Enrique Dussel - A Produção Teórica de Marx
Enrique Dussel - A Produção Teórica de Marx
Enrique Dussel - A Produção Teórica de Marx
Tradução
José Paulo Netto
1ª edição
Expressão Popular
São Paulo - 2012
Copyright 2012 © Editora Expressão Popular Ltda.
Impressão Cromosete
Dussel, Henrique
D87p A produção teórica de Marx: um comentário ao
Grundrisse. /Henrique Dussel; tradução José Paulo Netto.-
1.ed. -são Paulo : Expressão Popular, 2012.
400 p. : il., grafs.. tabs.
CDD33 5.4
13 Palavras preliminares
389 Apêndice
Segui il tuo corso
e lascia dir le genti.
Dante*
Segue o teu caminho e deixa a gentalhafalar. A citação (com que Marx finaliza o prefácio, da
tado de 25 de julho de 1867, do livro I d' O capital. Critica da economia política) é uma mo
dificação do verso 13 do canto V do "purgatório" da Divina Comédia - cf. Dante Alighiere,
Divina Comédia. Cotia/Campinas: Ateliê Ed./Ed. UNICAMP, 2011, p. 249. (N. do T.)
NOTA À EDIÇÃO BRASILEIRA
É ainda dos anos 1920 o projeto (formulado por D. B. Riazanov) de reunir as obras
de Marx-Engels numa grande edição - as Obras completas de Marx-Engels (Marx-Engels
Gesamtausgabe/MEGA). O projeto foi interrompido nos anos 1930; os volumes editados
seriam conhecidos como constitutivos da MEGA1, uma vez que, nos anos 1970, iniciou
se a publicação de uma nova MEGA conhecida desde então como MEGA2 e ainda em
- -
curso; é certamente a esta que se refere Dussel. Ao longo do texto, o autor também se re
meterá às Obras de Marx e Engels (Marx-Engels Werke/MEliV), edição publicada em alemão
nos anos 1950-1960. (N. do T.)
É sobre esta primeira edição a que se refere o autor (La producción teórica de Marx. Un comen
taria a los Grundrisse. México: Sigla XXI, 1985) que se fez a presente tradução. (N. do T.)
11
A PRODUÇÃO TEÓRICA DE MARX
Enrique Dussel
Professor Emérito/UNAM
Departamento de Filosofia
México, julho de 2012
Cf. Hacia un Marx desconocido. Un comentario de los Manuscritos dei 1861-1863 (México: Siglo
XXI, 1988) e EI último Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana. Un comentario a la
tercera y a la cuarta redacción de "EI capital" (México: Siglo XXI, 1990).
12
PALAVRAS PRELIMINARES
Dussel, como vai indicar detalhadamente logo adiante, tem por objeto os manuscritos
que Marx elaborou em 1857-1858 e que ficaram (à exceção de um pequeno texto in
trodutório Introdução [à crítica da economia poUtica] editado por K. Kautsky em 1903 e
- -
com várias versões ao português) inéditos até 1939/1941, quando foram publicados sob
o título de Gnmdrisse der Kritik der politischen Ôkonomie. Rohentwurf 1857-1858. Sob o tí
tulo Gnmdrisse. Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política, a
Boitempo Editorial (S. Paulo), em co-edição com a Editora UFRJ (Rio de Janeiro), ofe
receu em junho de 2011 uma ótima versão desta obra, sob a responsabilidade editorial do
Prof. Mário Duayer que, juntamente com Nélio Schneider, encarregou-se da tradução,
com a colaboração de AH. Werner e R. Hoffman. (N.do T.)
13
A PRODUÇÃO TEÓRICA DE MARX
Traduzimos "plusvalor" [do alemão Mehrwert), ao longo deste livro, por mais-valia tão so
mente por levar em conta a tradição já assente nas versões de Marx em português; a edição
brasileira dos Grundrisse, citada na nota anterior, contém (p. 23) um elucidativo esclare
cimento do Prof. Mário Duayer justificando a opção por uma tradução mais adequada:
mais-valor. (N. do T.)
Zur Kritik der politischen Ô konom ie (Ms. 1861- 1863). MEGA, II, 3/2, Berlin, Dietz, 1'l"77
ss. [Há edição brasileira das Teorias da mais-valia. História crítica do pensamento. S. Paulo:
DIFEL, 3 vols. , 1 983-1985. Mas as Teorias da mais-valia estão longe de esgotar o material
contido nos mais de vinte cadernos dos Manuscritos de 1861-1863; dos cadernos 1 a V, há
edição brasileira: Contribui)ão à crítica da economia política. Manuscrito de 1861-1863. Terceiro
capítulo: o capital em geral. Belo Horizonte: Autêntica, 20 10. Mais adiante, nestas "Palavras
preliminares" e ao longo desta obra, Dussel voltará a se refer ir ao liv ro que Marx publicou
em 1859, Contribuição à crítica da economia política dele há várias edições em português,
-
14
EN RIQU E D U SS EL
15
A P R O D U Ç Ã O T EÓR I C A D E MA RX
16
E NRIQU E D U S S E L
Ibid., p. 2 14; pp. 1 89- 1 90. Contudo, este tema será tratado, de outro modo e desenvolvi
damente, na questão do "Fetichismo da mercadoria".
lbid., p. 1 80; p. 161.
10
"Leiblichkeit" é a palavra utilizada, como nos Grundrisse (vej a-se nosso parágrafo 7. 1. a, no
texto ali citado).
11
El capital, ibid., p. 203 ; p. 1 8 1 .
12
Bevor "Das Kapital" entstand. Berlin: Akademie Verlag, 1 968, p. 413 (esp o cap. 3: "Die
.
17
A P RODUÇÃO TEÓRICA DE MARX
13
MEW, XXIX, p . 225 .
14
Veja- se Maximilien Rubel , Bibliographie des oeuvres de K Marx. Paris: Rivi êre, 1 956 , pp .
134-137, n º 478, "Cri se financeira e comercial na Europa" (te xto de Marx de 2 7 de julho
de 1 85 7); n º 485, "Cr ise finance ira" ( de 26 de setembro) ; n º 49 1 , "A cri se econ ômica da
Europa" ( de 5 de janeiro de 1 858). Os Grundrisse são redi gido s sob p res são da crise e ante a
espera nça da der rubada do capital ismo - don de a ne cessi da de , para Marx , de demonstra r
a condição de po ssibilida de do sd ois fen ômenos a partir da essência do próprio capital.
15
Tanto a equipe berli nesa (Grundrisse ... , Kommentar. Hamburg : VS A, 1 978, p. 54 e ss .)
quanto o própr io Roman Rosdol sky (Génesisyestructura de EI Capital de Karl Marx. México :
Siglo XXI , 1 9 78 , p. 230 e s s.) não salientam suficientemente e ste ponto. [Est á vertida ao
po rtu guês a obra de Ro sdols ky: Gênese e estrutura de O capital de Korl Marx. Rio de Janeiro:
E DUERJ/Co ntraponto , 2001 . (N. do T.) ]
16
Que de ve vender a " sua corporalidade (Leiblichkeit) vi va" (Mans. 61-63, ed . cit. , 1 , p. 32) .
17
lbid., pp. 33, 1 1- 14.
18
lbid., pp. 34, 34-35 . C f. ibid., pp. 11 6-1 17 .
18
EN RI QUE D USS E L
Nada disso se apresenta com tanta clareza n'O capital, talvez porque
pareceria como exageradamente filosófico ou hegeliano - mas justa
mente para uma leitura latino-americana era essencial descobrir a fonte
última do seu pensamento, que se encontra, conforme a nossa inter
pretação, na positividade da realidade do não ser do capital (não-capital)
que se situa na exterioridade, no âmbito transcendental do capital (que,
metafisicamente, denominamos: o mais além analético) : a alteridade
da corporalidade concreta, da própria pessoa do trabalhador, do sujei
to que, no entanto, se encontra - antes do intercâmbio e da obtenção
de mais-valia por parte do capital - "frente a frente" com o capitalista,
mostrando a sua "pele" - como Marx escreverá n'O capital -, a sua cor
poralidade sensível, sofredora, pobre, desnuda . . . A sensibilidade que
descobrira em Feuerbach na j uventude, então como mediação intuitiva
para conhecer o real, agora é uma determinação essencial do outro que
não é o capital: sua própria pele, na qual sofrerá ao ser o criador da mais
valia para o capital, negatividade que esta mesma pele não poderá viver
como gozo, felicidade ou realização no pleno consumo do produto do
seu próprio trabalho. Corporalidade negada e mais-valia são o mesmo ;
negação de vida como morte do "trabalho vivo" e afirmação como vida
do capital pelo "trabalho morto" - como se dizia nos Manuscritos de 1 844
- são o mesmo.
Estamos convencidos de que esta é uma peculiaridade - não de deta
lhes, mas de fundo - de todo o nosso comentário em relação aos elabo
rados na Europa.
De fato, e por último, a nossa interpretação, continuamente, abrirá
perspectivas que deveriam ser exploradas em uma "leitura latino-ameri
cana" dos Grundrisse . Os capítulos 17 e 1 8 são apenas dois desses possíveis
desenvolvimentos - haveria muitos outros, que eliminamos para que o
livro não crescesse exageradamente. A pobreza atroz, dilacerante, do nos
so continente nos levou, há anos, a colocar a questão do "pobre" como ca
tegoria antropológica e metafísica - com origem e estatuto ético. Isto nos
fez o alvo de duras críticas de certos dogmáticos abstratos. Os Grundrisse
nos deram a pista para poder, agora, começar a construir, como estritas ca
tegorias analíticas, os conceitos de "pobre" e de "povo" - um, o singular,
19
Ibid., pp. 1 40 , 40 e ss. Aqui se segue um texto muito semelhante ao citado no parágrafo
7. 1 . a deste nosso livro.
19
A PRODUÇÃO TEÓRICA DE MARX
20
E N R I Q U E DUSSEL
22
lbid., I, cap. 4 (MEW, XXIII, p. 189): "Lançar-se-á luz sobre o mistério que envolve a pro
dução da mais-valia" (ibid.).
21
A P R O D U Ç A O TEÓRICA OI! M A R X
II
Por outro lado, este curto trabalho, esta "introdução" aos Grundrisse
de Karl Marx, este "comentário" pretende propiciar uma leitura provei
tosa deles - mas de forma alguma substitui a sua leitura. Ou sej a: é neces
sária uma leitura simultânea e cuidadosa dos Grundrisse.
Esta obra permite uma leitura pausada, página a página, linha a linha
- como se faz com os grandes pensadores da história da humanidade. Na
América Latina, frequentemente se conheceu Marx através de seus intér
pretes - dos quais o último foi Althusser. Já é tempo de ir a seu próprio
texto. Esta é a consigna que guiará este livro: uma introdução ao "próprio
Marx". E, neste caso, a dificuldade reside em como estudar o próprio
Marx, porque, para os não iniciados, ele se transforma numa espécie de
castelo inexpugnável - que, no entanto, há que tomar de assalto.
Ir ao "próprio Marx" - sem pretensão de revisionismos - supõe possuir
uma posição de leitura clara, algumas decisões hermenêuticas definidas.
Nós seguiremos os Cadernos um a um, em sua ordem, com suas idas
e vindas, retornos, repetições (em geral aparentes, uma vez que são tam
bém aprofundamentos do já visto, mas noutra perspectiva) . Seguiremos
de "pés juntos" a elaboração teórica de Marx no seu próprio "laboratório".
Não compararemos suas descobertas com suas clarificações ou cor
reções posteriores. Simplesmente explicaremos as conquistas alcançadas
em cada momento dos Grundrisse. Extrapolações posteriores não nos per
mitem compreender a dificuldade de certas descobertas e o estado ima
turo em que se encontram nos Gründisse. Queremos encontrar um Marx
real, histórico, titubeante, genial, inventor de categorias; um Marx que
sempre deveu e soube corrigi-las à medida que fazia avançar o seu dis
curso; um Marx sempre crítico com a economia capitalista - mas, antes
22
E N R I QU E D U S S E L
como intelectual pobre, sem recursos, tinha que copiar extratos para não
comprar livros. Comparecia diariamente à biblioteca do Museu Britânico.
De setembro de 1 850 a agosto de 1 853 , deixou-nos uma série de 24 cader
nos. Alguns deles foram incluídos nos apêndices dos Grundrisse - como,
por exemplo, os extratos da obra de David Ricardo, On the principies ef
política[ economy and taxation ( 1 82 1 ) , sobre a teoria do dinheiro24• Neste
23
Cf. o meu artigo "Sobre a juventude de Marx", emDialéctica (Puebla), 1 2 (1982), pp. 219-239.
24
Cf: International Review efSocial History, II, 3 , p. 406 e ss. (Veja-se Grundrisse, ed. cast., t. III, p. 7 e
ss.; ed. alemã, p. 769 e ss.). Para as obras de Marx, em geral, considere-se o muito útil trabalho
de Franz Neubauer, Marx-Engels Bibliographi.e. Harald Boldt: Bopp ard, 1979, p. 72 e ss.
23
A PRODUÇÃO T E Ó R I C A D E M A R X
25
Int. Rev. ofSoe. Hist., cit.
26
Incluído nos Grundrisse, III, 29-88; 787-839, junto a algumas notas de 1851 (ibid., III, 25-
27; 783-785).
O lnternationaal lnstituut voorSociale Geschiedenis (Kabelweg 51 , Amsterdã) detém valiosís
simos materiais de Marx, En gels e da social-democracia alemã. Veja-se Paul Mayer, "Die
Geschichte der sozialdemokratischer Parteiaschivs und das Schicksal des Marx-Engels
Nachlasses", emArchivfürSozialgeschichte, VI/VII, (1966-1 967), pp. 5-198. Ali pudemos
examinar especialmente este caderno sobre questões coloniais, em que Marx comenta as
seguintes obras : H. Brougham, An inquiry into the colonial policy; Th. Buxton, The African
slave trade; Th. H od gs kin A Heeren, Ideen über die Politik... der alten Võlker; W. H owitt,
-
24
ENRIQUE DUSSEL
compasso de espera até j ulho de 1 857. Nesses anos, 1 854- 1 856, ocupa-se
de questões conj unturais - mas não devemos esquecer que, em setem
bro de 1 854, estuda várias obras sobre a Espanha, o que o leva ao co
nhecimento da língua castelhana29• Em todos estes trabalhos, podemos
observar a "técnica" (não propriamente o método) de investigação de
Marx. Primeiramente, recorria a algumas obras (que j ulgava as melhores
e que se encontravam no Museu Britânico) sobre o tema a estudar. Lia as
partes que mais lhe interessavam. Extratava-as e escrevia reflexões e co
mentários. A partir desses Cadernos redigia artigos para j ornais e revistas.
Procederá do mesmo modo em suas obras teóricas principais. Primeiro,
fazia "apontamentos" sobre os clássicos. Depois, redigia Cadernos em que
mesclava notas e reflexões (às vezes, mais reflexões próprias que notas, e
isto à medida que dominava mais o tema e começava então a objetivar a
sua própria posição) . Num terceiro momento, passava à redação da obra
por inteiro e para a impressão - embora às vezes fracassasse e não a en
tregasse ao tipógrafo. Apenas duas grandes obras, apenas duas, chegaram a
um final feliz mediante esta "técnica" tão exigente Contribuição à crítica
-
da economia política ( 1 859) e o livro I d'O capital ( 1 867) . Estas duas únicas
obras do período que podemos chamar "definitivo" de sua vida foram
antecedidas por longos estudos, extratos, reflexões e até exposições siste
máticas preparatórias. Uns da ordem da "investigação" (os Grundrisse e os
Manuscritos de 1861-1863 e posteriores, são os melhores exemplos) e ou
tros da ordem da "exposição" para o leitor, para a "consciência" da classe
operária (ordem respeitada nas duas obras mencionadas de 1 859 e 1 867) .
Depois da aparição do livro I d'O capital, a partir de 1 870, Marx retomará
novas investigações, mas não poderá escrever os textos para a publicação
(numa adequada ordem da "exposição") dos livros subsequentes d'O ca
pital (o II, o III e o N, tarefa que Engels e Kautsky levarão a cabo por sua
conta e risco) .
No livro que o leitor tem em mãos, vamos nos ocupar apenas do cur
to período que vai de j ulho de 1 857 a dezembro de 1 858, período que se
poderia descrever nas seguintes fases:
1 . em j ulho, toma notas de uma obra de Bastiat e de Carey. Na últi
ma semana de agosto de 1 857, inicia o Caderno M, que é pensado
como a "Introdução" aos Grundrisse;
2. de outubro de 1 857 a j unho de 1858, escreve os Cadernos I ao VII
dos Grundrisse;
29
Acerca desses Cadernos sobre a Espanha, veja-se alnt. Rev. ofSoc. Hist., v. 1 , pp. 53-56.
25
A P R O O U Ç A O T E Ó RI C A D E M A R X
Todo o período culmina com o "Í ndice dos sete Cadernos"3º de j unho
de 1 858, no qual, pela primeira vez nos seus cadernos, o valor centraliza
as suas investigações, antes do tratamento do dinheiro - que, desde 1843,
fora o tema inicial do seu discurso econômico. A visão definitiva sistemá
tica de Marx, vemo-la assim aparecer (embora venha a apresentar muitas
variantes) em junho de 1 858, como fruto dos Grundrisse .
Mas esta culminação, contudo, j á se deixava entrever há alguns me
ses. Na carta de Marx a Lassalle, de 22 de fevereiro de 1 858, registra-se,
claramente, a divisão da obra futura em seis partes : "O conj unto se divide
em seis livros: 1 . O capital (que contém alguns capítulos introdutórios).
2. Da propriedade fundiária. 3. Do trabalho assalariado. 4. Do Estado. 5.
Comércio internacional. 6. Mercado mundial"31•
Ademais, em carta de 1 1 de março do mesmo ano, Marx expunha,
resumidamente : "Este fascículo compreende: 1. Valor. 2. Dinheiro. 3.
Capital em geral (processo de produção do capital, processo de circulação
do capital, unidade de ambos ou capital e lucro, juro) "32•
Este será, praticamente, o índice da "primeira redação", de 1 858, da
Contribuição à crítica da economia política, que descartou talvez não só pelo
seu mau estado de saúde, mas porque compreendeu que o capítulo 3, so
bre o capital, não estava suficientemente maduro.
Finalmente, alguns esclarecimentos externos com relação ao nosso
texto. Recomendamos ao leitor seguir a adequada ordem na leitura. Em
primeiro lugar, ler um parágrafo deste livro (p. ex. , 1 . 1 ) . Imediatamente,
em segundo lugar, ler nos Grundrisse as páginas correspondentes escritas
pelo próprio Marx. Em terceiro lugar, voltar novamente ao nosso pará
grafo para fixar o tema.
Citaremos o texto de Marx em nosso livro do seguinte modo: em pri
meiro lugar, a página da edição castelhana33• Em segundo lugar, as linhas
30
Cuaderno M; Gr. III, p. 105 e ss. (855 e ss.).
31
Contribución a la critica de la economia política. México: Siglo XXI , 1 980, p. 316; MEW, XXIX,
p. 551.
32
Ibíd., p. 3 1 7; MEW, XXIX, p. 554.
33
Elementosfandamentales para la critica de la economía política. Borrador. 1857-1858 (excelente
tradução de Pedro Scarón, que modificaremos quando a interpretação o exigir). Siglo
26
E N R IQUE D U S S E L
{ }
a página da edição alemã, conforme a seguinte correspondência:
t. (, p. 1-479 . . . p.1-414
Edição caste lh ana t. li, p. 1-465 . . . p. 415-764 Edição alemã35
t. Ili, p. 1-246 ... p. 765-980
E.D.
XXI, t. 1 (Buenos Aires, 1971), t. II (Buenos Aires, 1972), t. III (México, 1980); a nume
ração das páginas é a mesma em todas as suas reedições.
34
Grundrisse der Kritik der politischen Ôkonomie. Rohentwuif. 1857- 1 858. Marx-Engels-Lenin
Institut (Moscou). Berlin: Dietz Verlag, 1974, 3ª ed. (a 1" ed. é de 1939).
35
Por exemplo: 122, 2; 871, 21 significa : texto do tomo III (atenção: não colocaremos o
tomo da e dição castelhana para simplificar as anotações, mas, como dissemos, ele é iden
tificável pela pági na da edição alemã), página 122, linha 2 da edição da Siglo XXI; que
corresponde à página 871, linha 21 da edição alemã dos Grundrisse. Ou ainda, para exem
plificar: 99, 3; 489, 30 significa: tomo II, página 99, linha 3, ed. castelhana; p. 489, linha
30, ed. alemã. To da vez que aparecerem estes números sem i ndicação de alguma obra, eles
se referem aos Grundrisse. [Somente no corpo do texto , logo em seguida à página da edi
ção castelhana, daremos, entre colchetes, a primeira página (sem indicação das linhas) da
edição brasileira dos Grundrisse citada na nota 1 em que se inicia a passagem em questão,
observando ao leitor que seguiremos o texto da versão castelhana que Dussel utilizou e
que nem sempre coincide com o da versão da B oitempo/Editora UFRJ (N. do T.)).
27
PRIM E I RA PART E
INTRODUÇÃO
Esta primeira parte tem o mesmo título que Marx apôs às páginas
escritas por ele no começo dos Cadernos. São dois capítulos fundamen
tais, posto que enquadram a totalidade dos Grundrisse seja quanto ao seu
conteúdo profundo (a produção, o processo de produção posterior) , seja
quanto ao seu método.
1.
geral são precisamente as que devem ser separadas, a fim de que não se esqueça a
diferença essencial (die wesentliche �rschiedenheit) para ressaltar apenas a unidade,
a qual decorre já do fato de que o sujeito, a humanidade, e o objeto, a natureza,
são os mesmos (5 [ 4 1 ] , 5-32; 6, 42-7, 23)1•
31
A P RODUÇÃO TEÓRICA D E M A R X
32
ENRIQUE DUSSEL
Mas todas as épocas da produção têm certas notas (Merkmale) em comum, cer
tas determinações (Bestimmungen) comuns. A produção em geral (Produktion im
Sobre a questão do "sujeito produtivo" ou "produtor" em geral (que não deve identificar
se com o "sujeito de necessidade" que encontra à mão seu objeto "satiifactor" e, pois, não
tem que produzi-lo) , veja-se de Ekkehard Fraentzki, "Metafisica do trabalho", em Der
missverstandene Marx. Pfullingen: Neske, 1980; Klaus Binder, Arbeit. Die Gestalt der pro
duktiven Subjektivítiit ím �rk von Karl Marx. Tese de doutorado, Frankfurt, 1 979; Franz J.
Albers, Zum Begriffdes Produzierens ím Denken von Karl Marx. Meisenheim: Anton Hain,
1975 (bibl. pp. 1 45- 1 5 1 ) ; Georg Lukács, Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins. Díe Arbeit.
Neuwied: Luchterhand. 1 973 (de quem discordaríamos na designação em abstrato da
prdxis como trabalho, como "gesellschaftlíchen Praxís " . No entanto, em concreto, ou seja,
incluindo o trabalho na totalidade social das relações sociais ou práticas, superaríamos
então o "antigo materialismo" - que Lukács cuida de dizer que é o staliniano. pp. 61 -69) .
[No momento em que vertemos este livro de Dussel, a Boitempo Editorial anuncia para
breve a publicação da tradução integral da obra acima referida de Lukács, sob o título Para
uma ontologia do ser social. (N. do T.) ]
33
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A DE M A R X
É interessante obse rvar que, na História da .filosofia, q uando Hegel explica a filosofia de
Aristóteles, no momento de descrever a " for ma" (morfé) aris toté l ica, usa a palavra "deter
m inação " (Bestimmung; cf. 1, 1, cap. 3, B, 1 : "Metafisica", em Werke. Frankfurt: Suhrkamp,
t. XIX, 1 97 1 , p. 152) . Mencionando a "substância" e as suas quatro "causas", indica: "a) A
determinação (Bestimmtheit) ou qual i d ade enquanto tal, pela qual algo é isto; b) a matéria
[ . . . ] ; c) o princípio do movimento e d) o princípio do fim ou bem". A "determinação" é
um dos "quatro princípios" aristotélicos, o princíp i o formal, essencial c on stitut ivo, a morfé
<forma medieval) .
" O todo, tal co mo aparece n o cérebro (im Kopfe) " (22, 29-30; 22, 3 1 ) . O co nc ei to o u ideia
não pode ser uma "prática" - como o diz Althusser -, mas uma prod ução " : "[ . . . ] O pen
"
samento é um produto (Produkt) do cérebro q u e pensa" (22, 30-3 1 ; 22, 32-33). É um pro
duto semiótico (cf. nossa Filosofia de la liberación. Bogotá: USTA, 1980, 4.2: "Semiótica",
pp. 143-1 54).
34
ENR!QUE D USSEL
cada indivíduo aparece (erscheint) como independente dos laços naturais (3 [39] ,
24-25; 1, 1 8-23) .
Adiante indicaremos a questão, na nota 5 (capftulo 3). De qualquer forma, não pode
mos deixar de observar que, para o Marx dos Grundrisse, já não interessa o Hegel da
Fenomenologia do Espírito nem o da Filosofia do direito (esta última obra só é referida em
poucos casos, específicos}, mas o da Lógica (tanto da grande Lógica quanto da pequena,
da Enciclopédia) . E mesmo que ele se utilize de alguns conceitos metodológicos (univer
salidade, particularidade, singularidade etc. } , não é o Terceiro Tratado sobre o Conceito
o que mais importa, mas principalmente o Primeiro Tratado sobre o Ser e, especialmen
te, o Segundo, sobre a Essência. "Essência", para Marx, é a "essência" da Lógica de Hegel
(em seu conteúdo formal, não material). Lemos em Hegel: "A essência é o conceito
enquanto conceito posto (gesetzter); na essência, as determinações são apenas relativas,
não ainda a dtulo de determinações reflexivas pura e simplesmente nelas mesmas [ . . . ] "
etc. (Enzyklopiidie, parágr. 1 12. E m �rke, t. V, III, 1 970, p. 23 1 ) . Marx diria, aplicando
esta doutrina ao objeto que estuda nos Grundrisse: "O capital é o momento em que a es
sência, enquanto conceito, está posta; no capital, as determinações [ . ]" etc. Vale dizer:
. .
35
A P R O D UÇÃO T E Ó R I CA D E M A RX
"
1+ A PRO D U ÇA O " EM G E RAL
(3 [39] , 6-8, 35; 5, 6-10, 1 6)
ESQUEMA 1
ALGUMAS DETERMINAÇÕES ESSENCIAIS DA PRODUÇÃO
Objeto2
Satiefactor Produto b
a (matéria2)
u:��� L
/o
Objeto1
1 S '
Natureza
(matéria1)
necessidade
' instrumento
......._ a prod utor - b ----.
( e trabalho passado)
36
E N R I QU E D U S S EL
37
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
nossa Fiwsofía de la producción. Bogotá: Nueva América, 1984. É evidente que o "sujeito"
constituinte é anterior à "matéria" constituída. Neste caso, Konstantinov não teria razão: a
relação não é "consciência-natureza", mas "sujeito de trabalho-natureza trabalhada (matéria
em sentido produtivo)". Por outro lado, Marx se divertiria explicitamente com a matéria
staliniana: ''.Ademais, esta natureza (Natur) anterior (vorhergehende) à história humana não
é a natureza em que Feuerbach [nós agregaríamos: e também Konstantinov] vive, mas
uma natureza que, talvez com a exceção de umas poucas ilhas coralíferas australianas
de formação recente, já não existe (existiert) hoje em parte alguma e, portanto, não existe
para Feuerbach" [agregaríamos: nem para Konstantinov] (La ideologia alemana . Barcelona:
Grijalbo, 1970, p. 48; MEW, III, p. 44). Marx insiste em que não se ocupa com a "prio
ridade (Prioritiit) da natureza exterior (iiusseren Natur)" à história humana (ibid.) O que lhe
interessa é a "natureza" posterior ao homem; como? - como "matéria" de trabalho: "O
trabalhador não pode criar nada sem a natureza, sem o mundo exterior sensível. Esta é a
matéria (Staff) em que seu trabalho se realiza, na qual opera, com a qual e mediante a qual pro
duz" (Mans. 44, XXIII, ed. Alianza, p. 107; MEW, EB I, p. 512). É necessário, de uma vez
por todas, pôr fim a esse materialismo ingênuo e cosmológico da "prioridade da Matéria"
- que, como a Ideia, determinaria necessariamente o homem, negando o seu caráter his
tórico e ético e tornando-o um epifenômeno fisico. Nada mais distante do "materialismo
histórico" de Marx, no qual a "matéria" é o constituído a posteriori pela subjetividade hu
mana (fisica e espiritual) como trabalho, produção.
38
Esta questão (que frequentemente passou desapercebida nas análises
de muitos estudiosos do pensamento de Marx) da clara diferenciação da
instância produtiva ou tecnológica da economia em sentido estrito tam
bém será expressa da seguinte maneira:
Marx sabe muito bem (e aqui caberia dar a palavra a Freud) que o
"círculo" da necessidade (sujeito-necessidade-sat4fàctor-consumo) é ex
tra-econômico: é o âmbito da casa pa ra dentro, o lugar do orgasmo, do
prazer, do gozo, âmbito que a economia condiciona mas do qual, em si,
tem pouco ou nada que dizer. Neste sentido - como se verá depois -, o
"valor de uso" é o "portador material" do "valor de troca" : a tecnologia ou
a produção (abstrata ou essencialmente considerada) é anterior à econo
mia (âmbito mais concreto e fundado) .
Além de tudo isso, uma teoria geral da produção teria ainda que
tratar, como "organismo social", os "graus de produtividade (Grade der
Produktivitiit)" (6 [42] , 34; 8, 24-25) dos diferentes períodos no tempo,
dos diversos povos etc.
39
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
ESQUEMA 2
MúTUA CODETERMINAÇÃO DOS DIVERSOS MOMENTOS
Produção
Consumo
1
e
tf
Distribuição
' 1
Troca
9
Marx e screve : " [ . . . ] A consciência filosófica (das philosophische) está determinada deste
modo [ . . . ]" (22, 17; 22, 1 9-20).
40
E N RIQ lJ E D U S S E L
10
Cf. Hegel, Lógica III, 1, cap. 1 , sobre "O Conceito: A. O Conceito universal, B. O Conceito
particular, C. O Conceito singular" (ed. cast., p. 53 1 e ss.; iffrke, Suhrkamp, t. VI, p. 272
e ss.). É preciso indicar que Marx usa estes conceitos lógico-hegelianos frequentemente -
como, p. ex., em seus planos da obra futura e ainda n'O capital, l, cap. 1 , parágr. 3,C, fala de
"forma singular (vereinzelte) de valor", "forma particular (besondre) de valor" e "forma universal
(allgemeine) de valor" (El capital. México: Siglo XXI, t. 1/1, 1979, p. 83 ; MEW, XXIII, p. 82) .
41
A P R O D UÇÃO TEÓ R I CA D E M A RX
li
Esta é talve z uma das melhores defi ni ções da "necessidade": " [ . . . ] den idealen, innerlich trei
benden Grund der Produktion". Se se sabe que "fundamento (Grund)" tem um sentido onto
lógico, e nte nd e-se também porque é o pressuposto: o "posto-antes-sob" (V&raussemmg) .
A tendê nci a ou pulsão em direção a um objeto possível, tendência produzida pelo consumo
prévio, é o fundam e nto dafatu ra produção. Aqui é onde deve se dar a articulação entre
Freud (Trieb: pulsão ou instinto) e Marx (treibenden Grund: fundamento pulsional ) .
42
E N R I Q U E D U SS E L
Cada um dos termos, no entanto, não se limita a ser o outro de maneira imedia
ta, nem tampouco o mediador do outro, mas, realizando-se, cria o outro e se cria
enquanto outro ( 1 3 [48] , 36-38; 1 4, 41-44) .
Uma análise sucinta destes parágrafos nos levaria muito longe e es
tenderia demasiadamente este comentário. Apenas queremos anotar que
Marx é mais profundo do que certos pensadores - inclusive, é claro, an
timarxistas latino-americanos - supõem. De qualquer modo, estas distin
ções são abstratas; em concreto, as coisas são muito mais complexas:
43
A P RO D U Ç Ã O T E Ó RI C A D E M A RX
44
E N R I QU E D U S S E L
ESQUEMA 3
DETERMINAÇÕES MÚTUAS DE FUNDAMENTALIDADE
12
"Encomienda : direito concedido pelos reis de Espanha a conquistadores e administradores
espanhóis para usufruírem do trabalho gratuito dos índios de uma área delimitada, deven
do, em contrapartida, ministrar-lhes o ensino da língua espanhola e da religião católica. Por
extensão, tal direito passou a vigorar sobre a área delimitada, tornando-se o encomendero um
proprietário territorial . A encomienda foi a base do mecanismo da dominação da população
indígena rural [ . . . ]" (Manoel L. Belloto e Ana Maria M. Corrêa, "Introdução" a Mariátegui.
S. Paulo: Ática, col. Grandes Cientistas Sociais, vol. 27, 1 982, p. 157). (N. do T.)
13
Este seria um problema central a esclarecer na discussão atual sobre o "modo de produ
ção colonial hispano-americano nos séculos XVI a XVIII.
"
45
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E !1-I A R X
Não existe troca sem divisão do trabalho [ . . . ] A troca privada pressupõe a pro-
.
lo
Temos insistido em definir o econômico como o enlace do prático (relação homem-ho
mem: prática ou política) e do produtivo ou poiético (cf. Filosofia de la liberación, ed. cit. ,
5.9.3.5 e 4.4) . Neste sentido, o material por excelência do materialismo histórico é o tec
nológico ou a própria produção e não o econômico (que já é um segundo mome nto, mais
complexo, mais concreto).
46
E N R I QU E O U S S E L
15
"Eine bestimmte Produktion [ . ] bestimmt also bestimmte Konsumtion". E conclui: "Relações
. .
47
2.
O M ÉTO D O D IALÉTICO
D O A B S T RAT O A O C O N C RE T O
(20 [54] , 41-33, 14; 2 1 , 3-3 1 , 38)
(Caderno M, a partir da página 14 do manuscrito, concluído em meados de setembro
de 1 857)
ficando seu plano até que este alcance, ao fim destes manuscritos, a sua
formulação definitiva.
49
A P RO D UÇÃO T E Ó R I CA D E M A RX
50
E N R I QU E O U S S E L
ESQUEMA 4
REPRESENTAÇÃO ESPACIAL APROXIMADA DOS DIVERSOS MOMENTOS METODOLÓGICOS
ESQUEMA S
CLARIFICAÇÃO APROXIMADA DOS DIVERSOS MOMENTOS METODOLÓGICOS
t 1
1 I
(B) "Mundo roruooptw!;udo •
__.
abc: "ascenso" dialético
__.
def: expl ic ação categorial ( re tomo)
(As setas têm significado igual no esquem a 4)
51
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
52
EN R I QU E DUSSEL
53
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A DE M A R X
[ . ] o Estado, a troca entre nações e o mercado mundial (21 [ 54] , 32-33; 21, 38)
. .
Alcançado este ponto, haveria que empreender a viagem de retorno, até dar de
novo com a população, porém agora não se teria uma representação caótica de
um conj unto, mas sim uma rica totalidade com múltiplas determinações e rela
ções (21 [ 54] , 1 8-22; 2 1 , 24-28) .
54
E N R I QU E D U S S E L
Marx tratou a questão do método pela primeira vez exatamente no capítulo 2 da Miséria
da filosofia, em que expôs sete observações, da maior relevância, contra Proudhon. A pri
meira delas trata da "ordem dos tempos" - períodos em uma descrição genética - e da
"sucessão das ideias" (Buenos Aires: Signos, 1970, p. 84; MEW, IY, p. 126) , desprezando
a "ordem das ideias" (categorias) em favor do "movimento histórico". Nos Grundrisse,
toma uma posição mais complexa, mas, em última instância, inclinar-se-á por expor o
tema seguindo uma "ordem das categorias" em abstrato, porém do "todo" concreto ca
pitalista; aqui, embora faça mais justiça a Proudhon, ironiza o seu método abstrativo. De
qualquer modo, haveria que repassar cuidadosamente, uma por uma, as sete observações
contra Proudhon porque, de alguma maneira, os Grundrisse são, em alguma medida, uma
autocrítica do próprio Marx - ou melhor, um aprofundamento que já não lhe permite
repetir o que escreveu contra Proudhon na Miséria da filosofia. Certamente que o Marx
da Miséria . . era, ainda, mais juvenilmente materialista que o Marx mais maduro dos
.
Grundrisse. [Entre as várias traduções da obra contra Proudhon, cite-se K Marx, Miséria
da.filosofia. S. Paulo: Expressão Popular, 2010. (N. do T.) ]
55
A PRO D U ÇÃO T EÓ RICA D E M ARX
realidade, quando Marx critica a Hegel, não é tanto a Hegel que ele visa,
mas a Proudhon. Este economista incorria no seguinte erro: independi
zava absolutamente "a ordem do tempo ( Ordnung der Zeit) " da "sucessão das
ideias (Folge der Ideen)"3• Marx concorda com Proudhon (contra Hegel)
em que é necessário não confundir a origem e a sucessão histórica (or
dem da realidade) com a origem e o movimento lógico do pensamento
(movimento das próprias categorias) . Porém, critica Proudhon ao indicar
que a ordem das categorias não segue uma pura ordem lógica, mas uma
ordem real, embora não histórico-genética - e sim a ordem essencial da
moderna sociedade burguesa:
126). A crítica, agora, aceita que é necessário tratar as categorias segundo sua ordem lógica
e não histórica, mas não segundo uma pretensa ordem eterna - e sim segundo a ordem
que têm historicamente na sociedade burguesa. O primeiro passo se dá com Proudhon, o
segundo contra ele.
56
EN R I QU E D U S S E L
O real - "a moderna sociedade burguesa, neste caso, é algo dado tanto
na realidade (Wirklichkeit) como no cérebro" (ibid.) é o ponto de partida
-
57
A P R O D U Ç A O T E Ó RI C A D E M A RX
58
ENRIQUE DUSSEL
Não se pode compreender a renda da terra sem o capital (28 [60] , 33-34; 27,
38-41).
Por isso, "o capital [ . . . ] deve constituir o ponto de partida" (28 [60] ,
35-37 ; 27, 38-4 1 ) .
Mas o capital é uma categoria "complexa" o u "mais concreta" que a
mais "simples" ou "abstrata" de trabalho. Por isso, mesmo que o capital
deva expor-se antes que a renda da terra (porque está suposto e a explica) ,
antes do capital deve começar-se pelo trabalho (e outras categorias sim
ples) para chegar ao capital como resultado.
Além da descrição essencial de uma categoria e da descoberta do lu
gar que ocupa na ordem da exposição (que é análogo ao lugar que, na rea
lidade, ocupa na moderna sociedade burguesa) , pode-se ainda descobrir
"as distintas posições (Stellung) que as categorias ocupam nos diversos
estágios ( Gesellschaftsstufen) da sociedade" (29 [ 61 ] , 1 8-20; 28, 22-23).
Para resumir provisoriamente, podemos indicar, agora, que as cate
gorias mais simples (determinações abstratas ou conceitos construídos)
podem, por sua parte, constituir categorias mais complexas (assim, a cate-
59
goria trabalho pode constituir um suposto da categoria dinheiro e esta,
por seu turno, constitui um suposto do capital) . E as categorias mais com
plexas ou concretas ("totalidade construída em geral", nível 4 do esquema
5) podem explicar, mediante as categorias que as compõem (por exemplo,
"capital constante" ou "capital variável") , a "totalidade concreta histórica
explicada" (nível 6) , a moderna sociedade burguesa. As categorias são,
assim, elementos ou mediações de construção (constituição) ou explicação
- momentos hermenêuticos essenciais do método. Marx será extrema
mente cuidadoso na construção das categorias e no estabelecimento da sua
ordem. Desde já podemos indicar que os livros II e III d'O capital não pu
deram ser terminados porque a construção e a ordem das categorias que
eram o objeto destes livros não puderam ser claramente expostas. E quando
Marx não tinha "diante dos olhos" a totalidade da questão a ser expos
ta (ou seja, todas as categorias necessárias e a sua respectiva ordem) com
máximo rigor, não cometia a irresponsabilidade de publicitar algo ainda
confuso. Marx é um genial exemplo de metodicidade, de autoexigência
intelectual e de extrema responsabilidade ética: era um teórico revolucio
nário que assu m ia a sua própria função com a mesma disciplina com que
um pedreiro ergue com perfeição (cumprindo com as regras da arte) uma
parede vertical ou com que um sindicalista prepara uma greve na qual põe
em jogo a sua vida.
Uma vez que tais momentos foram mais ou menos fixados e abstraídos, come
çaram a surgir os sistemas econômicos que se elevaram do simples - trabalho,
60
E N R I QU E D U S S E L
61
A P R O D V Ç A O T E ÓRI C A D E M A RX
Hegel define como Übergang a passagem dialética de um Conceito a outro no rumo da Ideia
absoluta. Para Marx, igualmente, é uma "passagem" de uma categoria a outra, das mais
simples e abstratas às mais complexas e concretas. Assim, nos Grundrisse , passar-se-á do
"Dinheiro" (primeira categoria na investigação) às categorias supostas (Mercadoria, Valor,
Trabalho, Vida) e daí se produzirá a "passagem" essencial: do "Dinheiro" ao "Capital" (ca
tegoria complexa fundamental ou essencial de todo o discurso marxista posterior). Mas a
própria categoria "Capital" - diferente, p. ex., da "Renda da terra" ou "Salário" - deverá
analisar-se em seu interior num desdobramento abstrato das suas categorias constitutivas
(ou determinações essenciais). Veremos tudo isso nos próximos capítulos.
Não fazemos aqui remissão à edição dos Grundrisse citada na nota 1 porque este índice
. . .
62
E N R I QU E D U S S EL
Neste índice estava tudo preparado para que Marx escrevesse o pri
meiro rascunho da Contribuição à crítica da economia política. Vê-lo-emos,
detalhadamente, mais adiante.
Agora, cabe indicar que Marx parece ter chegado ao ponto de esgota
mento do seu discurso. É preciso empreender a tarefa noutro rumo. Por
isso, no ponto 4) do Caderno M (30 [61 ] , 1 1 -33, 14; 29, 7-3 1 , 38) , fala-se
de tudo um pouco (guerra, historiografia, dialética dos conceitos, relação
entre produção material e arte etc.), mas desordenadamente. O certo é
que, durante quase mais de um mês, Marx não poderá voltar a seus estu
dos de economia.
S E G UN D A P A RT E
TEO RI A DO D I N H EI RO
G :ê.N E S E D A T E O RI A D O D I N H E I RO
(37 [67] , 1 -72, 2 1 ; 35, 1 -65, 26)
(Caderno l, até à página 15 do manuscrito, iniciado em outubro de 1 857)
67
A P R O D UÇ Ã O T E Ó R I C A D E M A R X
(Geldwesen)" (ibid., p. 130; p. 533). Talvez a primeira entrada nesta questão tenha sido
quando da redação de Para a questãojudaica: "Qual o culto secular que o judeu pratica? A
usura. Qual é seu deus secular? O dinheiro" (em Obrasfandamentales. México: FCE, 1 9 8 1 ,
t . l, p. 4 8 5 ; MEW, l , p. 372). Nos Manuscritos de 1844 volta muitas vezes a o tema, espe
cialmente no IIIer. Mss. (XLI), sobre o dinheiro, com citações de Goethe e Shakespeare:
"é a divindade visível [ . . . ] . É a prostituta universal" (Madrid: Alianza, 1 968, p. 176 e ss. ;
MEW, EB l , p. 562 e ss . ) . Foi n a Miséria dafilosefia ( 1 847), fora outros textos menores, que
Marx iniciou o enfrentamento do tema dos Grundrisse, já que não apenas tratou extensi
vamente o dinheiro, mas, concretamente, se opôs a Proudhon - e esta crítica permanece
o pano de fundo dos Grundrisse. Aquela pequena obra, como que pressagiando suas obras
maduras, começa pela distinção entre valor de uso e valor de troca (cap. l, parágrafo 1) e,
depois de discutir a questão do "valor constituído" (em que Proudhon já sugere a Marx
a ideia de que o trabalho não tem valor), ocupa-se, no parágrafo 3, da ''Aplicação da lei da
proporcionalidade dos valores. A) O dinheiro (Geld)" (Buenos Aires: Signos, 1 970, p. 59
e ss.; MEW, IV. p. 106 e ss.). Embora Marx ridicularize Proudhon, a verdade é que apren
deu muito com ele. Deveremos esperar até 1 8 5 1 - com as numerosas leituras realizadas
no Museu Britânico e de cujas anotações fizemos referências nas "Palavras preliminares"
com que abrimos este livro - para encontrar Marx, uma vez mais, debruçado sobre a
questão teórica do dinheiro, em especial nos Cadernos III, V e VI. E haverá que esperar,
depois de 1 85 1 , até 1 857 para observar o modo como, de maneira definitiva , Marx abordará
a questão do dinheiro. Mas se o seu tratamento será definitivo, o mesmo não se pode dizer
do seu resultado. Realmente, os Gnmdrisse (o primeiro de quatro textos sobre o dinheiro)
serão o laboratório de Marx - e, por isso, o resultado virá um pouco caótico, do qual saírão
o Urtext (cf., mais adiante, o parágrafo 1 6.3) , os capítulos 1 e 2 da Contribuição de 1 859 e,
enfim, o começo d O capital. Nos Manuscritos de 1861-1863 a questão do dinheiro não será
'
tratada, porque já fora esclarecida na Contribuição . . e, por isso, Marx começa diretamente
.
com o capítulo III sobre o capital. [Dentre as várias edições em português do texto citado
por Dussel na abertura desta nota, cf K. Marx, Para a questão judaica. S. Paulo: Expressão
Popular, 2009. (N. do T.) ]
Como indicamos n a nota anterior: desde este dos Grnndrisse ( 1 857) ao livro I d O capital
'
68
ENRIQUE DUSSEL
ESQUEMA 6
"ENTRADA" DA REFLEXÃO N OS GRUNDRISSE
Entrada
+
1 Ti'° 1
1 TD�I�' Mm>dori> L�i ---__�
c a pi ta I
vu vc
y
Produção Circulação
...____ e �
Todas as citações entre aspas encontram-se nas páginas acima mencionadas do texto.
69
A P RO D U Ç A O T E Ó RI C A D E M A RX
Suas referências a fatos econômicos não só não oferecem provas para a sua teoria
como dão mostras de como a não assimilação desses fatos é o que lhe permite
jogar com eles. E seu modo de jogar com os fatos revela a gênese da sua abstra{ão
teórica (42 [71 ] , 12-17; 39, 10- 1 4) .
Bastaria a falsidade dessa premissa fundamental para demonstrar uma igual in
compreensão da conexão interna das relações de produção, de distribuição e de
circulação (45 [74] , 34-36; 42, 24-27) .
70
E N R I QU E D U S S E L
Este problema geral da relação da circulação em fàce das outras relações de pro
dução [ . . ] é curioso que Proudhon e seus companheiros sequer o coloquem
.
Para Darimon, "o ouro e a prata não são mercadorias (Uilren) como
as outras : como meio universal de troca, elas são mercadorias privile-
71
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
"como capital (als Kapital) " (5 1 [79] , 5-6; 47, 5-6) e, de todas as maneiras,
numa crise de produção interna ou por uma guerra no exterior, sempre
se transfere capital - e o dinheiro não tem nada a ver com isto. A merca
doria é o que melhor explica a questão: falta de produção de mercadorias
no interior, venda de mercadorias improdutivas no exterior - portanto,
perda de capital.
Então, Marx busca explicar a questão de uma crise monetária dirigin
do-se à mercadoria (seta a do esquema 6) ou ao capital (seta b). Logo, o
déficit não é de ouro, é de capital e trabalho:
Uma parte do seu capital ou do seu trabalho investido não se reproduz: déficit
real na produção. Uma parte do capital reproduzido deve ser destinado a cobrir
estas carências (51 [79 ] , 21-23 ; 47, 20-22) .
72
E N R I Q l' E D U S S E L
73
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Uma x onça de ouro, em realidade, não é mais que uma x hora de tempo
de trabalho materializado (materialisiert) , objetivado (vergegenstiindlicht) [ . . . ] .
[Mas] o que determina o valor não é o tempo de trabalho incorporado nos
produtos, porém o tempo de trabalho atualmente necessário (59 [85} , 1 2-24;
53, 42-54, 1 9) .
74
ENRIQUE DUSSEL
Sobre a vida (Leben), c f. 52, 6 ; 48, 2 . A categoria "trabalho vivo " é o ponto d e partida me
tafisico radical de Marx. Mais adiante (parágrafo 7. 1 .a), voltaremos a isto. O outro, como
vivo humano, consciente, autônomo, livre, espiritual. é o horizonte analético primeiro do
pensamento de Marx.
75
A PROD UÇÃO TEÓRICA DE MARX
ESQUEMA 7
DIVERSOS NÍVEIS DE PROFUNDIDADE
1 Trabalho 1
1
1
1 l
Me ado
�
1
1
Valor _J
]
1
a ... de b Preço
troca , �L
1
(Valor real, ..r .
1
1
)
tempo de Dinheiro
trabalho)
A. B.
c1
1. Dinheiro Valor de
(valor nominal) mercado
2. Bônus-hora
(tempo de
trabalho ideal) 1 Mercadoria 1
Observe-se:
76
E N R I Q U E O U S S EL
Dado que o preço não é idêntico ao valor, o elemento que determina o valor - o
tempo de trabalho - não pode ser o elemento no qual se expressam os preços, já
que o tempo de trabalho deveria expressar-se, ao mesmo tempo, como o deter
minante e o não determinante, como o igual e o não igual a si mesmo (64 [90 ] ,
40-65, 1 ; 5 8 , 39-45).
[ . . . ] Não mediante uma identidade abstrata, mas mediante uma constante ne
gação da negação, ou seja, de si mesmo como negação do valor real (62 [87] ,
1 6-1 8 ; 56, 27-29) .
A P RO D U ÇÃ O T E Ó R I C A D E M A RX
3 . 4 . l N í C I O DO D I SCURSO DO P RÓ P RI O MARX
(65 [90] , 1 8-72, 21; 59, 1 6-65, 26)
O conceito de "existência" (Existenz) em Hegel tem, como para Marx, uma precisão
clara e filosófica. Na segunda seção do segundo livro sobre "A doutrina da essência", da
Lógica de Hegel (cf o esquema 39, no Apêndice ao fim deste livro), no seu capítulo I,
sobre o fenômeno, trata-se a questão da "existência" (Buenos Aires: Hachette, 1 968, p.
423 e ss. ; l#rke. Frankfurt: Suhrkamp, t. VI , p. 1 25 e ss. ) . A "existência" é o caráter de
uma "coisa" que aparece, que é fenômeno, que se funda na essência como a identida
de da diferença. Assim, o "dinheiro metálico" é a aparição existente, coisa!, do "valor"
como seu fundamento.
78
E N R I QU E D U S S E L
79
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
80
E N R I QU E D U S S E L
A E XI S T tN C IA C O N T RA D I T Ó RIA
D A M E RCAD O RIA E D O D I N H E I RO
(72 [96] , 22- 174, 18; 65, 27- 148, 37)
(Caderno I, a partir da página 15 do manuscrito, e umas páginas do Caderno II, de ou
tubro a novembro de 1 857)
83
A P R O D U ÇA O T E Ó R I C A D E M A RX
84
E l\' R I Q U E D U S S E L
ESQUEMA S
RELAÇÕES MERCADORIA-DINHEIRO
; - - - - - 1 Circu lação 1 - - - �
Explicação do esquema 8
Um sujeito produtivo (SP1), por meio de um trabalho determinado de mineiro (t1), produz um
produto, ouro (P1 ) , com um certo valor de uso (VU)1 que, na troca, se transforma em merca
doria (M1) que tem um certo valor de troca (Vfl) . Esta mercadoria, ouro, se troca pelo valor
de troca (VT2)de outra mercadoria concreta, pão (M2), que é o produto (P2), com valor de uso
alimentício (VU2), fruto do trabalho determinado (t2) do sujeito produtivo padeiro (SP2) . O di
nheiro (D1) na posse da classe mercantil (CM) se troca pelo dinheiro (D2) do consumidor (Co)
por intermédio das mercadorias (M2) . O determinado tempo de trabalho dos produtores (Tt1
e Tt2) é tempo de trabalho particular investido. Um produto com valor de uso tomado merca
doria (P(VU)-M) é o sujeito material do dinheiro (D1 ) . As diversas setas e relações se explicam
posteriormente no texto. o nível horizontal de SP1 a SP2 é o âmbito produtivo. o nível vertical
de CM a D2 é o âmbito da circulação. O consumo está fora da circulação.
85
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Nesta separação está já contida a possibilidade das crises comerciais (75 [98] ,
5-6; 67, 30-3 1 ) .
86
E N R I QU E D U S S E L
4.2. T RABAL H O " SOCIAL " E TRABALHO " COM UNITÁRIO "
(77 [ 100] , 37- 102, 2; 70, 1-90, 9)
87
Cada indivíduo isolado é um "todo" sem conexões. É a circulação, o
"mundo" das mercadorias, o valor de troca, que confere "caráter social"
ao trabalho:
88
ENRIQUE DUSSEL
A questão do "mal" da sociedade burguesa, a causa da crise, mas ao mesmo tempo da sua
perversidade ética, é aqui o que interessa - cf. 37, 3 (35, 3), 58, 36 (53, 30) .
89
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Cf. 43, 1 5 (40, 13), 60, 24 (55, 6) , 83, 1 - 1 0 (73, 33-43) etc.
Cf. , sobre a "proximidade", o parágrafo 2 . 1 da nossa Filosofia de la liberación (ed. cit.). No
capitalismo, os indivíduos estão "separados" abstratamente; sua relação "proxímica" com
as mercadorias determina a unidade das pessoas. O "nexo" entre as pessoas é coisal: "É o
90
E N R I QU E D U S S E L
ESQUEMA 9
MúTUAS RELAÇÕES DO TEMPO, DO TRABALHO E DO VALOR
Movimento
da Terra
(p. ex. 1 h o ra
) e Processo de Determinação
-a-+ trabalho como -b-. do p r od u to -----+-
m"'"'"="' (V>loc d o u• o
Suporte material
)
(qualidades
)l'
Tempo de Valor de troca Dinheiro
trabalho -e-+ da mercadoria -d-+ (o medido
(q u atidade (valor medido) q u e me d e )
medida)
Esclarecimentos:
a. Medida de
b. Objetivação
e. Medida de
d. Forma universal da riqueza
e. Representante material da riqueza universal
91
A P RO D U Ç A O T E Ó RI CA D E M A RX
O tempo de trabalho não pode, ele mesmo, ser imediatamente o dinheiro, pre
cisamente porque de fato existe sempre só em produtos particulares [ . . . ] . Mas,
como valor de troca, o tempo de trabalho [ . . . ] expressa seu caráter de cota ou sua
quantidade (96 [ 1 1 5] , 14-36; 85, 4-25) .
Para Aristóteles (59, 7- 14; arithmós, em grego), o tempo (khrónos) é o "número" (a medida)
do movimento conforme anterioridade e posterioridade; vale dizer, um movimento mede
outro (um (; a medida do tempo e o outro movimento é o medido). Para Hegel, a questão
da "medida" (Mass) ocupa a terceira seção do Tratado do Ser na Lógica (ed. cast. cit., p. 284
e ss.; cd. alemão, p. 387 e ss.). Cf. o esquema 39 do Apêndice deste nosso livro. Do mes
mo modo, a definição aristotélica do movimento ("atualidade da potência enquanto está
em potência"; Física , III, 1, 201 a 10-12) permite a Marx usar frequentemente o conceito
de "cm potência" (dynámei) . No fundo, Marx se referirá sempre à "relação": relação entre
dois termos que se codeterminam dialeticamente .
O trabalho é um "movimento" - tem um antes e um depois: no momento em que se
trabalha atualmente se está em potência de terminá-lo, de chegar ao repouso final - que,
no entanto, é medido "naturalmente" por outro movimento: o movimento que a Terra
realiza sobre seu eixo (p. ex., um dia, uma hora etc.). É o "movimento" da Terra que mede
o trabalho e é este trabalho que mede o valor do produto.
92
E N RI Q U E D U S S E L
lho pode tornar-se universal tão somente através do valor de troca e tão
somente através do valor de troca o tempo de trabalho pode determi
nar e ser determinado pelo dinheiro. Neste caso, o "tempo de trabalho
atualmente necessário" (59 [85] , 23; 54, 8-9) é o que determina o valor de
troca (do produto, mercadoria) como equivalente geral de todo produto
possível. Ou sej a, toda mercadoria se mede, em última instância, pelo
tempo de trabalho (a mercadoria tem um "valor relativo a", ao passo
que o tempo de trabalho necessário, segundo a média da produtividade
atual, é o "equivalente universal") .
S e se toma uma mercadoria (medida pelo tempo de trabalho) que,
graças às suas qualidades naturais, pode ser a referência de todas as outras
mercadorias - então, apenas neste caso chegamos à noção de dinheiro,
mas a particularidade da mercadoria (p. ex. , ser "ouro") parece contradizer
sua função de universalidade. Estabelece-se assim uma nova relação: entre
o dinheiro e seu suporte material ou entre a função de ser dinheiro de
uma mercadoria particular (seta e do esquema 9; relação V'T1-D1 do es
quema 8) :
93
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Para dizer quanto ouro está contido numa mercadoria determinada, basta de
terminar o tempo de trabalho realizado nas distintas mercadorias e equipará-lo
ao tempo de trabalho que produz diretamente o ouro ( 1 39 ( 1 50] , 9 - 1 3 ; 1 1 8,
22-26) .
94
E N R I QU E D U S S E L
4-4- F UNÇÕ ES DO D I N H E I RO
( 1 1 8 [133 ) , 27-138, 9; 101, 25-1 17, 26 e 148 [ 1 57) , 12-174, 1 8; 126, 1 6- 148, 37)
95
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
A circulação, por ser uma totalidade do processo social (Totalitiit des gesellschaftlichen
Prozesses ), é também a primeira forma (Form) na qual a relação social [ . . . ] se apre
senta (erscheint) não apenas como algo independente dos indivíduos, mas também
como o conjunto do próprio movimento social (131 [ 144] , 13- 17; 1 1 1 , 27-3 1).
96
E N R l QU E D U S S E L
97
A P R O D U Ç A O T EÓR I C A D E M A RX
ESQUEMA 10
RELAÇÃO DE MEDIDA DO DINHEIRO
Mercadoria2
--- preço
<
Dinheiro
1
bJ
Tempo de
trabalho
Mercadoria1 __,/
Medida
Duas questões estão presentes aqui. A diferença entre o ser posto do va
lor de troca "idealmente" e "realmente" como dinheiro e os momentos es
senciais da circulação que definem o dinheiro como "meio de circulação".
A mercadoria "aparece" na circulação como tendo um preço (ex
pressão exterior do valor intrínseco de trabalho objetivado no valor de
98
E N R I QU E D U S S E L
M-D -M: vende-se uma mercadoria por dinheiro para comprar outras
mercadorias
D-M-D: compra-se com dinheiro uma mercadoria para adquirir dinheiro
em sua possibilidade" (132, 33-34; 1 12, 4 1 -42; cf 74, 1 1 - 14; 66, 38-4 1 ) . Aqui também se
encontra o germe da dependência, pelo menos na sua mais remota possibilidade, funda
mento, essência.
10
"A mercadoria de A passa às mãos de B, enquanto o dinheiro de B passa às mãos de !(
( 1 1 8, 3-32; 1 0 1 , 27-29). Cf. o esquema 8, seta b: compra que se consuma na seta c (apro
priação de D ) ; seta e: venda que se consuma na seta e/a (consumo) ; A seria SP2 e B seria
SP'.
99
A PROD UÇÃO TEÓRICA D E MARX
O que o dinheiro faz circular não são as mercadorias, mas os títulos de proprie
dade sobre elas ( 1 28 ( 1 41 ] , 10-13; 1 09, 4-6) .
Neste sentido, "o dinheiro não é somente representante dos preços das
mercadorias, mas também signo" (147 [ 1 57] , 28-30; 125, 35-36) . Enquanto
medida do valor, o dinheiro se "representa" no preço; enquanto meio de circu
la{ão, o dinheiro é "signo" da mercadoria. É "representação" quando apare
ce na forma de; é "signo" quando aparece por. O valor de troca "idealmen
te" mede outro valor (primeira "função") ou o valor de troca "realmente"
significa outro valor (segunda "fu nção": instrumento de troca) .
A consideração do dinheiro como "instrumento" da circulação impõe
tratar questões tais como quantidade circulante, espaço e tempo (velocida
de) da circulação do dinheiro etc. No entanto, cabe destacar uma questão:
como Marx descreve a transformação da mercadoria em dinheiro (M-D)
ou do dinheiro em mercadoria (D-M) . Um nega o outro e o expulsa:
Surge certamente uma diferença específica entre a mercadoria que está em cir
culação e o dinheiro que está em circulação. A mercadoria é expulsa da circula
ção em um ponto determinado [ . . . ] . A determinação do dinheiro, ao contrário,
consiste em permanecer na circulação [ . . . ] como perpetuum mobile ( 136 [ 148] ,
1 6-25; 1 1 5 , 44- 1 1 6, 6).
11
C f. 128, 7 e ss.; 109, 1 e ss.
1 00
E N R ! QU E O U S S EL
fora da circulação" ( 1 52 [ 1 61 ] , 30; 129, 41) 12; vale dizer, o dinheiro como
uma realidade independente em sua "corporalidade metálica" (ouro, pra
ta etc.). O "tesouro" (obj etos de luxo, joias de ouro e prata etc.) é uma
"acumulação de dinheiro", mas por suas qualidades naturais de mercado
ria, em potentia . São destacáveis aqui duas reflexões. Em primeiro lugar,
a autonomia ou independência do tesouro em relação à circulação é só
aparente:
Ali onde o dinheiro não deriva da circulação - como na Espanha -, mas é encon
trado diretamente, empobrece a nação [ . . . ] ( 1 60 [ 1 68] , 6-8; 136, 2 1 -23) .
Por isso, àqueles séculos XVI e XVI I ("a época precedente ao desen
volvimento da sociedade industrial moderna se inaugura com a sede uni
versal de dinheiro" - 1 60 [ 1 68] , 1 -3 ; 136, 1 6- 1 8) , Marx os chamaria de
tempo do "mercantilismo monetarista" ( " . . . im Monetar, Merkantil) ". Esse
tesouro autonomizado, independizado, já é eloquente sobre o fetichismo
do dinheiro (Manuscritos de 1 844) :
101
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
d.3. Como moeda mundial ( 1 61 [ 1 69] , 20- 1 62, 34; 137, 26-138, 39) .
O dinheiro não é o mesmo que moeda, porque "o dinheiro (Geld), sob
aforma de meio de circulação, é moeda (Münze)" ( 1 6 1 [ 1 69] , 20-2 1 ; 137,
26-27) . O dinheiro (p. ex. , ouro) diz respeito a seu suj eito material; em
troca, a moeda é completamente independente. Um produto, quando é
"monetizado", é negado no que diz respeito a seu valor de uso. Para que a
14
Esta moral é a do puritanismo inglês ou do protestantismo holandês ( 1 68, 9-10; 1 43, 30-
3 1 ) : "O culto ao dinheiro tem o seu ascetismo, as suas renúncias, os seus sacrificios". É a
nova religião fetichista.
1 02
E N R I QU E D U S S E L
O dinheiro perde seu caráter nacional e opera como meio de troca entre as na
ções, meio de troca universal, mas não já enquanto signo, porém enquanto de
terminada quantidade de ouro e de prata [ . . . ] . O ouro e a prata [desempenham]
um papel importante na criação do mercado mundial (Weltmarkts) [ . . . ] . O ouro
e a prata são agora moeda, mas o são enquanto moeda mundial [ . ] , a mercadoria
. .
acessível em todos os lugares (161 [ 1 69] , 37- 162, 34; 138, 1 -39) .
15
Cf. 1 62, 20; 138, 26.
16
Chegado a este ponto, Marx extrai algumas conclusões. É evidente que vai avançando no
plano da sua obra futura (questão que tratamos no parágrafo 2.4), em que as duas pri
meiras seções revelam a imaturidade dos estudos realizados até este momento. Por outra
parte, de maneira muito hegeliana, refere-se ao dinheiro autonomizado por negações:
"O dinheiro que, como algo autônomo, sai da circulação e se contrapõe [à circulação,
como tesouro, meio de pagamento ou moeda mundial ] , é a negação (unidade negativa)
de sua determinação como meio de circulação e de medida" ( 1 63, 23-25; 139. 2 1 -24). O
dinheiro se nega em um nível inferior e se afirma em um superior, assumindo o anterior
no posterior: o tesouro pode ser meio de circulação e de medida, mas é algo mais, é uma
figura autônoma, com consistência própria. A negação. assim, é afirmação.
1 03
A P RO D U ÇÃO T E Ó RICA D E M A RX
104
T E RC E I RA P A RT E
O P RO C E S S O D E P RO D U ÇÃO
DO CAP I TA L
Esta parte, sem dúvida, é aquela que Marx trabalhou mais e melhor
- e não apenas nos Grundrisse, mas também nos Manuscritos de 1 861-
1 863 e n'O capital. Mais: podemos dizer, de fato, que foi a única parte
(depois da questão introdutória da mercadoria e do dinheiro) que ele
finalizou acabadamente. É, com certeza, a parte mais longa dos Grundrisse,
a mais articulada, cheia de grandes descobertas que Marx faz parcial
mente pela primeira vez.
Situando-se no nível profundo, oculto, fundamental da produção,
depois de efetuar uma introdução à análise ideológica da economia capi
talista clássica (capítulo 5 deste livro) , ele passa a uma genial descrição da
essência do capital (capítulo 6) . O confronto capitaVtrabalho é, talvez, o
capítulo de maior densidade filosófica (capítulos 7 e 17), saturado de des
cobrimentos fundamentais, inéditos e próprios dos Grundrisse.
Tudo estava preparado para a descrição mais genial e, talvez, a grande
contribuição de Marx à história humana em geral: a questão da mais-valia
(capítulos 8 e 9), que ele precisa e define aqui pela primeira vez, com as he
sitações de quem trabalha em seu laboratório um objeto desconhecido até
então. Também de importância capital é o problema do "processo de des
valorização" (capítulo 10) , que igualmente permite descobrir um Marx
que, posteriormente, não o tratará com tanto entusiasmo e amplitude. O
tema da desvalorização é fundamental para compreender a crise, o colap
so do capitalismo e a "questão da dependência" (capítulo 1 8) .
Esta longa parte é finalizada com a realização do capital (capítulo 1 1 )
e com a não menos original descrição da história dos "modos de apropria
ção" como pressuposto histórico para compreender a gênese do capitalis
mo (capítulo 1 2) .
5.
I G UA L D A D E , L I B E RD A D E , P RO P RI E D A D E
( 1 77 [ 1 83 ] , 1 -1 89, 1 6; 1 5 1 , 1 - 1 62, 13)
(Caderno II , a partir da página 8 do manuscrito, iniciado em novembro de 1 857)
1 07
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
1 08
E N R 1 QU E D U S S E L
No que toca à forma pura, à face econômica da relação, nós nos encontramos
com três elementos formalmente diferentes [ . . . ] ; os sujeitos da relação, isto é,
os indivíduos que trocam, postos em idêntica determinação; depois, os objetos da
sua troca, isto é, os valores de troca ou equivalentes, que não apenas são iguais,
mas devem sê-lo expressamente e que, como iguais, estão postos; enfim, o pró
prio ato da troca, a mediação através da qual os sujeitos estão postos precisamente
como indivíduos que trocam, como iguais ( 1 79 [ 1 85] , 40- 1 80, 13; 1 53, 20-35) .
ESQUEMA 1 1
RELAÇÃO SIMPLES DE TROCA
A ----- a------.i
t'------ b ----- B
Note-se que, mais uma vez, estamos situados num nível reflexo e se trata mesmo é dos
"modos de compreensão" (ou de interpretação) da realidade.
109
A P R O D U Ç ÃO T E Ó R I C A D E M A RX
5.2. IGUALDADE
( 1 79 [ 1 84] , 3- 1 8 1 , 3 6 ; 1 52, 29- 1 55, 14)
1 10
E N R I Q_U E D U S S E L
111
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Estas, como ideias puras, são meras expressões idealizadas daquela [a troca]
quando se desenvolve em relações j urídicas, políticas e sociais ( 1 83 [ 1 88] , 12-
14; 1 56, 30-3 1 ).
Tudo isso está suposto no valor de troca, que exige igualdade de sujei
tos, livres, igualdade de mercadorias para serem trocadas, reciprocidade e
respeito, enfim, à propriedade (que só se funda no trabalho mesmo) .
Marx quer mostrar o que se oculta por detrás desta ideologia científi
ca (ou desta ciência com componentes ideológicos) :
1 12
ENRI Q U E DUSSEL
Marx explica que "a verdade é que o vínculo entre os indivíduos que
trocam se funda em certa coerção" ( 1 83 [ 1 88] , 3 1 -33; 1 56, 45- 1 57, 3). É
claro que, para a ideologia da economia política, tal coerção é somente
"a indiferença dos outros indivíduos em face da minha necessidade" -
ou seja, se me vejo forçado a vender meu trabalho, p. ex. , na realidade
não se trata de coerção, mas de simples necessidade -, uma vez que, "na
medida em que estou determinado e forçado por minhas necessidades,
é somente a minha própria natureza que me coage" ( 1 83 [ 1 88] , 34-40;
1 57, 4-9) . E são as necessidades daquele que parece forçado aquelas que
coagem os outros a participar da troca (e a comprar-lhe, p. ex. , sua força
de trabalho).
No fundo desse discurso burguês, o abstrato se faz passar, a-histori
camente, pelo real :
Por um lado, se esquece, desde o princípio, que o suposto do valor de troca, en
quanto base objetiva do sistema produtivo em seu conjunto, já inclui em si a
coerção do indivíduo [ . . . ] . Esquece-se que tudo isto pressupõe, ademais, a divisão
do trabalho etc. [ . . . ] . Ignora-se, por outra parte, que as formas [ . . . ] superiores de
troca [ . . . ] de modo algum permanecem fixas em seu caráter determinado sim-
ples [ . . . ] . Por último, não se vê que já na determinação simples do valor de troca
1 13
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
1 14
E N R I QU E D U S S E L
A partir destas páginas dos Gmndrisse não se pode. absolutamente. falar ainda de uma "lei
da apropriação", cuja expressão será posterior.
1 15
6.
EM D I RE ÇÃO À E S S ÊN C I A D O CA P I TA L
( 1 89 [ 1 93 ] , 24-206, 35; 1 62, 1 8- 1 77, 32)
(Caderno II, a partir da página 12 do manuscrito, em meados de novembro de 1 857)
1 17
A P R O D l: Ç A O T E Ó R I C A D E M A R X
ESQUEMA 1 2
NfvEIS DE PROFUNDIDADE (DA ESSÊNCIA A O FENÔMENO)
Determinação
Valor universal,
y --+---
(Nível profundo,
Determi i:i a ções
--1 superior)
_
t
essenc1a1s,
fundadas
����....--
.,. �..,...�
. r=<-+---lf--'....,...
.. � .. �����+-��-e ����
1
III. Ordem da
manifestação das
determinações
(nível profundo)
•
r
(fenômenos) --
1
c
I l
II. Ordem ou forma
\ de aparição
(Nível s u perfic i al,
mundo das mercadorias inferior)
Esclarecimentos
Setas a: subsunção; setas b : "formas" de manifestação das d etermi naç ões essenciais; setas e:
"aparição" fenomênica das determinações do capital; setas d: ato cognitivo da consciência, no
"mundo" das mercadorias, de tais determinações; setas e: relação de fundamentação (a direção
da seta indica o fundamento); d: dinheiro como dinheiro; m: mercadoria como mercadoria;
p: p roduto como prod uto ; n: outros momentos autônomos; D: o dinheiro como capital; M: a
mercadoria como capital; P: o p ro duto como capital; N: o utras determinações d o capital; D': o
capital como d inh eiro; M': o capital como mercadoria; P': o capital como p roduto ; N': aparição
do capital em outras determinações.
118
E N R I Q lJ E D U S S E L
O dinheiro como capital (ais Kapital) é uma determinação do dinheiro que vai
mais a lém (über) da sua determinação simples como dinheiro. Pode-se considerá
lo como uma realização superior, do mesmo modo que se pode dizer que o
desenvolvimento do macaco é o homem [ . . . ] . Seja como for, o dinheiro como
capital se diferencia do dinheiro como dinheiro ( 1 89 [ 1 93] , 24-30; 1 62, 1 8-24).
A "totalidade" do mundo funda o "sentido" do ente. Mas não apenas o seu sentido - tam
bém a sua realidade, quando são entes produzidos, artefatos (cf. Filosofia de la liberaci6n:
"coisa-sentido", em 2.3.8.3 e 4.3). No "mundo das mercadorias", ou na "circulação", o
dinheiro é um ente, um fenômeno que aparece, que é determinado a partir da totalidade
deste mundo. Claro que o "mundo essencial" da produção se encontra oculto - é invisível
para a economia política capitalista em seu funcionamento próprio.
Cf. as setas a do esquema 12. Subsumtion é um conceito usado por Kant e Hegel, de ori
gem lógica ("a forma da conclusão") , mas com sentido ontológico em ambos (cf. , em
Hegel, '*rke, t. XX. Suhrkamp, p. 643). Marx, certamente, usa este conceito mais que os
dois filósofos e o transforma em um conceito chave da sua ontologia.
1 19
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
parte de uma nova ordem superior (indicado nas setas a do esquema 12) .
O dinheiro como dinheiro, a mercadoria como mercadoria, o produto
como produto passam a formar parte do capital : o dinheiro como capital,
a mercadoria como capital, o produto como capital, n como capital (por
n entendemos todas as restantes determinações subsumidas agora como
determinações do capital) .
O u seja: o que antes era u m conceito, uma categoria, uma realida
de autônoma, agora é momento do conceito, determinação, categoria ou
componente do capital. Quando se diz que "é preciso desenvolver a nova
determinação" ( 1 89 [ 1 93 ] , 30-3 1 ; 1 62, 24) , afirma-se que há que pensar
tudo o que é incluído pelo fato desta subsunção ontológica do dinheiro
(o ente) no capital (a totalidade) . O dinheiro como capital, por outra parte,
é algo novo, distinto, diferente da sua existência como dinheiro.
Esclareçamos, desde já, que, quando o capital se manifesta, ou quan
do é estudado em sua própria estrutura essencial, quando retorna ao mun
do dos objetos da consciência, o dinheiro (ou a mercadoria, ou o produto,
ou n) "aparece" então como determinação do capital:
Por outro lado, o capital como dinheiro parece ser o retorno (Rückgang) do capital a
uma forma inferior. No entanto, trata-se somente do mesmo que é posto numa
particularidade (Besonderheit) que já existia antes que ele como não capital (Nicht
Kapital) e que constitui um de seus supostos. O dinheiro reaparece (vorkommt)
de novo em todas as relações posteriores, mas então já não opera como simples
dinheiro ( 1 89 [ 1 93] , 3 1 -37; 1 62, 26-30) .
120
EN RIQUE DUSSEL
Para Hegel, a essência é, em sua Lógica (tratado II, seção l, cap. 2), a Identidade, o Fundamento
(cap. 3) do que aparece (cap . 1 ) , da diferença (cap. 2, B), do fenômeno (seção II, cap. 2).
Em todas estas categorias ontológicas, Marx tem Hegel explicitamente em consideração e a
compreensão filosófica do Marx definitivo exige sempre, de maneira estrita, a referência,
pelo menos num primeiro momento, a Hegel. Cf. Enzyklopâ'die, parágrafos 1 12- 1 59, que
são o momento do pensar hegeliano que mais influiu no Marx definitivo.
121
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
122
E N R I Q U E D U S S E I.
O capital é tão somente valor simples (205 [206] , 33; 1 77, 1 ) . Se, em teoria, o
conceito de valor (Begriffdes �rts) precede o de capital - ainda que para chegar a
seu desenvolvimento puro (reinen Entwicklung) deva supor um modo de produ
ção fundado (gegründete Produktionsweise) no capital -, o mesmo acontece na prá
tica [ . . . ] . A existência do valor (Existenz des Werts) em sua pureza e universalidade
(Allgemeinheit) pressupõe um modo de produção no qual o produto, considerado
de maneira isolada, deixou de ser tal para o produtor e muito particularmente
para o trabalhador individual. Neste modo de produção, o produto não é nada se
não se realiza através da circulação ( 1 90 [ 1 94] , 25-27; 163, 1 9-3 1 ) .
O que Marx quer indicar com termos tais como "valor simples" ou
"desenvolvimento puro" do valor ou "existência do valor em sua pureza e
universalidade"? Está querendo diferenciar o simples "valor" do valor de
uso (ou forma natural do produto} e do valor de troca (sua "colocação"
efetiva na produção) . O valor como tal, como valor, é uma mediação entre
o valor de uso e o valor de troca, diferente de ambos. Em que consiste?
A chave se encontra um pouco mais adiante - e sempre contra
Proudhon:
[Para Proudhon] "a diferença, para a sociedade, entre o capital e o produto não
existe. Esta diferença é totalmente subjetiva, referente aos indivíduos". De modo
[comenta Marx] que chama subjetivo precisamente ao social, e à abstração sub
jetiva denomina sociedade. A diferença entre o produto como capital (als Kapital)
expressa uma relação determinada, correspondente a uma forma histórica de
sociedade [ . . . ] , expressa a relação social (gesellschaftliche Beziehung) (relação da
sociedade burguesa) (204 [205 ] , 28-39; 1 76, 1 - 10) . O produto se converte em
capital ao converter-se em valor (205 [206] , 32-33 ; 176, 43-1 77, 1 ) .
Vale dizer: assim como havia dinheiro como dinheiro e dinheiro como
capital ou, como veremos, mercadoria como mercadoria e mercadoria como
capital, há também produto como produto e produto como capital. Trata-se,
mais uma vez, da subsunção do produto ao ser do capital. Mas, como capi
tal, o produto não é um mero produto, porém um produto que expressa
uma "relação social". O que significa isto?
Marx já indicara que o dinheiro expressa uma "relação social"4 e ago
ra observa que o próprio produto, enquanto capital, expressa igualmente
4
Cf. supra 4.2. e igualmente 3 2 b e o esquema 7, sobre a questão do valor real. Veja-se
. .
123
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A O E M A RX
uma "relação social". Nas suas análises sobre o dinheiro, designara tal re
lação social por uma palavra - "intercambiabilidade":
ESQUEMA 13
TRÍPLICE CARÁTER D O VALOR, CONDIÇÃO E DETERMINAÇÕES ESSENCIAIS
Outro sujeito
+
Produtualidade
1
Sujeito
_.., determinações
produtor
----- • condição
da reflexão de Marx há incertezas, como se pode ver na expressão: "o valor (o valor real de
troca)" (64, 24; 55, 38) que é "valor" e "valor de troca" sem clara diferenciação.
-
1 24
E N RIQU E D USSEL
"O fenômeno - escreve Hegel - é o que é a coisa em si, ou seja, a sua verdade. Mas e s ta
existência, apenas posta, que se reflete no ser outro, é também o emergir de si para transi
tar à sua infinitude; ao mundo dofenômeno se contrapõe o mundo refletido em si, o mundo
que existe em si" (L6gica, II, II, introdução - ed. cit., p. 422; ed. alemã, t. VI, p. 1 49) . Cumpre
destacar a diferença entre o "mundo que existe em si (an sich seiende �lt)" e o "mundo
fe nom ê ni c o (erscheinenden �lt)" que, em Marx, parece tratar-se do "mundo fenomênico
da circulação" e do "mundo existente em si da produção" (cf. parágrafo 17.2).
1 25
A P RO D U Ç A O T E Ó RI C A D E M A RX
a. Precedência da circulação
(191 [ 1 95 ] , 39- 1 94, 6; 1 64, 29- 1 66, 24)
1 26
E N R I QU E D U S S E L
aqui o capital ainda não seja "o fundamento da produção". Ou seja: para
Marx, havia um primeiro modo do capitalismo ainda pré-industrial, sem
o qual o próprio capitalismo industrial não teria sido possível. E, para tan
to, o mercado e a moeda mundial foram condições essenciais:
O dinheiro é a primeira forma sob a qual o capital se apresenta como tal . D-M
M-D: troca-se dinheiro por uma mercadoria e a mercadoria por dinheiro [ . . . ] , a
forma característica do comércio, o capital como cap ital comercial (als Handelkap ital) ,
[que] se encontra nas fases mais precoces do capital [ . . . ] . Este movimento pode
ocorrer dentro de países, ou entre países [sic ] , mesmo quando ainda o valor de
troca não tenha, de modo algum, chegado a ser o suposto dessa produção [ . . . ] .
O capital comercial é meramente capital circulante e o capital circulante é a sua
primeira forma; nesta, o capital ainda não chegou a ser, absolutamente, o funda
mento (Grundlage) da produção ( 1 92 [ 1 95] , 8-29; 1 64, 38- 1 65, 1 4) .
1 27
/\ P R O D UÇÃO T E Ó RICA D E MARX
b. Da aparência ao fUndamenco
( 1 94 [ 1 96] , 6- 196, 29; 166, 24- 1 68, 42)
De qualquer maneira, a expansão do mercado produ z "o que se chama o efeito civilizador
(zivilisierende Wirkung) do comércio exterior ( 1 96, 1 -2; 1 68, 15).
"
128
E N R I QU E D U S S E L
No fundo, a circulação consiste apenas no processo formal que põe uma vez o
valor de troca sob a determinação de mercadoria e outra vez sob a determinação
de dinheiro ( 1 95 [ 197] , 3-5; 1 67, 22-25) .
a. Permanência
( 1 96 [ 198] , 30-20 1 , 4 1 ; 168, 43- 173, 2 1 )
Embora todo capital seja trabalho objetivado que serve como meio para uma
nova produção, nem todo trabalho objetivado que serve como meio para uma
nova produção é capital. O capital é concebido como coisa, não como relação
( 1 97 [ 1 99] , 3 1 -35; 1 69, 34-35) .
10
Veja-se, supra , 3.2 b e e e o esquema 7.
129
A P RO D U Ç ÃO T E Ó R I C A D E M A RX
A troca não se deteve na criação formal de valores de troca, mas, de maneira ne
cessária, evoluiu até submeter (unterweifen) a própria produção ao valor de troca
(198 [200], 23-25; 1 70, 23-26) .
sej a: não perde a sua substância, mas se transforma sempre em outras substân
cias, realiza-se numa totalidade delas [ . . ] . Mantém em cada uma das diferentes
.
130
E N R I QU E D U S S E L
aforma da universalidade que conserva, é a de ser valor de troca (20 1 [202] , 10-3 1 ;
172, 36-1 73, 12).
b. Como processo
(202 [203 ] , 1 -206, 35; 173, 22- 177, 32)
Como conclusão, podemos indicar que, até agora, "a única determi
nação em que o capital está posto como diferença do valor de troca ime
diato e do dinheiro consiste na de ser um valor de troca que se conserva
e se perpetua na circulação e através dela" (202 [203 ] , 2-5 ; 1 73 , 23-27) .
Mas há uma segunda determinação ou característica que diferencia o
capital do simples valor de troca ou do dinheiro: ela consiste em que
o capital "põe" os termos da sua própria circulação. Ou seja: enquanto
a mera circulação manipula as mercadorias, mas não as produz (não as
"põe") o capital, por seu turno, faz circular as mercadorias que ele mes
mo produz. O capital "surge da circulação, portanto a pressupõe, mas,
ao mesmo tempo, parte de si mesmo como suposto em relação a ela" (202
[203 ] , 20-2 1 ; 1 73 , 39-4 1 ) .
131
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
Para que esta saída seja real, o valor de troca deve converter-se em objeto da
necessidade e ser consumido como tal, mas deve ser consumido pelo trabalho e
assim se reproduzir novamente (203 (203-204) , 1 -4; 1 74, 2 1 -24) .
O valor, que nunca se nega como tal - nega apenas suas determina
ções, mas sempre permanecendo em outra (nega-se como dinheiro, mas
se afirma como mercadoria; posteriormente, nega-se como mercadoria,
mas se recupera como dinheiro) -, consegue agora "aumentar seu valor".
Na circulação simples, em princípio e igualdade de condições, o valor
circula, mas não cresce (igual dinheiro por igual mercadoria e vice-versa) .
No capital (ou no valor na forma de capital), o valor consegue aumentar,
não apenas permanecer, e isto como um processo:
132
ENRIQUE DUSSEL
O capital não é uma relação simples, mas um processo em cujos diversos mo
mentos nunca deixa de ser capital ( 1 98 [ 1 99] , 4-6; 1 70, 5-7) . [ . . . ] O próprio
valor de troca, o valor de troca como sujeito (Subjekt) se põe ora como merca
doria, ora como dinheiro e justamente o movimento consiste em pôr-se nesta
dupla determinação e em conservar-se em cada uma delas como a sua contrária,
na mercadoria como dinheiro e no dinheiro como mercadoria [ . . . ] . O valor
de troca posto como unidade da mercadoria com o dinheiro é o capital, e este
próprio pôr-se se apresenta como a circulação do capital (a qual, contudo, é a
linha em espiral, uma curva que se amplia, não um simples círculo) (206 [206] ,
24-35; 1 77, 22-32) .
li
Nas ú ltim as páginas da sua Lógica , Hegel expressa a Ideia absoluta em s ua própria mo
bilidade final como "um c írc u l o de círculos (ein Kreis von Kreisen)" (ed. cast., p. 740; ed.
a le m ã , p. 571 ) que se enrosca e m si mesmo como uma espiral. É o Absoluto sobre a Terra
e Marx, a q ui, evidentemente, está pens an d o no novo Leviatã: o C api ta l .
1 33
7.
D A EXT E RI O RI DA D E À S U B S UN ÇÃO :
CA P I TAL E T RA B A L H O
(206 [206] , 36-261 , 40; 1 77, 33-227, 9)
(Caderno II, da página 18, ao Caderno III, até a página 21 do manuscrito original, entre
novembro e dezembro de 1 857)
O único que difere do trabalho objetivado é o trabalho não objetivado, que ainda está
se objetivando, o trabalho como subjetividade (Subjektivitat) . Ou , de outro modo:
o trabalho objetivado - vale dizer: como trabalho existente no espaço (raumlich) - se
pode situar em contradição enquanto trabalho passado ao existente no tempo (zei
tlich). Porquanto deve existir como algo temporal, como algo vivo (lebendig) , só
pode existir como sujeito vivo, no qual existe como capacidade, como possibilida
de - por isso, como trabalhador. O único valor de uso, pois, que pode constituir
uma contradição (Gegensatz) com o capital é o trabalho que, precisamente, cria
valor, ou seja, o trabalho produtivo (21 3 [212] , 1 - 1 1 ; 1 83, 6- 1 8) .
Para nós, o "dis-tinto" indica alguém (o outro) "fora" da totalidade, ao passo que o "di
ferente" é o ente subsumido na totalidade (cf. Filosofia de la liberación, ed. cit. , 2.3.5.2, 2.4.4
e 4. 1 .5.5). Para Marx, "a economia política não conhece o trabalhador desempregado, o
homem de trabalho uma vez que se encontre fora (ausser) da relação laboral" (II Manusc.
44; ed. Alianza, p. 124; MEW, EB 1, p. 523). Todo este Manuscrito II é fundamental para
o nosso objeto. Mane já intuía. em 1 844, a subsunção do trabalho ao capital: "o trabalho
como momento do capital (ais Moment des Kapitals)" (ibid., p. 1 3 1 ; p. 529) .
135
A P RO D U ÇÃ O T E Ô R I C A D E M A RX
136
E N R I QU E D lJ S S E L
za não como carência, mas como exclusão plena da riqueza objetiva. Ou tam
bém - enquanto é o não valor existente (der existírende Nícht-Wert) e, por isso, um
valor de uso puramente objetivo, que existe sem mediação - esta objetividade
pode ser somente uma objetividade não separada da pessoa (Person): somente
uma objetividade que coincide com a sua imediata corporalidade (Leíblíchkeít) .
Como a objetividade é puramente imediata, é , também, não objetividade ime
diata. Em outras palavras: uma objetividade que de nenhum modo é exterior
(ausser) à existência imediata do próprio indivíduo;
2) Trabalho não objetivado, não valor, concebido positivamente, ou negatividade que
se relaciona consigo mesma: é a existência não objetivada, ou seja, subjetiva, do
próprio trabalho. O trabalho não como objeto, mas como atividade; não como
autovalor, mas como a fonte viva do valor [ . . . ] . Não é em absoluto uma contra
dição afirmar, pois, que o trabalho, por um lado, é a pobreza absoluta como objeto e,
por outro, é a possibilidade universal da riqueza como sujeito e como atividade; ou,
melhor, que ambos os termos desta contradição se condicionam mutuamente e
derivam da essência do trabalho, já que este, como ente (Dasein) absolutamente
contraditório em face do capital, é um pressuposto do capital e, por outra parte,
pressupõe, por seu turno, o capital" (235 [229] , 34-236, 29; 203, 8-45).
ESQUEMA 14
CONTRADIÇÃO CAPITAL-TRABALHO
"Mundo" Trabalhador
do capital (sujeito vivo)
137
A P R O D U Ç ÃO T E Ó RICA D E M A RX
(porquanto ainda não é objeto; ou, se é obj eto, enquanto não obj etiva
do, é não objeto: um operário desempregado) . Se a riqueza é o capital, o
que estáfora é a "pobreza absoluta". Nada de sentido, nada de realidade,
improdutivo, inexistente, "não valor". Chamamos "o Outro" a esta posi
ção da pessoa.3 Mas deve-se levar em conta que o trabalhador, enquanto
homem, pode sempre tornar-se - mesmo quando um assalariado - "o
Outro" da totalidade do capital. De fato, então, em sua origem, no "frente
a frente" do trabalhador diante do capital (o capitalista em concreto), o
trabalho ainda é nada. De outro modo: o trabalho "não se faz real até que
o capital o solicita, põe-no em movimento, já que a atividade sem objeto
não é nada (nichts) " (207 [207] , 21 -23; 178, 12-1 4) . Na sua juventude,
Marx escrevera:
138
ENRIQUE DUSSEL
1 39
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A R X
contradição absoluta para Marx, ''fonte" viva do valor (o que chamamos o "meta-fisico" por
excelência) .
Cuadernos de Parfs. México: Era, 1974, pp. 1 55-156 (MEGA, l, 3 [ 1 932] , pp. 546-547).
140
ENRI Q U E O USSEL
Acrescentemos a isto:
Ali onde o dinheiro não deriva da circulação - como na Espanha -, mas é encon
trado diretamente, empobrece a nação, ao passo que naquelas nações que devem
141
A P R O D U ÇÃ O T E Ó R I C A D E M A RX
Cf. I Wallerstein, El moderno sistema mundial. México: Siglo XXI, 1-III, 1 979- 1 984, em que
se pode estudar a passagem da hegemonia da Espanha à Holanda (e, depois, a partir de
meados do século XVII, à Inglaterra).
O baixo custo dos alimentos, p. ex., na Inglaterra deveu-se às importações de seus países
coloniais ou neocoloniais (como a Argentina). Daí que a baixa proporção do trabalho
necessário não é apenas fruto do aumento da produtividade, mas de outros fatores que
devem ser estudados na relação centro-periferia.
142
E N R I QU E D U S S E L
143
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
1 44
E N RI Q U E D U S S E L
145
A P R O D U Ç Ã O T EÓR I C A D E M A RX
IJ
Veja-se, na c i tad a Filosefía de la producci6n, o cap . 4, so b re Aristóteles, e o cap. 7, sob re a
produção em Marx.
1 46
E N R I QU E D U S S E L
uso do próprio capital. Como não ser dos valores enquanto objetivados, o traba
lho é seu ser enquanto não objetivados, seu ser ideal: a possibilidade dos valores
e, como atividade, o que cria os valores [ . . . ] . Mediante o intercâmbio com o
Vale dizer: com "a incorporação do trabalho pelo capital, este en
tra em fermentação e se transforma em processo, em processo de produ�ão
(Produktionsprozess) " (241 [234] , 30-32; 208, 32-37) .
14
A isto, como j á fizemos e m outro lugar, denominamos "coisa-sentido", "coisa-produzida"
ou "coisa cultural" - em que a forma material inclui um sentido espiritual. Aliás, como
frequentemente fazemos notar, Marx usa muito a palavra "espiritual (geistige)".
1 47
A P RO D U ÇÃO T E Ó RI C A D E M A RX
O capital aparece aqui [não] como uma mera coisa, [mas] como relação de pro
dução que, refletida em si mesma, é justamente o capitalista (244 [236] , 9- 1 1 ;
21 1 , 2-4) .
148
ENRIQUE DUSSEL
O produto considerado como valor (ais l#rt) [ . . ] não é produto, mas, sim, valor
.
IS
Considere-se o esquema 12, no qual o "valor" é a determinação essencial e universal da
essência do capital. No "processo de produção" do capital, as determinações "trabalho",
"meio de produção" etc. conduzem a outro efeito: o "produto". Mas, agora, trata-se da
produção e do acréscimo do próprio valor.
1 49
A P R O D U Ç Ã O T E Ó RI C A D E M A RX
Vale dizer: se o capital original eram 100 unidades, 50 para o fio, 40 para
o salário e 10 para o gasto da máquina, o produto tem um valor de 100 uni
dades, tanto no começo quanto no final. Do ponto de vista do valor, nada
se alterou. E, neste caso, não haveria processo de valorização, mas simples
processo de produção. Mas o que ocorre na realidade do capitalismo é outra
coisa e toda a economia política científica capitalista não chegou a ver esta
realidade "porque se passaram por alto os fios invisíveis (unsichtbaren) que se
cruzam no processo" (244 [23 7] , 35-36; 2 1 1 , 27-28 ) Comecemos:
.
Como valor de uso, o trabalho existe unicamente para o capital, e é o valor de uso
do próprio capital, isto é, a atividade mediadora através da qual o capital se va
loriza (verwertet) . O capital, na medida em que reproduz e aumenta seu valor, é
valor de troca autônomo (o dinheiro) como processo, como processo de valoriza{ão
(Prozess der i-érwertung) (246 [239] , 1 0-247, 3; 2 13, 1 0-12) .
[Assim o trabalhador] cede sua força criadora (schopferische Kraft) pela capacidade
de trabalho como magnitude existente. Tem mesmo é que se empobrecer [ . . ] .
já que a força criadora do seu trabalho, como força do capital, ergue-se diante dele
como um poder alheio. Aliena (entãussert) seu trabalho como força produtiva
da riqueza; dele o capital se apropria como tal. Por consequência, neste ato de
intercâmbio está posta a separação entre trabalho e propriedade no produto do
trabalho, entre trabalho e riqueza (248 [ 240] 9- 1 8; 2 1 4, 28-38) .
,
1 50
E N R I QU E D USS E L
O capital compra o trabalho como trabalho vivo, como a força produtiva geral da
riqueza - a atividade que faz a riqueza crescer (248 [240] , 5-7; 214, 25-27) .
151
A P RO D U ÇÃO T E Ó RI CA D E M A RX
O capital pressupõe:
16
Veja-se, no esquema 1 5 (infra) : D + l; vale dizer: dinheiro inicialmente investido (D) mais
lucro (l) - claro que este lucro é, essencialmente, mais-valia.
1 52
E N R I QU E D U S S E L
Capital:
1) Universalidade
1 . a) Devir do capital a partir do dinheiro
b) Capital e trabalho [ . . . ]
c) Os elementos do capital analisados segundo sua relação com o trabalho
(produto, matéria-prima, instrumento . . . )
2. Particularização do capital
a) Capital circulante, capital fixo. Circulação do capital
3. Singularidade do capital: capital e lucro. Capital e juro. O capital como
valor [ . . ]
.
1 53
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
II) Particularidade
1 . Acumulação dos capitais
2. Concorrência entre os capitais
3. Concentração dos capitais
III) Singularidade
1 . O capital como crédito
2. O capital por ações
3. O capital como mercado monetário (216 [214] , 40-217 [215] , 13; 186, 26-40).
1 54
8.
RU M O A U M A T E O RI A D A M A I S - VA L I A 1
(262 [25 1 ) , 1 e ss.; 227, 1 8 e ss.)
(Caderno III, da página 21 até a página 40 do manuscrito, de dezembro de 1 857)
155
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
ESQUEMA 1 5
INVISIBILIDADE D O NfvEL PROFUNDO E M QUE SURGE A MAIS-VALIA
' f- �
a - Capital -- a
Nível essencial
profundo (valor)
rv.
a (abstratíssimo)
p •
l1 ---r:jl
� íM;1 a '
•
l
•
1
1
1
1 Primeira ordem de
1
1 manifestação.
1
I'.- Nível de produção
b
1 ou profundo
1
1 111.
1
1 (abstrato)
1
1
� 1
Cv = (S)
Ordem d a aparição
do capital.
�
Nível superficial
da circulação
Cc = (Mp) c li.
4 (concreto
1 1
1 1
Nível da consci�ncia do
'
9
"público consumidor"
Consumo 1.
(subjetivo)
156
E N R I Q.U E D U S S E L
Para que aumente o valor do lucro (Pro.fit) , tem que haver um terceiro cujo valor
se reduza. Quando se afirma que o capitalista gasta 30 dos 100 em matéria-pri
ma, 20 em maquinaria, 50 em salário e logo vende estes 100 por 1 10, deixa-se de
lado o fato de, se tivesse desembolsado 60 pelo salário, não haveria obtido lucro
algum - salvo se conseguisse mais que os 1 10, uns 8,2% etc. Ele troca seu produ
to por outro cujo valor está determinado pelo tempo de trabalho nele emprega
do [ . ] . O excedente (surplus) não surge da circulação, mesmo que só se realize nela
. .
Trata-se das anotações sobre o capítulo acerca do lucro, dos Princípios de economia política e
tributação, de Ricardo. Marx teve que partir da questão do lucro e da circulação (nível II do
esquema 1 5) para elevar a questão a seu nível profundo, oculto, subjacente: ao processo
de produção (nível III) . [làmbém aqui não fazemos referência às páginas da edição dos
Grundrisse citada na nota 1 das Palavras preliminares. Há edição brasileira da obra de Ricardo:
. . .
Princípios de economia política e tributação. S. Paulo: Nova Cultural, 1 985. (N. do T.) ] .
1 57
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
1 58
E N R I QU E D U S S E L
Se o operário necessita de meia jornada de trabalho para viver por um dia intei
ro, precisa apenas, para subsistir como operário, trabalhar meio dia. A segunda
metade da jornada é trabalho forçado, trabalho exceden te (surplus-Arbeit) . O que ,
do ponto de vista do capital, se apresenta como mais-valia , do ponto de vista do
operário se apresenta precisamente como trabalho excedente (Mehrarbeit) , supe
rior à s u a necessidade como operário, ou seja, acima da sua necessidade imediata
para a manutenção da sua c ondição vital (266 [255) , 1 0- 1 8; 230, 41-23 1 , 4) .
Vê-se, pois, que, para Marx, o operário "como operário" não é o mes
mo que o operário "como homem". No primeiro caso, a sua vida consiste
1 59
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
O capital como capital não existe contraposto a eles [os trabalhadores] , já que a
riqueza autonomizada em geral somente existe ou por meio do trabalho forçado
direto, a escravidão, ou por meio do trabalho forçado mediado, o trabalho assa
lariado. Ao trabalho forçado direto a riqueza se contrapõe não como capital, mas
como relação de dominação (267 [256] , 28-34; 232, 13- 1 8) .
1 60
ENRIQUE D USSEL
"Daí a grande influência civilizadora do capital", anota Marx em inglês. Leia-se todo este
texto (36 1 , 36-362, 28; 313, 10-38) : "Assim como a produção fundada no capital cria, por
um lado, a ind6stria universal [ . . . ] , por outro cria um sistema de exploração geral das
161
A P RO D U ÇÃ O T E Ó R I CA D E M A RX
162
ENRIQUE DUSSEL
ESQUEMA 16
AUMENTO INVERS O DA PRODUTIVIDADE E TAXA DE MAIS-VALIA
: 1
Aumen to de : Aumento de
produtividad e: : mais-valia:
o dobro: 2 : 1/8
(n ovo tempo
necess ário: 1/8) Total de mais-valia nova : 3/4 + 1/8 = 7/8
1 63
A P R O D U Ç Ã O T E Ó RI CA D E M A RX
[Neste caso,] o valor não cresceu porque tenha crescido a quantidade de trabalho
absoluta, mas sim a relativa ; ou seja: não cresceu a quantidade total de trabalho [ . . . ] .
1 64
ENRIQUE DUSSEL
1 65
A P RO O U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
Os capitais se acumulam com maior rapidez que a população; com isso, o salário
sobe; com isso, sobe o preço dos cereais; com isso, a dificuldade da produção e
com isso [a dificuldade do incremento) dos valores de troca (296 [280) , 33-297,
2; 257, 23-26).
Até aqui, falamos unicamente dos dois elementos do capital, das duas partes
da jornada viva de trabalho, das quais uma representa o salário, a outra o lucro
[sic] uma o trabalho necessário, outra o trabalho excedente (299 [282) , 10-13;
-
259, 27-30) .
1 66
ENRIQUE DUSSEL
Onde ficam, pois, as outras duas partes do capital realizadas no material de tra
balho e no instrumento de trabalho? (299 [282 ] , 13- 1 5 ; 259, 30 32 ) .
-
Como partes componentes (ais Bestandteile) do capital, são valores que o trabalho
deve substituir? [ . . . ] E tais objeções se formulam massivamente contra Ricardo,
de quem se diz que apenas consideraria o lucro [ mais-valia] e o salário como
=
1 67
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
valor sem aniquilação do valor velho e isto é feito gratuitamente pelo tra
balhador:
13- 1 4; 264, 5) :
1 68
ENRIQUE DUSSEL
A L G O M A I S S O B RE A M A I S - VA L I A
(3 04 [286] , 3 9-3 53 , 6; 264, 29-305, 6)
(Caderno III, da página 15 do manuscrito, até o Caderno IV, página 15, de dezembro
de 1 857 a começos de janeiro de 1 858)
171
A P R O D UÇÃO T E Ó R I CA D E M A RX
Em vários passos deste livro insistimos nesta questão. Cremos que ela é da maior im
portância política para o processo revolucionário latino-americano na medida em que um
materialismo ingênuo e cosmológico afasta das fileiras revolucionárias os melhores ele
mentos populares e de vanguarda. O Engels posterior ao Marx definitivo e o próprio
-
Anti-Dühring e a Dialética da natureza não só não são obras escritas por Marx como, e isto é
o relevante, não incidem, absolutamente, em seu discurso científico, econômico, fundamen
tal - deu razões para o surgimento dessa "ideologia" (o materialismo cosmológico) . As próprias
obras filosóficas de Lenin (como Materialismo e empirocriticismo e os Cadernos .filosóficos) não
expressam, ainda, de nenhum modo, o materialismo positivista, vulgar e até grosseiramen-
172
ENRIQUE DUSSEL
1 73
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D F. M A R X
A "coisa" (Ding), para Hegel, não é qualquer coisa, mas o fenômeno existente no mundo
(Lógica, II, II, cap. 1 ) .
1 74
E N R I QU E D U S S E L
1 75
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
ESQUEMA 17
DIVERSOS NÍVEIS FORMAIS DO OBJETO
Mercadoria 1
Objeto produzido
Substância
natural
Trabalho vivo
176
E N R I QU E D U S S E L
(VP) que tem mais valor que o velho (VP). Nisto consiste o incremento
do valor pela nova reelaboração industrial do objeto. Se é verdade que a
própria matéria-prima foi comprada (já era então mercadoria: mercadoria
1 ) , ela é transformada agora na mercadoria (mercadoria 2 ) propriamente
dita, fruto do processo produtivo do capital como capital. A valorização
do novo produto se funda, ontologicamente, na novaforma que o trabalho
objetivou na matéria-prima (forma 3). Esta terceira forma produz a "nega
ção assuntiva (Aujhebung)" (307 [288] , 6, 266, 27) das formas anteriores;
o valor de uso novo assume, negando-o, o valor de uso velho e o novo valor
assume e supera o valor velho. Vemos, então, como Marx sabe passar de
um nível fisico e biológico (coisa natural) ao nível da coisa matéria-prima
e desta à coisa como objeto produzido, mercadoria (ou seja, do nível tec
nológico ao nível propriamente econômico) . O abstrato (o fisico, o bio
lógico ou tecnológico) permanece assumido e se ascende para além dele,
no concreto (o econômico) , sem que cada um desses níveis perca sua
consistência real (embora abstrata) própria.
Isto significa, pois, o "trabalho valorizador" : não apenas um trabalho
técnico que produz objetos, mas um trabalho que, ao produzir objetos,
assume a matéria e lhe confere valor, mais valor do que tinha antes.
1 77
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
Voltemos uma vez mais ao nosso exemplo. 100 táleres de capital - a saber: 50
táleres de matéria-prima, 40 táleres de trabalho, 10 táleres de instrumentos de
produção. O operário precisa de 4 horas para produzir os 40 táleres necessários
à sua vida [ . . ] ; seu dia de trabalho seria de 8 horas. Deste modo, o capitalista
.
178
E N R I QU E D U S S E L
1 79
A P RO O U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
Tanto no primeiro quanto no segundo caso, o lucro sobre o capital total de 100 tá
leres é igual a 10%, mas, no primeiro, a mais-valia real que o capital obtém no pro
cesso de produção é de 25% e, no segundo, de 50% (325 [302] , 12-15; 282, 1 -4).
Depois de larga reflexão, Marx chega, por fim - e pela primeira vez -,
a um de seus futuros conceitos preferidos:
Linhas abaixo, Marx usa a expressão "konstanstes Kapital" (capital constante) (342, 10; 296, 5).
1 80
E N R I QU E D U S S E L
O instrumento perde seu valor de uso na mesma medida em que contribui para
elevar o valor de troca da matéria-prima e em que funciona como meio de tra
balho. Devemos investigar este ponto, é claro, uma vez que é essencialmente
importante a distinção entre o valor inalterado enquanto parte do capital que se
conserva; o valor reproduzido (reproduzido para o capital; sob o ponto de vista da
verdadeira produção do trabalho, produzido) e o valor que é produzido por pri
meira vez (334 [309] , 12-29; 289, 2 1 -29) .
Até o momento [examinamos do capital somente] duas partes: uma se troca por
mercadorias (material e instrumento) e a outra pela capacidade de trabalho (344
[3 1 8 ] , 27-29; 298, 1 6-17).
181
A P RO D U ÇÃO T E Ó R I CA D E M A RX
Já vimos isso repetidas vezes. Mas sobre estas premissas, Marx ex
põe um certo número de "tendências" (ele escreve Tendenz, mas também
Gesetz ["lei" ] ) do capital:
1 82
ENRI Q U E DUSSEL
Daí que o capital tenda tanto ao aumento da população operária quanto à redução
constante da sua parte necessária (a colocar permanentemente uma parte como
reserva} [ . . ] . No fundo, estamos diante apenas de uma aplicação da proporção
.
183
A P RO D U Ç ÃO T E Ó R I C A D E M A RX
capital", 353 [325) , 6-7; 305, 5-6) para "explicar" a determinação "popu
lação", não mais abstrata e sim agora compreendida, fundada, explicada,
integrada ao concreto-totalidade (nível 5 do esquema 5).
10.
O CAP I TAL C O M O P RO C E S S O
D E D E S V A L O RI ZAÇAO
(353 [327] , 14-407, 9; 305, 13-3 5 1 , 8)
(Caderno IV, da página 15 até a página 41 do manuscrito, janeiro de 1 858)
Roman Rosdolsky, em seu livro já citado, Génesis y estructura de El capital de Karl Marx,
não trata o conteúdo deste capítulo 10, em geral deixado de lado por muitos marxistas. É
sintomático que Marx indique que não tratará da circulação em si, mas como momento da
realização do capital em geral em relação com a própria produção.
1 85
A P RO D UÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
se perde em parte (e, no caso de uma falha maior, pode perder-se por
completo) , também o capital (e com muito mais contradições que a ele
tricidade) tem um constitutivo essencial próprio de contínua desvaloriza
ção ("outro problema é o de como [ . . . ] se eliminam assuntiva e constan
temente essas contradições, mas também como constantemente elas são
reproduzidas" ; 357 [330 ] , 4 1 -358, 3; 309, 35-37) .
A "realização" - como conceito filosófico é, para Marx, o ato pelo
-
é dinheiro [ . . . ) e, para ser posto como dinheiro, tem que realizar-se (realísíeren)
primeiramente na troca como tal (353 [327) , 14-354, 2; 305, 13-306, 8) .
1 86
E N R I Q U E D IJ S S E L
1 87
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
ESQUEMA 18
PROCESSO DE "DESVALORIZAÇÃO" DO CAPITAL
"
ProJução Circulação
1 88
E N R I QU E D U S S E L
Enquanto novo valor [ . . . ] parece existir uma barreira à magnitude dos equiva
lentes disponíveis, sobretudo dinheiro [ . . . ] . A mais-valia (compreende-se que
em relação ao valor originário) requer mais-equivalente (Surplusãquivalent) (357
[330) , 16-2 1 ; 309, 1 1-15).
1 89
A P RO D U ÇÃO T E Ó RI C A D E MARX
a criar o mercado mundial está dada diretamente na própria ideia do capital. Todo limi
te se lhe apresenta como uma barreira a vencer (359 [332] , 25-360, 1 1 ; 3 1 1 , 21-28).
1 90
E N R I QU E D U S S E L
191
A P RO D U Ç Ã O T E Ó RI C A D E M A RX
Dai a exploração da natureza inteira para descobrir novas propriedades úteis das
coisas; intercâmbio universal dos produtos de todos os climas e paises estrangei
ros; novas elaborações artificiais dos objetos naturais para dar-lhes novos valores
de uso [ . . . ] ; por consequência, o desenvolvimento ao máximo das ciências na
turais; igualmente, descoberta, criação e satisfação de novas necessidades proce
dentes da própria sociedade; cultivo de todas as propriedades do homem social
[ . . . ] . Criação de novos ramos de produção, ou seja, de tempo excedente quali
tativamente novo [ . . . ] como trabalho dotado de novo valor de uso [ . . . ] . Como
suporte deste sistema se apresentam tanto a ciência quanto todas as propriedades
fisicas e espirituais [ . . . ] . O capital cria assim a sociedade burguesa [ . . . ] . Hence
the great civilising injluence of capital3 [ ] . Pela primeira vez, a natureza se conver
• • •
1 92
E N R J QU E D U S S E L
Como uma produção põe a outra em movimento, para cada capital individual a
demanda da classe operária, que é posta p e la produção mesma, apa rec erá como
adequate demand5• Esta demanda posta pela próp ria produção a imp e l e [ . . . ] a
transgredir a proporção (374 [344), 9- 14; 323, 8- 14) .
Agustín Cueva mostra que uma das características da debilidade do capital periférico consis
te em que, nos países subdesenvolvidos, "as áreas p ré -capi tal istas, em relação às capitalistas",
têm uma funcionalidade muito especial, que "consiste prioritariamen te em fixar um valor
da força de trabalho reduzido a seu limite estritamente vegetativo, com todas as consequ
ências daí derivadas" (El desarrollo dei capitalismo en América Latina. México: Siglo XXI , 1977,
p. 1 17) . Esta situação se reproduz hoje porque "a modalidade de acumulação fundada na
redução drástica dos salários reais se estendeu com máximo rigor a toda a área fascistizada
do subcontinente" (ibid., p. 229) . Esta é, certamente, uma das determinações essenciais do
capital "débil" periférico e subdesenvolvido. [Há edição brasileira da obra de Cueva: O de
senvolvimento do capitalismo na América Latina. S. Paulo: Global, 1 983. (N. do T.)]
Em inglês, no original: demanda adequada - isto é, a requerida para absorver toda a oferta
(toda a produção) .
1 93
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
O capital só põe trabalho necessário até quando e na medida em que este seja tra
balho excedente e que o trabalho excedente seja realizável como mais-valia [ . . . )
.
A mais-valia relativa cresce numa proporção muito menor que a força produtiva
[como vimos em 8.2) e justamente esta proporção decresce tanto mais quan
to maior tenha sido o incremento prévio da força produtiva. Mas a massa dos
produtos cresce numa proporção análoga [ . . . ) [e, com isso] aumentam as difi
culdades para realizar o tempo de trabalho contido neles, posto que aumenta a
exigência de consumo (376 [346) , 22-32; 325, 6- 17).
194
E :-\ R I QU E OU S S E L
tivas, limita, torna unilateral a principal força produtiva - o próprio homem (376
[346] , 32-37; 325, 17-23).
Já dissemos que "o operário se lhe contrapõe [ao capital] como con
sumidor e como indivíduo que põe o valor de troca - sob a forma [ en
tão] de possuidor do dinheiro (Geldbesitzenden) " (374 [344] , 28-30; 323,
29-3 1 ) . O fato de o capital se realizar somente e no caso em que o pro
duto possa transformar-se finalmente em dinheiro, e como há pouco
dinheiro porque os operários ganham pouco salário (como baixo preço
de seu trabalho necessário mínimo) , faz com que a falta de dinheiro
ponha um limite à realização do capital (seta d do esquema 1 8) . A única
maneira que o capital tem para recuperar o valor do produto é trans
formá-lo em dinheiro. Este é seu próprio limite6• No caso de faltar di
nheiro, pode-se emprestar um valor equivalente. Aqui a questão ganha
atualidade, em face da situação de devedores em que se encontram os
países da periferia capitalista:
Desta forma, produz-se uma cisão entre "o capital produtivo inglês":
uma parte opera como exportador ou produtor e outra parte opera, por
exemplo, como "capital ianque", comprador-importador. Todas estas ques
tões deverão ser aprofundadas com vistas à problemática da dependência.
1 95
A P R O D U ÇÃ O T E Ó R I CA D E M A RX
Já que "a riqueza real tem que adotar uma forma determinada dife
rente de si mesma e, portanto, não absolutamente idêntica a ela própria,
para transformar-se em geral em objeto da produção" (368 [339] , 22-25;
3 1 9, 3-5) , o capital se põe um novo limite a si mesmo: é a necessidade que
o valor de uso tem para poder realizar-se como valor de troca - que, na
realidade e como Marx o indica ("de novo, o mesmo") , é somente outra
formulação do limite anterior (mencionado em d) .
Em conclusão: "Profit [is] the limitation ofproduction"8 - na expressão de
Th. Hodgskin, em sua Popular political economy ( [Economia política popular]
Londres: 1 827, p. 246) , que Marx cita em inglês. Tudo isto considerado,
chegamos ao seguinte resultado:
1 96
ENRIQUE DUSSEL
"realize", o capital deve recuperar-se como dinheiro (D') mas, antes, deve
vender-se o produto, isto é, deve trocar-se por dinheiro. Porém, ainda an
tes, é necessário mensurar o produto-mercadoria em dinheiro:
[ . . . ] . Os capitalistas não podem repartir entre si nada que não seja a mais-valia
(378 [347] , 26-3 1 ; 327, 5-9).
1 97
A P R O O U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
Do exposto antes, depreende-se, ainda, que o preço pode cair abaixo do valor e,
apesar disso, o capital obter lucro (389 [354] , 7-9; 336, 5-7) .
ESQUEMA 19
DIVERSOS N ÍVEI S E PASSAGENS DA MAIS-VALIA, DO PREÇO E D O LUCRO
-b '-., d
produção de ter m i nação venda acumulação
ESQUEMA 2Ü
MAIS-VALIA, LUCRO E LUCRO ElCTRAORDINÁRIO
r
d
Mais-valia a
e
O p rod u to e
l
Sal�rio
compreende
Capital
constante
1 98
ENRIQUE DUSSEL
O capital, uma vez que sai, enquanto produto, do processo de produção, tem que
ser convertido novamente em dinheiro. O dinheiro, que até aqui se apresentava
apenas como mercadoria realizada, apresenta-se agora como capital realizado (39 1
[356] , 5-9; 337, 34-37) .
199
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Não pode o capital aumentar a sua mais-valia, mesmo que ela diminua em rela
ção ao capital em seu conjunto, ou seja, diminua a chamada taxa de lucro? (327
[304] , 28-30; 284, 4-7) 11 •
Observe-se que, aqui, Marx ainda não formula com clareza o tipo de
proporções diferentes entre mais-valia e lucro - o que só fará, meses de
pois, no Caderno VII (277 [623 ] , 1 e ss. ; 63 1 , 1 e ss.)12•
Como Adam Smith expusera a questão da queda da taxa de lucro, ain
da que com aumento absoluto de capital, como um fenômeno derivado
da concorrência entre capitais, Marx iniciou o trato da questão comparando
muitos capitais (os capitais A, B, C, D e E). Na realidade, isto lhe permi
tirá concluir que a solução não se encontra neste encaminhamento:
li
Veja-se o exposto no parágrafo 9.3. sobre o comportamento das "partes componentes" do
capital.
12
Veja-se, mais adiante, o parágrafo 1 5. 1 .
200
E N R I QU E D U S S E L
Estas crises são incompreensíveis para os que afirmam que, "do pon
to de vista social, a produção e o consumo são a mesma coisa e que, por
tanto, nunca pode dar-se um excesso ou um desequilíbrio (Missverhiiltnís)
entre ambos" (365 [336) , 5-7; 3 1 5, 44-3 1 6, 2). Marx comenta:
201
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Uma revolução das forças produtivas altera estas relações, modifica inclusive
as relações cuja base [ . . ] continua sendo sempre a proporção entre o trabalho
.
202
E N R I QU E D U S S E L
Numa crise - numa depreciação geral dos preços - até certo ponto se produz, ao
mesmo tempo, uma desvalorização ou aniquilação geral de capital [ . . ] . A aniqui .
lação de valor e de capital que se opera numa crise coincide com - ou equivale
a - um cresdmento geral dasfor{as produtivas, o qual não acontece por efeito de um
aumento real da força produtiva do trabalho (não cabe aqui [sic] analisar em que
medida este aumento ocorre em consequência das crises) , mas pela redução
do valor efetivo das matérias-primas, máquinas, capacidade de trabalho [ . . . ] . O
outro aspecto da crise se resolve numa redução real da produção, do trabalho
vivo, a fim de restaurar a relação correta entre o trabalho necessário e o trabalho
excedente, sobre a qual, em última instância, tudo se fundamenta (406 [366] , 12-
407, 6; 350, 12-35 1 , 5).
15
A TaP.ferkeit de Hegel, na guerra em que vence o mais forte (cí Filosofia do direito, parágrafo 325) .
203
11.
Vimos, nos dois últimos capítulos, primeiro, que o capital conserva seu
valor mediante a intervenção do trabalho vivo. Em segundo lugar, que o
capital aumentou o seu valor na obtenção da mais-valia. Em terceiro lugar,
que o processo de valorização é, simultaneamente, um processo de desva
loriza§ão, "cuj a manifestação externa e de modo violento [é] a crise". Ou
seja: tanto a valorização quanto a desvalorização "estão postas na essência
do capital - tanto a desvalorização do capital através do processo de pro
dução quanto a abolição da mesma e o restabelecimento das condições
para a sua valorização" (407 [367] , 1 9-22; 35 1 , 1 5- 1 7) . É deste segundo
momento que trataremos no presente capítulo.
205
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
206
E N RI Q U E DUSSEL
Esta terceira forma implica o capital sob suas formas anteriores e constitui, ao
mesmo tempo, a transição (Übergang) do capital aos capitais em particular, aos capi
tais reais; pois agora, sob esta última forma, o capital já se divide, conforme o seu
conceito, em dois capitais de existência autônoma. Com a dualidade, está dada
já a multiplicidade em geral (409 [369) , 20-26; 353, 4- 1 0) .
não uma abstração arbitrária e sim uma abstração que capta a differentia speci
fica do capital em oposição a todas as outras formas da riqueza ou modos em
que a produção social se desenvolve. Trata-se de determinações que são comuns
a todo capital enquanto tal [ . . . ) . Mas o capital em geral, diferenciado dos
capitais reais em particular, é ele mesmo uma existência real (409 [369) , 29-
4 1 0, 3; 353 , 1 4-25 ) .
207
A P R O D L' Ç A O T E Ó R I C A D E M A R X
206
E N R I QU E D U S S E L
Esta terceira forma implica o capital sob suas formas anteriores e constitui, ao
mesmo tempo, a transição (Übergang) do capital aos capitais em particular, aos capi
tais reais; pois agora, sob esta última forma, o capital já se divide, conforme o seu
conceito, em dois capitais de existência autônoma. Com a dualidade, está dada
já a multiplicidade em geral (409 [369) , 20-26; 353, 4- 10).
Sabemos que o capital em geral, que é por agora o obj eto de estudo de
Marx, é "uma abstração", mas
não uma abstração arbitrária e sim uma abstração que capta a differentia speâ
fica do capital em oposição a todas as outras formas da riqueza ou modos em
que a produção social se desenvolve. Trata-se de determina{ões que são comuns
a todo capital enquanto tal [ . . . ] . Mas o capital em geral, diferenciado dos
capitais reais em particular, é ele mesmo uma existência real (409 [369) , 29-
4 1 0, 3; 353, 1 4-25) .
207
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
ESQUEMA 2 1
CAPITAL ORIGINÁRIO, CAPITAL 1 E CAPITAL II
�' 4
,
' ,
' ,
' ,
' ,
' ,
,
,
,
,
,
- ' [)l ,
/ Mp2
,
,
,
,
,
,
,
,
,
/ Mp'
,
,
,
,
,
D' ,
,
,
,
,
,
Esclarecimentos
D: dinheiro como dinheiro. CO: capital originário. D1: dinheiro como capital. T': primeiro tra
balho vivo assalariado. Mp' : primeiro meio de produção. P': primeiro produto. M' : primeira
mercadoria. CI: capital com mais capital 1. CII: capital de capital, com mais capital II. A espiral é
crescente, vai se abrindo, valorizando-se.
208
ENRIQUE DUSSEL
ternaremos num dos trechos mais sugestivos dos Grundrisse, nos pressu
postos históricos do modo de produção capitalista (ou seja, nas etapas an
teriores que desembocarão no dinheiro, D, ainda não capital) . Entremos,
então, no primeiro tema, na ordem em que a investigação de Marx vai de
fato enfrentando a questão2 - há uma certa desordem, mas que é própria
de um pensamento que vai constituindo suas categorias "sistematicamen-
te" pela primeira vez.
Marx começa a descrição tratando da "primeira forma" em que apa
receu o capital (dinheiro), que vinha de "fora" do próprio capital - por
que este simplesmente ainda não existia (D1) :
209
A P RO D C Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
como "pobreza abstrata, inobj etiva, puramente subjetiva" (413 [372] , 42-
414, 2; 357, 5-9) .
A questão, pois, é que se inverteu a apropria{ão: o trabalho pôs dian
te de si algo alheio. "No mais capital, todos os elementos são produto
de trabalho alheio; trabalho excedente alheio convertido em capital [ . . . ] .
Desapareceu aqui a pura aparência [ . . . ] de que o capital produzia, por seu
turno, a partir da circulação, algum valor" (41 4 [372] , 14-24; 357, 2 1 -32) .
O capital não põe nada: o trabalho põe tudo. Agora é o capital - trabalho
objetivado - que exerce o "domínio" e a "propriedade" sobre o trabalho
vivo. A realização do capital - como "propriedade alheia" é a desrealiza -
210
E N R ! Q lJ E D t: S S E L
O trabalho não põe a sua própria realidade como ser para si, mas como mero ser
para outro (texto citado na abertura deste capítulo) .
Para a formação do mais capital I, se assim denominamos o mais capital tal como
sai do processo originário (ursprünglichen) de produção, isto é, para a apropriação
de trabalho alheio, de trabalho objetivado alheio [ . . . ] ou dos valores em que este
se objetivou, apresenta-se como condição o intercâmbio de valores pertencentes
ao capitalista [ . . . ] . Trata-se de valores que não procedem do seu intercâmbio
com o trabalho vivo (41 7 [375 ] , 23-37; 360, 1 6-3 1 ) .
21 1
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
acumulada como lucro) . Se, por sua parte, o primeiro mais capital "é lan
çado novamente no processo de produção" (4 1 7 [375] , 39-40; 360, 33-
34) , em um segundo ciclo (CI) , obter-se-á nova mais-valia que, realizada,
consiste no mais capital II (D3). Este novo mais capital pode, novamente,
ser lançado em "um terceiro processo de produção" (41 8 [375 ] , 1 ; 360,
36) . Aqui, o que nos importa é que "este mais capital II tem supostos di
ferentes dos do mais capital I". Por quê? Simplesmente porque o suposto
do mais capital I era um dinheiro que, subsumido como capital, tinha sua
origem em não capital. O mais capital II, ao contrário, tem como suposto
o capital como capital - que inclui mais-valia apropriada do trabalho vivo.
Neste último caso,
Cf. A, p. 1 92 e ss. - trata-se do livro II, que aborda o q u e "se denomina o bem supremo
(liiichsten Guts) " (A, p. 194) . [Esta obra de Kant está vertida ao português: Crítica da ra
zão prática. S. Paulo: Martins Fontes, 201 1 - assim como a já citada Critica da razão pura .
Lisboa: Fundação C. Gulbenkian, 1 989. ( N . do T.) ]
212
ENRIQUE DUSSEL
213
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
gurado no tempo graças "ao direito de herança, [pelo qual esta lei] adqui
re uma existência que não depende da fortuita transitoriedade dos diver
sos capitalistas" (43 1 [386] , 42-43; 373, 38-40) .
Novamente:
cedente seja posto como mais-valia do capital significa que o operário não se
apropria do produto do seu próprio trabalho, que este produto se lhe apresenta
como propriedade alheia; inversamente, que o trabalho alheio se apresenta ao ca
pital como propriedade sua (43 1 [386] , 35-39; 373, 3 1 -36) .
214
E N R I QU E D U S S E L
realidade posta por ele; não como condições de sua gênese, mas como resultado de sua
existência" (421 [377] , 9- 19; 363, 42-364, 10).
215
A P R O D U Ç Ã O T E Ó RI C A D E M A RX
O conceito de Diremtion (cf., p. ex. , Hegel, História dafilosofia , l, �rke. Berlim: Suhrkamp,
t. XIX, p. 297), como as noções de Entzweiung ou Explikation, indica o momento origi
nário pelo qual o ser se "cinde", "divide", na multiplicidade, nas diferenças. Do mesmo
modo, a unidade originária do sujeito possuidor é cindida num sujeito-pobreza absoluta
217
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
e um objeto possuído por outro. Veja-se a minha obra, já citada, Método para una .filos'!fia
de la líberaci6n, pp. 87-99.
"Dissociação" (Scheidung) (413, 6; 356, 1 5 ) indica a "separação" (Trennung) que, por últi
mo, será designada por dissolução.
218
E N R I QU E D U S S E L
dízimo etc. quando se conhece a renda fundiária. Mas não há por que identi.ficá
los [ . . ] . A assim chamada evolução histórica repousa, em geral, no fato de que
.
a última forma considera as passadas como outras tantas etapas em direção a ela
mesma [ . . . ] . Há que ter em conta, sempre, que o sujeito - a moderna sociedade
burguesa, neste caso - é algo dado tanto na realidade quanto na mente [ . . . ] (26
[58] , 23-27, 28; 25, 43-26, 43) .
219
A P RO D U ÇÃ O T EÓR I C A D E M A RX
vendido : ser dinheiro. Mais: enquanto se realiza tal dinheiro (que inclui
o capital originário e o mais capital obtido ou lucro) , é formalmente ca
pital; ou seja: realiza-se enquanto valor apropriado ou unido ao sujeito
(com posse-proprietária) . A apropriação da mais-valia - em um nível real
e jurídico - é a subsunção - em um nível ontológico. Assim, o "modo
de produção" é o momento material do momentoformal econômico ou o
"modo de apropriação".
Na descrição das épocas históricas, mais que uma descrição do "modo
de produção" (que do artesanal acabou por culminar na produção indus
trial) , Marx, aqui nos Grundrisse, fala-nos dos "modos de apropriação"
(isto é, interessa-se pela questão da posse, da propriedade, da unidade que
se tenha entre pessoa-objeto: apropriação) .
Antes de entrar, pois, numa descrição das diversas épocas, defina
mos sumariamente as diferentes determinações abstratas essenciais de todo
"modo de apropriação" e suas relações igualmente essenciais - partindo,
como nos exige Marx, da estrutura mais complexa do "modo de apropria
ção" capitalista.
isto na minha já citada Filosofia de la liberación, capítulos 3 e 4) . Estas questões são essenciais
para uma filosofia dos modos de produção e de apropriação.
Neste sentido, "o" ético (não "a" moral ou "a" ética) é um momento essencial do eco
nômico (não do tecnológico: relação pessoa-natureza) . A relação ética, enquanto relação
social, é constitutivo fundamental da relação de produção. Daí que a ética (ou a moral)
não possa ser relegada a uma nuvem superestrutura! de normas: ao contrário, o ético (e o
moral) são as relações mesmas entre os produtores, são a essência social das relações sociais
ou econômicas de produção. A ética estuda, pois, o momento infraestrutura) (se há uma tal
infraestrutura, da qual o Marx definitivo não fala) por excelência: " [são] as relações deter
minadas dos próprios [sujeitos] entre si e com a natureza" (456, 25-26; 395, 7-8) .
220
E N R I QlJ E D U S S E L
ESQUEMA 22
DETERMINAÇÕES ABSTRATAS E RELAÇÕES ESSENCIAIS DOS MODOS DE APROPRIAÇÃO
1
i
i
g j
/d
�b
"e
l
M
N
Esclarecimentos
T: aquele que trabalha; Mp : meios de produção (menos matéria); N: natureza; P: produto; D:
dominador na relação; X: aquilo de que o dominador se apropria (excedente). Setas a: uso do
-
221
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
Donde, para Marx, o caráter falso da pergunta feita por Politzer e tantos outros O que é
-
primário, a "consciência" ou a "matéria "?. Para Marx, importa o "sujeito de trabalho" como o
a priori constituinte da "matéria de trabalho" (a posteriori) .
10
A letra a coincide (e também b, e etc.) com as setas do esquema 22.
11
A relação g entre D e T é prática (práxis de dominação) e, por isso, é uma relação social,
econômica ou ética (conforme a intenção semântica de cada palavra) . A "relação econô-
222
E N R I Q l-'E O U S S E L
12.2. PoR QUE D ESCREVER AS ÉPOCAS DOS "MO DOS D E APROPRIAÇAo " ?
(412 [37 1 ] , 1 2-434, 3; 355, 3 1 -375, 44)
223
A P R O D U Ç A O T E Ó R I CA D E M A RX
Marx sabe que os "modos passados" não são capitalistas, mas permi
tem uma melhor compreensão do capital:
Para analisar as leis da economia burguesa não é necessário, pois, escrever a his
tória real das relações de produção. Mas a correta concepção e dedução delas,
enquanto relações originadas historicamente, conduz sempre às primeiras equa
ções [ . . . ] que remetem a um passado que subjaz a este sistema. Tais indícios
[ . . . ] oferecem a chave para a compreensão do passado. Esta análise correta leva,
também, a pontos nos quais, prefigurando o movimento do futuro, se insinua a abo
lição da forma presente das relações de produção. Se, por um lado, as fases pré
burguesas se apresentam como supostos puramente históricos, ou seja, abolidos,
por outro as condições atuais da produção se apresentam como abolindo-se a si
mesmas e, portanto, como pondo os supostos históricos para um novo ordenamento
da sociedade (422 [378] , 1 0-27; 364, 39-365, 13).
Marx não descreve cada forma social em seu conj unto, separadamen
te e em ordem histórica. Ao contrário, vai descrevendo - de maneira de
sordenada - as distintas determinações, uma por uma, mostrando suas
diferenças, embora, por vezes, se dedique a descrever mais integralmente
uma ou outra. Optamos por descrever cada forma de apropriação (e, ma-
224
E N R I QU E D U S S E L
225
A PROD UÇÃO TEÓRICA D E MARX
a.2. Aforma asiática, mexicana, inca, eslava etc. Tendo como sujeito a "en
tidade comunitária" e a mesma "apropriação comunitária" dos membros
naturais da tribo ou aldeia, as "formas fundamentais asiáticas" devem ser
consideradas como possuindo um princípio de articulação maior:
14
Marx aborda aqui algumas questões que são válidas para os restantes "modos de apropria
ção" (até a página 458, 12; 396, 30) . "Na forma especificamente oriental [ . . . ] , o membro
da comunidade é, como tal, coproprietário da propriedade coletiva, onde a propriedade só
existe como propriedade da terra [ . . . ] ; a nenhum [membro] uma fração da propriedade
lhe pertence por si mesma, mas apenas por ser membro imediato da comunidade [ . . . ] .
Consequentemente, esta unidade é a única possuidora" (439, 20-32; 380, 24-32) .
226
E N R I Q U E D t.: S S E L
15
A denominação "secundárias (sekundiire) " é dele mesmo (450, 4; 390, 1 4) . São "secundá
rias" as duas formas que se descrevem a seguir.
16
"Tampouco ocorre como na forma grega, romana [ . . . ] , na qual a terra é ocupada pela
comunidade e é terra romana: uma parte corresponde à comunidade como tal [ . ] , ager
. .
227
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
publicus; a outra parte é dividida e cada parcela é romana enquanto propriedade privada,
domínio de um romano, a parte que lhe pertence do laboratório [lugar de trabalho] , mas,
por seu turno, é apenas romano enquanto possui direito soberano sobre uma parte da ter
ra romana" (439, 4 1 -440, 8; 380, 38-381, 3). [A ressalva aqui formulada por Marx torna-se
compreensível se se leva em conta que, imediatamente antes desta passagem, ele se referia
à propriedade dos germanos. (N. do T.) ]
17
Veja-se igualmente 449, 36 (389, 1 5) ; 453, 4 0 (392, 40); 456, 42 (395, 25); 461 , 3 6 (399
,
29) ; 4 62 , 7 (399, 39) em algum caso, faz-se referência à escravatura do Caribe, no inte
-
rior do capitalismo.
228
E N R I QU E D U S S E L
rio individual, mas como existência só se põe em sua reunião efetiva para obj etivos
comuns e na medida em que tem uma existência econômica particular através
do uso em comum de áreas de caça, de prados [ . . ] (443 [396] , 1 8-444, 20; 383,
.
32-384, 25) .
229
A P ROD UÇÃO T E Ó R I C A D E MARX
Com o animal, com a terra etc., não há lugar para nenhuma relação senho
rial através da apropriação, ainda que o animal possa prestar serviço. A apro
priação de uma vontade alheia é o suposto da relação senhorial [seta g do es
quema 22] [ . . ] . Do exposto, resulta que a rela�ão senhorial e a rel�ão de servidão
.
ss.) , surgirá um mundo urbano nas cidades medievais, com seus mestres,
aprendizes e corporações, que será analisado por Marx como um modo
pré-burguês propriamente dito. Resumindo:
18
Todas as referências anteriores ao escravismo se usam conjuntamente com respeito à "re
lação de servidão" (Leibeigenschaft).
19
"O caráter essencial da organização corporativa gremial, do trabalho artesanal como seu su
jeito enquanto constituinte de proprietários, reduz-se ao comportamento com o instru
mento de produção [Mp do esquema 22] à diferença do comportamento com a terra"
-
(46 1 , 1 8-28; 399, 12-17). Esta "cisão (Diremtion)" do "mundo medieval" permitirá, na sua
"dissolução", oferecer ao capital meios de produção, patrimônio-dinheiro e camponeses libertos
("trabalhadores livres" empobrecidos e urbanos).
230
E N R I QU E O U S S E L
Ali onde estes operários livres aumentem e esta relação se desenvolva, o velho
modo de produção - comunidade patriarcal, feudal [é a única vez que Marx
usa a palavra "feudalismo" ou "feudal"] etc. - começará a dissolver-se e se apre
sentarão os elementos para o verdadeiro trabalho assalariado ( 43 1 [386] , 26-29;
373, 22-25) .
23 1
A P RO D U ÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
21
Cf. 449, 28-36; 389, 8- 1 5 .
232
ENRIQUE DUSSEL
22
Cf. esta problemática da "dissolução" em 463, 40-465, 2 (401 , 2 1 -402, 13).
23
Na primeira parte ("Burgueses e proletários") , menciona-se "duas classes antagônicas"
- "nas épocas históricas primitivas. [ . . . ] Na antiga Roma, encontramos [ . . . ] escravos;
233
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Assim, veremos mais adiante que, sob o capital, se subsumem (subsumiert) mui
tos elementos que, de acordo com seu conceito, não parecem entrar nele (477
[423 ] , 3-6; 412, 42-4 13, 1 ) .
também de "forma oriental" (458, 33; 396, 45) ; "mundo grego e romano" (Hegel, op. cít. ,
p. 275 e ss.) e "mundo germânico" e não feudal (ibíd., p. 413 e ss.). Marx fala igualmente
de "dasgermanische" (439, 19; 380, 25) .
24
O próprio Godelier (Sobre el modo de producción asiático. Barcelona: Martínez Roca, 1 969,
cap. 7, p. 109 e ss.) não inclui em sua antologia estes textos dos Grnndrisse. Aqui, o "modo
de produção asiático" não é uma categoria e sequer é mencionado. De todo modo, para
nós ficará a suspeita de que ele nunca foi, para Marx, uma categoria - embora o tenha sido
para Engels. Marx, porém, nisto como em muitos outros pontos, não é Engels.
25
Cf. "Formelle und realie Subsumtion der Arbeit unter das Kapital" (em Zur Kritik der
politischen Ôkonomie, ms. 1861-1863 ; MEGA II, 3, 6 (1 982), p. 2126 e ss.).
26
Cf. "Subsunção formal [ . . . ]" (em EI capital. Libro 1, cap. VI, Inédito. México: Siglo XXI,
1 983, p. 54 e ss.). [Há tradução deste texto de Marx: O capital. Livro 1. Capítulo VI (inédito) .
S. Paulo: Ciências Humanas, 1 978. (N. do T. ) ]
234
E N R I QL: E D U S S E L
Este ato do capital não posto pelo trabalho e independentemente dele [na acu
mulação originária] é logo transladado desta história da sua gênese para o pre
sente e transformado em um momento da sua realidade [ . . . ] . E logo, finalmen
te, faz-se derivar daí o direito do capital aos frutos do trabalho alheio ( 466 [ 414] ,
1 5-20; 403, 23-404, 4) .
235
A P RO D U ÇA O T E Ó RICA D E M A RX
Mas, uma vez originado o dinheiro como capital, ele funda o traba
lho vivo como trabalho assalariado e, por sua mediação, realiza a produ
ção capitalista - ambos, trabalho assalariado e produção capitalista como
"processo de valorização", são fruto do capital.
A partir deste momento, o capital se apropria tanto do trabalho vivo
(seta g do esquema 22) quanto do meio de produção (h) , da matéria
prima (j) e do produto (i) , do qual extrai a mais-valia <J). Ao passo que o
trabalhador individual, despojamento absoluto, que só possui um salário
(d) - parte do seu produto: o que equivale ao "trabalho necessário" -,
foi forçado e desapropriado de tudo, menos de "sua pele", que é o único
que lhe resta para vender: "alienação do trabalho (Entiiusserung der Arbeit) "
(478 [424] , 1 7; 41 4, 1 0- 1 1 ) .
236
QU A RTA P A R T E
O P RO C E S S O D E C I RC U LAÇÃO
D O CAP I TA L
238
E N R I QU E D U S S E L
239
13.
E S P A C I A L I D A D E E T E M P O RA L I DA D E
D A C I RC U LAÇAO
( 3 [425] , 1 - 1 28, 37; 415, 10-5 1 2, 30)
(Caderno V, até a página 8 do manuscrito do caderno VI, começo de fevereiro de 1858)
uma parte do capital por capacidade viva de trabalho [ . . . ] . Aqui nos ocuparemos
unicamente do momento II (8 [429] 25-9, 9; 4 1 9, 34-420, 1 4) .
,
vez que "o produto tem que se desvalorizar na medida em que, em geral,
deve trocar-se por dinheiro" (356 [329] , 5-7; 308, 1 -2) .
Tudo isso terá a maior importância para a "questão da dependência".
241
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
(p. ex., o bairro operário) ; traça as relações de circulação (p. ex. , as ruas e vias) . . . e assim
e sp acia liza urbanamente as cidades industriais (e leme n to fundamental de uma teoria da
arquitetura). Cf. Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção, cap. 3 da parte I e cap. 2 da
parte II: "O espaço não é o lugar onde se colocam as coisas, mas o meio pelo q ual a posição
das coisas é possível [ . . . ]. Passagem do espaço espacializado ao espaço espacializante" ( ed.
francesa, Paris : Gal l imard, 1 945, pp. 28 1-282). O capital, como fundamento o ntológic o ,
não é colocado em um lugar: é o que coloca ou espacíaliza os trabal hadores, os meios de pro
dução, os produtos, mercadorias e dinheiro, os entes, na totalidade determinada a pa rtir
da sua essência: o mundo . . . da produção-circulação, como momentos do c ap i tal. Assim
descrita, a "espaci al idade " do capital é um "modo de existência" dele m e s mo, não só dos
produtos ou mercadorias - mas um "modo de existenc i al ização" dos entes a partir da es
sência do capital. [Há ed ições brasileiras dos textos citados por Dussel: Heidegger, O ser e
o tempo. Petrópolis-B. Paulista: Vozes-S. Francisco, 2009; Merleau-Ponty, Fenomenologia da
percepção. S. Pa u lo: Martins Fontes, 2006. (N. do T.) ]
C f. o parágrafo 6.2.
242
E N R I QU E D U S S E L
ESQUEMA 23
ESPACIALIDADE E TEMPORALIDADE DA CIRCULAÇÃO COMO DESVALORIZAÇÃO
p - ·
@-e-.@
Manufatura, Estradas, ferrovias, Mercado local,
fábrica etc. navios etc. nacional, mundial
Nível III dos esquemas Transporte ou Nível II dos esquemas
12 e 1 5 "distribuição". 12 e 15
Nível I do esquema 7 Seta e do esquema 15 Seta e do esquema 15
Ordem da "produção" Seta e do esquema 18 Ordem da "troca"
do esquema 8 (parágrafo 1 . 4. b) ( 1 .4. e)
(Cf. parágrafo 1 .4. a )
ll j
Circulação
(Momento II)
O produto não está realmente terminado até que se encontre no mercado (auf dem
Markt) . O movimento através do qual chega a ele forma parte de seus custos de
produção [ . . . ] . Este momento espacial (rãumliche Moment) é importante na me
dida em que guarda relação com a expansão do mercado, com a possibilidade de
troca do produto (24 [440 ] , 20-29; 432, 35-43).
243
A P RO D UÇÃO T E Ó R I C A D E M ARX
O valor não exclui nenhum valor de uso e, portanto, não inclui nenhum tipo
particular de consumo etc., de circulação etc., como condição absoluta [ . . . ] . A
barreira4 do capital consiste em que todo este desenvolvimento se opera antite
ticamente [ . . . ] . Esta própria forma antitética, no entanto, é passageira e produz
as condições reais da sua própria abolição. O resultado é: o desenvolvimento
geral, conforme à sua essência e dynámei [em potência] das forças produtivas
- da riqueza em geral - como base, e também a universalidade ( Universalitat) da
comunicação [terrestre] , portanto do mercado mundial (i#ltmarkt) como base
(33 [ 447 ] , 6-26; 440, 3-22 veja-se, supra, 4.4.d.3).
-
Sabe-se que Marx não pôde chegar à "sexta" parte da sua obra5 -
somente com ela, a partir do "mercado mundial", seu discurso teria se
tornado real, concreto, completo. A "questão da dependência" supõe o
mercado mundial e como muitos querem passar diretamente (sem me
diações) do nível abstrato d'O capital (o capital "em geral" é somen
te a primeira parte da obra) à América Latina, a eles se oferecem duas
alternativas: ou negam a dependência (porque permanecem limitados
ao nível geral que, por sua parte, confundem com o nacional, históri
co, abstrato) ou descaem no "dependentismo" (porque explicam tudo
a partir de uma determinação externa : o imperialismo etc.) . A partir do
horizonte espacial do mercado mundial poder-se-á construir a categoria
de "capital periférico" (espacialmente) , menos desenvolvido (a partir da
temporalidade e da tecnologia - como no caso da Irlanda) , de passado
colonial (a "questão colonial") - mas nós abordaremos a questão no
capítulo 1 8.
Cf esquema 13.
Cf parágrafos 10.1 e 10.2.
Cf parágrafo 2.4.
244
E N R ! QU E D U S S E L
quando ele for posto no mercado chinês? Seus custos de valorização aumentariam
pelos custos de transporte da Inglaterra à China (9 [430 ) , 35-10, 2; 420, 38-42).
245
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Se o tempo de trabalho se apresenta como a atividade que põe valor, este tem
po de circulação do capital aparece como o tempo da desvaloriza{ão (Zeit der
Entwertung) [ . . . ] . O tempo de circulação não é um momento positivo na criação
de valor [ . . . ] . O tempo de circulação só determina o valor na medida em que
se apresenta como ba"eira natural para a valorização do tempo de trabalho. De
fato, é uma dedução do tempo de trabalho excedente, isto é, aumento do tempo de
trabalho necessário (30 (444] , 34-3 1 , 22; 437, 1 0-37) .
246
E N R 1 QU E D U S S E L
ESQUEMA 24
RELAÇÃO ESPAÇO/TEMPO: VELOCIDADE DA CIRCULAÇÃO
Tempo
Espaço
247
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
6
An essay on the distributiori of wealth (Edimburgo, 1 836). Em cerca de oitenta páginas (42,
20-128, 37; 447, 32-5 12, 30 - cf., irifra, a nota 27), Marx realiza uma autêntica tomada de
consciência pessoal do que o seu discurso pode alcançar e opera uma autorreflexão crí
tico-metodológica sobre o "processo discursivo (Denkprozess)" da economia clássica (de
Smith e Ricardo a seus discípulos) - e isto mereceria uma obra à parte. Ele percorre uma
a uma as teses desses economistas, os melhores do seu tempo, expõe seus argumentos e
demonstra suas falácias. Tudo começa com a frase: ''A absoluta confusão dos economistas
[ . . . ]" (42, 20; 447, 32) . Mais adiante (54, 1 9-2 1 ; 454, 25-27) , diz: "Teremos de considerar
previamente toda a doutrina de Ricardo para fixar mais contundentemente a diferença
entre a nossa própria concepção e a dele".
Principalmente a famosa obra On the prindples ofpolitical economy and taxation (Londres, 3ª
ed., 1 821) .
8
Em especial Principies ofpolitical economy (Londres, 1 836), mas também The measure of value
(Londres, 1 823) e ainda De.finitions in political economy (Londres, 1 827) . [Há edição brasilei
ra da primeira obra citada aqui por Dussel: Malthus, Princípios de economia política. S. Paulo:
Abril Cultural, 1983 . (N. do T.) ]
Prindples ofpolitical economy (Filadélfia, 1 837) ; Th e past, the preserit and thefuture (Filadélfia,
1 848) .
10
Graluité du crédil (Paris, 1 850) .
11
A view of lhe art of colonization (Londres, 1 849) .
12
Uma obra sobre o dinheiro, indeterminada.
13
History of lhe middle and workings classes (Edimburgo, 1 835).
14
Cours d'économie politique (Bruxelas, 1 843) .
15
Th e logic ofpolitical economy (Edimburgo, 1 844) .
16
Th e principies ofpolitical economy (Edimburgo-Londres, 1 825) . Além destas, Marx trabalha
obras de J. de Sismondi, A. Cherbulietz, H. Storch, W. Thompson, P. Ravenstone, A.
Gallatin, Ch. Babbage, R. Torrens, Th. Hodgskin etc.
248
ENRIQUE D USSEL
ESQUEMA 25
CIRCUIAÇÃO DO ''vALOR" DE UMA DETERMINAÇÃO A OUTRA
Valor D
J
,..; Cc MP 1 • •
D · vP · = vM · = Preço · = D' ·
m ai s -valia lucro
Novos esclarecimentos:
mv, mais-valia; tmv, taxa de mais-valia; vP, valor do produto; vM, valor da mercadoria; 1, lucro;
d,taxa de lucro.
Para ele [Ricardo] não há diferença entre o lucro (Pro.fi t) e a mais-valia, o que
prova que não compreendeu com nitidez a natureza nem do primeiro nem da
s egu nda (46 [457] , 1 1 - 14; 450, 25-27) .
17
A:;. ab reviaturas do esquema 25 correspondem às do esquema 15. Vej a-se a exposição de
Marx sobre o tema (262, 1 e ss. ; 227, 18 e ss.) no parágrafo 8. 1 .
249
A P R O O U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
Tudo isto se resolve simplesmente dizendo que a taxa de lucro não tem em vista
a mais-valia absoluta, mas a mais-valia em relação ao capital empregado, e que o
incremento da força produtiva acompanha-se da redução da parte do capital que
representa a subsistência [do trab a lhador] em relação à parte que representa o
capital invariável [ . . . ] (49 [459] , 27-33; 453, 1 0- 1 6) .
18
C f. o j á citado Kommentar aos Grundrisse, pp. 232-244, onde se tematizam claramente as
"Confusões da economia e a gênese das abstrações teóricas". Como Ramsay, Ricardo e
os outros ignoram que a mais-valia é produzida pelo trabalho excedente, eles não con
seguem analisar nada corretamente. "Estas más interpretações de Ricardo derivam, evi
dentemente, de que ele não tinha uma clara visão do processo, nem poderia tê-la [sic] em
função da sua condição de burguês" (44, 24-26; 449, 1 1 13) Há então, para Marx, uma
- .
"economia burguesa", assim como uma história, uma sociologia, urna filosofia etc. - ciên
cias ou discursos sociais ou de ciências humanas -, ou seja: há contaminação ideológica
na ciência, ainda que isto pese ao primeiro Althusser e a H. Cerutti (Filosofia de la libe
ración latinoamericana . México: FCE, 1 983, p. 232 e ss. [Verá o leitor, na sequência das
notas, que Dussel refere-se várias vezes a este seu crítico ; trata-se de H. Cerutti, nascido
em 1 950, estudioso argentino de filosofia, nos anos 1 970 figura do "grupo de Salta" - da
Universidad Nacional de Salta -, que também foi obrigado ao exílio, acabando por radi
car-se no México e lecionando na U niversidad Nacional Autónoma deste país. N. do T. ] ) .
O fundo d a questão - a o contrário d o que pensa Smith - é que o "capital pode apropriar
se de trabalho alheio sem troca, sem equivalente" (44, 27-3 1 ; 449, 14- 1 8) . Todos esses
economistas, mas Ricardo em especial, não captaram a relação entre "trabalho objetivado
e trabalho vivo no processo de produção do capital" (cf. Kommentar, p. 234). Cf. 47, 10- 1 8 ;
45 1 , 1 7-25. Para o capitalista, h á somente " o salário e o lucro" (48, 6; 452, 1-2) ; para Marx,
em troca, há "fundo de trabalho e mais-valia". Para Ricardo, a "concorrência ilimitada"
e o aumento dos produtos pela indústria são os supostos do capital; para Marx, são um
efeito da apropriação do trabalho vivo alheio. O salário do operário não é igual ao valor
objetivado por ele no produto (53, 3 e ss.; 455, 33 e ss.), porque o trabalho vivo objetiva
mais valor no produto que o recebido no salário. E assim, um por um, os temas abordados
pelos economistas passam pelo bisturi metodológico de Marx.
250
Esta é toda a discussão do "cálculo do lucro, à diferença do cálculo
da mais-valia real" (58 [466] , 1 6- 1 7 ; 459, 23-24) . Para mostrar a questão,
Marx toma um exemplo de Malthus, que, depois de calculá-lo sobre 1 00
libras esterlinas, daria no seguinte:
(60 [467] , 25-61 , 4; 460, 3 1 -36) 19• E Marx nota que "Malthus, em seus
Principies ofpolítica[ economy [ . . . ] , chega a vislumbrar que o ganho, isto é,
não o lucro, antes a mais-valia real, deve ser calculado não em relação ao
capital antecipado, mas ao trabalho vivo adiantado, cujo valor está expres
so objetivamente no salário" (62 [468] , 1 4- 1 8 ; 461 , 36-41) - mas indica
que ele logo se perde em assuntos desimportantes e não extrai nenhuma
conclusão.
A questão, no fundo, é que a totalidade do valor do produto foi criada
pelo trabalhador. No entanto, o "trabalho realizado" não é igual ao "tra
balho pago". O lucro sai do "trabalho realizado não pago" (67 [472] , 22;
465, 23) . Ou seja, o lucro procede de "trabalho gratuito" (69 [473 ] , 29;
466, 39) apropriado pelo capital.
A quantidade de valor do produto (vP) posto no mercado como
mercadoria (vM) não se mede como pretende Malthus - determinan
do "quanto trabalho pago" a mercadoria contém, mas sim determinan
do "quanto trabalho vivo" contém (70 [474] , 1 1 - 14; 467, 1 2- 1 4) . O que
interessa a Marx não é o capital, é o sujeito do trabalho; o lucro radica em
trabalho roubado (trabalho excedente) e não num misterioso plus obtido
no intercâmbio da circulação (da mercadoria ao dinheiro: M-D) :
Chamemos salário a parte do trabalho que o trabalhador executa para viver; lucro
ao tempo excedente que trabalha para acumular [capital de outro] (71 [474] , 2-4;
467, 36-39) .
251
A P R O D U ÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
Todas estas coisas se apoiam em que, no seu confronto com o trabalho acumu
lado no capital, o trabalho vivo se apresenta como valor de uso e a capacidade de
trabalho vivo como valor de troca (7 6 [ 478] , 3- 7; 47 1 , 44-4 72, 1 ) .
Marx vai se defrontar com diversos temas mal colocados pelos eco
nomistas burgueses clássicos - colocações equivocadas, no fundo, pelo
desconhecimento da categoria de mais-valia.
Neste momento do discurso, impõe-se o "capital inativo (dormant ca
pital)" porque
252
E N R I QlJ E D U S S E L
A sua [dos operários ] associação não é a sua existência, mas a existência (Dasein)
do capital [ . . . ] . [Cada operário] se vincula à sua própria associação com os ou
tros operários e à sua cooperação com eles como a algo alheio (86 [486] , 27-32;
479, 26-32) .
253
A P RO D U ÇÃ O T E Ó R I C A D E M A RX
No conceito de trabalhador livre já está implícito que ele mesmo é pauper [po
bre] : pauper virtual. Quanto às suas condições econômicas, é mera capacidade
viva de trabalho (lebendiges Arbeitsvermiigen) , motivo pelo qual está também do
tado de necessidades vitais. Em sua qualidade de necessitado (Bedürftigkeit)'22 em
todos os sentidos, sem existência objetiva [ . . . ] . Se ocorre que o capitalista não
precise da mais-valia do operário, este não pode realizar o seu trabalho neces
sário, produzir os seus meios de subsistência. Então, só vai obtê-los mediante
esmolas [ . . . ] . [O operário] está ligado a condições que, para ele, são fortuitas,
20
On political economy (Londres, 1 832) .
21
Popular political economy (Londres, 1 827) .
22
O abstrato conceito d e Bedürftigkeit significaria "carencialidade, ser carente, estado d e ne
cessidaden. Este "estar" em precária situação de omnímoda falência carenciada é uma
negatividade a aprofundar.
254
E N R I QU E D U S S E L
mais para o trabalhador [ . . ] , também este deixa de existir para si; não tem ne
.
A condição da produção fundada no capital é que ele produza cada vez mais
trabalho excedente e, por isso, deixará sem trabalho mais trabalho necessário
- com o que aumentam as possibilidades do pauperismo (Pauperismus) . Ao de
senvolvimento do trabalho excedente corresponde o da população excedente
(Surpluspopulation) . Em diferentes modos de produção sociais, diferentes leis regem
o aumento da população e da superpopulação; a última é idêntica ao pauperismo
( 1 10 [503 ] , 25-3 1 ; 498, 1-8).
23
Nos Grundrisse, Marx usa as palavras " [ . . . ] zufiillige [ . . . ] gleichgültige [ . . ]" ( 1 10, 23; 497,
.
24
Ed. Alianza, cit., p p . 123- 124 ( MEW, E B I, p . 523).
255
A P RO D U ÇÃO T E Ó R I C A D E M ARX
Desta forma, as massas marginais - das nossas cidades nos países pe
riféricos, p. ex., em Nova Délhi, Cairo, México ou Buenos Aires - são
um "resultado (Resultat) " do próprio capital em seu desenvolvimento. O
fato de não serem classe operária não impede que se as deva categorizar
em relação ao capital - e, de um ponto de vista político e cultural, se
rão as "massas populares"26 e se as deva inserir num discurso econômi
-
25
N'O capital l, cap . 8 (ed. cit. da Siglo XXI, t . 1/ 1 , p. 324; MEW, XXXI I I, p. 285), falando
da "superpopulação", Marx explica que o capital "atacou as raízes vitais das forças popu
lares (Volkskraft) , somente minoradas graças à constante absorção de elementos vitais do
campo". As questões do pauper (pobre) e do Volk (povo) conectam-se como efeitos do
capital - neste caso - não em sua positividade, em suas energias vitais, mas apenas como
o outro, a exterioridade - no sistema "como" o oprimido, porém, ao mesmo tempo,
"fora" (ausser) dele.
26
Veja-se, mais adiante, em outros contextos do discurso, a questão do pauper em 232, 24
(596, 23) e 263 40-266, 16 (623, 1 - 624 39). Cf. os parágrafos 14.4, 1 7. 1 . e e 1 8.6.
, ,
256
E N R I QU E D U S S E L
257
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
à nossa vaca fria) " ( 1 29 [5 1 7] , 1 e ss.; 5 12, 35 ess.) - vale dizer: voltemos
ao tema da circulação, que deixamos de lado, para mostrar como os eco
nomistas não podem resolver os problemas reais devido à sua abstração
superficial, às suas categorias incompletas, aos seus condicionamentos
ideológico-burgueses.
14.
A C I RC U LAÇÃO C O M O A T O TA L I D A D E
D O P RO C E S S O D O CA P I TA L
(129 [517], 1-273, 1 5 ; 5 1 2, 33-630, 26)
(Caderno VI, da página 19 do manuscrito, até o Caderno VII, página 15, até março ou
abril de 1 858)
259
A P R O D U ÇÃO T E Ó RI CA D E M A RX
Marx usa, frequentemente, o grego dynámei (transcrevemos em alfabeto latino para sim
plificar a impressão e a leitura) , mas às vezes emprega o latim in potentia.
O "movimento (Bewegung)" da reflexão do ser sobre si mesmo, o movimento da essência.
é, para Marx, o movimento do capital: tem igualmente um início, um desenvolvimento e
um retorno sobre si ou sua realização. O início é a compra (D-M), o desenvolvimento é a
produção (P) , o retomo é a realização (M-D). Suas palavras e conceitos são hegelianos in
stricto sensu.
260
ENRIQUE DUSSEL
Cf., supra, o parágrafo 7.5. Marx, nos seus planos, colocara no terceiro deles (I, 2) o capital
circulante junto do capital fixo, incluindo a questão dos "meios de vida, matéria-prima
e instrumentos de trabalho" neste tópico. No quarto plano, estes três últimos elementos
passam para outro lugar (I, 1 , b) - na verdade, depois da questão do capital constante e
capital variável -, enquanto o capital circulante e o capital fixo ganham independência (I,
2) . Estava nascendo a diferença entre a seção l (nosso capítulo 13) e a seção II (cap. 1 4)
do livro II d'O capital. Nos Grnndrísse, os meios de subsistência do trabalhador ainda serão
considerados capital circulante - não é assim n'O cap ital.
Cf., nos Grnndrisse, pp. 130- 1 33 (5 13-516).
261
A P RO D U Ç Ã O T E Ó RI C A D E M A RX
comofase especial dele, ele mesmo como diferença em relação a si próprio como
unidade " 8 (132 [519] , 27-30; 5 1 5, 35-38).
Dito de outro modo: o capital como totalidade, por uma parte, mais
precisamente como sujeito (substância) do movimento, cinde-se em suas
diferenças, mas, por outra, não deixa de ser por isso o fundamento ou a
unidade da sua própria identidade com a diferença (por exemplo, como
processo de produção ou circulação) .
Vale dizer: o "processo total de produção do capital" ou o "processo
total de circulação do capital" são determinaíões que designaremos como
ontológicas - são pertinentes ao ser do capital em toda a sua extensão e
determinam, por isso, as suas difereflías internas. São determinações do
capital como tal (em seu ser: ontológicas ou em sua unidade anterior à sua
diferenciação e como fundamento e essência de cada diferença) .
Contudo, o "processo total de produção" (enquanto põe o próprio
conteúdo material: o valor e a mais-valia) não se identifica com o "proces
so total de circulação" (enquanto se constitui como um momento formal
ou estritamente econômico: a passagem dialética do valor de uma deter
minação essencial a outra - do dinheiro ao produto, deste à mercadoria,
262
E N R I QU E D U S S E L
263
A P RO D U ÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
264
E N R I QU E D ll S S E L
Cada uma destas "fases" tem seu próprio tempo e seus custos dife
rentes. O processo de produção (ôntico) é de valorização (e inclui essen
cialmente a produção de mais-valia) ; o processo de circulação (ôntico),
enquanto determinado pelo tempo, é de desvalorização - recordando que
o transporte e a circulação do produto no mercado correm por conta da
produção como seu submomento.
e. Determinações essenciais
Na economia política, muita confusão foi causada pelo fato de que a determina
ção de circulant efixe não seja, antes de tudo, outra coisa senão que o próprio capi
tal está posto sob ambas as determinações, primeiro como unidade do processo9 ,
depois como fase especial deste10, ele mesmo como diferença em relação a si
próprio como unidade, não como dois gêneros especiais, mas como diferentes
detennina{õesformais do próprio capital (132 [519] , 25-32; 5 1 5, 34-41) 1 1 •
265
A P R O D U Ç Ã O T EÓ RI C A D E M A RX
ESQUEMA 26
DETERMINAÇÕES DE DIFERENTES TIPOS
O capital
Determinações sujeito
essenciais que
(e. ) percorre
todo o
processo
�������-+�--i,__��t-���+-��-+-�--!,_��--1
Determinações
(d. 1 . ) Categorias
materiais
materiais
Determinações
ônticas (fases) (b. 1 . ) Processo de produção
Esclarecimentos.
As abreviações usadas são as mesmas do esquema 15. D: dinheiro; C': capital constante; C•: ca
pital variável; S: salário; Mp: meios de produção; Mt: material de trabalho etc.; Maq: máquinas
etc.; T: trabalho assalariado; C": capital circulante; Cf: capital fixo; P: produto; M: mercadorias;
� passagem ou circulação do valor; => passagem estrita do valor de T e Mt a P; ] : barreira ou
limite da passagem do valor (valor fixado, detido, negado). Seta x: o capital circulante por exce
lência; seta a: domínio material que a máquina exerce sobre o trabalho vivo (subsun{ão real) .
266
ENRIQUE DUSSEL
12
Com quatro palavras diferentes em alemão, respectivamente: Zirkulation, Zyklus, Umschlag
e Periode cf., p. ex., 1 53, 1 5 - 1 8; 532, 23-26. Usa, ainda, uma quinta palavra: "processo"
-
(Prozess, Vérlauj) .
267
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Os custos de circulação, enquanto tais, não põem valor: são custos da realização
dos valores, deduções destes. A circulação se apresenta como uma série de trans
formações nas quais o capital se põe, mas, do ponto de vista do valor, a circulação
nada agrega a ele, apenas o põe naforma do valor ( 137 [523] , 14-20; 5 1 9, 25-3 1 ) .
268
EN RIQUE DUSSEL
269
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
A livre concorrência é a relação do capital cons(g'o mesmo como outro capital; isto é,
o comportamento real do capital enquanto capital ( 1 67 [545] , 25-27; 543 , 36-39) .
l i•
Note-se que Mane ainda não mencionou explicitamente o "capital variável" - aqui, escre
ve: "valor variável".
270
E N R I QU E D U S S E L
só é possível pela sua divisão em porções (Portionen), das quais cada uma
repudia a outra, ainda que ambas sejam capital, mas em determinações
diferentes" ( 1 80 [553 ] , 27-30; 553, 40-43).
Desta maneira se compreende que o "capital total" (e pode igual
mente ser "capital nacional" - conceito de grande importância para a
"questão da dependência") funciona nos diversos momentos (produ
tivo, circulatório) em "porções" divididas e simultâneas dele mesmo 18•
De qualquer forma, na "porção" circulatória ele está se desvalorizando
ou se nega como "tempo de valorização possível" ( 1 8 1 [554] , 3 1 ; 554,
34-35) . Por isso, "quanto mais frequente for a reprodução do capital"
- ou seja, quanto mais veloz for a rotação -, "tanto mais se operará a
produção da mais-valia" ( 1 83 [555] , 29-32; 556, 9- 1 1 ) - mas apenas no
momento do processo produtivo enquanto tal, apenas no "tempo de
trabalho vivo" efetivo19•
Já o dissemos e o repetimos: o dinheiro é parte do custo da circulação,
como "meio de circulação", assim como o crédito (pelo qual há que pagar
juros: custos de circulação ou custos para aniquilar o tempo da circula
ção) ( 1 92 [56 1 ] , 1 1 - 1 94, 38; 563, 7-565, 9) .
Chegado a este ponto, Marx faz uma síntese e agrega uma nova dis
tinção. Existiriam, então, três tipos de circulação. Em primeiro lugar, a cir
culação como totalidade, ontologicamente, como todo o capital passado
constantemente de uma a outra forma ou determinação:
17
Cf. 1 89, 1 e ss.; 561 , 25 e ss.
ª b ' 4 O "tempo do processo" ou fase produtiva pode
ser ad, enquanto que pode haver um "tempo de trabalho" ab e cd. O tempo bc é com
ponente do tempo da fase, mas não há trabalho nele - não há valorização propriamente
dita.
18
"Denomino tp o tempo de produção, te o tempo de circulação [ . . . ]. (Por isso, o capital]
tem que dividir-se em duas partes [ . . . ]" (1 86, 21 e ss.; 558, 21 e ss.) .
19
C f. 1 9 1 , 17; 562, 20-21 .
271
A P R O O U Ç AO T E Ó R I CA D E M A RX
Em segundo lugar, uma nova distinção, não apresentada até aqui: "a
pequena circulação". Esta se realiza entre o capital (variável) "que se paga
como salário, que se troca pela capacidade de trabalho" ( 1 95 [563 ] , 10-1 1 ;
565, 20-2 1 ) .
ESQUEMA 27
A PEQUENA CIRCULAÇÃO
Capital
20
Esta "circulação" está indicada com a seta x entre o D-C·-S e o T-Cª-P no esquema 26.
272
E N R J QU E D l! S S E L
21
O "aspecto material (der stojftichen Seite)" ( 1 87, 3 3 ; 5 5 9 , 25) é agora d o q u e Marx fala. Cf.
1 87, 35 (559, 26) ; 1 88, 9 (559, 3 5) ; 1 88, 1 1 (559, 38) ; 1 88, 22 (560, 9) etc.
273
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Por uma parte, o capital, conforme sua existência material, se fracionava em três
elementos (material de trabalho, meios de trabalho e trabalho vivo) ; por outra,
a unidade dinâmica dos mesmos constituía o processo de trabalho [ . . . ] ; a uni
dade estática constituía o produto. Nesta forma, os elementos materiais [ . . . ] se
apresentam unicamente como os momentos essenciais do próprio processo de
trabalho [ . . ] . Mas este aspecto material ou sua determinação como valor de
. -
22
Leiam-se cuidadosamente as páginas 201 , 1 8-21 6, 2 (570, 36-582, 8). Pode-se consultar a
nossa introdução ao Cuaderno tecnológico-histórico. Londres, 1 85 1 , já citado.
274
EN RIQUE DUSSEL
ESQUEMA 28
DETERMINAÇÕES E ASPECTOS MATERIAIS E FORMAIS
Categorias ou
componentes
Aspecto formais
formal
1. Capital 3. Capital
variável (C'') circulante (C")
2. Capital 4. Capital
constante (C<) fixo (C�
Aspecto
material Categorias ou
componentes
materiais
Esclarecimentos. 1: produz mais-valia; 2. não produz mais-valia; 3. circula; 4. não circula em uma
rotação (mas circula em período longo) .
Observe-se, no esquema 26, que o "capital constante" (C') incluía os "meios de produ
ção" (Mp) (cf. também o esquema 1 5 ) ; posteriormente, os Mp se dividem em "materiais
de trabalho" (Mt) e "maquinarias etc." (Maq) , sendo só esta última (Maq) "capital fixo"
(Cl) que não circula em uma rotação (]), enquanto Mt circula como "capital circulante"
(C") ao produto (P) .
275
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
276
E N R I Q U E D U S S EL
O capital fixo [ . . . ] , em seu aspecto material, perde sua forma imediata e se con
trapõe materialmente, como capital, ao operário. Na maquinaria [ . . . ] o trabalho
vivo aparece subsumido ao trabalho objetivado, que opera de modo autônomo
[ . . . ] . O pleno desenvolvimento do capital [ . . . ] tem lugar [quando] o capital pôs
o modo de produção adequado a ele (22 1 [581 ] , 13-23; 596, 30-40) .
quada do valor de uso próprio do capital fixo não deriva [ . . . ] que a subsunção na
relação social do capital seja a mais adequada e a melhor relação social de produ
ção para o emprego da maquinaria (222 [583 ] , 7-2 1 ; 587, 20-34) .
277
A P R O D U ÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
Por outro lado, "o capital trabalha no sentido da sua própria dissolu
ção como forma dominante da produção" (222 [583 ] , 35-36; 588, 2-3)
ao incorporar "trabalho científico geral, aplicação tecnológica das ciências
naturais, estruturação social da produção global"25 - porque só pode usar
todo este poder produtivo gigantesco para aumentar a mais-valia (veja-se
o parágrafo 10.2, a, b e c) .
A situação atual contraditória é a seguinte:
O roubo de tempo de trabalho alheio, sobre o qual se funda a riqueza atual, apa
rece como uma base mesquinha comparada a este fundamento [ . . . ] criado pela
própria grande indústria (228 [588] , 32-36; 593, 10-13) .
Ao contrário, quando
(caps. 8 e 9 deste nosso livro). O terceiro lugar será visto no próximo capítulo (o 1 5) ,
que, n'O capital, livro III, terá sua formulação n o trato d a temática da "composição or
gânica" do capital.
25
Cf. 222, 29-33 (587, 42-45) e 228, 2-7 (592, 20-26) .
278
E N R I QU E D LJ S S E L
Os indivíduos não podem dominar as suas próprias relações sociais antes de criá
las. Mas é também um absurdo [e certos stalinismos caíram neste determinis
mo] conceber este nexo puramente coisa] como criado naturalmente, inseparável
da natureza da individualidade e imanente a ela [ . . . ] . O nexo é um produto dos in
divíduos. É um produto histórico. Pertence a uma determinada fase do desenvol
vimento da individualidade. O caráter alheio e autonômico com que este nexo
existe frente aos indivíduos demonstra apenas que estes ainda não estão em vias de
criar as condições da sua vida social [ . . . ]. Os indivíduos universalmente desen
volvidos, cujas relações sociais enquanto relações próprias e comunitárias estão
já submetidas a seu próprio controle comunitário, não são produto da natureza27 e
sim da história" (89 [ 109] , 27-90; 1 , 79, 26-43).
Na "Introdução" aos Grnndrisse, Manejá nos oferecera umas páginas: "No que concerne
à arte, já se sabe que certas épocas de florescimento artístico não estão, de nenhuma manei
ra, em relação com o desenvolvimento geral da sociedade, nem, consequentemente, com
a situação material (materiellen Grundlage) [ . . . ] " (3 1 , 23-26; 30, 1 6-18). Marx está muito
distanciado de um mecanicismo positivista e do posterior materialismo ingênuo.
Como já indicamos em outros lugares, pode ver-se que a realidade humana, para Marx,
transcende as determinações da natureza holbachiana ou a "matéria" de um Politzer ou
um Konstantinov (para nomear dois exemplos da corrente que se poderia designar sta
linista, mecanicista - cf. parágrafo 4.2) . O "materialismo" de Marx, vamos repeti-lo, não
afirma que "tudo [o cosmo] é matéria", mas sim que o sujeito que trabalha (o a priori)
constitui a natureza (Natur) como "matéria" (o a posteriori) do trabalho. A "vontade hu
mana (menschlichen Willens)" - a expressão é de Marx - é o sujeito anterior; a matéria é
posterior e implica o sujeito como seu "órgão" inorgânico. A matéria é o lugar da objeti
vação da subjetividade. A ingênua pergunta sobre a anterioridade da "consciência" ou da
"matéria" sequer é uma questão para o Marx definitivo. Trata-se, de certo modo, de um
novo "idealismo": é uma teoria do conhecimento e não uma teoria da produção - que é
o que interessa a Marx. Eis o problema - o que é primário: o sujeito que trabalha ou a
matéria trabalhada? Sem dúvida, para Mane, primário é o sujeito que trabalha e não a matéria
de trabalho.
279
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
280
E N R I QU E D C S S E L
O tempo livre - que tanto é tempo para o ócio quanto tempo para atividades su
periores - transformou o seu possuidor, evidentemente, em outro sujeito, que
entra também, enquanto este outro sujeito, no processo imediato da produção.
Este é, ao mesmo tempo, disciplina [ . . . ] e exercício, ciência experimental, ciên
cia que se objetiva e é materialmente criadora - em relação ao homem já trans
formado, em cujo intelecto está presente o saber acumulado da sociedade. Para
ambos, o trabalho, na medida em que exige atividade manual e liberdade de movi
mento, é, ao mesmo tempo, exercício (236 [594] , 29-237, 2; 599, 36-600, 5).
281
A P R O D U ÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
30
Para Marx, o materialismo mais tosco seria aquele que fetichiza a matéria fisico-astro
nômica, uma vez que não só faz das relações sociais um efeito das qualidades fisicas das
coisas, mas ainda para o qual o próprio fenômeno humano em sua totalidade seria uma
manifestação coisal.
31
Encontramos aqui a Urgeschichte (história primitiva) do tema d'O capital, l, cap. 1 , parágra
fo 4 o "fetichismo da mercadoria".
-
282
ENRIQUE D USSEL
ESQUEMA 29
REALIZAÇÃO DO CICLO CURTO (UMA ROTAÇÃO) E REPRODUÇÃO NO PERÍODO LONGO
(MUITAS ROTAÇÕES)
29) indica o ciclo curto ou uma rotação na qual a "parte" variável ou circu
lante do capital se realiza. Mas se trata é da recuperação ou reprodução do
capital total ou valor total (D mais a mais-valia) - a reprodução do capital
investido nas máquinas, fábrica etc. (capital fixo) . Isto é:
32
Sobre esta questão, veja-se pp. 205-208 (574-577).
283
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
ção" (209 [574] , 33-34; 577, 42-578, 1 ) - mas permite produzir mais-valia
relativa: é útil -, os mercados distantes (que não são os mercados "próxi
mos ou o home market" - 209 [ 57 4 ] , 26; 577, 3 5 -3 6) , ou "espacialmente mais
afastados", requerem "mais tempo para descrever a órbita da circulação",
porém com as desvantagens do capital fixo que necessita de transporte ou
circulação da mercadoria: desvalorização potencial na realização. Enfim,
a partir destas explicações, podem ler-se sem maior dificuldade as páginas
até o final deste tema33•
Como conclusão, eis o resumo do próprio Marx:
No capital fixo, a força produtiva social do trabalho está posta como qualidade
inerente ao capital. Tanto o poder científico quanto a combinação de forças so
ciais no interior do processo de produção e, por último, a destreza transferida
do trabalho imediato à máquina, à força produtiva inanimada [são qualidades
inerentes ao capital] (241 [597] , 9-14; 603, 27-33) .
JJ
Cf. pp. 239-273 (602-630).
284
Q U I NTA P A RT E
O CAP I TA L F RU T Í F E RO
Esta quinta parte poderia intitular-se "O capital como fonte de rique
za" (295 [636] , 16; 645, 29-30) ou "O capital que produz lucro"; preferi
mos, porém, a designação "frutífero (Frucht bringend) " Vale dizer: capital
.
CAP I TAL E L U C RO
(277 [623 ] , 1 -463, 23; 63 1 , 1 -762, 42)
(Caderno VII até a página 62 do manuscrito, até fins de maio ou começos de j unho
de 1 858)
A taxa de lucro, portanto, não está determinada apenas pela proporção entre o
trabalho excedente e o trabalho necessário, ou a proporção segundo a qual o
trabalho objetivado se troca por trabalho vivo, mas pela proporção que em geral
existe entre o trabalho vivo empregado e o trabalho objetivado, entre a parte do
capital que em geral se troca por trabalho vivo e a parte que intervém na quali
dade de trabalho objetivado no processo de produção. Esta parte, contudo, de
cresce na mesma proporção em que aumenta o trabalho excedente em relação
ao trabalho necessário (300 [640 ) , 33-42; 650, 9- 18).
Joguei por terra toda a lei do lucro, tal como existia até hoje. Na sua elaboração
me prestou, quanto ao método, grande serviço o fato de, por pura casualidade,
ter voltado a folhear a Lógica de Hegel 1 •
287
A P R O D L: Ç A O T E Ó R I C A D E M A R X
é mais que mais-valia - em sua essência em geral. É óbvio que para explicá
lo em concreto eram necessárias muitas mediações teóricas, não apenas no
interior do tratado do "capital em geral" - onde nos encontramos -, mas ainda
nos futuros tratados projetados (que Marx nunca chegará a escrever).
Como "o capital está posto agora como unidade da produção e da cir
culação" (277 [623 ] , 1 5- 1 6; 63 1 , 1 1 - 1 2), pretende ser ele mesmo o seu
próprio fundamento (Grund) , pretende dever a si mesmo sua existência,
porque "a mais-valia já não aparece posta por sua relação simples e ime
diata com o trabalho vivo" (278 [623] , 6-7; 63 1 , 35-632, 2) . O trabalho
vivo, como o momento da exterioridade, que a partir de fora do capital
cria neste novo valor, ficou ideologicamente ocultado - "não aparece" no
plano fenomênico superficial da circulação:
288
E N R I QU E D U S S E L
Marx indica com isto, além do mais, que embora a mais-valia seja
o fundamento do lucro, de qualquer forma desempenha papel ou pro
porção diferente em relação ao capital. No nível da produção, a mais-valia
se descobre ou mede em relação ao trabalho necessário - já que, abstra
tamente e em sua essência, o tempo excedente de trabalho é a mais-valia
como produto -, enquanto que, no nível da circulação, o lucro (que é apenas
a mais-valia medida e expressa em dinheiro) tem relação com a totalida
de do capital investido no início (o dinheiro: D, que se divide em capital
constante e fundo de trabalho, somados) :
A mais-valia, sob aforma de lucro, mede-se pelo valor total do capital pressuposto
ao processo de produção (279 [624) , 15-17; 632, 44-633, 1 ) .
Marx faz aqui um j ogo de palavras, em latim: specie aeterni são as ideias ou momentos
eternos de Deus, no pensamento medieval; specie capitalis são as formas fenomênicas de
aparição do capital.
289
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Portanto, quanto mais cresce a mais-valia relativa [ . . . ] tanto mais cairá a taxa de
lucro (279 [625] , 26-27; 633, 1 1 -13).
ESQUEMA 3Ü
MAJS-VALIA, LUCRO, TAXA DE AMBOS E SUAS RELAÇÕES
..
"A mais-valia considerada à margem de sua relação formal [ . ] como simples magnitude
de valor sem relação com outra magnitude" (280, 33-34; 634, 10-1 1 ) .
290
E N R I QU E D U S S E L
A taxa de lucro pode cair ainda que aumente a mais-valia real. A taxa de lucro
pode aumentar ainda que caia a mais-valia real (280 [625 ] , 1 1 -13; 633, 35-36).
29 1
A P RO D U ÇAO T E Ó R I CA D E M A RX
292
E N R I QU E D U S S E L
293
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
Sobre a questão da tecnologia, Marx retornará à frente em 375 e ss. (703 e ss.}, 387 e ss.
(71 1 e ss.) e 429 e ss. (739 e ss.).
294
E N R I QU E D U S S E L
[647 ] , 7 e ss. ; 658, 5 e ss.) ou, ainda, pela "maior destreza". A vantagem
deste tipo de mais-valia absoluta (como o mostrou Mauro Marini no
contexto da dependência) é a seguinte:
295
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
296
E N R 1 Q.U E D U S S E L
É igualmente fácil perceber que as máquinas não deixarão de ser agentes da pro
dução social quando, por exemplo, se converterem em propriedade dos operá
rios associados [ . . . ] . [Neste caso,] a distribuição modificada partiria de um novo
fundamento da produção, de um fundamento transformado, somente surgido
do processo histórico (396 [707] , 1 8-26; 7 1 7, 22-28) .
1 5 . 3 . Ü I N H E I RO E PREÇO
(336 [665 ] , 1-375, 7; 675, 20-702, 42)
Em 374, 1-2 (702, 1 1-12), explicitamente, Marx exclui o tratamento destes dois temas aqui.
297
A P RO D UÇÃO T EÓ RICA D E M A RX
298
E N R I QU E D U S S E L
capital como lucro, porque a própria medida do valor e seu meio de paga
mento mudam segundo leis específicas, que Marx não analisa aqui porque
se mantém em um nível abstrato6•
Em todo este Caderno VII, e em boa parte do VI, Marx perde a siste
maticidade dos Cadernos anteriores - toma apontamentos de questões às
vezes dispersas e a lógica do discurso se torna mais frouxa. Não há tanto
domínio do tema e, menos que conclusiva, a reflexão se faz hipotética,
buscando materiais para uma ordem que ainda não "aparece" à consciên
cia. São os livros II e III d'O capital que, finalmente, não chegarão à sua
necessária clareza - para o exigente espírito dialético de Marx.
Há duas semanas estou de novo muito doente e tomando remédios para o figado.
O trabalho noturno sem interrupção e as preocupações diurnas, resultado das
condições econômicas do meu lar, me levaram há pouco a frequentes recaídas7.
O capital que produz lucro é o capital real, o valor posto como valor que se re
produz e se multiplica [ . . . ] distinto de si mesmo enquanto mais-valia posta por
ele mesmo. O capital que rende juro é, por sua vez, a forma puramente abstrata
do que produz lucro (460 [753 ] , 25-30; 761 , 1 -5) .
299
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Na economia burguesa, o juro está determinado pelo lucro e é apenas uma parte
dele . O lucro, pois, deve ser suficientemente grande para que uma parte dele
possa sep arar-se como juro [ . . . ] . O juro deve comprim ir-se a tal ponto que par
te do sobrelucro (Mehrgewinns) possa tornar-se autônoma na qualidade de lucro
(424 [727] , 23-25; 735, 27-3 1 ) .
ESQUEMA 3 1
CAPITAL CREDITÍCIO E CAPITAL INDUSTRIAL
Circulação
(como mercadoria)� Crédito
Di nhei ro
{
Capital
Capital
+ creditício
t
1
industrial Mais-valia � Venda realizada
t --t---.
:
l em Dinh eiro
+
Mais capital ----....-- J u ro
J u ro s ------
( lucro) ac umulado
Marx reservara o terceiro lugar, no seu plano (c( parágrafo 7.5), para
o capital creditício, depois da concorrência e do capital em geral. Agora,
de qualquer modo, trata a questão do crédito e do juro, mas não enquanto
tais e sim como um momento final do capital em geral (na sua relação de
fundado no lucro e na mais-valia do capital industrial: o capital funda
mental enquanto tal).
Primeiramente, Marx deve distinguir a forma capitalista dojuro da usura,
já que "a forma do juro é mais antiga que a do lucro" (423 [727] , 38; 735, 7).
De fato, o empréstimo de dinheiro a juro existiu em todas as culturas
com dinheiro - ou, pelo menos, em muitas delas (424 [727] , 1 e ss. ; 735, 7
300
E N R 1 QlJ E D lJ S S E L
e ss., para o exemplo da Í ndia) - mas, neste caso, a taxa de juro determinava
o lucro. E este crédito não era dado a um capital, mas a um comerciante,
um monarca - enfim, a sujeitos de modos de apropriação pré-capitalistas.
Em troca, o j uro de um "capital que rende lucro" (não industrial, mas
creditício) se baseia na "forma do lucro industrial" (424 [727] , 18; 735,
23), ou seja, em última instância na mais-valia. O juro se extrai do tempo
excedente não pago; mas o capital creditício não se confronta diretamente
com o trabalhador e sim com o capital industrial:
Como forma particular, ao capital que rende juro não se lhe contrapõe o traba
lho, mas o capital que rende lucro (425 [728) , 35-37; 736, 25-27) .
301
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Transportam-se mercadorias [p. ex. ] de um país em que são mais baratas, como
meio de pagamento etc., para países onde são mais caras (45 1 [747] , 33-35; 755,
22-24) .
Toda a artimanha do bom Proudhon consiste em que, para ele, emprestar lhe apare
ce como algo totalmente diferente de vender (41 1 [718], 30-412, 1 ; 727, 1 9-21).
"O crédito procura pôr o dinheiro apenas como momento formal [ . . ] uma forma de
.
302
S E XTA PART E
T RAN S I ÇÃO
Ademais d e seu intenso trabalho intelectual, que s e objetivou e m vários livros e ainda em
curso, recorde-se que E. Dussel publicou, na sequência desta que chama de "pequena
obra", mais dois livros centrados na produção teórica de Marx - precisamente os citados
na nota 3 - nota à edição brasileira -, supra . Ao leitor interessado em aproximar-se ao pro
jeto intelectual e à obra de Dussel, pode-se sugerir, dentre inúmeros títulos, o competente
trabalho de Antonino Infranca, EI otro occidente. Siete ensayos sobre la realidad de lajilos'!fla de la
liberaci6n. Buenos Aires: Antídoto, 2000, ainda sem tradução ao português, mas acessível
no mercado livreiro de nosso país (N. do T. ) .
1 6.
O VA L O R
(464 [756] , 1 e ss. ; 763, 1 e ss.)
(Caderno VII e Cadernos M, B' e B'', de começos de junho a meados de novembro de
1 858)
305
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
nheiro e do capital (que são os capítulos II e III) . Por que se produziu esta
inversão? Como o valor se tornou o ponto de partida do seu discurso,
quando, no começo dos Grundrisse, o valor passara um tanto inadvertido?
Não será esta investigação uma das descobertas fundamentais dos sete
cadernos que comentamos ?
D e fato, Marx "entrara" n o seu discurso por u m tema qualquer -
que, no entanto, mostrou ser um princípio hermenêutico fundamental -:
a produção. Vimos, contudo, que a razão dada para começar assim não era
de muito peso - isto é, estudava a produção porque "está na moda incluir
[um] capítulo prévio"2•
Começou pela produção sem maiores argumentos. Vai descartá-la
ao fim dos Grundrisse como primeira "entrada" ou ponto de partida. De
qualquer forma, todo o seu discurso remeter-se-á ao nível profundo, oculto
e fundamental da produção, do processo de produção. A questão da mais
valia é descoberta, definida e avançada a partir da produção. A produção
revelou-se, assim, não como "entrada" ou "ponto de partida", mas como
algo mais importante: como a referência ontológica (e até metafísica, em
relação ao trabalho vivo como fonte de criação do produto) compulsória,
necessária - última instância explicativa de todos os fenômenos econômi
cos. Marx não errara (por casualidade ou intuição) ao "entrar" na ordem da
investigação pela produção. Mas, agora, o problema é: qual a "entrada" ou
"primeira categoria" pela qual se deve "entrar" na ordem da exposição?
306
E N R I QU E D U S S E L
307
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Já vimos que o valor enquanto tal (e, por isso, enquanto capital) é o
momento fundamental da essência do capital (cf. parágrafo 6.2, esquema
12). Retornemos a isto. Lemos o seguinte texto:
308
EN R1 QU E D U S S E L
309
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Este é u m dos temas centrais d o pensamento d e Marx. O trabalho como atividade cria
dora e viva não tem valor: é o fundamento de todo valor; mas a "capacidade de trabalho
(Arbeitsvermiigen) " (200, 37; 570, 1 6- 1 7) que depois será designada também por "força
-
310
E N RI QU E D U S S E L
31 1
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
1 6+ o UR.TEXT
312
E N R I QU E D U S S llL
h
Carta a Lassalle, de 12 de novembro de 1 858 (cit. em Contribuição . . . , ed. cast., p. 324).
313
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
O que aparece, seu "ser imediato (unmittelbares Sein) ", está no nível
superficial, cotidiano : é "pura aparência", "fenômeno". Marx assumiu
a Lógica de Hegel; sua fenomenologia é praticada no nível do capital. A
circulação é "aparência"; o "capital industrial" ( 1 88, 6-7; 923 , 3) é seu
fundamento, seu ser, o que está "atrás (hinter) ", às suas "costas (Rücken)".
O silogismo M-D-M se transforma em D-M-D (que Marx toma, ex
plicitamente, da Crematística - Econômica de Aristóteles, 1, 1 [ 1 95, 30-35;
928, 43-929, 2] ) .
Enfim, o Urtext nos mostra já o modo como Marx pensava tratar o
famoso "Capítulo III: O capital. A. Processo de produção do capital. 1 )
Transformação d o dinheiro e m capital" (2 1 1 , 1 e ss. ; 94 1 , 1 e ss.). Aqui,
queremos salientar apenas uma questão : Marx indica enfaticamente a
contradição (Gegensatz) radical entre o capital e o trabalho vivo, entre o
dinheiro autonomizado como capital e a "capacidade de trabalho", o ser
do capital e o não ser do trabalhador:
314
E N R I QU E D U S S E L
A questão radica em que, para que exista capital, "o possuidor do di
nheiro" deve "trocá-lo pela capacidade de trabalho" (2 1 5, 3 1 -32; 945, 2-3).
Vale dizer:
315
A P R O D U Ç Ã O T E Ó RICA D E M A RX
316
E N R I QU E D U S S E L
d. A acumulação originária
e. Perturbação da lei de apropriação
2. O processo de circulação do capital (108-1 09; 858-859) .
Repete-se o ponto 6 do capítulo II e, talvez por isso, ele foi eliminado deste lugar no Une.xi.
317
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
O S G RUN D RI S S E E A F I LO S O F I A
D A L I B E RTAÇAO
O trabalho, posto como não capital enquanto tal, é: 1 ] Trabalho não objetivado,
concebido negativamente [ . . . ] é trabalho vivo, existente como abstração desses
aspectos de sua realidade real - este despojamento total, esta nudez de toda ob
jetividade, esta existência puramente subjetiva do trabalho. O trabalho como
pobreza absoluta: a pobreza não como carência, mas como exclusão plena da
riqueza objetiva [ . . . ] . Uma objetividade que coincide com a sua imediata cor-
poralidade [ . . . ] . 2] Trabalho não objetivado, concebido positivamente [ . . . ] como
atividade [ . . . ] , como fonte viva do valor [ . . . ] . Não é em absoluto uma contradi-
ção afirmar, pois, que o trabalho, por um lado, é a pobreza absoluta como objeto e,
por outro, é a possibilidade universal da riqueza como sujeito e como atividade; ou
melhor, que ambos os termos desta contradição se condicionam mutuamente e
derivam da essência do trabalho, já que este, como ente absolutamente contraditó
rio em relação ao capital, é um pressuposto do capital e, por outra parte, pressupõe,
por seu turno, o capital (235 [229] , 36-236, 29; 203, 1 0-45) .
319
A P RO D U Ç A O T E Ó RI C A D E M A RX
Mais adiante voltaremos sobre este ponto que, embora de natureza mais lógica [leia
se: ontológica] que econômica, mostrar-se-á, contudo, como muito importante no
desenvolvimento da nossa investigação (410 [370] , 22-25; 353, 45-354, 3).
Marx, assim como Hegel, usa a palavra e o conceito (p. ex. , 133, 18; 880, 36), mas em sen
tido ôntico, interior à totalidade ontológica. Cf. o sentido que lhe atribuímos em FiWsofia
de la liberación, ed. cit., 2.4. ( pp . 54 e ss.) e em Para una ética de la liberación latinoamerica, ed.
ci t., t. 1, pp. 1 1 8 e ss., t. II, pp. 52 e ss., 97 e ss., 1 56 e ss. etc.
320
E N R I QU E D U S S E L
321
A PRO DUÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
O trabalho posto como não capital enquanto tal é: 1 ] Trabalho não objetivado
[ . . . ] despojamento total, nudez de toda objetividade, existência puramente sub
jetiva [ . . . ] pobreza absoluta [ . . . ] . 2] Trabalho não objetivado [ . . . ] existência
subjetiva [ . . . ] fonte viva do valor [ . . . ] possibilidade universal da riqueza [ . . . ]
como ente absolutamente contraditório em rela�ão ao capital (235 [229] , 36 e ss. ; 203, 10
e ss. ; citado no parágrafo 7. 1 .a e no começo deste capítulo) .
O trabalhador é "o outro" do capital - ante rem. Mas, uma vez aliena
do, vendido (c( 17.3), nem por isso deixa de ser, de novo, potencial ou
atualmente, o outro do capital:
322
E N R I QU E D U S S E L
No conceito de trabalhador livre já está implícito que ele mesmo é pauper [Marx
escreve em latim: pobre] : pauper virtual [ . . . ]. Se ocorre que o capitalista não ne
cessita da mais-valia do operário, este não pode realizar seu trabalho necessário,
produzir seus meios de subsistência. Então [ . . . ] somente os obterá pela esmola
[ . . . ] . Portanto, virtualiter [Marx escreve em latim: virtualmente] , é um pauper
( 1 10 [502 ] , 9 e ss.; 497, 28 e ss.; citado em 13.5).
Vale dizer: o ser posto "à margem (ausser)" das condições pelas quais
o trabalhador pode viver, isto é, do salário, transforma o trabalhador, no
vamente, no "outro" do capital. Esta "exterioridade" postfestum (não como
anterioridade histórica nem como enfrentamento com o capital antes de
ser contratado) é um momento necessário da tendência do capital de co
locar sempre mais tempo excedente de trabalho. Com isso, diminui, por
compulsão essencial de seu movimento, o trabalho necessário; ou seja,
todo trabalhador é "potencialmente um pobre", um desocupado, parte do
"exército industrial de reserva":
"O outro" como realidade comunitária (cf. Filosofia de la liberaci6n, ed. cit., 2.4.5. 1 , p. 59:
"O rosto do outro, primeiramente como pobre e oprimido, revela antes um povo que
urna pessoa singular [ . . . ]; é rosto de um sexo, de uma geração, de uma classe social, de
uma nação . . . "). Cerutti, op. cit. , p. 38, comete todo tipo de confusões - fala mesmo da "al
teridade do ente", o que é absurdo -, negando o sentido também comunitário do outro.
323
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Consideramos a relação que chegou a ser, o ter chegado a ser capital, do valor e do
trabalho vivo como valor de uso que merament.e se lhe contrapõe, de tal modo que o
trabalho vivo se apresenta como simples recurso para valorizar o trabalho objetiva
do [agregamos nós: aqui, o "frente a frente" já ficou para trás e o contrato de troca
desigual deu início à sua obra destrutora] , morto, para impregná-lo com um sopro
vivificante e nele perder a sua própria alma (422 [379) , 28-33; 365, 14- 1 9) .
324
E N R I QU E D U S S E L
17.2. H EGEL NAO É UM " cAo M O RTO " . T OTALI DAD E E M E D IAÇÕES
325
A P R O D UÇAO T E Ó R I CA D E M A RX
326
E N R I QU E D U S S E L
Por outro lado, a terceira parte dos Grundrisse é sobre o "capital frutí
fero" ou a ordem da realização do capital. Igualmente, para Hegel, a reali
dade ocupa a última parte do tratado da essência:
a. Totalidade
li
Ibid. , p. 467; p. 1 86.
12
Ibid., p. 467; p. 1 86.
13
Übergang é um conceito tão marxista quanto hegeliano, assim como flf?rwandlung. Indica o
"td.nsito" ou a passagem de uma categoria ou conceito a outro, mais desenvolvido (ou a
sua aplicação a um caso concreto).
327
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A R X
14
Todos estes termos são tecnicamente he ge l ianos. Do puro ser e do puro nada, para Hegel,
devém o ente (Dasein ). Para Marx, o "ente (Dasein)" dinheiro devém capital, "algo (Etwas) " ,
que ainda não é um ente determi nado (a me rc ad or ia) . O s er do ente (o c ap i ta l ) devém um
ente (d i n h e iro , mercadoria etc.) do não ente (que não é nada): suas condições, pressupos
tos "exteriores (liussre)" (42 1 , 10; 363, 43; cf. parágrafo 12.2).
15
Cf. o parágrafo 6. 1 .
16
C f. o parágrafo 6.2.
17
Cf. o capítulo 1 4.
18
Cf. L6gica, final (p. 740; pp. 571 -572) . Sobre a metáfora hegeliana do círculo e da espiral
aplicada ao capital, veja-se o texto citado na abertura do capítulo 1 4.
328
ENR!QUE D USSEL
b. Mediações
19
Considere-se o seu uso frequente nos Grundrisse (p. ex. , na ed. cast., Ili, p. 309 - e não é
uma lista exaustiva) .
20
Seguimos a ordem do discurso da L6gica de Hegel e d'O cap ital de Marx (cf. esquema 39) .
329
A P R O D C ÇÃO TEÓRICA D E M A RX
EsQUEMA 32
RELAÇÕES ENTRE A TOTALIDADE E A EXI'ERIORIDADE
Totalidade
do capiul Dissolução
Exterioridade
Utopia
Libenação
forma novamente em trabalho vivo disponível) ; 4. movimento de emancipação. As se tas 1.c, 2.c
e 3.c indicam o movimento de afi rmação da exterioridade, que inclui a emancipação (realidade
não alienada ou subsumida na totalidade do capital) .
21
Veja-se o parágrafo 14.1 .b-d. Estas categori as de categorias (ontológicas ou metafisi
cas), nós as descrevemos em nossa Filosofia de la liberación, ed . cit. : 2.2. Mediações e 2.3.
Totalidade; igu al m ente , em lbra una ética de la liberación latinoamericana, ed. cit. : totalidade
(t. 1, pp. 33 e ss. ) , mediações (pp. 65 e ss. ) . Cerutti, op. cit. , opera uma verdadeira "mistura"
em sua pretensa apresentação do nosso pensamento (pp. 3 8 43 ) , revelando que, antes de
-
realizar uma críti ca , é necessá rio compreender o que se pretende cri ticar. O que, desde
1 969, expressei através de uma categorização heideggeriana, posso agora, com maior pre
cisão (mas respeitando as i n tu ições de fundo) , expressar a pa rtir de Marx.
330
E N R ! QU E DUSSEL
22
Este "frente a frente" do que domina a totalidade diante do ainda na exterioridade (capi
talista/trabalhador; ou, em abstrato: capitaVtrabalho; ou, em categoria mais abstrata ainda:
totalidade/exterioridade ou alteridade) , nós o denominamos experi€ncia metafisica: "proxi
midade" (cf. Filosofia de la liberaci6n, ed. cit., 2. 1 : "anterior ao ser, está a realidade do outro"
[2. 1 .4.2 ) ; ou seja, anterior ao ser do capital está a realidade do "trabalho posto como não
capital [ . . . ) " , trabalho ainda "não objetivado" - texto de Marx no começo deste capítulo
17). Um certo marxismo dogmático (staliniano ou althusseriano) perdeu o sentido da
exterioridade, da alteridade, em Marx. O próprio Lukács e até Kosik contribuíram para
hipostasiar a "totalidade", impedindo a visão do "fora" dela.
33 1
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I CA D E M A RX
23
Veja-se, sobre Marx e o pobre, os parágrafos 1 1 .2, 13.5 e 1 7. 1 .c.
24
Cf. Filosofia de la liberación, cd. cit., 2.4.6. 1 .
25
C f. ibid., 2.5.
26
Ibid., 2.5.5. 1 .
332
ENRIQUE DUSSEL
[ . . . ] Como Esaú, que vendeu sua primogenitura por um prato de lentilhas, [as
sim o trabalhador] cede a sua força criadora pela capacidade de trabalho como
magnitude existente. Tem, necessariamente, que se empobrecer [ . . . ] jã que a
força criadora do seu trabalho, como força do capital, se estabelece diante dele
como um poder alheio. Aliena seu trabalho como força produtiva da riqueza; o
capital se apropria dele enquanto tal. Por consequência, neste ato de troca estã
posta a separação de trabalho e propriedade no produto do trabalho, de trabalho
e riqueza (248 [240 ] , 9 e ss.; 214, 28 e ss. ; citado em 7.4).
Alienação do trabalho equivale a não ser ou a ser para outro - ser sua
mediação:
O trabalho não põe a sua própria realidade como ser para si, mas como mero ser
para outro [ . . . ] (415 [373 ] , 4-7; 358, 5-7; citado no começo do capítulo 1 1 ) .
Como valor de uso, o trabalho existe apenas para o capital e é o valor de uso do
próprio capital, isto é, a atividade mediadora (vermittelnde) através da qual o capital se
valoriza [ . . . ] como processo de valorização (246 [239] , 10-247, 3 ; 213, 10-15).
" "
b. A alienação material ou real do tra balhador
333
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
334
E N R I QU E D U S S E L
Se o mal fosse - como para Plotino ou Hegel - a determinação do ser, a propriedade pri
vada como determinação seria a origem de todos os males. Supusemos isto, como nos
ensinaram muitos marxistas, e por isso negamos este marxismo. Se, ao contrário, o mal é
a negação da alteridade, a alienação da exterioridade ou o fato ético da subsunção do ou
tro (o trabalhador) na totalidade do capital (transformação do outro em "coisa", "ente") ,
esta seria a tese de fundo de toda a minha Ética (publicada em 1 973 sob o título Para una
ética de la líberacíón latinoamerícana, parág. 2 1 : "O mal ético-ontológico como a totaliza
ção totalitária da Totalidade"; t. II, p. 22 e ss.) , em plena concordância com o Marx dos
Gnmdrisse (e contra certas formulações juvenis dos Manuscritos de 1844, que criticávamos
nos anos 1 970) . Cerutti, op. cit. , p. 35, nunca poderá entender que a "opção antimarxista"
era antidogmática - e que ele e eu não podíamos clarificar adequadamente pelo desco
nhecimento que tínhamos do próprio Marx. Mas penso que esse antidogmatismo era mais
saudável que o dogmatismo althusseriano. Em outro lugar aprofundarei as razões do "an
timarxismo antidogmático" - razões concretas e históricas de uma Argentina na qual o PC
cometera todo tipo de erros conjunturais ao longo de cinco decênios.
335
A P RO D UÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
É absurdo conceber este nexo puramente coisa! como criado naturalmente, in
separável da natureza da individualidade e imanente a ela [ ] . O nexo é um . . .
338
E N R I QU E D U S S E L
339
A P RO D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
O tempo livre - que tanto é tempo para o ócio como tempo para atividades su
periores - transformou seu possuidor, evidentemente, em outro sujeito [ . . . ] . Ele é,
simultaneamente, disciplina [ . . . ] e exercício [ . . . ] (236 [594] 29 e ss.; 599, 36 e
,
31
lbid., 2.6.8: "Sem disciplina não há emancipação" (2.6.8.4) . Cerutti, op. cit., critica-me até
a exaustão como "elitista" (p. ex., pp. 37, 56 e ss. etc.), sem compreender que eu ques
tionava (seguindo as indicações de Frantz Fannon) uma posição populista espontaneísta
assumida por intelectuais argentinos peronistas - entre os quais, mesmo que isto custe a
Cerutti, eu nunca me contei.
32
"Como fantasmas que ficam .fora do seu reino" (ed. cast., p. 124; MEW, EB I, p. 524) .
Novamente, este "fora (ausserhalb)" nos remete à exterioridade, ao nada do trabalho que
se "encontrafora (ausser) desta relação laboral" (ibid.) .
33
CE o parágrafo 7. 1 .a. 1 , onde se cita outro texto do mesmo II dos Manuscritos de 1844.
34
Cf. Filosofia de la liberaci6n, ed. cit., 2.6.5.2 (no índice alfabético de conceitos, no final, cí a
palavra "metafísica", p. 201 ) .
340
E N R I QU E D U S S E L
Não se enfatiza o estar objetivado, mas o estar alheiado, estar alienado, estar estranha
do3 6 , o não pertencer ao operário [ . . . ] . Com a abolição do caráter imediato do
trabalho vivo como trabalho meramente individual, ou só extrinsecamente geral,
com o pôr da atividade dos indivíduos como imediatamente geral ou social, dos
momentos objetivos da produção se lhes suprime esta forma de alienação. Com
isto são postos como propriedade, como o corpo social orgânico no qual os indi
víduos se reproduzem como indivíduos, mas como indivíduos sociais (394 [705 ] ,
3 1 -395, 30; 7 1 6, 1-36) .
35
Cf Filosofia de la liberación, ed. cit., 2. 1 . 6.4 - 2.1 .6.6; 3.4.9 etc.
36
Marx escreve aqui "Eniffemdung", "Entãusserung", "Veriiusserung" - as três palavras que, des
de a sua j uventude, empregou, como sinônimos, para indicar o fato da "alienação".
37
Schelling, desde o escrito j uvenil de Engels ("Schelling e a revelação", in Obrasfandamen
tales. México, FCE, t. II, 198 1 , pp. 48 e ss.; MEW, EB II, pp. 1 7 1 e ss;), passou a ser um
reacionário. No entanto, foi ele quem despertou Feuerbach e Kierkegaard, e os próprios
Engels e o jovem Marx, do "sonho hegeliano" (veja-se minha obra Método para unafilosofia
de la liberación , pp. 1 1 6 e ss.).
341
A P RO D U Ç Ã O T E Ó RI C A D E M A RX
dinheiro que vai mais além (über) da sua determinação simples como dinheiro
( 1 89 [ 1 93 ] , 24-25; 1 62, 1 8-19).
Chegado a este ponto, há que empreender a viagem de retorno, até dar de novo
com a população [ . . . ] (2 1 [ 54] , 1 8-19; 2 1 , 24-25; citado no parágrafo 2.2) 39 •
38
Para os passos do discurso metodológico, cf. Para una ética de la liberación latinoamericana,
ed. cit., parágrafos 32 e ss. do capítulo VI (t. II, pp. 129 e ss.). A "elevação" dialética foi
representada pelas setas b e c do esquema 5 (cf. , supra , o parágrafo 2.2).
39
Esta "viagem de retomo" foi, exata mas abstratamente, indicada por nós no conceito de
"de-dução" (do outro à totalidade; da totalidade ao ente) - cf Para una ética de la liberación
latinoamericana, ed. cit. , cap. VI, parág. 37; t. II, pp. 174 e ss. ) ; veja-se também Filosofia de
la liberación, 5.2. 1 ("Dialética", pp. 188 e ss. ) . É interessante assinalar que Cerutti, op. cit. ,
quer fundar o meu "anticientificismo" (que, para um althusseriano, é o irracional por
excelência) dizendo que "a filosofia (de Dussel] é, sem dúvida alguma, um saber autos
suficiente e fundamental que pode prescindir das ci ências ( . . . ] " (p. 235). Nosso crítico
ignora que a "elevação" dialética do abstrato ao concreto, embora recorrendo à ciência, é
propriamente dialética (cf. Método para utuJ .filosofía de la liberación, pp. 17 e ss., pp. 39 e ss.
etc.) . O "saber" passar do dinheiro à mercadoria, desta ao va lo r e deste ao trabalho (cf. o
esquema 6 deste livro) é crítica dialética . A explicação cientffica propriamente dita se realiza
no momento do "descenso" (demonstrativa, explicativa, justificativa: setas d e e dos esque
mas 4 e 5). Em seu afã de encontrar erros e ambiguidades por todos os lados, H. Cerutti
342
ENRIQUE DUSSEL
nem lê os textos que já escrevemos - e ele mesmo cita -: "Não se trata de negar a ciência
do ôntico, trata-se apenas de fundamentá-la" (ibid., p. 235). Deixamos de lado os insultos
tão frequentes nesta obra ofensiva - " [ . . . J e isto não só porfalta de leitura destas obras que
Dussel diz ter sobre a sua mesa [ . . . ] " (p. 235), "[ . . . ] aqui é onde se revela, em todo o seu
reacionarismo, esta proposta [ . . . ]" (p. 236) etc.
343
A P RO D U Ç A O T E Ó R I CA D E M A RX
40
Cf., supra , o cap . 5 .
344
E N R I QU E D U S S E L
Toda essa sabedoria [ burguesa] consiste, pois, em fixar-se nas relações econômi
cas simples, as quais, consideradas isoladamente, são abstrações puras, ao passo
que, na realidade, manifestam-se sobretudo através das antíteses mais profundas
e só apresentam um lado no qual a sua expressão se esfumou ( 1 86 ( 1 9 1 ] , 39-44;
1 59, 42- 160, 1 ).
Marx pode ver com novos olhos, pode criticar o próprio ser do capita
lismo (o capital-valor) a partir de uma exterioridade prática que lhe exige
41
O compromisso prático ou a articulação real organizativa (o "intelectual orgânico" de
Gramsci) com o oprimido (classe operária, massas pauperizadas, o pobre etc.) são a condi
ção real que permite a "conceituação" adequada (cf. meu artigo "História e práxis", expo
sição apresentada no Simpósio da Faculdade de Filosofia da UNAM, México, em Práxis
latinoamericana y.filosofia de la liberaci6n, Bogotá, Nueva América, 1983, pp. 307 e ss.; veja-se
em especial as obras de Jürgen Habermas, Erkenntnis und Interesse (Frankfurt: Suhrkamp,
1 977 [ esta obra está vertida ao português: Conhecimento e interesse. Rio de Janeiro: Zahar,
1 982. N. do T. ] ) e Theorie und Praxis (Frankfurt: Suhrkamp, 1 97 1 ) .
42
Ele diz: " O sentido d o mundo deve ficar fora d o mundo" (Tratactus, 6.4 1 ) . [ H á edição
portuguesa da obra de Wittgenstein: Tratado 16gico-.filosijico. lnvestiga{ões 'jilos6.ficas. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1 987. (N. do T.) ]
43
"Sentir o mundo como u m todo limitado é o místico" (ibid., 6.45) . Este "sentir" o sistema
como prisão é, justamente, a experiência dos oprimidos - sentir que, para Wittgenstein,
não tem nenhum sentido nem é obj eto de qualquer ciência.
Cerutti, op. cit. , reiteradamente nos critica por ser pequeno-burguês (p. 264: "interesses
da pequena burguesia intelectual acrítica" etc.). Cerutti é pequeno-burguês, como Marx
e Lenin (não como Fidel Castro e Engels, de origem propriamente burguesa) . A questão
não é a "situação originária" de classe, mas a "posição real" ou o lugar em que se move a
práxis integral do sujeito. A função da "pequena burguesia" na Argentina foi estudada, as
sim como na revolução latino-americana, especialmente na sandinista (do Che Guevara a
praticamente todos os comandantes sandinistas, todos são de origem pequeno-burguesa,
quando não da grande burguesia nicaraguense).
345
A P R O D U Ç A O T E Ó R I CA D E M A RX
II, parágrafo 22; t. III, parágrafo 46; t. IY, parágrafo 65 ; t. V, parágrafo 72) . Veja-se, sobre
o tema, o livro de Franz Hinkelammert, Crítica a la razón utópica (San José: DEI, 1 984,
346
E N R I Q t: E D US S E L
347
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
utopia é poder viver e os Grundrisse, já desde a sua "Introdução", nos aj udam a pensar esta
problemática.
348
E :'>: R 1 Q l" F. 1> l ' S S E 1.
349
1 8.
Do fato de que o lucro pode estar abaixo da mais-valia - ou seja: de que o capi
tal pode trocar-se por um lucro, mas sem se valorizar em sentido estrito - de
corre que não só os capitalistas individuais, mas as na{ões podem intercambiar
continuamente entre si, podem também repetir continuamente o intercâmbio
em uma escala sempre crescente, sem que por isso obtenham lucros iguais. Uma
pode apropriar-se constantemente de uma parte do trabalho excedente da outra,
pelo qual nada lhe dá em troca - mas, neste caso, isso não ocorre na mesma me
dida que entre o capitalista e o operário (45 1 [747] , 1 1-21 ; 755, 3-12) .
351
A P RO D UÇÃO T E Ó R I CA D E M A RX
352
E N R I QL' E D C S S E L
353
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Ali onde o dinheiro não deriva da circulação - como na Espanha -, mas é en
contrado diretamente, empobrece a nação, ao passo que aquelas nações que devem
trabalhar para arrancá-lo aos espanhóis desenvolvem (entwickeln) as fontes da
riqueza e se enriquecem realmente ( 1 60 [ 1 68] , 6- 10; 136, 2 1 -25).
354
EN RI QU E D U SSEL
se trata, pelo menos inicialmente, como ocorre com a maioria dos que
levantam a "questão da dependência", de dar maior importância à circu
lação ou à produção, à mais-valia absoluta (superexploração) ou relativa
(atraso tecnológico) , ao mercado interno ou externo, à troca desigual, ao
modo diverso ou à diversa magnitude da acumulação etc. Não. Trata-se,
expressamente, de descrever a essência, com todas as suas determinações,
de um capital "central desenvolvido" em vinculação constitutiva com um
capital "periférico subdesenvolvido" , sabendo que ambos, antes, são sim
plesmente capital.
Vale dizer - e como exemplo -: o fato da relação de produção centro
periferia não só não elimina, mas supõe as relações próprias de produção
de cada capital como capital. Do mesmo modo, o fato da dependência
não só não suprime, mas supõe uma economia nacional com todos os
seus componentes. Demonstrar que existia, do Peru ao norte argentino,
um sistema econômico próprio não apenas não nega, mas é o suposto da
dependência que tal sistema sofre relativamente à metrópole - fato pro
vado, como veremos, pelo simples dado de que era a prata a produção
fundamental de todo o sistema e que grande parte dela se exportava, saía
do sistema peruano-platense.
Todo o debate entre dependentistas e antidependentistas poderia ser
esclarecido se se compreendese dialeticamente que uma nação periférica
é, antes de tudo (e por analogia com o capital em geral) , uma nação ca
pitalista; mas, posteriormente e em um nível mais concreto, é uma nação
dependente - o que não nega toda a problemática histórica, única, própria
de uma nação real e concreta. A "essência em geral" do "capital global de
uma nação" - expressões próprias e explícitas de Marx - deve ser estudada
primeiro, até elevar-se a seu nível concreto, histórico, real. Uma vez consi
derada neste nível abstrato (já que se a analisou como um todo, como uma
determinação abstraída do sistema mundial real) , é possível passar a um
nível mais concreto e situar o país como parte do todo do sistema mundial:
totalidade concreta. Neste momento, e só nele, surge a necessidade, pri
meiro, de determinar a "essência em geral" das categorias: "capital central"
e "capital periférico", em si e em sua mútua relação. Depois, poder-se-á
descrever a situação concreta, histórica, real de uma "nação dependente" (a
partir da categoria antes construída de "capital periférico") . Nada disto foi
realizado em ordem, nem metodológica, nem analítica. Pensamos que
é necessário começar de novo, construindo as categorias em ordem, do
abstrato ao concreto, do simples ao complexo. Um certo debate teórico
deve anteceder as descrições históricas concretas.
355
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
interno". Pede-se que o mundial concreto explique o regional abstrato, analítico, parcial. É
necessário compreender que os dois níveis (regional e mundial) precisam ser estudados e se
situam em diferentes graus de abstração: o nível regional é "abstrato" (não interno) e o mun
dial (para Marx, o concreto, o "todo") é aquele em que deve situar-se a questão da dependên
cia - que, de todos os modos, sobredetermina todas as determinações abstratas regionais.
356
E N R I Q U E D lJ S S E L
(Gesamtkapital) de uma nação [ . . . ] ( 425 [727 ] , 1 -2; 735, 38-39) . Não só os capi
talistas individuais, mas também as nações podem intercambiar continuamente
entre si [ . . . ] (citado na abertura deste capítulo) .
357
A P RO D UÇAO T E Ó R I C A D E M A RX
358
E N R I QU E D U S S E L
359
A P R O D U ÇÃO T E Ó R I CA D E M A RX
Cf. La acumulacíón mundial (1492- 1 789) (Madrid: Siglo XXI, 1979, esp. pp. 224 e ss., "Sobre
la llamada acumulación primitiva") e I:accumulation à l'echelle mondiale (Paris: Anthropos,
1970, esp. pp. 159 e ss.: ed. esp.: México: Siglo XXI, 1974) . [Há edição brasileira da obra de
Gunder Frank: A acumulação mundial (1492- 1 789). Rio de Janeiro: Zahar, 1977. (N. do T.) ]
360
E N R I QC E D U S S E L
cio já não aparece aqui como função que possibilita às produções autônomas o
intercâmbio do seu excedente, mas como suposto e momento essencialmente uni
versal da própria produção (360 [332] , 8-19; 3 1 1 , 26-36) .
No original, obrajes, que eram "instalações para manufaturas diversas com trabalho servil
indígena" (nota do tradutor - Felipe José Lindoso de]. C. Mariátegui, Sete ensaios de in
-
361
A P RO D C Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
362
E N R I Q U E O l' S S E L
ESQUEMA 33
LEI ESSENCIAL, ABSTRATA E GERAL, QUE REGE A RELAÇÃO DO CAPITAL CENTRAL
DESENVOLVIDO E O PERIFÉRICO SUBDESENVOLVIDO NO NÍVEL DA PRODUÇÃO
E DO INTERCÂMBIO
+-c-.
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-c-+ r · · !'..,.
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l' (4)
/
p/ mv ( 2) 1 (2)
l' (1)
1 (5)
s (1)
s· (4)
Mp (4) vM (7) p (7) P' (10) P'(10) vM' ( 1 0)
Mp' (2)
..
Esclarecimentos do esquema 33
S: salário; Mp: meio de produção (tecnologia); mv: mais-valia; 1: lucro; le: lucro extraordinário;
b: obtenção de
tmv: transferência de mais-valia; P: preço; seta a: transferência de mais-valia; seta
lucro extraordinário; seta e: abstratamente p = l e p' =l'.
363
A PROD UÇÃO TEÓRICA DE MARX
364
E N R I QU E DUSSEL
365
A P R O D lJ Ç A O T E Ó R I C A D !\ M A R X
Cf. Hebert de Souza, "EI concepto de capital mundial", in Cuadernos semestrales. CIDE
(México) , 8 ( 1 980) , pp. 1 5-65 e "Notes on the concept of capital", in Brazilian Studies
(LAR U), octubre ( 1 977), pp. 1 -43 . O capital transnacional é um capital em processo de
mundialização - mas de nenhuma maneira atualmente mundial. São necessárias catego
rias como superlucro extraordinário, supertransferência de mais-valia etc.
366
ENRIQUE D U S S F L
367
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
é a distância entre dois obj etos ou limites (pontos) entre dois lugares; a
"posição" corresponde ao objeto localizado, situado, ocupando um lugar
no espaço. Marx coloca aqui a questão "espacial" (da distância) entre o
produto e a mercadoria no mercado.
O mercado é o "lugar" ; o "situado" é o produto-mercadoria; o "espa
ço" é a distância entre o lugar do produto e a mercadoria. Está claro que se
pode dar o caso em "que se pode comprar e inclusive consumir um pro
duto no próprio lugar da produção" (24 [440] , 25-26; 39, 40) . Neste caso,
não há transporte do produto e é, ipsofacto, produto-mercadoria, já que a
diferença essencial entre "produto" e "mercadoria" é essencialmente uma
questão de espaço:
Cf. parágrafo 1 3 . 1 .
368
E N R I QU E D U S S E L
ESQUEMA 34
DIFERENÇA NAS CONDIÇÕES E DETERMINAÇÕES ORIGINARIAS DO CAPITAL CENTRAL E
DO CAPITAL PERIFÉRICO
Capital
/
� Salãrio
central
(acumulação ---.
Dinheiro ..,.......- central
central
--.....
l
primitiva Meio de
1
Condições e supostos central) produção
diferentes (espaciais, central
por dissolução, por
uso e acumulação de
dinheiro etc.) Capital Salãrio
Periférico
Dinheiro � periférico
(acumulação ---.
periférico
primitiva --..... Meio de
periférica) produção
periférico
violência era inglesa) , mas a partir de violência externa (tese 3), emergirá, já
em seu nascimento, um capital débil, com maiores contradições que no
caso do capital central, assumindo modos de produção e apropriação não
369
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Sobre a "encomíenda", cf., supra, a nota 12, capítulo 1. Quanto à "mita", cujas raízes os colo
nizadores espanhóis encontraram já na sociedade incaica, "consistia no serviço obrigatório
e minimamente remunerado que, em prazos de quatro meses e por turnos, os indígenas
do Peru deviam prestar nas minas", sistema que "se converteu numa sementeira intermi
nável de abusos" (Mesa, J., Gisbert, T. e Gisbert, C. D. Mesa, História de Bolívia. La Paz:
Gisbert, 1 999, p. 1 1 7) . (N. do T. )
Para exemplos, leiam-se as obras já citadas de S. Amir e de A. Gunder Frank (e espe
cialmente consulte-se a bibliografia desta última, pp. 257 e ss.); cf. ainda Theotonio dos
Santos, Imperialismo y dependencia (México: Era, 1978, pp. 300 e ss.).
10
Cf. Linda 1 . Colón Reyes, Los orígenes de la burguesia y el banco de avio (México: EI Caballito,
1 982) .
370
rapidamente nas áreas rurais nos séculos XVI e XVII - não se produzirá,
por lógica própria, emigração de camponeses. Às vezes, haverá legislação
para obrigar os indivíduos a entrar no sistema - por exemplo, pagando
seu tributo em dinheiro a ser obtido por meio de um salário1 1 • De qual
quer modo, o mercado interno pequeno, o pouco dinheiro, a força de
trabalho abundante (trazida por coação e violência mais ao lugar da pro
dução mesma que ao mercado de trabalho) etc. significarão um sistema
salarial muito diferente do que dispõe o capital central ( tese 9) .
E o que dizer dos meios de produção? Aqui está o calcanhar de
Aquiles de todo o capital periférico. No que toca à inversão de dinheiro
em máquinas, tecnologia etc., compreende-se que a distância e a pouca
densidade do capital periférico (distante do capital central, débil em sua
quantidade e também disperso no seu próprio território) o impedirão de
concorrer com o capital central: os meios de produção simplesmente não
se produzem na periferia e há que transportá-los por distâncias enormes
- os custos de produção sobem, mas como supervalorização inútil . De
fato, a essência última da debilidade do capital periférico consiste em que
o processo de valorização útil é muito menor que no centro (ou, de outro
modo, em que há menos realização: subvalorização ) .
371
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
372
ENRIQUE D U S S B L
373
A PRODUÇAO TEÓRICA DE M A RX
12
K Marx, El capital. México: Siglo XXI , III, vol. 6, pp. 304-305.
374
E N R I Q U E D l: S S E L
375
A P RO D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Os capitalistas dos países industriais dispõem não apenas de uma base própria de
exploração, que assegura a reprodução ampliada das relações capitalistas domi
nantes através da exploração do proletariado dos países industriais [ . . ] , mas, .
também, de uma base internacional de exploração, que está assegurada pela re
produção ampliada das relações internacionais de produção específicas do capi
talismo. São estas relações que permitem aos capitalistas dos países industriais
explorar também os trabalhadores dos países dominados 1 4•
13
Arghiri Emmanuel et alii, El intercambio desigual (México: Siglo XXI, 1 972). Cf, sobre a
troca desigual, pp . 94 e ss.; sobre o salário, pp. 1 4 1 e ss. ; sobre a composição orgânica, pp.
1 95 e ss. Emmanuel funda a sua argumentação sobre o salário. [ Há edição portuguesa da
obra citada: A troca desigual. Lisboa: Estampa, 1976. (N. do T. ) ]
14
"Observaciones teóricas", i n ibid. , p p . 338-339.
376
ENRIQUE DUSSEL
377
A PRODUÇAO TEÓ RICA DE MARX
ESQUEMA 3 5
ANTECEDENTES DA "QUESTÃO POPULAR" E SEU DESENVOLVIMENTO POSTERIOR
)
pauperismo colonial nacional populismo folclore e
(Marx) (Marx) (Lenin etc.) na Rússia o fascismo
�=:���aterra
1 :��landa
(Marx)
l.___
__ 1----
____.. l-J 1
. 1
5. E posslvel o
capitalismo russo
T
sem colônias?
(Lenin etc.)
7. É possível o 6. Questão do
socialismo imperialismo
em um só (Lenin)
país? (Stalin) , r
....___
_ ___._.,_.___.
378
E N R I QU E D lJ SSEL
Esta é a posição de H. C e ru tti na op. cit., quando escreve (p. 3 18 ): "no discurso populista
se verifica em aspectos fundamentais e decisivos [ . . . ] a reiteração do conceito de p ovo ".
Ou seja: para este autor, ou se opera uma interpretação classista (que é abstrata) ou se cai
no populismo porque se emprega a categoria "povo". Neste caso, Fidel Castro, Borge etc.
seriam, para Cerutti, p opu l istas .
16
Crer é terfé. Para Cerutti, op. cit. , isto seria cair no fidefsmo. Ele parece ignorar a problemá
ticaJi1osijica , estritamente_filos�a. da questão da "fé". P. ex. , Kant fala de uma "fé racional
(vemünftige Glaube)" ou "fé moral" (GMS, BA 64; cf. meu texto Para una destrucci6n de la
historia de la ética, § 1 5, p. 267) . Jaspers fala igualmente da fé existencial. De nossa parte,
temos mencionado, como experiência existencial primeira, a "crença na veracidade da
palavra do outro" (cf. Para una ética de la liberaci6n latinoamericana, parágrafo 24; t. II, pp. 52
e ss. e, também, pp. 1 68 e ss. e p. 241 , nota 505). A referência crítica a um "populismo
fideísta" é simplesmente demonstração da ignorância da problemática_fi1os6fica da �ré an
tropológica". Castro se situa no nível de uma fé política.
17
Fé na pessoa, no outro, em alguém - não apenas em algo (cf. parág. 17. 1 .d) .
18
O "não trabalhador" é o "nada p l e no" para o capital, exterioridade, pauper (cf. parág. 1 7. 1 ,
b e e) .
19
Note-se que primeiro se aponta o desempregado, o lumpen, e depois o camponês - mais nu
meroso. Somente em terceiro lugar se nomeia o assalariado industrial urbano. o operário.
A P RO D U Ç Ã O T E Ó RI C A D E M A RX
[ . . . ] cujos salários passam das mãos do patrão às do especulador; aos 100 mil pe
quenos agricultores, que vivem e morrem trabalhando numa terra que não lhes
pertence, contemplando-a tristemente como Moisés a terra prometida20 [ ] ; . • •
O que interessa ao povo? Aqui, é o povo que tem que dizer a palavra22•
20
A releitura do livro do Êxodo, já realizada por Tupac Amaru na sua proclamação insurre
cional no século XVIII, é hoje muito frequente nos movimentos revolucionários latino
americanos e na chamada "Teologia da libertação".
21
"La historia me absolverá", in Fidel Castro, La revolución cubana. 1953- 1962 (México: Era,
1 975, p. 39) . Atualmente, na Faculdade de Filosofia de Havana, a questão "O que Castro
entende por povo, quando se trata de luta?" comparece em exames a que se submetem os
estudantes.
22
"El discurso de la victoria", ibid., p. 1 45. Para o significado de "escutar a voz do outro", cf.
a minha Para una ética . . . , passagens indicadas na nota 16, supra .
23
Novamente os camponeses são antepostos aos operários industriais.
24
F. Castro, op. cit. , pp. 21 8-2 1 9.
380
E N R I QU E D U S S E L
questionada teoricamente por Lenin nos anos noventa, ficou praticamente se-
Na questão da "acumulação primitiva" (EI capital, I, cap . 24: "empobrecimento das mas
sas populares (Volksmasse)" (vol . 3, 899; MEW, XXIII, p. 746) ; "pauper ubique iacet" (902;
749); "as terras do povo" (906; 752) ; "para os pobres expropriados" (906; 753 ) ; "pobreza
popular ( Volksarmut)" (907; 753): "as classes populares (Volksklassen) " (citação de Price -
909; 754) ; "roubos, humilhações e opressão que acompanham a expropriação violenta do
povo" (910; 756) etc. etc. Também Marx será populista por usar a categoria povo ligada a
pobre? Decerto que sim, para Cerutti.
26
Veja-se o Caderno XIV de Marx, de apontamentos de obras do Museu Britânico; trata da
"questão colonial" - é ainda um caderno inédito [Londres, 1 85 1 ] .
27
Era, ainda, uma consideração "abstrata". Cf. José Aricó, Marx y América Latina (México:
Alianza, 1 982) . ( Há edição brasileira desta obra: Marx e a América Latina . Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1 982. (N. do T.) ]
28
C f. Rubem César Fernandes, Dilemas do socialismo (Rio d e Janeiro : Paz e Terra, 1982) [ o
título completo d o livro organizado por R . C . Fernandes é Dilemas do socialismo. A con
trovérsia entre Marx e Engels e os populistas russos. (N. do T.) ] . Um excelente trabalho sobre
a questão do populismo russo é o de V. Aleksandrovna Tvardovskaia, EI populismo ruso
(México: Siglo XXI, 1 979) : veja-se em especial o texto de Lenin, Contenido económico dei
populismo (Madrid: Siglo XXI, 1974) . No futuro, dedicaremos um trabalho a mostrar
que o Marx definitivo esteve mais de acordo com os "populistas russos" que. talvez, com
aqueles que, em seu tempo, adotaram a posterior posição de Lenin.
381
A P R O D U Ç Ã O T E Ó R I C A D E M A RX
Mas, para Marx, a questão dos populistas russos - que ele acolheu
com simpatia e compreensão científica - vincula-se a outra, que já colo
camos:
29
J. Aricó, op. cit. , p. 44.
30
Ibid. , pp. 63 -68.
31
lbid., p . 74.
32
Cerutti também me acusa, repetidas vezes, de ser populista por ser "etapista". Por isso,
deveria antes criticar-me como leninista, stalinista ou por assumir a posição de Mao em
"A nova democracia" - mas eu não seria populista por causa disto. Ele parece confundir
o sentido de um texto de Lenin: "O populismo se converteu quase completamente em
ideologia pequeno-burguesa, erguendo uma barreira entre ele e o marxismo" (op. cit. , p.
1 56).Talvez por isso ele insista tanto sobre o meu "antimarxismo" dos anos 1 960 (que, na
realidade, era antidogmatismo, antialthusserianismo ou recusa da posição política do PC
argentino, que já se separara do povo ao seguir a linha staliniana de ordens e contraor
dens) . Mas não se deve tentar denegrir as pessoas mediante uma ''imputação ideológica"
de antimarxismo (como outros, ao mesmo tempo e por razões igualmente políticas, me
imputam ser marxista) .
382
ENRIQUE D USSEL
JJ
Cf. nossa Ética.filosófica /atinoamericana, parág. 62 (t. rv; pp. 49 e ss. ) , especialmente as notas
1 1 6 a 137 (pp. 137 e ss.). O sentido hegeliano de "povo" é equívoco: por uma parte, é a
multidão, a massa amorfa e indeterminada, o irracional na história; por outra, como cate
goria política, o "espírito do povo (V&lksgeist) " é praticamente a divindade na história. Não
podemos aceitar esta categoria em nenhum destes sentidos.
Sabe-se que "Miroshevski (assim como Eudocio Ravines), ainda em 1 94 1 , continuava cri
ticando Mariátegui por seus desvios populistas" ( cf. ]. Aricó, Mariátegui y los orígenes dei mar
xismo latinoamericano. México: Cuadernos de Pasado y Presente, nº 60, 1 978, pp. XXXIX
e ss.). Alguns "dogmáticos" também criticavam Mariátegui como ideólogo "pequeno
burguês" por colocar a "questão nacional indígena" fora de um marxismo clássico.
383
A P RO D UÇAO T E Ó RI C A D E M A RX
.15
Na América Latina, a posição "mariateguiana" antecipa um pouco a posição "gramsciana".
Igual mente , o "althusserianismo" latino-americano foi uma reprodução contemporânea
do dogmatismo antimariateguiano. Cerutti cai neste abstracionismo (em nome do pensa
mento concreto e crítico).
Sartre, na Crítica da razão dialética, censura aos "dogmáticos" por catalogar simplesmente
Valéry como "pequeno-burguês" como Cerutti continuamente faz. A questão, observa
-
384
E N R I QU E D U S S E L
com a memórias das suas gestas, com cultura própria, com continuida
de no tempo etc.
37
Cf. parágrafo 1 7. 1 .b e e. Chamamos a esta "exterioridade" o momento "escatológico", o
"mais além" do sistema. Esta denominação oferece, novamente, oportunidade para que
Cerutti "clericalize" depreciativamente a questão. Pode-se, também, falar de "transcen
dentalidade".
385
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
ESQUEMA 36
Povo COMO CATEGORIA E SUJEITO HISTÓRICO DE TRANSFORMAÇÃO E PERMANÊNCIA
DAS FORMAÇÕES SOCIAIS CONCRETAS
- - - - Dominador
- -- ·
- - ----- --
- - - - - - - - - ---- - *'�
Dominador
- - - - - - --------- f
_______ _ _ _ _ __
servo assalanado
etc.
pobre pobre
povo povo
38
Como dissemos, Marx aprecia designar o "pobre" em latim (pauper) tanto nos Gnmdrisse
quanto n'O capital (textos citados supra).
39
"Como s e verá, a noção de pobre é uma das noções-chave da filosofia da libertação"
-
(Cerutti, op. cit. , p. 30) claro que, para o crítico, trata-se de um conceito ambíguo por
excelência.
40
Cf. parágrafo 7. 1 .a .
386
E N R I QU E D U S S E L
41
Para nós, sempre na Ética . . . , "pobre" significava, de uma parte, o oprimido como tal, mas
ao mesmo tempo como exterioridade: enquanto oprimido, é momento de uma classe;
enquanto exterioridade em relação ao sistema, é membro do povo (mais concreto). "A
noção de povo inclui ambos os aspectos, ou seja, o que o sistema introjetou no oprimido
e a positividade do oprimido como dis-tinto do sistema" (t. rv, p. 76) . Captava-se explicita
mente a diferença entre o conceito de classe como a determinação intrassistêmica capitalista
e o conceito de povo, que inclui as classes oprimidas e os outros estratos transcendentes,
de fora, exteriores ao sistema. Agora podemos formular tudo isso com categorias de Marx
- antes, eram posições metafisicas pré-marxistas, mas de um hegelianismo anti-hegeliano,
feuerbachiano através de Levinas.
42
Veja-se o conceito de "alteridade" nas minhas Filosofia de la liberación . . . (parágrafos 2.4.4,
4. 1 .5.2 etc.) e Para una ética . . . (t. 1, pp. 1 1 8 e ss.).
43
Cf Néstor Garcfa Canclini, Arte popular y sociedad en América Latina (México: Grijalbo, 1977) ,
bibliografia, pp. 277-286. [Este livro de N. G. Canclini está editado no Brasil sob o título A
socializafão da arte: teoria e prática na América Latina. S. Paulo: Cultrix, 1984. (N. do T.) ]
387
lucionária e não simplesmente populista - e, para tanto, deve contribuir
a filosofia latino-americana, sob pena de esterilizar-se, mostrar-se inútil
e inautêntica.
Em trabalhos futuros aprofundaremos todas estas questões. Por ago
ra, só afirmamos que o Marx dos Grundrisse nos permite - ainda que,
neste sentido, sem qualquer formulação explícita - considerar a diferença
entre a questão da classe e a questão do povo. A questão da classe diz res
peito, no capitalismo em geral, à essência de um modo de apropriação, na
medida em que determina os agentes coletivos no interior da produção e
da distribuição, do intercâmbio e do consumo. Mas, em concreto (não no
geral) e com referência a uma fo rma{ão social histórica (e não meramente
a um modo de apropriação ou produção abstratamente considerados),
a questão do povo adquire uma importância maior e é possível - apenas
situamos a problemática e não desenvolvemos uma análise mais acabada -
constituí-la como uma categoria analítica com um conceito preciso.
É um grande erro, por suas consequências políticas - já que as conse
quências filosóficas não são as mais importantes - confundir "povo" com
"populismo"44• Isto se deve a um marxismo mal-assimilado, abstrato, dog
mático, que julga que com apenas a categoria abstrata de classe se pode ana
lisar a totalidade social concreta. Parece que não se leu O 18 brumário45 e que
o estudo do "capital em geral" basta para analisar toda realidade concreta.
Para concluir, vem-nos a tentação de citar Marx, que, na abertura do
livro I d'O capital, transcreveu os versos de Dante (Divina Comédia, V, 1 7) :
Segui il tuo corso
e lascia dir le genti.
Sigamos, pois, o nosso caminho - o caminho do povo latino-americano,
que entrou em uma etapa gloriosa da sua história, a etapa da sua emanci
pação da alienante subsunção que o capital operou sobre suas vidas, suas
culturas, suas alegrias e festas, sua dignidade, que é seu sangue, o sangue
de seus heróis e mártires, sangue com o qual não se comercia . . .
44
Este é o erro de fundo de Cerutti na op. cit.
Este estudo conj u n tu ra l de Marx mostra a complexidade de uma formação social num
momento dado, não excluindo, tampouco. a categoria "povo": O povo proclamou este
"
golpe de mão . . . " (El dieciocho brumario. Pekfn: Ed. Lenguas Extrangeras, s.d., p. 13; MEW,
VIII, p. 1 1 8) . ftblk é um conceito usado por Marx, mas não construído - o que não signi
fica que não se deva construí-lo. [O estudo referido encontra-se disponível em K Marx,
A revolu�ão antes da revolu�ão . S. Paulo: Expressão Popular, II, 2008. (N. do T.) ]
388
AP�NDICE
ESQUEMA 37
CRONOLOGIA DAS PRINCIPAIS OBRAS DE MARx ( 1 8 4 1 - 1 8 7 8 )
1 877-1 878 Manuscri tos Continuação L. II d'O capital. Usado por Engels
(267 p.)
XI
1 877 (fins de V 56 Parte do cap. 1 , todo o 2 e o 3, e quase todo o 4;
março) 90 p.: 47-137 (seção I)
Jul -out/1 87 8 VI 17 No cap. 1 ; 4 p. 43-47
2/j ul/1 87 8 VII 7 No cap. 1 ; 13 p.: 30-43
VIII 70 São usadas 160 p.: 439-476, 483, 487- 5 1 5 , 533-
586, 597-638
1 885 L. II O capital , editado por Engels com : Cadernos
(pub l i cad o I-IV (1 865-1 870) , Cadernos V-VIII (1 877-1 878) XII
por Engels) e cadernos desaparecidos (l 863 - 1 865)
1 894 L. III O capital, editado por Engels com: a lgo dos
(publicado Cadernos XVl-XXJll ( 1 86 1 - 1 863) , Cadernos do
XIII
por Engels) manuscrito pr in c i p a l ( 1 863- 1 865), Caderno III
( 1 870?) e Caderno I ( 1 87 5 )
1 905- 1 9 1 0 L . IV O capiral, editado por Kautsky com:
(p u bli cado Cadernos VI-XV ( 1 86 1 - 1 863) XIV
por Kautsky)
389
A P R O D U ÇÃO T E Ó R I C A D E M A RX
ESQUEMA 38
EVOLUÇÃO DA ARTICULAÇÃO TEMÁTICA DOS GRUNDRJSSE ATÉ 0 CAPITAL
Introdução
l . O CAPlTAL
1
1. O cap ital em geral 1 . Capítulo da mercadoria \
A.. O capítulo do dinheiro l 2. Capitulo do dinheiro
B. O capítulo do capital _f
Plano de 1 859*
� Temas tratados
2. A concorrência parcialmente
3. O crédito
4. O capital acionário
II. RENDA DA TERRA
III. SALÁRIO
Temas sem tratamento
N. O ESTADO
V COMÉRICO EXTERIOR r----+ teórico-sistemático
posterior
VI. MERCADO MUNDIAL
--.- 6. Salário
}---+- 7. Acumulação do capital
E. A máquina
f-
F. Produtividade do capital
G. Retomo da mais-valia
.
em capital 8. Capitulo VI méd1to
H . Teorias da mais-valia
391
A P R O D C Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
ESQUEMA 39
GRUNDRISSE DE MARx
Estrutura d a Lógi c a
1
Seção 1 Seção II Seção III S e ç ão 1 Seção II S eção III
l/
Ser, em si) (1)
nada Essência, Apa rê nc i a Rea l id ade ,
identidade, ab
Q u a l i d ad e fundamento � ������) C��:)'
Ente Qu a n t i d ad e M ed i d a
à
Passage m
essência .. (II)
Exis te nc i a
T
C oi sas
( mund o r e cíp roc a s
fenomênico)
M e r c ad o r i a Va lo r D i n h e i ro Processo de Lucro
_l
(en te)
D e term i n aç ão
de
t roca
(va l or
que Pas sage m ... ci rcul a ç ão
(II)
m ed e ) ao cap i tal
f "-... Val or
Processo de
produção (III )
Valor de Essência (essencial) R ea l i z aç ão
(ser) uso do cap i ta l (1) do c ap ita l
ESQUEMA 4Ü
Tomo !
392
E N R I QU E D U S S E L
1 80,17 155,34-35 Sist. filosof IX,93 Identidade e diferença do sujeito no ser outro
239,1 1 -14 206,1 8-21 Fil. história XI,3 1 6 Mediação entre o subjetivo e o objetivo
407,32-37 351 ,26-31 Lógita IY,68 1 -682 Momentos dialéticos (afirmação, negação,
negação da negação
Tomo II
7,6-7 4 1 8,21 -22 Enciclopédia VI , 1 60-161 Plural e singular (Momentos)
2 1 8-225 583-589 Fil. direito VII,277 -278 A máquina como subj etividade
Sist. filosofia VIIl,261 -262
227,1 4-23 591 -592 Fil. direito VI I , 277-27 8 A máquina como sujeito
393
A P R O D U Ç A O T E Ó R I C A D E M A RX
228,2 1 -25 592-593 Fil. história Xl,3 1 6 Mediação entre indivíduo e sua natureza
inorginica