comunidades[...]” (Morador da Resex, 8 jan. 2021).
[...] A associação comunitária foi criada em 2006, de lá para cá ela vem funcionando,
as vezes fracassando, as vezes melhorando um pouco, mas um dos motivos de criação
da cooperativa é a questão da própria comercialização, porque a Comflona ela poderia
fazer esse trabalho, só que ela tem várias limitações[...], questão de quadro de pessoal,
a questão do número de cooperados para expandir[...] , isso trouxe uma insatisfação
das pessoas que muitas vezes pensaram em ser cooperados e não conseguiram[...]
(Morador da Flona, 18 fev. 2021).

Tapajós sobre a Tapajoara e a Federação:
“Um dos motivos da criação da Federação da Flona, foi porque as duas intercomu-
nitárias aqui do beiradão do Tapajós, não representavam nem um terço[...], então
as intercomunitárias elas representavam apenas os associados, em vista das famílias
era muito pouco, então na época começamos a debater, discutir, qual seria a melhor
forma que a população pudesse ser representada politicamente diante do governo,
diante de outras organizações[...], aí nós decidimos que íamos criar uma instituição
118
que ia representar toda a população das comunidades tradicionais da Flona[...], e

decidimos que seria criado uma federação das organizações das comunidades tra-
dicionais que residirem na Unidade. E essa organização[...], faria a representação
da população, faria parcerias com as outras organizações, entidades, e até mesmo
junto ao poder público, para buscar algo que fosse de direito para essas famílias. E
esses foram então os motivos que nos levaram a criar a Federação da Flona. [...] A
Federação é uma entidade que representa o povo das comunidades, e nós estamos
entre as comunidades e o governo[...] (Morador da Flona, 18 fev. 2021).
“Quando a Tapajós-Arapiuns foi criada em 1998, ela tinha um objetivo, defender a

terra para a sua população, para que os povos da floresta pudessem viver do que lá
produzem. Não foi criada só para preservar por preservar[...], as comunidades bus-
cam alternativas. Então, hoje a Tapajoara enquanto instituição é contra que empresas
grandes entrem dentro da Unidade, mas é a favor que as comunidades e aldeias se
organizem e usufruam do que eles construíram. [...] Hoje nós temos 13.000 pessoas
na Resex que precisam viver[...], entendo que o território é dos povos da floresta, se
eles querem fazer roça, agricultura familiar, a Tapajoara vai buscar investimento para
isso, se outros querem fazer o turismo comunitário, se outros têm tendência para o
látex[...], a Tapajoara tem obrigação de buscar apoio como instituição[...] (Morador
da Resex, 25 fev. 2021).
O manejo dos recursos, os serviços e sua relação com o

associativismo e cooperativismo na Resex e Flona do Tapajós
Na Flona do Tapajós, a participação das comunidades e das Associações na
construção da estratégia de uso sustentável dos recursos florestais existentes levou a
institucionalização do manejo florestal comunitário. Segundo os comunitários, a relação
com a floresta possibilitou a implementação de serviços importantes e a formação de
fundos cooperativos para investimento em saúde, educação, apoio às comunidades e
assistência técnica. É relevante no processo associativo e cooperativo das comunidades
da Flona do Tapajós a sua interação na implementação das estratégias de desenvolvi-
mento comunitário e sua relação com os recursos florestais.
Na Resex Tapajós-Arapiuns, o associativismo que emerge com a criação das
associações intercomunitárias e Associações comunitárias na defesa do território e da
floresta está subjetivamente dirigido aos produtos florestais não-madeireiros, como
atividade essencialmente extrativista. Como já foi dito, é recente a institucionalização
do manejo florestal comunitário como estratégia de gestão da floresta e a extração
de produtos madeireiro, influenciado pelos bons resultados da Flona do Tapajós. As
primeiras cooperativas visam assegurar o uso sustentável da floresta e promover a
geração de renda com equidade e a qualidade de vida dos moradores e este é o grande
desafio que está posto.
No que se refere aos serviços, a participação da Tapajoara/Resex e da Fede-
ração/Flona contribuiu decisivamente à iniciativa de saúde básica transformada
em política pública nacional, com o “Programa Saúde da Floresta” implementado
em 2003 pelo Projeto Saúde e Alegria (PSA) em parceria com as Prefeituras locais,
O RIO QUE NOS UNE
119
consolidado no Barco-hospital Abaré, viabilizando o acesso regular aos serviços

básicos de saúde para mais de 13 mil ribeirinhos de ambas as margens do Tapajós.
Um exemplo bem-sucedido de parceria entre representações territoriais, governos
e organizações da Sociedade Civil, tornando-se política pública da “Saúde da Famí-
lia Fluvial” – abrangeu a Amazônia Legal e Pantanal, com a participação efetiva
das comunidades das duas Unidades. Inspirado nesse modelo de serviço fluvial
desenvolvido no Tapajós, atualmente há mais de 60 embarcações de atendimento
espalhadas por essas regiões e beneficiando outros povos igualmente necessitados.
Considerações gerais
O associativismo é um fenômeno social histórico no contexto das Unidades
da Flona e Resex, marcado por lutas de resistência em defesa dos direitos e busca
constante por melhorias na qualidade de vida de seus moradores. Além de refletirem
a união de esforços para a conquista de benefícios sociais básicos, como acesso à
saúde, educação, lazer e políticas públicas, fundamentais ao exercício da cidadania.
Já o cooperativismo, é o responsável pela estratégia de organização com a missão de
viabilizar a produção e comercialização de bens desenvolvidos dentro das Unidades
pelos comunitários, sendo agrícolas, extrativos, florestais, dentre outros, mas não
substituindo o associativismo em seu papel político de representação e controle social.
Tais experiências de associativismo e cooperativismo desenvolvidos na Flona e
na Resex, refletem a história e o acúmulo organizativo de vários anos. Por outro lado,
demonstram, ainda, a necessidade de aperfeiçoamento, principalmente no aspecto da
gestão participativa, condição indispensável para garantir a transparência no acesso
aos recursos, na distribuição equitativa junto aos moradores e principalmente na
participação nos processos decisórios.
As abordagens de associativismo e cooperativismo são, portanto, demonstrações
de esforços na construção de modelos de gestão do território e uso sustentável dos
recursos idealizados pelas e para as comunidades. Perspectiva que continua sendo o
desafio das organizações comunitárias e suas parcerias.
O associativismo e cooperativismo que vem se consolidando com a estratégia
de manejo florestal comunitário tem promovido uma nova visão sobre a importância
da floresta e possibilitado uma expertise que promove benefícios aos moradores e às
comunidades. No entanto, a transformação da floresta em resultados econômicos e
sociais, se não for bem conduzido, poderá reproduzir sistemas de desigualdades sociais
entre os moradores. Desta forma, os esforços de organização, independentemente de
seu formato, devem atender à promoção da equidade social, econômica, importante
indicador de sustentabilidade dos processos de organização comunitária, que devem
ser fortalecidos como instrumentos de controle social dentro das duas Unidades.
A floresta com o seu papel estratégico na manutenção da biodiversidade e sua
importância para a sobrevivência física e cultural das próprias comunidades tradicio-
nais não pode se transformar em um componente de extrema valorização econômica
em detrimento da perda de outros valores do bem viver em comunidade. Assim, o
120
manejo florestal comunitário dos recursos florestais madeireiros e não madeireiros,

devem representar efetivamente uma oportunidade de empoderamento da gestão
participativa do território e não apenas da floresta em si. Para isso, se faz necessário
aperfeiçoar os processos em curso de associativismo e cooperativismo desenvolvidos,
com relação ao uso dos recursos naturais nestes dois territórios. Avaliando-se a eficácia
equitativa na geração de renda e empregos e a efetiva melhoria da qualidade de vida
dos moradores em cada comunidade.
Por fim, se faz necessário superar uma evidente visão dicotômica presente na
visão de cooperativismo e do associativismo, que separa as organizações, dividindo-as
ao invés de organizá-las. Portanto, a dimensão econômica que constitui o papel estraté-
gico do cooperativismo, bem percebido pelos moradores, não se sustenta sem o papel
de controle social que compete ao associativismo. E se distanciar desse pressuposto,
significa trilhar um caminho de fracassos, desencadeando um processo que não tem
sustentabilidade a curto e nem a longo prazo, mas que produzirá riscos à integridade
dos territórios, podendo afetar a continuidade dos projetos e levar à conflitos entre
moradores e organizações.
Agradecimentos
Agradecemos a valiosa contribuição colaboração dada na construção deste artigo
por Aluísio Patrocínio (Comunidade Pini- Flona do Tapajós/COOMFLONA), João
Pedro (Comunidade Pedreira – Flona do Tapajós/FEDERAÇÃO), Marquizanor dos
Santos (Comunidade Prainha – Flona do Tapajós/COOMFLONA), Livaldo Sarmento
(Comunidade São Pedro – Resex Tapajós/Arapiuns), Francisco Cornelio (Comuni-
dade Nova Vista – Resex Tapajós/Arapiuns), Maria José (Comunidade Pinhel – Resex
Tapajós/Arapiuns), Antonio de Oliveira (Comunidade Muratuba – Resex Tapajós/
Arapiuns), Rosinaldo Santos dos Anjos (Comunidade Muratuba – Resex Tapajós/
Arapiuns), João Carlos Dombroski (PSA-Santarém), Pe. Edilberto Moura Sena (San-
tarém) e Pedro Peloso (Assessor popular/Santarém).
O RIO QUE NOS UNE
121
REFERÊNCIAS
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nidades tradicionais na Floresta Nacional do Tapajós. Santarém: Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia-IPAM, manuscritos não publicados, 2000.
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Antônio Carlos de Mariana-MG, 2014. Disponível em: http://revistadireito.com/
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cional Amazônia: Estratégias de Desenvolvimento Sustentável (maio 1997). Belém:
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SOUSA, A. M. P.; PONTES, B. S.; SILVA, M. J. S.; VIEIRA, T. A. Cooperativismo

em comunidades florestais na Amazônia: o que dizem os não-membros?. Ambiente
& Sociedade, São Paulo, v. 22, 2019.
CAPÍTULO VIII
ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO
Jose Risonei Silva
Rubens François
Quando falamos em “poder público” e “território” numa mesma frase, muita coisa
pode vir a mente do nosso leitor. Preliminarmente precisamos compreender alguns con-
ceitos básicos que organizam e regem o funcionamento da sociedade no nosso País.
Conceitos Fundamentais: Grupo Social, Estado, Governo, Território

O objetivo aqui não é escrever um tratado sobre esses conceitos, mas conhecê-los
ajuda a compreender qual o papel que cada instituição pública desempenha no território
em questão, desta forma buscamos conceituar resumidamente cada termo.
• Grupo Social: Conjunto de pessoas que ocupa um território definido, ligado

por tradições culturais e históricas, geralmente com uma língua comum,
porém não necessariamente com a mesma etnia ou religião, tendo regras
estabelecidas e ou leis compartilhadas.
• Estado: de caráter perene, atua através do ordenamento jurídico, sob o
conjunto de instituições que controlam e administram um território, com
a finalidade de atender aos anseios e interesses de sua população.
• Governo: de caráter transitório, é o grupo de pessoas que está na lide-
rança e controle das instituições do Estado.
• Território: O conceito aqui adotado, relaciona território ao espaço apropriado
por grupos sociais e delimitado a partir de relações de poder. Esta definição
se estende aos diferentes conceitos de território existentes, quer seja uma
propriedade privada, Unidade de Conservação, Terra Indígena, Área de Uso
Tradicional, Município ou País.
Como funciona o Estado Brasileiro

Diante da elucidação destes conceitos, podemos compreender melhor como se
dá o funcionamento do Estado Brasileiro, que é regido pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, sendo esta a lei fundamental e suprema, servindo de
ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS UNE
124
parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, situando-se no topo do

ordenamento jurídico brasileiro. Conhecida também como “Constituição Cidadã” em
virtude da inclusão, dos direitos fundamentais e de uma série de direitos sociais, os quais
são objeto de discussão deste capítulo, destacados a seguir:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,

o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1998) [Grifo nosso].
Agora que sabemos que a Constituição Federal assegura ao cidadão brasileiro uma série
de direitos, perguntamos: Como os cidadãos podem acessar ou ter garantido esses direitos?
A administração do Estado brasileiro é dividida em três níveis de governo: federal,
estadual e municipal. Todos os estados e os municípios são membros da Federação e, assim,
tem suas administrações com diferentes níveis de autonomia, ou seja, cada nível de governo
atua de maneira diferente no território, com funções/atribuições específicas.
Tabela 1 – Exemplos dos principais serviços disponibilizados pelas três esferas de governo
Esferas de Serviços disponibilizados a população

atuação Saúde Educação Segurança Infraestrutura
Cria a Política Nacional Grandes Projetos como:

Defesa Nacional (forças
Organiza e financia o de Educação; Regula as Rodovias, ferrovias,
FEDERAL SUS (Sistema único de armadas); Policia Fede-
instituições de ensino; barragens, aeroportos.
ral; Presídios; Tribunais
Saúde). Ensino Superior; Ensino Geração e distribuição
Federais.
Técnico. de energia elétrica.
Policia Militar;
Atendimento de casos Educação do ensino mé- Rodovias que ligam
Polícia Civil; Corpo de
ESTADUAL mais complexos, diag- dio; Ensino fundamental;
Bombeiros; Sistema
cidades dentro de um
nósticos, terapias (ex. Alguns oferecem ensino estado, aeroportos,
de Execução Penal;
hospitais). superior. obras de abastecimento.
Tribunais Estaduais
Saneamento básico
(água e esgoto); Ilumi-
nação pública; Espaços
Creches; Educação públicos (parques e
MUNICIPAL Atendimento básico Infantil; Ensino Funda- Guarda Civil Municipal ginásios); Mobilidade
(Ex. Posto de Saúde).
mental. urbana e rural (abertura
e manutenção de ruas e
ramais, faixa de ônibus,
ciclovias).
Fonte: Adaptado site Politize� https://www�politize�com�br/niveis-de-governo-federal-estadual-

-municipal/, em 21 fev� 2021�
O RIO QUE NOS UNE
125
Entender a organização administrativa das instituições públicas do Estado Brasi-

leiro, ajuda a compreender melhor como elas desempenham seu papel dentro do terri-
tório nacional e, mais especificamente, no território do Rio que nos Une, composto pelas
Unidades de Conservação (UCs): Floresta Nacional do Tapajós (FLONA) e Reserva
Extrativista Tapajós-Arapiuns (RESEX).
De qual território estamos falando?

Vamos pensar no mapa do Brasil, um território gigantesco, que pode ser subdi-
vidido em 5 grandes regiões, e ainda subdividido em 26 estados e o Distrito Federal,
que basicamente todos cidadãos brasileiros conhecem os nomes. Mas você já imaginou
ou viu um mapa com todos os munícipios do Brasil? São 5.570 municípios, 97% deles
com área inferior a um milhão de hectares.
As UCs Federais, FLONA do Tapajós e a RESEX Tapajós-Arapiuns não estão
isoladas no território nacional, tampouco desconectadas dos municípios onde estão
inseridas, ao uni-las estamos falando de uma extensão territorial com cerca de 1,2
milhões de hectares, maior que a maioria dos municípios do Brasil.
Dentro destas UCs vivem cerca de 4.500 famílias, com uma população de apro-
ximadamente 22 mil pessoas, equivalente a população de 72% dos municípios. São
cidadãos brasileiros sujeitos de direitos e deveres perante o Estado.
Tabela 2 – Dados demográficos dos municípios de abrangência da

Floresta Nacional do Tapajós e Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
Área da
Área do População População Densidade
UC (ha)
Munícipio Munícipio do Município da UC (n de IDH** populacional
% do
(ha) (estimada)* habitante/%) hab/km² **
município
Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
Aveiro 1.707.405 230.357 (34%) 16.404 2.031 (11%) 0,541 0,93
Santarém 1.789.838 447.164 (66%) 306.480 16.429 (89%) 0,691 12,87
677.521
Total Total 18.460 pessoas*** 3.692 famílias
(100%)
Aveiro 1.707.405 132.612 (8%) 16.404 265 (7%) 0,541 0,93
Belterra 439.841,80 248.389 (56%) 17.839 3.594 (90%) 0,588 3,71
Placas 717.319,40 19.510 (3%) 31.659 63 (2%) 0,552 3,34
Rurópolis 702.132,10 124.773 (18%) 51.500 48 (1%) 0,548 5,71
Total 530.621 Total 3.970 pessoas ****.1.073 famílias
Fonte: Site IBGE *2020, **2010� Site ICMBIO, em 21/02/2021�
***estimado 2014,ICMBio, **** estimado 2021, ICMBio�
126
Figura 1 – Mapa de localização da Floresta Nacional do

Tapajós e Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
O RIO QUE NOS UNE
127
Quais são as instituições que atuam neste território?

Agora que sabemos de qual território estamos falando e sobre as pessoas que
nele vivem, podemos apresentar quais são as instituições públicas do Estado Brasileiro
que nele atuam, bem como suas atribuições.
Quando mencionamos que a Constituição assegura a todos o direito “ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado...”, isso se efetiva na prática através de um conjunto de
leis, normas, programas e projetos, dentro do contexto da Política Nacional do Meio
Ambiente, que é implementada, ou seja, executada, por um conjunto de instituições
públicas, nos diferentes níveis de governo.
Dentro desta Política Nacional, o Estado Brasileiro adota como uma das estra-
tégias de preservação e conservação ambiental a criação e gestão de Unidades de
Conservação – UCs.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio é a
autarquia federal responsável por executar as ações do Sistema Nacional de Unidades
de Conservação – SNUC, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e
monitorar as UCs instituídas pela União.
Criado em 28 de agosto de 2007, pela Lei 11.516, o ICMBio é vinculado ao Minis-
tério do Meio Ambiente e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.
Para o horizonte temporal de 2020 a 2023, o ICMBio adotou como missão
“formular e implementar políticas públicas ambientais visando proteger o meio ambiente e promover
o desenvolvimento socioeconômico sustentável”. Isso se dá por meio da gestão das UCs, da
promoção do desenvolvimento socioambiental das comunidades tradicionais nas UCs
de uso sustentável, da pesquisa e gestão do conhecimento, da educação ambiental e
do fomento ao manejo ecológico.
Ao ICMBio cabe a “articulação para implementação” das políticas públicas tanto
de meio ambiente, quanto das demais políticas asseguradas aos cidadãos inseridos
no território das UCs. Isso acontece através dos vários instrumentos de gestão dis-
postos na legislação, tais como: Plano de Manejo, Conselhos Gestores, Contrato de
Concessão de Direito Real de Uso – CCDRU, Cadastro de Moradores e do Perfil da
Família Beneficiária.
Apesar da vinculação hierárquica à esfera federal, o ICMBio executa e imple-
menta ações nos contextos municipal e estadual, em níveis regional e local, por vezes
em regiões remotas, figurando como única instituição pública federal presente. Neste
aspecto, pode causar confusão e conflitos entre os beneficiários e usuários das UCs.
Por estar vinculado ao governo federal, pode passar a sensação de possuir maior
“poder” ou “atribuições” que os governos municipal e estadual.
Não por acaso, apresentamos acima o artigo 225, “sobre direito ao meio ambiente”,
após o artigo 6, “sobre os direitos sociais”, não por considerá-lo menos importante, mas
para evidenciar o contexto limitado de atuação do ICMBio no território das UCs do
Rio que nos Une. Território ocupado por cidadãos brasileiros, que possuem outros
direitos fundamentais, igualmente importantes, assegurados pela constituição bra-
sileira e que dependem da atuação de outras instituições e/ou de outras esferas da
128
administração pública para sua execução, ou seja, que não são de competência direta
ou exclusiva do ICMBio.
Além dos direitos garantidos a todos os cidadãos brasileiros, há também os
direitos exclusivos e assegurados às populações indígenas, que também estão presentes
neste território.
Na RESEX Tapajós-Arapiuns foram identificadas 10 etnias, entre estas: Kuma-
ruara, Tupinambá, Tupaiu, Munduruku Cara Preta, Maitapu, Arara Vermelha, Cobra
Grande, Jaraqui, Arapiun e Tapajó, porém sem território definido ou delimitado pelo
poder público. Já na FLONA do Tapajós existe apenas a etnia Munduruku, que
possui 2 terras indígenas declaradas de posse permanente, a Munduruku-Takuara
e Bragança-Marituba. A interface entre as populações tradicionais indígenas e não
indígenas, representa mais um desafio para a gestão do territorial, com a sobreposição
de atribuições e atuação de diferentes instituições.
Nesse cenário, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada por meio da
Lei nº 5.371 de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, é a
coordenadora e principal executora da política indigenista. Sua missão institucional
é proteger e promover os direitos dos povos indígenas no Brasil. Cabe à Funai pro-
mover estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e
registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, além de moni-
torar e fiscalizar as terras indígenas. Tal cenário demonstra um dos muitos conflitos
verificados na gestão das UCs.
Na próxima seção, vamos conhecer um pouco mais sobre as demais políticas
públicas e instituições atuantes no território do Rio que nos Une e o nível de imple-
mentação de suas atividades.
Direitos fundamentais – implementação no Território do Rio

que nos une
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma unidade de medida
utilizada para aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade nos
quesitos de educação, saúde e renda, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de
zero, menor é o indicador, quanto mais próximo de 1, melhores são as condições
para esses quesitos.
O Brasil figura na 79ª posição do ranking mundial, com um IDH de 0,761. Nos
municípios de abrangência da Flona e da Resex, o IDH está bem abaixo da média
nacional, número que reflete a realidade da região, conforme descrito na tabela 2.
Porém, um olhar apressado sobre esses números não permite compreender
a complexidade e dinâmica da região, nesse sentido, apresentaremos nas próximas
sessões, um breve relato do atual status de implementação dos direitos sociais funda-
mentais, como saúde, educação, segurança pública e trabalho.
O RIO QUE NOS UNE
129
Saúde
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988).
No Brasil o direito a saúde é instrumentalizado pelo Sistema Único de Saúde

(SUS), constituído por um conjunto de programas, ações e serviços de saúde sob ges-
tão pública, organizado em redes regionalizadas e hierarquizadas em todo o território
nacional, com atuação de cada uma das três esferas de governo.
O SUS estrutura os níveis de atenção em básica, média e alta complexidade. A
atenção básica, porta de entrada preferencial do sistema e centro ordenador das redes
de atenção, é implementada prioritariamente pela esfera municipal.
Desta forma, o SUS atua no território da FLONA e da RESEX junto às comu-
nidades, por meio dos serviços de atenção básica, como os Postos de Saúde, Unidades
Básicas de Saúde da Família-UBSF, Agentes Comunitários de Saúde (ACS), mutirões
de saúde e campanhas de vacinação.
O Agente Comunitário de Saúde, é um dos profissionais que compõem a equipe
multiprofissional nos serviços de atenção básica à saúde e desenvolve ações de promo-
ção da saúde e prevenção de doenças, tendo como foco as atividades educativas em
saúde, em domicílios e coletividades. O ACS é o profissional que realiza a integração
dos serviços de saúde da atenção básica com a comunidade.
Na FLONA e na RESEX, esse profissional é preferencialmente um morador local,
representando elo importante no levantamento das demandas de saúde local e o poder
público, pois é o primeiro profissional em contato direto com as famílias.
No entanto, o ACS não atua sozinho e necessita de uma infraestrutura mais ampla
para realização do atendimento básico, que são os postos de saúde e suas equipes ampliadas.
Na RESEX Tapajos-Arapiuns, o atendimento básico conta atualmente com
14 postos em funcionamento, atendendo núcleos populacionais nos rios Tapajós
e Arapiuns. A situação já foi pior, em 2013 existiam apenas 6 postos de saúde para
cobertura de uma ampla região.
Na Flona do Tapajos até 2012 existiam três postos de saúde, mas após a exclu-
são da área de São Jorge dos limites da UC, restam apenas dois Postos de Saúde, nas
comunidades de Prainha e Piquiatuba.
Tabela 3 – Quantitativo de estabelecimentos de saúde por município,

administrados pelo poder público (estado e/ou município), em março de 2021
Município Quantidade Quantos na Resex Quantos na Flona
Aveiro 13 2 -
Belterra 18 - 2
Santarém 135 12 -
Fonte: Ministério da Saúde – Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do

Brasil – CNES� http://cnes�datasus�gov�br/pages/estabelecimentos/consulta�jsp
130
Apesar da melhoria na infraestrutura, a ausência ou manutenção de profissionais

(médicos e enfermeiros) nas localidades dos Postos de Saúde ainda é uma realidade
na região, levando os moradores a buscar por serviços nas sedes municipais.
Também há que destacar as Unidades Básicas de Saúde Fluviais (UBSF), embar-
cações adaptadas para o atendimento médico, voltados à população ribeirinha da
Amazônia Legal. Na região temos as embarcações Abaré I e Abaré II, geridas con-
juntamente pela UFOPA e pela Prefeitura de Santarém.
Há ainda os mutirões de saúde, iniciativas promovidas por organizações da
sociedade civil, com apoio de diversos órgão públicos, como Exército Brasileiro,
Marinha do Brasil, Secretarias Municipais de Saúde e ICMBio. Nessa modalidade
de atendimento, são implantadas infraestruturas itinerantes para execução de pro-
cedimentos de baixa e média complexidade, como cirurgias de catarata por exem-
plo. Tais eventos ocorreram em 2013, na comunidade de São Pedro e em 2019,
na comunidade de São Miguel, ambas na RESEX, promovidos pela organização
Expedicionários da Saúde.
Educação: Do ensino básico ao ensino superior

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).
Em todo território nacional, a educação básica (ensino fundamental) é implemen-

tada pelas prefeituras, neste território atendido pelos munícipios de Aveiro, Belterra
e Santarém.
De modo geral, em ambas UCs existe um déficit educacional, que pode ser cons-
tatado não apenas pelo baixo nível de escolarização da maioria dos moradores, mas
também por uma análise da rede de ensino e de suas estruturas físicas. No entanto,
destaca-se que existem na RESEX mais de 70 escolas (67 no município de Santarém
e 3 em Aveiro), entre escolas-polo e seus anexos, bem como por escolas indígenas,
abrangendo mais de 97% das comunidades. Na FLONA existem 20 escolas, das quais
17 estão na jurisdição do município de Belterra e três em Aveiro e abrangem 74% das
comunidades da UC.
Tanto a FLONA quanto a RESEX possuem apenas escolas municipais, que
oferecem ensino em nível fundamental. No ensino médio o nível de oferta é ainda
mais precário, sendo oferecido em poucas comunidades e apenas na forma modular,
com professores vindos de fora do território.
Como reflexo desta situação precária, a busca pelo ensino médio é apontada
como o principal fator para o êxodo dos jovens para as cidades, o que, por conseguinte,
limita a formação de novas turmas nas escolas das comunidades, pela inexistência do
número mínimo de estudantes matriculados exigido pelos critérios oficiais.
Esse mesmo cenário começa a se delinear na formação de classes para o ensino
fundamental, em virtude da redução gradual do número de filhos por família, bem
como êxodo das famílias para áreas urbanas, em busca de melhores condições
O RIO QUE NOS UNE
131
de vida, fazendo muitas escolas comunitárias optarem pela implantação de salas

multi-seriadas.
Ainda assim, a Flona do Tapajós e a Resex Tapajós-Arapiuns, se destacam no
cenário nacional, por possuírem a população com maior nível de escolaridade den-
tre as demais Unidades de Conservação do país, fato que não impede, tampouco
desobriga, a melhoria nas condições e qualidade do ensino básico ofertado. Outro
indicador positivo é que cerca de 70 % dos alunos estudam em escolas localizadas
nas próprias comunidades.
Figura 2 – Percentual (%) de estudantes por localização de escola na

Floresta Nacional do Tapajós e Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
Percentual (%) de estudantes por localização da escola
Em outra comunidade fora da Unidade
Em outro municipio
Em comunidade de outra Unidade
Na sede do munícipio
Em outra comunidade
Na comunidade
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Resex Flona
Fonte: ICMBio, 2016�
Além da implementação da educação básica pelos municípios, outras modalidades

de ensino chegaram ao território, através de iniciativas das próprias comunidades e
famílias, como a Casa Familiar Rural, em regime de alternância, permitindo a formação
técnica e profissional de estudantes de nível médio.
Nesse sentido, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
(PRONATEC) criado pelo Governo Federal em 2011, por meio da Lei nº 12.513,
tinha a finalidade de ampliar a oferta de cursos de Educação Profissional e Tecnológica
(EPT), por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira.
Fruto da parceria entre os ministérios da Educação (MEC) e do Meio Ambiente
(MMA), nas Unidades de Conservação Federais, foi implementado o PRONATEC-Bolsa
Verde, criado para apoiar o desenvolvimento sustentável por meio do fortalecimento da
cadeira produtiva do extrativismo, da elevação de escolaridade e do combate ao anal-
fabetismo, que teve como público alvo: estudantes do ensino médio da rede pública,
inclusive jovens e adultos, trabalhadores e demais beneficiários dos programas federais
de transferência de renda.
132
Na FLONA e na RESEX, foram ofertados 19 cursos no biênio 2015/2016,

representando uma revolução no acesso ao ensino técnico-profissionalizante nas
comunidades, capacitando mais de 400 alunos. No entanto, esta importante política
pública, foi ofertada apenas em uma única ocasião no território e não mais executada
em virtude de falta de recursos orçamentários, ausência de instituições executoras e
finalização do Programa Bolsa Verde.
Tabela 4 – Relação de cursos PRONATEC ofertados na

Resex Tapajos-Arapiuns e Flona do Tapajos
CARGA Unidade de
N CURSO HORÁRIA Conservação/Vagas
(horas) Flona Resex
1 Produtor de Mandioca 160 - 25
2 Artesão de Biojoias 160 25 25
3 Agente de Projetos Sociais 160 25 25
4 Manejador de Floresta Nativas 160 - 25
5 Administrador de empreendimento florestais de base comunitária 160 25 25
6 Artesão de Artigos Indígenas 160 - 20
7 Agricultor Familiar 200 20 20
8 Operador de processamento de Frutas e Hortaliças 270 20 20
9 Condutor de Turismo em UC 200 25 25
10 Apicultor 160 20 20
11 Agente de desenvolvimento cooperativista 25 -
12 Agricultor Agroflorestal 25 -
Total de vagas 210 210
Fonte: ICMBio, 2016�
Segurança Pública
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exer-
cida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. ....”
(BRASIL, 1988).
No quesito Segurança Pública é notória a “invisibilidade” das populações rurais

e isoladas da Amazônia, bem como a ausência do Estado na região, devido a diversos
fatores, entre os quais destacamos: complexa logística de acesso, recursos humanos e
orçamentários deficitários, condições geográficas desfavoráveis, crescimento popula-
cional, alteração nas relações sociais e etc. Somados todos esses fatores, verifica-se o
crescimento nos casos de violência na região.
O RIO QUE NOS UNE
133
As informações, aqui expostas, se baseiam nas demandas apresentadas pelos

moradores da FLONA e da RESEX, nos fóruns de participação social, os Conselhos
Gestores das duas UCs, que a partir de 2017 iniciaram uma abordagem conjunta
sobre a segurança pública no território, bem como na base de dados de denúncias
protocoladas no ICMBio.
Os moradores relatam uma variedade de casos de violência e condutas ilícitas,
ocasionando diversos transtornos de convívio social nas comunidades. Entre as prin-
cipais demandas prioritárias, destacamos:
• Prevenção e combate ao uso de drogas licitas e ilícitas;

• Fiscalização sobre o funcionamento de bares (alvarás), venda de bebida
alcoólica e realização de festas;
• Prevenção e combate a pequenos furtos (motores, embarcações, pequenos
objetos);
• Educação e fiscalização de trânsito;
• Violência contra mulher;
• Direitos das crianças (exploração sexual);
• Direitos e deveres dos jovens;
• Investigação e retirada do convívio social de “foragidos” da justiça.
É importante salientar que poucos casos de violência são registrados junto as

autoridades policiais, e que raramente são registrados os boletins de ocorrência, invia-
bilizando a projeção ou registro estatístico dos índices de violência da região.
A sensação de impunidade referente aos casos de transgressões penais, motivam
a ocorrência de mais violência, que se não mediadas e/ou arbitradas, transformam-se
em brigas e disputas familiares nas comunidades tomando proporções ainda maiores.
Outros fatores como, baixo nível de escolaridade, desconhecimento de normativas e
legislações, direitos e deveres do cidadão, acirram ainda mais essas disputas.
A condição deficitária de infraestrutura de acesso entre as comunidades, local
apropriado para permanência de policiamento ostensivo e os custos para manutenção
de agentes atuando de forma continua junto as comunidades, desmotiva a princípio, a
implementação de postos destacados de policiamento avançado na região, conforme
explicitados pelos órgãos de segurança pública junto as lideranças da região.
A partir dos fatos elencados em 2019, partindo da motivação dos conselhos
gestores da Flona e da Resex, foi proposto, para tentar melhorar as condições de
segurança pública no território, uma ação pioneira e conjunta entre as forças de
segurança pública, através da realização de ações itinerantes para a região do Baixo
Tapajós, inicialmente com ações preventivas e educativas e posteriormente com ações
de policiamento ostensivo.
Essa ação foi inicialmente articulada pelo ICMBio, que ofertou as condições
logísticas para que as demais instituições da administração pública do estado do Pará
e dos municípios envolvidos, pudessem se fazer presentes no território para atuar na
prestação dos devidos serviços ao público alvo.
134
O Plano de Segurança Pública do Baixo Tapajós construído em caráter expe-

rimental deveria ter como organizador e promotor central das ações a Secretaria
Regional de Governo do Baixo Amazonas órgão responsável pelas forças de segu-
rança pública no estado do Pará, porém foi articulado principalmente pelo ICMBio
de Santarém.
Essa ação conjunta, contou com a participação de diversos órgãos, com destaque:
• Órgãos Municipais de Santarém, Belterra e Aveiro: Secretaria de Assistência

Social-CRAS e Conselho Tutelar;
• Órgãos Estaduais do Pará: Secretaria Regional de Governo do Baixo Ama-
zonas, Polícia Militar, Policia Civil, Detran e Bombeiros;
• Órgão de Defesa Nacional: Marinha do Brasil;
• Órgãos Federais: ICMBio.
Foram realizados 4 mutirões com duração média de 5 a 7 dias, com palestras

educativas focadas nas demandas apresentadas, atingindo um público de cerca de 500
pessoas, bem como foram realizados atendimento a denúncias, abordagens ostensivas
em vistorias, visitas familiares, laudos de constatação e colhimento de depoimentos.
Participaram das atividades mais de 40 servidores públicos, a um custo operacional
e logístico em torno de R$ 40.000,00, incluindo contrato de embarcação, combus-
tível, alimentação e equipamentos. Uma operação relativamente barata, frente aos
resultados alcançados.
O Plano de Segurança, de maneira geral, foi bem avaliado pelos moradores do
território, mas careceu de uma avaliação técnica sobre a sua efetividade junto aos atores
executores, bem como de mecanismos que garantissem sua continuidade nos anos sub-
sequentes, além do comprometimento em virtude da pandemia por Covid-19.
Trabalho, Produção e Desenvolvimento

Uma das principais demandas das populações tradicionais, é o acesso a políticas
públicas de assistência técnica diferenciada e adequada ao seu modo de vida, bem
como acesso a recursos financeiros (fomento) para implementação de suas atividades
produtivas. Para o alcance desses objetivos, várias instrumentos, políticas públicas e
instituições atuam no território afim de viabilizar essa importante ferramenta que
garante, a manutenção e o modo de vida tradicional dessas populações. Entre as
instituições públicas responsáveis e atuantes no território, destacamos:
• INCRA: O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária é a

autarquia federal responsável por executar a reforma agrária, através do
Programa Nacional de Reforma Agrária-PNRA.
• EMATER-Pará: A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural é
o órgão oficial do Estado do Pará que tem a missão de promover o desen-
volvimento sustentável através do conhecimento, tecnologia, por meio da
assistência técnica e extensão rural, assegurando a melhoria da qualidade
O RIO QUE NOS UNE
135
de vida da sociedade rural, a partir das diretrizes norteadoras da Política

Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – PNATER (BRASIL,
2010).
Entre os dispositivos legais que asseguram direitos e o acesso a essas políticas

públicas pelos moradores da FLONA e da RESEX é o reconhecimento destes povos
e comunidades como beneficiários do PNRA (MDA, 2008).
Apesar da garantia legal, a implementação desses direitos vem se efetivando
lentamente e de maneira distinta no território, a partir da articulação das populações
e do poder público, de diferentes esferas de atuação.
Exemplo deste esforço é a Chamada Pública 01/13-MDA, que buscou a contra-
tação de organizações para prestação de serviços de Assistência Técnica na RESEX.
No entanto, não houve uma iniciativa similar para o território da FLONA.
Essa Chamada fez parte das ações do Programa de Inclusão Produtiva Rural do
Plano Brasil Sem Miséria, instituído pelo Decreto nº 7.492, de 2 de junho de 2011,
que tinha como um vetor de suas ações a erradicação da pobreza rural extrema. Foi
construída numa parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social-MDS e o
Ministério do Desenvolvimento Agrário–MDA, executado pelo INCRA e o Ministério
do Meio Ambiente, executado pelo ICMBio.
A base para o processo de construção das demandas e da descrição dos serviços,
foram os acordos firmados pelo MDA durante o “I Chamado dos Povos da Floresta”,
denominada de agenda do Marajó, visando atender Unidades de Conservação no
Acre, Amazonas e Pará.
No caso da RESEX Tapajós-Arapiuns, foram destinados perto de R$ 20 milhões
de reais para atendimento de 3.563 famílias, recurso repassado pelo MDS ao MDA/
INCRA, pelo período de 36 meses, para contratação e repasse a prestadores de serviço
ao longo da vigência do contrato.
Tabela 5 – Distribuição dos lotes e contratos de prestação de serviço

de assistência técnica na Reserva Extrativista Tapajos-Arapiuns
Organização Valor Previsto Valor (%)
N. Lote N. Beneficiários
executora (R$) Executado(R$) Execução*
Lote 07 CEAPAC 742 3.963.494,77 2.794.713,69 71 a 78
Lote 09 IPAM 1287 6.197.650,05 4.926.021,51 79 a 89
Lote 10 PSA 789 3.992.386,81 2.125.339,46 46 a 53
Lote 11 PSA 465 3.175.488,07 1.353.401.21 38 a 43
Lote 08 ECOOIDEIAS 280 2.792.234,93 - 0
TOTAL 3563 20.121.254,63 11.199.475,87
Fonte: INCRA� * referência aos valores e atividades executadas�

Vigência dos contratos entre 12/2013 a 03/2019�
136
A complexidade logística da região, o quantitativo populacional e as especifici-

dades para execução da prestação de serviço de uma assistência técnica diferenciada,
voltada para o público extrativista nesta Unidade de Conservação provocou um fatia-
mento, ou divisão da chamada pública em “lotes”, pois houve a preocupação preliminar
em destinar a totalidade dos recursos a uma única instituição executora que poderia
não conseguir atender a totalidade das atividades contratadas, ou não surgirem pres-
tadores de serviços com porte necessário a execução do serviço na chamada, e assim
foi feito conforme descrito na tabela 5.
A contratação teve como objetivo a prestação de serviços de Assistência Técnica
e Extensão Rural as famílias reconhecidas pelo INCRA/ICMBio como beneficiárias
da Reforma Agrária, compreendendo o planejamento, a execução e a avaliação dos
processos de organização social, de implantação de atividades produtivas sustentáveis
familiares e coletivas e processos de comercialização, visando a segurança alimentar,
a inclusão produtiva e social dessas famílias e o incremento de renda.
Observa-se a partir das informações apresentadas, a dificuldade para exe-
cução dos contratos, haja vista apenas 2 (CEAPAC e IPAM) das 4 prestadoras
de serviço contratadas terem conseguido executar atividades e acessar recursos,
acima de 70% das metas contratuais previstas (Figura 4). Além disso, apenas 50%
do recurso público destinado foi utilizado. Destaca-se que uma das prestadoras,
a organização ECOOIDEIAS abandonou o contrato praticamente após um ano
de execução. Apesar do vultoso volume financeiro, e do percentual de execução
contratual pouco superior a 50% do valor destinado, não foi possível dimensionar
ou mensurar resultados positivos desse investimento público, pois a etapa em que
o financiamento foi paralisado coincidiu com a etapa de elaboração de projetos
produtivos e implementação dos créditos que foram inviabilizados justamente em
virtude da suspensão dos contratos.
Percentual (% ) de execução das a�vidades de ATES previstas no contrato
por prestadora
O RIO QUE NOS UNE
CEAPAC IPAM PSA-10 PSA-11

Oficinas de Apresentação
Visitas Familiar para realização do Diagnós�co
Elaboração de Diagnós�co
Elaboração de Planos por Pólo
Oficina de Fortalecimento Organizacional
Oficina para Acesso aos Mercados Diferenciados
Oficina para Acesso aos Mercados Ins�tucionais
Oficina sobre Boas Prá�cas Produ�vas
Oficina sobre Planejamento da Produção
Oficina sobre Acesso a Polí�cas Públicas
Fonte: INCRA, 2017�

Reunião Téc. para Impl. do Plano de Org. Social
Reunião Téc. para Impl. do Plano de Comercialização
Visitas Téc. para Impl. do Proj. Des. Produ�vo - Família
Metas de execução contratual

Reunião Téc para Impl do Proj. Des. Produ�vo - Cole�va
Oficina de Avaliação Intermediária
A�vidades complementares
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Percentual(%) execução contratual
Figura 3 – Percentual de execução das atividade de assistência técnica
prevista no contrato da Chamada Pública 001/2013-MDA, por prestadora
137
138
Principais problemas descritos pelas organizações prestadoras de serviço, que

dificultaram a execução dos contratos:
• Ausência dos beneficiários na residência por ocasião da visita técnica, dificul-

tando a conciliação da agenda das visitas com a presença dos produtores em
seus lotes e/ou na comunidade, havendo a necessidade de retorno várias vezes;
• Dificuldade das famílias em quantificar suas produções, consumos e valores,
comprometendo a qualidade das informações dos diagnósticos;
• Falta de interesse e/ou credibilidade de alguns produtores em receber
acompanhamento técnico;
• Reduzida participação de jovens e mulheres nas oficinas;
• Problemas de atualização dos dados cadastrais junto ao INCRA e CadÚnico,
comprometendo a implementação dos projetos produtivos para acesso as
linhas de crédito como o Fomento Mulher;
• Sazonalidade hídrica da região, dificultando o acesso a certas comunidades
ocasionado pelo verão muito intenso e, no inverno, a áreas produtiva devido
às condições ruins dos ramais em razão das chuvas;
• Dificuldade de deslocamento dos participantes para as oficinas, em função
das distâncias entre comunidades, desestimulando a participação;
• Carência de infraestrutura, na maioria das comunidades, para a realização de
eventos de longa duração, na maioria estruturas físicas pequenas e muito quentes.
• Descontinuidade de equipes de servidores, atrasos e paralisação recorrentes, no
repasse de recursos governamental pelo INCRA aos prestadores de serviço.
• Encerramento dos contratos na RESEX por falta de recursos financeiros da
parte da contratante (INCRA) antes que as prestadoras pudessem concluir
todas as atividades previstas em contrato.
• Aplicação da assistência técnica de forma isolada, sem acompanhamento de
créditos produtivos, financiamentos bancários, política de acesso a comer-
cialização de produtos oriundos da UC.
Esses dados reforçam a complexidade para implementação de políticas públicas

no território, independente do ator social (Estado ou ONGs) mas, apesar das difi-
culdades apresentadas para execução do programa, tanto por parte das prestadoras
de serviço quanto por parte do INCRA, foi notória a avaliação positiva feita pelos
moradores da RESEX, pela oportunidade de acesso aos serviços de assistência técnica.
Ao final da execução dos contratos não houve uma avaliação conjunta dos resultados
alcançados, principalmente em virtude das dificuldades apresentadas, e da suspenção
de pagamento as prestadoras de ATER.
Em arranjo institucional local, a EMATER-Pará celebrou Termo de Reciproci-
dade com o ICMBio, para realização de atividades conjuntas visando a implementação
mínima de serviços de assistência técnica para todas a UCs na região Oeste do Pará.
Na RESEX Tapajós-Arapiuns, a parceria EMATER/ICMBio atuou em subs-
tituição à prestadora ECOOIDEIA (Lote 08), que foi desabilitada pelo INCRA,
O RIO QUE NOS UNE
139
organização que deveria atuar na região do Alto Arapiuns e Rio Maro, deixando sem
atendimento cerca de 280 famílias, na região mais inóspita e carente desta UC.
A parceria buscou identificar e fomentar as principais cadeias produtivas em 12
comunidades da região, fortalecer as organizações comunitárias, capacitar os beneficiá-
rios para agregação de valor e aumentar a viabilidade de comercialização de produtos
da sociobiodiversidade, além de possibilitar o incremento de renda das famílias.
Entre, as principais atividades desenvolvidas pela EMATER em 2018 e 2019,
destacam-se: 4 capacitações sobre derivados de mandioca, 4 capacitações de criação
de galinha caipira, 2 capacitações sobre criação de peixe, cerca de 100 visitas técnicas,
ações de saúde, finalizando com a elaboração, aplicação e acompanhamento de pro-
jetos produtivos no valor de cerca de 500 mil reais, oriundos de créditos do INCRA
– modalidade Fomento Mulher.
Na FLONA do Tapajós, a parceria ICMBio/EMATER atuou junto _à Cooperativa
Mista da Flona do Tapajós – Coomflona e a Federação das Organizações e Comunidades
Tradicionais da Floresta Nacional do Tapajós – FCFT, na celebração, em fevereiro de 2016,
do Termo de Reciprocidade objetivando a Cooperação mútua para a implementação de
ações de Assistência Técnica e Extensão Rural nas comunidades da UC. As ações de Assis-
tência Técnica e Extensão Rural tiveram como público alvo preferencial, os agricultores
familiares, indígenas, extrativistas, ribeirinhos, pescadores artesanais e artesãos.
Antes da assinatura do Termo foram realizadas 13 reuniões nas comunidades da
UC para discutir as estratégias, ações e demandas, envolvendo cerca de 390 famílias.
Durante o biênio 2016 – 2017, foram realizadas 207 visitas tendo como base a relação
de famílias relacionadas e indicadas pelo ICMBio para expedição de Declarações de
Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP).
Foram emitidas 174 DAP’s nas 17 comunidades visitadas e ofertados diversos cursos,
dentre eles: Olericultura, Viveirista Florestal, Cultivo de Árvores Frutíferas, Piscicul-
tura, Boas Práticas em Produção de Polpas de Frutas, Administração de Propriedade
Rural e Auto-Gestão de Projetos, Derivados da Mandioca, Avicultura Caipira, Fruti-
cultura, Trio da Produtividade da Mandioca com Demonstração de Método (prática),
Sangria e Comercialização de Látex: Cultura da Seringueira.
Em fevereiro de 2017, representantes do ICMBio, EMATER, Federação e Coom-
flona, reuniram-se para avaliar os resultados alcançados e propor novas ações para o
ano, dentre estas, Capacitação em Manipulação de Alimentos, Implementação de uma
Unidade Demonstrativa para Criação de Peixes e de uma Unidade de Observação para
Produção de Mandioca, além da renovação de 86 DAPs. A EMATER contribuiu para
a elaboração de projeto de Agroindústria da Coomflona, para a produção de polpas
de frutas na UC. O projeto foi selecionado através do edital Ecoforte Extrativismo,
assegurando um incentivo de R$ 556 mil reais, via Fundação do Banco do Brasil.
Em 2018 ICMBio, EMATER, Coomflona e Federação elaboraram o novo Plano
de Trabalho com atividades previstas para 2018 e 2019. O plano seria incorporado no
Termo de Reciprocidade celebrado entre EMATER e Coordenação Regional 03 do
ICMBio. No Plano constava a emissão e renovação de DAPs, capacitações e avaliação
dos resultados das 75 famílias que foram trabalhadas em 2016 e 2017. Em decorrência
da pandemia, as atividades de assistência técnica foram suspensas em 2020.
140
Uma importante ferramenta garantidora de direitos para os moradores da Flona

do Tapajós e Resex Tapajós-Arapiuns é a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP), instrumento utilizado para identi-
ficar e qualificar as Unidades Familiares de Produção Agrária (UFPA) da agricultura
familiar e suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas.
A DAP é a porta de entrada do agricultor familiar às políticas públicas de incentivo
à produção e geração de renda. Como uma identidade, o documento tem dados pessoais,
dados territoriais e produtivos do imóvel rural, da renda da família e fornece segurança
jurídica para as transações comerciais, viabilizando por exemplo: o produtor acessar
uma linha de crédito do PRONAF e candidatar-se a comercialização junto a mercados
institucionais como PAA (Programa Nacional de Aquisição de Alimentos) e PNAE
(Programa Nacional de Alimentação Escolar). A DAP também tem sido exigida como
documentação comprobatória junto ao INSS para fins de acesso aos benefícios sociais.
Para os moradores da FLONA e da RESEX a DAP pode ser obtida diretamente
no ICMBio de Santarém, na EMATER e no INCRA. Nos últimos 3 anos, a RESEX
Tapajós-Arapiuns emitiu mais de 788 DAPs, aos seus beneficiários.
Infraestrutura
Apesar da proximidade territorial, entre a FLONA do Tapajós e a RESEX
Tapajos-Arapiuns, em relação a infraestrutura, as duas UCs carregam diferenças fun-
damentais e estruturantes na implementação das políticas públicas, entre as quais
destacamos a seguir.
• Energia
Criado em 2011, pelo Decreto Federal n° 7.520, o Programa Nacional de Uni-

versalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica – “LUZ PARA TODOS”, buscou
prover o atendimento com energia elétrica à parcela da população do meio rural que
não possuía acesso a esse serviço público.
O próprio decreto definiu como público prioritário, os moradores de assenta-
mentos rurais, comunidades indígenas, quilombolas e outras comunidades localizadas
em reservas extrativistas.
A responsabilidade pela implementação desta política pública, é da empresa
concessionaria de energia elétrica no Estado do Pará, na atualidade a empresa Equa-
torial Energia, sucessora da Rede Celpa. No entanto, a definição sobre quais regiões
serão beneficiadas depende do Comitê Gestor Estadual do Programa Luz Para Todos.
O acesso terrestre a maior parte da Floresta Nacional do Tapajós e sua interligação
e conexão com uma importante via de acesso como a BR-163, permitiu a interligação dos
núcleos populacionais à rede de distribuição de energia elétrica nacional, antes mesmos
da criação do Programa Luz para Todos e foi finalizada nas comunidades mais distantes
em 2015. Na atualidade, 74% das comunidades (20) possuem energia elétrica. As sete
comunidades localizadas no município de Aveiro, não atendidas ainda, solicitaram apoio
ao ICMBio para articular junto aos órgãos responsáveis o acesso à energia elétrica.
O RIO QUE NOS UNE
141
No entanto, essa realidade ainda não se concretizou na Reserva Extrativista

Tapajós-Arapiuns, acessada exclusivamente via fluvial e sem conexão com a rede
nacional de distribuição de energia, deixando no escuro cerca de 3.700 famílias, que
passam por inúmeras dificuldades, por terem acesso apenas à energia dispendiosa e
de baixa qualidade, fornecida por geradores movidos a óleo diesel.
Vale destacar que 4 trechos, perfazendo cerca de 80 km de rede de distribuição
de energia a serem implantados nesta UC para beneficiar 1.050 famílias, já foram
aprovados pelo Comitê Gestor do Programa Luz para Todos, inclusive com recursos
garantidos para sua execução, porém ainda não foram implementados em virtude de
sucessivas falhas nas operações de logística em campo por parte da concessionaria
Equatorial, das empresas subcontratadas e da Prefeitura da Aveiro.
Em virtude da lentidão dos responsáveis pela implantação das redes de distribui-
ção, as próprias comunidades já iniciaram a instalação da energia, através de ligações
clandestinas de energia, conhecido como “gatão”.
• Ramais e/ou estradas
A Floresta Nacional do Tapajós que está inserida em sua maior parte no muni-
cípio de Belterra e Aveiro, possui estradas de terra trafegáveis durante o ano todo em
seu interior, acessível para veículos, motos, caminhões de grande porte e até ônibus. A
manutenção desses acessos é feita em parte pela prefeitura de Belterra, mas majorita-
riamente contam com apoio das organizações sociais locais como a COOMFLONA
e a FCFT. Estas infraestruturas interligam as 21 comunidades do interior da FLONA
e estas aos centros urbanos de Belterra e Santarém.
O acesso a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns é majoritariamente fluvial, mas
em seu interior existem diversos ramais de acesso que interligam as comunidades e facili-
tam o acesso aos serviços básicos como saúde e educação, bem como às áreas produtivas.
Essas infraestruturas foram feitas e são mantidas basicamente pelos próprios moradores.
Nos últimos anos foi fortalecida a parceria entre a organização comunitária
representante dos moradores, a TAPAJOARA e a prefeitura de Santarém para abertura
e limpeza de novos acessos, principalmente relacionados a implantação de energia,
bem como para melhoria de infraestrutura de pontes.
• Telecentros de Inclusão Digital
O Decreto Federal 6.991/2009, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Inclu-

são Digital nas comunidades, denominado “Telecentros.BR”, e tinha como objetivo
principal desenvolver para implantação e a manutenção de telecentros públicos e
comunitários em todo o território nacional. O programa foi coordenado por um
conjunto de instituições entre estas os Ministérios do Planejamento, Orçamento e
Gestão, das Comunicações, da Educação e da Ciência e Tecnologia.
O programa tinha três frentes de trabalho: distribuição de equipamentos, com-
putadores e internet para vários municípios e localidades do país para montagem de
142
telecentros; pagamento de bolsas para as pessoas que trabalhavam nos telecentros via
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e; qualifi-
cação profissional, através de formação à distância dessas pessoas.
A FLONA e a RESEX foram contempladas com o recebimento dos equipamentos.
No entanto, a implantação do programa teve uma execução bem complexa e lenta, nas
diversas instâncias do programa, ao ponto de levar cerca de 10 anos, desde o recebimento
dos equipamentos em 2009, passando pela distribuição e entrega junto aos locais de
destino final até a ligação efetiva do sinal de internet, instalação da antena, em 2019.
Na FLONA foram instalados dois telecentros, um na comunidade do Maguari (norte
da UC) e outro em Prainha 1. Já na RESEX foram instalados e encontram-se em funcio-
namento 9 telecentros. As bolsas de apoio aos monitores, porém nunca foram efetivadas.
• Habitação
O Crédito Habitacional visa à construção de moradia nos projetos de reforma

agrária criados ou reconhecidos pelo INCRA, sendo os recursos direcionados à aqui-
sição de materiais de construção e pagamentos de serviços de engenharia e mão de
obra, para essa finalidade.
Na FLONA e na RESEX vem sendo implantado desde 2002, com o diferen-
cial de execução direta dos recursos por organizações sociais do próprio território,
gerando maior autonomia na gestão do recurso, promovendo em alguns casos uma
maior economia. Ao longo de 20 anos de execução do programa gerido pelo INCRA,
foram construídos mais de 1500 habitações na RESEX e 300 na FLONA.
Em 2016 a Coomflona e Federação apresentaram à Caixa Econômica Federal
três projetos para a construção de 150 casas, através do Programa Nacional Habitação
Rural, mas os projetos não foram aprovados até o momento.
Conforme exposto ao longo do texto, é complexo afirmar se existe uma única
instituição pública efetivamente responsável pela gestão do território da Floresta
Nacional do Tapajós e na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. O que se efetiva
na realidade é um conjunto de instituições em diferentes níveis hierárquicos (esferas
de atuação, municipal, estadual e federal) que de maneira conjunta implementam ou
tentam implementar suas atribuições em nível local, em diversas situações atuando em
parceria ou conjuntamente com objetivo de otimizar insumos e potencializar soluções
aos beneficiários das Unidades de Conservação.
Em virtude da dimensão, da complexidade socioambiental e logística deste ter-
ritório no Rio Tapajós, que une as populações da Floresta Nacional do Tapajós e
da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns fica cada vez mais evidente, que a gestão
pública no território deve ser feita de forma compartilhada, a fim de potencializar a
implementação das políticas públicas em benefício destas comunidades.
O RIO QUE NOS UNE
143
REFERÊNCIAS
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil. Constituição da República Fede-
rativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/cons-
tituicao/constituicao.htm.
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil. Decreto nº 6.991, de 27 de outubro

de 2009. Institui o Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades
– Telecentros.BR, no âmbito da política de inclusão digital do Governo Federal, e dá
outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Decreto/D6991.htm.
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil. Decreto nº 7.520, de 8 de julho de

2011. Institui o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia
Elétrica – “LUZ PARA TODOS”, para o período de 2011 a 2014, e dá outras provi-
dências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/
Decreto/D7520.htm.
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil. Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010.

Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura
Familiar e Reforma Agrária – PNATER e o Programa Nacional de Assistência Téc-
nica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER,
altera a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12188.htm.
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de

1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm.
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro

de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à
reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Dis-
ponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8629.htm.
INCRA. Instrução Normativa nº 101, de 30 de setembro de 2020. Dispõe sobre

os procedimentos operacionais e administrativos para a concessão, acompanhamento
e fiscalização das modalidades de Crédito Habitacional e Reforma Habitacional, regu-
lamentados pelo Decreto nº 9.424/2018. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/
web/dou/-/instrucao-normativa-incra-n-101-de-30-de-setembro-de-2020-280528169.
144
PORTARIA Interministerial MDA/MMA nº 3, de 3 de outubro de 2008. Reco-

nhece as populações residentes em Resex, RDS e Flonas como beneficiárias do
PNRA. Disponível em: https://www.florestal.gov.br/documentos/legilacao/
florestas-comunitarias/2029-portaria-interministerial-mda-mma-n-3-2008/file.
UFV – Universidade Federal de Viçosa. Apoio ao processo de Identificação das

famílias beneficiárias e Diagnóstico sócioprodutivo em Unidades de Conservação
Federais/Flona do Tapajós e Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Relatório Final
I, UFV/ Centro de ciências agrárias/Departamento de Economia Rural, Viçosa/
MG, 2015. 154 p.
PARTE 2
PRÁTICAS DE USO E SOCIOECONOMIA
NO TERRITÓRIO
SEÇÃO 3
SABERES E PRÁTICAS PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIOAMBIENTAL
CAPÍTULO IX
MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO
NA FLORESTA NACIONAL DO TAPAJÓS
Karla Mayara Gomes
O manejo florestal comunitário na Floresta Nacional do Tapajós

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) estabelece que nas Flo-
restas Nacionais deve-se buscar o incentivo a pesquisa científica e o uso múltiplo susten-
tável dos recursos florestais, com ênfase no manejo florestal (BRASIL, 2000). No oeste
do Estado do Pará, a Floresta Nacional do Tapajós (Flona do Tapajós), criada em 1974,
é uma das melhores referências do Brasil na geração e no uso aplicado do conhecimento
científico voltado ao manejo de recursos florestais em Unidade de Conservação (UC).
São 23 comunidades ribeirinhas e três aldeias indígenas que juntas agregam, aproxi-
madamente, 4.000 moradores (1.050 famílias) residentes, em sua maioria, nas margens do
rio Tapajós (ICMBio, 2019). Atualmente, 202 cooperados (33 mulheres e 166 homens),
residentes ou não, mas com origem na Flona do Tapajós, fazem parte da Cooperativa
Mista da Floresta Nacional do Tapajós (COOMFLONA), entidade criada em 2005, com
o objetivo de administrar o empreendimento florestal comunitário que gera, anualmente,
milhões de reais a partir do manejo dos recursos madeireiros e não madeireiros de uma
área de floresta concedida, de forma não onerosa, aos beneficiários desta UC.
Dentre os cooperados, 98 estão associados à ASMIPRUT (Associação Interco-
munitária de Mini e Pequenos Produtores Rurais da Margem Direita do Tapajós de
Piquiatuba a Revolta) e 104 vinculados à AITA (Associação Intercomunitária de Pesca-
dores, Trabalhadores Rurais e Seringueiros do Tapajós), sendo que a última filiação na
cooperativa ocorreu em 2014 quando a diretoria da cooperativa decidiu suspender novas
filiações para equilibrar as contas e definir critérios para a entrada de novos cooperados.
Nas primeiras décadas de existência da Flona do Tapajós, a relação entre os
moradores e a gestão da UC se limitou a uma política direcionada à regularização
fundiária e fiscalização ambiental, o que gerou muitos conflitos na área. A partir da
década de 1990, com o envolvimento dos moradores na tomada de decisão e propo-
sição de ações estratégicas para a gestão da área, passou-se a ter um alinhamento com
os objetivos de criação da UC e com os anseios das comunidades.
MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO NA FLORESTA NACIONAL DO TAPAJÓS
148
As características favoráveis de localização, próxima de áreas urbanas, com a existência

de aeroporto, boa malha viária, hidrovias e muitas instituições governamentais e não gover-
namentais instaladas em Santarém, fizeram desta Floresta Nacional um centro de expe-
rimentações voltadas para o manejo florestal, com ênfase na administração comunitária.
Histórico do Projeto Ambé

Em 1999, começaram as atividades do Projeto de Apoio ao Manejo Florestal Susten-
tável na Amazônia – ProManejo, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento e a adoção
do manejo florestal na Amazônia. O ProManejo foi subdivido em quatro componentes,
onde o Componente IV foi específico para a Flona do Tapajós, com o apoio à conservação
da Unidade por meio da promoção de ações de gestão e desenvolvimento comunitário,
com ações estratégicas como: apoio à gestão; controle, vigilância e fiscalização; educação
ambiental; ecoturismo e manejo comunitário (ProManejo/ IBAMA, 2004a).
Em 2003, por meio da Portaria 040/03, foi aprovado em caráter experimental e
piloto, o manejo florestal de uso múltiplo na área de uso intensivo da Flona do Tapa-
jós, tendo como beneficiárias as populações tradicionais, uma proposta pioneira de
caráter demonstrativo para unidades de conservação de uso sustentável (ProManejo/
IBAMA, 2003).
O “Projetão”, como foi denominado inicialmente o Projeto Ambé, traduzia um
anseio dos comunitários tradicionais da Flona do Tapajós em manejar a sua floresta, a
sua “casa”, muitos foram capacitados pelo Projeto ITTO (Quadro 1) e ficaram aptos
para a execução do manejo florestal. Portanto, a partir de discussões mediadas pelo
ProManejo e aproveitando esta experiência, um grupo de comunitários realizou as
atividades de inventário em uma área de 100 ha, em 2005, dando início as atividades
de elaboração do plano de manejo e, juntamente a isso, a fundação e legalização da
COOMFLONA, instituída pelas associações intercomunitárias ASMIPRUT, AITA e
APRUSANTA, com o objetivo de beneficiar direta e indiretamente os comunitários
e as comunidades da Flona do Tapajós, e que se tornou a proponente (responsável)
junto ao IBAMA do Projeto Piloto de Manejo Florestal Comunitário na Flona do
Tapajós – Projeto Ambé.
O Projeto Ambé possuía uma área inicial de efetivo manejo de 31.559,69 ha
subdividida em duas áreas, denominadas de Samambaia e Anambé, e uma equipe de
campo com 17 manejadores. No início de 2006, foi expedida a sua primeira autoriza-
ção para exploração que concedia um volume de 2.932,299 m3 de madeira distribuídos
entre 42 espécies em uma área de 100 ha correspondente a Unidade de Produção
Anual 1 (UPA 1), localizada na área Samambaia, dos quais foram extraídos e comer-
cializados 1.554,91 m3 de madeira em tora. Vale ressaltar que nesta primeira venda a
renda adquirida foi suficiente apenas para pagamento dos gastos administrativos da
COOMFLONA e das atividades operacionais do manejo florestal. Ao final do ano
de 2006, foi autorizada a colheita da segunda Unidade de Produção Anual (UPA 2)
correspondente a uma área de 300 ha, área Samambaia, com um volume de 8.880,144
m3 distribuídos entre 46 espécies (ProManejo/ IBAMA, 2006).
O RIO QUE NOS UNE
149
Na época do início das atividades é importante frisar que os membros da COOM-

FLONA receberam diversos treinamentos, cursos, intercâmbios, tanto no âmbito do
manejo florestal quanto na gestão da cooperativa. Além disso, foram estabelecidas
várias parcerias, as quais pode-se destacar: Universidade Federal Rural da Amazônia –
UFRA, atualmente Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, em Santarém,
com o monitoramento do crescimento e recuperação da florestal por meio da instalação
e mensuração de parcelas permanentes; Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia – Imazon, para avaliação do manejo florestal visando definir parâmetros para
uma pré-certificação; Projeto Floresta em Pé, para desenvolver estudos com espécies
florestais não madeireiras na área de manejo; IBAMA, procedimento e orientações
para a execução do Projeto Ambé; Cooperação Técnica Alemã – DED, capacitação
tributária e Universidade Estadual do Mato Grosso – UNEMAT, na concessão de
estágio para estudantes de Engenharia Florestal (ProManejo/ IBAMA, 2006). Todas as
ações realizadas em prol do êxito do Projeto Ambé ao longo de sua trajetória serviram
e servem como lições aprendidas para todos os envolvidos.
Quadro 1 – Breve descrição sobre o Projeto ITTO na Floresta Nacional do Tapajós
Projeto ITTO
O projeto ITTO PD 68/89 – Manejo na Floresta Nacional do Tapajós para a Produção Sustentada de Madeira
Industrial (Projeto Tapajós), realizado entre 1999 e 2003, coordenado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com financiamento do Departamento de Desenvolvimento Internacional do
Reino Unido (DFID) e aprovado pela Organização Internacional das Madeiras Tropicais (ITTO) teve como objetivo, de
acordo com Pinho (2006), a instalação de um modelo de manejo florestal para a produção sustentada de madeira em
florestas tropicais, considerando dados técnicos, sociais, econômicos e ambientais, a fim de orientar futuras ações
governamentais e a transferência dos conhecimentos adquiridos para diferentes segmentos da sociedade em uma
área de 3.222 ha.
A Agropecuária Treviso Ltda., criada pela Comercial Madeiras Exportação S.A. – Cemex, foi a empresa que ven-
ceu a licitação para realizar a exploração do Projeto e o contrato foi oficializado entre a empresa e o IBAMA no final
de 1998, sendo a primeira experiência de concessão de uma área pública. O Plano de Exploração Florestal (PEF)
apresentado ao IBAMA pela empresa foi elaborado com o apoio da Embrapa Amazônia Oriental e da Fundação
Floresta Tropical (FFT) Pinho (2006), atualmente Instituto Floresta Tropical (IFT), com a aplicação do método de
Exploração de Impacto Reduzido (EIR).
O projeto foi responsável pela extração de 63.392 m3 (6,4 m3/árvore) de madeira de alto, médio e baixo valor com
produção média de 20,25 m3/ha em uma área efetivamente explorada de 3.130 hectares. O Projeto ITTO impactou po-
sitivamente os trabalhadores do projeto, fornecendo emprego e expondo-os a técnicas de gerenciamento de florestas
tropicais que maximizam a produção de madeira e minimizam a destruição da floresta. Ao final do Projeto ITTO ficou
claro o entendimento de que mais inciativas de manejo florestal precisavam ser possibilitadas em Florestas Nacionais
(BACHA; RODRIGUEZ, 2007).
Mas o que é manejo florestal?

Quando se fala na utilização comercial da floresta na região Amazônica, é comum
associar manejo florestal à exploração convencional, englobando muitas vezes essas
duas terminologias no mesmo entendimento, mas há uma considerável diferença entre
esses conceitos e, por essa razão, é importante esclarecê-los.
150
O termo exploração é utilizado quando não há planejamento, no caso exploração

convencional, é a utilização da floresta de forma não planejada, sem trabalhadores qua-
lificados e, na maioria dos casos, sem equipamentos e maquinário adequados, e quando
existentes, não são aplicados de forma correta para mitigar os impactos negativos sobre
a floresta. Por outro lado, o manejo florestal contempla a extração de produtos florestais
com impacto reduzido (EIR), onde é feito o planejamento das atividades de modo a
reduzir os danos à vegetação remanescente, com forte preocupação quanto a manutenção
do estoque de oferta da floresta para futuras colheitas.
Além disso, no manejo florestal são previstas atividades de pré-colheita – infraes-
trutura e inventário florestal; e pós-colheita, como a realização de tratamentos silvi-
culturais, por exemplo, para estimular o desenvolvimento da floresta, e o cuidado de
proteger a área (SABOGAL et al., 2009).
Para que a utilização da floresta seja feita considerando critérios de sustenta-
bilidade, além das práticas já relacionadas devem ser consideradas as atividades que
garantam a responsabilidade social do uso da floresta, conforme definido no conceito
de manejo florestal da Lei 11.284. de 2 de março de 2006 (BRASIL, 2006):
“O manejo florestal sustentável é a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos,

sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e
considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de
múltiplos produtos e subprodutos não-madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços
de natureza florestal.”
O primeiro passo para utilizar a floresta de forma racional é a elaboração de um

plano de manejo. É nessa fase que são estabelecidas políticas, estratégias e técnicas
que irão garantir a manutenção da capacidade produtiva da floresta (SABOGAL et
al., 2009). O Plano de Manejo Florestal (PMF) é um documento que contém as infor-
mações de como funcionará o manejo e apresenta as diretrizes e os procedimentos
para a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e
ambientais (ICMBio, 2019).
Esclarecemos que em todo plano de manejo tem que estar intrínseca a busca pela
sustentabilidade, entretanto o plano de manejo florestal, por si só, não a garante. Por
isso preferimos chamar de plano de manejo florestal (PMF), mas na legislação e na
maior parte das publicações, encontramos plano de manejo florestal sustentável (PMFS).
De forma simplificada, podemos compreender a elaboração de um PMF divi-
dida em quatro etapas: Inventário amostral, diagnóstico socioeconômico, planeja-
mento estratégico e planejamento operacional, com base nas Diretrizes Técnicas
de Manejo para Produção Madeireira Mecanizada em Florestas de Terra Firme na
Amazônia Brasileira:
A primeira etapa – inventário florestal amostral, constitui a base do planejamento
da produção, em que se conhece a floresta tanto em qualidade, a partir das espécies
presentes, quanto em quantidade, a partir número de árvores, área basal (área ocupada
pelo fuste comercial das árvores) e volume.
O RIO QUE NOS UNE
151
Ao mesmo tempo ou logo em seguida a segunda etapa temos o diagnóstico

socioeconômico, uma fase estratégica que permite conhecer o universo social, as
principais lideranças, estabelecer uma relação colaborativa com a população local
e oferta de mão de obra. A terceira etapa é o planejamento estratégico, que é o
PMF propriamente dito, ou seja, o documento com o detalhamento das operações
que serão conduzidas na floresta, como macro e microzoneamento, delimitação
topográfica, inventário florestal 100%, colheita florestal, operações pós-colheita,
incluindo a proteção, as metodologias, os equipamentos, instrumentos e recursos
a serem utilizados.
A quarta e última etapa é o planejamento operacional, com a elaboração de
um documento chamado Plano Operacional Anual (POA), que contém o planeja-
mento de todas as operações que serão realizadas durante um ano em uma área de
manejo florestal.
Embora seja classificado como PMF Comunitário, o manejo florestal realizado
pela Coomflona também se enquadra na categoria de PMF Pleno, quanto à intensidade
de colheita, e PMF de uso múltiplo, por manejar produtos florestais madeireiros e
não madeireiros (Tabela 1).
Tabela 1 – Classificação do manejo florestal executado pela

Coomflona na Floresta Nacional do Tapajós
Titularidade da Floresta Floresta Pública – Flona do Tapajós
Detentor Comunitário – Executado pela Coomflona
Ambiente Predominante Terra firme
Categoria do PMF
Estado Natural da Floresta Manejada Floresta Primária
Intensidade de Colheita no Manejo Florestal Pleno até 30 m3 ha-1
Produtos Decorrentes do Manejo Florestal Múltiplos Produtos
Sistema Silvicultural Sistema Policíclico com corte seletivo
Sistema de
Colheita Florestal Sistema que prevê a utilização de máquinas para o arraste de toras
Ciclo de Corte 35 anos
Atualmente, o empreendimento da COOMFLONA compreende a Área de Manejo

Florestal (AMF) denominada Anambé II, com 82.933,55 ha de extensão, sendo subdividia
em três Unidades de Manejo Florestal (UMF): UMF Andiroba, de 11.449,01 ha; UMF
Maçaranduba, de 31.195,60 ha; e UMF Jatobá, com 40.288,94 ha.
No manejo de uso múltiplo é realizada a colheita de madeira em tora, de madeira
em torete e a colheita de sementes, resinas e frutos. O produto tora é a madeira do
tronco destinada a serraria. O torete é a madeira com mais de 50 cm de comprimento
com no mínimo 20 cm de diâmetro, procedente de galhos e da parte do fuste não
destinada à serraria. Como exemplo de produtos não madeireiros temos a semente de
andiroba, o fruto de castanha-do-Pará e a resina da seringueira (Figura 1).
152
Figura 1 – Produtos colhidos no Manejo Florestal Comunitário

executado pela Coomflona na Floresta Nacional do Tapajós
No POA todas as atividades a serem executadas na UPA são discriminadas e

quantificadas, tendo como responsável técnico o engenheiro florestal. O POA precisa
ser encaminhado ao órgão ambiental competente para análise e posterior emissão de
autorização que permite o início das atividades.
No POA constam as informações sobre o PMF ao qual está vinculado (número
do protocolo e informações da área de manejo), as informações sobre a UPA, a
produção florestal planejada (espécies de interesse e volume a colher, diâmetros
mínimos de corte), avaliação de danos e outros estudos técnicos, treinamentos,
ações de melhoria da logística e segurança de trabalho, mapas (macrozoneamento
da UPA, mapa de colheita), cronograma de execução do POA e o planejamento
das atividades na área de manejo para o ano do POA. De modo geral, as atividades
de manejo florestal estão divididas em três fases, a saber: pré-colheita, colheita e
pós-colheita (Figura 2).
O RIO QUE NOS UNE
153
Figura 2 – Atividades por fases executadas no empreendimento de manejo florestal

comunitário realizado pela Cooperativa Mista Flona do Tapajós (COOMFLONA)
Microzoneamento
Carregamento e
Transporte para Delimitação
Indústria
Emissão de Nota
Fiscal, DOF e Inventário Florestal
Romaneio 100%
Caminhão
Pós-colheita Social
Justo Pré-colheita
Carregamento e
Transporte de Elaboração
Toras para o Pátio POA/UPA
Central
MFC
Cubagem de Toras
Ambiental Economia Licenciamento
e Toretes POA/UPA
Correto Viável
AUTEX
Aarraste de Toras e Planejamento da

Toretes Infraestrutura
Colheita
Planejamento
Construção da
Ramal Infraestrutura
Arraste
Corte Florestal
A evolução do Manejo Florestal na Floresta Nacional do Tapajós

A COOMFLONA executou as atividades previstas em sua primeira UPA de 100
hectares, nos anos de 2005 e 2006, e, posteriormente, trabalhou em uma área de 300
e de 500 hectares, em 2007 e 2008, respectivamente. Estas três primeiras Unidades de
Produção Anual faziam parte do cronograma previsto para o Projeto Ambé. A partir de
2009, a cooperativa passou a executar suas atividades sem a dependência de um capital
externo, em uma área de 700 hectares.
Em 2019, após 13 anos (2005 – 2018) executando as atividades previstas no plano
de manejo florestal aprovado em 2005 pelo IBAMA, a COOMFLONA recebeu auto-
rização para manejar 82.933,55 mil hectares de floresta em um novo plano de manejo
florestal aprovado, em 2019, pelo ICMBio, com UPA’s de aproximadamente 2000 hec-
tares. Na Tabela 2 os resultados financeiros apresentados nas assembleias de prestação
de contas. As sobras do exercício fiscal (Tabela 3) são divididas, de forma proporcional
em: Fundo de Apoio Comunitário (15%), Fundo Saúde (5%), Fundo Reserva (10%),
154
Fundo de Investimento (45%), Reserva de Assistência Técnica Educacional e Social

(5%), Decisão da Assembleia Geral (15%).
Tabela 2 – Volume autorizado e volume de madeira explorado, em

m³. ha-1, no período de 2005 a 2019, na área de manejo florestal da
COOMFLONA, Floresta Nacional do Tapajós, Belterra, Pará
Volume comer-
Área do POA Volume AUTEX Valor por m³
UPA Ano Safra cializado em Receita Bruta (R$)
(ha) (m³) (R$/m³)
tora (m³)
1 2005/2006 100.00 2.932.2990 1.554.9100 R$ 188.12 R$292.515.00
2 2007 300.00 8.880.1440 3.646.6180 R$ 214.50 R$782.207.85
3 2008 521.00 13.487.4740 7.843.2710 R$ 140.47 R$1.101.716.07
4 2009 700.00 20.181.1100 13.450.0640 R$ 197.00 R$2.649.662.61
5 2010 1.000.00 19.343.2000 14.893.1900 R$ 190.00 R$2.829.706.10
6 2011 1.000.00 18.337.3200 15.845.7927 R$ 198.00 R$3.137.466.95
7 2012 1.000.00 24.476.5500 19.120.8500 R$ 198.00 R$3.785.928.30
8 2013 1.000.00 25.837.4500 21.714.8690 R$ 220.00 R$4.777.271.18
9 2014 1.559.30 43.905.4330 37.173.6713 R$ 260.00 R$9.665.154.54
10 2015 1.551.88 42.797.6620 35.030.7468 R$ 311.00 R$10.894.562.25
11 2016/2017 1.589.81 41.280.0410 31.818.5317 R$ 345.00 R$10.977.393.44
12 2018/2019 1.473.74 29.455.8650 21.174.9900 R$ 350.50 R$7.421.834.00
13 2019 504.300 13.371.4223 11.184.8534 R$ 365.00 R$4.082.471.49
Obs.: valores monetários não consideraram o efeito da inflação, ao longo dos anos.
Tabela 3 – Resultados financeiros por ano fiscal apresentados nas assembleias
de prestação de contas da diretoria aos cooperados, área de manejo
florestal da Coomflona, Floresta Nacional do Tapajós, Belterra, Pará
Ano Receita Bruta Despesas Lucro Líquida Perda Líquida
2005 R$292.515,00 R$106.774,64 R$185.740,36
2006 R$782.207,85 R$708.746,37 R$73.461,48
2007 R$1.101.716,07 R$890.263,82 R$211.452,25
2008 R$627.302,30 R$642.142,41 - R$14.840,11
2009 R$1.844.306,83 R$1.366.923,28 R$477.383,55
2010 R$2.138.026,69 R$1.971.394,99 R$166.631,70
2011 R$3.011.693,42 R$2.372.811,57 R$638.881,85
2012 R$3.537.751,76 R$3.399.797,36 R$137.954,40
2013 R$3.994.158,62 R$3.384.117,52 R$610.041,10
2014 R$5.766.048,10 R$5.304.950,91 R$461.097,19
continua...
O RIO QUE NOS UNE
155
continuação
Ano Receita Bruta Despesas Lucro Líquida Perda Líquida
2015 R$ 8.017.677,71 R$ 7.746.784,98 R$ 270.892,73
2016 R$13.178.602,42 R$11.688.825,48 R$1.509.776,94
2017 R$10.257.644,14 R$9.692.387,93 R$565.256,21
2018 R$ 7.580.169,98 R$ 7.598.367,14 - R$ 18.197,16
2019 R$ 4.271.168,42 R$ 3.783.951,19 R$ 487.217,23
Obs�: valores monetários não consideraram o efeito da inflação, ao longo dos anos.
Manejo florestal comunitário certificado

A COOMFLONA obteve certificação florestal do sistema FSC (Forest Stewardship
Council® ou Conselho de Manejo Florestal), iniciativa voluntária da cooperativa que se
submete as exigências do padrão FSC, principalmente em relação ao desempenho
social, ambiental e econômico conforme as legislações vigentes, verificados através
de auditorias anuais de monitoramento do certificado em campo, por um organismo
certificador (no caso da COOMFLONA, o certificador tem sido o Instituto de Manejo
e Certificação Florestal e Agrícola – IMAFLORA).
A COOMFLONA buscou a certificação FSC incentivada pelos parceiros insti-
tucionais, principalmente o Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB e o
Instituto Floresta Tropical – IFT, que acreditavam que a certificação iria impulsionar o
desenvolvimento continuo do nível gerencial e técnico do empreendimento como um
todo e dar maior visibilidade ao mercado para a madeira manejada pela cooperativa,
inclusive o IEB auxiliou nas ações de implementação e treinamentos durante dois
anos. Os membros da diretoria, equipe técnica e muitos cooperados acreditavam que a
certificação iria proporcionar melhorias significativas dos valores de venda da madeira.
O processo de solicitação da certificação foi submetido e aprovado em 2013,
junto ao IMAFLORA, após a visita técnica e auditoria de verificação nas instalações
e área de manejo da cooperativa. A área de manejo certificada foi de 14.257,11 ha,
em 2016, posteriormente passou a ser de 20.086,73 ha e, em 2019, com a inclusão da
Área de Manejo Florestal (AMF) anambé, localizada no KM 117 da BR 163, a área
certificada passou a ser de 82.955,55 ha, em razão da concessão do direito de manejar
a AMF Anambé II para a COOMFLONA, conforme Portaria ICMBio nº 511 de 17
de setembro de 2019. Portanto, a COOMFLONA possui hoje toda a área de seu plano
de manejo florestal certificada pelo FSC.
A certificação tem contribuindo para a melhoria nos processos operacionais de
exploração florestal, gestão ambiental, responsabilidades sociais, segurança do trabalho
e proporcionado uma visibilidade e oportunidades para a cooperativa. Depois que
a cooperativa se tornou certificada, tem sido convidada para participar de diversos
eventos regionais, nacionais e até internacionais. Nos dois primeiros anos as auditorias
apontaram muitos pontos para melhorias através da emissão de Não Conformidades
com princípios e critérios de Padrão de Certificação do FSC para o Manejo Florestal em
156
Pequena Escala e de Baixa Intensidade (SLIMF) pelo qual a cooperativa é certificada.

Depois que foi contratado um técnico para assumir a responsabilidade pela certificação,
padronizados os procedimentos e feito os investimentos necessários para atendimento
das adequações com o padrão, reduziram-se os pontos de melhorias apontados pelas
auditorias. Atualmente, ainda permanecem recomendações de melhoria, principal-
mente no que tange à gestão administrativa e financeira da cooperativa, mas também
sempre existem apontamentos para a parte técnica de execução do Plano de Manejo.
A certificação é considerada um grande marco de transformação no empreendi-
mento, embora não tenha atendido às expectativas dos cooperados inicialmente, que
era de aumentar de forma significativa o valor da venda da madeira, pois a procura por
madeira certificada na grande maioria das vezes é por madeira serrada e a cooperativa
ainda não possui serraria. Contudo, ao longo do tempo foi possível obter uma melhor
valorização no preço da madeira em tora, chegando inclusive a comercializar para três
clientes ao mesmo tempo, através de contrato de venda direta. Alguns destes clientes
buscaram a certificação de cadeia de custódia para poder comercializar a madeira
certificada, principalmente para o mercado internacional.
Os aprendizados obtidos com o processo de implantação e fortalecimento da
iniciativa e, posteriormente, com a expansão da área manejada, além dos desafios
com a gestão econômico-financeira do empreendimento, fazem do manejo florestal,
executado na Flona do Tapajós, uma importante referência em Manejo Florestal
Comunitário na Amazônia. Os resultados financeiros obtidos com o manejo dos
recursos naturais têm promovido o desenvolvimento local e apoiado a gestão da
Unidade de Conservação.
O RIO QUE NOS UNE
157
REFERÊNCIAS
BACHA, C. J. C.; RODRIGUEZ, L. C. E. Profitability and social impacts of reduced
impact logging in the Tapajós National Forest, Brazil – A case study. Ecological
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1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Uni-
dades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm. Acesso em: 6 jan. 2021.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Instrução Normativa nº 05, de 11 de

dezembro de 2006. Dispõe sobre procedimentos técnicos para elaboração, apresenta-
ção, execução e avaliação técnica de Planos de Manejo Florestal Sustentável – PMFSs
nas florestas primitivas e suas formas de sucessão na Amazônia Legal. Disponível
em: https://www.mma.gov.br/estruturas/pnf/_arquivos/in%20mma%2005-06.pdf.
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tal Comunitário em Unidades de Conservação de Uso Sustentável na Amazônia:
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Brasília, DR: Ministério do Meio Ambiente, 2019. 84p. ISBN: 978-65-5024-008-0.
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jós para a produção sustentada de madeira industrial. In: PEREIRA JÚNIOR, R. A.
(org.). Floresta Nacional do Tapajós: experiências e lições para a implementação do
manejo florestal em unidades de conservação. Belém: Projeto Tapajós, 2006. p. 27-33.
PROMANEJO/IBAMA. Relatório Anual de Atividades. Manaus, 2003. 90p.
PROMANEJO/IBAMA. Apoio à gestão da Floresta Nacional do Tapajós. Manaus,

2004a. 4p.
PROMANEJO/IBAMA. Relatório de Atividades. Manaus, 2006. 80p.
SABOGAL, C.; POKORNY, B.; SILVA, J. N. M.; CARVALHO, J. O. P.; ZWEEDE,

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nizada em florestas de terra firme na Amazônia brasileira. Belém, PA: Embrapa
Amazônia Oriental, 2009. 217p.
CAPÍTULO X
MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO
NA RESERVA EXTRATIVISTA
TAPAJÓS-ARAPIUNS
Maurício Mazzotti Santamaria
Introdução
Para melhor compreensão deste capítulo, que traz à tona as questões relacio-
nadas ao surgimento e desenvolvimento Manejo Florestal Comunitário na região do
Baixo Tapajós, em duas grandes Unidades de Conservação, a Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns e Floresta Nacional do Tapajós, precisaremos voltar no tempo, mais
precisamente para o final da década de 70.
Dificilmente conseguimos dissociar as duas unidades de conservação federais
vizinhas, unidas pelo grandioso rio Tapajós, Resex Tapajós-Arapiuns e Flona do Tapa-
jós, as ações exitosas que ocorrem em um território, tão logo atravessam o rio, fator
esse relacionado ao constante fluxo social entre as duas margens do rio (festividades,
clubes de futebol, religião etc.), e para o Manejo Florestal não foi diferente.
A Flona do Tapajós, criada em 1974, como medida de mitigação de impactos da
abertura da BR-163 (Rodovia Cuiabá/Santarém), logo se tornou o berço do desen-
volvimento das pesquisas de Manejo Florestal no Brasil, rapidamente importantes
centros de pesquisa se instalaram ali, EMBRAPA, IPAM, ITTO entre outros. Atual-
mente podemos afirmar que a maioria das normativas que regulam o Manejo Florestal
na Amazonia nasceram dos dados gerados pelas pesquisas e estudos publicados na
Floresta Nacional do Tapajós, como por exemplo as IN 04 e 05/MMA que “dispõe
sobre procedimentos técnicos para elaboração, apresentação, execução e avaliação técnica de Planos
de Manejo Florestal Sustentável – PMFSs nas florestas primitivas e suas formas de sucessão na
Amazônia Legal, e dá outras providências”.
Como esses estudos simulavam as ações de intervenção humana propostas pelo
Manejo Florestal, como parte do resultado das pesquisas, existia o acúmulo de madeira
em toras, proveniente da colheita florestal. Como os volumes gerados eram relativa-
mente grandes, pois os estudos simulavam diversos tipos de intervenção de até 75 m³
de madeira/ha, logo os pesquisadores propuseram a comercialização desta produção,
com objetivo de amortizar os elevados custos das pesquisas. Nesse sentido, provocado
pelas instituições de pesquisa, o órgão gestor da FLONA do Tapajós, o IBDF, passou
a buscar meios legais, até autorizar a comercialização desta produção.
Esses trabalhos de pesquisa perduraram por anos, até meados de década de
80, onde além da geração de dados importantíssimos sobre incremento florestal,
MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO NA RESERVA EXTRATIVISTA TAPAJÓS-ARAPIUNS
160
capacidade de resiliência, nível de intervenção, regeneração florestal, também gerou

um volume expressivo de madeira, o qual teve como destino a comercialização.
Essas áreas de pesquisa, não se localizavam nas áreas habitacionais das comu-
nidades, próximo às margens do rio, e sim, ao longo da BR-163, facilitando acessos
dos pesquisadores e escoamento da produção florestal, esse fator foi delimitante para
que as comunidades demorassem tanto tempo para se apropriar desse processo de
comercialização desta produção florestal, a qual ocorria dentro da Flona do Tapajós.
Importante ressaltar que nesse período, da criação da Flona do Tapajós até a
publicação do SNUC em 2000, não existiam legislações claras que observavam ou
permitiam a presença de populações tradicionais como beneficiários de Florestas
Nacionais, fator esse que ocasionou durante anos, acirrado conflito entre os órgãos de
gestão da FLONA – IBDF e IBAMA – muitas vezes até coibindo a permanência das
populações tradicionais nos territórios, e comumente negando ou não reconhecendo
direitos de uso das populações tradicionais sobre o território.
Devido esse conflito, até os anos 2000 as comunidades da FLONA não obti-
veram êxito junto ao órgão gestor da UC, nas discussões relacionadas ao Manejo
Florestal Comunitário.
Com a publicação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC,
Lei Federal nº 9.985 em 18 de julho de 2000 e posteriormente do Decreto Federal
nº 4.340 de 22 de agosto de 2002 que regulamenta a lei supracitada, passou a existir
um processo mais robusto de reconhecimento dos territórios de uso tradicional,
consequentemente um movimento mais solido e organizado de criação de fundos
e projetos de apoio as UC’s Federais de uso sustentável, motivados pela segurança
jurídica proporcionada pela até então nova legislação. E com esse movimento, o
já existente programa denominado PROMANEJO – Projeto de Apoio ao Manejo
Florestal Sustentável na Amazonia – “ganhou corpo”, com aporte de recursos pro-
venientes do Banco Mundial (RFT), Governo da Alemanha (KfW e GTZ), Governo
Britânico (DFID), Governo Brasileiro (contrapartida), apresentando uma estimativa
de R$ 28.000.000,00 (vinte e oito milhões de reais) para investimento em ações de
estruturação do Manejo Florestal na Amazonia.
O PROMANEJO foi programa decisivo na implementação do manejo Florestal
Comunitário na Floresta Nacional do Tapajós, por isso, precisamos transcorrer mais
detalhes sobre a implementação deste projeto na região.
Com macro objetivo de “Apoiar a adoção do manejo florestal na Amazônia, por meio
de ações estratégicas e experiências pilotos em áreas prioritárias”, o projeto apresentava outros
5 objetivos estratégicos, sendo 4 deles com interferência direta na Floresta Nacional
do Tapajós:
1) Estudos e análises estratégicas para definição de diretrizes de políticas

públicas para Manejo Florestal;
2) Identificar, promover e apoiar iniciativas promissoras de manejo florestal
em áreas públicas e privadas, que sirvam de referências;
3) Desenvolvimento e teste de novos métodos e instrumentos de controle da
atividade madeireira;
O RIO QUE NOS UNE
161
4) Apoiar a gestão de Floresta Nacional, com a participação das populações tra-

dicionais residentes na área, melhorando a qualidade de vida das comunidades;
5) Gestão para alcance de resultados e impactos do Projeto.
Nesse contexto a Floresta Nacional do Tapajós se tornou um campo fértil para

implementação do programa PROMANEJO, grande parte dos recursos do programa
foram aplicados ali, e grandes avanços foram alcançados: a) mobilização e discussão na
base de moradores sobre Manejo Florestal, tema que poucos moradores tinha acesso
na época; b) elaboração do Plano de Manejo (plano gestor) da Floresta Nacional do
Tapajós, com zoneamento e normas de uso adequadas para promoção do MFC, inclu-
sive, não permitindo a concessão florestal empresarial na UC; c) criação da Coopera-
tiva Mista da Floresta Nacional do Tapajós – COMFLONA; d) dotação de estrutura
mínima para implementação das ações de manejo; e) capacitações e treinamentos
sobre técnicas de manejo florestal, cooperativismo, administração. Intercâmbios com
experiencias mais avançadas etc.; f) contratação de equipe técnica para COMFLONA
(engenheiros e técnicos florestais, contador, assessoria jurídica, entre outros); g) ela-
boração e licenciamento do projeto de manejo florestal comunitário; h) publicação
de relatórios técnicos e pos-exploratorios.
Durante 5 anos, de 2002 a 2007 o programa PROMANEJO apoiou de forma
contundente as ações hora relatadas, até que em 2005, se iniciou as ações exploratórias
do Manejo Florestal Comunitário, com a derrubada da primeira arvore do projeto
“AMBÉ”. Foi um evento festivo, com a presença da impressa e sociedade local, dos
diretores do IBAMA, onde eu pude acompanhar pessoalmente os discursos emociona-
dos das lideranças envolvidas, pelo direito reconhecido de acesso aos recursos naturais
da FLONA. O evento foi marcado pela derruba da primeira Árvore, um jatobazeiro,
pelo então Diretor da Diretoria de Florestas do IBAMA, e o maior idealizador do
Programa Promanejo, o Sr. Antonio Carlos Hummel, naquela ocasião, tomamos juntos
o “vinho do jatobá”, líquido o qual fica armazenado dentro do oco da arvores, o qual
é expelido no momento do teste do oco.
Dali para a frente o “projeto Ambé” – Manejo Florestal Comunitário na Flona
do Tapajós – entrou em grande ascensão, expandindo as áreas de manejo ano a ano,
iniciando com uma unidade de produção anual -UPA- de 100 ha, em seguida 300 ha,
500 ha, até atingir o patamar atual de 2 mil ha/ano, da mesma forma para capacidade
gerencial, até não depender mais de apoio externo para sua gestão.
Enquanto isso, do outro lado do rio Tapajós, na Reserva Extrativista
Tapajós-Arapiuns, os caminhos iniciais que trouxerem as primeiras ações de manejo
para RESEX foram parecidos, em momento próximos, as motivações quanto os
anseios para implementação do Manejo Florestal Comunitário ocorriam com certa
similaridade, ou seja, comunidades historicamente usuárias de territórios tradicionais,
observando outras organizações tomarem a iniciativa das ações de manejo.
Em meados dos anos 80, quase vinte anos antes da criação daquela que seria
a primeira reserva extrativista do Estado do Pará, duas empresas madeireiras “Ama-
zonex e Santa Izabel” se diziam donas das áreas que hoje compõem a RESEX
162
Tapajós-Arapiuns, anos depois, durante o processo de criação da RESEX, foi obser-

vado que esses títulos não eram verdadeiros.
Durante esse período, as comunidades tradicionais viram parte do recurso madei-
reiro da Resex saírem de seus territórios, sem gerar o devido desenvolvimento local,
com elevada concentração de renda aos proprietários das empresas. Nesse período
era possível observar que as comunidades não eram contrarias ao manejo florestal,
e sim, a forma como este modelo vinha sendo implementado, socialmente injusto.
Por vinte anos essas duas empresas exploraram os recursos florestais na Resex,
fator esse que gerou intenso conflito de uso com as populações tradicionais ali exis-
tentes, e acabou se tornando o principal motivador do processo de criação da UC,
o qual se consolidou em 1998 com a publicação do Decreto de criação da RESEX.
Com a criação da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns em 6 de novembro de
1998, as empresas madeireiras foram retiradas da área, assim como toda estrutura ali
existente, e as ações de exploração florestal cessaram. A partir daquele momento, restou
uma enorme vontade por parte das comunidades, de se tornarem protagonistas desse
processo, e passarem a manejar parte do seu território, gerando emprego e renda de
forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, porém,
como a Reserva não tinha os instrumentos de gestão necessários, como por exemplo:
Zoneamento, plano de manejo, conselho deliberativo, o órgão gestor frustrou todas
as tentativas das comunidades em realizar manejo.
Poucos anos depois, entre 2000 e 2004, com as comunidades já mais organizadas,
novas tentativas de aprovação de Projetos de Manejo na RESEX foram protocoladas
junto ao IBAMA, através do apoio de organizações externas como IPAM. Cerca de 5
Projetos de Manejo Florestal Comunitários foram elaborados junto as comunidades, a
maioria deles com objetivo de fornecer madeira para as próprias oficinas e marcenarias
no interior da Reserva. Eram projetos pequenos, de cerca de 100 a 500 ha, e de baixo
impacto, no entanto, novamente ocorreu a negativa do órgão gestor – IBAMA, alegando
que como a UC não tinha Plano de Manejo, a atividade não poderia ser implementada.
Importante ressaltar, que assim como na Floresta Nacional do Tapajós, na Resex
Tapajós-Arapiuns o diálogo entre as comunidades tradicionais e o órgão gestor não era
efetivo naquele momento, e as negativas frente aos processos de uso de recursos naturais
solicitados pelas populações tradicionais, previstos em lei inclusive, eram recorrentes.
Com a criação do ICMBio em meados de 2007, a interação entre comunidades
tradicionais e órgão gestor passaram por sensível melhora, mesmo que esse processo
de desvinculação do ICMBio ao IBAMA, assim como a estruturação mínima do novo
órgão tenha demorado cerca de um ano e meio.
Por volta de 2009, ainda em meio a esse processo de consolidação do ICMBio,
a Resex Tapajós-Arapiuns também passou por um grande processo de reestrutura-
ção, o que gerou substancial melhora na capacidade operacional da UC, com maiores
investimentos em diversas áreas, como por exemplo, gestão participativa, pesquisa
e monitoramento, apoio as organizações comunitárias, organização das atividades
produtivas, e em especial proteção. Esse último, ocorrendo de forma extremamente
organizada, teve como objetivo atacar os principais ilícios ambientais que ocorriam
O RIO QUE NOS UNE
163
na RESEX, dentre eles, o furto de madeira serrada (Itaúba), que ocorria na região
dos Rios Maro e Imambu.
Naquele momento, apesar de latente, esse contexto já era um conflito na região
do rio Maro, com diversas denúncias, inclusive envolvendo lideranças locais, proto-
colados no ICMBio e MPF, solicitando providencias dos órgãos ambientais.
De imediato o ICMBio passou a desenvolver um trabalho na região, que iniciou
com mapeamento prévio da situação, onde foram identificadas aproximadamente 250
famílias vivendo da exploração de madeira serrada naquela região da RESEX. Essa
famílias trabalhavam em uma espécie de regime de “aviamento”, recebiam encomendas
para produção de peças para marcenaria Naval, apresentadas pelo donos dos “barcos
de linha”, também recebiam os insumos para exploração, em valores três vezes acima
ao praticado no mercado, com gasolina, correntes de motosserra, limas, óleo e etc, e
vendiam sua produção de madeira serrada a valores muito abaixo do mercado, para
os donos dos “barcos de linha”, que vendiam para os estaleiros navais em Santarém.
Essa prática mantinha o trabalhador (serrador), sempre endividado com seu
patrão (barco de linha), motivo esse que o impulsionava a continuar buscando frentes
de trabalho para quitar sua interminável dívida. Quando ICMBio compreendeu esse
contexto, a dinâmica das equipes de fiscalização passou a ser, “atacar” o transporte
ilegal de madeira, vistoriando frequentemente os barcos de linha, fator esse que gerou
uma enorme crise na região do rio Maro.
Essa crise, se estendeu muito além das linhas da Resex Tapajós-Arapiuns, os
“serradores” diretamente afetados procuraram o ICMBio, buscando diálogo com a
gestão da Unidade, a qual já era bastante efetiva naquele momento, porém, o setor
buscava uma solução imediata, uma autorização direta do ICMBio, com dispensa de
licenciamento, a qual permitisse a exploração e comercialização dessa produção flo-
restal para fora da RESEX, sem a necessidade de aprovação de um Plano de Manejo
Florestal Sustentável ou qualquer instrumento similar. Logicamente o ICMBio, apesar
da vontade dos gestores locais, não dispunha de mecanismos legais para publicar a
decisão que os “serradores” tanto queriam.
A partir desse contexto, o conflito ganhou escala, envolvendo outros importantes
entes, como Câmara Municipal de Santarém, Ministério Público Federal, entre outros,
e nesse momento, a proposta do ICMBio de que as comunidades deveriam buscar
a legalidade, através da aprovação de Projetos de Manejo Florestais comunitários
ganhou força.
Ainda assim as comunidades já entendendo a necessidade de buscar a tão sonhada
legalização através de Projetos de Manejo, encontravam extrema dificuldade, pois
não tinha acesso a assistência técnica, apresentavam baixa capacidade de gestão do
empreendimento, falta de recurso para implementar a atividade e diversos outros
fatores que assolam as comunidades tradicionais mais isoladas.
Nesse momento, dois novos fatores foram decisivos para alavancar o desejo dos
comunitários na implementação dos projetos de manejo florestais, primeiro deles,
foi a chegada da assistência técnica extrativista diferenciada, proposta pela chamada
01/2012 MDA/INCRA, fruto de discussões do “II Chamado da Floresta” realizado
em 2011, e o segundo, foi a aproximação da Cooperativa Mista da Floresta Nacional
164
do Tapajós- COOMFLONA junto a Cooperativa Mista do Rio Inambu – COO-

PRUNÃ, primeira cooperativa a desenvolver Manejo Florestal Madeireiro na RESEX
Tapajós-Arapiuns.
Essa aproximação foi proposta pelo então chefe da Floresta Nacional do Tapa-
jós, o Sr. Fabio Carvalho, que vislumbrava a necessidade de dar escala a atividade de
manejo florestal comunitário, e a COOMFLONA, já tinha na época oito anos de
experiencia com Manejo.
As primeiras ações de Manejo da RESEX junto a COOPRUNÃ foram a dis-
cussão das áreas a serem manejadas, junto ao conselho deliberativo da Unidade, que
institui grupo de trabalho interinstitucional exclusivo para isso, essa discussão perdurou
por cinco anos, em seguida a demarcação e mapeamento das áreas, realizadas pela
Cooperativa ECOIDEIAS, contratada através da chamada 01/2012 MDA/INCRA.
De 2012 a 2019, após sete anos de um processo de construção extremamente
complexo e participativo, a COOPRUNÃ consegue aprovar seu primeiro PMFS,
através da portaria 223/2019 – ICMBIO, e inicia suas atividades de Manejo, em uma
UPA de 1.500 ha.
Modelo de gestão do Manejo Florestal na FLONA do Tapajós

e na Resex Tapajós-Arapiuns
Atualmente a duas cooperativas, COOMFLONA e COOPRUNÃ, manejam
grandes áreas, e são importantes fontes de matéria prima (madeira em tora) para
o parque industrial de Santarém.No ano de 2020 a COOMFLONA manejou 2 mil
ha, o que corresponde a produção aproximada de 50 mil m³ de madeira em tora, e a
COOPRUNÃ manejou 1.5 mil ha, o que corresponde a produção aproximada de 35
mil m³ de madeira em tora.
Existe uma diferença substancial entre os modelos de gestão social das duas
cooperativas (COOMFLONA e COOPRUNÃ), a COOMFLONA representa os
interesses de toda a Floresta Nacional, e maneja áreas de uso comum da UC, previstas
pelo Plano de Manejo da Flona, as zonas destinadas ao Manejo Florestal Comunitá-
rio, essas áreas não têm interferência direta a uma comunidade, são áreas afastadas
as zonas habitacionais. Já a COOPRUNÃ, não é uma cooperativa vinculada a toda
a RESEX Tapajós-Arapiuns, ela representa os interesses de cooperados de apenas
duas comunidades (Nova Canaã e Porto Rico), sendo assim, essa cooperativa maneja
apenas as áreas das suas comunidades de atuação, previstas no Plano de Manejo da UC
como zona habitacional daquelas comunidades, nesse contexto, a COOPRUNÃ não
maneja as áreas de uso comum, as zonas de manejo florestal comunitárias destinadas
a toda Reserva Extrativista.
Apesar da semelhança das duas UCs separadas e unidas pelo imenso rio Tapajós,
a diferenciação da categoria das Unidades, previstas pelo Sistema Nacional de Uni-
dade de Conservação – SNUC, as tornam “campos” diferentes para implementação
do Manejo Florestal Sustentável de uso múltiplo, vamos ao contexto: a FLONA é
uma categoria criada com objetivo de prover uso dos recursos florestais e pesquisa,
O RIO QUE NOS UNE
165
sendo assim, uma FLONA que não tem uso dos recursos naturais renováveis, não está
alcançando seu objetivo de criação, nesse contexto, o órgão gestor não cria obstáculos
a implementação das ações de manejo.
A RESEX, é uma categoria criada com objetivo de manter o modo de vida tra-
dicional das famílias ali residentes, população tradicional extrativista, nesse contexto,
o manejo florestal comunitário só pode ser implementado, caso ele seja enquadrado
como atividade tradicional das famílias, e nesse contexto, nem sempre o órgão gestor
apoia a implementação das ações de manejo. Ou seja, em um contexto geral, histo-
ricamente as Reservas Extrativista tiveram maiores obstáculos para avançarem nessa
pauta de Manejo Florestal.
Mergulhando mais a fundo, os planos de manejo das duas unidades trazem meca-
nismos únicos, propostos pelas próprias comunidades, mostrando a sociedade quanto
essas populações tradicionais conhecem e tem pertencimentos aos seus territórios.
Apesar da Floresta Nacional ser uma categoria criada com objetivo de promover
o uso múltiplo dos recursos florestais, e geralmente esse uso é proposto através de
concessões florestais, tema que avançou muito após a publicação da Lei Federal nº
11.476 em 2006, com ênfase as concessões empresariais onerosas, propostas pelo
então criado Serviço Florestal Brasileiro – SFB, na Floresta Nacional do Tapajós, esse
mecanismo de concessão empresarial onerosa e vetado pelo Plano de Manejo da Uc,
o qual só permite a concessão não onerosa as comunidades tradicionais do território.
Já nas Reservas Extrativistas esse contexto não é um problema, visto que a
concessão do direito real de uso deve ser realizada diretamente com a população
beneficiaria, então independente do Plano de Manejo da Unidade, concessão florestal
onerosa em RESEX passa a ser atividade não permissível. Devido à complexidade
territorial e a dinâmica social da RESEX Tapajós-Arapiuns, seu Plano de Manejo
trouxe outros elementos de fundamental importância para o regramento das ações
de manejo florestal, a principal delas diz respeito ao zoneamento da Uc, e as normas
gerais de uso de cada zona.
Na RESEX Tapajós-Arapiuns, além das zonas de manejo florestal comunitá-
rios, zonas destinadas exclusivamente a atividade de manejo florestal que beneficiem
toda população da Reserva, e essas representar cerca de 30 % do território da UC, as
Zonas habitacionais, cerca de 50 % da UC, também podem ter atividade de manejo
florestal comunitário, ou seja, se uma comunidade, ou apenas um pequeno grupo de
comunidades desejarem realizar a atividade de MFC, essa atividade deve ser realizada
na zona habitacional dessas comunidades, como por exemplo o caso da COOPRUNÃ.
Nesse contexto, observada as premissas do Plano de Manejo da Resex Tapajós-A-
rapiuns, atualmente existem três cooperativas criadas e que estão pleiteando atividades
de manejo florestal comunitário, são elas: Cooperativa Mista do Rio Inambu – COO-
PRUNÃ; Cooperativa Mista do Rio Maró – COOPERMARO; e Cooperativa Mista
da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns – COOPERIOS, essa última, é a única que
envolve toda a RESEX, nos mesmos “moldes” da COOMFLONA.
O manejo florestal em todas as suas categorias, é um importante instru-
mento de uso racional da floresta, como atividade de baixíssimo impacto ambiental,
166
disponibilizando madeira legal e outros subprodutos no mercado, além da garantia

da manutenção da floresta de pé.
Existem diversos outros produtos que substituem a madeira no mercado, os
principais são os metais, e os polímeros derivados de petróleo, em ambos os casos
os processos de exploração e processamento até a transformação do material bruto
em produto finalístico, são infinitamente mais poluentes que a madeira oriunda de
manejo de florestas nativas. A exploração de minérios remove toda a cobertura flores-
tal, remove o solo, em seguida realizam cavas profundas. E a exploração, transporte
e processamento de petróleo são atividades altamente poluentes, e seu tempo de
degradação e reincorporação ao solo são praticamente incalculáveis.
Nesse contexto a madeira continua sendo a melhor alternativa de material estru-
tural no que diz respeito a impacto e poluição ambiental.
Outro fator importante está relacionado ao modelo de desenvolvimento posto
para a Amazônia desde seu processo de colonização, incentivado pelo governo brasi-
leiro na década de 70, que são os projetos pecuários, produção de grãos e mineração,
modelos que desconsideram a floresta como fator gerador de renda, e suprimem flores-
tas para continuar avançando. Nesse sentido, existe uma crescente vertente que defende
modelos de desenvolvimento regional que mantenham a floresta de pé, gerando renda
e desenvolvimento local, frente aos projetos agropecuários, mostrando a sociedade
que a manutenção da floresta também é economicamente viável, e nessa constante
batalha, o Manejo Florestal tem fundamental importância, devido a plena agregação
de valor as áreas manejadas, oportunizada as partes do manejo.
Voltamos ao caso das Unidades irmãs do baixo Tapajós, a Floresta Nacional do
Tapajós sofre intensa pressão do setor florestal ilegal na face voltada aos mais de 150
Km limítrofes a rodovia Cuiabá/Santarém – BR163, região sem presença física de
populações tradicionais residentes da Flona, e o Manejo Florestal Comunitário exerce
importante função de monitoramento e proteção de todo esse território, gerando
inclusive capacidade operacional para Federação da Flona e COMFLONA protege-
rem seus territórios, além da própria ocupação física proporcionado pela atividade
de manejo, criando uma relevante expressão: “O Uso licito coíbe o uso ilícito”, gera
desenvolvimento local e proteção os ambientes.
Na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns o enredo foi outro, o manejo flores-
tal comunitário se deu como alternativa de trazer essas 250 famílias para legalidade,
com estratégia de agregar valor da produção madeireira, dar maior autonomia as
comunidades e retirara-las desse regime de “aviamento” que estava posto na região.
Logicamente além desses quesitos econômicos e sociais acima destacados, existe uma
questão ambiental de extrema importância, que está relacionada a pressão as espécies
de maior valor comercial, realizada pelos modelos de exploração ilegal de madeira.
Amazonia a fora, as atividades de exploração ilegal de madeira pressionam duas
principais espécies, Maçaranduba e Ipê, esse último denominado como ouro verde. Na
Resex Tapajós-Arapiuns, a pressão se dá sobre a Itaúba, espécie empregada na marcenaria
naval. Importante destacar que a Itaúba é uma espécie de vital importância para manu-
tenção do modo de vida tradicional das comunidades residentes da RESEX, visto seu
amplo emprego na fabricação de canoas e bajaras, para deslocamento dos comunitários,
O RIO QUE NOS UNE
167
e que no contexto de exploração ilegal realizado entre os anos de 1980 à 2012 quase
dizimaram a itaúba existente nas margens dos rios Arapiuns, Maro e Inambu.
O manejo florestal utiliza o emprego de técnicas, que não permitem a pressão
demasiada sobre uma única espécie, com a observação de fatores técnicos e científicos
de índices de raridade, taxa de exploração, quantidade de porta semente e remanes-
centes, objetivando uma exploração sustentável de baixo impacto, e a manutenção da
floresta de pé com a menor intervenção possível, tendo em vista a continuidade dos
serviços ambientais prestados pela floresta, assim como sua utilização no próximo
ciclo de corte, dali 30 a 35 anos.
Tanto na Flona do Tapajós quanto na RESEX Tapajós-Arapiuns, ainda hoje o
principal modo de vida dos moradores está voltado a agricultura familiar de subsistên-
cia, com ênfase a produção de mandioca e derivados, através dos “roçados”, pequenas
áreas de supressão de vegetação, de até 2 ha por família por ano, com o emprego da
agricultura tradicional e arcaica de “corte e queima”, com uso controlado do fogo.
Devido à falta de tecnologia adequada, somadas aos fatores edafoclimáticos
da região, além da estrutura do solo bastante arenoso as margens do rio Tapajós, as
áreas suprimidas pelos roçados são utilizadas por uma única safra, no máximo duas
(dois anos), em seguidas são abandonadas, e entram em “pousio” por um período
de 7 a 14 anos, onde normalmente se estabelece uma capoeira de elevado estágio de
regeneração, até essa mesma área ser utilizada novamente.
Através dessa dinâmica, as famílias fazem um “mosaico” de roças, e áreas de
diferentes estágios de recuperação, no entanto, com certa frequência, existe a conversão
de florestas nativas para roçados, na flona em menor escala, na resex cerca de 30%
das 2.800 autorizações anuais para supressão de vegetação de roçados, são em áreas
de floresta, cerca de 700 ha por ano.
Nesse contexto, a perda de florestas nativas para áreas de agricultura familiar é
uma ameaça para alguns territórios, com ênfase a Resex Tapajós-Arapiuns, UC mais
habitada da Amazonia. Então, a substituição da atividade de roçados em floresta, por
outra atividade tradicional, que também gere renda as famílias, é uma importante
estratégia de gestão para UC, inclusive prevista no Plano de Manejo da Resex Tapajós-
-Arapiuns, e o manejo florestal comunitário surge como uma importante ferramenta
para fortalecimento desta estratégia.
Voltando a Floresta Nacional do Tapajós, atualmente a COOMFLONA agrega
cerca de 200 cooperados, e mais de 120 manejadores, números expressivos em um
universo de uma UC com aproximadamente 750 famílias moradoras, ou seja, se a
estratégia de cooperação favorecer a distribuição dos cooperados em diferentes núcleos
familiares, poderíamos ainda hoje atingir de forma direta 26 % das famílias benefi-
ciarias do território.
Já a COOPRUNÃ do outro lado do rio, são 66 cooperados, cerca de 96 mane-
jadores, se realizada uma análise tendo como referência a área direta de atuação, as
comunidades de Nova Canaã e Porto Rico, que somadas tem 56 famílias, todas as
famílias estão cooperadas, e tem postos de trabalho garantidos no projeto, no entanto,
se expandida essa análise para toda a RESEX Tapajós-Arapiuns, unidade com mais
de 3600 famílias, não chegaríamos a 3% de famílias cooperadas.
168
Inegavelmente ambos os projetos têm importante função social na região, soma-

dos, empregam diretamente mais de 250 pessoas no auge da safra de exploração
florestal, e indiretamente estima-se o triplo de envolvidos, que são os produtores ou
prestadores de serviço externos ao projeto, porém, também se beneficiam dessa dinâ-
mica, como por exemplo, fornecimento de alimentação para o projeto, combustível,
entre outros insumos.
Outro fator observado nos PMFS comunitários, é a distribuição de renda, bas-
tante diferenciada de um projeto de manejo empresarial. Nos projetos empresariais
a visão do lucro, se sobressai frente as necessidades sociais de distribuição de renda,
nesse contexto, as empresas geralmente pagam os manejadores com salários previstos
pela categoria, e em alguns casos com adicional de produção, atividade legal e justa,
diga-se de passagem. Os empreendimentos comunitários de manejo, os salários dos
manejadores são valores pactuados acima dos previstos pela categoria, fator esse que
agrega uma melhor distribuição de renda as famílias diretamente envolvidas no projeto,
em detrimento ao lucro final da cooperativa.
Como grande parte dos projetos de manejo florestais comunitários estão loca-
lizados em UCs relativamente distante das cidades, e os manejadores envolvidos
nos projetos moram em comunidades rurais, observamos que grande parte dos seus
rendimentos são utilizados dentro das próprias comunidades, no mercado local,
aquisição de produtos e serviços locais etc. Fator esse que fortalece ainda mais o
desenvolvimento local.
Diante desse contexto, é possível observar diversos outros benefícios relaciona-
dos a distribuição de renda proveniente dos PMFS aos comunitários, como a melhoria
das habitações, aquisição de meios de transporte mais efetivos (rabeta, moto etc.),
e principalmente condições para prover melhor educação aos filhos. Esses aspectos
não ficam restrito aos eixos familiares, as comunidades passam a conquistar estruturas
melhores, como saneamento e acesso, essa última, muitas vezes implementada pelos
próprios projetos de manejo, através das estradas de escoamento da produção florestal.
O caso das comunidades de Nova Canaã e Porto Rico na RESEX Tapajós-A-
rapiuns são emblemáticos nesse sentido, ambas estão localizadas a cerca de 36 horas
de deslocamento de barco para sede de Santarém, além de obstáculos naturais prati-
camente intransponíveis em determinado período do ano, como cachoeiras e bancos
de areia. Com a abertura das estradas de acesso ao projeto, esse deslocamento para
sede de Santarém diminuiu para 6 horas, diminuindo custos e riscos.
Na Flona do Tapajós, a COOMFLONA a pedido das comunidades ribeirinhas,
construiu a estrada denominada de “Transtapajós”, que provem acesso as comuni-
dades de Pini, Martanxim, Taquara, Prainha e Itapuama, beneficiando cerca de 200
famílias que anteriormente viviam em certo isolamento em determinado período do
ano, devido a baixa do rio Tapajós, além da manutenção constante desses e outros
acessos dentro da UC.
Ao longo do ano, ambas as cooperativas investem em diversas capacitações
aos seus cooperados e manejadores, tanto no eixo produtivo, como operacional e
administrativo, buscando diariamente o incremento da capacidade para gestão dos
empreendimentos florestais, assim como o fortalecimento da organização social nas
O RIO QUE NOS UNE
169
cooperativas e associações de base comunitárias. Esse fator, mesmo que de forma

indireta, favorece o acesso as Políticas Públicas de inclusão social, visto que os “capa-
citados”, interagem com diversos territórios e são expostos a informações de imple-
mentação de diferentes políticas.
Quanto a questão econômica dos empreendimentos, falando em números brutos,
atualmente a COOMFLONA maneja 2 mil ha por ano, o que representa aproxima-
damente 50 mil m³ de madeira comercializada ao valor R$ 415,00/m³ no ano em
2020, totalizando uma arrecadação de R$ 20.750.000,00 (vinte milhões e setecentos e
cinquenta mil reais), apenas com a comercialização de toras, sem consideramos parte
do resíduo e dos não madeireiros que a COMFLONA vem explorando.
Já a COOPRUNÃ, que maneja 1,5 mil ha por ano, explorando cerca de 30 mil
m³ de madeira e comercializando a R$ 365,00/m³, arrecadou R$ 10.950.000,00 (dez
milhões e novecentos e cinquenta mil reais).
Esses números aqui citados, exaltam a importante função econômica dos projetos
na região, os quais injetam mais de 80 mil m³ de madeira nas indústrias locais, e estas
geram centenas de empregos, e agregam mais valor ainda para produção da madeira
serrada, grande parte dessa produção é destinada ao mercado exterior, atingindo altos
valores, e parte para o mercado interno, fortalecendo a construção civil entre outros.
Além dos mais de 31 milhões de reais arrecadados de forma direta pelas cooperativas,
os quais são distribuídos para custeio dos serviços e demais custos operacionais, além
da distribuição das sobras aos cooperados.
Ambas as cooperativas têm custos operacionais elevados, principalmente
quando comparados a empreendimentos similares, fora de unidades de conser-
vação. Esse fator já foi detalhado nesse capítulo, e se deve a melhor remuneração
ofertada aos trabalhadores cooperados envolvidos diretamente nos projetos, e a
elevada demanda de terceirização de serviços. Esse custo operacional mais elevado
é responsável pela diminuição das margens de lucro (sobras em cooperativismo)
dos empreendimentos, acarretando, ao final do ano fiscal, menor volume de sobras
a serem destinados aos diversos fundos da Cooperativa, incluindo dois importantes
fundos, o fundo de reinvestimento, responsável em tornar as cooperativas indepen-
dentes de agentes externos e serviços terceirizados, e o fundo social, o qual leva
benefícios para toda a reserva, além das pessoas diretamente envolvidas no projeto,
manejadores e cooperados.
A instrução Normativa 016/2011 do ICMBio, a qual regulamenta a atividade de
manejo florestal comunitário, estabelece em seu artigo 18 que em Reserva Extrativista
e Reserva de Desenvolvimento Sustentável, o Conselho Deliberativo definirá o per-
centual e a forma de destinação dos lucros ou rendimentos que deverão ser aplicados
em atividades ou projetos que gerem benefícios à população tradicional residente na
Unidade de Conservação, sendo que em Florestas Nacionais essa relação ao conselho
é de caráter consultivo, sendo o próprio ICMBio responsável por essa definição, assim
nasce o “Fundo Social”.
A COOPRUNÃ apresenta um fundo social, previsto em estatuto, de 15 % das
sobras, o qual deverá ser repassado e gerido pela concessionaria das áreas da RESEX,
a “associação mãe” – TAPAJOARA – que por sua vez, aplica o fundo, através da
170
publicação de edital de chamamento público para recepção de projetos comunitários,

conforme definições do Conselho Deliberativo da RESEX Tapajós-Arapiuns.
A COOMFLONA apresenta um fundo social, previsto em estatuto, de 10 % das
sobras, o qual historicamente é dividido em partes iguais, as comunidades que compõe
a cooperativa, citando ainda que durante mais de 10 anos, as comunidades do sul da
Flona não recebiam os benefícios do fundo social, fator esse que foi elemento motivador
de conflito entre as comunidades, federação e cooperativa. Recentemente, a forma de
aplicação do fundo social vem passando por reestruturação na Floresta Nacional do
Tapajós, com objetivo de tornar esse processo mais justo e equalitário.
Apesar dos diversos benefícios trazidas pelos projetos de manejo, ainda exis-
tem grandes desafios a serem transpostos, o primeiro deles está relacionado a gestão
financeira das cooperativas, as quais ainda são pouco eficientes quando observada a
viabilidade econômica dos empreendimentos. A melhor distribuição de renda de forma
direta, cooperando maior número de comunitários, e melhorando a distribuição dos
cooperados, beneficiando famílias diferentes, e comunidades menos assistidas. Maior
transparência nos processos de tomada de decisão, com ênfase aqueles que não estão
relacionados de forma direta as atividades de manejo, como por exemplo, apoio as
comunidades etc.
O resultado da somatória sinérgica dos diversos benefícios citados durante esse
capítulo, nos campos do triangulo da sustentabilidade do Manejo Florestal, o qual prevê
que as ações sejam fortalecidas por amarras que visem uma atividade ambientalmente
correta, uma organização socialmente justa e um empreendimento economicamente
viável, agregam no vetor final, cada vez mais a melhoria de qualidade de vida as popu-
lações tradicionais beneficiarias desses territórios.
CAPÍTULO XI
AGROEXTRATIVISMO NAS
COMUNIDADES RIBEIRINHAS
DO BAIXO TAPAJÓS
Dinael dos Anjos
Arimar Feitosa
Introdução
A floresta em pé sempre será uma das principais fontes de renda para os povos
originários e às diversas comunidades tradicionais da Amazônia. Isso é possível com
o extrativismo de produtos florestais não madeireiros, como cascas, seivas, resinas,
cipós, ervas, frutos, sementes e óleos, entre outros muitos produtos que não utilizam
a madeira. Por outro lado, o uso da terra para cultivo e criação de animais configura o
caráter agroextrativista dessas populações. Assim, a diversificação de atividades pro-
dutivas faz parte da constituição dos modos de vida característicos das comunidades.
De acordo com o Decreto nº 6.040/2007, povos e comunidades tradicionais
são definidos como:
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem

formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição (BRASIL, 2007).
As Florestas Nacionais (FLONAS) são áreas de domínio público, caracterizadas

pela floresta predominantemente nativa e pelo incentivo à pesquisa e ao manejo múltiplo,
madeireiro e não madeireiro. Essas Unidades de Conservação pertencem à categoria de
uso sustentável dos recursos naturais, são uma das primeiras formas de Unidades de Con-
servação criadas no Brasil, e atualmente há 67 Florestas Nacionais em todo o território
nacional (BARRETO; ARIMA, 2002; BRASIL, 1994; BRASIL, 2019).
AGROEXTRATIVISMO NAS COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO BAIXO TAPAJÓS
172
Nessa dinâmica de trajetórias marcadas por conquistas e desafios pela defesa dos
territórios tradicionais, conservação do ecossistema e desenvolvimento sustentável,
estão as Reservas Extrativistas que pertencem a uma categoria de Unidade de Con-
servação que é destinada à conservação de recursos naturais renováveis e à prática
do manejo sustentável por populações extrativistas, sendo 66 Reservas Extrativistas
existentes no Brasil atualmente (ALLEGRETTI, 2008; BRASIL, 2019).
Neste capítulo trataremos do extrativismo de produtos florestais não madeireiros e
da produção agrícola realizados em comunidades da Flona do Tapajós e da Resex Tapajós
Arapiuns, atividades que estruturam a base alimentar e de inserção mercantil das famílias.
Se você quiser saber sobre as Unidades de Conservação do Brasil, como qual a mais antiga do Brasil, qual a
mais antiga da Amazônia e sobre manejo e conservação, aponte seu leitor de QR CODE para as figuras abaixo. É
necessário ter acesso à internet.
Produtos florestais não madeireiros na Floresta Nacional do Tapajós

A utilização comercial de Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNMs) é uma
alternativa sustentável de uso da floresta que demanda baixo nível de investimento
financeiro (SHANLEY et al., 2015) tem rápido impacto na renda dos beneficiários
(GUERRA, 2008), fortalece a cultura ecológica das comunidades rurais (SILVA et
al., 2016) e gera baixo impacto sobre a capacidade de renovação da floresta e de sua
biodiversidade (IBAMA, 1998).
Para a população tradicional da Flona do Tapajós, a coleta e comercialização de
produtos florestais não madeireiros causam impactos positivos que vão além da gera-
ção de renda, geram qualidade de vida para as pessoas e são meios para as populações
extrativistas permanecerem em suas comunidades.
Os óleos vegetais, por muito tempo mantiveram-se como uma das principais
fontes de renda de muitas famílias da Flona do Tapajós, destacando-se os óleos de
andiroba e de copaíba, também já produziram óleos de piquiá e cumaru. Segundo
Oliveira et al. (2011) a produtividade do óleo resina de copaíba na Flona é maior no
período mais seco do ano, entre junho a dezembro. Os óleos de andiroba e copaíba e
a semente de cumaru são os produtos mais procurados pela população no município
de Santarém (GONÇALVES et al., 2012). Entretanto, os comunitários não conse-
guem aumentar as vendas, devido aos processos rudimentares de beneficiamento que
O RIO QUE NOS UNE
173
ocasionam perdas, baixa qualidade e pequena escala de produção, o que vem mudando
ao longo dos tempos (SILVA et al., 2010).
O processo de extração dos PFNMs na Flona do Tapajós é sempre feito pelos
comunitários e a comercialização é feita, em parte, pelos próprios extrativistas, que
já têm contato com algum cliente, e pela Cooperativa Mista da Flona do Tapajós
(COOMFLONA), que trabalha com os óleos, as sementes, as cascas e as polpas de
frutos, ajudando as comunidades na prática de comercialização na sua Ecoloja.
Atualmente os principais PFNMs comercializados na Flona são:
 A Andiroba, que é uma árvore distribuída de forma agregada na floresta,

atualmente têm suas sementes vendidas para uma empresa do ramo de cos-
méticos, adotando novos padrões de produção. A comercialização do óleo
ficou restrita às encomendas caseiras, para complementar a renda familiar.
As sementes de andiroba caem na floresta entre os meses de janeiro até o
início de junho, daí as sementes são coletadas e são secas em um secador
solar mais elaborado (Figuras 1a e 1b).
Figura 1 – a) Processo de secagem de sementes de andiroba, b) Detalhe

das sementes no secador da comunidade de São Domingos
a)
b)
Fonte: Everton Almeida (2019)�
174
 Copaíba que é uma árvore de onde se coleta óleo a partir de uma perfu-
ração no tronco, onde é inserido um cano de PVC. Após coletar o óleo, é
colocada uma tampa no cano e esse processo se repete uma vez por ano. A
extração do óleo de copaíba ocorre no período entre o inverno e o verão,
de junho a julho.
 Látex de seringa que gera renda com a produção de biojoias, calçados,
bolsas e couro ecológico (Figuras 2a e 2b). As comunidades Jamaraquá e
Maguari produzem borracha (folhas semi-artefato – FSA e folha defumada
líquida – FDL) e tecido emborrachado a partir do látex da seringa, o que
agrega mais valor, mas também vendem o cernambi (coágulo do látex) de
forma individual e sem regularidade para a Cooperativa Mista da Flona
do Tapajós (CoomFlona). A extração é feita com a faca de seringa, que é
introduzida na árvore para ela soltar o látex.
Figura 2 – Couro ecológico, bolsas e biojoias

comercializados na Comunidade de Jamaraquá
Fonte: Leonardo Milano (2015)�

O RIO QUE NOS UNE
175
 Biojoias, com sementes e fibras retiradas da floresta são produzidos colares,

pulseiras, brincos e anéis, com destaque para Maguari e Jamaraquá (Figuras
3a e 3b). As principais espécies vegetais utilizadas são: morototó, tento
vermelho, tento amarelo, saboneteira, tucumã, jutaí, olho de boto, olho de
boi, cérebro de macaco, lágrimas de nossa senhora e o caracaxá ou jupati.
A produção de biojoia ainda é uma fonte de renda complementar, mas nos
meses de Janeiro e Julho, quando tem muitos turistas nas comunidades,
representa 24% da renda familiar (SANTOS et al., 2018).
Figura 3 – Biojoias comercializadas na Comunidade de

Jamaraquá, Floresta Nacional do Tapajós
Fonte: Everton Almeida (2019)�
 A produção de mel, estimulada pelo projeto Pró-Manejo, é originária de

abelhas com ferrão (italiana) e sem ferrão (nativas). É uma atividade que
ainda agrega pouca remuneração devido a maior parte das famílias cria-
rem abelhas em pequena escala visando o consumo, e a venda ocorre de
forma ocasional. Pinto et al. (2012) catalogaram nove espécies de abelhas
criadas em caixas rústicas, sendo a canudo a predominante em todos os
meliponários. O mel é considerado um produto medicinal, não é consumido
como alimento. Na comunidade Maguari (Figuras 4a e 4b) o litro do mel
de abelha sem ferrão custa entre 65,00 a 120,00 reais.
176
Figura 4 – Mel de abelha comercializado na Comunidade

de Maguari, Floresta Nacional do Tapajós
Fonte: Leonardo Milano (2015)�
A cadeia produtiva dos PFNMs em Santarém pode ser visualizada na Figura 5,

começa com o extrativista na floresta, que normalmente faz um beneficiamento que
agrega baixo ou nenhum valor ao produto. Devido ao distanciamento, o transporte é
feito por diversos intermediários, isso ocasiona perda de produto e aumenta o custo
de produção, chega ao atravessador que agrega valor por meio da embalagem, sem
refinamento do produto, que entrega ao varejista ou artesãos, os quais repassam ao
consumidor final (ALMEIDA et al., 2012).
O RIO QUE NOS UNE
177
Figura 5 – Cadeia de comercialização de produtos

florestais não madeireiros em Santarém-PA
Fonte: (ALMEIDA et al�, 2012)�
Quanto ao acesso ao mercado, atualmente são os compradores que trazem as

demandas para a COOMFLONA. A cooperativa divulga os produtos através de ferra-
mentas de mídias sociais e e-mail. Há uma lista específica de clientes e os compradores,
geralmente empresas, entram em contato com alguém do setor de não madeireiros
e, a partir daí, inicia-se a negociação, seguida da mobilização da comunidade. No
entanto, há limitações na qualidade dos produtos, faltando boas práticas de extração
e conservação para os óleos e de acabamento para as peças de látex.
Dentre os produtos não madeireiros identificados como potenciais economica-
mente, têm-se: casca – sacaca, barbatimão, ipê-roxo, preciosa e quinarana; leite ou
resina – amapá-doce, mururé e sucuba; e a resina de jutaí. Também merece destaque
o cipó titica – com alta demanda no mercado local e nacional – é o produto que
mais agrega valor no município de Santarém por ser utilizado na produção de móveis
(ALMEIDA et al., 2012).
178
Embora ainda a contribuição financeira seja baixa, por falta de tecnologia,

destaca-se a importância desse mercado para a geração de renda familiar. Atual-
mente, 30% dos cooperados possui algum produto florestal não madeireiro para
vender, cada um contribui um pouco como, por exemplo, as polpas dos frutos. No
ano de 2019, a COOMFLONA em parceria com algumas cooperativas, suporte
técnico, por meio de uma agroindústria conseguiu comercializar várias toneladas
de frutos, o que gerou um impacto positivo muito grande na geração de renda das
comunidades envolvidas.
Produtos florestais não madeireiros na Reserva Extrativista

Tapajós-Arapiuns
A coleta e manejo dos Produtos Florestais Não Madeireiros (PFNM) da Reserva
Extrativista Tapajós-Arapiuns representa uma alternativa de geração de renda para as
comunidades tradicionais, com espécies florestais de valor econômico muito satisfató-
rio, possibilitando a melhor qualidade de vida aliada ao cuidado com meio ambiente,
mantendo a sustentabilidade da atividade (SILVA et al., 2018).
O extrativismo no território é praticado pelos comunitários. Grande parte das
famílias coleta e faze uso dos recursos não madeireiros para diversos fins, seja alimen-
tício, medicinal, comercialização ou para produção de artesanato (LOPES; ALMEIDA,
2016). Os frutos açaí, uxi e piquiá estão entre os mais presentes na base alimentar das
comunidades durante a época de produção. Além desses, outros produtos como andi-
roba, copaíba, cipó titica, buruti, tucumã, castanha da Amazônia, cumaru e castanha
de caju são coletados, utilizados e vendidos pelos comunitários e aldeados, de forma
sustentável a várias gerações (TAPAJOARA, 2020).
A Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns
(TAPAJOARA), por meio do Acordo de Cooperação firmado entre o ICMBio e
o Polo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais
(POLOPROBIO), com suporte financeiro da Fundação Banco do Brasil/BNDES,
executa projetos de implantação de unidades pedagógicas e de produção sustentável,
que possibilitou a manutenção e o manejo dos mais de 50 mil pés de seringueiras na
RESEX Tapajós-Arapiuns. A atividade beneficia mais de 200 famílias distribuídas nas
comunidades de Vila Franca, Suruacá, Vila de Boim, Mentai, Jauarituba, Paranapi-
xuna e São Tomé. Caracteriza-se como empreendimento econômico comunitário,
que gera trabalho e renda, empoderamento com inclusão social e econômica, con-
tribuindo para o desenvolvimento local, com a venda de produtos dos Encauchados
de Vegetais da Amazônia (Figuras 6a e 6b).
O RIO QUE NOS UNE
179
Figura 6 – Encauchados de Vegetais da Amazônia e

artesanatos no Cristo Rei, Santarém-PA
a)
b)
Fonte: (TAPAJOARA, 2020)�
O resgate à cultura é uma prática constante entre os comunitários e aldeados,

o uso de sementes para a confecção de artesanatos, bem como a coleta de essências
florestais, está fazendo parte do cotidiano das famílias de Mentai, Alto Mentai e São
Tomé. São Miguel, Tucumã, Nova Sociedade, Arapiranga e Anã se destacam na rede
de sociabilidade dos trançados da fibra vegetal do tucumã. Essas peças artesanais
de palha de tucumã são comercializadas nas próprias comunidades para turistas e
visitantes, bem como na loja localizada no Centro de Artesanato Cristo Rei e pela
Cooperativa de Turismo e Artesanato – Turiarte, com a marca “Tramas e Cores” com
sede no Projeto Saúde e Alegria – PSA (Figuras 7a e 7b).
180
Figura 7 – Artesanatos em palha de tucumã e cuia no

Centro de Artesanato Cristo Rei, Santarém-PA
a)
b)
As atividades de meliponicultura na Resex representam uma importante atividade

econômica com a coleta do mel e seus derivados, como pólen e própolis (Figuras 8a e
8b). A criação de abelhas nativas sem ferrão se caracteriza como atividade tradicional
nas comunidades de Amorim, Aminã, Anã, Vila Franca e Suruacá, totalizando mais de
100 famílias beneficiárias diretamente com a atividade. O mel é utilizado para diversos
fins medicinais e sua comercialização é feita na própria comunidade, em feiras de
Santarém e na loja situada no Cristo Rei.
O RIO QUE NOS UNE
181
Figura 8 – Criação de abelha nativa sem ferrão na RESEX Tapajós-Arapiuns
a)
b)
No início do ano de 2014, quatro entidades desenvolveram atividades de Assis-

tência Técnica e Extensão Rural (ATER) contratados junto ao INCRA, na Reserva
Extrativista Tapajós-Arapiuns, onde foi realizado um grande trabalho junto às comu-
nidades, dentre eles um Diagnóstico Rural Participativo (DRP), que resultou em infor-
mações de suma importância para entendermos a dinâmica de uso dos PFNM. Os
relatórios produzidos permitiram a identificação das espécies mais utilizadas pelas
comunidades, nas cinco regiões estabelecidas para a realização do DRP (Figura 9a e
9b) (INCRA, 2014).
182
Figura 9 – Os 15 PFNM mais frequentes nas cinco

regiões da RESEX Tapajós-Arapiuns, Pará
3% 7%
4%
Cipó
4% Palha
6% Açaí
4%
Bacaba
Uxi
4% Piquiá
6%
Mel
Látex
4%
Castanha
6% Buriti
5% Tucumã
Cumaru
6% Andiroba
5%
Patauá
5% 6%
Copaíba
n= 190 citações de 39 PFNM na RESEX Tapajós-Arapiuns
a)
b)
Fonte: (INCRA, 2014)�
O RIO QUE NOS UNE
183
A alimentação foi o tipo de uso mais comum dos PFNM nas cinco regiões da
RESEX Tapajós-Arapiuns, com destaque para o açaí, bacaba, uxi, piquiá, mel, castanha
da Amazônia, buriti, tucumã, patauá, cupuaçu e pajurá (Figura 10).
Figura 10 – Percentual dos tipos de uso dos 39 PFNM citados no DRP

5%
13%
36% Alimentícios
Artesanatos
8%
Fibras
Óleos
Seivas e resinas
Sementes
21%
18%
Fonte: (INCRA, 2014)�
Produção agrícola nas Unidades de Conservação

Tanto na Flona do Tapajós quanto na Resex Tapajós-Arapiuns a diversificação
de atividades produtivas integra agricultura, extrativismo vegetal, pesca, caça e ativi-
dades não agrícolas. A produção agrícola é realizada em diferentes ambientes como
casa, quintal/sítio e roça/roçado implantados em áreas de capoeira situadas longe ou
perto da casa de morada da família. A organização da produção depende das outras
atividades produtivas realizadas pelas famílias e da composição do grupo doméstico.
As práticas produtivas são sazonais e influenciadas diretamente pelo período
de chuva e de cheia dos rios, predominando sistemas produtivos tradicionais, sem
mecanização e insumos externos (adubo químico, agrotóxico, sementes melhora-
das, embalagens personalizadas, dentre outros), com predominância de mão de obra
familiar. Como característico da agricultura itinerante historicamente praticada por
povos da Amazônia, as áreas de roça/roçado são cultivadas por meio do sistema de
corte e queima em áreas de capoeiras. Após a criação do primeiro Plano de Uso da
Resex, a abertura de áreas passou a ser condicionada à solicitação prévia de licença
emitida pelo órgão gestor, que atualmente é o ICMBio, e atualmente está prevista no
Acordo de Gestão e Zoneamento do Plano de Manejo da UC, indicando o tamanho
e a localização da área a ser derrubada (ANDRADE; SILVA, 2019).
Geralmente nas áreas cultivadas com culturas anuais são combinadas várias espé-
cies, o que favorece a melhoria no uso do solo, e as espécies frutíferas são cultivadas
em sistemas agroflorestais e nos quintais. Entre as atividades produtivas realizadas nas
comunidades das Flona e da Resex estão a agricultura, com destaque para a produção
de frutíferas, hortaliças, culturas anuais, e criação de pequenos animais (Figura 11).
184
Figura 11 – Gráficos de produção agrícola na Flona e Resex
9%
Hortaliças
17%
53%
Frutíferas
41%
15%
Culturas anuais
25%
23%
Criação de animais
17%
FLONA do Tapajós RESEX Tapajós-Arapiuns
Fonte: ICMBio (2015) e INCRA (2014)�
Nos diagnósticos realizados na Resex Tapajós-Arapiuns e na Flona do Tapajós

foram citados pelas comunidades respectivamente 63 e 38 produtos agrícolas culti-
vados, o que aponta para a importância da agrobiodiversidade nessas Unidades de
Conservação (Figuras 12a e 12b). As espécies frutíferas mais cultivadas na Resex são
banana, cupuaçu, abacaxi e abacate, enquanto na Flona são açaí, cupuaçu e muruci.
Importante ressaltar que essas espécies, com exceção do abacate, são consideradas pro-
dutos da sociobiodiversidade, por ser fonte de alimentos para as comunidades e para
a fauna local, conforme disposto na Portaria Interministerial nº 284/2018 que versa
sobre a biodiversidade brasileira (BRASIL, 2018). O taperebá, espécie nativa nesses
territórios, e o caju também são recorrentes nos quintais produtivos das duas Unida-
des de Conservação. A comercialização da produção ocorre tanto de frutas in natura
como na forma de polpa de frutas processada de forma individual ou coletivamente
em agroindústrias comunitárias, sendo vendidas localmente ou para atravessadores
que abastecem os mercados locais.
O RIO QUE NOS UNE
185
Figura 12 – Produtos agrícolas mais citados no DRP da

RESEX Tapajós-Arapiuns e FLONA do Tapajós
2% 1%
2%
11%
2% farinha
2% galinha caipira
criação de peixe
2% cupuaçu
açaí
2%
acerola
10% murici
4% graviola
banana
cacau
5% cará
7% criação de abelha
goiaba
5%
taperebá
7% abacate
6%
n=74 citações de 38 produtos agrícolas
a)
2% 1% 6%
2%
2%
2% milho
5%
galinha caipira
2% criação de gado
feijão
3% 4%
jerimum
banana
3% farinha de mandioca
4% macaxeira
3% cupuaçu
abacaxi
3% 4% criação de porco
melancia
abacate
3%
4% cará
3% maxixe
4% goma de tapioca
4% 4%
n = 338 citações e 63 produtos agrícolas
b)
Fonte: ICMBio (2015) e INCRA (2014)�
186
A produção de hortaliças faz parte dos sistemas produtivos, compondo tanto os

roçados, quanto os quintais. As espécies mais cultivadas na Resex e com potencial de
comercialização são jerimum, cará e maxixe, enquanto na Flona destaca-se o cultivo
de cará e cheiro verde. Além dessas espécies, é importante considerar que espécies
folhosas como couve, cebolinha, coentro e alfavaca também fazem parte dos quin-
tais, sendo cultivadas para autoconsumo e geralmente em canteiros suspensos ou em
recipientes como bacias e vasos (Figura 13).
Figura 13 – Produção de frutíferas e hortaliças
Fonte: Arquivo IPAM (2015)�
As plantas medicinais também fazem parte dos sistemas produtivos, sendo

comercializados em feiras na cidade de Santarém e para turistas que frequentam as
UCs. Tanto na Flona quanto na Resex existe produção e venda de remédios caseiros
e de produtos utilizados na produção, tais como cascas, raízes, seivas, folhas e outros.
Várias famílias realizam a produção dos remédios caseiros (xarope, garrafadas, poma-
das, dentre outros) ou a venda dos insumos para o uso em chás ou outras formas.
O RIO QUE NOS UNE
187
O cultivo de mandioca e de macaxeira é uma atividade tradicionalmente presente

junto às famílias nas duas Unidades e tanto se destina à alimentação de subsistência dos
núcleos familiares quanto à comercialização no mercado local e regional em especial
da farinha e seus derivados como tucupi, beiju e goma. Outra cultura que se destaca
é o milho com produção suficiente às famílias e aos pequenos animais, como galinha,
além da venda do milho verde e dos grãos.
Figura 14 – Preparo de farinha e roça de milho na RESEX Tapajós-Arapiuns
Fonte: Arquivo IPAM (2015)�
A criação de pequenos animais, principalmente de galinhas, contribui para a

composição da alimentação e da renda familiar em muitas comunidades. A criação
de peixe, além de ser boa oportunidade de diversificação das atividades produtivas, é
importante fonte de alimento principalmente nas comunidades que estão situadas à
margem dos rios Tapajós e Arapiuns ou próximas a lagos. A criação de gado, embora
em menor escala, ainda é uma atividade presente, principalmente na Resex (SPÍNOLA;
CARNEIRO FILHO, 2019).
A ausência de projetos e programas contínuos de ATER, a falta de capacitação
e de investimento na produção, principalmente no que refere ao acesso a linhas de
crédito/fomento agrícola para custeio de plantios e melhoria das estruturas físicas
188
ligadas a produção e beneficiamento, tais como casas de farinha, galpões, equipamentos

e ferramentas, sugere a necessidade de políticas agrícolas, bem como de investimento
em pesquisas que possam melhor descrever os processos produtivos e a importância
econômica, nutricional e cultural dos produtos produzidos pelos comunitários.
Além do turismo, outras fontes de renda não agrícola também dinamizam a
economia das comunidades, tais como programas de transferência de renda (Bolsa
Família, Bolsa Verde, benefícios do INSS e aposentadoria) e o trabalho assalariado,
que vem aumentando por meio da geração de postos de trabalho vinculados a rede
pública de ensino e ao serviço de atenção básica à saúde. Como mostra o trabalho de
Andrade e Silva (2019) no contexto de comunidades da Resex, o aumento do número
de famílias agroextrativistas tem gerado circulação de dinheiro internamente e alterado
a rotina das atividades agroextrativistas.
As florestas comunitárias da Amazônia têm sido manejadas de maneira empírica
e sustentável por centenas de anos e, nas últimas décadas, fatores de pressão, como
a exploração florestal intensiva, ilegal e predatória da madeira, colocaram em risco o
mosaico de diversidade que compõe esses espaços. O manejo florestal comunitário
continua sendo uma alternativa harmônica à conservação dos recursos florestais em
todas as suas dimensões, como uma alternativa sustentável para as pessoas que vivem e
usam a floresta. Entretanto, o sucesso dos sistemas de produção não madeireiros passa
pelo apoio técnico para o desenvolvimento de sistemas de manejo, que possibilitem
qualidade e manutenção contínua dos estoques dos produtos.
Os estudos sobre PFNMs na Flona do Tapajós são limitados às espécies popu-
larmente conhecidas, precisam ser ampliados para espécies com potencial de manejo e
possibilidade de comercialização, agregando inúmeros benefícios, garantindo desenvol-
vimento sustentável e contribuindo com a manutenção da floresta e suas populações.
Tanto na Flona do Tapajós quanto na Resex Tapajós-Arapiuns as atividades pro-
dutivas são diversificadas, mostrando que no geral, as populações que residem nessas
Unidades de Conservação têm variadas fontes de geração de renda, transitando por diver-
sos ambientes dentro e fora das Unidades. A variedade de produtos favorece a inclusão
produtiva das famílias, uma vez que amplia os canais de comercialização, mesmo que
boa parte seja para o autoconsumo. Na etapa de comercialização devem-se evitar inter-
mediários e realizar a venda ao consumidor final, com apoio logístico das cooperativas.
É importante considerar que as atividades não agrícolas, como o turismo, os
programas de transferência de renda e o assalariamento são importantes características
da dinâmica econômica das comunidades. A situação estudada aponta a diversificação
das atividades como um arranjo que produz uma renda equilibrada, sendo importante
estratégia de reprodução social das famílias.
O RIO QUE NOS UNE
189
Agradecimentos
Queremos aqui deixar os nossos agradecimentos ao Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade pelo apoio e confiança no convite realizado para
coordenar este capítulo do Rio que nos une. Aos autores que não mediram esfor-
ços, que se comprometeram e apoiaram a construção do capítulo. À Organização
das Associações da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns e à Cooperativa Mista da
Floresta Nacional do Tapajós pelas valorosas informações do território e produção.
Ao Projeto Saúde & Alegria, pelo repasse de informações importantes do DRP da
Unidade. Às comunidades da FLONA do Tapajós e da RESEX Tapajós-Arapiuns
pelas lutas e conquistas para manterem-se nas Unidades, fazendo uso dos recursos
florestais de forma sustentável, mantendo a floresta em pé e contribuindo para os
serviços ambientais.
190
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CAPÍTULO XII
TURISMO EM UNIDADES DE
CONSERVAÇÃO: contexto histórico e
regional sobre a Floresta Nacional do Tapajós
e a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
Introdução
A visitação com finalidades turísticas na região do rio Tapajós acontece natural-
mente há algumas décadas, em virtude das suas belezas naturais, em especial pelas suas
praias de areias claras e águas esverdeadas. A inserção deste ambiente no contexto do
Bioma Amazônico, com sua floresta, rios, biodiversidade, povos e cultura, gera uma
exuberante singularidade desta região da Amazônia brasileira, atraindo visitantes de
diversas localidades do país e do mundo.
O principal polo de recepção e emissão de turistas da região é a vila de Alter do
Chão (Figuras 1 e 2), município de Santarém. Agentes e agências de turismo recebem
turistas e os levam para os atrativos, transportando-os em lanchas regionais e barcos.
Inicialmente, os operadores de turismo levavam os turistas para os atrativos das duas
Unidades de Conservação (UC) sem haver a participação direta dos comunitários na
visitação. Muitas das vezes, os próprios operadores guiavam os visitantes nas trilhas
das comunidades, sem qualquer participação da população local. Esta situação por
vezes gerava descontentamento por parte de alguns comunitários.
TURISMO EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: contexto histórico e regional
sobre a Floresta Nacional do Tapajós e a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
194
Figuras 1 e 2 – Praias da Vila de Alter do Chão, Santarém, Pará
Fonte: Sandra M� S� da Silva (2017)�
Na Floresta Nacional do Tapajós (Flona) o turismo teve início na década de

90, através da iniciativa de operadores que levavam turistas até a Flona. Nessa época
a contrapartida de alguns visitantes era a doação de materiais escolares e afins para
as comunidades. Posteriormente, ainda na década de 90, as comunidades passaram a
receber recursos financeiros provenientes da visitação turística.
No território da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns (Resex), antes de
ser criada a Reserva, chegou a ser construída por empreendedores não comunitá-
rios uma pousada de luxo ao lado da comunidade de Suruacá, a pousada de Santa
Quitéria. A participação dos comunitários no empreendimento era via contratação
para realizar alguns serviços mais simples, como serviços de limpeza. Segundo
alguns moradores, os empreendedores não permitiam a circulação de comunitários
na área da pousada, o que contribuiu para a geração de conflitos entre as partes.
O RIO QUE NOS UNE
195
Com a criação da Reserva, em 1998, a pousada foi desativada, deteriorando-se com

o passar do tempo.
Este contexto de realização de turismo nas duas Unidades de Conservação,
sem participação ou com participação dos comunitários como coadjuvantes, vem se
transformando ao longo dos anos em um turismo de base comunitária. O Turismo
de Base Comunitária (TBC) é compreendido como:
“Um modelo de gestão da visitação protagonizado pela comunidade, gerando bene-

fícios coletivos, promovendo a vivência intercultural, a qualidade de vida, a valoriza-
ção da história e da cultura das populações, bem como a utilização sustentável dos
recursos da Unidade de Conservação para fins recreativos e educativos” (ICMBio,
2018, p. 10).
Constituem a base do TBC a manifestação de interesse e o protagonismo das

comunidades no desenvolvimento do turismo, em todas as suas etapas, o cuidado com
o meio ambiente e o bem-estar social das comunidades, e o processo educativo das
atividades (ICMBio, 2018). Experiências bem-sucedidas de TBC no Brasil e América
Latina oportunizaram aos indivíduos, geralmente excluídos de políticas públicas, acesso
a melhores condições de educação, saúde e habitação, a partir da maior visibilidade do
território, mediante a produção de serviços turísticos de forma associativa, comunitária,
compartilhada e responsável (PINHEIRO, 2017).
Assim, o Turismo de Base Comunitária em comunidades residentes em UCs
apresenta-se como uma alternativa de renda e uma oportunidade de valorizar a cul-
tura local, conservar a biodiversidade e integrar jovens, mulheres e demais pessoas
nas atividades de turismo. O envolvimento de povos e comunidades tradicionais
agrega valor à experiência dos visitantes e uma maior aproximação destes povos com
a gestão da Unidade.
O presente capítulo tem como objetivo descrever as experiências de Turismo de
Base Comunitária na Floresta Nacional do Tapajós e na Reserva Extrativista Tapajós
Arapiuns, a partir de um contexto histórico e regional das duas UCS, bem como as
lições aprendidas, desafios da atualidade e desafios para o futuro.
O surgimento do Turismo de Base Comunitária nas duas UCs

A participação mais direta e organizada dos comunitários no desenvolvimento
do turismo vem crescendo e amadurecendo desde os anos 90 na Flona do Tapajós,
e pelo menos desde a primeira década dos anos 2000 na Resex Tapajós Arapiuns.
Este desenvolvimento tem participação direta das instituições públicas gestoras dos
territórios, que até 2007 era o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), e de
organizações da sociedade civil.
196

Em 1993, o IBAMA, então órgão público gestor da Floresta Nacional (Figuras 3, 4,
5 e 6), em parceria com as comunidades, definiu as primeiras normas para as atividades
de recreação e passou a requerer a permissão de entrada de visitantes, definiu taxas de
entrada e regulamentou a visita com guias de turismo. Todavia, as atividades de ecotu-
rismo começaram a ser planejadas em 1994, a partir de uma avaliação sobre o potencial
turístico da Unidade de Conservação solicitada pelo IBAMA ao Serviço Florestal dos
Estados Unidos (US Forest Service) (IBAMA, 2004).
Entre os anos de 1994 e 2001 realizaram-se diversas ações no âmbito do Pro-
grama ProManejo do IBAMA, sendo o ecoturismo definido como um dos subcom-
ponentes desse Programa, cujo objetivo era otimizar o aproveitamento do potencial
turístico da Flona. Os investimentos foram em capacitações envolvendo comunitários
e gestores, estudos para identificar as potencialidades turísticas da UC e planejamentos
visando o ordenamento da visitação na Flona, em parceria com o Serviço Florestal
Norte Americano e a Agência de Cooperação Alemã (GTZ). A partir da parceria com
a GTZ foi possível a contratação de uma consultoria de longo prazo para coordenar
as atividades de turismo, implementando assim um plano de trabalho que contemplou
atividades de capacitação e intercâmbio, implantação de trilhas interpretativas, plane-
jamento e definição de acordos para a atividade turística, investimentos em infraestru-
tura, produção de publicações e material de divulgação, e articulações institucionais
(IBAMA, 2004). Em 2001, deu-se início ao planejamento para instalação das trilhas
interpretativas, sendo Maguari a primeira comunidade a ter uma trilha implantada e
interpretada, em 2002.
Maguari, Jamaraquá e posteriormente São Domingos são as comunidades
pioneiras em trabalhar com o TBC na Flona. As três comunidades localizam-se na
parte norte da UC e são as comunidades que mais recebem visitantes, pois pos-
suem uma melhor facilidade de acesso, tanto por via terrestre como fluvial, e são
as comunidades mais próximas dos centros urbanos de Santarém e Belterra. Além
disso, possuem infraestruturas para a recepção de visitantes (pousadas, redários,
restaurantes e lojas de artesanatos). O sucesso do TBC nas comunidades do norte
da UC despertou o interesse de outras comunidades como Piquiatuba, Aldeia Bra-
gança, Aldeia Marituba, Marai, Jaguarari e Acaratinga, que começaram a se organizar
para receber visitantes.
O RIO QUE NOS UNE
197
Figuras 3, 4, 5 e 6 – Atrativos da Floresta Nacional do Tapajós
Fonte: Arquivos ICMBio�
Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns

Na Reserva Extrativista (Figuras 7, 8, 9 e 10), a comunidade pioneira no desen-
volvimento do Turismo de Base Comunitária é a comunidade de Anã, no rio Arapiuns,
que iniciou o processo de organização nos anos 2000 por iniciativa própria, aprovei-
tando com inteligência recursos públicos oriundos do INCRA (instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária), e contando com o auxílio de uma organização
não governamental, o CEAPAC (Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária).
Posteriormente, recebeu apoio da organização não governamental Projeto Saúde &
Alegria (PSA), que promoveu capacitações, auxiliou na construção de uma pousada
comunitária em 2013, na operacionalização das atividades, e dando suporte para a
criação da Cooperativa de Turismo e Artesanato do rio Arapiuns (Turiarte) em 2015,
formada por comunidades da Resex e comunidades da margem esquerda do rio Ara-
piuns, pertencentes ao Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande. A
Cooperativa Turiarte é a concretização de um amadurecimento das comunidades
no protagonismo do turismo, e atualmente, além de receber e guiar os visitantes em
distintos passeios turísticos, oferta pacotes turísticos através da rede mundial de com-
putadores (https://turiarteamazonia.wordpress.com; facebook.com/turiarteamazonia),
criando assim um elo direto entre os turistas e a comunidade.
198
Figuras 7, 8, 9 e 10 – Atrativos da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns
Fonte: Arquivos ICMBio�
O funcionamento do Turismo de Base Comunitária nas

duas UCs
A forma de visita que predomina nas duas UCs é individualizada para cada uma
das comunidades, sendo possível ao turista estabelecer um roteiro por conta própria,
escolhendo as comunidades que vai visitar e contratando os serviços junto às coor-
denações e aos trabalhadores do turismo.

Na Flona do Tapajós, as associações comunitárias são responsáveis pela opera-
cionalização do Turismo de Base Comunitária. Cada comunidade possui seus próprios
condutores de turismo, que trabalham em rodízio para atender os visitantes, e são res-
ponsáveis pela entrega e recolhimento dos formulários de monitoramento de visitantes.
Os responsáveis pelas pousadas contribuem com o monitoramento, pois alguns visitantes
acessam a UC pelo rio e não passam pelas bases de entrada da Unidade de Conservação.
As comunidades se organizam, regulamentam e propõem normas dentro do
Grupo de Trabalho intercomunitário de Turismo, formado por empreendedores de
pousadas/redários e restaurantes, condutores e barqueiros. Os coordenadores de con-
dutores são escolhidos através de eleições que ocorrem a cada dois anos e são respon-
sáveis por gerir o rodízio de condutores locais. Nas comunidades de São Domingos,
Maguari e Jamaraquá as normas sobre rodízio de condutores, valores a serem cobra-
dos por trilha, atividades e normas de condução são pactuados dentro do Grupo de
O RIO QUE NOS UNE
199
Turismo, conforme previsto no Regimento Interno do grupo. O Regimento Interno,

elaborado em 2014 e revisado em 2019, estabelece também os deveres, direitos, obri-
gações e normas que devem ser observados pelas famílias envolvidas com o turismo.
Anualmente as comunidades envolvidas com o turismo na UC fazem reuniões para
atualização do cadastro de condutores e a relação, de cada comunidade, é protocolada no
ICMBio. Em 2020 havia 125 condutores cadastrados pelo ICMBio, incluindo cinco conduto-
res (moradores do entorno da UC) que trabalham com a condução na trilha da Base de Terra
Rica, localizada no Km 67 da BR 163 Cuiabá-Santarém. Em 2021 o ICMBio lançou o edital
de credenciamento para formalizar a atuação dos prestadores de serviços de condução na UC.
As experiências turísticas na Flona envolvem banhos de rios e igarapés, cami-
nhadas em trilhas na floresta, contemplação da fauna e contação de histórias pelos
moradores mais antigos das comunidades. As comunidades oferecem serviços de
condução nas trilhas, hospedagem, alimentação, passeios de canoa e venda de arte-
sanatos. Todo recurso financeiro oriundo das atividades turísticas é destinado para
o desenvolvimento dos comunitários e das comunidades. As informações sobre os
atrativos naturais e culturais das comunidades e como acessar a Flona do Tapajós
está disponível no link: https://www.icmbio.gov.br/flonatapajos/guia-do-visitante
Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns

Além das visitas individualizadas por comunidade, na Resex já há iniciativas no
sentido de oferecer um pacote turístico roteirizado, previamente organizado e dispo-
nível para a compra, através da Cooperativa Turiarte. São disponibilizados passeios
de três a cinco dias, com possibilidade de visita a mais de uma comunidade, sendo
possível realizar passeios de barco ou canoa, tomar banho de rio ou igarapé, caminhar
na floresta, além da vivência nas comunidades, que inclui conhecer os projetos de
produção de farinha, artesanato, mel, piscicultura em tanque rede e culinária regional.
A comunidade de Anã possui uma pousada do tipo redário e um restaurante com
excelente estrutura. Algumas outras comunidades estão se estruturando para receber os
visitantes, estando elas em diferentes graus de implementação do TBC. A comunidade
de Maripá também possui um redário para receber visitantes na margem do rio. As
comunidades de São Miguel e Vista Alegre do Capixauã estão iniciando o processo
para construção de suas pousadas, todavia, ofertam dormitório e refeições utilizando
outras estruturas comunitárias ou as próprias residências dos moradores.
Os empreendimentos do turismo na Resex são comunitários, e cada comunidade
tem uma coordenação do turismo, sendo realizada a divisão do trabalho (conduto-
res, cozinheiros, produtores de alimento). Quanto a renda, é distribuída conforme o
trabalho de cada um, sendo que uma porcentagem fica para toda a comunidade para
a realização de benfeitorias coletivas, e uma parte para ser reinvestida no turismo.
Na comunidade de Anã, por exemplo, há 22 famílias à frente dos trabalhos de TBC
de forma direta (condutores etc.), em um universo de 96 famílias que residem na
comunidade. Para a equipe do turismo (cozinheiros, condutores etc.) é feito o paga-
mento por intermédio de diárias e os produtores recebem pela venda dos produtos.
200
Os R$ 15,00 (quinze reais) de taxa de visitação são destinados para a coordenação da

comunidade, que as utiliza em benfeitorias comunitárias. Em Anã, as atividades de
turismo incentivaram algumas famílias a retomarem a produção de alimentos (peixes,
galinhas caipiras e ovos, farinha, mel), dado o incentivo extra de haver comprador da
produção na própria comunidade, através da pousada e restaurante comunitário. Anã
já tem uma associação exclusiva para trabalhar o turismo, além de ser sócia fundadora
da cooperativa Turiarte. Assim também está se desenvolvendo a atividade do turismo
nas outras comunidades, em especial Vista Alegre do Capixauã e São Miguel.
A contribuição do turismo para o cumprimento dos objetivos

das duas Unidades de Conservação
O turismo, quando planejado e organizado, contribui para a promoção da economia
nacional, regional e local (ICMBio, 2018a), para a valorização do patrimônio natural e
cultural, e facilita o envolvimento da sociedade na conservação da biodiversidade, através
da visitação nas Unidades de Conservação. No caso das UCs de Uso Sustentável, também
coopera para conciliar a presença das comunidades tradicionais com a conservação da
natureza, promovendo o desenvolvimento social aliado ao zelo com os recursos naturais.
O trabalho promove o desenvolvimento individual dos comunitários, que tem a
oportunidade de desenvolver ofícios e habilidades inerentes a esta atividade, como a
organização social, a lida, a receptividade e a condução de pessoas visitantes pela comu-
nidade e demais atrativos, a preparação de alimentos etc. A interatividade e troca cultural
com pessoas de distintas culturas e saberes também tem o potencial de contribuir com
o desenvolvimento pessoal dos envolvidos. Além disso, o desenvolvimento do turismo
contribui com o aumento e a diversificação da renda dos comunitários, e promove
um direcionamento do olhar dos comunitários e demais pessoas da sociedade para a
possibilidade real de obter renda, ao mesmo tempo em que a floresta, a água e demais
recursos naturais são conservados com qualidade.
Também, o contato de distintas pessoas de diferentes lugares do Brasil e do
mundo com a natureza e com as comunidades tradicionais e sua forma de viver tem
o potencial de transformar essas pessoas em aliados e apoiadores da conservação da
floresta e do desenvolvimento social das populações tradicionais. O desenvolvimento
das pessoas aliado à conservação da natureza justifica a existência destas áreas pro-
tegidas e de todo o aparato governamental e civil existente para a gestão destas áreas
públicas e para a promoção do turismo de natureza com base de gestão comunitária.
Na visão de futuro da Flona do Tapajós o turismo tem destaque para contribuir
com o alcance dos objetivos de existência e da missão da UC, conforme descrito a seguir:
“Ser modelo de Unidade de Conservação de uso sustentável, através da geração do conhecimento científico
e do desenvolvimento socioambiental das populações tradicionais, promovido pelo turismo e manejo florestal
comunitários” (ICMBio, 2019a). E na Resex, a visão de futuro do turismo de base comuni-
tária está ligado com os objetivos de existência da Reserva Extrativista: “Que a Reserva
seja reconhecida pelas suas belezas naturais, suas atividades de conservação da natureza, pelas práticas de
O RIO QUE NOS UNE
201
gestão compartilhadas e sustentáveis, que valorizem a cultura e os modos de vida dos comunitários, pela
organização comunitária e pela boa receptividade aos visitantes” (ICMBio, 2021, em elaboração).
Nesse sentido, para que o turismo contribua de forma efetiva com o cumpri-
mento dos objetivos de criação das UCs, todo o processo do desenvolvimento do
turismo deve ser norteado pelos princípios do Turismo de Base Comunitária, conforme
descrito a seguir (Quadro 1):
Quadro 1 – Princípios do Turismo de Base Comunitária

PRINCÍPIOS DESCRIÇÃO
Conservação da
sociobiodiversidade Promover a conservação da natureza e salvaguarda do patrimônio sociocultural local
Desencadear o reconhecimento, divulgação e valorização da história e cultura dos

Valorização da história povos e comunidades locais
e da cultura
Envolver e estimular os atores locais a compartilhar e a aprofundar o conhecimento
sobre aspectos de sua história e memória coletiva.
Protagonismo A comunidade deve ser a protagonista no desenvolvimento das atividades e na tomada
comunitário de decisões em todas as etapas do processo
Equidade social A partilha dos benefícios deverá ser de forma justa entre os atores envolvidos com a
atividade, beneficiando, sempre que possível, a comunidade como um todo
Bem comum A solidariedade e a cooperação devem se sobrepor aos interesses pessoais
As informações ambientais, sociais e financeiras relacionadas ao TBC devem estar à
Transparência disposição dos diferentes atores envolvidos (comunitários, gestores das UC, represen-
tantes da sociedade civil organizada e de instituições privadas) com a atividade
Partilha cultural Proporcionar oportunidades de trocas de experiências, saberes e conhecimentos entre

diferentes culturas e modos de vida, desde que de interesse da comunidade
O TBC deve ser uma atividade complementar as demais atividades desenvolvidas pela
Atividade complementar comunidade, de forma a contribuir para a geração de renda e para o fortalecimento e
valorização dos ofícios e modos de vida local
Educação O TBC deve ser concebido enquanto processo educativo para todos os envolvidos
Dinamismo cultural O TBC deve buscar valorizar as culturas em sua dinâmica própria, problematizando as
mudanças e as permanências junto ao visitante e habitante
Continuidade O TBC deve ser entendido como um processo contínuo que se adapte à transformação
da realidade da comunidade, da UC e do mercado
Fonte: Adaptado de ICMBio, 2018, p� 11-12�
As dificuldades vencidas e os desafios para vencer

O turismo em ambas as Unidades de Conservação está em processo crescente e
contínuo de transição para um turismo pleno de base comunitária, com as comunidades
assumindo o protagonismo das distintas etapas da cadeia do turismo, numa crescente
organização social e profissionalização, sem perder as características de simplicidade
inerentes ao ambiente natural e rural no qual as comunidades estão inseridas.
202
De início, o principal obstáculo enfrentado pelos comunitários foi o pouco conhe-

cimento de como lidar com a situação da entrada de visitantes e operadores de turismo
nas comunidades, muitas das vezes sem permissão das lideranças. Também, a descon-
fiança e falta de apoio dos comunitários em relação às iniciativas de alguns moradores
no começo dos trabalhos de recepção dos visitantes e operacionalização das atividades.
Vencidos os primeiros desafios, de dar os primeiros passos no desenvolvimento
do protagonismo comunitário e de iniciar a caminhada em direção ao TBC, agora
impera a necessidade de aprimoramento da organização social e melhor capacitação
dos comunitários. As capacitações devem ser um processo contínuo, pois em algumas
comunidades a inserção de novos trabalhadores nas atividades turísticas é constante, a
exemplo dos condutores de turismo. Também se faz necessário melhorar a qualidade
e a quantidade de infraestruturas básicas para receber os visitantes, como meios de
hospedagem, restaurantes, banheiros públicos e os demais serviços ofertados durante
os passeios. Também é importante desenvolver a divulgação e comunicação dos atra-
tivos das comunidades com o público visitante alvo, tanto locais como regionais,
nacionais e internacionais.
Ambas as Unidades de Conservação possuem desafios semelhantes, que também
inclui a elaboração e integração do roteiro de turismo entre as comunidades, a diver-
sificação dos atrativos e experiências ofertadas aos visitantes, a melhoria da comuni-
cação entre os atores sociais envolvidos e o monitoramento dos impactos positivos
e negativos da atividade nos modos de vida das comunidades e no meio ambiente.
Para superar as dificuldades e vencer os desafios, as comunidades da Flona e da
Resex contam com uma rede de parcerias que envolvem organizações da sociedade
civil e governamentais, além dos próprios visitantes, que também são importantes
aliados para o desenvolvimento sustentável. A promoção da visitação pública junto
com ações de educação e interpretação ambiental é importante instrumento de gestão
de áreas protegidas, sendo o turismo operacionalizado pelas comunidades um forte
aliado para o alcance dos objetivos de gestão das Unidades de Conservação.
Cada vez mais pessoas estão interessadas em experiencias de turismo que envol-
vam áreas naturais e povos e comunidades tradicionais. A Floresta Nacional do Tapajós
e a Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns possuem um conjunto de características
sociais, ambientais, paisagística, geográfica e de gestão que são, em si, uma grande
oportunidade para o desenvolvimento do turismo ecológico com base comunitária
que agregue desenvolvimento social e a conservação da natureza. É bastante impor-
tante que as comunidades, o governo e o terceiro setor trabalhem para proporcionar
condições adequadas para o desenvolvimento do TBC nestas duas Unidades de Con-
servação, de modo a favorecer o engajamento das comunidades, não somente nas
atividades vinculadas ao turismo, mas nas demais atividades inerentes ao cumprimento
dos objetivos de existência destas duas áreas públicas protegidas.
O RIO QUE NOS UNE
203
REFERÊNCIAS
IBAMA – INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS
NATURAIS RENOVÁVEIS. Plano de Manejo da Floresta Nacional do Tapajós:
Informações Gerais. v. I. Santarém, PA: Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2004. 373 p.
ICMBio – INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVER-

SIDADE. Turismo de base comunitária em unidades de conservação Federais:
Princípios e Diretrizes. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2018.

SIDADE. Contribuições do Turismo em Unidades de Conservação Federais
para a Economia Brasileira Efeitos dos Gastos dos Visitantes em 2017. Brasília,
DF: Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2018a.

SIDADE. Turismo de base comunitária em unidades de conservação federais:
cadernos de experiências. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2019.
ICMBio – INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODI-

VERSIDADE. Plano de Manejo da Floresta Nacional do Tapajós. v. 2, Santarém:
Ministério do Meio Ambiente (MMA), 2019a. 144 p.

SIDADE. Monitoramento da Visitação em Unidades de Conservação Federais:
Resultados de 2019 e Breve Panorama Histórico. Brasília, DF: Ministério do Meio
Ambiente (MMA), 2020.

SIDADE. Plano de Uso Público Turistico da Reserva Extrativista Tapajós Ara-
piuns. Santarém, Pará: Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em elaboração, 2021.
PINHEIRO, C. R. S. O turismo de base comunitária como estratégia para o

desenvolvimento socioeconômico de comunidades tradicionais em reservas
extrativistas: o caso da ilha dos Lençóis em Cururupu – MA. Dissertação (Mestrado
em Desenvolvimento Socioeconômico) – Programa de Pós-Graduação em Desen-
volvimento Socioeconômico, da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2017.
CAPÍTULO XIII
MANEJO DOS RECURSOS PESQUEIROS
PELOS RIBEIRINHOS DO BAIXO TAPAJÓS
(PESCA ARTESANAL E PISCICULTURA)
Luciano Jensen
Introdução
Recursos pesqueiros podem ser definidos como o conjunto de todos os animais
que habitam predominantemente habitats aquáticos e que são capturados pelos seres
humanos, o que inclui vertebrados (peixes, anfíbios, répteis, mamíferos) e invertebra-
dos (como moluscos, crustáceos e outros grupos) (PINTO et al., 2018). No Brasil, a
chamada Lei da Pesca considera recursos pesqueiros os animais e vegetais hidróbios
(literalmente: que vivem nas águas) passíveis de exploração, estudo ou pesquisa pela
pesca (em suas modalidades) e pela aquicultura (BRASIL, 2009). Apesar disso, nor-
malmente apenas a produção de peixes e crustáceos é quantificada nas estatísticas e
estudos pesqueiros (PINTO et al., 2018), mas recursos pesqueiros compreendem uma
infinidade de atributos biológicos, químicos e físicos (EDWARDS, 2005).
A pesca tem sido explicitamente manejada em alguns lugares há centenas ou
milhares de anos. No interior da Amazônia, os recursos pesqueiros são utilizados
para alimentação e renda há centena de anos, e a pesca, a coleta e a caça de subsistên-
cia, junto com a agricultura, são as principais atividades produtivas das populações
tradicionais. Os conhecimentos desses povos, restrições, proibições e regras locais
permitem o manejo local dos recursos naturais inclusive dos recursos pesqueiros
(BRAGA; REBÊLO, 2015, SILVA; BRAGA, 2017, SILVA et al., 2020).
Mais de 75% da produção de peixe no mundo se destina ao consumo humano,
e o peixe é uma excelente fonte de proteína e outros nutrientes essenciais (FAO,
2020). A pesca na Amazônia contribui para a segurança alimentar das populações
rurais ribeirinhas, que consomem por volta de 400g de pescado por dia (FAO, 2011,
ISAAC et al., 2015; BRAGA et al., 2016; CORRÊA et al., 2019), que é cerca de sete
a dez vezes maior do que o consumo médio mundial de 20,3 kg por pessoa por ano
(FAO, 2018). A importância pode ser estendida ao comércio que chega a gerar mais
de 168 mil empregos diretos, mobilizando a economia em mais de R$ 389 milhões
MANEJO DOS RECURSOS PESQUEIROS PELOS RIBEIRINHOS
DO BAIXO TAPAJÓS (PESCA ARTESANAL E PISCICULTURA)
206
por ano no setor pesqueiro no rio Amazonas-Solimões (ALMEIDA et al., 2010). A

dinâmica da pesca na Amazônia brasileira representa um enorme desafio para a pes-
quisa, pois a grande riqueza e diversidade de peixes, se soma as diversidades culturais,
sociais e tecnológicas, tornando a pesca atividade complexa e de difícil compreensão
(BATISTA; ISAAC 2011; DAGOSTA; DE PINNA, 2019).
Apresentamos aqui uma descrição do conhecimento disponível sobre as ativida-
des pesqueiras e o manejo atualmente realizado pelos ribeirinhos, com dados coletados
em pesquisa bibliográfica sobre o tema na região, como complemento para os dados
coletados em 2014 e 2015 pelo projeto “Saberes e práticas dos moradores da comunidade de
Surucuá (Resex Extrativista Tapajós-Arapiuns)- voltados aos Recursos Pesqueiros”. Além da
pesca, apresentamos algumas das iniciativas de piscicultura realizadas pelos comuni-
tários para a produção de tambaqui (Colossoma macropomum), matrinxã (Brycon amazo-
nicus) e pirarucu (Arapaima gigas) na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (RESEX)
e Floresta Nacional do Tapajós (FLONA).
Atividades Produtivas
As principais atividades produtivas na região do baixo rio Tapajós são a agri-
cultura familiar para produção de farinha de mandioca e a pesca. O programa de
transferência condicional de renda Bolsa Família contribui significativamente para a
renda e há alguns moradores que recebem aposentadoria. Em algumas comunidades
atividades alternativas complementam a renda, são elas o turismo ecológico de base
comunitária, o manejo florestal, marcenaria, artesanato, couro ecológico e produção
de frutas (SILVA; BRAGA, 2016; INPE 2016; ESPADA et al., 2018).
A pesca está entre as atividades mais importantes, pois fornece o peixe que é a
principal fonte de proteína e, junto com a farinha, a base da alimentação. Quase não há
subnutrição e a desnutrição infantil está associada à época das cheias, quando o peixe
se torna escasso. A pesca se destina principalmente ao consumo e poucos pescadores
vivem apenas da pesca comercial (SANTOS et al., 2014; INPE, 2016; SILVA; BRAGA,
2017; SILVA, 2018). Além dos peixes, os principais recursos pesqueiros capturados são os
quelônios aquáticos, principalmente tracajá e tartaruga, para consumo de carne (bastante
apreciada) e ovos. Porém, assim como a caça, a captura de quelônios é proibida, mas ao
contrário da caça de terra firme, o comércio pode ser uma fonte de renda importante
como em outras regiões da Amazônia (Pantoja Lima et al. 2014). Portanto, há uma forte
restrição e fiscalização por parte dos órgãos ambientais principalmente no período da
desova (IBAMA, 2004; INPE, 2016; SILVA; BRAGA, 2017). A pescaria de quelônios
na Amazônia se enquadra na categoria internacional de pesca IUU (ilegal, não regulada
e não relatada, em inglês) (FAO, 2018).
A pesca artesanal
A maioria dos pescadores são homens, de baixa escolaridade, idade acima dos 40
anos, exercem a atividade há mais de 20 anos e ganham menos de um salário-mínimo
O RIO QUE NOS UNE
207
mensal. No entanto, pescador e caçador são ocupações de prestígio na região, pos-

suindo status diferente das outras, dado que não se usa o termo trabalho para se referir
a essas ocupações (ZACARDI et al., 2014; SANTOS et al., 2014; SILVA; BRAGA,
2016; MEDAETS, 2018).
A pesca é feita em embarcações tipo canoas de tamanhos variados, as menores
e preferidas para pescarias próximos das residências tem cerca de 3,6 m (18 palmos
na medida local), são de madeira e movidas a remo (Figura 1). As canoas maiores,
também de madeira, com propulsão a motor, medem 4,5 m e são utilizadas para pescar
distante das comunidades. Independentemente do tamanho da embarcação, o mais
comum é que a pesca seja feita com duração média de 4 horas, com um ou dois pes-
cadores que, nesse caso, partilham a produção ou dividem os lucros e a renda gerada
e, em alguns casos, dividem os custos, com material de pesca, gelo e combustível.
Sobre a quantidade estimada de pescado capturado por pescaria, foi observado na
comunidade de Surucuá (Resex TAPAJÓS-ARAPIUNS) que na vazante, a média fica
em torno de 21,5kg (±15,4) de peixes; 5kg (±4,2) na seca; 11,5kg (±9,5) durante a
enchente e 28kg (±8,4) no período de cheia (ZACARDI et al., 2014; SILVA; BRAGA,
2016; SILVA et al., 2020).
Há 15 tipos básicos de utensílios de pesca na Amazônia, selecionados para explo-
tar da forma mais eficiente possível, recursos pesqueiros sob determinadas condições
ambientais (PETRERE, 1978; SMITH, 1979; BARTHEM et al., 1997; BATISTA et al.,
2004). A malhadeira (rede de emalhar) se tornou o principal utensílio de pesca utilizado
em toda região Amazônica (SILVA; BRAGA, 2016; SERRÃO et al., 2019; SILVA et al.,
2020). No baixo rio Tapajós também a malhadeira (Figura 1) é utilizada durante todo o
ano e o aumento do seu uso iniciou na década de 1980. Apetrechos tradicionais usados
com menor frequência são: a linha de mão, caniço, arpão, zagaia, espinhel, tarrafa e flecha
(ZACARDI et al., 2014; SILVA; BRAGA, 2016; HALLWASS et al., 2019).
Figura 1 – Tipo de embarcação e apetrecho de pesca

mais utilizados na atividade de pesca na região
Fonte: Josele Trindade (2014)�

208
Diversidade de Recursos pesqueiros

Foram capturadas 45 etnoespécies de peixe em apenas uma localidade da RESEX,
que correspondem a aproximadamente 51 espécies biológicas (SILVA; BRAGA, 2016).
Os cardumes de peixes, como pescada (Plagioscion squamosissimus), sarda (Pellona
spp.) e mapará (Hypophythalmus spp.) são localizados pelos pescadores em pontos
estratégicos do rio. Tucunaré (Cichla spp.) e acará (vários Cichlidae) são moradores
dos lagos. Pescada e sarda são pescados o ano inteiro, mas a sarda é menos consumida
e vendida, Tucunaré e jaraqui (Semaprochilodus spp.) são espécies importantes, tanto
para consumo quanto para o comércio, mas não estão disponíveis o ano todo, sendo
o tucunaré mais capturado na seca e o jaraqui na enchente (SILVA; BRAGA, 2016;
HALLWASS et al., 2019; RUNDE et al., 2020).
Bagres, como dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) e filhote (Brachyplatystoma
filamentosum) ainda são capturados, mas não como ocorria há cerca de trinta anos, a
cada ano parecem se tornar mais escassos e difíceis, só aparecendo em quantidade
na cheia (maio/junho), junto com outros bagres como mapará, fura-calça (Pimelo-
dina flavipinnis) e piracatinga (Calophysus macropterus). Os grandes bagres podem estar
sendo utilizados para substituir peixes comerciais de grande porte que se tornaram
escassos como pirarucu e tambaqui (SILVA; BRAGA, 2016; SILVA; BRAGA, 2017;
MEDAETS, 2018; HALLWASS et al., 2019).
Problemas atuais
O problema da redução dos estoques pesqueiros também atingiu a região do Baixo
rio Tapajós (FREITAS et al., 2007; BRAGA et al., 2016; SILVA; BRAGA, 2017). Pesca-
dores relataram a diminuição, na quantidade e no tamanho do pescado, e o aumento do
número de pescadores. No baixo Amazonas o excessivo esforço de pesca e a captura de
indivíduos muitos jovens levou a sobrepesca de tambaqui e surubim tigre (Pseudoplatystoma
tigrinum) (ISAAC; RUFFINO, 1996, RUFFINO; ISAAC, 1999).
O declínio dos estoques pesqueiros também é atribuído à pesca ilegal que ocorre
no período de defeso, período chamado de “arribação”, quando os cardumes de peixes
saem dos lagos e descem o rio. A importância da pesca também pode ser percebida
pelos conflitos e problemas de convivência desencadeados entre os habitantes das
UC e os “pescadores de fora” ou ilegais. Ambos, moradores das UC, e moradores de
fora das UC, atribuem o declínio do pescado à falta de fiscalização (ZACARDI et al.,
2014; CEAPS, 2015; SILVA; BRAGA, 2016; SILVA, 2018).
As comunidades da RESEX têm regras para manejar estoques pesqueiros e
mitigar conflitos que ocorrem devido à exploração em áreas de acesso restrito a cada
comunidade. Mas, as regras não têm sido respeitadas por todos, que não respeitam o
Acordo de Gestão da RESEX, que proíbe a utilização de certos métodos e arreios de
pesca e determina algumas áreas de acesso restritos às comunidades (CEAPS, 2015).
A pesca ilegal no período de defeso também se deve a invasão dos barcos de pesca,
chamados de “geleiras”, oriundos das cidades de Santarém, Alenquer e Monte Alegre.
O RIO QUE NOS UNE
209
A piscicultura
Como já foi descrito anteriormente, o declínio dos estoques pesqueiros e o
desabastecimento das principais espécies de peixes comerciais durante o período
de cheia dos rios, bem como a menor oferta de peixes no defeso e na semana santa,
comprovam a necessidade urgente em se produzir peixes em cativeiro (piscicultura)
de forma a suprir a demanda existente por este tipo de proteína animal na região ao
longo de todo o ano. Desta forma, a piscicultura apresenta-se como uma atividade
com potencial para minimizar os efeitos da exploração descontrolada de algumas
espécies de maior valor econômico.
Nos últimos anos, várias iniciativas já foram direcionadas para o desenvolvi-
mento da piscicultura tanto na RESEX quanto na FLONA. Porém, devido a uma
série de dificuldades enfrentadas, atualmente na RESEX somente a comunidade de
Anã permanece com a produção de peixes redondos (tambaqui e o hibrído tamba-
tinga, originário do cruzamento entre a fêmea do tambaqui e macho da pirapitinga)
em tanques-rede (CASTRO, 2017) e duas na FLONA, na comunidade do Tauari com
a produção de tambaqui em tanques-rede e na comunidade do Pini com a produção
de matrinxã em canal de igarapé.
Na RESEX, o início da atividade ocorreu através de recursos provenientes do
Governo Federal. Entretanto, atualmente os piscicultores realizam a atividade com
recursos próprios. Segundo Castro (2017), todos os piscicultores são cadastrados
no projeto MUSA (Mulheres Sonhadoras em Ação) e afirmam que o projeto lhes
auxiliou inicialmente com tanques-rede, alevinos e ração, através do financiamento
que ocorreu no ano de 2000. Ao longo dos anos, além dos tanques comerciais, foram
construídos e adaptados tanques-rede ou gaiolas flutuantes de variados tamanhos e
formatos (Figura 2).
Figura 2 – Exemplos de tanques-rede na comunidade de

Anã (Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns)
Foto: Luciano Jensen Vaz (2019)�

210
Na FLONA, os trabalhos tiveram início no ano de 2010, como uma forma

alternativa de geração de renda a proibição da produção de gado que causava impactos
dentro da Unidade de Conservação. Em estruturas rústicas, por falta de recursos e
assistência técnica, foram realizadas as primeiras produções de tambaqui e pirarucu
(Figura 3).
Figura 3 – Tanque de madeira para produção de

pirarucu na comunidade do Tauari
No ano de 2016, através de recursos da Agência dos Estados Unidos para

o Desenvolvimento Internacional (USAID), Serviço Florestal Americano (SFA) e
Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (COMFLONA), apoio do ICMBio e acom-
panhamento do grupo de pesquisa Aquicultura no Baixo Amazonas (UFOPA) foram
instalados seis tanques-rede na comunidade do Tauari (Figura 4), para a produção
de tambaqui. A maior parte da produção gerada nestes tanques foi comercializada
diretamente nas comunidades do entorno, de forma direta, e parte consumida pelos
comunitários participantes do projeto.
O RIO QUE NOS UNE
211
Figura 4 – Tanques-rede na comunidade do Tauari (Floresta Nacional do Tapajós)
Na comunidade de Anã, a finalidade da produção de peixes também é de cunho

comercial e de subsistência, sendo vendidos vivos ou apenas eviscerados, com a comercia-
lização geralmente sendo realizada na própria comunidade, principalmente para a pousada
comunitária de Anã e em alguns casos na cidade de Santarém (CASTRO, 2017).
Já na comunidade do Pini, desde 2017, vem sendo realizada a produção de
matrinxã em canal de igarapé (Figura 5).
Figura 5 – Produção de matrinxã (Brycon amazonicus) em sistema de canal

de igarapé na comunidade do Pini (Floresta Nacional do Tapajós)

212
Todos os comunitários produtores afirmam que o alto custo da ração comercial

e dos equipamentos para manter a criação de peixes impedem a expansão da atividade,
assim como descrito por Barroso e Pedroza Filho (2014) que afirmam que tanto os
insumos (alevinos, ração, equipamentos e medicamentos) quanto à logística de pro-
cessamento e comercialização, de forma geral, são os principais gargalos do setor.
Os moradores das UCs, e do entorno, sobrevivem ou dependem dos recursos
pesqueiros. Eles pedem maior fiscalização para a retirada dos pescadores “ilegais” que
muitas vezes possuem maior poder econômico e capital investido na pesca (malhadeiras
e canoas em quantidade). Com isso eles anseiam pela diminuição da pressão sobre os
estoques. Pedem incentivos para cultivar peixes (piscicultura) e gerar alimento e renda
de forma sustentável de acordo com os princípios das Unidades de Conservação.
A gestão da área, compartilhada entre os órgãos ambientais e os moradores das
UCs e seu entorno, precisa de uma representação equilibrada dos diversos grupos
de interesse e usuários dos recursos pesqueiros e outros recursos naturais para que a
tomada de decisões referentes ao ordenamento pesqueiro seja democrática e equitativa
num sistema regional de governança, onde haja diálogo no nível da bacia hidrográfica,
para buscar a sustentabilidade ambiental, a justiça social e condutas prudentes e res-
ponsáveis sobre o uso dos recursos. Um sistema que permita a elaboração de um plano
de ação que discuta um código de conduta dos usuários dos recursos pesqueiros; que
apoie a realização de estudos para recuperação dos estoques; que apoie a regulamen-
tação da pescaria de quelônios, contribuindo assim para prevenir, reduzir e eliminar
as pescarias ilegais, não reguladas e não monitoradas; onde os problemas da pesca e
da aquicultura sejam examinados e enfrentados em conjunto com as instituições de
pesquisa, organizações da sociedade civil e órgãos gestores.
O RIO QUE NOS UNE
213
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PARTE 2
PRÁTICAS DE USO E SOCIOECONOMIA
NO TERRITÓRIO
SEÇÃO 4
O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS:
conflitos, qualidade de vida e a relevância das
comunidades do território do rio que nos une
CAPÍTULO XIV
CONCEITOS SOBRE QUALIDADE DE
VIDA: o que aprendemos com unidades de
conservação às margens do rio tapajós?
Everton Cristo Almeida
Introdução
Existem diferentes conceitos de qualidade de vida e parece que não há um
entendimento único entre os pesquisadores do que venha a ser. Além das visões
acadêmicas, qualidade de vida tem sido tratada fortemente de modo popular pela
sociedade, incluindo políticos (SEIDL; ZANNON, 2004).
Diferentes organizações falam em qualidade de vida em seus programas, projetos
e políticas institucionais. Várias políticas públicas e legislações abordam qualidade de
vida como objetivo a ser alcançado para a população. Por isso, gostamos do conceito
da Organização Mundial de Saúde, pois valoriza o que cada pessoa pensa sobre si
dos sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação a seus objetivos, expectativas,
padrões e preocupações (THE WHOQOL GROUP, 1995).
Vários estudos abordam bem-estar e felicidade, principalmente pelas áreas da
Psicologia e da Educação; sendo comum ainda, estudos que pretendem explicar o
bem-estar econômico (SALVADOR-CARULLA et al., 2014). Além de trabalhos que
se concentram no tema da satisfação com a vida, relacionados à qualidade de vida
(VITTERSO; ROYSAMB; DIENER, 2002).
Existem metodologias que quantificam a qualidade de vida das pessoas ou de
uma população. O uso de instrumentos não é unânime entre os pesquisadores, mas
vários deles abordam diferentes dimensões da qualidade de vida, por exemplo: satisfa-
ção com a vida; avaliação subjetiva da vida; condições socioeconômicas; saúde física;
entre outros (FERRANS; POWER, 1985).
Diante disso, estudar comunidades rurais, sobretudo em Unidades de Conser-
vação é importante, na medida que o sentimento de comunidade pode gerar muitos
CONCEITOS SOBRE QUALIDADE DE VIDA: o que aprendemos
com unidades de conservação às margens do rio tapajós?
220
benefícios às pessoas que lá vivem. Elvas e Moniz (2010) mostram que quando maior
a integração e satisfação numa comunidade, mais elevados são os níveis de bem-es-
tar, qualidade e satisfação de vida; sentido de justiça e capital social; menor solidão
e isolamento.
Além disso, estudos de qualidade de vida podem ajudar tomadores de decisão a
ter uma visão melhor de um território, contribuindo assim para que possam propor e
implementar políticas que reflitam as aspirações social, humana e econômica de seu
povo (BLOOM et al., 2001).
Com este capítulo, objetivamos apresentar uma perspectiva conceitual sobre
definições de qualidade de vida, apreendidas com a realidade das populações da
Flona do Tapajós e da Resex Tapajós-Arapiuns. É um assunto essencial para nos
fornecer ideias do que pode ser feito para melhorar a vida dos moradores destas
Unidades de Conservação.
Este trabalho é fruto de uma pesquisa de campo realizada na Flona do Tapajós
em 2014, de uma tese de doutorado em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento
(PPGSND/UFOPA) de 2019, realizada na Flona e na Resex, e de duas dissertações
de mestrado em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida (PPGSAQ/UFOPA) de
2021, realizadas na Resex Tapajós-Arapiuns. Nas próximas seções abordaremos alguns
conceitos sobre qualidade de vida estudados em pesquisas conduzidas nestas duas
Unidades de Conservação. As pesquisas foram submetidas e aprovadas pelo Sistema
de Autorização e Informação em Biodiversidade e quando necessário, também por
Comitês de Ética em Pesquisa.
Índice de Desenvolvimento Econômico e Social (IDES)

A qualidade de vida pode ser tratada de forma objetiva, a partir de estudos
que utilizam indicadores propostos pelas Ciências Econômicas e Sociais. Nessas
áreas do conhecimento é comum observarmos estudos que discutem os impactos
de ações do governo no Produto Interno Bruto (PIB) ou ainda no Índice de Desen-
volvimento Humano (IDH) de uma cidade. Mas é importante destacar que o PIB
contempla apenas aspectos econômicos, abrangendo uma parte do desenvolvimento
de uma região (DINIZ; SIQUEIRA, 2008) e o IDH contribui de forma simplificada
e limitada para entendermos o nível de qualidade de vida de uma cidade ou país
(KLERING, 2014).
Nesta seção apresentamos os resultados de pesquisa realizada em seis comu-
nidades da Resex Tapajós-Arapiuns e 10 da Flona do Tapajós, empregando o Índice
de Desenvolvimento Econômico e Social – IDES (ALMEIDA, 2019). Este índice
procura retratar numericamente a qualidade de vida de uma região, por exemplo, uma
comunidade, sendo a soma de indicadores da área da educação, saúde, habitação,
aspectos sanitários, lazer e renda (SOUZA et al., 2017).
Foram coletadas informações sobre os aspectos básicos do desenvolvimento,
como a situação econômica e social das localidades, utilizando indicadores de saúde,
educação, moradia, fornecimento de energia elétrica, água, saneamento, tratamento e
O RIO QUE NOS UNE
221
destinação dos resíduos sólidos, lazer na comunidade e renda familiar média (KHAN;
SILVA, 2002).
A partir de vários indicadores medidos nas comunidades, foi calculado o IDES,
que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior o nível de desenvolvimento
socioeconômico das comunidades (KHAN; SILVA, 2002; NASCIMENTO; ARAÚJO,
2008; SOUSA et al., 2005), o IDES foi classificado em:
a) Baixo nível de desenvolvimento econômico-social (0,0 < IDES ≤ 0,5);

b) Médio nível de desenvolvimento econômico-social (0,5 < IDES ≤ 0,8) e;
c) Alto nível de desenvolvimento econômico-social (0,8 < IDES ≤ 1,0).
Nas comunidades da Flona do Tapajós e da Resex Tapajós-Arapiuns, os valores

do IDES não foram maiores que 0,8, o que nos mostra que a maioria das comuni-
dades apresenta médio desenvolvimento econômico e social e, pelo menos 30% das
comunidades estão com IDES < 0,5, sendo classificadas como comunidades com
baixo desenvolvimento econômico e social, como: Nazaré, Tauari e Paraíso na Flona
do Tapajós e; Prainha do Maró e Nova Canaã na calha dos rios Maró-Arapiuns na
Resex Tapajós-Arapiuns (Tabela 1).
Tabela 1 – IDES de comunidades na região do baixo

rio Tapajós e Arapiuns, Pará, Brasil
Unidade de Conser- Número de Área Cultiva-
Comunidade IDES
vação famílias da (ha/ano)
Paraíso 0,30 8 0,5
Tauari 0,39 52 0,5
Nazaré 0,46 60 1
Prainha I 0,54 78 1
Pini 0,57 33 1,5

Flona do Tapajós
Pedreira 0,61 86 0,5
São Domingos 0,65 79 1
Jamaraquá 0,69 40 1
Maguari 0,69 111 0,5
Piquiatuba 0,72 117 1
continua...
222
continuação
Unidade de Conser- Número de Área Cultiva-
Comunidade IDES
vação famílias da (ha/ano)
Nova Canaã 0,37 36 2
Prainha do Maró 0,44 52 2
Resex Vista Alegre do Maró 0,56 18 1

Tapajós-Arapiuns 0,63 104 1
Mentai
São Pedro 0,67 100 2
Anã 0,78 96 2
Nas comunidades ribeirinhas, o sistema de corte e queima para o cultivo de man-

dioca para a produção de farinha é predominante. Esse sistema é a prática tradicional
mais comum na região amazônica, que garante ciclos curtos anuais de produção de
farinha e é o que mantém a maior parte da renda familiar da maioria das comunida-
des dos rios Maró-Arapiuns (Figura 1 A, B). Estes resultados foram obtidos antes
da execução do Plano de Manejo Florestal da Cooperativa Mista Agroextrativista do
Rio Inambú (Cooprunã), o que, provavelmente deva ter mudado para as comunida-
des ribeirinhas, uma vez que renda obtida com a atividade florestal pode contribuir
para a melhoria nas condições de infraestrutura, comunicação e aquisição de bens de
consumo e de capital pelas comunidades envolvidas.
Figura 1 – (A) Cultivo familiar de mandioca na comunidade de

Nova Canaã e (B) Casa de farinha na comunidade de Vista Alegre
do Maró, ambas na Resex Tapajós-Arapiuns, Pará, Brasil
Fontes: Everton C� Almeida (2019)�
Hoje, a Flona do Tapajós possui uma estrutura organizacional bem definida,

composta pelas Associações Comunitárias, por Associações Intercomunitárias, pela
Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona), que é constituída exclusivamente
por comunitários, e pela Federação das Organizações Comunitárias da Flona, que
representa todas as associações comunitárias e intercomunitárias. Outras iniciativas
como as Oficinas Tradicionais Caboclas (OTC), existentes nas comunidades da Flona e
Resex, trabalham com o aproveitamento de árvores caídas para a produção de móveis
O RIO QUE NOS UNE
223
rústicos, o que também contribuem para a economia e para o desenvolvimento das

comunidades (Figura 2).
Figura 2 – Estrutura das Oficinas Tradicionais Caboclas na

comunidade de Pini, Flona do Tapajós, Pará, Brasil
Foto: Everton C� Almeida (2019)�
A pesquisa realizada na Resex e na Flona mostra que é importante identificar

em que nível está o desenvolvimento econômico e social das áreas estudadas, para
que sejam compreendidas as causas e/ou necessidades para o desenvolvimento local,
refletindo a qualidade de vida das pessoas que vivem nestas comunidades. No caso
destas UC, investimentos têm sido realizados para o manejo florestal madeireiro, bem
como para atividades agrícolas, sobretudo para o autoconsumo.
Bem-Estar Subjetivo (BES)

Historicamente, o conceito de bem-estar não é muito antigo e foi estudado pela
primeira vez nos Estados Unidos por Warner Wilson (1967), considerado o marco
do nascimento do termo bem-estar subjetivo (BES), tal como o conhecemos hoje
(GALINHA; RIBEIRO, 2005).
Três componentes constituem o BES e estão em constante relação: 1) satisfação
com a vida, que abrange um julgamento que a pessoa faz sobre todos os domínios
da sua vida; 2) vivência de eventos positivos e emoções agradáveis; 3) experiência
relativamente baixa de eventos negativos (DIENER, 1984).
O BES é uma dimensão da qualidade de vida, e envolve a avaliação que cada
pessoa faz sobre sua felicidade e satisfação com a vida, sendo que esse julgamento
pode mudar de cultura para cultura, e pelo nível de preenchimento de cada uma das
224
necessidades humanas em relação às outras (COSTANZA et al., 2006). Isso quer dizer
que o que influencia o bem-estar em uma comunidade da Flona do Tapajós pode ser
diferente de outra Flona no Brasil ou em outras comunidades rurais no mundo.
O bem-estar de uma pessoa pode ser influenciado pelos seus relacionamentos
interpessoais, por exemplo amizade (SOUZA; DUARTE, 2013) e por seu perfil de
personalidade, ou seja, se é uma pessoa extrovertida, otimista ou que tende a experi-
mentar emoções negativas (NUNES; HUTZ; GIACOMONI, 2009; ZANON; HUTZ,
2014). As relações conjugais, quando consideradas satisfatórias e que forneçam ade-
quada segurança emocional e apoio social, podem gerar maiores níveis de bem-estar
(DIENER et al., 2000; DÍAZ LLANES, 2001).
Quando estudamos BES com crianças, a felicidade é a definição mais adequada,
tendo em vista a facilidade de compreensão deste conceito por elas (GIACOMONI;
SOUZA; HUTZ, 2014). Na abordagem com crianças, a experiência subjetiva sobre
os domínios da vida envolve afetos e eventos que elas julgam serem marcantes de
maneira positiva e negativa a sua história (GIACOMONI; SOUZA; HUTZ, 2016).
Para falar de bem-estar subjetivo, vamos apresentar informações de uma pesquisa
realizada na Resex Tapajós-Arapiuns, realizada no início do ano de 2020, na comuni-
dade de Surucuá, com 31 crianças de 8 a 12 anos de idade. O objetivo foi analisar as
implicações do brincar no bem-estar subjetivo de crianças ribeirinhas nesta comunidade.
Para análise qualitativa do bem-estar subjetivo infantil foi realizada uma entrevista
composta por quatro perguntas, referentes ao conceito de felicidade, à percepção
infantil sobre a própria felicidade e aos indicadores de bem-estar subjetivo destas
crianças. O roteiro da entrevista foi baseado em Giacomoni (2002). As entrevistas
foram gravadas e esses dados de voz analisados pela técnica do Discurso do Sujeito
Coletivo (LEFEVRE; LEFEVRE, 2005): extraímos as expressões-chave (ECH), as
ideias centrais (IC) ou ancoragens (AC) semelhantes, possibilitando a construção de
um ou vários discursos-síntese na primeira pessoa do singular.
A questão inicial foi: “O que é felicidade?”. Foram encontradas três ideias
centrais. A ideia central “A” revelou que para 10 crianças, “Felicidade é brincar e se
divertir”. A ideia central “B”, mostrou que 13 crianças entendem que “Felicidade é
estar perto da família e amigos”. Ainda foi possível observar a ideia central “C” nas
respostas de oito crianças, para as quais “Felicidade é estar feliz, é amor, estar alegre,
em paz e em harmonia”.
A segunda pergunta foi: “O que uma criança precisa para ser feliz?”. Para
esta questão foram geradas quatro ideias centrais: a ideia central “A” “Precisa de paz,
carinho, respeito, harmonia, esperança, atenção e amor”; ideia central “B” que cada
uma delas “Precisa da família e amigos”; “C” que indica que criança “Precisa brincar”;
e a ideia central “D” que mostra que é preciso “Ter saúde, comer, dormir e estudar”.
Destacamos que quatro crianças não responderam.
Em resumo, nota-se que a avaliação subjetiva das crianças evidencia a influência
das experiências positivas sobre o bem-estar subjetivo. As vivências de estados emo-
cionais agradáveis implicam na forma como estas crianças avaliam suas vidas. Além
disso, nos diferentes discursos surgem evidências das influências do meio social sobre
o bem-estar subjetivo delas. As relações estabelecidas com os familiares e seus amigos
O RIO QUE NOS UNE
225
são fatores que contribuem para a avaliação que elas fazem sobre suas vivências e
experiências, sendo estes achados relacionados a um julgamento positivo. Resultados
semelhantes foram encontrados na pesquisa de Giacomoni (2002).
Todavia, neste estudo o brincar surgiu como um fator significativo para as crian-
ças na avaliação da própria felicidade, bem como, algo necessário para ser feliz. A
brincadeira é uma atividade que proporciona alegria, liberdade e satisfação, é, também,
uma fonte de prazer e felicidade para a criança (AMARAL, 2010).
Dessa forma, os estudos sobre o bem-estar subjetivo buscam investigar a avalia-
ção de cada indivíduo a respeito da sua própria vida e os processos envolvidos nesta
avaliação. E nesta perspectiva teórica, a Psicologia tem procurado contribuir para
compreensão e melhoria da qualidade de vida das pessoas (GIACOMONI, 2004).
Satisfação
A satisfação com a vida é uma importante dimensão a ser estudada para enten-
der a qualidade de vida de uma pessoa ou população (FERRANS; POWER, 1985).
A satisfação das necessidades mais elementares da vida, como alimentação, acesso a
água, habitação, trabalho, educação, saúde e lazer; elementos materiais relacionados
à realização individual e coletiva, ajudam a entender qualidade de vida (MINAYO;
HARTZ; BUSS, 2000).
A partir disso, em uma pesquisa realizada na Flona do Tapajós, no ano de 2014,
em parceria com a Coomflona, procuramos saber como estava a satisfação de coope-
rados com relação a diferentes questões de suas vidas e como a Coomflona poderia
ter influência sobre este nível de satisfação. Entrevistamos 139 cooperados, residentes
em 12 comunidades da Flona. Nessas comunidades, a pesca artesanal e agricultura de
subsistência são muito importantes para sobrevivência dessas famílias, contribuindo
com a segurança alimentar delas.
Como uma organização comunitária produtiva, a Coomflona tem como princi-
pal objetivo o aproveitamento dos recursos florestais, por meio do Manejo Florestal,
podendo destacar a madeira, os óleos vegetais e o couro vegetal (tendo como maté-
ria-prima o látex da seringueira).
Em 2014, dos 117 cooperados envolvidos na atividade florestal, somente nove
eram mulheres. Com relação à satisfação com a vida, os cooperados mostraram estar
de pouco a bastante satisfeitos com suas vidas, sendo que grande parte dos cooperados
(73,4%) se declara satisfeita (Figura 3).
226
Figura 3 – Satisfação com a vida na percepção de cooperados

da Coomflona, Flona do Tapajós, Pará, Brasil
Entende-se que a busca pela melhoria da qualidade de vida é parte da reivindi-

cação de diversas camadas da sociedade, tanto urbanas e quanto rurais. Neste sen-
tido, procurou-se captar o papel da Coomflona na satisfação da vida dos cooperados
(Figura 4).
Figura 4 – Contribuição da Coomflona com a satisfação

dos cooperados, Flona do Tapajós, Pará, Brasil
Perguntamos aos cooperados como a cooperativa poderia ajudar para que a

satisfação com suas vidas melhorasse. O aumento da oferta de empregos foi a resposta
mais frequente (21,6%), o que pode ter relação direta com a percepção de 85,6% de
cooperados que avaliam positivamente mudanças na renda familiar a partir da entrada
na cooperativa. A Figura 5 mostra outras ações que podem melhorar a satisfação dos
cooperados com suas vidas.
O RIO QUE NOS UNE
227
Figura 5 – Principais investimentos sugeridos por cooperados à Coomflona,

visando melhorar a satisfação com suas vidas, Flona do Tapajós, Pará, Brasil
Mais empregos 21.6
Capacitação e treinamentos 16.5

Investimentos sugeridos
Transporte 5.8
Salário e renda 5.8
Planejamento 5.8
Comunicação 5.8
Apoio e assistência 4.3
Serraria 4.3
0.0 10.0 20.0 30.0

Frequência de resposta (%)
Alguns cooperados citaram a necessidade da implantação de uma serraria sob a

responsabilidade da cooperativa, para agregação de valor à madeira manejada. Davis
e Bialoskorski Neto (2010) comentam que as cooperativas devem agregar valor e
benefícios sociais em todos os estágios da cadeia de fornecimento.
Uma parte dos cooperados indicou que a cooperativa deve pensar em outros
projetos de atividades econômicas, que envolvem agricultura, meio ambiente, turismo
e artesanato. Na visão deles, isto atrairia outros cooperados e incentiva a diversificação
da produção das comunidades.
Além disso, eles acreditam que com melhorias na comunicação entre a diretoria
e os cooperados, pode haver maior satisfação entre os cooperados. A possibilidade de
a cooperativa poder melhorar as condições de tráfego das estradas, dadas as condições
difíceis de vários trechos, e também dos ônibus que prestam serviço dentro da Flona,
ajudaria na satisfação dos cooperados e de suas famílias.
As demandas dos cooperados baseiam-se na expectativa de terem melhor qualidade
vida. Amartya Sen (2010) afirma que aspectos como renda, capital e posse de recursos
físicos ficam em plano secundário para alcançar uma vida plena de bem-estar. Para este
autor, o que é prioridade é ter garantidas e valorizadas as capacidades e as habilidades que
os indivíduos precisam para poder fazer suas escolhas que lhe levem a ter desenvolvimento.
228
Qualidade de Vida
Como expusemos, pesquisas de várias áreas do conhecimento trazem conceitos
distintos e também diferentes maneiras de medir a qualidade de vida de alguém.
Para atender demandas características de populações do campo, das florestas e
das águas, acreditamos na importância de consultar essas pessoas sobre suas neces-
sidades, pois isso ajuda promover e avaliar as decisões sobre políticas públicas para
proteção e apoio das pessoas e das florestas.
Em 2020, realizamos pesquisa de campo na comunidade Surucuá (Resex Tapa-
jós-Arapiuns) e entrevistamos 13 mulheres que receberam o crédito de instalação
“Fomento Mulher”, por meio do Incra, em janeiro de 2018 (MOTA, 2021). O objetivo
era descrever as percepções de beneficiárias do Fomento Mulher sobre a sua qualidade
de vida e o atendimento de suas necessidades.
Surucuá é uma comunidade localizada na margem esquerda do rio Tapajós,
possui cerca de 115 famílias, e em torno de 430 pessoas de acordo com informações
de 2018 do Agente Comunitário de Saúde. A distância da comunidade até Santarém
é de aproximadamente seis horas de barco. Surucuá não possui rede de energia elé-
trica, telefones celulares só funcionam em alguns pontos e a única rede de internet
disponível é a da escola.
Na comunidade há a Escola de Ensino Fundamental São Benedito, que oferece
estudo até o 9º ano do ensino fundamental, o Ensino Médio funciona por módulos
(Sistema de Organização Modular de Ensino – SOME). A comunidade conta ainda
com um microssistema de abastecimento de água, que é movido à energia solar e que
abastece toda a comunidade e com uma agroindústria, para o beneficiamento de pol-
pas de frutas. Esses dois últimos projetos (o microssistema e a agroindústria) foram
levados à comunidade por meio da Associação de Moradores e Produtores Rurais de
Surucuá- Rio Tapajós (AMPROSURT).
A economia de Surucuá é baseada na agricultura, pesca e caça para subsistência
e extrativismo, mas as alternativas para geração de renda ainda não são suficientes
para promover autonomia financeira das famílias. Um elevado percentual das famílias
é beneficiário de programas sociais para pessoas em situação de extrema pobreza, de
modo que, excluindo-se as bolsas pagas pelo governo pouco mais de 10% das famílias
possuem renda fixa (CEAPS, 2015). Abaixo, na imagem, uma representação de uma
Casa de Farinha, em Surucuá (Figura 6).
O RIO QUE NOS UNE
229
Figura 6 – Casa de farinha na comunidade Surucuá,

Resex Tapajós-Arapiuns, Pará, Brasil
Foto: Anne Gabriella S� S� Mota (2020)�
Na entrevista, buscamos encontrar as dimensões que compõem a qualidade

de vida daquelas mulheres, a partir do que elas nos responderam. As respostas delas
foram copiadas na íntegra e, depois, analisadas com um método chamado Discurso
do Sujeito Coletivo (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005). Esse método foi escolhido por
que valoriza as opiniões das pessoas entrevistadas sobre o tema estudado.
As respostas das 13 mulheres para as perguntas: “De modo geral, o que
uma pessoa precisa para ter Qualidade de Vida?” e “A senhora gosta de
morar mais aqui no Surucuá ou em Santarém, por quê?” geraram várias Ideias
Centrais (síntese do tema principal de cada depoimento), que por sua vez, geraram,
cada uma, um discurso do Sujeito Coletivo (LEFÈVRE; LEFÈVRE, 2005). Então,
esses resultados foram analisados e comparados com dimensões da Qualidade de
Vida, descritas por Costanza et al. (2007).
Qualidade de vida é uma relação entre ‘o atendimento de necessidades humanas’ e
‘a percepção de bem-estar que a pessoa tem sobre o atendimento dessas necessidades’
(COSTANZA et al., 2007). Com isso, explicamos que as dimensões da Qualidade de
Vida são os aspectos que compõem a vida de alguém, que podemos traduzir como
necessidades que essa pessoa gostaria de ver atendidas em sua vida, por exemplo:
alimento, abrigo, laços de afeto, segurança, liberdade, fé etc.
Por meio das respostas à primeira pergunta, nós registramos que as principais
Ideias Centrais (IC) elencadas pelas entrevistadas para representar as dimensões da
Qualidade de Vida são: ‘saúde’ (cinco) e ‘trabalho e renda’ (seis). Esses três aspectos
tratam da subsistência, ou seja, do atendimento das necessidades mais básicas. Essas
Ideias foram seguidas de ‘elementos Afetivos’ e ‘moradia Melhor’.
Além dessas Ideias, também houve seis mulheres que não souberam responder à
questão, construindo a Ideia Central “confusão e insegurança em responder”. Abaixo,
230
nós exemplificamos os Discursos do Sujeito Coletivo para as Ideias Centrais ‘Saúde’ e

‘Trabalho e Renda’.
A pergunta “A senhora gosta de morar mais aqui no Surucuá ou em Santa-
rém, porquê?” foi feita para as seis mulheres que não souberam responder à primeira
pergunta. E por meio dessa questão, nós captamos Ideias Centrais que têm semelhança
com outros aspectos da qualidade de vida. As principais Ideias Centrais encontradas
aqui foram: ‘gosta de viver no Surucuá’ e ‘sensação de liberdade no Surucuá’, ‘sensação
de segurança’, ‘conforto, tranquilidade e ar puro’ e ‘vida mais saudável no Surucuá’.
Em resumo, quando comparamos as respostas das 13 beneficiárias do crédito
Fomento Mulher em Surucuá com os textos de Costanza et al. (2007) e Gullone e Cummins
(1999), compreendemos que, na percepção delas, Qualidade de Vida é um conceito que
abrange: principalmente subsistência (representado por saúde, trabalho e renda, conforto
térmico/ambiental, tranquilidade e ar puro); seguido de Identidade, Lazer, Liberdade,
Bem-Estar emocional, segurança, conhecimento e laços de afeto (Figura 7).
Figura 7 – Aspectos da Qualidade de Vida de acordo com mulheres da

comunidade Surucuá, Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, Pará, Brasil
Laços de
afeto
Subsistência
Segurança
(saúde, trabalho e renda,
conforto térmico,
tranquilidade, ar puro)
Conheci-
Qualidade
mento Lazer
de Vida
Bem-Estar
emocional
Identidade
Liberdade
Fonte: Mota (2021)�

O RIO QUE NOS UNE
231
Saúde, Trabalho e Renda foram apresentados por elas como aspectos negativos
da sua Qualidade de Vida, ou seja, nestas áreas existem grandes carências, e, por-
tanto, oportunidade para atuação das Políticas Públicas, que para Sen (2010) podem
promover alternativas que as capacitem a atender essas necessidades. Nós sabemos,
por meio do relatório da ONU Mulheres (2017), que, quanto mais igualdade entre
homens e mulheres no acesso a direitos, menores são as taxas de pobreza, isso justifica
por que promover pesquisa e intervenção em favor da equidade de gênero. Por fim,
concordamos com Dorsa e Constantino (2018) que mostram que a busca de Quali-
dade de Vida é um caminho de equilíbrio entre evolução do mundo e a vida humana,
priorizando a proteção e preservação da dignidade da pessoa humana das presentes
e futuras gerações.
Neste capítulo procuramos abordar diferentes estudos sobre qualidade de vida
realizados na Flona do Tapajós e na Resex Tapajós-Arapiuns. Como falamos antes,
não se tem consenso sobre o conceito de qualidade de vida e por isso, não foi nossa
intenção fazer uma profunda conceituação, mas sim mostrar o que aprendemos com
as comunidades da Flona e da Resex.
O Índice de Desenvolvimento Econômico e Social de comunidades destas duas
Unidades de Conservação variou de médio a baixo desenvolvimento econômico e
social, mostrando que as comunidades precisam de apoio institucional no que tange
infraestrutura, comunicação e estimulo à produção e assim contribuir com aspectos
objetivos da qualidade de vida.
O estudo de satisfação com a vida na Flona do Tapajós aponta para ideias de
como melhorar esta percepção que os cooperados à Coomflona fazem com relação às
suas satisfações. Apesar de a maioria estar muito satisfeita, os cooperados mostram que
parcerias, neste caso a partir da Coomflona, podem ajudar a aumentar suas satisfações.
Ao estudar crianças da Resex Tapajós-Arapiuns, compreendemos que o bem-estar
subjetivo delas é favorecido quando elas podem brincar e se divertir, estando perto de sua
família e amigos, vivendo o amor, alegria, em paz e em harmonia. Para isso, elas precisam
de paz, carinho, respeito, harmonia, esperança, atenção e amor.
De modo semelhante, mulheres de uma comunidade da Resex revelaram que
para se ter qualidade de vida é necessário valorizar a saúde, o trabalho e a renda, sem
deixar de lado elementos afetivos e melhorias em suas moradias. Estas mulheres gos-
tam de viver em sua comunidade, pois lá têm sensação de liberdade e segurança, com
conforto, tranquilidade e ar puro, o que proporciona a elas uma vida mais saudável.
A qualidade de vida é um conceito que deve ser estudado a partir das experiências
relatas por uma pessoa ou povo. Desta forma, podemos entender a compreensão que
se tem com sua vida e o que precisa para melhorar. Resultados como estes podem ser
apresentados a tomadores de decisão e gestores, para que possam pensar junto com
as comunidades, medidas de melhorias da qualidade de vida destas pessoas.
232
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CAPÍTULO XV
COSMOLOGIA, CONHECIMENTOS
E OS SABERES TRADICIONAIS DAS
COMUNIDADES E ALDEIAS NA FLONA
DO TAPAJÓS E RESEX TAPAJÓS-ARAPIUNS
Florêncio Almeida Vaz-Filho
Auricelia dos Anjos
Veraneize dos Anjos
Introdução
Os moradores das comunidades e aldeias indígenas localizadas na Floresta
Nacional (Flona) do Tapajós e na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns,
nos municípios de Aveiro, Belterra e Santarém, no Oeste do Pará, são herdeiros de
uma rica tradição sociocultural, principalmente dos seus ancestrais indígenas. Não à
toa a maioria das comunidades está localizada junto a igarapés e enseadas, e próximo
a terras pretas. Sinais de uma convivência milenar nesses territórios, que vem de tempos
pré-coloniais, evidenciada pela memória sobre guerras, visagens e seres encantados,
entre outras referências históricas e culturais.
Após quase quatro séculos do estabelecimento das missões jesuíticas em Santa-
rém (1661), Pinhel (1722), Vila Franca (1723) e Boim (1737), que marcou o início da
colonização dos nativos, também fica evidente o impacto da influência cristã e euro-
peia. A herança africana também se pode notar, mesclada com as crenças associadas
à pajelança e nas folias nas festas de santo. Entretanto, as pesquisas mais recentes
mostram que a cultura dessas comunidades e o seu modo de ser não é soma de partes,
e sim um processo dinâmico de apropriação e recriação: preservação e invenção de
tradições (IORIS, 2014; LIMA, 2015; VAZ FILHO, 2010), sempre a partir de saberes
e conhecimentos tradicionais. Neste artigo vamos apresentar apenas as principais
manifestações da cultura e dos saberes tradicionais de comunidades (indígenas e não
indígenas), com destaque para as crenças da pajelança, medicina tradicional, reciproci-
dade dos puxiruns e da putáua, bem como as festas de santos e os torneios de futebol.
Os moradores da Resex Tapajós-Arapiuns e da Flona do Tapajós prezam muito
pela tradição oral, através da qual demonstram conhecimento de seus territórios e
da sua história. Relatos passados de geração a geração tecem continuidades com o
futuro, que se esforçam para moldar. As rememorações propiciadas por esses relatos
reforçam identidades (“nasci no Arapiuns”, “essas trincheiras de Pinhel são do tempo
dos cabanos”, “meu bisavô era munduruku, puro índio” etc.) e demarcam lugares
COSMOLOGIA, CONHECIMENTOS E OS SABERES TRADICIONAIS DAS
COMUNIDADES E ALDEIAS NA Flona do Tapajós E RESEX TAPAJÓS-ARAPIUNS
238
tradicionalmente ocupados, deixados como legado por seus antepassados. Também

falam de saberes e práticas, que passamos a apresentar.
Pajelança, encantados e medicina tradicional

As crenças dos moradores da Resex Tapajós-Arapiuns e da Flona do Tapajós
expressam a relação quase umbilical com as águas e florestas, sua imensidão e seus
mistérios. Para eles, esses lugares são habitados por visagens (espíritos dos mortos) e
bichos ou encantados (espíritos da própria natureza). As florestas possuem uma dimensão
sobrenatural, onde vivem seres como a Curupira, o Mapinguari e as Mães dos animais,
o que é confirmado pelos pajés, curadores e benzedores (CARVALHO; VAZ FILHO,
2013; VAZ FILHO, 2016).
A Curupira é, seguramente, o encantado da floresta mais citado pelos morado-
res, principalmente os caçadores, que costumam entrar mais frequentemente na mata
fechada. Defensor dos animais silvestres, que costuma viver entre as raízes das gran-
des árvores samaumeiras, ele é um dos seres míticos que resistem bem às mudanças
ambientais e ideológicas que ocorrem entre essas comunidades indígenas e ribeirinhas
(VAZ FILHO, 2020). Já, em se tratando de encantado habitante das águas, predomi-
nam os relatos sobre o Boto e suas peripécias. Todos os moradores demonstram certo
temor e respeito pelos botos, principalmente as mulheres que tem medo de serem suas
vítimas. Acredita-se que o Boto, quando toma a forma de homem e anda em terra,
pode seduzir, engravidar e até levar as mulheres para o encante, o que significa a morte.
A consciência de que rios e florestas são encantados gera uma mistura de temor
e reverência com relação à natureza, e uma necessidade de respeito. Por isso, é preciso
sempre “pedir licença” para entrar nas águas e nas matas, suas casas. Eles são tidos
como se fossem outras pessoas, com as quais os humanos estão em intensa relação
(WAWZYNIAK, 2008). Por exemplo, uma anciã da aldeia Solimões, rio Tapajós, cos-
tumava levar parentes que chegavam da cidade até à beira do igarapé, onde falava alto
em direção às águas, como se falasse com a mãe do lugar: “Olha, vim te apresentar os
meus netos, pra tu saber quem são e não malinar deles”.
Na Introdução da obra “Isso tudo é encantado” (VAZ FILHO; CARVALHO,
2013), Florêncio Almeida Vaz Filho resumiu bem esta visão de mundo dos indíge-
nas e ribeirinhos da Resex. E a descrição se aplica também aos moradores da Resex
Tapajós-Arapiuns e da Flona: Os moradores acreditam que existe
[...] uma realidade material e outra espiritual bem conectadas e ordenadas em quatro
níveis ou dimensões: [1] no fundo das águas (rios, igarapés e lagos) estão os encantados
ou o encante – é um mundo mágico que não podemos ver sempre, a não ser quando
alguém de lá se apresenta a nós, ou quando alguém de nós é levado para lá pelos
pajés ou em sonho; [2] mais acima estão os espíritos ou bichos da terra, que habitam
no interior da floresta fechada, nas árvores grossas, nas baixas, pontas de pedras e
caminhos – são como os encantados, mas não habitam cidades encantadas como aqueles.
Os bichos do mato moram em seus pontos isolados, nas suas casas. As visagens, que
aparecem nos povoados e nos caminhos, estão neste nível; [3] no mesmo mundo
O RIO QUE NOS UNE
239
físico, mas numa dimensão diferente, estão os humanos e os demais animais selvagens
e domesticados, plantas e minerais e; [4] Muito acima destes três níveis estão o céu e
o inferno cristãos, lugar de Deus, dos santos e das pessoas boas e lugar dos demônios
e das pessoas más, respectivamente (VAZ FILHO, 2013, p. 19).
Os espíritos tidos como protetores do meio ambiente são os do primeiro e

segundo níveis. Essa crença constitui um elemento fundamental na vida religiosa dessas
pessoas. Tanto que, em todas as comunidades vamos escutar que existem determinados
locais respeitados por se tratar de encante, pois o mundo sobrenatural existe debaixo
de rios, praias, igarapés e pontas de pedras.
O encante é como uma cidade, cheias de riqueza onde tudo brilha intensamente,
onde vivem Botos, Cobras Grandes, Sereias e outros encantados, além das pessoas que
foram encantadas. É também chamado de fundo, por estar em uma dimensão abaixo
desta onde vivem os humanos. Como há encante em todas as comunidades, podemos
afirmar, como falou Dona Maria Santana, da aldeia Nova Vista, enquanto olhava a
extensão do rio Arapiuns: “isso aqui tudo é encantado!” (VAZ FILHO, 2013, p. 19).
Na dimensão sobrenatural da floresta, existem as mães de bichos, que são as
entidades protetoras de cada espécie animal. As árvores samaumeiras mais grossas
também têm mães que moram dentro delas, que são as curupiras. Os lugares têm suas
mães, por exemplo os igarapés e lagos. Essas mães estão sempre atentas para proteger
os animais, os lugares e as árvores da ação dos humanos.
Ora, nesses mesmos lugares (terra e florestas), no terceiro nível, vivem também
os humanos. As pessoas transitam constantemente nesses espaços partilhados com
os demais seres. Então, espíritos e humanos têm que conviver nos mesmos lugares,
sem se chocarem. E essa relação harmônica é possível, como mostram as histórias
de caçadores presenteando a Curupira com tabaco e cachaça (CARVALHO; VAZ
FILHO, 2013). A base dessa convivência pacífica entre humanos e a natureza será
sempre, voltamos a enfatizar, o respeito.
Quando essas relações harmoniosas são rompidas e as pessoas sofrem as retalia-
ções dos encantados, é hora de apelar aos pajés, curadores e benzedores. Alguns fale-
cidos pajés tidos como muito poderosos são lembrados até hoje, como Merandolino,
no rio Arapiuns, e Laurelino de Taquara, na Flona do Tapajós. Indígenas e moradores
do rio Arapiuns acreditam que o Merandolino continua vivo, na Ponta do Toronó, na
forma de uma cobra grande. Em muitas comunidades há benzedores e pajés.
Pajés são pessoas que receberam o dom da cura, e são chamadas para enfrentar
várias enfermidades, o que fazem com a ajuda dos espíritos encantados, e tratamento
à base de defumações, banhos, chás e dietas. Sobre os pajés, Florêncio Almeida Vaz
Filho (2016, p.14) afirma:[...] não se pode falar das cosmologias dos povos que vivem
nesta região sem falar da importância que os pajés ou curadores têm na manutenção
da ordem espiritual e material. Como a pajelança constitui o sistema pelo qual os
indígenas e ribeirinhos interpretam e agem no mundo, esses sacerdotes e sacerdotisas
do povo se fazem necessários sempre que ocorrem desarranjos. É a hora de defumar,
benzer, costurar, puxar os ossos para seu lugar etc.
240
No Baixo rio Tapajós, a pajelança passou a ser um fator determinante para a

retomada da identidade indígena a partir dos anos 1990, com o já citado pajé Laurelino
de Takuara que, mesmo antes da reorganização do Movimento Indígena, se afirmava
publicamente como indígena munduruku. Devido ao seu enorme prestígio, tal atitude
foi decisiva para sua aldeia e as demais assumirem a identidade indígena perante os
órgãos governamentais e sociedade em geral (IORIS, 2019; VAZ FILHO, 2016).
O quarto nível deste universo (céu e inferno) parece não ter uma ligação mais
imediata com a sua vida. Sabe-se que existe, mas isso não tem maiores consequências
no cotidiano das pessoas. É preciso registrar que os grupos evangélicos dão uma ênfase
muito grande ao céu e ao inferno, a Deus e ao Diabo, respectivamente. De modo que
as suas práticas sociais são divididas entre aquelas que podem levar os fiéis ao céu,
ou ao inferno. No entanto, a grande maioria dos moradores da Resex e da Flona se
dizem católicos e são os que mais conservam essa visão da natureza como encantada
e morada de espíritos, o que é rechaçado pelos evangélicos.
Os santos são os seres do quarto nível com os quais os moradores (com exceção
dos evangélicos, lembrem-se) têm mais relações, mediadas por orações e promessas,
principalmente nas ocasiões de perigo, doença e morte. Além do santo(a) padroeiro(a)
da comunidade, as pessoas têm seus santos de devoção, e algumas famílias fazem festas
para seus santos particulares, simbolizados em imagens que herdaram dos antepassa-
dos. Exemplos: São Benedito, em Pinhel; São Sebastião, em Jurará; e São Tomé, em
Cametá, no rio Tapajós, município de Aveiro. Nessas festas é possível ver a relação
familiar e afetuosa que as pessoas têm com o santo.
Assim, como “conversam” com os encantados e procuram respeitar as suas
normas, os moradores também têm formas de se comunicar com os santos, através de
orações, procissões, missas, ladainhas e festas de santo. Fazem promessas e, recebem
a graça da parte do santo, pagam a promessa com donativos, além da própria ida até
a festa para homenagear o santo: “Enquanto vida eu tiver, todo ano eu venho passar
a festa desse santo”, dizem vários devotos.
Essa relação de reciprocidade entre devoto e o santo parece muito com a antiga
tradição da putáua, do prazer de presentear e sentir que isso agrada aos que recebem
as oferendas. E quem recebe os dons se sente na obrigação de retribuir. Parece a
mesma lógica que está por trás da relação do caçador com a Curupira: pediu, recebeu,
retribuiu. O santo insere-se também no ciclo das trocas de presentes.
A relação com os santos demonstra que eles estão bem próximos dos humanos,
mais na terra do que no distante céu, podendo ser invocados em momentos de aflição.
Por intermédio das suas imagens, é possível tocar, pedir a bênção e até beijar o divino,
o que ocorre normalmente durante as ladainhas. Conduzidas por líderes católicos lei-
gos, as ladainhas são invocações aos santos feitas de forma cantada. Há um tom meio
choroso e arrastado, quase como um lamento, que faz com que homens e mulheres
dirijam o olhar devoto à imagem do santo. Quando, ao som das folias, as pessoas
beijam a imagem do santo ou as fitas presas a ela, pode-se observar a transcendência
dessa relação, como se os santos baixassem ao nível dos humanos, ou os humanos se
elevassem ao nível do divino (VAZ FILHO, 2010).
O RIO QUE NOS UNE
241
Um sistema de crenças sobre o relacionamento das pessoas com os mundos natu-

ral e sobrenatural envolve ainda as passagens de um lado para o outro. Acredita-se que
algumas pessoas podem se ingerar (transformar) em animais. Os encantados, por sua
vez, também podem se mostrar aos humanos, tomando a forma de gente e de ani-
mais. Isso ocorre normalmente quando desrespeitam seus domínios, e os seus ataques
deixam as vítimas doidas, assombradas ou com outras enfermidades. Uma pessoa fica
assombrada quando a sua sombra (uma espécie de segunda alma) é levada por um bicho ou
encantado. Se a sombra não for resgatada por um curador, a vítima pode até morrer
(WAWZYNIAK, 2008).
Benzedor, rezador, pajé e puxadores, esses especialistas são imprescindíveis nas
comunidades, por terem o dom de curar os males do corpo e da alma (VAZ FILHO,
2016). Estão em todas as comunidades. Quem mais demanda benzedores são as crian-
ças vítimas de quebranto ou mau olhado. Se a especialista for mulher, quase sempre
terá também conhecimentos para puxar ou endireitar o bebê ainda na barriga da mãe.
Há situações mais graves de acesso de loucura – ou até de suspeita de feitiçaria –
quando os moradores precisam procurar um pajé mais poderoso fora da Resex e da
Flona, como é o caso do curador Pedrinho, que vive atualmente na cidade de Curuá.
Ainda são muito lembradas as façanhas do Pajé Merandolino que, pelos nossos
cálculos, viveu no rio Arapiuns até pelo menos a década de 40, famoso por andar
pelo fundo (LIMA, 2015; VAZ FILHO, 2010). Sob a forma de um encantado, hoje ele
estaria vivendo debaixo da Ponta do Toronó, rio Arapiuns. Até a sua morte em 1998,
na aldeia Takaura (Flona), o curador Laurelino Floriano Cruz, que se dizia discípulo
de Merandolino, era reconhecido como o maior pajé na região (IORIS, 2014). Os
moradores recorriam a ele em busca da cura de encosto, assombro de bicho e suspeitas
de feitiçaria. Assim como Merandolino, Laurelino era reconhecido como pajé sacaca,
aquele com poder de viajar para o encante.
Atualmente, só o curador Pedrinho de Curuá é reconhecido como verdadeiro
sacaca pelos moradores do Baixo Tapajós, que muito o procuram. Mas há vários pajés
nas comunidades, e citamos apenas como exemplos: Guilherme Floriano, em Takuara,
e Gracinha Pedroso, em Itapaiuna (rio Tapajós, Flona); Oneide Cardoso, em Pinhel,
rio Tapajós, Dona Suzete Kumaruara em Solimões (rio Tapajós, Resex) e Seu Valico
em Nova Vista (rio Arapiuns, Resex).
O certo é que esses especialistas são fundamentais para restituir e manter a ordem
espiritual nessas comunidades. Se houve falta de respeito, é preciso defumar, benzer
e trazer a sombra de volta. Segundo a crença local, sombra é uma espécie de segunda
alma que cada pessoa tem. Para curar o quebranto ou o mau olhado, só a intervenção
de um benzedor. A pajelança, segundo Vaz Filho (2016), é o sistema segundo o qual
os moradores interpretam e agem no mundo, e não somente em temas ligados às
doenças, mas também a todas as outras situações da vida.
242
Casas, rios e roçados: reciprocidades, territórios e bem-viver

Alguns elementos são muito presentes na prática cultural dos moradores. Des-
tacamos: a putáua, os puxiruns, os remédios tradicionais, os hábitos alimentares que
envolvem os derivados da mandioca e uma linguagem muito própria. São tradições
antigas, como os puxiruns, que mais pareciam festa do que trabalho.
Compartilhar, preocupar-se com os parentes e mais próximos, cooperar na reali-
zação de atividades voltadas para o coletivo são características dos moradores e fazem
parte de uma herança cultural na região do baixo Tapajós. O Padre João Felipe Bet-
tendorff (2010, p. 184) contou que, ao chegar na aldeia dos Tapajó em 1661, recebeu
putabas de um grupo de senhoras, indicando que o costume de compartilhar alimentos
já era comum entre os indígenas que viviam no rio Tapajós naqueles tempos. Ainda
hoje, é interessante constatar que a palavra putáua e a sua tradição estejam bem vivas.
Isso significa que a lógica ainda é a mesma: a solidariedade na partilha dos alimentos
na comunidade (VAZ FILHO, 2010).
Putáua é uma palavra de origem Tupi, que depois foi incorporada pelo Nheen-
gatu, língua falada até o início do século XX no baixo Tapajós. Significa, literalmente,
aquilo que se dá, gratuitamente. Um presente, mas que carrega consigo a obrigação
moral da retribuição. Todos sabem que a retribuição deve vir. Há uma rede de trocas
que estabelece o quê, com quem e quando trocar. Assim, evita-se o acúmulo em algu-
mas casas e a escassez em outras A rede envolve os parentes, compadres, vizinhos
e amigos, dentro da comunidade. Pessoas mais necessitadas ou enfermas também
recebem a sua putáua.
A troca de dias de trabalho nas roças (o puxirum) também se insere na mesma
rede. A família que compartilha o seu trabalho na roça dos outros vai receber, depois,
o presente de volta quando for o dia do seu puxirum. Há entre essas pessoas um grande
vínculo de amizade, reciprocidade e respeito. A rede não fica somente entre moradores
do mesmo lugar, mas se estende também entre comunidades, como no caso da troca
de visitas entre os clubes de futebol, que vamos abordar mais à frente.
O puxirum tem passado por reelaborações. Até recentemente a palavra significava
a reunião de um grupo de pessoas de diferentes famílias para realizar trabalhos na
roça de alguém. Animadas pelo reencontro, as pessoas cantavam e dançavam, antes
e depois do trabalho, e havia muitas conversas, risadas e alegria. Hoje, esse tipo de
puxirum já não é mais tão comum nas comunidades. Diminuiu o número de famílias
que cultivam roças mais intensamente, e o velho sistema envolve só os parentes e
amigos mais próximos. A partilha da vida coletiva continua, mas em uma escala menor.
E também na construção de casas de famílias, limpeza de caminhos e ruas na área
urbana das comunidades ou aldeias, conserto de pontes etc.
Ainda que, vistas do meio do rio, as casas dos moradores pareçam um pouco
isoladas, a dinâmica que se desenvolve debaixo da floresta e na beira dos rios é de
intenso compartilhamento de comida, trabalho, informações, afetos e cuidados. Exis-
tem caminhos que conectam todas as comunidades entre si, pela mata e pelos rios.
Entre as comunidades da Flona, interligadas por estradas mais largas, passam carros
e ônibus também.
O RIO QUE NOS UNE
243
Em todas as oportunidades de visitas às casas e às roças, as pessoas aproveitam

para levar mudas de maniva ou de outras espécies florestais alimentícias ou medicinais.
O dono da roça presenteia com prazer, e mais tarde ele também vai trazer outras mudas
de plantas de uma próxima roça do puxirum. É importante ressaltar que a troca de
plantas medicinais, geralmente feita entre as mulheres, exímias conhecedoras de suas
propriedades curativas, é o que faz com que em praticamente todos os quintais das
casas de famílias exista uma espécie de farmácia natural viva.
Na hora das necessidades, o morador não precisa pagar pelas plantas e remédios
caseiros, que lhe chegam de todos os lados. Ou melhor, ele vai retribuir mais tarde,
como puder. Porque ajudar quem precisa é um valor muito respeitado nessas comuni-
dades. A partilha desses conhecimentos medicinais, herança dos ancestrais, justamente
nas horas mais difíceis, fortalece os vínculos afetivos e de solidariedade grupal.
Outro elemento a destacar é o uso da linguagem como um canal de expressão
da vivência e das experiências dos moradores. Por meio dela se afirmam e constroem
as identidades das quais as pessoas sentem muito orgulho, como o fato de serem de
uma determinada comunidade e de um rio. Não é à toa que, numa festa de torneio
de futebol, enquanto bebe na sua mesa, um grupo de jogadores manda um recado
para o vocalista da banda, que logo anuncia ao microfone em alto e bom som: “Um
abraço pros meus amigos do Mentai, de São Pedro, Arapiranga e Paranapixuna”. O
contentamento de escutar publicamente o nome da sua comunidade é uma afirma-
ção de identidade. É interessante que grande parte dos nomes das comunidades é de
origem indígena.
Essas identidades locais, com seus sotaques e gírias, se agrupam em identidades
maiores. É como se “o pessoal do Tapajós” tivesse uma maneira de ser e se expressar
própria, assim como “o pessoal do Arapiuns”. Claro que todos falam português, mas
o jeito de falar português em um rio tem suas especificidades em relação ao outro.
No Dicionário Papa Xibé, Vaz Filho (2018) afirma que o modo de falar na região
do Baixo Tapajós tem uma particularidade, que inclui expressões, entonação e sotaque
bem típicos. Isso significa que a nossa forma de falar é também parte do nosso pró-
prio modo de ser, e por isso causa certo orgulho nos moradores. Uma curiosidade: a
tradução da palavra nheengatu para o português é “fala boa”. Nheengatu é a antiga
língua esquecida e que que atualmente está sendo ensinada nas escolas nas aldeias.
Os indígenas se orgulhavam da sua língua. Os seus descendentes que se identificam
como indígenas nas atuais comunidades, também.
Esse nosso jeito de falar foi sendo construído ao longo dos séculos de colonização
na região e, apesar da imposição do português, foram conservados muitos vocábulos
indígenas que designam lugares (Suruacá, Cametá, Anunã, Anã etc.), frutas (piquiá, uxi,
pirauixí, miri etc.), utensílios domésticos (cuia péua, panaku, jamanxim, tipiti etc.), plantas
(mucuracaá, curuá, mangarataia, tajá etc.). Muitos termos indígenas seguem vivos na fala
cotidiana dos moradores, confirmando a particularidade de sua linguagem.
Após quase 400 anos do estabelecimento dos colonizadores, os moradores das
comunidades, descendentes dos antigos indígenas, ainda conservam essas palavras
usadas por seus tataravôs. Isso demonstra que essa memória é importante para a sua
tradição. O mesmo podemos dizer dos apelidos muito comuns entre os moradores.
244
Apesar dos nomes de registro oficial, persiste o costume meio rebelde de nomear as
pessoas com termos que remetem à natureza, como: Pindoba, Cutia, Paca, Traira,
Gozó, Cujubinha, Ticuã e Japiim, entre outros.
Desde 2007, as escolas indígenas têm feito um esforço no ensino da língua
nheengatu. A luta contra o esquecimento, arduamente travada pelos nossos antepas-
sados, agora é nossa. É necessário despertar nos jovens e crianças o interesse pelo
aprendizado dos nomes e histórias antigas. Nas comunidades há uma população
expressiva de idosos, guardiães da memória local, aqueles que contam as histórias dos
tempos antigos, dos “índios”, dos “cabanos” e dos “primeiros moradores”. Contam
histórias sobre Jurupari, Curupira, Patauí, Anhanga etc. Alguns desses idosos são
benzedores e puxadores, e nas suas orações repassam conhecimentos fundamentais
para a continuidade da sua cultura.
Para captar esses saberes dos mais velhos é necessária a escuta atenta e respeitosa ao
modo como o outro se expressa, para que este não se sinta diminuído frente aos que falam
com sotaque típico das cidades, ou que acham que sabem falar “mais bonito” (ANJOS,
2008). Esse é um desafio enorme, diante da crescente presença da televisão e da internet
nas comunidades, trazendo novas expressões para o linguajar dos moradores.
Depositários dessa sabedoria do encantamento da vida na floresta, os idosos se
recusam a mudar para as cidades. Dizem que é ali onde querem morrer e ser enter-
rado. Além dos idosos, há jovens que retornam para as comunidades, após passarem
muitos anos trabalhando em Manaus, por exemplo. Essas pessoas emigraram muitas
vezes motivadas pelo discurso de buscar uma “vida melhor”. Voltam dizendo que,
a experiência de morar em distantes bairros periféricos, acordar de madrugada para
pegar os ônibus lotados, e voltar tarde da noite, cansados, para barracos apertados e
quentes não é o bem viver que eles queriam. Descobriram que o que buscavam estava
nas suas comunidades, junto às suas raízes e sua gente.
Festas de Santo
Um aspecto bem visível da cultura das comunidades da Flona do Tapajós e da
Resex Tapajós-Arapiuns é o gosto pelas festas. Os moradores demonstram muito pra-
zer em estar reunidos em eventos com música, danças, bebidas e futebol. Até os anos
1970, as festas de santo eram os maiores acontecimentos festivos na região. Além das
celebrações, procissões e ladainhas, havia a festa dançante. Mas aos poucos, a Igreja
Católica foi esvaziando as festas de santo do seu aspecto lúdico e dançante, proibindo as
viagens de esmolação feitas pelos foliões, a festa dançante e o consumo de bebidas alcoó-
licas, principalmente. No dia tradicionalmente dedicado ao santo, restou apenas a “festa
religiosa” com ritos católicos. Uma “festa social” do padroeiro, com música e dança, é
realizada muito dias depois, mas já sem a animação típica de quando a festa era uma só.
Ainda assim, os moradores resistem e usam a criatividade para garantir sua festa.
Algumas comunidades continuam fazendo a festa dançante no dia do santo. Em São
Pedro do rio Arapiuns, no dia do padroeiro São Sebastião, só fazem a festa religiosa.
Mas no dia de São Pedro, que não é o padroeiro local, promovem uma das maiores
O RIO QUE NOS UNE
245
festas de santo da região, onde há inclusive festa dançante. Esse exemplo serve para
ilustrar o que ocorre em outras comunidades. São doze dias de festejo, que iniciam
com a levantação do mastro no dia 19 de junho. Continua nos outros dias, com alvoradas
e ladainhas em latim, acompanhadas pelos foliões.
No dia 29 de junho, dia de São Pedro, o padre celebra a missa e outros sacra-
mentos. No final da tarde, há o tradicional castelo, que é uma apresentação de luzes
coloridas sobre o espelho d’água do rio Arapiuns. Velas são colocadas em recipientes
que são soltos na beira do rio de forma harmônica, para que sigam a correnteza. Sob
o escurecer da noite, resulta em um espetáculo muito bonito. Ainda há bingos, danças
juninas/regionais e uma tradicional festa dançante. No dia 30, há o encerramento da
festa, com a apresentação da dança dos pretos, quando pessoas pintadas de preto repre-
sentam de forma caricata uma família de negros. No mesmo fim de junho é realizada
evento semelhante em Pinhel, rio Tapajós: a festa do Gambá, dedicada a São Benedito.
Aproveitamos para lembrar que a própria história da escolha do padroeiro faz parte
da sua mística e fama. Faz muitas décadas, na mesma comunidade São Pedro, a popula-
ção estava passando por uma peste (epidemia), e os moradores fizeram a promessa a São
Sebastião, que se o povo fosse curado daquela doença, o santo passaria a ser o padroeiro
da comunidade, e assim se fez. Já em Takuara, na Flona, Nossa Senhora Aparecida foi
escolhida padroeira pelo patriarca do lugar, o conhecido pajé Laurelino Floriano.
Quando a comunidade faz apenas a festa religiosa, as pessoas fazem a sua festa
no ambiente mais doméstico. Até porque nessas datas, alguns ex-moradores que já
vivem na cidade visitam a comunidade para passar a festa com os parentes e conhecidos.
Então, com a casa cheia e animada, a festa acaba acontecendo. A expressão passar a festa
significa também uma forma de agradecer ao santo, prestigiando-o na sua celebração
(VAZ FILHO, 2010). As pessoas chegam de diferentes locais, em barcos e bajaras, as
populares canoas motorizadas. De alguma forma, as festas de santo continuam sendo
ocasiões importantes de celebração piedosa e de brincadeiras dançantes.
Existem também as festas de santo de devoção familiar, que não estão submeti-
das ao controle eclesiástico, como é o caso das festas de São Benedito em Pinhel, São
Sebastião no Jurará e São Tomé em Cametá. Tais festas conservam a antiga tradição
das festas de ramada, com mastro, folias, esmolação, ladainhas e bebidas e música
dançante. As famílias promovem ladainhas em suas casas, que se enchem de devotos,
a quem ofertam um pequeno lanche. Aqui se nota de novo a tradição da putáua, do
prazer de presentear. No ritual da esmolação, os devotos doam mantimentos, velas ou
fogos de artifício como pagamento de promessas, ou dons, já em vista de graças futuras.
Soltar fogos de artifício é também comum como forma de pagamento de promessa
(VAZ FILHO, 2010).
É compreensível o apego dos moradores às festas de santo, com muita música,
dança e bebida, pois isso é uma herança que vem desde as missões jesuíticas implan-
tadas no baixo tapajós nos séculos XVII e XVIII. Das cinco missões daquele período,
três estavam no que hoje é a área da Resex: Pinhel, Vila Franca e Boim. Foi naquelas
missões, e no período imediatamente posterior, que os indígenas elaboraram essa
ideia de que os santos gostam de festas com muita cantoria, bebida e dança. Foi uma
estratégia de resistência frente à imposição do padrão religioso dos missionários. Isso
246
não se fez sem tensões e confrontações. Os moradores se lembram que até os anos
1960 os missionários proibiam as festas de santos vistas por estes como “profanas”.
Então, preservar essa tradição é de algum modo manter a sua referência de identidade
local e cultural.
É bom insistir mais uma vez que os moradores evangélicos não têm esse apego
aos santos e muito menos às festas a eles dedicadas. O culto a Nossa Senhora e aos
santos cristãos não faz parte das suas práticas devocionais. Portanto, o que estamos
falando aqui vale apenas para os católicos, que são a maioria dos moradores.
Os festivais são uma modalidade de festas que tem se popularizado muito nas
últimas décadas nessas comunidades. Além das quermesses juninas, organizadas pelas
escolas ou grupos de carimbó e quadrilhas, há uma variedade de festivais. Os mais
comuns são os festivais ligados à alimentação. Citamos como exemplo, o Festival do
Açaí em Piquiatuba e o Festival do Tucunaré em Pini, ambos na Flona. A comunidade
de Cametá, na Resex Tapajós-Arapiuns, realizou durante anos o Festival da Caratinga,
um pequeno peixe muito saboroso e comum no rio Tapajós.
Torneios de futebol
A prática do futebol é muito comum nessas comunidades e aldeias. Tanto que
todas têm o seu campo de futebol. Ha lugares com apenas um clube de futebol, mas
as comunidades com mais habitantes, tem mais clubes e mais campos. Os treinos
acontecem principalmente nos finais de semana. Os torneios de futebol se tornaram
as maiores festas de diversão na região, maiores até do que as festas de santo, pelos
altos valores envolvidos e pelo número de participantes. São verdadeiros espetáculos.
Os torneios vêm passando por modificações, principalmente com relação à
intensidade e quantidade de participantes, que se aceleraram a partir dos anos 1990.
As promoções, os torneios menores envolvendo os clubes locais e das comunidades
vizinhas, também se popularizaram. Hoje, é comum que aconteçam promoções em
quase todos os finais de semana, por iniciativa dos clubes de futebol, de grupos de
jovens, da Igreja, da Delegacia Sindical do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais
(STTR), entre outros. São formas de os grupos angariarem recursos financeiros para
suas atividades. Esses minitorneios acabam servindo como treino para os atletas
enfrentarem em melhores condições as disputas mais acirradas nos torneios maiores.
Como essas festas são a principal atividade de lazer e encontros, as pessoas não
medem esforços para participar. Muitos trabalham a semana toda para conseguir
dinheiro para gastar na festa. Há uma enorme ansiedade pelo encontro com pessoas
de outros lugares, a possibilidade de achar namorados(as) ou reencontrar amigos.
Para quem é das comunidades e mora na cidade, a festa já inicia na sexta à noite, na
saída dos barcos, que levam as bandas de música. Outros barcos e bajaras saem das
comunidades vizinhas. Encontro e diversão, isso os torneios têm muito.
O mais completo estudo sobre esses torneios na região é a tese de doutorado
de Thaís H. Medeiros (2019), “Rios de dádivas e dívidas: trocas, jogo de futebol e
festa entre comunidades e aldeias dos rios Arapiuns e Tapajós – Pará”. Ela confirma
O RIO QUE NOS UNE
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nossas próprias vivências e pesquisas nas comunidades, além de evidenciar o que real-
mente está no centro desses grandes eventos, para além das disputas entre os clubes
de futebol. Os torneios, onde os moradores se divertem, são como uma “metáfora”
da sua vida. Ainda que haja intensa circulação de mercadorias e dinheiro, e que seja
necessário pagar para entrar na sede da festa, o que reina entre os participantes é a
velha reciprocidade.
Todo o processo se baseia em acordo mútuo, que envolve os atos de dar, receber
e retribuir (MEDEIROS, 2019). Os grandes torneios são o palco onde essa putáua
coletiva é realizada. Os objetos da transação são jogos de futebol, pacotes de cerveja
e entradas na festa, mas os resultados são relações de amizade e ostentação. Os fes-
teiros(as), sob o título de seus clubes, fazem trocas na base do crédito-dívida e, assim,
garantem a continuidade do fluxo dos torneios-festa, pois estão o tempo todo pagando
antigas dívidas e juntando novos devedores, reforçando seus laços culturais, identitários
e de solidariedade social. Todos dependem de todos. Assim, entendemos por que os
anfitriões começam a organizar um torneio seis meses antes, e os convidados saem das
comunidades fazendo muitos gastos. Não é só “pra ganhar jogo”. Vejamos melhor.
Aparentemente, o que faz os clubes se movimentarem é a necessidade de pagar
e ganhar visitas, pois, para realizar o torneio, um clube deve já ter ganhado visitas e ter
a garantia da vinda de clubes convidados. Mais tarde, esses clubes receberão a visita
de retribuição nos seus torneios. E assim sucessivamente. O pagamento das dívidas é
negociado entre todos os clubes, em relações mútuas de confiança e honra. Os clubes
representam o bom nome da sua comunidade, e por isso não podem jamais deixar de
cumprir com sua “palavra”, documentada em simples cadernos de anotação. Deixar de
devolver uma visita e contribuir no torneio do vizinho seria tornar-se desprestigiados
na rede de relações dos torneios. E ter credibilidade é tudo.
No sábado de manhã, as equipes chegam e fazem as inscrições para a disputa.
Começa a apresentação da música com um tecladista, e também inicia o torneio de
campo, com 11 jogadores de cada lado, o que está cada vez mais raro. O torneio só
de penalidades, ou de chutes de bola em direção à trave, é uma inovação recente que
está se alastrando. Porém, existem clubes que mantém a tradição e realizam apenas
torneios de jogo de campo, ainda que com o tempo de jogo reduzido, devido ao
grande número de times inscritos, sem torneio de penalidades. O bar também abre
cedo. Após o almoço começa o torneio de duplas, de pênaltis. As duplas comemoram
os seus gols, junto com sua equipe e torcida, que são seus colegas de comunidade. Se
ganham o torneio, chegam a chorar de emoção, o que demonstra que há muito mais
elementos em disputa do que simplesmente o número de gols.
Até o final do século XX, a banda se apresentava somente à noite. Hoje, com
várias bandas no mesmo torneio, a música inicia durante o dia e entra pela noite. Mas
a banda principal, mais cara e com corpo de bailarinos, faz seu show só à noite na sede
da festa. Há casos de o torneio apresentar uma celebridade, como fez o Cruzeiro de
Anã, que trouxe o ídolo paraense Wanderley Andrade, ou o Tuna Luso de São Miguel
que trouxe a banda Amazon Beach, “direto de Manaus”.
Cada clube se junta ao redor de uma banca (mesa), o seu território demarcado na
terra alheia. Por exemplo, a banca do América de Boim (Resex), do Santos de Maguari
248
e do Barcelona do Jaguarari (Flona), entre outras. É seu ponto de referência para curtir
a festa e, principalmente, beber muita cerveja, pois a disputa não é apenas ganhar no
torneio de futebol. Também há prêmios para quem comprar mais caixas de cervejas.
Alguns participantes mais exagerados bebem até derramar cerveja. Importa comprar
e ostentar. A grande quantidade de latinhas exposta em cima das mesas diz muito
sobre a distinção dos seus ocupantes.
O consumo de cervejas produz e reafirma posições de pessoas e comunidades
umas diante das outras. O ato de beber exageradamente em público é sinal de prestígio.
Bebe muito quem pode, porque beber é para os fortes. Faz muito sentido a afirmação
escutada por Thais Medeiros (p. 82): “bar é o coração da festa”. Enquanto, nas festas
de santo, os moradores enfrentam a oposição histórica dos padres contra as bebidas
alcóolicas, nos torneios ocorre o contrário. Nos campeonatos de profissionais, atletas
embriagados não podem jogar. Nos torneios comuns, espera-se que bebam muito. Isso
porque o papel das bebidas aí é mais de presentes (dádivas) do que mercadorias. Tanto
que é comum a cerveja ser partilhada com os amigos. É a resistência anticapitalista,
priorizando a festa e o desfrute coletivo.
Quem leva mais damas também ganha prêmio, porém, as mulheres não querem
ser somente damas, ou ficar na cozinha e reparando os filhos, enquanto seus maridos
jogam. Elas falam que “tem que ser igual” em relação às oportunidades que os homens
têm. Mas o mundo do futebol nas comunidades ainda é bastante machista, apesar
das mudanças observadas desde a virada do século, com mais presença feminina.
Thaís Medeiros (2019), nas suas andanças por inúmeros torneios, encontrou apenas
uma mulher chefiando um clube de futebol, e não era da Resex, nem da Flona. Dona
Elivana Guimarães Batista, 36 anos, conhecida como Preta, comandava o Santos,
de Inanu, no Lago Grande do Curuai. Poucos clubes realizam disputas de futebol
feminino. Por isso, as mulheres têm formado seus clubes, para também ganhar visitas
e realizar os próprios torneios. Essa dinâmica provoca o surgimento de eventos que
incluem a modalidade feminina, como a Copa Floresta Ativa e o 3o Copão do Baixo
Arapiuns, e até outros exclusivos para elas, como o Campeonato Feminino de Revolta
a Jamaraquá, em 2016 e 2017, na Flona.
Nos últimos anos, os torneios não acontecem apenas nas comunidades. Há clubes
que fazem seus eventos em Santarém, como forma de juntar mais gente do interior,
uma vez que muitos moradores nativos passaram a viver na cidade. Com isso, esperam
ter também maior lucro financeiro. Ganham também no alcance da rede de trocas de
visita, mostrando distinção diante das outras comunidades.
As redes que intercambiam visitas, futebol, festa e cerveja são a face atual de
conexões que estes grupos e povoados já tinham entre si, e que foram se renovando,
aproveitando as possibilidades que surgiram na história. Teve um tempo que as festas
de santo eram os eventos das maiores trocas. Se hoje, o organizador maior da festa,
a receber os presentes, é o dono do time, anos atrás era o dono do santo. Recuando ainda
mais no tempo, vamos ter as festas indígenas com suas cauinagens (do Tupi cauín
= bebida fermentada). Antes, tarubá e caxiri; hoje, cerveja. Tal como as festas de
santo, os torneios hoje tornam-se possíveis devido o financiamento mútuo do evento
(MEDEIROS, 2019). As pessoas acabam, juntas e sem perceber, financiando a festa.
O RIO QUE NOS UNE
249
Por isso, o jogo é uma metáfora da vida real das comunidades (MEDEIROS,
2019). Sair é ir ao encontro dos outros e reforçar laços de amizade, longe da falsa
ideia de isolamento que marcaria as comunidades no interior da região. Sair é mostrar
superioridade e ostentar o status da sua comunidade. Ao pagar (inscrição para torneio,
ingressos para festa, cerveja, alimentação etc.), os jogadores estão dando um presente,
como seus antepassados davam para o santo durante a esmolação. Quem gasta mais
ganha mais status e respeito. É forma de impressionar, ser admirado na posse de bens
e pela capacidade de presenteá-los. “Distribuir latinhas para os amigos é uma dádiva
que lembra a fartura, dispêndio e gastança” (MEDEIROS, 2019, p. 71). O que está
sobre as bancas é “reputação e honra” (MEDEIROS, 2019, p. 72). Oferecer um
torneio grandioso é trabalhoso e caro, mas também recompensa com a distinção. É
só para quem “tem coragem” (MEDEIROS, 2019, p. 81). Por isso, um dono de time
falou que, quando morrer quer ser lembrado como aquele que promoveu o maior
torneio da região.
Os conhecimentos e saberes dos moradores da Resex e da Flona são marcados
pela tradição da oralidade, que demonstram a sua visão de mundo, dos seus territórios
e da sua história. Eles expressam sua relação quase umbilical com as águas e florestas,
expressa na ideia de que tudo na natureza é encantado, e os seres que aí vivem são
outros não humanos, com quem precisam viver com respeito. A existência dos pajés
é fundamental para a manutenção dessa ordem cósmica.
As relações sociais, em que pese a presença do mercado, são marcadas pela reci-
procidade, expressas no puxirum-festa, nas trocas de plantas e nas várias formas de
putáua. As famílias, através de redes de autoajuda, cuidam umas das outras de forma
a manter um estilo muito próprio de bem-viver. Uma linguagem própria retransmite
as tradições antigas, através, por exemplo, de benzições, relatos de encantamentos e
nomes indígenas.
Apesar dos séculos de colonização e inúmeras transformações, há uma lógica
tradicional que se mantém, e pode ser observada na crença nos encantados e na
putáua. Os pesquisadores reconhecem essa continuidade. As festas dos torneios foram
influenciadas pelas festas de santo que, por sua vez, herdaram o espírito das antigas
festas indígenas. As viagens de trocas de visitas reforçam relações de responsabilidade
e cuidado de uns com os outros. O “dono do time” é aquele que tem capacidade de
liderar e motivar, agregando sempre os esforços individuais rumo à vitória. Nessas
disputas rituais ninguém ganha sozinho. Por isso todos aprendem a respeitar hierar-
quias e uma ética do coletivo. Trabalho e lazer não são contraditórios, como já se
sabia desde os antigos puxiruns. E assim, as festas se tornam momentos de lazer e
companheirismo, onde são construídas relações de amizade, namoro e casamento,
fortalecendo laços culturais.
250
REFERÊNCIAS
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Comunidade São Pedro (Município de Santarém-Pará). 2008. Trabalho de Conclusão
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O RIO QUE NOS UNE
251
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CAPÍTULO XVI
AMEAÇAS À QUALIDADE DE VIDA NO
Jackson Rêgo Matos
Introdução
A região formada pela bacia do rio Tapajós compreende uma área de cerca de
492.000 quilômetros quadrados, abrangendo os estados do Pará, Mato Grosso, Amazo-
nas e Rondônia. Os principais afluentes do rio Tapajós são os rios Jamanxim, Crepori,
Teles Pires e Juruena. A região abriga grandes áreas de floresta, com elevada importân-
cia ecológica e se encontra em bom estado de conservação, mas vem recebendo fortes
pressões da fronteira agrícola, principalmente ao longo das rodovias Cuiabá – Santarém
(BR-163) e Transamazônica (BR-230) (WWF BRASIL, 2016).
Em território paraense, a bacia do Tapajós apresenta um conjunto de áreas pro-
tegidas como unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas, que
são fundamentais para manter a floresta conservada na região. As primeiras unidades
de conservação criados na região, em 1974, foram a Floresta Nacional do Tapajós e
o Parque Nacional da Amazônia.
A ocupação portuguesa da bacia do rio Tapajós é antiga, datando do século XVII,
com os colonizadores portugueses que iniciaram suas instalações a partir da foz do rio, no
atual munícipio de Santarém, onde em 1626 o capitão Pedro Teixeira esteve no local com o
objetivo de aprisionar índios para serem usados como escravos por colonos portugueses ao
redor de Belém. Em 1661 ocorreu a fundação da Missão Tapajó, onde hoje se encontra a
cidade de Santarém, pelo padre jesuíta Felipe Bettendorf (FONSECA, 1996).
Ao longo do rio Tapajós, desde a sua foz, que ocorre em frente a cidade de
Santarém, em direção a jusante, foram sendo fundadas várias missões religiosas como
Boim, Pinhel, Vila Franca e Alter do Chão.
No final do século XIX o vale do rio Tapajós transformou-se em um importante
território produtor de borracha, com a existência de centenas de seringais espalhados
por este rio e seus afluentes. A borracha foi o primeiro grande ciclo econômico que o
vale do Tapajós vivenciou, com destaque para a produção de borracha do munícipio
de Itaituba, onde o seringalista Raimundo Pereira Brasil foi, por muito tempo, consi-
derado o maior seringalista do rio Tapajós.
No início do século XX, mais precisamente em 1928, o empresário Henry Ford,
conseguiu do governador do Pará, Dioniso Bentes, uma área de um milhão de hectares
no município de Itaituba, onde foi implantado o projeto Fordlândia. Com a instalação
AMEAÇAS À QUALIDADE DE VIDA NO TERRITÓRIO DO RIO QUE NOS UNE
254
deste projeto, o vale do rio Tapajós começou a figurar como local estratégico de
atenção do capital internacional advindo dos Estados Unidos da América. O projeto
Fordlândia durou pouco tempo, foi transferido em 1934 para Belterra e encerrou
suas atividades em 1945. Neste tempo, o rio Tapajós ficou conhecido como o “rio da
borracha”, porque concentrava grandes seringais.
Com a crise da borracha a região entra em decadência, passando a exploração de
outros produtos do extrativismo vegetal, como a castanha do Pará, caça e pesca. Na
década de 1950, com a descoberta de ouro por Nilçon Pinheiro em Itaituba em 1958,
tem início no médio Tapajós a fase do garimpo do ouro, tornando Itaituba conhecida
como a “cidade pepita” e o rio Tapajós como o “rio do ouro”.
Porém, as maiores transformações socioterritoriais na região ocorreram na década
de 1970, com a construção das rodovias Transamazônica (BR – 230) e Cuiabá – Santa-
rém (BR – 163), e a política de colonização dirigida, com a implementação dos Projetos
Integrados de Colonização (PIC) executados ao longo das margens destas duas rodovias,
com maior concentração no trecho paraense da Transamazônica, nos PICs de Altamira,
Marabá e Itaituba (BARROS, 2019). Na década de 1970 houve também o projeto desen-
volvimento da indústria madeireira, do qual a Flona do Tapajós é produto.
Na década de 1990 a bacia do rio Tapajós é objeto do planejamento de vários
empreendimentos para a região, elencados nos Planos Plurianuais (PPA) do governo
Fernando Henrique Cardoso (FHC), denominados “Brasil em Ação” e “Avança Bra-
sil”, que promoveu o planejamento da construção da hidrovia Tapajós – Teles Pires,
iniciou o asfaltamento das rodovias BR-163 e BR-230, e a modernização de portos
como Santarém. Todos estes projetos iniciados na gestão FHC tinham como objetivo
transformar a Amazônia em grandes corredores de exportação de produtos primários
como minérios, soja, milho, madeira dentre outros.
Este processo tem se intensificado na atualidade com empreendimentos executados
ou planejados ligados à continuação do asfaltamento da BR-163 (Cuiabá – Santarém),
entre Cuiabá até Miritituba, visando atender o escoamento de grãos do Mato Grosso
para o mercado externo via portos do Pará. Também promoveu a implantação de portos
graneleiros às margens do rio Tapajós (Santarém, Miritituba – Itaituba e Santarenzinho –
Rurópolis), e o planejamento da construção de hidrelétricas de grande e pequeno porte,
construção de ferrovias para transporte de grãos (Ferrogrão) entre Lucas do Rio Verde
(MT) e Miritituba (PA). Este conjunto de empreendimentos executados ou planejados
ameaçam a qualidade de vida de populações residentes e da existência de várias unidades
de conservação implantadas na região.
A Bacia do Rio Tapajós: Um Território em Disputa

A bacia do rio Tapajós é um território em disputa entre dois modelos de uso e
ocupação, uma intensa disputa entre território recurso e território abrigo (SANTOS, 1994).
De um lado, temos o uso do território como recurso, praticado por grandes empreendi-
mentos econômicos, com a atuação de empresas portuárias, madeireiras, energéticas
etc., que promovem um uso coorporativo do território sob seu domínio. De outo lado,
O RIO QUE NOS UNE
255
temos um uso do território como abrigo, usado pelas populações nativas que fazem um
uso tradicional da terra, mantendo fortes ligações internas com os territórios ocupados
por povos tradicionais originários, ao longo dos séculos.
Na atualidade, na bacia do rio Tapajós assistimos o confronto entre estes dois mode-
los de uso e ocupação territorial, onde populações tradicionais (índios, quilombolas, pesca-
dores, ribeirinhos etc.) vivem cercados (HÉBETTE, 1991) em seus territórios por modelos
de ocupação capitalizados, representados por projetos portuários, energéticos, minerais,
pesca comercial, madeireiras, dentre outras, implantados por grupos econômicos externos
a região. A chegada do estranho (MARTINS, 1993), representado por grupos econômi-
cos de fora da região do Tapajós, tem promovido uma série de transformações no modo
tradicional de vida das populações da bacia do rio Tapajós.
Assim, a bacia do rio Tapajós é palco da disputa destes dois modelos de uso e
ocupação do território, com fortes conflitos entre atores externos (sojeiros, madeireiros,
mineradores, operadores portuários, operadores energéticos dentre outros) e os atores
sujeitos locais (índios, quilombolas, pescadores, ribeirinhos), que possuem projetos de
uso e ocupação a partir de seus modos tradicionais de uso dos recursos.
Esse forte conflito tende a se intensificar com a expansão da fronteira agrícola,
logística e energética para a bacia do rio Tapajós. Neste contexto, todavia, assistimos
a resistência das populações tradicionais (índios, quilombolas, pescadores, ribeirinhos
dentre outros), que habitam a região há séculos e lutam para manterem suas tradições
e modos de vida. De outro lado, temos os territórios recursos que foram ao longo do
tempo sendo ocupados pelo setor ligado ao capital nacional e internacional, que usam
o território como mercadoria. Esse processo se intensificou a partir da década de
1970, com a abertura das estradas na região e, consequentemente, com a integração
ao território nacional, que contribuiu para a abertura de fronteira agrícola na Amazô-
nia tapajônica. Desse modo, assistimos a chegada de novos personagens e interesses
capitalizados nos setores da mineração, agricultura de grãos, pecuária, madeira, portos
graneleiros, pesca comercial dentre outros.
A chegada destes personagens e interesses capitalizados na região entra em con-
flitos por territórios que estão ocupados por populações tradicionais da região. Nestes
contextos, a bacia do rio Tapajós tornou-se um campo de disputa entre populações
tradicionais e atores ligados ao capital nacional e internacional, que têm deslocado seus
investimentos para a região em projetos ligados a mineração, hidrelétricas, projetos de
agricultura de grãos, projetos de extração de madeira, instalação de portos graneleiros,
pesca comercial, entre outros. A instalação deste conjunto de empreendimento tem se
tornado uma ameaça à permanência e ao modo de vida das populações tradicionais
que residem na bacia do rio Tapajós.
256
Os Empreendimentos Portuários do Agronegócio Existentes

e Planejados no Rio Tapajós que Ameaçam a Qualidade da
População Residente e das Unidades de Conservação
“Nós já tivemos muitas ameaças, no caso do garimpo, com ação do mercúrio, nos anos 1980. Matava
as árvores, a água ficava branca [...] hoje o que a gente vê é uma ameaça das hidrelétricas, a gente
tem exemplo do que aconteceu no Xingu, os povos sendo retirados de suas casas, do seu território
[...] outra grande ameaça são as grandes geleiras que existem no Tapajós que vem de fora [...]
antes se colocava um espinhel, era rapidinho que pegava peixe, hoje não, coloca noite inteira e não
pega nada” (Sérgio Pimentel Vieira, 59 anos, coordenador de campo da Coomflona,
16 nov. 2020).
Ao longo da bacia do rio Tapajós assistimos os conflitos por territórios entre

empresas portuárias graneleiras e indígenas, ribeirinhos, pescadores, camponeses e
moradores urbanos. Em Santarém, na área do porto da Cargill existe uma disputa
entre a empresa e movimentos sociais organizados. Na região do lago do Maicá, tam-
bém em Santarém, onde as empresas Embraps, Cevital e Ceagro pretendem realizar a
instalação de portos graneleiros na área, existe uma disputa envolvendo as empresas,
governo municipal, estadual, federal, pescadores, indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
movimento civil organizado.
Em Santarém temos em funcionamento o porto da Cargill, em Miritituba temos
em operação as Estações de Transbordo de Cargas (ETC), das empresas graneleiras
Bunge–Amaggi, Cargill, Cianport e Hidrovias do Brasil, além do interesse de outras
empresas na instalação de portos em Santarém, Belterra, Miritituba (Itaituba) e San-
tarenzinho (Rurópolis), conforme podemos constatar no quadro seguinte.
Quadro 1 – Empreendimentos portuários que ameaçam

a bacia do rio Tapajós no estado do Pará
Empreendimentos Descrição das ameaças
• Inauguração em 2003 do porto graneleiro da Cargill em Santarém, na
Construção de portos granelei- área da praia da Vera Paz.
ros em Santarém • Interesse das empresas Embraps, Ceagro e Cervital na construção de
portos graneleiros na região do Maicá em Santarém.
Construção de portos granelei- • Desafetação da APA de Aramanaí pela prefeitura de Belterra para a
ros em Belterra construção de portos de exportação em 2017.
• Inauguração partir de 2014 de quatro Estações de Transbordo de
Construção de portos granelei- Cargas (ETC) das empresas graneleiras Bunge – Amaggi, Cargill, Cianport e Hidro-
ros em Miritituba -Itaituba vias do Brasil. No local também existe uma ETC Flutuante da Bertolini que presta
serviços para as empresas graneleira ADM e Glencore.
Construção de portos • Interesse das empresas Amaggi, Mobile, Cantagalo, Bertolini, Cianport,
graneleiros em Santarenzinho Bricc, Odebrecht, DSR Paraná, Ipiranga, Júlio Simões e outras 7 empresas em
– Rurópolis instalar estações de transbordo de cargas em Santarenzinho.
Fonte: SEMAS, 2014� TCN, 2017� Trabalho de campo 2018� Elaboração: Márcio Benassuly, 2020�
O RIO QUE NOS UNE
257
Pelos dados apresentados no quadro acima, constatamos que se todos os portos

já planejados forem implementados na bacia do rio Tapajós, haverá serias ameaças a
qualidade de vida dos sujeitos que têm suas vidas ligadas ao rio, como os ribeirinhos,
pescadores, indígenas, quilombolas que residem próximos aos locais onde se pretende
a instalação destes portos.
Os Empreendimentos Hidrelétricos Planejados no Rio Tapajós

que Ameaçam a Qualidade de vida da População Residente e
das Unidades de Conservação
“No caso das hidrelétricas, além dos impactos ambientais que causam, tem o cultural
que as pessoas vão se mudando das comunidades ameaçadas e vai causando este
impacto de pesca, a cultura do povo ribeirinho é a pesca e a caça, com isto, é um
impacto muito grande” (Sérgio Pimentel Vieira, 59 anos, coordenador de campo da
Coomflona, 16 nov. 2020).
A execução das hidrelétricas no rio Tapajós é outra questão que reflete posições
divergentes sobre o uso do rio na região. De um lado, temos o governo federal e o
setor empresarial nacional que defendem o projeto como de interesse nacional. De
outo lado, temos os moradores locais que sofreram os impactos do projeto, a sociedade
regional e os movimentos organizados.
A construção de hidrelétricas na bacia do rio Tapajós consta no planejamento
do Ministério de Minas e Energia (MME), como vital para o fornecimento de energia
firme para o sistema elétrico nacional, presente no projeto de construção de hidrelé-
tricas denominado de Complexo Tapajós, com a previsão da construção de sete usinas
planejadas para a bacia do rio Tapajós: São Luiz do Tapajós (8.040 MW), Jatobá (2.338
MW), Chacorão (3.336 MW), Cachoeira dos Patos (528 MW), Jamanxim (881 MW),
Cachoeira do Caí (802 MW) e Jardim do Ouro (227 MW). No munícipio de Rurópolis
estão em curso a construção da Usina Hidrelétrica de Águas Lindas (40,00 MW) no
rio Cupari Braço Oeste.
Na atualidade está em andamento a construção de várias pequenas centrais
hidrelétricas (PCH) no rio Cupari braço leste em Rurópolis. As PCH planejadas neste
rio são: Castanheira (21,00 MW), Carnaúba (11,00 MW), Água Boa (8,50 MW) e
Mangaratiba (20,00 MW). No braço oeste deste rio estão planejadas as PCH de: Sapo-
pema (27,00 MW), Candeia (8,00 MW) e Jaborandi (22,00 MW), conforme podemos
constatar no quadro seguinte.
258
Quadro 2 – Empreendimentos hidrelétricos que ameaçam

a bacia do Rio Tapajós, no estado do Pará
Empreendimentos Descrição das ameaças
• Construção das hidrelétricas de São Luiz do Tapajós (8.040 MW), Jatobá
(2.338 MW) e Chacorão (3.336 MW)
• Formação de reservatórios que formaram barragens
• Comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas serão afetados pelo empreen-
dimento
Construção de Usinas Hidrelé-
• A construção das barragens deve alterar o ciclo da enchente e vazante do
tricas (UHE) no Rio Tapajós
Rio Tapajós.
• A construção da UHE São Luiz afetaria comunidades ribeirinhas e territórios
indígenas Munduruku de Pimental, Akaybãe e Remédio.
• A construção da UHE Chacorão afetaria as Terras Indígenas Sai Cinta, São
Martinho e Boca do Pacu.
Construção de Usinas Hidrelé- • Planejamento de construção das hidrelétricas de Cachoeira dos Patos (528
tricas (UHE) no Rio Jamanxim, MW), Jamanxim (881 MW), Cachoeira do Caí (802 MW) e Jardim do Ouro
afluente do Rio Tapajós. (227 MW)
Construção de Usinas Hidre-
• Planejamento de construção da Usina Hidrelétrica Águas Lindas (40,00 MW)
létricas (UHE) no Rio Cupari,
no Rio Cupari Braço Oeste no município de Rurópolis.
afluente do Rio Tapajós.
Construção de pequenas
• Planejamento de construção das pequenas centrais hidrelétricas de no Rio
centrais hidrelétricas (PCH)
Cupari braço leste como Castanheira (21,00 MW), Carnaúba (11,00 MW),
no Rio Cupari Braço Leste no
Água Boa (8,50 MW) e Mangaratiba (20,00 MW)
município de Rurópolis.
Construção de pequenas
• Planejamento de construção das pequenas centrais hidrelétricas no rio Cupa-
centrais hidrelétricas (PCH)
ri braço Oeste como Sapopema (27,00 MW), Candeia (8,00 MW), Jaborandi
no Rio Cupari Braço Oeste no
(22,00 MW)
município de Rurópolis.
Fonte: EPE, 2016, WWW BRASIL, 2016a, Ambientare,

2016b� Elaboração: Márcio Benassuly, 2020�
Os dados acima mostram que a bacia do rio Tapajós se tornou um território

para receber grandes empreendimentos energéticos, que tem como objetivo o forne-
cimento de energia hidrelétrica para o resto do Brasil. Caso se confirme a instalação
destes empreendimentos haverá sérias ameaças a qualidade de vida das populações
tradicionais que habitam próximas a estes empreendimentos. No estado do Pará os
exemplos dos impactos causados pelas usinas hidrelétricas de Tucuruí e Belo Monte
deixam o alerta para as populações do Tapajós, para que não se repita aqui o que
aconteceu nestas usinas.
O RIO QUE NOS UNE
259
Indústria da Madeira e suas Ameaças a Qualidade de Vida

da População Residente e a Integridade das Unidades de
Conservação no Baixo Tapajós
“A mudança do povo da Flona na questão do manejo comunitário, a madeira legal, porque, o que
a gente vê hoje, a questão que o pessoal aprende a trabalhar, respeitando a floresta, preservando
para as futuras gerações, se a gente não cuidar da floresta, a gente não vai ter floresta, se não cuidar
do rio, não vai ter água limpa [...] o manejo trouxe muitos benefícios pra gente [...] o manejo não é
dos cooperados é das comunidades, o benefício tem que ser para todos” (Sérgio Pimentel Vieira,
59 anos, coordenador de campo da Coomflona, 16 nov. 2020).
A atuação de empresas madeireiras na região é outro tema que divide a popula-

ção. A região do baixo rio Tapajós faz parte do Distrito Florestal da BR 163, projeto
federal que sobrepõe unidades de conservação e outros territórios protegidos na busca
pela promoção do emprego, renda e desenvolvimento, com base no uso sustentável
dos recursos florestais. Embora existam empreendimentos florestais licenciados e
certificados, alguns deles sob administração de comunidades ribeirinhas na Floresta
Nacional do Tapajós e na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, o combate a ilegali-
dade no setor madeireiro tem sido um dos maiores desafios para os órgãos ambientais
nessa região.
O manejo florestal tem por princípio básico a manutenção da capacidade de resi-
liência da floresta, garantindo sua perpetuidade, para as presentes e futuras gerações,
com qualidade similar a floresta originalmente manejada. No entanto, a ilegalidade
ameaça não somente a floresta, mas também as populações que se beneficiam dire-
tamente dos serviços ecossistêmicos e produtos florestais. Na maior parte das vezes,
madeireiros sem relação com o território invadem áreas públicas ou particulares em
busca das espécies mais valiosas, sem qualquer planejamento, preocupados apenas em
explorar o máximo da floresta no menor tempo possível.
Desde a década de 1970, a exploração madeireira afeta as comunidades ribeirinhas
do rio Tapajós e do rio Arapiuns, sendo que o relacionamento com as empresas nunca
resultou em melhores condições de vida para as comunidades diretamente envolvidas.
Foram vários anos de exploração predatória dos recursos madeireiros nas áreas loca-
lizadas próximas às comunidades de Boim e Tucumatuba, na região do Tapajós, e na
comunidade de São Pedro, na região do médio Arapiuns. A pressão das madeireiras
sobre os recursos florestais existentes serviu como motivação para que na década
de 1980 as comunidades se mobilizassem para defender suas terras e efetuassem a
demarcação de uma área de floresta de 13.400 metros, partindo da margem do Rio
Tapajós ao Centro da Mata, passando a ser conhecida como área de reserva comuni-
tária. Na região do rio Arapiuns as comunidades também manifestaram resistência à
invasão de suas terras pelas madeireiras, organizando-se junto com as comunidades
do rio Tapajós. A partir da criação da RESEX, em 1998, as empresas madeireiras que
se encontravam na área tiveram suas atividades suspensas (ICMBio, 2014).
260
Na Floresta Nacional do Tapajós, desde sua criação até o início dos anos 2000,
o modelo de concessão que se tentava implementar era o oneroso, pois o governo
concede a uma empresa privada o direito de manejar uma área de floresta cobrando
valores associados a produção da floresta. Durante muito tempo essa foi uma ameaça
que os moradores da Unidade de Conservação precisaram enfrentar. Contudo, após
uma longa jornada de mobilizações e negociações com o poder público, em 2003, as
representações sociais da região conseguiram o direito de realizar o manejo da floresta
de forma que lhes fosse não onerosa e, assim, passaram a exercer este direito até hoje
por meio da Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (COOMFLONA).
Atualmente, a atuação das empresas do setor madeireiro nessas Unidades de
Conservação se limita as relações comerciais de compra e venda de madeira e a con-
tratação de serviços e aluguel de máquinas para execução das atividades exploratórias
(abertura de estrada, derruba, arraste e movimentação de toras nas trilhas e nos pátios
de estocagem). Esta é uma relação que ainda carece de atenção por parte dos atores
envolvidos, incluindo as instituições parceiras, para que se monitore potenciais pre-
juízos financeiros e sociais às comunidades.
As Ações na Bacia do Rio Tapajós que ameaçam o Turismo e

as Unidades de Conservação
“Na nossa comunidade ela trabalha com pequenos turismos, com pouca atividade do turismo, mais
as ameaças é também se não tiver atrativos, no caso da hidrelétrica, que vai diminuindo a beleza do
rio, da praia, ela vai atingir não só o Tapajós como os afluentes, então isto é uma ameaça, porque nós
temos que ter tudo natural para o turista” (Sérgio Pimentel Vieira, 59 anos, coordenador
de campo da Coomflona, 16 nov. 2020).
O turismo no rio Tapajós tem se desenvolvido, principalmente, a partir de alguns

elementos, como a própria questão do interesse mundial pela Amazônia, a paisagem, a
biodiversidade e a cultura da região. Assim as viagens turísticas são plenas de sentido
humano e realizadas com notável curiosidade e sensibilidade, com o turista e anfitrião
largando-se às águas, aos ventos, às terras e aos tempos dos homens, sempre com
um olhar atento e coração aberto em meio às comunidades, aos restaurantes, às tri-
lhas, às comunidades e aos cotidianos diversos. O desafio eminente é compatibilizar
estas práticas turísticas com os interesses que atingem a complexidade do equilíbrio
dos fenômenos naturais, sem esclarecer os nexos existentes entre as atividades que
destroem a natureza e a vida social, entre a necessidade de conservação dos espaços
e estilos de vida que afetam a própria natureza.
Em muitos lugares da bacia do Tapajós o desmatamento avança, assoreamento
de leitos de rios, para fins de plantios de monoculturas de soja, para atividade de
garimpo com intenso uso de mercúrio, madeireiros “legais e ilegais”, e mega proje-
tos de hidrelétricas com forte lobby de velhas construtoras a serviço da oligarquia e
esquemas fraudulentos associados a financiamentos de campanhas eleitorais. Esses
são, de forma geral, uma listagem de ameaças que podem ser facilmente comprovadas
O RIO QUE NOS UNE
261
seus efeitos em fartos materiais disponíveis nas redes e canais sociais. Mesmo à mar-
gem das políticas públicas e dos grandes projetos de “desenvolvimento” promovidos
pelo governo federal, as populações humanas continuam sabiamente produzindo seus
cotidianos e vivendo a dádiva da floresta, que produz e renova a vida em sua plenitude,
mas que são extremamente afetadas pela exploração desordenada destes recursos que,
além de envenenarem de forma silenciosa, destroem de forma efetiva os estilo de vida,
de produção, ameaçando à integração cultural existente ao longo do rio há milhares
de anos, como os Rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas.
O modelo de conservação adotado até agora na Amazônia brasileira foi baseado
na implantação de áreas protegidas que, na prática, mostrou-se insuficiente para garantir
a sobrevivência das espécies e minimizar os impactos da ação humana sobre o bioma.
Considerando as inúmeras alterações nas leis e ações de lobbys que seguem a lógica
de favorecimento político e econômico em detrimento do social, cultural, ambiental,
e até espiritual, não se desenvolve as condições locais, tanto de infraestrutura, quanto
educacional, ameaçando o turismo como grande potencialidade de geração de renda da
região do Tapajós. As unidades de conservação existentes tornam-se frequentemente
“ilhas biológicas” isoladas e sofrem impactos das atividades urbanas e rurais, assim
como da utilização predatória dos recursos naturais. As populações são vistas como
ameaças por algumas instituições que se aparelham militarmente, sendo mais um
problema do que solução, por considerarem as áreas protegidas como obstáculos ao
desenvolvimento. Por isso, o modelo das ilhas biológicas deu lugar a um novo conceito
de conservação que se baseia em corredores ecológicos (PPG7, 2002).
Na região do Tapajós destacam-se quatro unidades de proteção ambiental: o
Parque Nacional da Amazônia (Parna Amazônia), a Floresta Nacional do Tapajós
(Flona do Tapajós), a Reserva Extrativista do Arapiuns (Resex Tapajós-Arapiuns), e,
na região de Alter do Chão, foi criada uma Área de Proteção Ambiental (APA), em
2003. No entanto, dezessete anos após a criação da APA, ela ainda não tem seu plano
de manejo elaborado, aprovado e implementado.
Tendo Alter do Chão como o lugar de encontro para um mundo eminentemente
Amazônico, vivencia-se anualmente festa do Çairé, como folião e lugar de encontro
entre o passado, o presente e o futuro da própria Vila e da região do Tapajós. Na festa,
os atores vivem os elos com uma ancestralidade que compõem os entes que dão vida
às formas relacionais da mais antigas e misteriosas da amazônica.
A Vila de Alter do Chão localiza-se na mesorregião do Baixo Amazonas, a qual
congrega municípios com fortes tradições amazônicas, mas que estão sofrendo um
intenso processão de degradação ambiental, cultural e humana. Essa região é formada
sob influência direta de três corredores que convergem para Santarém, cidade sede
do Polo: o Médio e o Baixo rio Amazonas; o Rio Tapajós; o Rio Arapiuns, e partes
das rodovias Transamazônica e da BR-163.
A população existente na Floresta Nacional do Tapajós e no seu entorno é
composta basicamente de três populações distintas: indígenas, caboclos/ribeirinhos
e colonos/migrantes. Os caboclos/ribeirinhos são populações que moram dentro
da Floresta Nacional do Tapajós, à margem direita do Rio Tapajós, e compreendem
262
comunidades indígenas e ribeirinhas. Os descendentes diretos dos índios preservam

toda uma cultura tradicional de manejo, herdada ao longo das gerações, e fruto dos
processos relacionais cotidianos com a floresta. Os indígenas se concentram em três
comunidades cujas territórios encontram sobrepostos a Flona do Tapajós.
O projeto “Floresta Modelo Amazonas Tapajós”, é uma importante iniciativa
que vem sendo liderada pelo Serviço Florestal Brasileiro para toda esta área. Além
de seus conceitos, em que há conexão com os estudos das populações tradicionais, e
de vários outros conceitos pertinentes, com grande debate sobre os significados de
populações nativas, tribais e indígenas.
O território da bacia do rio Tapajós, ao longo das últimas décadas, vem se con-
solidando como espaço privilegiado para a construção e planejamento de grandes
empreendimentos públicos e privados, como usinas hidrelétricas, pequenas centrais
hidrelétricas, portos graneleiros, projetos de mineração, pavimentação de rodovias
e construção de ferrovias. Todos estes empreendimentos executados, ou em plane-
jamento, não criaram condições formais para a efetiva participação das populações
tradicionais na região na formulação, implementação e execução destes projetos, tendo
como consequência uma série de impactos de diferentes sentidos, como o ambiental,
o cultural, o econômico e o social.
O rio Tapajós vem se consolidando como “corredor de soja”, por onde transitam
durante o ano grandes barcaças de grãos com destinos aos portos de Itaituba e Santa-
rém. A instalação de grandes portos graneleiros em Santarém e Miritituba tem ocasio-
nado uma série de ameaças às populações tradicionais da região, principalmente, aos
ribeirinhos, pescadores e indígenas que residem próximos a estes empreendimentos.
Outros empreendimentos em fase de planejamento como usinas hidrelétricas em
Itaituba, pequenas centrais hidrelétricas em Rurópolis, portos graneleiros em Itaituba,
Rurópolis e Santarém, e a ferrovia conhecida como Ferrogrão ligando Lucas do Rio
Verde (MT) a Miritituba (PA), são ameaças concretas a bacia do rio Tapajós caso as
populações tradicionais não sejam ouvidas em suas demandas por seus territórios.
É preciso ouvir as populações tradicionais da região para evitar erros do passado,
causados com a implantação de grandes empreendimentos na região do rio que nos
une, como no caso do rio Tapajós.
O RIO QUE NOS UNE
263
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set. 2020.
FINALIZANDO UMA OBRA
EM CONSTRUÇÃO
E se...? E se não existem pessoas na Floresta Nacional do Tapajós? E se ao invés
de uma Reserva Extrativista, a região fosse despovoada e o governo criasse no local
a Estação Ecológica Tapajós-Arapiuns? Será que estaríamos aqui apresentando um
livro com tanto conhecimento tradicional associado a este “pedaço” do Brasil? Será
que teríamos tantos pesquisadores trabalhando na região? Será? Nunca saberemos!
Mas, ao longo da leitura deste livro, você passou a compreender, sob a percepção
de pesquisadores, gestores e moradores do território, porque estas Unidades de Con-
servação são tão relevantes para a política nacional de conservação da biodiversidade.
O território abrangido pela Floresta Nacional do Tapajós e pela Reserva Extra-
tivista Tapajós-Arapiuns é uma amostra do que representa toda a complexidade da
gestão territorial e a compatibilização dos interesses econômicos com a necessidade
de conservação dos recursos naturais e dos modos de vida de povos e comunidades
tradicionais e indígenas.
A história e a política de ocupação da região, a atuação de diversas instituições
governamentais e não governamentais, cada uma com seus objetivos e estratégias,
nem sempre convergentes com os interesses da população local, e, principalmente,
o fortalecimento dos arranjos locais de representação social fazem destas Unidades
de Conservação, referências na luta pelos direitos dos povos que vivem, dependem e
valorizam a floresta, bem como os modelos de uso sustentável dos recursos naturais,
pautado e conduzido por estas populações.
Este livro demonstra que a Floresta Nacional e a Reserva Extrativista apresen-
tadas neste livro, não são “apenas” mais duas áreas protegidas na Amazônia. São ter-
ritórios devidamente reconhecidos como de posse e uso de populações tradicionais e
indígenas, portanto, são o que são porque há uma luta histórica pela intrínseca relação
entre o território do “rio que nos une” e as pessoas que o habitam, sendo que um na
ausência do outro perde parte de seu significado.
Mas a conclusão deste livro, não finaliza esta história, tampouco encerra esta obra,
apenas celebra as conquistas históricas e os avanços socioambientais da trajetória des-
sas populações e sinaliza para um futuro que será construído pautado na diversidade.
Saudações Amazônicas!
Dárlison Fernandes Carvalho de Andrade6

Jackeline Nóbrega Spínola7

ÍNDICE REMISSIVO
A
Agricultores 38, 39, 44, 108, 139
Agroindústria 85, 139, 178, 228
Amazônia 22, 23, 24, 25, 26, 27, 31, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 45, 46,
47, 50, 51, 52, 54, 61, 62, 78, 83, 90, 91, 107, 109, 110, 111, 113, 114, 119, 121,
130, 132, 148, 149, 150, 157, 159, 160, 166, 171, 172, 178, 179, 183, 188, 190,
191, 193, 205, 206, 207, 213, 214, 216, 217, 250, 251, 253, 254, 255, 260, 261,
263, 264, 265, 271, 273, 275
Artesanato 18, 27, 39, 87, 88, 112, 178, 179, 180, 197, 199, 206, 227
Associativismo 17, 39, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 117, 118,
119, 120
B
Biodiversidade 5, 17, 24, 25, 31, 34, 66, 77, 78, 81, 94, 105, 106, 119, 127, 157,
172, 178, 184, 189, 190, 193, 195, 200, 203, 220, 260, 265, 272, 273, 274
C
Caça 18, 183, 205, 206, 228, 254, 257
CCDRU 24, 27, 36, 67, 73, 74, 84, 86, 98, 110, 127
Coletividade 23, 42, 66, 110, 124
Colonização 25, 50, 52, 57, 82, 87, 98, 134, 166, 197, 237, 243, 249, 254, 275
Comercialização 22, 27, 39, 45, 84, 88, 98, 111, 112, 114, 116, 117, 119, 136,
138, 139, 140, 159, 160, 163, 169, 172, 173, 177, 178, 180, 184, 186, 187, 188,
191, 192, 211, 212
Conservação da natureza 23, 30, 40, 74, 77, 90, 105, 157, 200, 201, 202
Cooperativa 18, 25, 27, 35, 80, 84, 85, 87, 88, 111, 112, 113, 114, 116, 117, 139,
147, 149, 153, 155, 156, 161, 164, 165, 168, 169, 170, 173, 174, 177, 179, 189,
197, 199, 200, 210, 222, 226, 227, 232, 260, 271, 272
Cooperativismo 17, 107, 108, 109, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119,
120, 121, 161, 169
Cultura 23, 38, 43, 47, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58, 66, 67, 108, 109, 139, 172,
179, 187, 193, 195, 201, 224, 237, 244, 257, 260, 262
FINALIZANDO UMA OBRA EM CONSTRUÇÃO
268
E
Economia 38, 52, 142, 144, 188, 191, 200, 203, 206, 215, 223, 228, 232, 234
Empreendimentos 59, 112, 168, 169, 170, 199, 254, 256, 257, 258, 259, 262, 263
Extrativismo 18, 34, 39, 41, 75, 131, 139, 171, 172, 178, 183, 228, 254
F
Farinha 18, 187, 188, 199, 200, 206, 222, 229
Fauna 59, 65, 184, 199, 213
Fiscalização 72, 133, 144, 147, 148, 163, 206, 208, 212
Floresta Nacional do Tapajós 3, 5, 15, 21, 28, 30, 31, 36, 40, 42, 46, 47, 53, 65,
67, 68, 69, 71, 72, 75, 76, 77, 79, 90, 91, 94, 105, 106, 107, 112, 113, 114, 115,
116, 117, 121, 125, 126, 131, 139, 140, 141, 142, 147, 149, 151, 152, 153, 154,
157, 159, 160, 161, 162, 164, 165, 166, 167, 170, 172, 175, 176, 189, 191, 192,
194, 195, 197, 198, 202, 203, 206, 211, 212, 215, 216, 253, 259, 260, 261, 262,
265, 271, 272
G
Graneleiros 254, 255, 256, 262
I
Igarapé 199, 209, 211, 238
Índio 17, 52, 61, 85, 128, 238
Institucionalização 42, 68, 83, 85, 96, 99, 118
Instituto Chico Mendes 5, 17, 24, 31, 34, 66, 77, 78, 81, 105, 127, 157, 189, 190,
203, 271, 272, 273, 274
M
Madeira 26, 35, 39, 41, 82, 87, 111, 116, 117, 148, 149, 151, 154, 155, 156, 157,
159, 160, 162, 163, 164, 166, 169, 171, 188, 207, 210, 225, 227, 254, 255, 259, 260
Madeireiras 26, 42, 54, 55, 59, 107, 108, 149, 150, 161, 162, 254, 255, 259, 260
Mandioca 88, 132, 139, 167, 187, 206, 222, 242
Manejo Florestal 11, 17, 22, 24, 25, 34, 39, 41, 43, 46, 71, 72, 74, 78, 81, 83, 85,
88, 89, 90, 91, 103, 111, 113, 114, 116, 117, 118, 119, 120, 147, 148, 149, 150,
151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167,
169, 170, 188, 200, 206, 214, 222, 223, 225, 259
O RIO QUE NOS UNE
269
Meio ambiente 5, 17, 23, 24, 31, 36, 38, 39, 45, 46, 54, 66, 77, 83, 84, 90, 91,
96, 98, 105, 113, 124, 127, 131, 135, 149, 157, 178, 190, 191, 192, 195, 202, 203,
215, 227, 239, 271
N
Nativos 50, 58, 109, 237, 248
P
Participação social 67, 68, 70, 71, 76, 79, 89, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 102, 104,
112, 133
Pescadores 35, 36, 44, 83, 98, 113, 139, 147, 206, 207, 208, 212, 216, 255, 256,
257, 262
Pesqueiros 205, 206, 207, 208, 209, 212, 213
Povos indígenas 23, 31, 40, 44, 49, 50, 52, 53, 56, 57, 58, 61, 62, 100, 103, 109,
128
Preservação 15, 17, 38, 41, 59, 72, 73, 79, 85, 88, 127, 132, 231, 237
Produtos florestais não madeireiros 18, 171, 172, 177, 178, 191, 192
Q
Qualidade de vida 15, 17, 18, 24, 37, 38, 43, 44, 73, 79, 107, 114, 118, 119, 120,
124, 135, 161, 170, 172, 178, 195, 217, 219, 220, 223, 224, 225, 226, 228, 229,
230, 231, 232, 233, 234, 253, 254, 257, 258, 259
Quilombolas 59, 140, 253, 255, 256, 257
R
Recursos naturais 17, 22, 23, 24, 25, 26, 30, 31, 33, 37, 38, 40, 41, 45, 46, 47, 54,
55, 67, 70, 72, 73, 75, 77, 80, 89, 91, 94, 95, 98, 103, 105, 107, 108, 110, 113, 114,
120, 149, 161, 162, 165, 171, 172, 178, 191, 200, 203, 205, 212, 214, 215, 261, 265
Reforma agrária 25, 27, 41, 87, 98, 134, 136, 142, 143, 197, 233, 234, 275
Representatividade 36, 100, 103, 104, 115
Reserva Extrativista Tapajós 3, 5, 15, 21, 27, 28, 31, 43, 46, 47, 54, 65, 67, 68,
74, 78, 79, 86, 90, 94, 98, 99, 105, 108, 110, 121, 125, 126, 131, 141, 142, 144,
159, 161, 162, 165, 166, 178, 181, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 197, 198,
199, 202, 203, 206, 210, 213, 216, 231, 232, 234, 259, 263, 265, 271, 272
S
Seringueiros 23, 35, 36, 41, 46, 83, 113, 147, 190
,
270
Sociobiodiversidade 41, 139, 184, 201

Sustentabilidade 45, 73, 94, 117, 119, 120, 150, 170, 178, 190, 212, 234
T
Tapajós 3, 4, 5, 7, 9, 10, 11, 12, 15, 17, 18, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 30, 31, 33,
34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 49, 50, 52, 53, 54, 55, 57, 58,
59, 60, 61, 62, 65, 67, 68, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84,
85, 86, 88, 89, 90, 91, 93, 94, 97, 98, 99, 100, 102, 103, 105, 106, 107, 108, 109,
110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 125, 126, 128, 129,
131, 133, 134, 135, 138, 139, 140, 141, 142, 144, 147, 148, 149, 151, 152, 153,
154, 155, 156, 157, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 170, 171,
172, 173, 174, 175, 176, 178, 181, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191,
192, 193, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 202, 203, 205, 206, 207, 208, 210, 211,
212, 213, 214, 215, 216, 219, 220, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228, 229,
231, 232, 234, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 250, 251, 253,
254, 255, 256, 257, 258, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 265, 268, 269, 271, 272, 274
Turismo de base comunitária 18, 25, 75, 112, 195, 197, 198, 200, 201, 203
U
Unidades de conservação 15, 17, 21, 22, 23, 27, 30, 33, 35, 36, 38, 39, 42, 65,
66, 67, 68, 70, 73, 74, 76, 77, 78, 79, 83, 90, 91, 93, 94, 101, 102, 105, 106, 114,
125, 127, 131, 135, 142, 144, 147, 148, 157, 159, 160, 169, 171, 172, 183, 184,
188, 190, 193, 195, 200, 201, 202, 203, 212, 219, 220, 231, 253, 254, 256, 257,
259, 260, 261, 265
V
Valorização 41, 43, 55, 59, 60, 96, 119, 156, 195, 200, 201
Violência 49, 50, 51, 52, 53, 58, 59, 133
Z
Zoneamento 70, 71, 72, 73, 161, 162, 165, 183, 216
SOBRE OS AUTORES

Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Santarém, Pará. [email protected].

Universidade Federal do Oeste do Pará. Santarém, Pará. [email protected]

Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns. Santarém,
Pará. [email protected]

Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós, Santarém, Pará. achaves.natural@
gmail.com

Antonio Jose Mota Bentes

Sociedade para a Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente. Santarém, Pará. antonio-
[email protected]
Arimar Feitosa
Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós. Santarém, Pará. arimarcouro@
yahoo.com.br
Auricelia dos Anjos

Biane Silva Pontes

Engenheira Florestal, Santarém, Pará. [email protected]
Bruna Vaz
Doutoranda em história pela Universidade Federal do Pará. Santarém, Pará. bru-
[email protected]

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará. bruno.
[email protected]
SOBRE OS AUTORES
272
Caetano Scannavino
Projeto Saúde e Alegria (PSA). Santarém, Pará. [email protected]

Cooperativa Mista da Floresta Nacional do Tapajós. Santarém, Pará. richeleflorestal@
hotmail.com


Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará. cleiton.
[email protected]


Núcleo de Divisão de Vigilância em Saúde, Secretaria Municipal de Saúde de Santarém.
Santarém, Pará. [email protected]

ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará.
[email protected]
Dinael dos Anjos

Organização das Associações da Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, Santarém,
Pará. [email protected]

Universidade Federal do Oeste do Pará, Santarém, Pará.

Fabio Pena
Projeto Saúde Alegria-PSA. Santarém, Pará.
Florêncio Almeida Vaz Filho

O RIO QUE NOS UNE
273

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Manaus, Amazonas. jacarebelo@gmail.
com

Grupo de Defesa da Amazônia. Santarém, Pará. [email protected]


Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará. jackeline.
[email protected]
Jackson Rêgo Matos




Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará. jose-ri-
[email protected]

Unyleya Educacional. Altamira, Pará. [email protected]
Judith Costa Vieira



SOBRE OS AUTORES
274

Indígena Arapiun da aldeia Nova Vista (Resex Tapajós-Arapiuns), Santarém, Pará.

Universidade Federal do Oeste do Pará/UFOPA. Santarém, Pará.
Luciano Jensen

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará. felipe.
[email protected]

Consultor em Gestão e Desenvolvimento Socioambiental. Santarém, Pará. mllblues@
yahoo.com.br

Maria da Luz Farias

Conservação Internacional – Brasil. Santarém, Pará. [email protected]
Maria Jocileia Soares da Silva

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará. jocileia.
[email protected]

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Santarém, Pará. mauricio.
[email protected]

Universidade Federal do Oeste do Pará. Santarém, Pará. michelle.fugimura@ufopa.
edu.br

Universidade Federal do Oeste do Pará. Santarém, Pará.

Universidade Federal do Oeste do Pará. Santarém, Pará.

O RIO QUE NOS UNE
275
Rubens François
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Santarém, Pará. rubens.fran-
[email protected]

Universidade Federal do Oeste do Pará/UFOPA. Santarém, Pará.

Secretaria Municipal de Educação. Santarém, Pará. [email protected]



Membro da diretoria do Grupo de Defesa da Amazônia. Santarém, Pará. gdacida@
gmail.com
Veraneize dos Anjos

Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Santarém, Pará. [email protected]

SOBRE O LIVRO
Tiragem: Digital
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Garamond 10,5/11,5/13/16/18
Arial 8/8,5

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Dárlison Fernandes Carvalho de Andrade

Jackeline Nóbrega Spínola

O rio que nos une: Uso & Gestão na

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

O Rio que nos une [livro eletrônico] : uso &

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

Ministério do Meio Ambiente

Presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade

Coordenação Geral de Pesquisa e Monitoramento da Biodiversidade

Floresta Nacional do Tapajós

Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns

Engenheiro Florestal, Mestre em Ciências Florestais

Jackeline Nóbrega Spínola

Amazonense, Engenheira Florestal, Mestre em Ges-

FINALIZANDO UMA OBRA EM CONSTRUÇÃO������������������������������������������ 265

ÍNDICE REMISSIVO������������������������������������������������������������������������������������� 267

SOBRE OS AUTORES���������������������������������������������������������������������������������� 271

Jackeline Nóbrega Spinola1

1 Analista Ambiental da Reserva Extravista Tapajós-Arapiuns.

conservação. O extrativismo de produtos florestais não madeireiros (PFNMs) e a

João Ricardo Vasconcellos Gama3

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Contexto para a criação das Unidades de Conservação

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Este decreto definiu povos e comunidades tradicionais como “grupos cultural-

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BACHA, C. J. C.; RODRIGUEZ L. C. E. Relatório de Impactos Socioeconômicos

BATES, H. W. Um naturalista no rio Amazonas. Tradução: Regina Regis Junqueira.

BRASIL. Decreto nº 1.298 de 27 de outubro de 1994. Aprova o Regulamento das

BRASIL. Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei no

BRASIL. Decreto nº 6.290, de 6 de dezembro de 2007. Institui o Plano de Desen-

BRASIL. Decreto nº 73.684, de 19 de fevereiro de 1974. Cria a Floresta Nacional do

BRASIL. Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unida-

BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Departamento de Produção Mineral. Pro-

LEITE, A. M. C.; SAMPAIO, P. de J. B.; BARBOSA, A. P.; QUISEN, R. C. Diretrizes

MMA/IBAMA – Ministério do Meio Ambiente/Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

MMA/ICMBio – Ministério do Meio Ambiente/Instituto Chico Mendes de Conserva-

MMA/ICMBio – Ministério do Meio Ambiente/Instituto Chico Mendes de Conser-

IORIS, E. M. Uma ﬂoresta de disputas: conflitos sobre espaços, recursos e identi-

PSA. Almanaque da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, prazer em conhecer.

VAZ, F. A. Emergência étnica de povos indígenas no baixo Tapajós, Amazônia.

VIANNA JUNIOR, A. Porque Terras e Territórios? In: Terras e Territórios na

No final da década de oitenta, o modelo extrativista foi promovido como uma

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FINALIZANDO UMA OBRA EM CONSTRUÇÃO�� 265

ÍNDICE REMISSIVO�� 267

SOBRE OS AUTORES�� 271